Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Resumo:
Este trabalho pretende analisar as formas de apropriação dos estereótipos da violência a partir de
um estudo de caso. Para tanto, escolhemos a notícia da policial militar Kátia Sastre que reagiu a
um assalto e acabou matando o assaltante em frente a uma escola na saída da comemoração de
dia das mães em Suzano, Grande São Paulo. A escolha foi baseada na ênfase dada pelas
reportagens ao caráter inusitado da notícia, associada à construção narrativa das matérias, que
nos despertou questionamentos sobre a influência do jornalismo na construção de categorias de
valorização ou desvalorização da vida de indivíduos, baseadas nos estereótipos sociais usados
para representá-los. Faremos uma análise do papel do telejornalismo na vida cotidiana, tentando
compreender a utilização política do medo em programas policiais à luz da análise do discurso,
buscando identificar as formações discursivas presentes na representação da violência na TV.
Abstract:
This paper pretend to analise the ways of apropriation of de violence stereotypes from a case
study. Therefore, we chose the news of a militay police, Kátia Sastre, who reacted to a robbery
and ended up killing the assailant in front of a school leaving the Mother's Day celebration in
Suzano, São Paulo. The choice was based on the emphasis given by the reports on the unusual
character of the news, associated with the narrative construction of the stories, which raised
questions about the influence of journalism in the construction of categories of valuation or
devaluation of the life of individuals, based on the social stereotypes used to represent them. We
will analyze the role of television journalism in everyday life, trying to understand the political
use of fear in police programs in the light of discourse analysis, seeking to identify the
discursive formations present in the depiction of violence on TV.
O título de “mãe heróina” foi dado a policial militar Kátia Sastre pelo telejornal
Brasil Urgente da rede Bandeirantes. Entre os dias 12 a 15 de maio de 2018, o programa
que trata, prioritariamente, de notícias de violência, veiculou cinco reportagens sobre a
ação da policial responsável por impedir um assalto na porta de um colégio em Suzano,
Grande São Paulo, “salvando o dia das mães”, na visão do telejornal. O fato teve
tamanha proporção que a cabo se candidatou a deputada federal pelo estado de São
1
Mestranda no PPGMC-UFF integra o grupo de pesquisa MULTIS, Núcleo de Estudos e Experimentação
do Audiovisual, desenvolvendo pesquisa sobre os usos dos estereótipos da violência no telejornalismo e
seu papel na disseminação da cultura do medo. Email: marcelarochettiarcoverde@gmail.com
1
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
Paulo pelo Partido da República, PR, se elegendo. Este artigo integra uma pesquisa
maior que visa entender como a mídia se apropria dos estereótipos sociais nas narrativas
de homicídios. O estudo desse caso, em particular, foi proveitoso para fornecer uma
primeira impressão de como essas narrativas são construídas, que formações discursivas
elas recuperam e perceber o papel dos estereótipos da violência na construção de uma
diferenciação entre os valores atribuídos à vida de diferentes atores sociais.
A ESPETACULARIZAÇÃO DO COTIDIANO NA TV
O surgimento da televisão é em marco na história da humanidade. Apelidada de
“janela do mundo”, ela se estabelece como a primeira mídia a proporcionar o uso
máximo, possível, dos sentidos, combinando áudio e vídeo e fornecendo uma forma
experimentação do real, muitas vezes até em “tempo real”. Ela permite a veiculação de
imagens em alta velocidade para um público extenso em ambiente privado. E, a partir
desse consumo privado, individualizado, o telespectador é inserido dentro de uma
realidade construída pela mídia que o convida a vivenciar um real espetacularizado. Por
meio de múltiplos enquadramentos da realidade social, a mercantilização de imagens
que sustenta a televisão como negócio pode ser entendida como a materialização da
relação entre espetáculo e mercadoria, apontada por Debord (1997, p. 33), na qual “a
mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral”.
“A televisão, inserida no cotidiano doméstico disponibiliza sentidos que
compõem a convivência em comum de uma dada sociedade” (LANA, 2009, p. 45). Ela
está presente em nossas casas, seus produtos ajudam a condicionar os ritmos da vida
cotidiana. Mediamos nossas tarefas diárias de acordo com o horário do jornal ou de
nossa novela favorita. Algumas vezes, até deixamos a televisão ligada como forma de
“companhia” para nossas tarefas domésticas. Assim, televisão e o cotidiano se misturam
nas sociedades contemporâneas, compartilhando aspectos semelhantes inerentes as suas
naturezas particulares. Heller (1989, p. 43-46) aponta como características do cotidiano:
a fixação rotineira do ritmo, a imediaticidade, pouco tempo para a reflexão, a
ultrageneralização, o banal que também tem espaço para o inusitado.
As características a apontadas por Heller para descrever a vida cotidiana podem
ser utilizadas também para entendermos a forma de funcionamento da televisão. De
2
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
3
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
4
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
morte do assaltante, pelo contrário, ela é justificada pelo caráter “perigoso” do rapaz
que já tinha participado de um homicídio descrito como um ato com “requintes de
crueldade”. Erivelton Moreira teve sua morte apagada, assim como sua humanidade.
Nas reportagens, ele é um bandido, criminoso, ladrão, ousado, cruel, alguns adjetivos
usados pelo programa para caracterizá-lo. Seu nome é citado brevemente em duas
reportagens. Sua história e sua subjetividade não existem no relato. Para a narrativa, ele
é somente o mal eminente que deve ser evitado. Esse processo de representação é
recorrente nas reportagens policiais.
Uma vez que as notícias têm como função informar e ajudar a orientar as
pessoas em suas realidades histórico-sociais, as narrativas da violência podem ser
percebidas como manuais de identificação do “mal”, onde se ensina a evitar o “perigo”,
para que se possa preservar a vida. Matheus (2011, p. 39) afirma que “o fato de o mal
não ser personificado rapidamente em atores concretos leva essas narrativas a encenar
universos ainda mais fantásticos potencializando a capacidade de difusão do pavor”.
Talvez, por isso, Erivelton tenha perdido sua humanidade, passando a ser identificado
não só como uma ameaça passageira, mas como um profissional, um agente da
violência que “não era novato no mundo do crime”, como nos fala a repórter.
O formato utilizado na produção de notícias com temática pautada na violência
veiculadas na televisão atravessa o histórico da construção de um telejornalismo
popular, que começou a se consolidar na década de 90, sendo caracterizado por uma
linguagem “que lida com o intercâmbio e a combinação de diferentes recursos
audiovisuais” (LANA, 2009, p. 43). Lígia Lana usa o termo “telejornalismo dramático”
para classificar os jornais televisivos que, assim como o Brasil Urgente, misturam
elementos de vários gêneros – programas de auditório, jornalismo tradicional,
entrevista, documentário –, criando uma narrativa dramatizada da realidade, onde a
espetacularização, torna difícil separar o ficcional do real.
5
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
6
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
2
Deve-se considerar que devido à greve dos caminhoneiros essa porcentagem pode ter sido menor do
que o padrão do telejornal. Do dia 24/05 até 30/05 não subiram para o site notícias de violência, estando
disponível somente a cobertura da greve.
7
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
Para Lana podemos entender a procura por essas notícias que sencionalizam a
morte como um indício do sucesso do Brasil Urgente de “que suas estratégias
funcionam; o público reconhece não apenas os conteúdos levantados como as maneiras
de falar construídos por seus quadros” (LANA, 2009, p. 41). A dramatização das
notícias de violência retoma um imaginário do medo. Nelas podemos dividir os
personagens nas categorias de bem e mal, sendo facilmente identificadas a
características de cada um. Nessas narrativas os “vilões”, tradicionalmente, têm a
mesma cor, a mesma classe social e são sempre representados na mídia da mesma
forma.
Na perspectiva de Matheus (2011, p. 42) “a sensacionalização das notícias
assegura o reconhecimento do leitor com determinados personagens e rejeição de
outros, promovendo o compartilhamento de uma noção de experiência comum e
íntima”. As reportagens analisadas possuem uma narrativa que permite ao público
interpretar que Erivelton é uma pessoa vil. Dessa forma, é aceito implicitamente que seu
crime, vale mais do que a sua vida. A notícia é sobre o assalto, a morte de Erivelton é só
uma informação dada sem destaque.
Em sua análise sobre o telejornal Brasil Urgente, Lana (2009, p. 12) identifica
que o programa faz extenso uso de palavras supérfluas, redundância, improviso,
informações apresentadas com comentários do apresentador, textos confusos e matérias
com falta de dados. Para ela, “o programa propõe um tratamento editorial exagerado a
fatos que em outras circunstâncias não receberiam tanta atenção, tirando proveito de
histórias pessoais de sujeitos comuns. A exploração dessas histórias reais banaliza a dor
do outro” (LANA, 2009, p. 12). Todas essas características ajudam a orientar o
espectador para uma interpretação fragmentada da realidade social.
Todos os aspectos analisados sobre o telejornal, sua linguagem, formatos, sua
tendência à dramatização das notícias que veicula, nos dá algumas pistas sobre o
problema central que tentamos responder nesse artigo. Podemos perceber até agora que
as características do Brasil Urgente carregam em si um histórico de utilização de
8
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
9
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
10
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
11
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
12
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
daquilo que é deixado de fora, como se o exterior ajudasse a constituir aquilo que está
sendo delimitado.
Mais do que uma classificação semântica, os estereótipos que ajudam no
processo de constituição das identidades a partir da diferenciação representam formas
ideológicas de separação dos indivíduos em critérios de valor e em hierarquias de poder.
As “unidades que as identidades proclamam são, na verdade, construídas no interior do
jogo de poder e exclusão, elas são o resultado não de uma totalidade natural inevitável
ou primordial, mas de um processo naturalizado, sobre determinado, de fechamento”
(HALL, 2012, p. 111).
Ao pensarmos sobre a forma como foram representados os personagens das
matérias, podemos perceber que existe uma clara divisão entre aqueles cujas vidas
mereciam ser salvas – para o jornal – em oposição à do agressor, que sofreu uma
desvalorização. Em suas reportagens, o Brasil Urgente fala para um público específico
que o programa chama de “cidadão”, muitas vezes sendo utilizada a expressão “cidadão
de bem”. Esse público que se considera acima da ilegalidade, em sua maioria
pertencente à classe média, seguidor de padrões morais conservadores, é também aquele
que visa uma legitimação de sua condição de superioridade e distinção através da sua
diferenciação daqueles que julgam inferiores, determinando suas identidades por meio
da estigmatização de outros atores sociais.
Em sua imersão na realidade de uma comunidade caracterizada por uma forte
bipolarização social, Nobert Elias nomeia os eixos antagônicos dessa comunidade de
“estabelecidos e outsiders” e percebe que o estabelecimento e perpetuação de uma visão
negativa daqueles considerados outsiders, assim como a exclusão social dos mesmos, só
são possíveis devido à facilidade de acesso a cargos de poder que os estabelecidos
possuíam:
13
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
14
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
3
Texto original: “They accumulate meanings, or play off their meanings against one another, across a
variety of texts and media. Each image carries its own, specific meaning. But at the broader level of how
‘difference’ and ‘otherness’ is being represented in a particular culture at any one moment, we can see
similar representational practices and figures being repeated, with variations, from one text or site of
representation to another” (HALL, 1997 p. 232).
15
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
16
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
Também é feita uma forte associação da imagem do apresentador como uma voz
de autoridade na representação das opiniões do leitor imaginado. Por vezes, ele se tenta
usar seu tempo de profissão como validação de sua posição de especialista no assunto e,
portanto, legitimando suas opiniões, como acontece na fala:
4
Definição retirada do site: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2010/01/direitos-e-deveres>
17
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
possível que em 18 anos analisando esse tipo de situação, que eu não tenha o
direito de dar minha opinião (Brasil Urgente, 14.05.2018, reportagem 2)
18
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
REPORTAGENS CONSULTADAS
Reportagem 1: MÃE heroína: policial à paisana atira contra assaltante. Brasil Urgente,
12.05.2018. Disponível em: < https://videos.band.uol.com.br/16441960/mae-heroina-
policial-a-paisana-atira-contra-assaltante.html>
Reportagem 4: SP: policial impede assalto em festa do dia das mães. Brasil Urgente,
14.05.2018. Disponível em:
<http://noticias.band.uol.com.br/brasilurgente/videos/16442706/sp-policial-impede-
assalto-em-festa-de-dia-das-mães>
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.
20
II Congresso TeleVisões – Niterói, RJ – 16 e 17 de maio de 2019
HALL, Stuart. The spectacle of the “Ohter”. In: HALLS, S.; EVANS, J.; NIXON, S.
(Orgs.). Representation: cultural representations and signifying practicis. Londres:
Sage, 1997. p. 225-279.
21