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destacados escritores lusitanos, sublinhou a culturas sucessivas...” 9: de um lado, os
enorme distância que os separa, registrando, derradeiros estertores do mundo clássico,
no prefácio da sua “Lírica de João Mínimo”: com sua vigorosa preocupação racional; de
“O excêntrico, ininteligível, estapafúrdico...” outro, os frêmitos inaugurais do mundo
Bocage “...dos cafés... não pode ser o mesmo romântico, com seu intenso cuidado e
que o tradutor de Ovídio, o autor do Leandro desvelo para com o sentimento.
e Hero, de Tritão e de tanta cousa bela” (sic).5 Embora um árcade, como o demonstra,
Voltados para o BOCAGE literário, por exemplo, a sua métrica rigorosa,
principiemos por frisar o “...modo de BOCAGE foi também e sobretudo um pré-
produção poética típico do século XVIII, romântico, como o revela a sólida repercussão
quando os poetas, reunidos em academias, que sua vida e circunstâncias pessoais
dependiam do financiamento dos ricos e tiveram em sua obra; constituindo, de fato,
poderosos aos quais, em troca, cumpria uma rebelião pessoal, uma insurreição
dedicar versos elogiosos”; 6 e versos que poética, um rompimento literário com a idade
atendiam às rígidas lições dos clássicos clássica. Afirma-o Maria Helena da Rocha
gregos e latinos, adotavam-lhes o código Pereira: “...um dos poucos setecentistas
mitológico, e caracterizavam-se pelo portugueses a merecer a designação de pré-
convencionalismo, pelo artificialismo e pelo romântico”;10 e reafirma-o Guerreiro Murta:
formalismo – em verdade, “...um excesso de “Bocage foi, sem dúvida, no seu tempo o
forma sobre fundo...”.7 Não foi diferente poeta que mais contribuiu para a formação
com BOCAGE, que, sob o nome poético de do Romantismo” (sic); 11 com o apoio de
Elmano Sadino, integrou a Academia respeitados estudiosos, como Hernâni
das Belas-Artes de Lisboa ou Nova Arcádia; Cidade e Vitorino Nemésio.12
mas de cuja produção acadêmica veio a Com um pé no arcadismo e outro no
penitenciar-se mais tarde, em conhecido romantismo, BOCAGE encontrava-se numa
soneto: “Incultas produções da mocidade...
encruzilhada, em que conviviam o ambiente
versos... que foram... Escritos pela mão
clássico, conseqüência da sua cultura, e as
do Fingimento, Cantados pela voz da
pulsações típicas do romântico, fruto de suas
Dependência”.8
inclinações pessoais. Por isso Hernâni
Vivia-se, então, o que António Hernâni
Cidade afirma que o poeta tem “...a herança
Cidade chamou de “...fase intercalar de duas
da serenidade clássica, misturada ao tumulto
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romântico...”.13 Por isso Maria Helena da E dentre todas as formas de expressão
Rocha Pereira compara-o a OVÍDIO, para dos seus versos, decididamente foi
descrevê-lo como “...um poeta entre dois privilegiada a do soneto, que flagela a tantos
mundos” (grifamos).14 maus poetas, mas constitui “...a síntese do
Embora tenha ganho destaque também
belo...”, na boa definição de Solange Rech,
com suas traduções – “...Bocage foi
o poeta catarinense.19 Aliás, BOCAGE é
inexcedível na arte de traduzir”15 – é com
amplamente reconhecido como herdeiro
seus versos que o poeta, dando livre curso
às emoções, alça os vôos mais elevados. Não direto do soneto camoniano,20 cujo modelo
foram poucos os especialistas que o sempre o atraiu – fato fácil e abundantemente
reconheceram e proclamaram, como Vitorino comprovável em sua obra 21 – como o
Nemésio – “...um gênio... que está ao mesmo confessa expressamente o próprio poeta,
tempo ao nível e acima da emotividade auto-identificando-se com o autor de
de sua época...” (sic)16 – e como Esther “Os Lusíadas” – “Camões, grande Camões,
de Lemos – “...um dos maiores líricos quão semelhante/Acho teu fado ao meu,
portugueses – o maior do século XVIII”.17
quando os cotejo!” – para, ao fim, admitir:
Nenhum, todavia, foi tão eloqüente ao
“Modelo meu tu és...”22. É nos sonetos que
fazê-lo quanto o nosso Olavo Bilac: “Em
BOCAGE “...patenteia as suas maiores
Portugal, a arte de fazer versos chegou ao
virtudes líricas...”,23 levando “...essa forma
apogeu com Bocage e depois dele decaiu.
Da sua geração, e das que a precederam, foi poética a tal perfeição que fazia o que bem
ele o máximo cinzelador da métrica... queria com o soneto...”,24 sua “...coroa de
Depois dele, Portugal teve talvez poetas
mais fortes, de surto mais alto, de mais
19 Soneto, in Sacerdócio Poético, Florianópolis,
fecunda imaginação. Mas nenhum o
Editograf, 2004, p. 22.
excedeu nem o igualou no brilho da
20 NEMÉSIO, V. A Poesia de Bocage, op. cit.,
expressão” (grifamos).18
p. 17-18. LAJOLO, M. O Mal-Amado..., op. cit., p. 97.
21PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Bocage e
o Legado..., op. cit., p. 160.
13 Apud PEREIRA, M.H. da R., Bocage e o
22 LAJOLO, M. (Org.), Textos Selecionados, op.
Legado..., op. cit., p. 132.
cit., p. 31. BOCAGE, Poesias..., op. cit., p. 6. Segundo
14 Ibidem, p. 172. GUERREIRO MURTA, outro dado curioso nessa
15 identificação camoniana de BOCAGE é que, depois
GUERREIRO MURTA. Prefácio, op. cit., p. XLIV.
de desertar da sua função de guarda-marinha, na Índia,
16 A Poesia de Bocage, op. cit., p. 33. fugindo para Macau, em abril de 1789, parece que
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seu barco teria sido atingido por um ciclone, e ele, a
Introdução, in BOCAGE, Antologia..., op.
exemplo de Camões, teria salvo a nado parte das
cit., p. 8.
poesias do primeiro volume das suas “Rimas” –
18 Apud GUERREIRO MURTA, Prefácio, op. Prefácio, op. cit., p. XIX.
cit., p. LIII e LIV. Apud CIDADE, A.H., Bocage..., 23 GUERREIRO MURTA. Ibidem, p. XLI.
op. cit., p. 136. O texto é de uma conferência
realizada no Teatro Municipal de São Paulo, em 19 24 SILVA, Dionísio da. A Vida Íntima das
de março de 1917. Frases. São Paulo: A Girafa, 2003. p. 29.
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glória...”25 e “...a medida do seu génio” (sic) Uma certa senhora D. Rita, que agredira
(grifamos).26 fisicamente ao pai, foi brindada com este
Versejador e sonetista de mão cheia, mimo: “E tu, que pelas cãs paternas puxas,/
BOCAGE tornou-se popular, no entanto, por Vais no centro voraz de acesas achas/Ver o
uma outra marca registrada, os seus trágico fim, que têm as bruxas!”.33 Alguém
improvisos satíricos.27 Porque era dotado de chamado Flávio, conhecido pela sofreguidão
uma “...veia satírica incomparável...”28 e com que ia à mesa, e que costumava criticar
porque era capaz de lembrar-se dos seus
o poeta, sofreu-lhe o sarcasmo: “Dizem que
improvisos, uma vez que “...tudo lhe ficava
Flávio glutão/Em Bocage aferra o dente:/
para sempre registado na memória...”, “Em
Ora é forte admiração/Ver um cão morder na
tal arte foi um prodígio”.29
gente!”.34 Determinado cidadão, cujo órgão
De passagem, algumas ilustrações de
nasal era particularmente volumoso, não foi
suas sátiras. Dirigiu, por exemplo, sua ironia,
poupado da sua pena afiada: “Nariz, nariz e
contra Goa, onde viveu por mais de dois
nariz,/Nariz, que nunca se acaba;/Nariz, que
anos: “Das terras a pior tu és, ó Goa,/
Tu pareces mais ermo, que cidade;/Mas se ele desaba, Fará o mundo infeliz;/
alojas em ti maior vaidade/Que Londres, Nariz, que Newton não quis/Descrever-lhe a
que Paris ou que Lisboa”.30 Os religiosos diagonal;/Nariz de massa infernal,/Que, se
não escaparam de sua troça: “Se quereis, o cálculo não erra,/Posto entre o Sol e a
bom Monarca, ter soldados/Para compor Terra,/Faria eclipse total!”.35
lustrosos regimentos,/Mandai desentulhar Mas sua pena nunca foi tão cortante,
esses conventos/Em favor da preguiça nem sua sátira tão satírica, como quando
edificados”. 31 Também aos médicos respondeu às investidas críticas do ex-frade
endereçou versos zombeteiros: “Uma terra José Agostinho de Macedo. Conta, Hernâni
dizem que há/Onde a fome acerba e dura/ Cidade, que se encontrava Morgado de
Cabo dos médicos dá./Por que é isto? É Assentiz a esperá-lo, no Botequim das Parras,
porque lá/Pagam somente a quem cura”.32 quando surgiu BOCAGE, transtornado,
num visível acesso de raiva, trazendo em
mãos um exemplar amarrotado dos versos
25SILVA, L. A. Rebelo da. Apud PEREIRA, M.H.
de José Agostinho, e intimou o amigo a
da R. Bocage e o Legado..., op. cit., p. 139, nota n. 3.
tomar do lápis e do papel, para anotar-lhe a
26 NEMÉSIO, Vitorino. A Poesia de Bocage, op.
cit., p. 17. réplica, em poesia, mas ferina e de escárnio
27 SILVA, Dionísio da. A Vida..., op. cit., p. 29.
como poucas. Prossegue: “E emborcando
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copo sobre copo de genebra, fumando
CIDADE, Hernâni. Bocage..., op. cit., p. 24.
29 GUERREIRO MURTA. Prefácio, op. cit., p. L.
30 LAJOLO, M. (Org.). Textos Selecionados, op. 33 Apud GUERREIRO MURTA, Prefácio, op.
cit., p. 33. BOCAGE, Poesias, op. cit., p. 99. cit., p. XLVII.
31 LAJOLO, M. (Org.). Textos Selecionados, op. 34 LAJOLO, M. (Org.). Textos Selecionados, op.
cit., p. 92. cit., p. 60.
32 Idem, ibidem, p. 61. 35 Idem, ibidem, p. 66.
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cigarros sobre cigarros... ditou, como se a Recordamo-nos da indagação provocadora
arremessasse, de jacto, a ‘Pena de Talião’, de Oscar Mendonça, hoje respeitado jurista
diz-se (exagero de admirador?) que mal e professor baiano, então companheiro de
dando tempo a Assentis para escrever quanto
mestrado, nos bancos da PUC/SP, no final
lhe borbotava dos lábios...”.36 Vejamos-lhe
dos anos oitenta do século passado.
um que outro trecho: “...teus lábios torpes,/
Já nos seriam mais do que suficientes as
Torpes do lodaçal, donde zunindo/...te
sobem trovas/À mente erma de idéias, nua razões genéricas de SASSOFERRATO e
de arte/...Repimpado nos púlpitos que SOUTO. Bartolo da Sassoferrato, que Alfredo
aviltas/...Farisaica ironia em vão rebuças,/ Augusto Becker identifica como o maior
...Peçonhas de invectiva espremes d’alma,/ jurista da Idade Média, ensinava: “Os que
...Sanguessuga de pútridos autores,/...Não são meros juristas são puros asnos”.39 E José
sou, nem de improviso, o que és d’espaço!/
Souto Maior Borges, que o mesmo Becker
...Teus uivos, teus latidos não me aterram;/
identifica como alguém que “Por onde
...Arde, blasfema em vão.../...tu, dragão, que
caminha... deixa suas pegadas profundas no
entornas peste,/...Indômito molosso(37 ),
ardido ex-frade,/...Serás qual és e morrerás deserto deste mundo...”40 – seja no jurídico,
qual vives...”.38 seja fora dele, não hesitamos nós em
adicionar – ensina: “A ciência jurídica, sem
2 BOCAGE E AS MEDIDAS o diálogo com outros saberes... se esteriliza...
PROVISÓRIAS um caminho direto para a anestesia, senão o
embrutecimento, da sensibilidade e da
E por que essas considerações literárias
emoção, sem as quais, não é possível
e poéticas na introdução de um trabalho
jurídico acerca das medidas provisórias?! – construir nenhuma ciência”.41
Há duas razões mais específicas, porém.
A primeira relaciona-se com um curioso
36 Bocage..., op. cit., p. 96-97.
e interessante episódio da vida de BOCAGE,
37 Molosso: do latim “molossus”, “Espécie de
cão do país dos molossos... Espécie de cão de fila...”
– FREIRE, L. Grande e Novíssimo Dicionário da
Língua Portuguesa, 2.ed., v. IV,. Rio de Janeiro: J. 39 No original italiano: “I meri leggisti sono puri
Olympio, 1954. p. 3474. Confirmam-no tanto o
asini” – Carnaval Tributário, São Paulo, Saraiva,
etimologista – CUNHA, A.G. da. Dicionário
1989, p. V, VII, 36 e 46.
Etimológico Nova Fronteira da Língua
Portuguesa, 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 40 Ibidem, p. 37.
1996. p. 529 – quanto léxicos respeitados – CALDAS 41 Advertência Prévia, in Ciência Feliz: Sobre
AULETE. Dicionário Contemporâneo da Língua
o Mundo Jurídico e Outros Mundos, Recife,
Portuguesa, 5.ed., v. IV. Rio de Janeiro: Delta, 1964,
Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1994, p. 10.
p. 2658; e FIGUEIREDO, C. de. Dicionário da Língua
A passagem não foi reproduzida na edição mais
Portuguesa, 12.ed., v. II. Lisboa-Rio de Janeiro:
recente da obra, na qual, entretanto, SOUTO segue
Bertrand-Jackson, [1949?], p. 407.
criticando “...o falso ideal de uma ciência desprovida
38 LAJOLO. M. (Org.). Textos Selecionados,
da emoção e sensibilidade do estudioso” –
op. cit., p. 48-56. BOCAGE, Poesias, op. cit., Advertência Prévia à 2ª Edição, in Ciência Feliz,
p. 222-234. 2.ed., São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 13.
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que nos conta Deonísio da Silva. 42 Um embora indireta, quiçá apresente maior peso.
aspirante a poeta entregou-lhe um soneto Não foram poucas as oportunidades em que
que escrevera, pedindo-lhe a apreciação já nos aventuramos, no passado, ao estudo
valiosa, e mais, que assinalasse com cruzes desse instrumento normativo de governo;
os erros eventualmente detectados. Deve ter nunca nos furtando ao reconhecimento e à
sido grande a sua surpresa inicial quando, denúncia de que o seu uso, e especialmente
após a leitura, BOCAGE devolveu-lhe o o seu abuso, menospreza princípios
poema sem qualquer marca. Mas deve ter constitucionais tributários, como os da
sido maior ainda a frustração, quando ouviu Legalidade e da Anterioridade, e vilipendia
a explicação do poeta: seriam tantas as princípios constitucionais gerais, a saber:
cruzes que a emenda ficaria pior do que o República, Democracia, Tripartição de
soneto!.43 Não logramos imaginar descrição Funções, Moralidade Pública e Segurança
melhor para o ocorrido com a emenda Jurídica.44 De tanta monta são os vícios e
constitucional que tentou corrigir problemas de tal gravidade os pecados jurídicos
do desenho normativo da medida provisória, cometidos pela via das medidas provisórias,
como certamente restará claro das reflexões tradição “zelosamente” mantida pela
que nos encontramos a ponto de empreender. emenda constitucional que analisaremos,
Tanto é verdade que adotamos a expressão que necessitávamos ardentemente invocar
no título deste trabalho. uma atmosfera que aliasse à competência e
Dentre as razões específicas, essa primeira precisão (aqui, científicas) uma linguagem
é direta; há uma outra, no entanto, que, vigorosa e penetrante. Ora, são raras as
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personagens históricas que, como BOCAGE, juristas, colhendo algumas manifestações de
reúnem e harmonizam um talento (ali, verdadeiro entusiasmo e exaltação: “A
poético, especialmente como sonetista) Reforma Constitucional anunciada... é bem-
incontestável, a uma linguagem cáustica e vinda e, tal como está, representará grande
mordaz como a sua. Ou seja, carecíamos avanço e será elemento de pacificação
ardorosamente de um clima bocagiano! Foi social”; 48 “Promulgada a emenda que
o que tentamos, até aqui, conjurar e compor. acaba com as reedições! Esta foi a solene
É o que pretendemos sustentar e manter, proclamação que se ouviu atentamente,
adiante, no jurídico. para regozijo da Nação e do povo...”;49
“...passando o Congresso Nacional e o
3 EMENDA CONSTITUCIONAL Supremo Tribunal Federal a ter a firmeza de
N.º 32/2001 exigir a observância dos limites impostos, é
possível que em breve espaço de tempo o
3.1 Primeira Avaliação
número de edições de Medidas Provisórias
Promulgada a Emenda Constitucional seja praticamente zero, sendo o instituto
n.º 32, de 11 de setembro de 2001, alterando utilizado apenas em reais casos de
dispositivos da Lei Maior relacionados urgência”;50 “Parece que se pode afirmar
com a medida provisória, a imprensa com tranqüilidade que, caso seja aprovada
nacional recebeu-a muito bem, como uma a Proposta de Emenda Constitucional...
“...decisão do Congresso de limitar o uso de estarão resolvidos a grande maioria dos graves
medidas provisórias”, como “...a emenda problemas envolvendo as sucessivas edições
constitucional que coloca um freio nas e reedições de Medidas Provisórias... não
medidas provisórias...”,45 como “...a emenda deverão ser enfrentados mais problemas sérios
que limita o uso de MPs, retirando poderes
com a edição de Medidas Provisórias...” (sic).51
do presidente da República”.46 “...Emenda
Outros juristas demonstraram receptividade
Constitucional n.º 32, veiculada na mídia
e acolhimento, mas desprovidos de exageros:
como espécie de solução, o remédio para pôr
“A Emenda Constitucional foi promulgada
cobro aos abusos do Presidente da República,
para resgatar o Estado Constitucional de
Direito”.47 48 SUZUKI, Anderson; DIAS, Fábio Marques;
em vigor, Folha de São Paulo, 12 set. 2001, p. A-32. A.; DIAS, F.M. e VIOLIN, M.A. Constituição
47 NIEBUHR, J. de M. O Novo Regime
Federal e..., op. cit., p. 33.
51 OLIVEIRA, Edson Freitas de. Apud idem,
Constitucional da Medida Provisória. São Paulo:
Dialética, 2001. p. 12. ibidem, p. 32-33.
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com o propósito de restringir a utilização “...a regulamentação necessária para
das Medidas Provisórias”;52 “...a Emenda... evitar o abuso na sua utilização...”; 60
estabelecer regras mais rígidas e restritivas “A Emenda... tratou de limitar os abusos
para sua utilização”;53 “A Emenda... teve que até então vinham sendo cometidos
como finalidade diminuir a excessiva pelo Poder Executivo...”;61 “A Emenda...
discricionariedade na edição de medidas veio... procurando limitar os excessivos
provisórias...”;54 “...o legislador procurou poderes usurpados pelo Presidente da
limitar a atuação do Poder Executivo nas República...”.62
edições de Medidas Provisórias, o que vinha
Alguns promoveram uma avaliação
sendo clamado por toda a sociedade...”;55
positiva, mas de forma sóbria e comedida:
“O novo texto legal constitui inegável
“...o legislador realizou uma sistematização
avanço...”;56 “O novo regime das medidas
mais detalhada da matéria”. 63 Às vezes,
provisórias é positivo, apresenta-se, no geral,
reconhecendo que a emenda se encontra
como um inegável avanço...”;57 “...várias e
longe do ideal, mas defendendo-lhe um
salutares alterações propostas pela Emenda
saldo positivo: “Dos males o menor. Se não
Constitucional...”;58 “...a Emenda... veio a
houve a extinção da Medida Provisória, o
restabelecer o equilíbrio do sistema...”; 59
que seria salutar, ao menos procurou-se
diminuir seu efeito nefasto dentro da
52 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. As Medidas sociedade”. 64 Às vezes, centrando seus
Provisórias em Direito Tributário: Inovações da comentários na dificuldade de aprovação da
Emenda Constitucional n.º 32/2001, Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética,
emenda e na crítica à sistemática ou à
n. 77, fev. 2002. p. 101.
53 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Lições de
Direito Público. São Paulo: Dialética, 2003. 60 MORAES FILHO, José Filomeno de.
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interpretação da sistemática anterior: dela se esperava... Houve uma melhora
“...a proposta somente foi aprovada, substancial no instituto. No entanto, esta
transformando-se na Emenda Constitucional melhora está ainda muito aquém daquilo que
n.º 32/2001, após longos e extenuantes a população e a democracia esperavam”.67
debates e tentativas de acordo entre Sigamos por frisar a indulgência e
Executivo e o Legislativo, tornando-se condescendência da emenda para com o
viável somente após concessões de ambas executivo, objeto da denúncia de Josaphat
as partes. Era evidente o interesse do governo Marinho, o saudoso publicista e político:
em manter o status quo vigente, onde não “A Emenda Constitucional n.º 32/2001
havia controle algum sobre as limitações das corrigiu falhas da disciplina das medidas
edições e das matérias alcançadas pelas provisórias, deixou outras sem a revisão
Medidas Provisórias... a pretensão era necessária e fez concessões inadmissíveis ao
postergar a discussão e aprovação da Poder Executivo”. 68 E terminemos este
proposta de emenda...”.65 passo pondo grifo no desencanto e desalento
Houve ainda aqueles que, cautelosa e decorrentes dos novos estorvos trazidos
prudentemente, talvez em excesso, adiaram para o instituto pela emenda, na expressão
a avaliação: “...é muito cedo para aquilatar de Joel de Menezes Niebuhr: “...apesar de
os méritos e deméritos da modificação”.66 alguns avanços periféricos, a Emenda
Mais adequada, contudo, parece-nos a Constitucional n.º 32 amplia ainda mais os
posição assumida por aqueles juristas que, poderes do Presidente da República... reflete
admitindo a presença de aspectos positivos um esboço de reação do Congresso
na Emenda Constitucional n.º 32/2001, não Nacional, certo inconformismo com o uso
se omitem no apontar-lhe as deficiências, abusivo que o Presidente da República tem
concluindo por um balanço de saldo feito das medidas provisórias... A intenção
negativo, em que os proveitos e benefícios talvez fosse realmente... pôr cobro aos
cedem passo às perdas e aos danos, em que o
abusos. No entanto... é claríssimo que tal
lucro cede vez ao prejuízo. Comecemos por
intenção não vingou... porque... a aludida
sublinhar a timidez e pusilanimidade da
Emenda Constitucional resolve pouco... traz
emenda, bem apanhada por Samuel Nobre
poucas soluções e muitos outros problemas”.69
Sobrinho: “...emenda constitucional... viria
Deveras, com tal emenda recebemos, ao
a restringir, embora de forma tímida, o
invés da solução normativa desejada, novos
pernicioso abuso de poder exercido pelo
Presidente da República... Efetivamente, a
reforma constitucional não atendeu ao que 67 Medidas Provisórias..., in SOUZA, C.A.M.
95
surtos de problemas normativos; ao de governo,73 apresentando a emenda, neste
invés do remédio constitucional almejado, ponto, apenas caráter de explicitação. 74
novos tremores de doença constitucional; A maior parte, se não todos os temas
ao invés da cura cívica cobiçada, novas vedados à medida pela emenda, já não
crises de moléstia cívica; ao invés do podiam ser objeto desse instrumento
alívio cidadão ansiado, novas convulsões normativo, porque impedido o seu acesso
de enfermidade cidadã. ao executivo via Lei Delegada (artigo 68,
§ 1.º) ou porque integram o rol dos direitos e
96
2002; 78 segundo, porque, na reedição, o motivação do ato” (artigo 2.º, § 1.º);82 e se o
Executivo retirava e incluia dispositivos, plenário de qualquer das casas do Congresso,
providência impossível na prorrogação, que na formação do juízo prévio fixado pela
exige a manutenção do conteúdo original emenda, concluir pelo não atendimento dos
da medida.79 pressupostos constitucionais, arquivará a
Outro aspecto positivo é a determinação medida (artigo 8.º, parágrafo único).
expressa da apreciação parlamentar dos seus E ainda outros pontos que ostentam
pressupostos constitucionais, antes do juízo positividade: a aplicação às medidas
de mérito (artigo 62, § 5.º). Quanto à
provisórias da sistemática do regime de
ausência da disciplina constitucional desses
urgência dos projetos de lei de iniciativa
pressupostos, Joel de Menezes Niebuhr
presidencial, do artigo 64, §§ 1.º e 2.º (artigo
registra que a emenda “...obrou em silêncio
62, §§ 6.º e 8.º); e a inclusão automática das
sepulcral...”;80 fato que também surpreendeu
medidas em vigor na pauta das convocações
a Josaphat Marinho, que o interpretou como
extraordinárias do Congresso Nacional
uma “...vacilação da emenda...”, que
(nova redação do artigo 57, acrescido do §
“...reflete capitulação do Legislativo à
8.º – artigo 1.º da emenda).
supremacia do Executivo”, tendo bastado
“...que se exigisse exposição de motivos,
definidora dos pressupostos de relevância 3.3 Aspectos Negativos
e urgência...”. 81 Tal motivação, cuja
Mais numerosos, contudo, são os seus
necessidade “...deflui do próprio contexto...”
aspectos negativos.
constitucional, como bem percebe Leon
Alguns deles são de baixa ou média
Frejda Szklarowsky, acabou determinada
negatividade, como o aumento do prazo da
pela Resolução n. 1 do Congresso Nacional,
excepcionalidade de 30 para 60 dias (artigo
que estabelece que, no dia da publicação da
62, § 3.º). O legislador da emenda ignorou
medida, seu texto será enviado ao congresso
aqui o parâmetro constitucional do
“...acompanhado... de documento expondo a
pressuposto da urgência, que só se aplica à
medida que não possa aguardar o curso
78 Curso..., op. cit., p. 66. Eis o texto do artigo normal, ou com pedido de urgência (45 dias,
10 da Resolução do Congresso Nacional n. 1/2002: normalmente), de projeto de lei apresentado
“Se a Medida Provisória não tiver sua votação
encerrada nas 2 (duas) Casas do Congresso pelo Presidente da República (Constituição,
Nacional, no prazo de 60 (sessenta) dias de sua artigo 64, §§ 1.º a 3.º). Nesse mesmo sentido,
publicação no Diário Oficial da União, estará
automaticamente prorrogada uma única vez a sua Alexandre Macedo Tavares.83
vigência por igual período”.
79 SOUZA, C.A.M. de. Introdução Geral, in
SOUZA, C.A.M. de. (Coord.). Medidas..., op. cit., 82 Medidas..., op. cit., p. 119.
p. XXXII.
83 Emenda Constitucional n. 32/01:..., Revista
80 O Novo Regime..., op. cit., p. 98.
Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética,
81 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 117. n. 83, ago. 2002, p. 13.
97
No mesmo patamar de negatividade, a restritiva, como a de Gilberto Pinto dos
suspensão da contagem do prazo da Santos, para quem “A Emenda Constitucional
excepcionalidade durante o recesso do especifica quais as matérias em que é vedada
Congresso Nacional (artigo 62, § 4.º). O a edição de medidas provisórias, por
prazo dos 60 dias da medida, que pode ser conseguinte sendo ela cabível nos demais
prorrogado por mais 60, perfazendo 120 dias, casos”.86 Aí precisamente o motivo pelo
pode ainda crescer mais, quando do recesso qual Roque Antonio Carraza conclui
parlamentar. No período de 15 de dezembro acertadamente: “Foi uma forma ardilosa de,
a 15 de fevereiro (Constituição, artigo 57), restringindo, ampliar”.87
atingirá 180 dias. Daí o juízo adequado de De igual negatividade, a admissão
Niebuhr: “Assim, a medida chamada de expressa de uma prorrogação da medida
provisória adquiriu status semestral, provisória na mesma sessão legislativa
protraindo-se excessivamente no tempo”.84 (artigo 62, §§ 3.º e 7.º). O aceitar explícito
E para concluir o rol dos aspectos de de uma prorrogação por parte da emenda não
baixa ou média negatividade: o fim da significa, em absoluto, como querem alguns,
convocação extraordinária do Congresso que “A discussão sobre a possibilidade ou
Nacional, em cinco dias, para apreciar não da reedição da Medida Provisória não
medida provisória editada no seu recesso cabe mais”.88 Do ponto de vista científico,
(nova redação do artigo 62, caput, em face entendemos questionável a emenda neste
da anterior); e a admissão expressa da particular, uma vez que seguimos plenamente
possibilidade de revogação de uma medida convictos do direito parlamentar à rejeição
provisória por outra (artigo 2.º da emenda). tácita ou implícita, pelo decurso do prazo
Outros aspectos negativos, porém, são somado ao silêncio congressual, que
de alta ou altíssima negatividade. Diante de significa, se não clara e nítida recusa, pelo
um rol de restrições materiais negativas, a menos inequívoca manifestação no sentido
possibilidade do seu entendimento como do desatendimento aos pressupostos da
taxativo, escancarando as portas a esse ato urgência e da relevância, além do desrespeito
normativo de governo em todas as demais ao prazo constitucionalmente fixado,
matérias, é o primeiro deles. Destaque-se o prazo este que, admitida a reedição, perde
caráter não exaustivo da lista de assuntos seu sentido.
interditos às medidas provisórias, restando No mesmo padrão de negatividade, a
ausentes temas relevantes como a matéria admissão implícita da reedição de medida
tributária, as providências de índole
definitiva etc. Em casos que tais – como avisa
86 Reedição de Medidas Provisórias, in SOUZA,
Samuel Nobre Sobrinho 85 – sempre há o C.A.M. de. Medidas..., op. cit., p. 139.
risco de uma interpretação assistemática e 87 Curso de Direito Constitucional Tributário,
98
provisória tácita ou até mesmo expressamente duradouros”.93 Ora, tal determinação não só
rejeitada, na sessão legislativa seguinte não é lógica, como acusa Josaphat Marinho,
(artigo 62, § 10). A proibição expressa de mas, como assinala Niebuhr, “É inadmissível
reedição “...na mesma sessão legislativa...” perpetuar os efeitos de medida provisória
(artigo 62, § 10) conduz ao entendimento rechaçada pelo Congresso Nacional, sob
de que ela seria possível na sessão legislativa pena de aniquilar a vontade deste”.94 E mais,
seguinte, como consente, entre outros, e não menos relevante: essa modificação
Roque Antonio Carrazza;89 providência, defronta direta e ousadamente a redação
contudo, claramente inadmissível, em face original do antigo parágrafo único do artigo
da ausência, no caso, dos pressupostos 62, no que tange à perda da eficácia “...desde
constitucionais da urgência e da relevância;90 a edição...”, ampliando acintosamente a
além do frontal antagonismo, no caso das eficácia da excepcional atividade normativa
medidas expressamente rejeitadas, com um do executivo.
entendimento doutrinário e jurisprudencial Semelhante é a negatividade da extinção
que é absolutamente manso e pacífico. para o futuro do limite imposto às medidas
De alta ou altíssima negatividade provisórias que versassem temas objeto de
emendas, a partir de 1995 (nova redação do
também o estabelecimento da perda da
artigo 246). As Emendas Constitucionais ns.
eficácia não desde a edição (artigo 62, § 3.º),
6 e 7, de 15 de maio de 1995, curiosamente
mas somente a partir da rejeição, para os
ambas, incluíram no Texto Maior esse
casos em que não seja editado em 60 dias o
dispositivo, proibindo o uso de provimentos
decreto legislativo que discipline as relações
provisórios “...na regulamentação de
jurídicas decorrentes da medida provisória
artigo da Constituição cuja redação tenha
não convertida em lei (artigo 62, § 11).
sido alterada por meio de emenda
Trata-se de “...regra legitimando a omissão
promulgada a partir de 1995”. Em face
do Legislativo...” – como admoesta Paulo
de algumas importantes e profundas
Roberto Lyrio Pimenta91 – destinada “...a
modificações operadas por emendas, desde
causar celeuma jurídica e problemas
então, tratava-se de restrição significativa.
práticos...”,92 que, é “...de validade efêmera,
“Tratava-se”, uma vez que a emenda, aqui, e
como uma lei temporária ou passageira,
lamentavelmente, fixou um termo final para
mas que produzirá efeitos concretos
essa restrição: a data da sua promulgação.
E para concluir a relação dos aspectos
89 Curso..., op. cit., p. 244.
de alta ou altíssima negatividade da Emenda
90
n.º 32/2002, mencione-se a transformação
SZKLAROWSKY , Leon Frejda; NOBRE
SOBRINHO, Samuel. Medidas..., op. cit., p. 125-126.
NOBRE SOBRINHO, S., Medidas..., op. cit., p. 333.
91 As Medidas..., op. cit., p. 102. 93 NOBRE SOBRINHO, Samuel. Medidas..., op.
e Poder Legislativo, in SOUZA, C.A.M. de. 94MARINHO, J. Medidas..., op. cit., p. 120.
(Coord.) Medidas..., op. cit., p. 353. NIEBUHR, J.M. O Novo Regime..., op. cit., p. 191.
99
de todas as medidas “provisórias” já louvável do Executivo, que se apressou a
editadas e vigentes na data da publicação expedir novas medidas, entre a aprovação
da emenda em medidas “permanentes”, e a promulgação da emenda, de modo a
até a deliberação definitiva do Congresso subtraí-las ao império das novas regras. 99
Nacional ou até a sua revogação expressa Tal comportamento presidencial censurável
(artigo 2.º da emenda). A providência, que encontrou boa análise na pena de
Paulo Roberto Lyrio Pimenta descreve como Samuel Nobre Sobrinho: “...o despudor do
a “...mais infeliz inovação da Emenda...”, Executivo é tamanho que aprovada a
resulta na existência hoje de dois tipos de Emenda Constitucional, em sua votação
medidas provisórias: aquelas cujo prazo de final pelo Senado, mas antes que fosse
vigência é determinado (editadas após a ela promulgada, veio ele, de forma sorrateira
emenda) e aquelas cujo prazo de vigência é e abusiva, a editar uma publicação
indeterminado (em vigor na data da sua extraordinária do Diário Oficial, para emitir
publicação). 95 Quanto a estas últimas, mais 10 (dez) Medidas Provisórias, de uma
Dalton Luiz Dallazem, de modo analítico, só vez, e que não serão alcançadas pelas
explica o alcance do dispositivo: “O artigo novas normas da reforma constitucional.
2.º da Emenda... tornou definitivas...
Teremos, portanto, um entulho autoritário
situações que, dadas suas características, só
que nos foi legado por um governo que agiu
provisoriamente, porque não poderiam
de forma despótica e irresponsável”.100
aguardar o ocaso do processo legislativo
normal ou urgente, permaneceriam sob a
3.4 Medida Provisória Tributária
regência deste efêmero, excepcional e
precário instrumento”.96 E Gilberto Pinto No que tange especificamente à matéria
dos Santos o faz de forma sintética: “...tal tributária, conquanto reconhecendo
disposição empresta caráter definitivo... ao alguma positividade na submissão da
que por sua natureza é provisório...”. 97 instituição ou majoração de impostos à
Reconheça-se razão ao registro metafórico anterioridade não em relação à medida
de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “...o provisória que tomar a providência, mas em
artigo 2.º da Emenda... praticamente relação à lei em que se converter a medida
converte em lei as medidas provisórias provisória (artigo 62, §2.º) 101 há que
em vigor na data de sua publicação”. 98 sublinhar a suprema negatividade, que raia
A referência do dispositivo às medidas em
vigor na data da promulgação da emenda
deu azo a uma atitude oportunista e pouco 99 MARINHO, Josaphat. Medidas Provisórias...,
op. cit., p. 120.
100 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 336.
95 As Medidas Provisórias..., op. cit., p. 102. 101 Veja-se, a respeito, o belo trabalho de José
96 As Medidas Provisórias..., op. cit., p. 25. Souto Maior Borges, Limitações Temporais da
97
Medida Provisória: A Anterioridade Tributária,
Reedição..., op. cit., p. 139.
Revista de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros,
98 Do Processo..., op. cit., p. 244, nota n. 88. n. 64, [1995?]. p. 192-200.
100
pelo âmbito da insensatez e do disparate aquele uso das medidas provisórias para os
constitucional, da admissão de medida impostos, e embora invocando outras – e,
provisória para instituição e majoração de cremos, menos eminentes – razões. 103
impostos (artigo 62, §2.º). Perspicaz e apurado o juízo de Josaphat
Singular é a visão de Paulo Roberto Lyrio Marinho, no tema: “A Emenda... é generosa
Pimenta, que admite a criação e majoração com o Poder Executivo na franquia da
de tributos por medida provisória – entende competência para regular a grave matéria
com largueza a referência da emenda a tributária. E temerária para os direitos
“impostos” – salvo aqueles que exigem lei dos cidadãos”. 104 Indubitável a patente
complementar para tal. Sua singularidade, inconstitucionalidade, no particular, da
porém, não se encontra tanto no conteúdo emenda em questão, no que contamos com
de sua posição, mas na seriedade do seu o apoio, entre outros, de Clélio Chiesa, de
raciocínio. Peca, entretanto, pois aceita Joel De Menezes Niebuhr e de Uadi
corretamente que a proibição de medida Lammêgo Bulos.105
provisória em matéria penal se estende às E segue o destempero e o desatino
infrações e sanções administrativas, constitucional da emenda, em matéria
inclusive tributárias, interpretando esse tributária, pelo esvaziamento do pressuposto
impedimento como “...uma concretização material da urgência de tal medida
do princípio da legalidade”, e a expressão provisória, ao submetê-la à anterioridade da
“direito penal” como abrangente de lei em que vier a se converter (artigo 62, §
“...todas as medidas restritivas de direitos 2.º). A incongruência manifesta da medida
fundamentais, tais como a liberdade, a provisória simultaneamente urgente e com
propriedade... etc.”; 102 sensibilidade sua eficácia postergada é posta a nu com
jurídico-constitucional, todavia, que não simplicidade por Paulo de Barros Carvalho,
mestre consumado também em Lógica:
concebe a restrição contextual da medida
“Abriga uma contradição de ordem semântica
provisória em matéria tributária como igual
cogitar de medida provisória publicada, mas
concretização da legalidade?! E que
com prazo inicial de vigência fixado em
esquece que a tributação acutila diretamente
tempo posterior. E a urgência?”. 106
os direitos à liberdade e à propriedade
Por isso, Alexandre Macedo Tavares
dos cidadãos, irrecusáveis direitos
discorre sobre o que chama de uma
individuais, que inadmitem providências de
“...teratológica modalidade de medida
caráter normativo do executivo, seja pelo
caminho da delegação legislativa (artigo 68,
§ 1.º, II), seja, com melhores motivos, pela 103 Emenda Constitucional n. 32/01..., op. cit., p. 17.
senda da medida provisória. Alexandre
104 Medidas Provisórias..., op. cit., p. 119.
Macedo Tavares também discorda da óptica
105 CHIESA, C., Medidas..., op. cit., p. 77-79;
de Lyrio Pimenta, embora apenas para acatar
NIEBUHR, J. de M. O Novo Regime..., op. cit., p.
115-119; BULOS, U.L. Constituição Federal..., op.
cit., p. 793.
102 As Medidas Provisórias..., op. cit., p. 103-107. 106 Curso..., op. cit., p. 63.
101
provisória... com eficácia diferida em matéria Princípio da Segurança Jurídica; princípios
fiscal”, dizendo-a soar “...como uma franca, todos eles incluídos no rol dos direitos e
nítida, sarcástica, irônica e degradante garantias individuais dos cidadãos, tema em
violação ao imediatismo eficacial ínsito das relação ao qual estão severamente afastadas
medidas provisórias”.107 não só as emendas contrárias, mas inclusive
Felizmente, nesse particular, trata-se aquelas que apenas lhes guardem tendência
apenas de uma mera tentativa plenamente de contrariedade (artigo 60, § 4.º, IV), uma
infrutífera de alteração do Texto Máximo. vez que cláusulas intocáveis da Lei Magna.
Isso porque, a toda evidência, tais
modificações se encontram despidas de 4 TERRORISMO CONSTITUCIONAL
qualquer eficácia, por sua flagrante
inconstitucionalidade. E não se argumente Não obstante registrando e considerando
com o fato de que essas medidas são oriundas alguns aspectos positivos da emenda em
de emenda constitucional, para defender sua questão (item 3.2), resta claro e incontestável
pretensa constitucionalidade: “Não há que os seus aspectos negativos (item 3.3)
dúvida de que... é o STF competente para, superam largamente os primeiros, tanto em
em controle difuso ou concentrado, quantidade como em qualidade, ensejando
examinar a constitucionalidade, ou não, de a conclusão que já havíamos antes adiantado,
emenda constitucional” (ADIN n.º 829-3-DF, de que, se a emenda teve o saudável propósito
rel. Min. MOREIRA ALVES, Acórdão de 14 de restringir os abusos “legislativos” do
de abril de 1993).108 Aliás, desde 1926, como Executivo, pela via das medidas provisórias,
informa Gilmar Ferreira Mendes, já se quedou-se muito aquém de suas intenções,
reconheceu entre nós tal possibilidade; e o não só se revelando tímida nas providências
STF já chegou até mesmo a admitir a e complacente com o Executivo, mas
fiscalização de constitucionalidade de inclusive acrescentando novos embaraços
propostas de emenda à Constituição.109 ao esboço constitucional da medida
São duas as barreiras à utilização de provisória redundando, assim, num balanço
medida provisória para instituição e que acusa um saldo inequivocamente
majoração de tributos: os princípios da negativo. De sorte que se, analogicamente,
Legalidade Tributária e da Anterioridade encararmos a configuração constitucional
Tributária, ambos concretizadores do desse instrumento normativo como um
soneto, a emenda, com maiores perdas do
que ganhos em relação ao texto original – e,
107
portanto, “pior do que o soneto” –
Emenda Constitucional n. 32/01..., op. cit.,
p. 7, 9 e 15. corresponde exatamente àquele tipo de
108 Apud IVO DANTAS. O Valor da Constituição: emenda ao qual se recusou BOCAGE, a
do controle de constitucionalidade como garantia despeito da solicitação do pretenso
da supralegalidade constitucional. Rio de Janeiro: candidato a poeta.
Renovar, 1996. p. 181-182.
Aliás, promulgada em 11 de setembro de
109
Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva,
1996. p. 155.
2001, mesma data dos ataques terroristas a
102
Nova Iorque e Washington, quiçá pudéssemos indiscriminadamente a população civil;113
identificá-la, em nova analogia, como e incluindo o terrorismo oficial dos estados,
algo próximo de um ataque terrorista ao que, sob a desculpa de combatê-lo, dele
Estatuto Supremo. pode diferir pelo método ou pela intensidade,
Ora, por trás das ações do terror mas não qualitativamente, 114 oferecendo
contemporâneo, e no seu âmago significativo inclusive maior risco,115 como o dos norte-
primordial, cremos poder divisar o impulso americanos com a sua “Lei Patriótica”
presunçoso e arrogante de impor suas (Patriot Act),116 e o dos britânicos com a
próprias idéias pelo simples e pré-histórico sua “Lei de Segurança, contra o Terrorismo
103
oriundo das instituições estatais, pelos Carta Magna, e igualmente acomete de
regimes de exceção que propõem e exigem, modo manifesto e indefectível a democracia.
em nome do combate ao próprio terrorismo, Em resposta a esse terrorismo
como bem o ilustra Richard Rorty, o filósofo constitucional, é oportuno recordar François-
norte-americano e professor da Universidade René de Chateaubriand, que, mais do que
Stanford, que chega a cogitar do fim do um pré-romântico, como BOCAGE, foi o
Estado de Direito e de uma “Volta ao ancien pioneiro do movimento na França, o grande
régime”.118 Expressiva a metáfora irônica de nome da sua literatura na primeira metade
Fernando Savater, o filósofo da Universidade do século XIX, e cuja pena, fluente e fogosa
Complutense de Madri, acerca da contribuição como a de BOCAGE, registrou, em suas
que a violência do terror traz para o processo conhecidas “Memórias de Além-túmulo”:
democrático: “La violencia militar (sea “...no conozco nada más servil, más
104
circunstanciais e episódicas do governo bem: “...corja vil, aduladora, insana”; e ao
de plantão. simulacro de soneto produzido pela emenda
Retomando a imagem do perfil atual da também é simples presumir que BOCAGE
medida provisória como um soneto, e endereçaria a mesma sentença que reservou
daqueles que projetaram, propuseram, ao produto poético daqueles acadêmicos:
defenderam, aprovaram e louvam a Emenda “...versos maus... trovas aleijadas...”.121 Tal
Constitucional n.º 32/2001 como os seria, no caso, o veredicto jurídico-poético
supostos sonetistas, é fácil supor que a tais de BOCAGE.
arremedos de poeta BOCAGE destinaria o Curitiba, 11 de abril de 2004 – Dia de
mesmo diagnóstico que dirigiu aos Santo Estanislau, destemido denunciante dos
componentes da Nova Arcádia, academia abusos do Rei Boleslau II, da Polônia, no
literária cujas entranhas conheceu muito século XI.122
105