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Introdução às ciências sociais

(2449)

Apontamentos de: Leontina Agostinho – nº 66014


Ana Sebastião – nº 68150
E-mail:
Data: 2006/2007
Livro: Introdução às Ciências Sociais I – 2449 Óscar Soares Barata
Nota:

Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O
autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende
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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

Introdução – O Domínio das Ciências Sociais:


1. Os Factos Sociais
As Ciências Sociais têm por objectivo o estudo dos fenómenos ligados à vida dos
homens em sociedade.
Ocupam-se das relações que os homens formam entre si e das que estabelecem com as
coisas.
Procuram o entendimento das acções dos homens e das representações que estes
formam a respeito de si próprios e do mundo em que vivem.
Interessam-se pelo modo de actuar, associados à vida em grupo.

Emile Durkheim, defende que devem considerar-se como factos sociais os modos de
agir e as representações que são exteriores ao indivíduo, e com os quais este tem de
conformar-se por efeito da vida em grupo.
Apresentam-se como modelos de acção e valores em que a pessoa é criada e educada
pelo grupo e em relação aos quais apenas se toleram desvios limitados.

Factos Sociais · são preexistentes aos indivíduos = exteriores a si próprio =


coercivos.

Fenómenos orgânicos – consistem em representações e em acções;

Fenómenos Psíquicos – apenas têm existência na consciência individual e por ela.

Papel Social: é um conceito básico de análise em sociologia, psicologia social e


antropologia social;
Designa um conjunto de comportamentos que anda associado à posição de cada
pessoa na teia das relações sociais.
Cada pessoa representa nos vários caminhos da sua vida, vários papéis sociais.

Ralf Dahrendorf, Distingue posição social de papel social.


Posição Social entende-se qualquer lugar num campo de relações sociais.
A cada posição corresponde um Papel Social.

As Expectativas da sociedade em relação a cada papel analisam-se em dois tipos:

As Expectativas de Comportamento: o que chama role behavior ou comportamento


de cada papel;

Expectativas de Apresentação e Características: o que chama role attributes ou


atributos de cada papel.

Cada Papel pode ainda analisar-se nas expectativas que funcionam em relação a cada
pessoa ou pessoas com que no exercício desse papel se contacta.
Exp. O papel de chefe de família compreende as expectativas de comportamento em
relação dos diversos membros da família, vizinhos, colectividade, etc. dá-se o nome
de Role segments ou segmentos do papel.

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As diversas expectativas do papel implicam em regra diferentes graus de


conformidade,
Ralf Dahrendorf distingue três tipos diferentes, respectivamente:

Must-expectations (obrigatórias) Constituem a base do papel, exp.: a lei define os


deveres de chefe de família ou professor, deveres que em caso de desrespeito
persistente, pode ser obrigado a conformar-se quer por via legal, quer pela censura
colectiva.

Shall-expectacions (que devem cumprir-se) Estão perto das anteriores e integra o


comportamento necessário a ter tido por elemento efectivamente respeitável do grupo.

Can-expectations (que podem cumprir-se) integram os comportamentos que podem


ou não seguir-se, mas que não podem desrespeitar-se sistematicamente com pena de
marginalização.

A constelação de papéis sociais, que resulta das diversas posições que o indivíduo
ocupa, delimita largamente a área em que decorre a sua vida, indicando muito sobre
ele e em que área pode afirmar-se a sua individualidade.

O mesmo autor identifica, ainda, três componentes do elemento de liberdade deixado


pela constelação de papéis sociais em que o indivíduo tem de corresponder:

A) A liberdade que resulta do papel não estar definido com rigor na sua
totalidade;
B) A liberdade que decorre do facto de as exigências do papel serem definidas
sobretudo por exclusão, como coisas a não fazer;
C) A possibilidade que o indivíduo tem de influenciar o meio social em que vive
e por aí modificar o conteúdo do papel.

Posições Sociais:
A) As ascribed positions ou posições atribuídas; estas são quase todas as que
resultam de características físicas ou acidentes de nascimento.

B) As achieved positions ou posições alcançadas: estas são as que decorrem do


trabalho, dos estudos, do mérito de cada um

Nota: A distinção nem sempre é clara, exp.: a posição de chefe de Estado pode ser
alcançada ou atribuída como acontece nas monarquias.

2. A Identificação do Social:
Para chegar ao ao entendimento dos papéis sociais é necessário identificar os grupos a
que se reportam as expectativas de comportamento.

As normas e sanções são definidas por grupos diferentes consoante os vários tipos de
expectativas de comportamento.
As expectativas obrigatórias, correspondem a comportamentos codificados nos textos
legais, implicam uma definição pela sociedade no seu conjunto.

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As outras expectativas, já implicam maior liberdade de observância, podendo ser


definidas pelo costume ou pelo consenso no seio dos grupos de camaradagem ou
vizinhança. Podendo originar conflitos entre as normas dos diversos grupos,
conduzindo a tensões no desempenho dos diversos papéis sociais que cabem ao
mesmo indivíduo.

Max Weber, definiu a ciência social como a ciência que procura explicar as acções
humanas dotadas de sentido.

Comportamento meramente reactivo – é o simples efeito de uma reacção a um


estímulo exterior.

As acções sociais podem ser classificadas segundo o modo de orientação:

A) As acções racionalmente orientadas “ para um sistema de fins individuais


discretos”. São aquelas que se orientam em função de expectativas relativas a
objectos exteriores ou a outros indivíduos, e que por isso implicam a
consideração a consideração dos meios para alcançar um dado fim;
B) As acções racionalmente orientadas para um valor absoluto, que são aquelas
que resultam puramente de convicções “éticas, estéticas ou religiosas”;
C) As acções orientadas por considerações efectivas, de que são exemplo as que
resultam de estados emocionais ou de sentimentos;
D) As acções orientadas pela tradição, a qual, através da prática continuada,
define determinados comportamentos.

Na definição de Max Weber, a ciência procura o entendimento das acções com vista a
encontrar “uma explicação causal do seu desenvolvimento e dos seus efeitos” tem de
dedicar o principal dos seus cuidados ao sentido ou significado dessas acções.

A compreensão (verstehen) pode realizar-se de duas formas:


A compreensão por entendimento observacional directo de certas ideias ou
comportamentos;
A compreensão explicativa que resulta do entendimento dos motivos que
guiam o agente. É a que consiste em ligar um acto observado a uma certa constelação
de motivos.

É necessário que para haver interpretação causal adequada, a interpretação se ajuste às


sequências e regularidades reveladas pelos factos e seja capaz de evidenciar o
significado das relações verificadas.

Pode-se chegar à certeza ou evidência da realidade que se observa:


A) Pelo entendimento racional, que pode ser lógico ou matemático;
B) Pela determinação “emocionalmente empática ou artisticamente apreciativa”.

Ora, esta longa análise dos critérios de interpretação seguidos nas ciências sociais,
conduz a dois problemas de base:
1º - É o de saber o que realmente se tem em vista quando se fala de explicações
causais;

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2º- É o de saber em que medida o estudo da realidade social pode conduzir a um


conhecimento objectivo.

Nas ciências sociais as explicações causais têm de ser menos seguras do que é
corrente nas ciências da natureza.

3. Conteúdo Científico das Ciências Sociais:


A atitude de base de que parte a critica é a que tem sido designada por cientismo ou
naturalismo, por entender que o único modelo que pode tomar o conhecimento
científico é o das ciências da natureza.

Defendem que as ciências sociais devem seguir o exemplo da física ou da biologia,


procurando atingir conclusões fundadas nos factos observados exteriormente.

Wilhelm Dilthey, defende que as ciências sociais são Geisteswissenschaften, ciências


do espírito, que requerem um estudo a partir da experiência interna, apoiada na
própria vivência, ao invés das ciências da natureza, nas quais se parte da experiência
externa.

O objecto da s ciências do espírito não é alcançar o sentido profundo do devir


humano, à imagem do que se tem procurado fazer com a filosofia da história, mas sim
explicar os factos pelos acontecimentos que os procedem e pelas circunstâncias
sociais em que se verificam.

Julien Freund, afirma que: “a realidade é única, mas não se deixa apreender de uma
maneira única, como pretende o naturalismo. Ela é acessível, por um lado, à
experiência externa e, por outro, à experiência interna, as duas formas sendo
igualmente legítimas, sem que uma possa abolir a outra. Se a natureza está sujeita às
condições da consciência, esta, por seu lado, está sujeita às condições da natureza.

O longo e copioso debate sobre o problema do conhecimento nas ciências


sociais pode realmente reconduzir-se a duas teses fundamentais: o Naturalismo e o
Historicismo.

O Naturalismo – é a tese de que não existem outras formas de conhecimento


cientifico válido do que as definidas a pouco e pouco pela experiência das ciências da
natureza.

Hayek, observa que “os métodos que os cientistas ou os homens fascinados pelas
ciências naturais têm tantas vezes tentado impor às ciências sociais não são sempre
necessariamente aqueles que os cientistas de facto seguem no seu próprio campo, mas
mais aqueles que eles julgam ter empregado. O cientista nem sempre é um guia digno
de confiança.

O Historicismo – no seu sentido metodológico é a tese de que o objecto das ciências


sociais é o estudo de acontecimentos que são, na sua real complexidade, factos
individuais, combinações de circunstância que não se repetem.
O que traz o abandono da ideia comum de que o único objecto do conhecimento
cientifico é o estudo do geral.

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As duas formas do conhecimento cientifico:


A forma generalizante é a das ciências da natureza. São nomotéticas, visam chegar à
formulação das leis gerais sobre os factos.

A forma individualizante é a das ciências do espírito ou cultura. São ideográficas,


interessam-se pela discrição do que é único.

O que unicamente pode fazer a ciência é isolar certos aspectos para fins de
interpretação com a ajuda de um sistema de conceitos.

4. O Problema da Explicação nas Ciências Sociais

Muito do que se escreve sobre o valor científico das ciências sociais tem implícitas
concepções sobre as normas da explicação científica decorrentes da teoria hipotético-
dedutiva, que como nota Alan Ryan, goza tradicionalmente de uma posição de
primeiro plano na filosofia das ciências.

A teoria sustenta que a explicação científica tem de apoiar-se na formulação das leis
gerais, entendidas como hipóteses acerca da ordem natural das coisas, das quais se
deduzem as consequências que podem esperar-se dadas certas condições
Assim, verificado certo acontecimento, dada a lei geral aplicável, têm de se esperar
necessariamente certas consequências.

Uma explicação científica de modo hipotético-dedutiva deve satisfazer a três


condições:

A) Que a proposição que define a lei geral e as condições iniciais seja tal que
acarrete a conclusão;
B) Que as premissas sejam verdadeiras ou pelo menos suficientemente
fundamentadas;
C) Que a explicação seja verificável empiricamente, para que possa ser
desmentida se for caso disso.

O que conduz a que qualquer explicação deva ser reformulada com respeito de
três regras:

A) A explicação deve de ser de forma dedutiva;


B) As razões indicadas devem ter aplicação geral a todos os casos idênticos;
C) As leis gerais invocadas devem ser regularidades observadas de facto.

Alan Ryan, defende ainda dois pontos:


Por um lado, que as generalizações sejam nomotéticas e não enumerativas, ou seja,
que possam aplicar-se a todos os caos idênticos e não se limitem a enumerar as
característica do caso em estudo.
Por outro lado, que se trate de relações causais e não de relações lógicas, entendo-se
por relação causal aquela que afirma que dada mudança em certa propriedade se
verificará necessariamente mudança em outra propriedade dela logicamente
independente. Trata-se de relações que só a experiência pode confirmar ou desmentir.

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Estas regras mostram apenas como os factos se verificam, indicam que dados certos
acontecimentos, outros se seguem mas não indicam porque se verificam.

As afirmações de regularidades de facto não são na verdade explicações causais, mas


podem apenas tornar-se um ponto de partida para a formulação de narrativas causais,
ou seja, descrições de sucessão de fenómeno EU possam conduzir a eventuais
fórmulas de explicação.

Karl Popper, defende que não se pode demonstrar definitivamente a verdade de uma
explicação empírica, apenas se pode demonstrar definitivamente a sua falsidade.

Outra forma de explicação científica, é a explicação probabilística, cuja lógica é


menos rigorosa mas que tem larga aplicação tanto nas ciências da natureza como nas
ciências sociais.
A explicação probabilística não é dedutivamente válida porque as premissas em que
assenta não são de comprovada universalidade.

Alan Ryan, defende que, “uma importante diferença entre razões e causas é que as
razões podem ser avaliadas como boas ou más, próprias ou impróprias, enquanto uma
causa enunciada só pode ser ou não ser a causa do que quer que se estiver a explicar.

A todos é dada uma opção de escolha na orientação das suas próprias acções.

Os comportamentos sociais são resultantes de regras colectivas e não procedentes de


regularidades causais.

As regras e valores são interiorizados com a própria aprendizagem de uma língua e


com a criação de um dado meio social.

Explicar as acções é esclarecer-lhes o sentido em relação às regras e valores


colectivos e pôr à luz as regras e valores colectivos subjacentes aos comportamentos.

Hoje é corrente em algumas das ciências sociais, como a sociologia ou a antropologia


cultural, explicações que se dizem holistic (do inglês whole, que significa totalidade)
por serem relativas à totalidade social.

Na demografia ou econometria, tal preocupação é naturalmente menos dominante,


pois tomam como dados as concepções da vida e do mundo que podem ter as pessoas
cujos comportamentos estudam.

Explicar o sentido das acções por regras e valores colectivos e o sentido das regras e
valores pelo sentido do conjunto social supõe uma última fase na explicação cientifica
que é a procura das causas e consequências da configuração que tomo o conjunto
social. Problema que cuja solução não parece poder afastar-se da fórmula geral do
estabelecimento da causalidade.

Jean Piaget, sustenta que nem quanto aos métodos nem mesmo quanto ao domínio do
estudo se pode afirmar uma oposição marcada entre as ciências humanas e as ciências

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da natureza. Apenas no domínio dos conceitos utilizados se pode apurar alguma


distinção entre os dois grupos de ciências. Mas até aí há uma larga sobreposição.

5. Teorias e Paradigmas

PARADIGMAS – modelo; norma; exemplo; padrão; tipo de conjugação ou declinação gramatical.

Qualquer hipótese ou lei empírica ou sistema de hipóteses ou leis empíricas requer a


mais geral delimitação do campo a que se aplica e uma certa concepção geral das
condições em que se verifica.
É por isso que tais hipóteses e leis sempre se acompanham de teorias sobre o conjunto
dos fenómenos a que respeitam. São as teorias que esclarecem as relações gerais entre
os fenómenos que tornam relevantes as hipóteses e leis empíricas.

As teorias são explicações gerais das hipóteses e leis empíricas, interpretações das
razões que estão na base da existência das relações que as hipóteses e leis empíricas
enunciam.

Em muitos casos as teorias não resultam directamente dos factos observados e de que
procuram dar conta as hipóteses e leis empíricas.

Raymond Boudon, salienta que nas ciências sociais é mais corrente o caminho de a
partir de certas concepções iniciais tirar certas concepções explicativas sem ser
rigorosamente por via dedutiva.
A este tipo de explicações parece-lhe convir melhor a designação de paradigmas do
que a de teorias.

Boudon, nota que na leitura actual das ciências sociais podem encontrar-se, pelo
menos, três tipos de paradigmas:

A) Os paradigmas teóricos ou analógicos são as interpretações gerais que se


apoiam em fórmulas experimentadas noutros ramos do conhecimento e
aplicadas por analogia no domínio das ciências sociais, exp. As teorias
gravitacionais da distribuição espacial da população de Zipf e Stouffer, eu se
inspiram na lei de atracção universal de Newton. Outro exp. é o emprego que
se tem feito em muitos domínios da teoria de jogos de I. von Neumann e O.
Morgenstern que, formulada a partir de situações de jogo definidas com
precisão, tem servido para o estudo das relações entre intervenientes num
mercado ou das relações internacionais;

Nota: No caso B e C não se procede por analogia mas por subsunção, operação lógica
que consiste em fazer entrar um caso individual num género ou num facto no âmbito
de uma lei.

B) Os paradigmas formais – são quadros de referência que permitem formular


explicações seguindo certas regras sintácticas. Para Merton os fenómenos
sociais devem, em regra, ser explicados pelas suas funções. De modo que,

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identificada uma certa relação funcional entre um conjunto de fenómenos, é


possível por subsunção situar o papel de um dado facto ou conjunto de factos
no âmbito dessa relação funcional.
A relação funcional não se estabelece apenas à escala da sociedade no seu todo
mas também à escala de certos sectores da vida colectiva. O valor de uma
explicação deste tipo depende basicamente da validade do paradigma formal.
A validade, para Boudon, depende da generalidade e do poder heurístico. A
generalidade respeita ao conjunto das questões que o paradigma permite
explicar. O poder heurístico, ou capacidade de ajudar a descobrir o sentido dos
factos, respeita à possibilidade que oferece o paradigma formal de detectar os
factos relevantes num dado problema.

C) Os paradigmas conceptuais – são sistemas de conceitos que permitem, ainda


por subsunção, enquadrar uma dada explicação dos factos. Boudon encontra
exp. na obra de Talcott Parsons, cujas interpretações partem da regra da
definição prévia de um certo quadro teórico. Parsons, faz a análise da
organização da estrutura social pela definição de dois eixos de diferenciação,
um em interno e externo e outro em instrumental e consumatório, ou seja entre
meios e fins, cobrindo quatro níveis que se encontram em qualquer
organização:

a) O nível primário ou técnico – respeita ao output do sistema;


b) O nível de gestão – respeita à regulação dos inputs necessários aos
output;
c) O nível institucional – respeita à supervisão direcção superior do
sistema;
d) O nível societal – respeita à articulação com os objectivos da sociedade
no seu conjunto.
Por esta forma define um paradigma conceptual que permite enquadrar os factos reais
e formular sobre eles uma explicação.

Este tipo de paradigmas parece ter, na opinião de Boudon, uma “função de detecção
de factores explicativos” e uma “função de generalização”.

Os paradigmas são por sua vez susceptíveis de uma certa transmutação que permite,
quer a sua generalização, quer a transformação de paradigmas analógicos em
paradigmas formais, quer a transformação de paradigmas conceptuais em paradigmas
formais.
O caminho do progresso da teoria faz-se muitas vezes pela crítica de paradigmas
existentes e pela formulação de novos paradigmas.

6. A Objectividade nas Ciências Sociais:

A observação das regras da imparcialidade científica é outro grande problema do


conhecimento no domínio das ciências sociais.

As ciências sociais nasceram de preocupações de acção prática, como instrumento de


estudo capaz de guiar uma intervenção que vise encaminhar a vida colectiva, ou pelo
menos certos dos seus aspectos, em sentido estimável como mais desejável.

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Se por um lado, o observador corre o risco de ser afectado no seu entendimento do


sentido interno das acções sociais de outrem pela sua própria condição social, pela sua
posição nas relações sociais, pela rede de papeis sociais que delimitam a sua acção
social.
Por outro lado, a preocupação consciente ou inconsciente de acção prática, o gosto por
uma ou outra fórmula de organização de vida colectiva, a preferência por um
programa político, podem condicionar tanto a escolha do que se estuda como a visão a
que se chega dos factos.

Em ambos os casos, podem levar a misturar impropriamente juízos de facto e juízos


de valor.

Max Weber, nota que mesmo no plano das opções referidas a valores é lícito à ciência
empírica intervir desde que saiba distinguir-se o que respeita aos meios do que se
reporta aos fins.
Decidir em última instância dos fins últimos da actividade humana não é tarefa da
ciência empírica, mas da própria pessoa à luz da sua consciência, guiada pelas normas
éticas a que presta homenagem.
Também não se deve esperar que das ciências sociais possa tirar-se uma formulação
de tais normas.

Max Weber – afirma que «Trata-se simplesmente de uma ingenuidade quando por
vezes até alguns especialistas continuam a acreditar que é preciso estabelecer antes de
mais um ‘‘princípio’’ para a ciência social prática e consolida-lo cientificamente
como verdadeiro, para poder deduzir em seguida, e de forma idêntica, as normas para
a solução dos problemas particulares da prazis.
Por muito necessárias que sejam nas ciências sociais as discussões ‘’de princípio’’ em
torno de problemas práticos – reduzir ao seu denominador comum os juízos de valor
que se nos impõem irreflexamente – e o estabelecimento de um denominador comum
prático para os nossos problemas, sob a forma de uns ideais superiores de vaidade
universal, não pode ser de modo algum a tarefa da revista nem de nenhuma ciência
empírica.»

Mais tarde, o mesmo autor, insiste na mesma orientação, escrevendo o seguinte:


«Nego categoricamente que uma ciência “realista” do ético (isto é, a exposição das
influências efectivas que as convicções éticas predominantes em determinado grupo
de pessoas sofreram de outras condições de vida e em contrapartida exerceram sobre
estas) possa por sua parte dar lugar a uma “ética“ capaz de afirmar algo sobre o que
deve valer.»

Não é a ciência empírica que pode conferir a dignidade de imperativo ético a um


qualquer sistema de valores. Mas dado um sistema de valões, a ciência pode ajudar a
entender se um certo caminho, um certo meio, é mais ou menos apto para os alcançar.
Perante uma qualquer hipótese de acção concreta a realizar, a ciência empírica pode
ajudar a esclarecer as seguintes questões:
A) Quais os fins últimos que podem estar em causa e o valor ou valores que
podem vir a ser afectados pela realização de tais fins;
B) Em que medida os meios propostos permitem ou não alcançar tais fins
últimos;

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C) Quais as consequências que podem resultar do emprego dos meios propostos.

<< A ciência empírica não é capaz de ensinar a ninguém o eu “deve” mas


apenas o que “pode” – e, em certas circunstâncias, o que “quer”.>>

O que ‘’deve’’ é do domínio dos valores;


O que ‘’pode’’ resulta das circunstâncias e da eficácia dos meios disponíveis;
O que efectivamente ‘’quer’’ é a consequência necessária e por vezes não prevista dos
meios escolhidos para chegar a certo fim.
C. Wright Mills, escreve que “detectar problemas práticos é fazer juízos de valor.
Muitas vezes o que é tomado pelos liberalmente prático como sendo um ‘problema’ é
tudo o que:
1) Se desvia dos modos de vida da classe média da cidade pequena;
2) O que não alinha com os princípios de estabilidade e ordem;
3) O que não se harmoniza com os slogans optimisticamente progressivos do cultural
lag;
4) O que não está em conformidade com o justo ‘progresso social’;
5) A bossa da praticalidade liberal é revelada pela noção de ‘ajustamento’ e o seu
oposto ‘desajustamento’.

Qualquer estudioso das ciências sociais está sujeito às pressões do meio no


sentido de dar às suas observações e interpretações uma orientação que corresponda
aos juízos de valor dominantes.

C. Wright Mils, defende que «liberdade não é a mera possibilidade de fazer o que se
quer; nem é a mera oportunidade de escolher entre oportunidades fixas.
A liberdade é, primeiro de tudo, a possibilidade de formular as opções realizáveis, de
arguir sobre elas e, então, escolher.
É por isso que a liberdade não pode existir sem um mais lato papel da razão dos
negócios humanos.

A tarefa social da razão é formular as opções, alargar o âmbito das decisões humanas
na construção da história.

Capítulo I

O ESTUDO DO SOCIAL

1 – Natureza e cultura:

7. Os factores básicos da explicação social:

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Toda a tentativa de explicação empírica dos factos sociais pode reconduzir-se aos
seguintes quatro factores:
A) Hereditariedade;
B) meio físico;
C) cultura;
D) relações sociais.

Com maior esforço de exposição sistemática a mesma ideia desenvolveu-se no século


passado e no presente século segundo quatro correntes de pensamento, que podem
talvez em síntese designar-se da seguinte forma:
A) a teoria racial da história;
B) a teoria das selecções sociais;
C) a teoria eugénica de base biométrica;
D) a teoria da formação selectiva de fundos raciais superiores.

8. (não faz parte do programa da cadeira)

9. A Relevância Social da Hereditariedade:

9.1 Os ensinamentos da genética:

Pode-se mostrar com numerosos exemplos que não há coincidência geral entre a
dolicocefalia e a superioridade social ou cultural ou entre o cabelo loiro e a
pigmentação clara e a eminência intelectual ou a distinção social.
De modo geral não se pode resistir à crítica científica, a tese geral de que as
características físicas coincidem necessariamente com a superioridade ou a
inferioridade social dos indivíduos ou grupos.

Toda a explicação social assente no factor hereditariedade teve de se reformular


inteiramente à luz da ciência genética.

Para Galton, que morreu em 1911 e mostrava-se bastante receptivo às novas ideias,
pode assim tomar conhecimento das novas concepções sobre a hereditariedade
decorrentes das ideias genéticas, mantendo-se assim, tal como Karl Pearson, fiel à
sua ideia inicial de uma lei da hereditariedade que explicava as semelhanças entre os
filhos e os pais na base de uma certa continuidade de características.

Huntington, tendo já em conta os progressos da ciência neste domínio, acredita que


muito do que considera atribuível à hereditariedade possa realmente explicar-se por
factores de ordem cultural.

2. Mendel, por sua vez, mostrou que a hereditariedade é definida pela combinação de
genes realizada no momento da fecundação.
Os genes são em regra unidades independentes e estáveis, que se combinam segundo
as leis do acaso, constituindo os caracteres hereditários que «são transmitidos de uma
geração à outra como unidades distintas, independentes e não fragmentáveis».

Os progressos posteriores da genética mostraram que a regra das combinações ao


acaso pode conhecer excepções no caso dos genes ligados, que tendem a manter-se

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associados de uma geração para a outra, reduzindo por aí o número de recombinações


genéticas possíveis, e que a estabilidade dos genes pode ser afectada por mutações.

A combinação genética própria de cada indivíduo é o seu genótipo. As características


efectivamente observadas no indivíduo constituem o seu fenótipo.
O mesmo genótipo põe corresponder a diferentes fenótipos em virtude de os
caracteres genéticos poderem ser recessivos ou dominantes.

Em experiências feitas por Mendel, este retira quatro importantes conclusões:


A) a cor das flores, assim como todas as outras características genéticas, é
transmitida integralmente como a dos progenitores;
B) o elemento que determina a cor “vermelha” das flores (da experiência) é
dominante e o que determina a cor branca é recessivo;
C) outra que sugere a lei das combinações genéticas que permite apurar a proporção
de descendentes de cada tipo nos sucessivos cruzamentos;
D) o mesmo fenótipo, pode traduzir um genótipo de linhagem pura ou, no caso de
geração de híbridos (provém de duas espécies diferentes), um genótipo de
linhagem mista. O que também significa que a partir do fenótipo não é fácil fazer
previsões sobre a hereditariedade provável, salvo conhecimento pormenorizado
da linhagem, o que é um facto da maior importância tanto para as aplicações
práticas da genética na reprodução de plantas e animais, como no plano mais
complexo da hereditariedade humana.

Quando os alelos são idênticos o indivíduo diz-se homozigótico;


Quando os alelos são diferentes, um dominante e o outro recessivo, o indivíduo diz-se
heterozigótico.

ALELOS: qualquer um de dois genes que ocupam a mesma posição relativa em cromossomas
homólogos e que têm a mesma função, mas que diferem na sua expressão, comportando-se como
antagónico.

GENE: porção de um cromossoma, considerada como a unidade hereditária ou genética, visto ser
responsável pela transmissão das características hereditárias de uma geração para a outra.

CROMOSSOMA: estrutura constituída por ADN e proteína que se tornam visíveis na altura da
reprodução celular, em número definido por cada espécie, que é mito importante na reprodução das
células e na transmissão das característica hereditárias.

GENÓTIPO: constituição hereditária de um organismo; natureza e arranjo dos genes num organismo
individual.

FENÓTIPO: aspecto de um organismo resultante da interacção do seu genótipo (constituição


genética) com o meio ambiente em que se desenvolveu esse organismo.

3. Os genes de um organismo estão assentes em estruturas, que são os cromossomas.


Cada cromossoma pode conter um grande número de genes. Cada gene ocupa no
cromossoma um lugar determinado, que é um locus. As células de cada organismo
contêm um número específico de cromossomas, variável consoante os organismos.
Nos animais e nas plantas selvagens, em regra as células contêm dois cromossomas de
cada tipo (chamadas de células diplóides) o que significa que há dois exemplares de
cada locus.

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As células multiplicam-se por divisões sucessivas em que cada nova célula recebe o
mesmo número de cromossomas da célula original e por essa forma se processa o
crescimento e evolução do organismo.
No caso do homem estas células contêm 23 cromossomas.
Quando se dá a fecundação juntam-se os cromossomas de cada progenitor,
reconstituindo-se as séries de cromossomas da célula somática.
O que significa que na célula humana fecundada se forma uma série de 23 pares de
cromossomas, contendo 23 cromossomas do pai e 23 da mãe, a qual, por divisões
sucessivas, vai constituir o indivíduo adulto.
Quando por sua vez neste indivíduo se formam os gâmetas separam-se 23
cromossomas por segregação dos genes homólogos. A série que entra na composição
dos gâmetas pode conter em proporções diversos elementos provenientes de ambos os
seus progenitores, os quais finalmente se irão juntar-se, aquando da fecundação, com
uma série constituída pelo mesmo processo nos gâmetas do individuo do outro sexo.
Isto significa em termos probabilísticos que nos gâmetas de cada indivíduo se podem
formar mais de oito milhões de combinações diversas de cromossomas, e na junção
dos gâmetas de dois indivíduos de sexos diferentes, quando da fecundação, pode
teoricamente estimar-se a possibilidade da realização de mais de setenta biliões de
combinações diversas de cromossomas. O que traduz bem a variedade da lotaria
genética que define a hereditariedade de cada pessoa.

GÂMETAS: Célula sexual; célula reprodutora masculina (espermatozóide) o feminina (óvulo) que se
une à célula oposta durante a reprodução sexual, para dar lugar ao ovo ou zigoto.

Eugène Binder, explica que, «os genes situados num mesmo cromossoma não passam
sempre juntos. No decurso dos fenómenos que precedem a redução cromática [a
separação dos pares de cromossomas homólogos para a formação dos gâmetas]
acontece que dois cromossomas homólogos se cortem no mesmo lugar e troquem um
dos seus troços; os genes que se encontravam de um lado e do outro do corte são
então separados e arrastados para gâmetas diferentes, é o crossing over. Ele é tão mais
frequente entre dois loci quanto estes estão mais afastados um do outro.»

Segregação e recombinação fazem-se ao acaso: a transmissão dos genes à


descendência é questão de probabilidades, os resultados não são previsíveis senão em
grande número de casos semelhantes e exprimem-se por proporções estatísticas.

4. Os genes são portadores de elementos que determinam a sua duplicação que está na
base de todo o processo de crescimento e reprodução dos organismos.

O mecanismo de conservação e duplicação das informações genéticas assenta no


ácido desoxirribonucleico, designado pelas iniciais ADN, que é um elemento
constituinte dos genes e é o portador de certas informações eu definem um código
genético segundo o qual se faz a duplicação das células.
No processo de “cópia”podem dar-se erros que modificam os caracteres hereditários e
dão origem a mutações, as quais podem ser transmitidas à descendência, provocando
a diversificação dos organismos.

DESOXIRRIBONUCLEICO: ácido composto por uma substância macromolecular formada por uma
série de nucleóticos, que se encontra na cromotina do núcleo das células vivas, apresentando-se sob a
forma de duas cadeias agrupadas em hélice, e que é responsável pela transmissão de características

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

hereditárias, tendo a capacidade de reconstruir novas células e de se reproduzir a si mesmo,


constituindo assim o material hereditário existente na maior parte dos seres vivos (ADN).

David Paterson, explica que «as mutações são, de facto, de dois tipos: as mutações
genéticas e os remanejamentos cromosómicos.
A mutação genética afecta a estrutura interna de um gene. Pode ser a substituição de
uma base por outra numa molécula de ADN;
Um remanejamento cromossómico, é uma modificação que afecta o conjunto de um
cromossoma.

Um ou outro destes acontecimentos tem repercussões sobre a estrutura do organismo,


que podem ser menores, ma podem também pôr em causa a sua sobrevivência.
O risco de mutação é diferente nos diversos genes embora as causas sejam mal
conhecidas.
A mutação pode dar-se nas células somáticas, e então apenas as partes do indivíduo
que provêm das células que sofreram a mutação serão afectadas. Estes indivíduos são
chamados mosaicos. Mutações provocadas desse tipo utilizam-se hoje na genética
aplicada para produzir animais e plantas com certas características.

Ao nível dos cromossomas a mutação pode realizar-se por mudança no número dos
cromossomas ou por mudança na estrutura de um cromossoma. No homem a doença
designada por mongolismo é o resultado da presença de três cromossomas em vez de
dois no par cromossomático do grupo 21 ou da transportação de um elemento deste
grupo para outro cromossoma.

5. O mecanismo das mutações provoca uma grande variedade genética numa


população. Umas mutações são favoráveis e aumentam o poder de sobrevivência e de
reprodução dos portadores dos caracteres genéticos delas resultantes, enquanto que
outra mutações são desfavoráveis.
O último juiz do valor de sobrevivência de uma mutação é finalmente o meio
ambiente, e por isso pode dizer-se que as características genéticas de uma população
traduzem sempre um certo equilíbrio com o meio ambiente.
A experiência mostra que uma população contém na verdade sempre um rico fundo
genético que alimenta os ajustamentos do fenótipo à variabilidade do ambiente.
Certos processos biológicos conhecidos tendem de facto a prever a variabilidade
potencial.

A poligenia, é a dependência de um carácter hereditário da combinação de vários


genes, e que permite preservar todos os genes desde que os seus efeitos positivos e
negativos se equilibrem numa graduação que se ajuste ao ambiente.

A heterose, é a superioridade na selecção natural que a experiência mostra terem os


heterozigóticos sobre os homozigóticos. Por efeito da eliminação das combinações
desfavoráveis há sempre uma certa perda de geração para geração.
Mas mantém-se uma variabilidade suficiente para permitir vir de novo ao de cima
novas combinações que traduzam melhor ajustamento ao ambiente.

Todo o processo de selecção tende a favorecer a estabilização do fenótipo mais


vantajoso em face das características ambientais.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

Eugène Binder, diz que «a estabilidade do fenótipo normal não é uma lei absoluta,
pois nas espécies ou nas populações que têm de fazer face a condições muito diversas
nem sempre existe um fenótipo óptimo único, mas acontece, pelo contrário, pelo
contrário que em condições diferentes que representam cada um o óptimo. Nesses
casos a selecção da segunda ordem tende, não a estabilizar um fenótipo, mas a
elaborar dispositivos adaptativos complexos em que as reacções organo-formativas
são influenciadas de forma precisa pelos factores externos e podem conduzir a toda
uma gama de fenótipos correspondendo a uma gama de condições do meio.»

Há assim toda uma variação com as condições geográficas que se manifesta com mais
frequência na morfologia externa, mas pode ter reflexos citológicos (parte da biologia
que estuda as células) (nas características celulares), nos caracteres fisiológicos, nos
caracteres etológicos (os que respeitam ao comportamento dos animais no seu meio
natural – EDP. canto das aves, migrações, etc).

9.2 – Conteúdo científico da noção de raça:

São muito antigas as tentativas de classificação dos homens em raças, mas não parece
até agora ter-se resolvido de forma satisfatória o problema dos tipos intermédios.

Carl Linneu, botânico sueco, propôs em 1745, a classificação dos homens em quatro
grupos designados pela área geográfica em que predominavam e identificados
sobretudo na base da pigmentação – europeus, africanos, asiáticos e índios
americanos.

Jhoann Friedrich Blumenbach, fisiologista alemão, publicou em 1781 publicou uma


classificação dos homens baseada na configuração do crânio, onde considerava cinco
raças – caucasiana, negra, mongol, malaia e índia americana.

Paul Broca, no séc. XIX, retomou o problema da identificação e mensuração dos


caracteres raciais, contribuindo para estruturar a antropologia física em bases
cientificas e criando um exemplo seguido por uma numerosa série de investigadores,
que se dedicaram à craniometria e ao estudo dos ossos longos do esqueleto.

Joseph Deniker, no começo do presente século, publicou uma mais completa


classificação das raças, procurando enfrentar o problema das características
intermédias, individualizando 27 raças e 22 sub-raças.

Henri V. Vallois, antropólogo francês, é o autor de uma das classificações de raças


que hoje se usa, distingue 27 raças, que reúne em quatro grupos raciais:
1º - Raças primitivas;
2º - Raças negras ou negróides;
3º - Raças brancas ou leucodermes;
4º - Raças amarelas ou xantodermes.

O mesmo autor diz que esta definição das raças humanas «São agrupamentos naturais
de homens que apresentam um conjunto de caracteres físicos hereditários comuns,
quaisquer que sejam as suas línguas, costumes ou nacionalidades.»
Por características físicas hereditárias comuns entende «os caracteres que respeitam a
própria natureza dos homens: estes são pequenos ou grandes, de pele clara ou

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pigmentada; têm cabelos lisos ou crespos, braços compridos ou membros curtos; o seu
sangue mostra a presença ou ausência de certas substâncias; a sua inteligência é
flexível ou ágil ou, pelo contrário lenta e preguiçosa, etc.

Caracteres anatómicos: estrutura o corpo;


Caracteres fisiológicos: funcionamento dos órgãos;
Caracteres psicológicos: mecanismo do cérebro;
Caracteres patológicos: forma como reagimos á doença.

É o conjunto formado por estas quatro ordens de factos que é utilizado para definir as
raças. Há que ter em conta que estes caracteres só têm valor se forem hereditários.
Disposições que se tenham desenvolvido sob a acção do meio em que vive um
indivíduo e que desapareceriam nos descendentes não podem ser consideradas como
raciais.»

Um dos pontos mais controversos de toda esta questão é a ligação entre as


características somáticas (ligadas ao corpo) e as características mentais.

Do ponto de vista da explicação das ciências sociais, o que principalmente interessa é


averiguar em que medida a diversidade os caracteres morfológicos acarreta
necessariamente diversidade das reacções sociais. E por isso é relevante apurar se
existe efectivamente grande diferença entre as raças humanas para além do que se
refere à pigmentação da pele, textura dos cabelos ou configuração o crânio, da face e
do nariz.

3. O que a ciência da genética mostra no seu estado presente é a substancial


semelhança dos homens. Geneticamente todos os homens pertencem à mesma
espécie, formando um grupo onde cujos membros podem cruzar-se entre si e gerar
filhos capazes, por sua vez, de se reproduzirem.

Biologicamente, as raças podem tomar-se como subespécies, formadas como


resultado de um isolamento geográfico que nunca foi estanque por longo tempo.
Os cruzamentos entre grupos vizinhos propagados à escala do mundo inteiro
definiram um fundo genético comum a toda a espécie humana. O que varia são as
frequências relativas de certos elementos genéticos de população para população.

O facto está comprovado para diversas características.


Assim o sangue humano pode ser classificado, de acordo com certas regras, em tipos
segundo diversos sistemas. Um dos sistemas mais usado é o A B O. Demonstra-se que
todos os homens são ou A ou B, ou A B ou O.

Quando se realizam observações apropriadas apurou-se que todos os tipos sanguíneos


aparecem praticamente em todas as raças, e verificou-se que as transfusões de sangue
entre pessoas de raças diferentes podem fazer-se sem perigo, desde que respeitadas as
regras da compatibilidade dos tipos.
O que varia são as proporções ou frequências com que aparecem os diversos tipos.

Boyd, propôs a seguinte definição de raça. «É uma população que difere de maneira
significativa das outras populações humanas pela frequência de um ou de vários gene
que ela possui. A escolha dos loci sobre eu repousa a distinção de uma “constelação”

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

significativa é, e muito uma decisão arbitrária; parece preferível, por uma lado, não
distinguir uma multiplicidade de raças diferindo somente umas das outras por um
único par ou uma série de alelos e, por outro lado, não exigir que todas as raças que se
definam difiram umas das outras pelo conjunto dos seu genes».

Combinando vários sistemas de classificação dos tipos sanguíneos e alguns outros


caracteres que se sabem geneticamente determinados, Boyd, segundo a variação das
frequências, propôs o agrupamento dos homens em seis raças:
1ª – Grupo europeu primitivo (hipotético), representado actualmente pelos bascos;
2ª – Grupo europeu (caucasóide);
3ª – Grupo africano (negróide);
4ª – Grupo asiático (mongolóide);
5ª – Grupo ameríndio;
6ª – Grupo australóide;

4. As teorias mais aceites neste campo, seguindo a regra genética do ajustamento dos
caracteres das populações às características do meio, explicam a variação das raças
humanas substancialmente em função dos meios geográficos em que se consolidaram,
embora, dada a lentidão da reprodução das sucessivas gerações humanas, muitos
caracteres possam permanecer mesmo quando o habitat deixou de ser aquele em que o
carácter se estabilizou.

W. Farnsworth Loomis, propôs recentemente uma teoria que explica o grau de


pigmentação da pele a partir do ajustamento às necessidades da síntese da vitamina D.
A vitamina D, que governa a absorção do cálcio pelo organismo, é sintetizada pela
pele com a ajuda da exposição aos raios solares ultravioletas.
Em igualdade de insolação uma pele não pigmentada sintetiza mais vitamina D do que
uma pele pigmentada.
A deficiência em vitamina D pode produzir certos desequilíbrios nomeadamente o
raquitismo.
O excesso de vitamina D pode, por seu lado, também ser nocivo.
A variação da pigmentação traduz uma adaptação do organismo. Nas zonas mais
ensolaradas durante o ano a pele é escura, a fim de evitar excessiva acumulação de
vitamina D; nas zonas onde a exposição ao sol é menor, a pele é mais clara, até ser
translúcida nos países mais ao norte, a fim de facilitar a síntese da vitamina D.
Trata-se do mesmo mecanismo que produz nos homens de pele clara o bronzeamento
como defesa perante uma excessiva exposição ao sol.

Outra teoria é a da configuração do nariz, que representa uma adaptação ao clima,


traduzindo um mecanismo de controle das perdas do calor e humidade pelo aparelho
respiratório, assim como de ajustamento do ar inspirado às condições do equilíbrio
interno do organismo.

5. A verdade, é que o debate sobre a incidência social da raça, e genericamente da


hereditariedade, não se tem formado em torno da cor da pele ou da configuração do
nariz, mas sim naquilo que não respeita puramente à preocupação médica com a
incidência e possível tratamento de certas doenças, em torno de duas grandes
questões:
a) A relação entre a raça ou a hereditariedade e a inteligência;
b) A relação entre a hereditariedade e o crime ou o comportamento marginal.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

9.3 – Hereditariedade, raça e inteligência:

A questão da ligação entre a hereditariedade ou a raça e a inteligência tem sido posta


sobretudo em face os resultados diferentes que dão aos testes de inteligência as
crianças de diversos tipos somáticos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, tem-se verificado com certa frequência que as
crianças negras apresentam à face dos testes quocientes de inteligência inferiores aos
das crianças brancas.
A investigação das causas deste fenómeno fez-se segundo três caminhos principais:

A) A procura da influência que podem ter nas característica mentais dos


indivíduos respectivamente, a hereditariedade e o meio ambiente;
B) A critica do valor de medida da inteligência real que têm os teste em uso;
C) A avaliação dos efeitos que pode ter no próprio desenvolvimento do cérebro
do indivíduos o meio ambiente em que são criados.

2. A relação entre a hereditariedade, a inteligência e o sucesso social foi objecto de


muitos estudos desde do início do presente século, como reacção às teses racistas e
especialmente às teorias hereditaristas de Galton e dos seus discípulos.

Assim avançou-se uma teoria de que é ao meio ambiente social e educacional, mais
do à hereditariedade, que é justo atribuir o sucesso educacional e social das pessoas.

Explicando portanto que os jovens não têm à partida as mesmas oportunidades. Uns
são criados em famílias prósperas e educadas e beneficiam de todo um ambiente
favorável à aquisição das qualidades necessárias para alcançarem uma posição de
distinção social. Outros são criados em ambientes modestos, marcados quer pela
mediocridade educacional, pelo que têm necessariamente mis dificuldades em
adquirir as qualidades necessárias a uma carreira a um nível social superior ao da sua
família.

Dada a forma como se processa a lotaria genética no momento da fecundação, é raro


encontrar pessoas com hereditariedade idêntica. Na verdade, mesmo os filhos dos
mesmos pais têm em regra hereditariedades diversas. Os únicos casos de
hereditariedade idêntica, são os gémeos monozigóticos, que resultam de um único ovo
que se cindiu para dar origem a mais de um indivíduo.
Sendo assim tão raros os casos de hereditariedade idêntica, tão pouco são frequentes
os casos de pessoas com hereditariedade idêntica criadas em meios diversos.
Normalmente os gémeos são criados juntos na mesma família.
Para comprovar a tese fez-se um esforço para descobrir casos de gémeos que por
acidente tivessem sido criados longe um do outro (abandonados pelos pais, orfandade,
etc.).
Nos Estados Unidos uma equipa científica conseguiu descobrir e estudar alguns
gémeos monozigóticos em tais circunstâncias, aos quais juntou, gémeos dizigóticos e
irmão não gémeos criados m famílias diferentes, crianças adoptadas e criadas por
casais junto com os seus próprios filhos.
Foi assim possível mostrar que, embora a hereditariedade seja importante no que
respeita à conformação de certas aptidões, o meio ambiente influencia sensivelmente
muitas das capacidades que é possível medir através dos testes de inteligência.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

3. Esta conclusão, confirmada por numerosas observações, inspirou diversas medidas


n domínio da política educacional e da política de assistência visando igualar as
oportunidades dadas às crianças dos diversos meios sociais.

Arthur R. Jensen, professor de Psicologia da Educação na Universidade da Califórnia


(Berkeley) sustenta a necessidade de reconhecer o que decorre das observações que
mostram que as diferenças de Inteligência têm um largo conteúdo hereditário, e por aí
também racial, e o que se impõe em matéria de educação não é criar um sistema
educacional idêntico para todos, mas um sistema adaptado às faculdades próprias de
cada grupo.
De qualquer modo defende que o problema requer uma investigação específica sobre
as diferenças entre os grupos humanos que há que enfrentar.

4. Este debate fez ressurgir a já antiga questão do valor dos testes de inteligência. Os
testes correntes, que são derivados dos testes concebidos por Binet em começos deste
século para a selecção escolar das crianças, com vista a separar as atrasadas das com
desenvolvimento normal, visam medir o quociente de inteligência ou o quociente
intelectual, em termos de relação entre a idade mental e a idade cronológica, pela
seguinte fórmula:

QI = Idade mental x 100


Idade cronológica

Assim se a criança estiver avançada em relação à média da sua idade surge um QI


elevado, se estiver atrasada surge um QI baixo.
O teste é construído segundo uma certa ideia do que é o nível médio em cada idade,
ideia depois confirmada por validação experimental através da administração a um
número representativo de indivíduos.
O teste inclui elementos de natureza diversa que se reúnem por forma a compor um
campo de avaliação várias aptidões.
Como os testes foram concebidos como instrumentos de selecção escolar, aceita-se
que os mesmo sejam uma boa medida de educabilidade, ou seja, da aptidão de um
indivíduo para se adaptar a certo sistema escolar.
Por outro lado, muitos dos elementos dos testes relacionam-se com o nível de
conhecimentos, o que vem questionar se os testes são mesmo capazes de medir a
capacidade inata como coisa distinta do potencial definido em certo ambiente social.

Joanna Ryan, explica que «há várias razões para supor que é em princípio impossível
medir “o potencial inato” e também que essa própria noção não faz sentido. A razão
principal resulta do facto de que no processo de medida algum aspecto do
comportamento corrente do indivíduo tem de ser usado, ou seja, algumas das perícias
que se desenvolvem durante uma vida. Isto porque o potencial se exprime no
comportamento efectivo; e não há nada extra “por detrás” do comportamento
correspondente ao potencial que possa ser observado independentemente do próprio
comportamento»…
«Assim a noção de aptidão potencial, como alguma coisa abstraída de todas as
interacções com o ambiente e ao mesmo tempo como alguma coisa mensurável no
comportamento de uma pessoa, não faz sentido.»

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

«Assim o que se afirma é que é impossível separar e medir com um teste de


comportamento só as determinantes não ambientais da aptidão, uma vez que
interactuam com o meio ambiente por forma a garantir que qualquer teste de aptidão
tem inevitavelmente de envolver ambos os aspectos».

As características ambientais penetram fortemente os testes a partir dos processos de


normalização a que são sujeitos antes de adoptados para uso rotineiro. A normalização
consiste em aplicar o teste a uma amostra que se procura tão representativa quanto
possível das pessoas de certa idade a fim de definir o que é normal em cada idade.

Outra questão coloca-se com os testes de Stanford- Binet e Wechsler, usados nos
Estados Unidos e que foram normalizados apenas com base na população branca.
Joanna Ryan, nota que quando se usam deste tipo para medir o QI dos negros o que
se averigua é a aptidão destes para fazerem em cada idade as mesmas coisas que
fazem os brancos nessa idade e não propriamente a sua posição relativamente às
médias de desenvolvimento da população a que pertencem. Para medir a inteligência
dos negros seria necessário normalizar os testes em relação à sua própria população.

«As estimativas da hereditabilidade aplicam-se apenas à população estudada e ao seu


meio ambiente particular. Assim a extrapolação das estimativas existentes da
hereditabilidade às diferenças raciais pressupõe que as diferenças ambientais entre as
raças são comparáveis às variações ambientais dentro delas»…
«Que sejam ou não as variações de QI dentro de qualquer das raças inteiramente
genéticas ou inteiramente ambientais não tem relevância para a questão da relativa
contribuição dos factores genéticos e ambientais para as diferenças entre as raças.»

5. Pode dizer-se que o cérebro e o sistema nervoso adquirem as características que


têm no estado de formação completa por efeito de duas características fundamentais:
A especificidade, que respeita às reacções geneticamente programadas, embebidas no
sistema por efeito da evolução anterior da espécie;
A plasticidade, que permite a aprendizagem.

O cérebro é, talvez mais do que qualquer outro órgão, influenciado pelas condições
em que se passam os primeiros anos de vida.
O seu desenvolvimento faz-se muito rapidamente:
Aos cinco anos o cérebro tem 90% do peso que tem num adulto e aos dez anos 95%.

Steven Rose, biólogo, explica que «o programa genético do indivíduo é uma


expressão do conteúdo em ADN (os genes) do óvulo e do esperma de que se
desenvolve.
Mas este programa genético não pode nunca ser expresso sem um ambiente em que a
expressão tem de ocorrer. Se o ambiente é inadequado o indivíduo simplesmente
morre.

Um ambiente mais ou menos favorável, quer sob a forma nutricional, quer sob a
forma da interacção mental, pode ter efeitos decisivos sobre o desenvolvimento das
faculdades naturais da pessoa. Diversos exemplos conhecidos mostram que o simples
enriquecimento da dieta em idades jovens pode ter efeitos sensíveis no QI.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

Também se tem verificado que os gémeos têm em regra um QI inferior em cinco


pontos ao dos não gémeos, facto que se mostra independente da condição social dos
pais, da ordem do nascimento, tempo de gestação, dimensão da família e outros
factores que poderiam ser relevantes. Na falta de outra razão aparente tem-se atribuído
o facto à menor atenção que os pais podem dispensar a cada uma das crianças
nascidas ao mesmo tempo.

9.4 – Hereditariedade, e criminalidade:

1. No final do Séc. XIX, antes que se tivessem descoberto as leis da genética,


colocou-se a questão da hereditariedade poder ser uma predisposição para o crime
juntamente com outras características físicas. O médico Italiano César Lombroso
falou de um atavismo criminal ou seja, o reaparecimento num indivíduo de
características desaparecidas na sua linhagem à uma ou vária gerações. O debate
gerado pelo seu livro “ O Homem Delinquente” foi uma preciosa ajuda na
estruturação da ciência da Antropologia Criminal.
Dugdale (1887) e Goddard (1913) são exemplos de escritores que se debruçaram
sobre o estudo de famílias com características particulares de criminalidade e
mendicidade. Pelo contrário em 1913 Goring vem demonstrar, com recurso a
observações antropométricas que não há diferenças de maior entre os condenados a
cumprir penas em Londres e as pessoas comuns.
Já desde finais do Séc. XIX, Gabriel Tarde e os seus discípulos em França,
procuraram salientar a importância do ambiente social na formação deste tipo de
comportamentos.

2. Hoje, grande parte das concepções de Lombroso foram abandonadas. Num livro
recente Pierre Grapin sintetiza a antropologia criminal em 4 correntes:

a) As tendências Neurocebralistas
Anomalias de configuração neurocerebral responsáveis por determinadas propensões
psicológicas ou psicopatológicas, como resultado de lesões congenitais ou de doenças
ou traumatismos posteriores ao nascimento.

b) As tendências Biotipológicas
Resumo da totalidade dos indivíduos a um número restrito de tipos
morfológicos (na base da conformação exterior do corpo) ou de tipos constitucionais
(na base de características fisiológicas ou psicológicas) que se procuram relacionar
com os actos delituosos ou criminais.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
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c) A Genética Criminal
Procura relacionar anomalias genéticas com a propensão para o crime.

d) A Tendência Neo-Antropológica
Procura redefinir o problema tendo em conta os conhecimentos actuais
sobre a interacção entre a hereditariedade e o meio ambiente na conformação das
personalidades individuais.

Todas as concepções da genética criminal abandonam a ideia do criminoso nato e


admitem em grau variável a incidência de circunstâncias de ordem ambiental no
fenómeno crime.

As anormalidades genéticas não impedem que os indivíduos que as possuem tenham


uma vida socialmente útil. As mais conhecidas dizem respeito aos cromossomas que
definem o sexo.
XX – mulher
XY – homem
Quando os cromossomas aparecem em número superior ao normal há uma anomalia
genética.
O síndroma YY é a anomalia que mais frequentemente tem sido associada a
comportamentos criminosos. Alguns homens com os cromossomas XYY têm sido
responsáveis por crimes violentos, no entanto muitos especialistas de genética hesitam
em concluir que esta composição cromossomática conduza necessariamente ao crime.
Jonh H. Heller escreve que esta evidencia insuficiente para provar que todos os cinco
milhões de indivíduos que se estima terem esta composição cromossomática o mundo,
tenham tendências inatas agressivas ou criminosas.

A tendência Neo-Antropológica é para situar o problema da delinquência no seu


contexto social. Reconhece-se que não deve raciocinar-se em termos de
predominância de um factor hereditário ou mesmo psicossomático. Há então o
cuidado de individualizar as características do delinquente e ponderar os diversos
factores que podem tornar-se actuantes para conduzir ao crime.
Segundo Pierre Grapin o crime não é visto como consequência de um ou outro factor
(hereditariedade ou meio ambiente) mas como resultado de coeficientes componentes,
sendo necessário definir as proporções. Tal como se viu na inteligência, o que pode
advir da hereditariedade não é indiferente mas é importante apurar o modo como estas
propensões podem ser canalizadas e moldadas pelo meio social em que os indivíduos
nascem e são educados.

9.5 – A declaração da U.N.E.S.C.O. sobre os aspectos biológicos da noção de raça

O racismo teve um impacto catastrófico na política no período entre as duas grandes


guerras e sobretudo no período hitleriano, por isso desde 1948 o conselho económico
e social da O.N.U. solicitou à U.N.E.S.C.O. a realização de um programa de
divulgação dos factos científicos pertinentes nesta matéria com vista a combater os
preconceitos de raça. A U.N.E.S.C.O. promoveu um estudo sobre as raças e a
declaração ficou datada de 18/07/1950. A 08/06/1951 foi ainda divulgada pela
U.N.E.S.C.O. uma declaração de um grupo de antropólogos e geneticistas destinada a
completar a declaração de 1950 em certos pontos que tinham sido objecto de critica
por parte de alguns especialistas. Uma nova actualização foi necessária e aconteceu

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
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em Agosto de 1964 em Moscovo. O teor da declaração é o que a seguir se descreve no


que diz respeito à relação entre hereditariedade, a raça e as características mentais:

“13. A maioria das classificações raciais da humanidade não incluem traços ou


atributos mentais como critérios taxonómicos. A hereditariedade pode ter influência
na resposta aos testes psicológicos correntemente aplicados, no entanto não foi
observada nenhuma diferença relativa ao que é medido por estes testes cuja razão seja
essa hereditariedade. Além disso as diferentes respostas a estes testes são justificadas
por amplas informações com a influência do meio físico, cultural e social. O estudo
desta questão é prejudicado pela dificuldade em determinar o valor da hereditariedade
nas diferenças médias observadas nos testes de inteligência geral entre populações de
diferentes culturas.
Os povos do mundo actual, parecem possuir potencialidades biológicas iguais para
atingirem qualquer nível de civilização. As diferenças nas realizações dos diferentes
povos têm de atribuir-se somente à história cultural.
Alguns traços psicológicos são atribuídos a determinados povos mas nada prova que
sejam influenciados por factores hereditários. Nem no que diz respeito às
potencialidades hereditárias pertinentes à inteligência geral, à capacidade para o
desenvolvimento cultural, nem no que diz respeito aos traços físicos há qualquer
justificação para o conceito de “raças inferiores” e “raças superiores”.”

10. O MEIO FÍSICO

1. Ao meio físico é tradicionalmente reconhecida uma influência na forma de


estruturação das sociedades. A geografia humana que interpreta a paisagem tem feito
esta articulação.
Maximilien Sorre diz-nos que os elementos variados que compõem a paisagem
(arquitectura de solo, clima, formações vegetais, obras do homem) influenciam o
modo de vida dos povos.
O facto das sociedades permanecerem séculos nos mesmos lugares embebeu-as em
todas as suas formas de uma cultura tradicional. Um dos atributos das antigas
sociedades agrícolas europeias é a estabilidade. Os lugares eram reconstruídos depois
das catástrofes no mesmo sítio ou muito perto, daí que seja possível observar num
mesmo lugar edifícios de várias épocas e regimes diversos. No seguimento dos
acidentes do meio físico, em conjunto com o regime económico dominante
consolidam-se os laços entre diversos grupos instalados nos mesmos lugares. Por este
facto têm-se estudado numerosas paisagens, regiões, sistemas de comunicações,
mascas, fronteira e limites entre estados no âmbito da geografia regional, geografia
das comunicações ou da geografia política.

2. O meio físico e o clima são segundo alguns, factores determinantes para os níveis
de civilização alcançados uma vez que condicionam os níveis de prosperidade, de
conforto, de saúde e longevidade, de educação, de produção industrial, etc...
Ellsworth Huntington dá-nos um exemplo. Estudou que num país como os estados
unidos, determinadas situações abaixo enumeradas diferem de zona para zona:
Número de pessoas por divisão das habitações
Número de nascimentos por mil habitantes
Número de homicídios
Proporção de famílias possuidoras de rádio
Etc...

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Óscar Soares Barata

Por isto e depois de estudar os factores subjacentes concluiu que estas diferenças se
deviam a:
Estado geral de saúde e vigor físico
Inclinação para trabalhar
Capacidade de trabalho
Para este estudioso, além do vigor hereditário e do nível de cultura dos grupos, são
também factores determinantes o meio físico e especialmente o clima (eficiência
climática).
A eficiência climática significa, a eficiência relativa que teriam pessoas com todas as
características semelhantes se apenas se verificasse a variação climatérica.
A eficiência climática revela-se no vigor e ritmo de trabalho que varia conforme as
regiões, as estações, as horas do dia e mais geralmente, no vigor dos povos e nações.
Esta definição defende que para além do que se pode atribuir à constituição
hereditária e à cultura, o elemento fundamental do padrão geográfico revelado pela
civilização é o clima.
Segundo Huntington, toda a gente sabe que sentimentos humanos, saúde e actividade
são extremamente sensíveis ao tempo e ao clima; por isso, apoiando-se em numerosos
elementos estatísticos procurou delimitar as grandes zonas mundiais de diversa
eficiência climática.
A temperatura tem um papel relevante que se manifesta na variação dos rendimentos
de trabalho nas fábricas, sendo que o valor óptimo de temperatura é igual para todas
as raças. No seu entender, é a temperatura que explica que as grandes civilizações
tenham surgido em primeiro lugar nas latitudes 25º a 35º e as civilizações menores
entre os 25º e o equador. Os casos que se conhecem de grandes civilizações em zonas
muito quentes, são realmente criações de povos que aí se estabeleceram no decurso de
migrações, trazendo consigo culturas formadas em áreas de clima estimulante.
Da mesma forma, a variação da natalidade é influenciada pela temperatura. Nos
países frios as concepções diminuem no inverno e o máximo é atingido na primavera
ou no verão, na altura em que a temperatura atinge o seu valor óptimo; pelo contrário,
em climas muito quentes como por exemplo o norte da Índia, este valor óptimo
coincidente com o máximo de concepções é atingido no Inverno, altura única em que
a temperatura desce o suficiente.
Tal como os animais nascem na primavera para terem mais probabilidades de
subsistência, assim, para que o homem primitivo tivesse probabilidades de
subsistência, era natural que a maioria dos nascimentos tivesse que ocorrer na
primavera. A nossa espécie adquiriu as suas adaptações climatéricas primárias num
tipo intermediário de clima moderadamente quente, mas de modo nenhum equatorial.

Huntington explorou as relações entre o comportamento dos homens e as variações no


clima, servindo-se de exemplos tirados de todas as partes do mundo. Procurou
associar também estas variações às grandes transições históricas, migrações,
conquistas, perda de dinamismo ou revigoramento após períodos de acalmia.
Além disto, procura ainda encontrar nisto, explicação para os fenómenos cíclicos da
economia e outros aspectos da vida social. No entanto procura que o clima seja não o
único factor, mas um dos factores a ter em conta, a par da hereditariedade e do nível
cultural.
O clima actua como factor determinante ou deprimente. Assim, o determinismo
geográfico de alguns autores antigos é agora substituído pelo possibilismo, que vê no
meio físico um conjunto de possibilidades que podem ser aproveitados conforme as
tendências culturais de cada homem.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

11. A CULTURA

1. As ciências sociais têm estudado aquilo que a antropologia cultural denomina como
cultura. Na famosa definição de Merville J. Herkovits “A cultura é a parte do
ambiente feita pelo homem”. Por este facto engloba as técnicas, a ciência, o direito, a
moral, os costumes e tudo o mais que o Homem implantou sobre a natureza. Ao que
no passado se chamava civilização hoje denominamos cultura. Esta palavra, aparece
com o sentido que hoje lhe damos, pela primeira vez na obra de Gustav K. Kemm
(1843-1852) “Allgemeine Culturgeschichte der Menschkeit, que é a história geral de
cultura.
Parece ser nesta obra que Taylor recolhe o novo sentido da palavra que na “Primitiva
cultura” (1871) define desta forma “cultura ou civilização... é o todo complexo que
inclui a crença a arte, a lei, a moral, o costume e quaisquer outras capacidades e
hábitos adquiridos pelo Homem como membro de uma sociedade”. A partir de Taylor
a palavra tornou-se de uso corrente em inglês, passando depois a outras línguas, no
sentido antropológico.
A aptidão para criar cultura é o que distingue os homens dos animais. A cultura passa
de geração em geração moldando os comportamentos, as atitudes e as visões das
coisas e das pessoas. A cultura constitui um todo, complexo, que absorve todos os
aspectos da vida das pessoas. Cada grupo de pessoas implantado numa certa área é
relativamente diferenciado de grupos vizinhos semelhantes, tendo por isso a sua
própria cultura. Porém, essas culturas particulares são muitas vezes de uma mesma
família cultural que abrange uma área mais vasta. Numa sociedade integrada, diversos
grupos compõem uma mesma cultura global.
No entanto algumas fracções de uma certa sociedade podem ter uma visão específica
do mundo tão distinto que se pode dizer que estamos diante de uma subcultura. Esta
ideia é definida por antropólogos que descrevem o ambiente social de bairros pobres
quando esta pobreza coincide com marginalidade étnica.
Para facilitar o esclarecimento dos factos individuais e das relações observadas entre
eles é útil fazer uma decomposição de cultura em elementos componentes.
Clark Wissler estudou os Índios do continente americano, procurando distinguir em
cada cultura os traços componentes como sendo as menores unidades culturais
individualizáveis.
Estes agrupam-se em complexos culturais que por sua vez se agrupam em padrões de
cultura. Como a observação mostra que muitos padrões culturais são comuns a povos
vizinhos e se estendem por regiões extensas, chega-se assim à noção de área cultural
que é uma área delimitada pela presença de padrões culturais substancialmente
idênticos. Foi desta forma possível identificar em relação às culturas de índios
americanos um certo número de áreas culturais. A aplicação destes conceitos depara-
se porém com algumas dificuldades. É difícil chegar a acordo sobre quais as
condições mínimas que um elemento cultural deve reunir para poder ser chamado de
traço cultural. O mesmo acontece com o complexo cultural, padrão de cultura e área
cultural.
A expressão complexo de traços tem sido algumas vezes substituída por instituição,
expressão igualmente controversa. Isto deve-se à grande densidade de culturas mesmo
quando se trata de grupos que vivem nas condições mais rústicas.

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Óscar Soares Barata

O próprio conceito de cultura tem suscitado muitas divergências entre os


antropólogos. A. L. Kroeber e C. Kluckhohn., encontraram 164 definições que têm
dificuldade de sintetizar, no entanto retêm como especialmente impotentes os
seguintes aspectos:

a) A cultura é uma categoria geral de natureza humana que serve simultaneamente


para classificar e explicar.
b) A totalidade da cultura humana inclui os fenómenos culturais de todos os povos,
tempos e lugares na medida em que estes se podem conhecer
c) A totalidade da cultura humana só pode ser padronizada em semelhanças gerais
em todos o tempos e lugares, de algumas das suas grandes categorias como a
transmissibilidade, utilizando valores mais ou menos universais
d) No entanto, a cultura geral, é uma generalização, tal como a “vida geral na terra” e
como tal não pode mostrar os contornos nítidos de fenómenos particulares.
e) Por isso é correcto distinguir entre cultura em geral (1. modo descritivo; 2. modo
explicativo) e culturas particulares.
f) A cultura é produzida e mudada por indivíduos, influenciados pelos seus grupos,
no entanto não está ligada pelo tempo fora a uma sociedade em particular.
g) Assim, a cultura deve ser entendida como um sistema ou categoria autónoma
podendo ser tratada com relativa abstracção das personalidades e das sociedades.
h) Há uma constante interacção entre a personalidade individual e a cultura.
i) A cultura só pode ser entendida como totalidade embora sejam os indivíduos e os
grupos os criadores da cultura.
j) As culturas são organizadas uma vez que as variáveis dependem umas das outras
k) A cultura não é o comportamento ou o seu estado unicamente, uma parte desta é
composta por normas para o comportamento ou modelos de comportamento, outra
parte de ideologias que justificam certos comportamentos. Finalmente toda a
cultura inclui princípios gerais de selectividade e ordenamento que são redutíveis
a generalizações parcimoniosas.
3. Todas as culturas têm muitos aspectos análogos. Alguns aparecem frequentemente
em quase todas as culturas; chamam-se “Universais da Cultura” , mas até nisso
diferem as opiniões dos antropólogos que têm encontrado dificuldade em chegar a um
modelo comum de sistematização dos factos observados. Esta dificuldade estende-se
genericamente a todas as ciências sociais, que têm parte do seu objecto de estudo na
cultura. Por este facto existe um sem número de pontos de vista e de conclusões
diferentes.
O ser humano, mesmo nos aspectos biológicos da sua natureza, está profundamente
marcado pelo meio cultural onde nasceu e onde se fez o seu “treino social”. Além do
conteúdo cultural do lugar onde existe, o homem exprime também nos seus impulsos
mais íntimos, aspectos marcados pelo teor das relações sociais.
Emile Durkheim diz-nos isto, afirmando que até numa questão tão pessoal como o
suicídio, o indivíduo, baseia-se menos em motivos pessoais do que na expressão das
grandes correntes sociais.

12. UMA AVALIAÇÃO CLÁSSICA DA INCIDÊNCIA DOS FACTORES


DA EXPLICAÇÃO SOCIAL: O ESTUDO DE DURKHEIM SOBRE O
SUICÍDIO

1. Durkheim diz que se chama suicídio a toda a morte que resulta mediata ou
imediatamente de um acto positivo ou negativo, realizado pela própria vitima.

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Óscar Soares Barata

Utilizando estatísticas recolhidas em França e países vizinhos, mostra que os suicídios


mantém de ano para ano, características frequentes com determinadas oscilações. Diz
ainda que a taxa de suicídios é uma ordem de factos una e determinada. Ao procurar
encontrar-lhe as causas recorre-se a duas ordens de factores:
a) Factores extra-sociais
b) Factores sociais

Relativamente aos factores extra-sociais, eram apontados na época de Durkheim os


factores seguintes:
 Efeitos dos estados Psicopáticos
 Efeitos da raça e da hereditariedade
 Efeitos dos factores cósmicos
 Efeitos da imitação (que segundo Durkheim deve ser vista como um
fenómeno da psicologia individual.)

Examinando os possíveis efeitos psicopáticos conclui que a taxa social de suicídios


não tem nenhuma relação definida com a tendência para a loucura nem por via de
indução, com a tendência para as diferentes formas de neurastenia. A nível colectivo
também não lhe parece que haja associação firme entre o alcoolismo e o suicídio.
Afirma que não há nenhum estado psicopático que mantenha com o suicídio uma
relação regular e incontestável. O facto de uma sociedade ter mais ou menos
neuropatas ou alcoólicos não produz mais ou menos suicidas.
Relativamente ao valor da hereditariedade, começa por criticar as definições de raça
propostas. Depois, mostra pelas estatísticas de vários países e regiões que não existe
relação firme entre o tipo ético ou a hereditariedade e a taxa de suicídios.
Também relativamente à latitude em que habitam os homens, Durkheim não encontra
nenhuma relação significativa com a taxa de suicídios, no entanto, parece-lhe haver
uma firma ligação com a variação da temperatura ao longo do ano, tanto que há
uma variação sazonal; mas não lhe parece que isto resulte propriamente da variação
da temperatura ou mudança das estações. Repara que a maior incidência dos
suicídios acontece numa altura em que os dias são mais longos e o que poderá
determinar as maiores incidências de suicídio nem é propriamente a luz, mas a maior
intensidade da vida colectiva. Escreve assim: “Se as mortes voluntárias se tornam
mais numerosas de Janeiro a Julho não porque o calor exerça uma influência
perturbadora sobre os organismos, é porque a vida social é mais intensa... mas não é o
meio físico que a estimula directamente; sobretudo não é ele que estimula a marcha
dos suicídios. Esta depende das condições sociais”.
A análise dos efeitos da imitação vem contestar a concepção de Gabriel Tarde de que
a imitação é o principal dos fenómenos sociais. Durkheim escreve: “Há imitação
quando um acto tem por antecedente imediato a representação de um acto semelhante,
anteriormente realizado por outrem, sem que entre esta representação e a execução se
intercale nenhuma operação intelectual, explícita ou implícita, relativa aos caracteres
intrínsecos do acto reproduzido”. Considera então que é incontestável que a imitação
é responsável por diversos casos de suicídio, porém não lhe parece provável que haja
tendência de propagação de uma corrente de suicídios dentro de uma sociedade ou de
um grupo de indivíduos.
2- As causas decisivas das variações de taxa de suicídios tem que encontrar-se em
factores de ordem social e estes dividem-se em três classes:

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a) Factores que conduzem a uma excessiva separação do indivíduo, do corpo


social, uma excessiva individualização que dão origem a um tipo de suicídio
que se designa por suicídio egoísta.
b) Factores que provocam uma excessiva subordinação do indivíduo à
colectividade e que dão origem a um tipo de suicídio que se designa por
suicídio altruísta.
c) Factores que conduzem a um exagerado relaxamento dos laços sociais, a um
estado de insuficiente integração, de anomia (dissemelhança), que dão origem
a um tipo de suicídio que se designa por suicídio anómico.

Durkheim faz então uma análise ao suicídio segundo o credo religioso, a instrução, o
sexo, o casamento, o celibato, o divórcio e a viuvez, a coesão da sociedade política,
etc... e constata que o suicídio egoísta resulta do enfraquecimento dos laços que ligam
o indivíduo à sociedade. “O suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos
grupos sociais de que o indivíduo faz parte” ... “se, pois, convirmos em chamar
egoísta este estado em que o individual se afirma com excesso em face ao social e à
custa deste, podemos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que resulta
de uma individualização desmesurada.”
O suicídio altruísta acontece em sociedades em que o indivíduo conta pouca coisa e
é treinado para se sujeitar às necessidades da colectividade. São exemplos disto:
a. As mulheres indianas que se suicidavam por ocasião da morte dos
maridos
b. A morte voluntária dos indivíduos quando atingiam determinadas
idades avançadas
c. O suicídio dos servos que seguiam na morte os seus senhores
d. O suicídio por motivos de prestígio
e. Etc...

Se chamamos egoísta ao estado em que o eu não obedece a ninguém a não ser a si


próprio, altruísta define bem o estado em que o eu se confunde com algo exterior a si
próprio, em que o polo da sua conduta está situado fora de si, num dos grupos de que
faz parte.
O suicídio anómico acontece em épocas de grandes transformações sociais. Quer se
trate de crises de escassez ou se pelo contrário se trata de mudanças que produzem
abundância, a taxa de suicídios intensifica-se. “Toda a ruptura de equilíbrio, mesmo
quando dela resulta uma melhoria de bem-estar e um aumento de vitalidade geral,
impulsiona à morte voluntária.” Isto resulta do desregramento social, do estado de
anomia e daí o nome de suicídio anómico.
3. Segundo Durkheim, a explicação para a taxa de suicídio tem que ser
sociológica. “É a constituição moral da sociedade que fixa em cada instante o
contingente de mortes voluntárias. Existe portanto, em cada povo uma força colectiva,
de uma energia determinada, que impulsiona os homens a matarem-se. Os
movimentos que o paciente realiza, e que à primeira vista, parecem não exprimir
senão o seu temperamento pessoal, são na realidade, o seguimento e o prolongamento
de um estado social que eles manifestam exteriormente.” É nisto que devem
concentrar-se as tentativas de entendimento deste fenómeno social e de outros
análogos. É também nesta base social que devem encontrar-se soluções para atenuar
estes factos. Esse é o objectivo da ciência social, segundo Durkheim que afirma que
uma crença ou uma prática social existe independentemente das suas expressões
individuais.

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Óscar Soares Barata

1º - O grupo formado pelos indivíduos associados é uma realidade de outra espécie


(d’une outre sorte) que cada indivíduo tomado à parte.
2º - Os estados colectivos existem no grupo, da natureza do qual derivam, antes de
afectar o indivíduo como tal e de se organizarem nele, sob uma forma nova, numa
existência puramente interior.

13 AS RELAÇÕES SOCIAIS

13.1 As formas da solidariedade

Este estudo de Emile Durkheim sobre o suicídio (ver ponto 12) mostra que por vezes
as relações sociais levam o indivíduo ao suicídio pela excessiva coesão social, e
outras vezes pelo excessivo relaxamento. Isto leva-nos necessariamente a estudar um
quarto factor da explicação social, as formas da solidariedade.

Segundo Durkheim as pessoas podem sentir-se atraídas umas pelas outras pelas suas
semelhanças ou pelas suas diferenças ( o fraco sente-se atraído pelo forte ou o tímido
pelo resoluto, mas nunca o franco pelo hipócrita ou o pródigo pelo avarento).

Solidariedade mecânica – Aquela em que a atracção e interdependência se


estabelece entre as pessoas de modo a que se movam em bloco, como um só corpo.
Neste tipo de solidariedade as crenças e sentimentos comuns predominam sobre os
individuais.

Quando a consciência colectiva corresponde ponto por ponto à individual, a


solidariedade que deriva das semelhanças atinge o seu máximo, porém, a nossa
individualidade é nula. A nossa personalidade desaparece porque deixamos de ser nós
próprios para falarmos de um eu colectivo.

Solidariedade orgânica – Acontece quando as pessoas se movimentam


independentemente umas das ouras embora ligadas ao todo de uma forma que se
complementam, sendo isto assente na divisão do trabalho social. Segundo Durkheim,
neste tipo de solidariedade, a consciência colectiva permite a visibilidade de uma
parte da consciência individual, e quanto maior for esta parte individual, maior será a
coesão desta solidariedade. Cada um depende mais da sociedade, quanto mais
dividido for o trabalho, e a actividade de cada um é mais pessoal quanto mais for
especializada. A individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes.
A sociedade torna-se mais capaz de se mover em conjunto à medida que cada
elemento tem
mais O que somos individualmente (a
Consciência 1 sociedade agindo em nós)
Indivíduo
movimentos Consciência 2 Comum a todos os elementos de um
próprios. grupo

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

Estes dois tipos de solidariedade correspondem a estruturas sociais diferentes. A


solidariedade mecânica diz respeito a um tipo de sociedade homogénea em que os
elementos componentes não estão organizados de uma forma definida (povos
primitivos, sobretudo), Darkheim, chama a isso Horda, agregado de onde terão saído
todos os tipos sociais. Chama Clã à horda que deixou de ser isolada para se encaixar
num conjunto mais vasto, e aos povos que resultam de um agregado de clãs chama
Sociedades Segmentares à Base de Clã. O clã é um grupo familiar e político,
familiar porque inicialmente existem laços de sangue que unem os elementos, no
entanto com o crescimento, estes laços desaparecem e são apenas simbólicos. A
autoridade política é exercida por um chefe também com base familiar. Os clãs podem
associar-se horizontalmente como anéis de um anelado dando origem às sociedades
segmentares ou verticalmente dando origem a sociedades mais vastas, porém a
solidariedade assenta sempre na homogeneidade e fica comprometida quando alguém
quando alguém se diferencia demasiado.

Os elementos deste tipo de grupo não podem ser tão iguais que se tornem invisíveis
nem tão diferentes que comprometam a homogeneidade.
Pelo contrário a solidariedade orgânica assenta nas diferenças que os seus membros
detêm, coordenados por um órgão moderador. As pessoas agrupam-se, não em função
de descendência, mas em tendo em conta as funções sociais que desempenham. Este
sistema não pode “coexistir” com o anterior, antes, para que exista, o anterior tem que
ser substituído.
A história mostra-nos que os clãs das sociedades primitivas evoluíram
progressivamente, fazendo-nos chegar a uma organização segmentar de base
territorial, dando então lugar a comunidades locais, como elementos organizadores da
sociedade. Com a diminuição de importância dos clãs, as relações entre os indivíduos
alargam-se, juntando pessoas dos diversos segmentos. A este fenómeno Durkheim
chama aumento da densidade dinâmica ou moral. Ao mesmo tempo dá-se um
fenómeno de aproximação natural a que chama aumento da densidade notarial (este
dá-se através da concentração das populações e melhoria das comunicações).
O aumento da densidade moral depende da densidade material. O aparecimento das
cidades é o clímax deste processo, uma vez que acontece uma condensação da
sociedade ao mesmo tempo que se vê um alargamento da massa populacional
(elevação do volume social).

A solidariedade mecânica, ligada a crenças e práticas uniformes, assentes na família e


no parentesco aparece muito relacionada com instituições como o comunismo e a um
direito repressivo contra quem se desvia do comum.
A solidariedade orgânica está ligada à aceitação da diferença, a laços sociais de
natureza contratual, à especialização das actividades e a um direito restitutivo. Neste,
a censura colectiva é menos pesada.

2 – Georg Simmel procura separar o conteúdo da forma nas relações sociais da


seguinte maneira:

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a) Conteúdo: tudo o que está presente nos indivíduos sob qualquer forma
(inclinação, interesse, impulso, estado psíquico, etc...) tudo o que está presente
no indivíduo capaz de provocar efeitos em outros ou receber os efeitos de
outros. Estas coisas não são sociais. O amor, fome, trabalho, resultado da
inteligência, não são sociais, são factores de associação.

b) Forma: inclinação, interesse, impulso, estado psíquico, movimento que


revelam o conteúdo, transformando a mera agregação de indivíduos isolados
em formas específicas de estar com e para os outros. Associação é assim a
forma (realizada de inumeráveis maneiras diferentes) como os indivíduos
desenvolvem juntos unidades que satisfazem os seus interesses (sociabilidade).

A constituição da relação social é um valor em si própria independentemente de


qualquer conteúdo. O sucesso da reunião é marcado pelo prazer dos indivíduos
estarem juntos e por isso o tacto, a cordialidade, a sensibilidade e simpatia têm aqui
um papel importante.

3 – Radcliffe Brown impulsionou o desenvolvimento de uma antropologia social que


procura distinguir na vida colectiva, o que respeita às relações sociais do que se
reporta à cultura. Assim à antropologia cultural cabe estudar a cultura (o conteúdo)
enquanto a antropologia social estuda as relações sociais que são um processo de
acções e interacções.
A antropologia social segundo Brown lida não com uma essência mas com um
processo: o da vida social. Este é o primeiro objecto da investigação, a vida social de
uma certa parte do globo durante um certo período de tempo. O processo consiste em
acções e interacções de seres humanos, agindo individualmente ou em grupos. É
possível encontrar regularidades entre a diversidade de acontecimentos, pelo que se
torna possível descrever certos traços gerais da vida social de uma determinada
região (uma forma de vida social).
Radcliffe Brown define a antropologia social como a teoria comparativa das
formas de vida social entre os primitivos.
Os vários elementos da vida social estão ligado entre si constituindo um sistema
social, por isso, para compreender um traço de uma forma social temos que situá-lo
em relação ao sistema de que faz parte. O sistema social é um processo em evolução
contendo algumas relações estáveis e outras em acentuada transformação. Um sistema
social é um sistema que se adapta segundo três aspectos:
a) Adaptação ao meio físico (adaptação ecológica)
b) Ordenamento dos vários componentes institucionais de uma vida social
(adaptação institucional)
c) Processo de aquisição pelos indivíduos dos comportamentos próprios da
cultura do grupo (adaptação cultural).

Estrutura Social é o ordenamento particular das partes que constituem o todo social.
A relação entre um traço social e a sua estrutura é a sua função.
Segundo este autor, os conceitos de processo, de estrutura e de função sociais são os
componentes de uma teoria única ou seja, os elementos de um esquema de
interpretação dos sistemas sociais humanos.
Função define as relações do processo e da estrutura.
Esta teoria é aplicável ao estudo da permanência das formas da vida social e
igualmente aos processos de mudança dessas formas.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
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Esta preocupação com as relações sociais como uma realidade própria tem criado uma
acentuada divergência. Radcliffe Brown diverge completamente dos pontos de vista
de Malinowski que se volta mais para o estudo da cultura. Esta divergência ampliou-
se à escala de toda a ciência antropológica. Os antropólogos americanos mantêm-se
fiéis à orientação “culturista” enquanto os britânicos juntamente com os do
Commonwelth defendem a orientação “estruturalista”. Para esta corrente, a
antropologia social, é vista como um ramo da sociologia que se preocupa sobretudo
com as sociedades primitivas e por isso procura os seus antecedentes teóricos na obra
de Spencer e Durkheim que são tomados como fundadores da sociologia e da
antropologia.

Evans Pritchard, figura eminente da escola britânica, diz assim num texto de uma
série de palestras pronunciadas em 1950 na BBC: “ os primeiros antropólogos
(Durkheim, Morgan e Spencer) concebiam aquilo a que hoje se chama de
antropologia social como a classificação e análise funcional das estruturas sociais.
Este ponto de vista é sustentado ainda pelos adeptos de Durkheim em França, alguns
antropólogos britânicos e na sociologia formal alemã (Simmel, Von Wise).
Taylor, pelo contrário, é mais inclinado à etnologia pelo que considera que o objecto
da antropologia é classificar e analisar as culturas. Este ponto de vista foi muito
defendido pelos antropólogos americanos, provavelmente pelo facto de eles
estudarem sociedades Índias fraccionadas ou desintegradas onde se tornava mais fácil
estudar a cultura do que as relações sociais. Além disso, normalmente os
investigadores americanos não faziam trabalho de campo intensivo por
desconhecerem as línguas vernáculas, ao (contrário dos britânicos) e tinham mais
inclinações para estudarem a cultura e os costumes do que as relações sociais.

Quando um antropólogo descreve uma sociedade primitiva, descreve a realidade, o


comportamento de base que contém a sociedade e a cultura, e por isso a distinção
entre ambas atenua-se.

13.2 As Formas da Sociabilidade de Gurvitch

1 – Georges Gurvitch cria um esquema de interpretação sociológica em que inclui


uma sistematização das formas de sociabilidade, como elemento central do que se
chama hoje “relações sociais” e “interacção social”. Trata-se de encontrar os tipos
sociais que efectivamente se combinam nos fenómenos mais complexos, os tipos
sociais mais gerais e mais abstractos. Afirma que os componentes mais elementares
da realidade social são constituídos pelas múltiplas maneiras de estar ligado no todo e
pelo todo. As formas da sociabilidade são fenómenos sociais totais e por isso contêm
todos os escalões em profundidade, mas são a-estruturais podendo mesmo assim ser
usadas pelas unidades colectivas reais macrossociológicas no seu processo de
estruturação. Estas são tipos microssociológicos que repetidos e combinados ajudam a
compreender os tipos de unidades colectivas particulares (grupos de actividade,
localidade, parentesco, etc...) e os tipos que resultam da sua combinação
hierárquica, da sua integração e desintegração na sociedade global (quadros
estruturais dessa sociedade).
Procura distinguir a sociabilidade espontânea da sociabilidade organizada (rígida,
cerimonial, preestabelecida). Pegando na espontânea subdivide-a em Sociabilidade
espontânea por interpenetração (participação e fusão parcial do nós) e

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
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sociabilidade espontânea por oposição parcial e ligação mutua entre eu, tu, ele
constituindo as relações com outrem.
A participação num Nós leva as pessoas no seio de um grupo a criarem algo diferente
das diversas contribuições individuais. Nós é uma unidade que não se pode decompor
embora dependa das partes ao mesmo tempo que as partes dependem do todo. A
intensidade deste fenómeno é variável conforme os “nós” são activos ou passivos,
conscientes ou semiconscientes, etc... Esta participação não implica a identificação
dos participantes no entanto pressupõe uma semelhança acompanhada de diferenças.
Havendo identidade dos elementos o grupo não se constituiria em quadro social, em
“todo concreto” antes iria dissolver-se numa reunião sem ligações entre exemplares
idênticos. É necessária uma certa afinidade entre os membros participantes num
mesmo conjunto, conjunto este que serve de base à diferenciação entre os elementos.
À medida que esta diferenciação cresce, a afinidade aumenta também assim como a
participação no conjunto.
No que diz respeito às relações com outrem, o sentimento de relação conjunta,
também está presente, no entanto o elemento de delimitação e diferenciação dos
participantes sobrepõe-se ao elemento comum (Nós). É este o motivo porque Gurvitch
denominou as relações com outros, como sociabilidade por oposição parcial. Esta
heterogeneidade estende-se a todas as formas de relações com outrem, e isto abrange
as relações de conflitos, direitos e deveres, bem como as relações familiares próximas.
O autor dá-nos o exemplo de um casal cuja união revela as duas formas de
sociabilidade:
b) Sociabilidade por participação num Nós, por exemplo em relação aos filhos
c) Sociabilidade por oposição parcial e ligação mutua no que respeita à relação
entre os cônjuges.

2 – Os vários graus de intensidade que pode apresentar a sociabilidade por fusão


parcial do Nós permite definir como tipos:
a) A massa
b) A comunidade
c) A Comunhão

Massa – Quando o grau de participação no Nós é fraco, limitando-se ao aspecto


superficial.
Comunhão – O ponto máximo de fusão do Nós, cuja influência e atracção penetra até
ao mais intimo do eu dos participantes.
Comunidade – Situação intermédia em que a participação no Nós é muito mais
abrangente que a observada na massa, reservando-se no entanto ainda uma certa
independência de determinados aspectos do eu.

Quanto maior é a intensidade da fusão do Nós, menor é a pressão do colectivo sentida


pelos membros uma vez que uma grande identidade como o Nós torna os membros
pouco sensíveis à sua própria individualidade. Por outro lado, a intensidade de fusão e
a força de atracção do Nós variam no mesmo sentido, havendo portanto uma maior
atracção quando a intimidade é maior. Cada Nós, é mais intimo quanto menor for o
número dos seus componentes, e ao aumentar-se o número de membros a intimidade
diminui.
Ao mesmo tempo, a sociabilidade por oposição parcial pode levar a vários graus de
intensidade nas relações com outrem:
a) Relações de aproximação

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Óscar Soares Barata

b) Relações de afastamento
c) Relações mistas

Na análise de Gurvitch às formas de sociabilidade por fusão parcial e por oposição


parcial dá-nos conta da sociabilidade activa e da sociabilidade passiva, tendo em
conta a participação ou oposição gerada pelos fenómenos da sociabilidade. Distingue
também dentro dos Nós activos, os Nós unifuncionais (que realizaram apenas uma
obra em comum). Os nós multifuncionais (que realizaram várias obras em comum) e
os nós suprafuncionais (que têm funções múltiplas, difíceis de enumerar).
Gurvitch salienta a necessidade de distinguir os diferentes casos conforme o grau de
abertura às formas de sociabilidade espontânea, considerando os casos de
sociabilidade organizada segundo o princípio de domínio e segundo princípio de
colaboração. Distingue ainda entre os Nós (organizados ou não) que servem o
interesse geral ou interesses particulares.

13.3 O Fenómeno Grupo

1 – Os grupos situam-se no plano macrosociológico e estão mais perto dos níveis mais
rígidos e organizados do social do que das formas de sociabilidade em que a
espontaneidade é mais visível. Os grupos não se confundem com a sociedade global,
nem são apenas relações de interacção e interdependência que ligam os indivíduos.
Cada pessoa pertence a inúmeros grupos.
2–
a) os grupos não são uma quantidade ou uma colecção de indivíduos
semelhantes nem simples categorias sociais. (Os indivíduos do mesmo sexo,
da mesma idade, da mesma profissão, etc... não constituem apenas por isso um
grupo).
b) Os grupos não são médias estatísticas. (O homem médio, o chefe de família
médio, o operário ou o intelectual médio não traduzem realidades
sociológicas. É possível formular-se a este respeito conceitos matemáticos mas
estes não têm necessariamente que bater certo com a realidade, ao ponto do
contraste entre o resultado destes conceitos e a realidade ter sido utilizado pela
escola sociológica americana como teste da realidade do grupo).
c) Os grupos não são simples ajuntamentos (assemblages) de pessoas reunidas
e justapostas. (As pessoas que por qualquer motivo se encontram num
determinado local, não têm que ser grupo. Muitas vezes um grupo é
constituído por pessoas distantes embora ligadas de alguma forma).
d) Os grupos não são simples relações sociais nem relações sociais positivas e
complementares nem sistemas ou unidades de interacções humanas.
(Sociólogos americanos influentes, têm-se dedicado sobre este aspecto,
insistindo nas relações com outrem da sociabilidade, porém têm desconhecido
o papel desempenhado pela participação num mesmo Nós, mesmo como
elemento das relações com outrem. A acentuação exclusiva do aspecto
positivo ignora que as oposições têm também importância, pertencendo à
mesma realidade comum cuja unidade permite que um grupo possa de facto
existir).
e) Os grupos não são simples conjuntos de estatutos e de papéis sociais.
(Normalmente, os estatutos e os papéis sociais definem-se como consequência
da participação dos indivíduos nos grupos pelo que a realidade de grupo se
lhes sobrepõe).

35
Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

f) Os grupos não podem reduzir-se às associações. (As associações podem


aparecer como caso particular de grupos voluntários, já os grupos formado no
sentido de satisfazer diversos interesses não são associações).
g) Os grupos não podem ser reduzidos às organizações. (São um fenómeno
social total que pode actualizar-se a todos os níveis de manifestação dos
fenómenos, não podem exprimir-se apenas num dos aspectos das formas de
sociabilidade. O papel da organização pode ser importante, no entanto tem que
haver no grupo uma realidade expontânea que pode ter um papel decisivo no
equilíbrio das tensões que definem a realidade do grupo).
h) Os grupos não podem ser reduzidos às formas de sociabilidade nem às
sociedades globais. (os próprios grupos constituem um equilíbrio de formas
de sociabilidade e os vários grupos interligados são a própria sociedade
global).

3 – Por tudo isto, Gurvitch define grupo como uma unidade colectiva real mas parcial,
directamente observável e assente em atitudes colectivas, contínuas e activas, tendo
uma obra comum a realizar, unidade de atitudes, de obras e de comportamentos, a
qual constitui um quadro social estruturável tendendo para uma coesão relativa das
formas de sociabilidade.
Os grupos são unidades colectivas que englobam uma multiplicidade de formas de
sociabilidade e são um elemento constitutivo das sociedades globais. A sua
existência depende da presença de atitudes comuns e activas por parte dos seus
constituintes, uma vez que as atitudes mesmo que comuns, se não forem duradouras
são incapazes de reunir as pessoas num grupo. A obra comum e a unidade de
comportamentos dão-lhe uma certa coesão fazendo-o sobrepor-se às relações com
outrem e ao sistema de Nós. A constante evolução dos múltiplos elementos do social,
dentro do grupo pode permitir uma certa organização das múltiplas hierarquias
existentes e uma definição do grupo relativamente ao meio em que se insere. Esta
estruturação pode vir a traduzir-se ou não numa ou mais organizações conforme as
tendências do grupo.

A OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DOS FACTOS SOCIAIS

14. OS PROBLEMAS DA OBSERVAÇÃO

Os factos que são objecto de estudo das ciências sociais são rodeados de uma certa
delicadeza, e isto dificulta muitas vezes a observação. Os indivíduos têm dificuldade
em aceitar que alguém possa ter em relação a eles uma posição de simples curiosidade
científica. Isto pode vedar o acesso a muitas opiniões, atitudes, comportamentos,
realizações e outros factos, criando vivas reacções de oposição à curiosidade exterior.
Relativamente à vida íntima dos indivíduos não é fácil conseguir que as pessoas
prestem informações nem é socialmente correcto solicitá-las. Isto impõe o maior
cuidado para se manter dentro do tolerável em cada sociedade.
As diversas técnicas de observação usadas nas ciências sociais podem agrupar-se,
segundo Maurice Duverger, em três categorias principais:
a) A observação documental, que procura estudar os factos sociais a partir dos
documentos dos mais diversos tipos, que estes tenham deixado atrás de si.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

b) A observação directa extensiva, que procura estudar os actos para além dos
documentos, situando-se nas grandes comunidades e recorrendo muitas vezes
ao estudo de amostras representativas.
c) A observação directa intensiva, que procura penetrar nas pequenas
comunidades e nos comportamentos individuais, procurando a visão em
profundidade.

Quando necessário, estes caminhos combinam-se para o estudo de cada questão.

15. A OBSERVAÇÃO DOCUMENTAL

15.1 Os Diferentes Tipos de Documentos


1. Podem ser utilizados os mais diversos tipos de documentos. Duverger propõe a
seguinte classificação:
1- Documentos escrito
a. Arquivos públicos e documentos oficiais
b. Imprensa
c. Arquivos particulares
d. Documentação indirecta (anuários, dicionários, literatura de ficção)
2- Estatísticas
3- Outros documentos
a. Documentação técnica
b. Documentação iconográfica (tudo o que tem a ver com imagens)e
fotográfica
c. Documentação fonética

2. Documentos escritos. Os arquivos públicos e os documentos oficiais são as


fontes de informação mais importantes. Os serviços públicos possuem numerosos
arquivos de relativamente fácil acesso e muitos ramos da administração publicam
anuários, boletins, relatórios, etc... Os governos divulgam relatórios, comunicados,
livros-brancos e algumas publicações periódicas como por exemplo o diário do
governo. Juntam-se também em arquivo os debates dos parlamentos, câmaras e
assembleias municipais, juntas de freguesia etc... juntamente com os documentos que
lhes foram presentes. Porém e tendo em conta as normas que envolvem estes
documentos, nomeadamente a obrigação de segredo, é muitas vezes vedado o acesso
por várias dezenas de anos (até que decorra o prazo mínimo).
Para além da informação propriamente dita, estes documentos revelam-nos os
interesses e preocupações da administração pública de cada época. É um bom
exemplo disto, a utilização de anúncios, louvores, etc,,, publicados nos boletins
oficiais de Angola pelo Prof. João Pereira Neto.
A dificuldade de acesso aos arquivos públicos recentes impõe o recurso à imprensa
periódica. A informação é rodeada muitas vezes de inexactidão, porém dá um valioso
testemunho sobre a evolução da opinião pública. Quando esta imprensa diz respeito a
determinados grupos profissionais ou ramos de actividade pode dar-nos informações
sobre esses grupos, seus pontos de vista, programa e objectivos.
Hoje, a imprensa periódica, pode ser mesmo abordada, não como mera fonte de
informação mas como objecto directo de estudo.
 As suas tomadas de posição
 Maneira como são apresentados os acontecimentos

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

 Grupos em que se apoia


 Grupos a que se dirige

Os arquivos particulares de indivíduos ou organizações, por vezes privilegiados


relativamente a certos assuntos são também fontes preciosas de informação, porém
estão também muitas vezes sujeitas ao segredo.
A documentação indirecta (anuários, dicionários biográficos, listas telefónicas, etc...)
quando utilizada de forma apropriada pode fornecer informações valiosas sobre
personalidades e grupos. A literatura de ficção, seja ela de melhor ou pior qualidade
do ponto de vista literário ou artístico fornece informações sobre os costumes de cada
país e época e dos diferentes grupos, apresenta as suas atitudes, valores, interesses,
etc... ajudando no entendimento de certos fenómenos.
Qualquer documento escrito, independentemente do que lhe deu origem, pode ser útil
ao estudioso que o souber explorar de forma apropriada. Exemplo disto são os
conhecidos estudos de Gilberto Freye sobre a sociedade brasileira, nomeadamente
“Casa Grande e Sanzala”, “Sobrados e Mucambos” e “Ordem e Progresso”
3. As estatísticas que existem em grande número nos países desenvolvidos são um
ponto de apoio essencial à análise da economia e servem igualmente ao estudo de
outros domínios das ciências sociais; neste caso, dá-se especial atenção aos censos
realizados de 10 em 10 anos. Os censos fornecem informações sobre:
 Características morfológicas básicas da população
 Grupos étnicos
 Grupos regionais
 Grupos socio-económicos
 Outros facilmente identificáveis
Outras estatísticas que podem dar importantes informações acerca da vida colectiva
são:
 Estatísticas do registo civil
 Da educação
 Dos tribunais
 Dos impostos
 Do comercio e da industria
 Inquéritos às condições materiais de vida
 Etc...
As estatística do registo civil, além de nos darem conta da evolução das taxas de
natalidade, mortalidade e nupcialidade, permitem-nos estudar o comportamento das
classes de idade e dos grupos regionais, socio-económicos, etc...
As estatística do comércio permitem-nos analisar os produtos que são objecto de
troca, depois os padrões de consumo o que nos conduz necessariamente à análise do
estilo de vida.
As estatísticas dos tribunais e prisões permitem-nos analisar o tipo de criminalidade e
distribuí-la pelas categorias sociais e áreas de um país, etc...
As estatísticas dos impostos informam-nos sobre as receitas dos diversos grupos e
tipos de actividade.
As estatísticas dos transportes e comunicações, sobre a forma como o exterior pode
penetrar nas diversas áreas de um país.
As estatísticas sobre os processos movimentados pelos diferentes ramos da
administração, sobre os problemas que preocupam o público, etc...
4. Os outros documentos são todos os objectos utilizados pelo homem, desde
instrumentos manuais até às edificações que lhe serviram de habitação. Para a pré-

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Óscar Soares Barata

história e as civilizações que não deixaram escrita ou que pelo menos ainda não foi
possível decifrar, este é o principal ou único apoio dos estudiosos. São também
incluídas aqui as imagens e a linguagem. Duverger agrupa-os da seguinte forma:
 Documentação técnica
 Documentação iconográfica e fotográfica
 Documentação fonética
São documentação técnica, objectos destinados à produção, objectos de defesa e
guerra, vestuário, habitação e móveis. Podem ser analisados tendo em conta as
características dos materiais com que são feitos, os fins a que se destinam e o que
significam para quem os utiliza. Assim, avalia-se o estado da cultura, o seu nível
tecnológico e a importância que para ela têm os objectos que a rodeiam.
A documentação iconográfica e fotográfica está muito valorizada sobretudo pela
larga difusão da fotografia como um instrumento indispensável ao estudo de muitos
factos sociais.
A documentação linguística e fonográfica que se obtém graças às modernas técnicas
de gravação, é uma mais valia no estudo das línguas e também na análise da evolução
dos grupos no decorrer das suas sessões de debate, ou para o estudo das técnicas de
propaganda, etc...

15.2 A Análise dos Documentos


1. Os métodos tradicionais seguem certos processos de crítica interna e externa.
Critica interna – para o entendimento do sentido exacto do conteúdo do documento.
Critica externa – para esclarecer o contexto em que surgiu e o impacto social que
veio a ter o documento.
Procura-se estabelecer:
 O sentido das ideias
 A autenticidade do documento
 A verdade
 A correspondência do conteúdo aos factos
 Os condicionantes sociais em que se apresenta
Estas preocupações orientam a análise histórica.
A análise jurídica procura o sentido interno e o contexto ideológico. A análise
psicológica procura estabelecer os motivos individuais e os condicionalismos sociais.
A análise dos documentos estatísticos segue métodos diversos que procuram
estabelecer a plausibilidade dos dados estudando a sua coerência interna e
comparando elementos de diversas fontes, e assim evidenciar as linhas mestras que
dão sentido a milhares ou milhões de casos de forma a poderem organizar-se numa
estatística.
2. Os métodos quantitativos modernos. Entre os métodos modernos de análise de
documentos, salientam-se os métodos quantitativos de análise de material qualitativo
muito desenvolvidos pelos estudiosos americanos.
 Semântica quantitativa – assenta na análise de frequência com que
aparecem determinados vocábulos nos textos e é sobretudo usada na
reconstituição de documentos antigos.
 Análise de conteúdo – estuda a imprensa, radiodifusão, panfletos,
etc... e têm como objectivo seleccionar na massa dos textos as linhas
mestras e as tendências que lhe dão o seu sentido real. Trata-se de
seguir nos noticiários ou na imprensa de diversas tendências, e nos
programas radiofónicos de diversas emissoras, o aparecimento de

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

diversas palavras ou ideias que revelam as correntes de opinião ou as


teses ideológicas dissimuladas na apresentação aparentemente
objectiva dos factos. É muito usado nos EUA no estudo das campanhas
eleitorais assim como na análise da propaganda das potências
estrangeiras. Tem sido particularmente usada para estudar as
tendências dos países comunistas, obre os quais se dispõe de escassas
informações, através do material apresentado na imprensa para uso
interno e externo.
 A frequência de aparecimento de certos temas
 A referencia mais ou menos numerosa de determinados
problemas
 A menção mais ou menos frequente de determinadas
personalidades
(Têm sido utilizadas para chegar às tendências e correntes políticas
subjacentes à acção externa e interna dos governos).

16. A OBSERVAÇÃO DIRECTA EXTENSIVA

16.1 A Amostragem
A observação directa extensiva tem como objectivo analisar uma população
numerosa de forma a que os resultados se aproximem da realidade, consiste em fazer
uma sondagem, transportando os dados da parte para o conjunto. É necessário
escolher as pessoas a sondar de forma que sejam indicativas do conjunto. Existem
dois métodos para esta sondagem:
 O método das Quotas, geralmente usado para avaliar a opinião
pública sobre certos produtos ou nas sondagens pré-eleitorais. Consiste
em escolher quotas como por exemplo um certo número de homens, de
mulheres, de pessoas de vários grupos etários, das diversas profissões,
de zonas rurais, de zonas urbanas, etc... As pessoas a interrogar
poderão se livremente escolhidas pelo entrevistador desde que tenham
as características especificadas.
 O método probabilistico, em que as pessoas são escolhidas ao acaso,
de forma a que todas as pessoas tenham a mesma probabilidade de vir
a ser incluídas na amostra independentemente das suas características.
Podem escolher-se nomes à sorte numa lista ou ficheiro que inclui o
grupo completo que se pretende estudar. Pode em vez disso escolher-se
por clusters, interrogando agregados e vez de indivíduo. Pode ainda
escolher-se por clusters e dentro deles escolher novamente
aleatoriamente os indivíduos a interrogar, finalmente pode ainda
escolher-se por estratificação. Cria-se um modelo teórico, escolhendo
os diversos estratos que são relevantes, depois escolhe-se ao acaso
dentro de cada estrato.
Existem dois casos particulares da técnica de sondagem
 Sondagem por fases – numa primeira fase constitui-se uma grande
amostra a que se faz um inquérito rápido. Deste grupo escolhe-se outro
menor que é submetido a um inquérito mais profundo e assim
sucessivamente.
 Método do Master-sample – cria-se uma amostra permanente,
geralmente volumosa que é representativa do conjunto da população.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

Dentro desta amostra seleccionam-se amostras apropriadas para


inquéritos particulares por sondagem probabilistica. Este sistema tem
sido utilizado pelos serviços de recenseamento dos EUA.
Os métodos de sondagem probabilistica são mais escolhidos pelos serviços de
estatística oficiais e pelos centros de estudo universitários que pões em causa os
resultados do método das quotas utilizado pelos institutos de opinião pública, apesar
de que estes quando afinados por uma longa experiência tem apresentado resultados
incontestáveis.

16.2 A Técnica do Questionário


1. A Elaboração do questionário. É apresentado um questionário a todos os
componentes da amostra. A preocupação dominante é que o questionário dê
oportunidade às pessoas de se exprimem por forma a transmitirem as opiniões que de
facto são relevantes. As condições decisivas do valos das informações colhidas por
observação extensiva são:
 A fidelidade que exprime a capacidade do questionário suscitar a
constância das respostas pelas mesmas perguntas feitas às mesmas
pessoas.
 A validade que traduz a capacidade das perguntas suscitarem
respostas, realmente relevantes.
 Representatividade da amostra
Para elaborar um questionário é relevante:
a) O tipo de perguntas a incluir
b) A ordem de apresentação das perguntas e o seu número
c) A redacção dada às perguntas
Quanto ao tipo de respostas consentido pelas perguntas, tem-se optado por diversas
fórmulas:
 Perguntas fechadas
 Sim ou não
 Uma ou duas respostas alternativas
 Perguntas abertas
 Resposta livre sem sujeição a nenhum esquema
 Série de respostas
 O interessado escolhe a que corresponde à sua ideia
 Normalmente por graus de intensidade
 Aprovo totalmente
 Aprovo com reservas
 É-me indiferente
 Não aprovo de modo nenhum
Relativamente ao conteúdo, o questionário pode ter em vista:
 Factos
 Opiniões do interrogado
 Intenções do interrogado
Um questionário compreende perguntas de diferentes tipos conforme a exigência
dos vários temas tratados e algumas perguntas com o objectivo de verificar a
fidelidade das respostas.
O número de perguntas varia conforme os destinatários, por um lado tem que ser
limitado para não desencorajar os interrogados, porém, é conveniente ter várias
perguntas sobre os diversos assuntos para servir de verificação.

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

A ordem das perguntas tem em vista pôr as pessoas à vontade antes de abordar
assuntos importantes, por isso normalmente as primeiras perguntas são normalmente
respondidas sem que a pessoa se sinta demasiadamente comprometida. Por outro lado,
tem em conta que umas perguntas podem influenciar outras, por isso, normalmente
repartem-se de forma a separar as que são susceptíveis de contágio.
A redacção das perguntas tem que ter em conta certas tendências básicas:
a) A tendência para a resposta “sim” quando a pergunta permite um receio
perante sugestões me mudança
b) O receio de certas palavras ou estereótipos
c) A influencia positiva ou negativa das personalidades
d) A pergunta põe em causa essas personalidades
e) Questões de simpatia ou de antipatia
Duverger reuniu alguns exemplos no seu manual da metodologia. Depois de
preparado o projecto de questionário, testa-se num grupo restrito. Testa-se a fidelidade
fazendo o questionário duas vezes às mesmas pessoas com um intervalo de tempo.
Usam-se inquiridores diferentes para testar a influência do inquiridor. Verifica-se a
validade, fazendo uma entrevista aprofundada às pessoas de forma a testar se as
respostas correspondem ao estado de espírito.
2. A utilização do questionário pode ser feita segundo dois métodos principais:
a) Apresentado directamente às pessoas, que o preenchem elas próprias
b) Apresentado por um inquiridor que preenche o questionário
No primeiro pode enviar-se pelo correio indicando o objectivo e prometendo segredo,
solicitando uma resposta rápida. Pode também entregar-se numa reunião e pedir-se
que seja entregue no fim. Esta segunda hipótese tem vantagens, porém nem sempre é
praticável. Tem sido utilizada em grupos de estudantes, militares, etc... a primeira em
grupos mais vastos, tendo no entanto alguns inconvenientes:
 Elevado número de pessoas que não responde (pode comprometer a
amostra)
 Grau desigual de espontaneidade (uns respondem logo, outros pensam
primeiro, consultam amigos, etc...)
O processo mais viável para vencer a inércia é o mais dispendioso, enviar um
entrevistador que também garante uma certa espontaneidade. Porém, também aqui há
algumas desvantagens:
 Equação pessoal do entrevistador (capaz de influenciar as respostas)
 Problemas de prestígio
 Desconfiança
 O aspecto do inquiridor) mais ou menos simpático, distinto ou
elegante)
 Tendência para se valorizar ou menosprezar na presença do
entrevistador (raramente as pessoas se mostram iguais a si próprias)
 O segredo parece comprometido pela presença do inquiridor
16.3 A Apresentação dos Resultados
Depois as respostas são passadas para um cartão mecanográfico, neste processo
traduzem-se os milhares de respostas em algumas categorias restritas, aqui, embora o
trabalho tenha sido planeado, tal como os inquéritos supõe uma certa incidência de
interpretação pessoal. A análise que se faz depois disto interpreta os resultados
obtidos, deparando-se com alguns problemas:
 Significado eventual
 Falta de respostas em muitos questionários

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

 Não entendimento das perguntas


 Fenómenos de contagio entre as perguntas
 Preferencia por certos tipos de resposta
 Reacções a certas palavras, personalidades, estereótipos, etc...
Reacções ao inquiridor

17. A OBSERVAÇÃO DIRECTA INTENSIVA

17.1 A Entrevista
A observação directa intensiva distingue-se sobretudo pela profundidade que a
pretende chegar no estudo das atitudes e comportamentos dos indivíduos que estuda.
Procura grupos restritos para os conhecer em pormenor. Uma técnica habitual é a
entrevista, idêntica ao questionário mas com maior e mais
metódica atenção dada ao entrevistado. Procura:
 Informações sobre dados que dificilmente se
conhecerão de outra forma
 Recolha de informações sobre opiniões,
atitudes, comportamentos prováveis.
 Contacto com personalidades eminentes ou
dirigentes
 Opiniões de indivíduos vulgares
representativos da média do grupo
A entrevista é tão cuidadosamente preparada quanto o questionário com um plano
de perguntas estabelecidas, embora o entrevistado não se aperceba disso, sobretudo se
o entrevistador as tiver memorizado.
Entrevista Dirigida – respeita-se o plano com rigidez com as perguntas numa ordem
preestabelecida.
Entrevista livre – deixa-se evoluir a conversação com o entrevistado colocando as
perguntas na ordem que as circunstancias permitam.
Na preparação prevê-se uma fase inicial que tem como objectivo por o entrevistado à
vontade. Estudam-se respostas a dar a quaisquer dúvidas que possam surgir. Requer
uso de pessoal devidamente treinado. Os sociólogos americanos criaram algumas
técnicas particulares:
 A técnica do panel, que foi usada por Lazarsfeld para medir a
evolução das atitudes e opiniões politica no decurso de uma campanha
eleitoral. É uma entrevista repetida às mesmas pessoas (panel) em
intervalos mais ou menos espaçados.
 As focused interviews, usadas por Merton para medir o impacto de
certas experiências sobre os indivíduos. Serve para analisar o efeito de
um filme, um programa de rádio, etc.… entrevistando os indivíduos
depois dessa experiência.
 A entrevista clínica, usada por adorno em estudos sobre a
“personalidade autoritária”. Consiste em planear uma entrevista
visando o esclarecimento dos motivos básicos de certas atitudes,
abordando os diferentes aspectos relevantes da personalidade das
pessoas.

17.2 A Medida das Atitudes

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

1. As atitudes são medidas com testes que têm sido usados para este fim como para
outros, por exemplo a selecção de pessoal para empresas ou cargos. Dos diversos
testes de personalidade, o mais famoso é o teste de Rohrs-Chach de 1921 quer
apresentam manchas te tinta obtidas por dobragens de papel e que não representam
nada em concreto. Solicita-se às pessoas que digam o que para elas representam essas
imagens, e tiram-se conclusões sobre a sua personalidade. Outro teste do mesmo tipo,
mas apresentando imagens ambíguas em vez de manchas de tinta é o Thematic
Apperception test (T.A.T.) de Murray. Testes deste tipo podem por o sujeito perante
certas situações sociais. Partindo-se da interpretação dada pelo sujeito para a
avaliação das suas atitudes e opiniões. O método tem sido usado para o estudo dos
preconceitos étnicos e de certas opiniões políticas. Existem ainda testes em que se dá
uma lista de palavras pedindo-se depois ao paciente que de cada palavra, escreva
outra que esta lhe sugira. Pode pedir-se para completar frases, que desenhe figuras,
etc.… Porém a interpretação dos resultados, suscita muitas dúvidas e controvérsia
pelo que se tem moderado a confiança neles, aconselhando-se prudência no seu uso
fora do domínio da investigação.
2. Um outro processo para medir a intensidade das opiniões e atitudes é a das escalas.
Constrói-se uma escala graduada com diferentes intensidades de uma atitude ou
opinião e segue-se um de dois caminhos:
 Pede-se ao próprio que identifique na escala
a sua posição.
 Pede-se a uma avaliador independente que
faça a avaliação.
Ambas as opções são subjectivas e susceptíveis de erro.
Numa forma mais aperfeiçoada reúnem-se uma série de
proposições que exprimem diferentes graus de intensidade
de uma atitude ou opinião e pede-se ao interrogado que
identifique aquelas com que concorda e as que repudia.
Associando as respostas dadas pela mesma pessoa pode
chegar-se a um número que exprime o grau de intensidade
com que mantém certa opinião ou atitude. A dificuldade principal é definir com rigor
os graus de intensidade e colocá-los na escala em intervalos iguais. Por isso nasceram
uma série de métodos propostos para a construção das escalas de opiniões ou
atitudes. A primeira das escalas utilizadas em sociologia e psicologia social foi a
escala de distância social preparada em 1925 por Bogardus. Este procurou medir a
intensidade do preconceito racial, colocando nomes numa lista e solicitando que
dissessem se os aceitariam como:
1. Parentes pelo casamento
2. Membros e camaradas do mesmo clube
3. Vizinhos da mesma rua
4. Colegas de trabalho
5. Cidadãos do mesmo país
6. Visitantes do seu país
7. Ou se excluiriam do seu país
Pela sua simplicidade, serviu de modelo a muitas outras. Outro método foi proposto
em 1929-1931 por Thurstone para a solução do problema da igualdade dos intervalos
entre as diversas posições. São apresentadas diversas posições a que o sujeito pode
aderir ou pode repudiar. Aderir à primeira significa a posição mais favorável e à
última a mais desfavorável. Depois um grupo numeroso de pessoas qualificadas

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Introdução às Ciências Sociais I - 2449
Óscar Soares Barata

seleccionam e classificam, eliminando as que são incoerentes e as que se prestam à


confusão. Então retêm-se uma ou duas dezenas de frases que com algum rigor
exprimem as diferentes posições em relação a uma dada opinião constituindo um
continuum que vai do mais favorável ao mais desfavorável. Depois misturam-se e
são submetidas ao paciente. A posição global é então determinada pelo apuramento
das graduações correspondentes às reacções de adesão ou repúdio dado às várias
afirmações. Este tipo de escala tem sido muito usado nos EUA para o estudo do
racismo, do nacionalismo, etc.… mas como tem uma construção complicada têm sido
propostos outros métodos. Por exemplo a escala de Lickert que prescinde da avaliação
de cada uma das proposições por pessoal qualificado. Lickert limita-se a pedia a
apreciação sobre as várias proposições a pessoas não especialmente qualificadas. A
cada uma é atribuída uma nota e ao conjunto de cada pessoa, uma nota global. Daí são
seleccionadas as proposições a incluir na escala. Entende-se que as proposições cuja
nota individual tem uma forte relação com a nota global são inseridas na escala
enquanto aquelas cuja nota individual tem uma fraca relação com a nota global, não
são incluídas. Esta escala porém, torna-se mais dependente do grupo relativamente ao
qual foi constituída o q1ue lhe dá um menor valor geral relativamente á de Thurstone.
Podem citar-se ainda as escalas hierárquicas e o escalograma de Guttman,
concebidos para o estudo de psicologia social e sociologia sobre o soldado americano
que foram levados a efeito durante a guerra.
A escala hierarquizada prevê que a resposta afirmativa à primeira questão obrigue a
mesma resposta às seguintes. Exemplo:
1) É licenciado?
2) Tem curso secundário?
3) Tem instrução primária?
4) Foi à escola?
5) Sabe ler?
Assim é possível definir a posição de cada pessoa com rigor. Usando um quadro
especial, o escalograma, onde se anota a posição de cada pessoa, dá a imagem clara da
repartição do fenómeno no conjunto do grupo.

17.3 A Observação Participante


Uma terceira forma de observação intensiva, passa por procurar viver no todo ou em
parte a experiência que os grupos vivem. Esta participação na vida do grupo pode ir
da assistência a determinados eventos até á permanência de meses ou anos junto do
grupo que se estuda. Isto verifica-se frequentemente com o estudo dos antropólogos,
sobretudo na antropologia social. John Madge afirma que o primeiro caso deve
atribuir-se ao antropólogo Malinowski para a preparação do seu famoso estudo The
Argonautsd of Western Pacific (1922), outros casos ocorreram no entanto no séc. XIX
com Le Play e Charles Booth que estudaram as condições de vida das famílias
operárias, alojando-se na casa de algumas delas. Cá, são conhecidas as investigações
do professor Jorge Dias na metrópole (Vilarinho da Furna e Rio de Onor) e no
ultramar (Os Macondes de Moçambique). Whyte serviu-se deste método para estudar
um grupo de rapazes que se reuniam numa esquina de um bairro popular nos EUA,
tendo publicado Street Corner Society (1943); Lloyd Warner, desta forma realizou
estudos sobre uma pequena cidade da Nova Inglaterra (Yankee City). Robert e Helen
Lind estudaram os estilos der vida de uma cidade do Middle West dos EUA a que
chamaram Middletown (1924-28) e Middletown in Transition (1935-1937). James
West estudou Plainville, EUA (1940) e em França, Charles Bettelheim e

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Suzanne Frère estudaram Auxerre em 1950. Todos estes, se estabeleceram no


seio dos seus grupos procurando traçar as coordenadas das suas vivências.
Estudaram assuntos como:
 Constituição de família
 Organização do lar
 Educação dos jovens
 Ocupação dos ócios
 Vida religiosa
 Actividades do governo local
 Assistência
 Imprensa
 Família
 Vizinhança
 Escolas
 Clubes
 Partidos
 Mexericos
 Grupos de idade e sexo
 Classes sociais
 Etc.

18. Os Quadros da Interpretação:


O estudo científico inicia-se com a observação e descrição dos factos, passa depois à
classificação, tenta em seguida a explicação e procura, por experimentação ou outros
meios que o substituam melhor ou pior, verificar o valor real das explicações
formuladas. Todas estas fases do trabalho cientifico estão intimamente ligadas,
passando constantemente de uma para a outra.

As descrições fazem-se já tendo em vista uma certa ideia de classificação e essa ideia
de classificação anda já ligada a uma hipótese inicial sobre a explicação dos factos.
Temos de ter em conta que no que respeita às ciências sociais o plano de explicações
gerais é aquele onde se têm registado menores progressos, o que não deixa de ter
reflexos na dificuldade que correntemente se encontra em conseguir o acordo dos
especialistas sobre as diferentes classificações propostas.

Temos de ter também em conta a complexidade dos fenómenos e a sua apresentação


ao observador sob a forma de um continnum em que é difícil distinguir o essencial do
superficial, o constante o acidental, e por aí chegar a uma sistematização que apareça
como uma reprodução satisfatória das próprias diferenciações reais entre os
fenómenos, e não como uma simples construção artificial correspondendo à
necessidade do espírito humano de repartir por categorias facilmente acessíveis a
multiplicidade dos fenómenos.

Muito do trabalho dos estudiosos das ciências sociais tem-se até hoje orientado para a
descrição dos factos, sendo por isso que o sector mais desenvolvido do método das
ciências sociais é o das técnicas de observação.

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Não considerando as obras dos grandes clássicos como: Helbert Spencer, Emile
Durkheim, Max Weber, ou Vilfredo Pareto, que pela sua natureza são de difícil
imitação e estão ultrapassadas em certos aspectos, então temos de reconhecer que é de
há poucos anos a tendência para a classificação dos fenómenos. Embora o caminho se
tenha feito nesse sentido, os resultados são de valor desigual, devido ás já referidas
dificuldades que o problema apresenta.
As Classificações até agora propostas, que visam o estabelecimento de certos «tipos»
capazes de traduzirem linhas essenciais de várias categorias de fenómenos, seguindo
princípios diversos e reflectindo a diversidade das correntes que se apresentam na
interpretação dos factos sociais.

As tipologias tomaram grande importância na análise nas ciências sociais, como ponto
intermédio entre a descrição e a formulação de teorias gerais de explicação. A
tendência actual é para circunscrever o âmbito de verificação das eventuais
generalizações ou «leis sociais», a certo quadro social definido no espaço e do tempo,
e que corresponde à ideia de tipo social na sua concepção mais lata.

O determinismo social concebido por alguns dos primeiros estudiosos, segundo o qual
se poderia estabelecer uma relação de causalidade entre A e B, por forma a que uma
vez verificado A viesse a surgir necessariamente B, veio cada vez mais a ser
substituído pela ideia da relação funcional entre os fenómenos correspondendo à ideia
matemática de função e pela ideia de determinismo probabilístico.

A concepção actual do determinismo social é a de um determinismo estocástico


baseado no cálculo das probabilidades que deixa a necessária margem à natural
liberdade humana. Este determinismo é concebido relativamente a uma certa
combinação de fenómenos, um quadro social, que pode ser um tipo social
determinado histórica e geograficamente.

A teoria nas ciências sociais tem conhecido poucos progressos. As grandes teorias
gerais da evolução das sociedades que têm sido propostas não tem conseguido ser
objecto de uma geral aceitação entre os especialistas. Mas nem por isso deixaram de
ter um impacte considerável no pensamento contemporâneo, com se pode ver na obra
de Marx ou a de Spengler ou a de Toynbee.

19. O Problema da Experimentação:

Uma das dificuldades da investigação nas ciências sociais é a falta de condições


favoráveis à experimentação das hipóteses formuladas pelos estudiosos. Ao contrário
das ciências da natureza, em que é quase sempre fácil repetir os fenómenos tantas
vezes quanto se deseja nas mais diversas circunstâncias por forma a identificar com
segurança o papel das diferentes variáveis no desenrolar os factos que se estudam.

Nas ciências sociais a manipulação a manipulação dos acontecimentos necessária à


criação das condições experimentais é severamente limitada pelos problemas éticos
que resultam do facto de o objecto de uma tal manipulação ser o homem. Sendo
inaceitável do ponto de vista moral, ou impossível na prática criar com grupos
humanos todas as situações experimentais que podem desejar-se, podendo concluir-se
que a experimentação deve ser excluída do método das ciências sociais.

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Não sendo possível nas ciências sociais um recurso tão amplo à experimentação como
se pratica nas ciências da natureza.

No entanto, os estudiosos dos fenómenos sociais têm procurado por processos mais ou
menos engenhosos contornar esta dificuldade, quer criando situações artificiais, que
são verdadeiras experiências no sentido tradicional, quer valendo-se das
oportunidades de observação do processo social em marcha criadas por circunstâncias
ocasionais. Em todos os casos se trata de uma «experimentação» realizada em
condições menos rigorosamente controladas do que é habitual nas ciências da
natureza, em que pode á vontade fazer-se variar cada um dos elementos da situação
mantendo os outros fixos, mas que tem, apesar disso, de se reconhecer um interesse
substancial.

Os estudos dos especialistas americanos da psicologia social sobre os pequenos


grupos constituem um exemplo privilegiado de experimentação sociológica em
condições de laboratório.
Essas experiências, conduzidas muitas vezes com grupos de estudantes universitários
recrutados numa base voluntária, são realizadas, e salas especiais com paredes de
vidro (para os que estão dentro funcionam como espelhos) e equipada com toda uma
complexa aparelhagem de registo de som e de imagem.
Ao grupo é posto um dado problema que se espera desencadeie um certo processo de
acções e reacções entre os participantes, processo que uma equipa de observadores,
colocada do lado de fora da sala, pode seguir e registar em todas as suas fases sem que
os participantes a veja, (graças ao dispositivo das paredes de vidro transparentes de
um lado só) embora se saibam observados.
Este tipo de experimentação tem sido igualmente muito usado nos estudos sobre o
comportamento no trabalho e em especial sobre as consequências das condições que
caracterizam o ambiente de trabalho sobre o rendimento dos trabalhadores. Como
exemplo a famosa investigação de Elton Mayo e dos seus colaboradores sobre as
condições de trabalho na fábrica de Cícero (Chicago) da Western Electric Company.

Noutro tipo de estudos, o especialista das ciências sociais procura seguir


acontecimentos cuja génese ele teve pouca ou nenhuma intervenção como se fossem
verdadeiras experiências. É o que se passa quando um investigador resolve estudar as
consequências sociais de uma nova disposição legal através de um registo cuidadoso
das reacções dos indivíduos e dos grupos à medida que se tornam aparentes os efeitos
que pode ter na vida de cada um essa mesma disposição; ou quando se estudam os
fenómenos que andam ligados à instalação de famílias modestas em novos bairros
sociais, com as consequências que isso acarreta em termos de renovação do estilo de
vida e das ideias de higiene, conforto e simples aproveitamento das divisões de uma
casa; ou ainda quando se utiliza a circunstância de estar em curso uma campanha de
informação sobre a protecção contra a doença por uma melhoria da higiene corporal e
da habitação, assim como do regime alimentar, para medir a eficiência das diversas
técnicas de transmissão de informações e o impacte da campanha, comparando a
evolução entre os grupos a ela submetidos com a evolução observada no mesmo
período entre os que não ficam sujeitos a essa campanha; e assim por diante. Por este
caminho se tem podido colher informações do maior interesse em circunstâncias que
podem assimilar-se a uma verdadeira experiência.

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20. O Método Comparativo


Mas mais do que a experimentação, o método comparativo tem sido considerado um
instrumento essencial da análise nas ciências sociais. É através do estudo do
significado das semelhanças e diferenças entre os fenómenos que se tem progredido.
Duverger, afirma que o método comparativo pode ser empregado de duas maneiras ou
se estudam ou se comparam, segundo uma mesma técnica, fenómenos independentes
embora substancialmente semelhantes, ou se estudam diferentes facetas do mesmo
fenómeno, segundo técnicas diferentes.

O primeiro caso corresponde à ideia tradicional de método comparativo, que supõe


naturalmente na sua aplicação uma certa prudência, por forma a garantir que os factos
ou situações que se comparam sejam efectivamente comparáveis, a fim de que as
eventuais conclusões tenham algum valor científico.

Duverger nota por isso que o método supõe uma classificação prévia dos factos, dado
que terá de fazer-se a comparação entre coisas do mesmo tipo.
A comparação neste caso tem de assentar na analogia entre os fenómenos, analogia
que pode ser estrutural ou funcional conforme se estudam estruturas ou funções e que
tem em qualquer dos casos de ter em conta se há efectivamente analogia de dimensão,
de contexto cultural e de significado, pois coisas que parecem do mesmo tipo não
podem legitimamente comparar-se se não houver uma certa semelhança do contexto
dimensional em que se verificam, nem se situarem em contextos culturais demasiado
diferente, nem se, embora em situações análogas de dimensão e de contexto cultural,
tiverem efectivamente significações diferentes.
Por exemplo não é cientificamente legitimo comparar um sistema politico francês
com o método de escolha de chefes e exercício da autoridade numa tribo africana ou a
monarquia inglesa com a de uma tribo da Melanésia, porque tanto o contexto
dimensional como o contexto cultural são muito diversos, assim como não parece
apropriado comparar as rivalidades de grupos numa tribo australiana com o fenómeno
da luta dos partidos e dos grupos de pressão nos países ocidentais, porque existe
claramente uma diferença de significado.

Reserva que é válida tanto para as comparações no espaço como para as comparações
no tempo, entre fenómenos evoluindo no quadro de épocas muito afastadas, embora
dentro do mesmo país ou na vida do mesmo povo.

Como observa Duverger deve distinguir-se entre dois tipos de comparações, que
designa por «comparações próximas» e «comparações afastadas».

A comparação próxima é aquela que procura perceber o sentido real da influência


dos elementos de uma dada situação por comparação com outra muito parecida,
notando cuidadosamente as variações que resultaram de diferenças na ordem do
aparecimento, na ênfase ou nas combinações dos diversos elementos, da mesma
maneira que em experiências sucessivas de laboratório se observa o impacte sobre o
mesmo fenómeno de alterações no papel que têm na sua verificação os diferentes

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elementos que o observador pôde isolar. Nesse sentido o método comparativo é para
as ciências sociais um substituto da experiência. Este tipo de estudo comparativo tem
naturalmente de ser muito exigente quanto às condições de analogia a satisfazer pelas
coisas que se desejam comparar.

As comparações afastadas são aquelas que se fazem entre coisas cuja analogia não é
à primeira vista evidente e que por isso, graças ao génio particular de um observador,
abrem novos caminhos à ciência. Neste caso a comparação parece fazer-se com
quebra das regras de determinação da analogia atrás referidas. Isso é o que em ciência
distingue as descobertas notáveis. No entanto, não é realizável senão por pessoas que
já adquiriram um grande conhecimento e domínio do campo que estudam e, por aí,
pouco corrente no trabalho da maioria dos estudiosos.

O segundo caso de uso do método comparativo, estudo de um mesmo fenómeno


segundo técnicas diferentes, é hoje cada vez mais empregado e é característico dos
trabalhos de equipa. Para os grandes inquéritos é cada vez mais comum mobilizar
para o estudo de um mesmo problema especialistas dos diferentes ramos das ciências
sociais, cada um ocupando-se da faceta do fenómeno que corresponde às
preocupações da sua especialidade, procurando-se assim, pela conjugação dos vários
resultados obtidos a partir de diversos ângulos, chegar a uma nova visão e
interpretação dos factos.
Podemos apontar como exemplos deste tipo de trabalho as monografias colectivas
sobre certas áreas ou certas comunidades, o estudo de sociologia eleitoral entre outras.

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