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E. P. THOMPSON. . .

COSTUMES EM COMUM
Profª Maria Leda . ,. \

Tradução:
FLH 232 - HISTÓRIA MODERNA li ROSAURA EICHEMBERG

Texto , b /;l 8· Cópias Revisão lécnic:,:


ANTONIO NÉGRO
CRISTINA MENEGUELLO
PAULO FONTES

~
Ü)Ml'ANHtA DAS LETRAS
qüentemente ter degenerado em simples desculpas para o crime".' Mas procu-
ramos em vão nas suas páginas a evidência quanto à freqüência dessa "dege-
neração". Em sua útil crônica dos distúrbios, Wearmouth se permite uma
categoria explicativa: "desgraça".1 Ashton, em seu estudo dos motins da fome
4· entre os mineiros de carvão, traz o apoio do paternalista: "a turbulência dos
mineiros de carvão certamente deve ser explicada por algo mais elementar do
A ECONOMIA MORAL DÁ. MULTIDÃO que a po lítica: foi a reação instintiva da virilidade à fome".) Os tumultos eram
INGiESA NO SÉCULOXVJJI "rebeliões do estômago", e sugere-se que essa é de certa forma uma explicação
consoladora. A linha de análise flui assim: elementar-instintivo-fome.
Charles Wilson continua a' tradição: "Aumentos espasmódicos nos preços dos
alimentos levaram os tripulantes de barcaças no Tyne a se rebelar em 1709, e
mineiros de estanho a saquear celeiros em Falmouth em 1727". Um espasmo
suscitava outro. O resu ltado era "pilhagem".'
·~queie que ret;m o trigo, o povo o amaldiçoará: mas que a Durante décadas, a história social sistemáti~a tem se mantido na retaguarda
bênfãO recaia sobre a cabeça de quem o vende.
da história econômica, e isso continua até os dias de hoje toda vez que se admite
Provérbios, XI, 26 que uma qu alificação na segunda disciplina automaticamente confere pro-
ficiência na primeira. Portanto, ninguém pode se queixar da~ pes.quis3:5 recentes
por tenderem a sofisticar e quantificar uma evidência cõmpreendida apenas im-
perfeitamente. O decano da escola espasmódica é certamente Rostow, cujo
tosco "mapa da tensão social" foi apresentado pela primeira vez em 1948.s
Nps úlcim?s anos, Qeorge Rudé e outros têm nos alertado sobre o emprego Segundo esse diagrama, basta reunir um índice de desemprego e outro, de
vago do termo "turba" [mob]. Neste capítulo, desejo estender o alerta ao termo preços elevados dos alimentos, para poder mapear o percurso da perturbação so-
"motim" [riot), especialmente no que se refere aos "moÍins da fome" [food riots] cial. Isso contém uma verdade óbvia: as pessoas protestam quando estão com
, na Inglaterra do século xv111. . fome. Numa linha de raciocínio bem semelhante, um "diagrama da tensão se-
Essa simples p·aJavra de cinco letras é capaz de encobrir o que pode serdes- xual" mostrari~ que o início da maturidade sexual pode ter correlação com uma
crito como uma visão espasmódica da história popular. Segundo essa visão, di- freqüência mais elevada da atividade sexual. A objeção é que e~se diagra_ma, ~e
ficilmente se pode tomar a gente comum como agente histórico antes da empregado de forma pouco inteligente, pode nos levar a conclmr a rnvest1gaçao
Revolução FFances?. Antes desse período, ela se intromete ocasional e espas- exatamente no ponto.em que adquire interesse cultural ou sociológico sério: es-
modi~men.te nâ cena histórica, em períodos de repentina perturbação social. tando com fome~ou sendo sensuais), o que é que as pessoas fazem? Como o seu
Essas intromissões são antes compulsivas que conscientes ou auto-ativadas: não comportamento é modificado pelo costume, pela cultura e pela razão? E (tendo
passam de reações aos estímulos econômicos. Basta mencionar uma colheita admitido que o estímulo primário da "desgraça" está presente) o seu comporta-
malograda ou uma, tendência de baixa no mercado, e todos os requisitos da mento não contribui para alguma função mais complexa? Função essa que, me-
explicação histórica são satisfeitos. - diada pela cultura, por mais cozida que seja no fogo da análise estatística, não
Infelizme nte, mesmo entre os poucos historiadores britânicos que con- pode ser reduzida ao estímulo novamente. . .
tribuíram para o nosso conhecimento dess~s ações populares, vários têm apoia- Um número muito grande de nossos historiadores do crescimento incorre
do a visãb espasmódica. Têm refletido de modo apenas superficial sobre os num reducionismo econômic,o crásso, obliterando as complexidades da moti-
materiais que eles próprios revelam. Assim Beloff comenta os motins da fome vação, compor14mento e função, fato que, se per~:bessem no trabalho análog_o
do início do século xvw: "esse ressentimento, quando odesemprego e os preços de marxistas, provocaria o seu protesto. A debilidade comum a essas expli-
elevados se COf!1binavam para tornar a situação insuportável, manifestava-se em cações é uma visão redutora do homem econômico. O que talvez seja motivo de
ataques aos comerciantes ·de grãos e aos moleiros, ataques que devem fre- surpresa é o clima intelectual esquizóide, que permite a coexistência (nos mes-

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~os lugares e às vezes nas mesmas inteligências) dessa historiografia q).lantita- moral não se intrometia apenas nos momentos de ~erturbação social, mas in-
t1va com uma antropologia social que deriva de Durkheim, Weber cfo Mali- cidia de forma muito geral sobre o governo e o pensamento do século 1<v111. A
nowski. Sabemos tudo a respeito do delicado tecido de normas e recipro~idades palavra "motim" é demasiado pequena para abarcar tudo isso.
sociais que regula a vida dos ilhéus de Trobriand, e conhecemos as i:;:tergias 1
psíqui~as envolv_ida_s no~ cultos das cargas na fvielanésia; mas, em algurti ponto,
essa cnatura social mfimtamente complexa, o homem melanésio, torna-se (em //
nossas histórias) o mineiro de carvão da Inglaterra do século xv111, que espas-
modicamente bate a mão na barriga e reage a estímulos econômicos ele- Assim como falamos do nexo mon'etário que emergiu com a Revolução In-
mentares. dustrial, em certo sentido podemos falar do nexo do pão no ~éculcl XVIII. O con-
Contra essa visão espasmódica, oponho minha própria visão.6 É possível de- flito entre o campo e a cidade e(a mediado pelo preço do pão. O confli,to entre o
tectar em quase toda ação popular do século xv111 uma noção legitimadora. Por tradicional ismo e a nova economia política girava em torno das Leis dos
noção de legitimação, entendo que os homens e as mulheres da multidão estavam Cereais. O conflito econômico das classes na Inglaterra do século XIX encontrou
imbuídos da crença de que estavam defendendo direitos ou costumes tradicionais; sua expressão característica na questão dos salários; 119 século xvm, os traba-
e de que, em geral, tinham o apoio do consenso mais amplo da comunidade. De lhadores mobilizavam-s~ rapidamente e partiam para~ ação por causa do au-
vez em quando, esse consenso popular era endossado por alguma autorização con- mento dos preços. · ' · . , ·,
cedida pelas autoridades. O mais comum era o consenso ser tão forte a ponto de E;sa consciência altamente sensível dos consumidores coexistiu com a
passar por cima das causas do medo ou da deferência. grande era do desenvolvimento agrícola no cihturão graneiro do Leste e do Sul.
O motim da fome na Inglaterra do século xv111 era uma forma altamente Os anos q~e levaram a agricultura inglesa a um noyà grau de exaelência foram
complexa de ação popular direta, disciplinada e com objetivos claros. Determi- marcados pelos motins- ou, como-os contemporân,eos freqüentementeos des-
nar até que ponto esses objetivos eram alcançados- isto é, até que ponto tal le- creviam, pe,las "insurreições" ou "1.evantes•dos pobres" - de 1709, i 740,
vante era uma forma "bem-sucedida" de aç~o - é uma questão demasiado 1756-7, 1766-7, 1773, 1782 e; sobretudo, de 1795 e 1800-1. Essa vivaz indús-
intricada para estudar nos limites de um capítuio; mas a questão pode ao menos tria capitalista flutuava sobre l/lJ1 mercad0 irascí_vel que podia a qualquer mo-
ser proposta (em vez de ser, como de costume, descartada com uma negativa sem mento se.dissolver em· bandos saqueadores, HUe percorriam o <í:ampc com
passar por nenhu1:1 exame), e isso só pode ser feito quando os objetivos próprios porretes,,ou se n;belavam no mercado para ''fixar o preço" das·provis~es num
das mu.ltidões são identificados. É tertamente verdade que os motins eram patamar popular. As fortunas das· classes c~pitalistas mais vigorosa?·depe~-
provocados pelo aumento dos preços, por maus procedimentos dos comer- diam ern última análise da venda de cereais, carne,. lã; e os dois primeiros arti-
ciantes ou pela fome. Mas essas queixas oper~vam dentro de um consenso po- gos dev~am 'ser vendido~, com 'mµito pou~p processamen'to :intermediário, aos
pular a respeito do que eram práticas legítimas e ilegítimas na atividade do milhões que constituíam os consumidores.'A,ssim, os atrhos do mercadp nos
mercado, dos moleiros, dos que faziam o pão etc. Isso, por sua vez, tinha como conduzem a ~ma área 'central ·da vida da nação. · '
fundamento uma visão consistente tradicional das normas e obrigações sociais, Os trabaihadores do século l(Vlll não.vivi,am apenas de 'pão, mas (corno
das funções econômicas peculiares a vários grupos na comunidade, as quais, mostram os· orçamentos co)igidos por Ed~n e·Dav_id Daviõ&) muito~ deles vi-
consideradas em conjunto, podemos dizer que constitúem a economia moral viam sobrétudo de pão. Esse pão não en\ totalmente de trigo, embora atf o iní-
dos pobres. O desrespeito a esses pressupostos morais, tanto quanto a privação cio d·a década de 1790 o pão de trigo viesse ganhando terreno sobre as outras
real, era o motivo habitu al para a ação direta. variedades. Na década de 1760, Charles Smith estimava que de uma suposta
Embora essa economia moral não possa ser descrita como "política" em população de cerca de 6 milhões na Ing)aten-a e _no País.de Gales, 3 750 000 co-
nenhum sentido mais avançado, tampouco pode ser descrita como apolítica, miam trigo, 888 mil cOipiamcenteió, 739 ti;il cómiarn'cevadae623 mil-comiam
pois supunha noções definidas, e apaixonadamente defendidas, do bem-estar aveia.' Por volta de 1790, po_dem.os estimàr que pelo'rnenos dois, terços da po-
comum - noções que na realidade encontravam algum apoio na tradição pa- pulação estavam coiriendo trigo.' O pádrã,o d,e consumo refletia, em parte, os
ternalista das autoridades; noções que o povo, por sua vez, fazia soar tão al;o que graus relativos de pobreza e, em parte, as condiçõ_es.êcológicàs. Os distritos _com
as autoridades ficavam, em certa medida, reféns do povo. Assim, essa eco~omia solo pouco produtivo e os distritos das r~giõ'es montanhosas (tomo ,os montes
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Peninos), onde o trigo não amadurece, eram os baluartes dos outros cereais. Ain- em geral comem apenas pão de cevada. O resto, com famílias menores, talvez um
da assim, na década de 1790, os mineiros de estanho c!a Cornualha se susten- terço dos artesãos pobres e outros artesãos (dizendo não conseguir nada a não ser
Javarn princi11alrnente oorn pão de cevada. Muita farinha de aveia era consumida pão), só têm comido, como antes da carestia, o pão do padeiro, feito com a farinha
em Lancashi~e e Yorkshire - e não apenas pelos pobres.9 Os relatos de de trigo dita de segunda qual idade."
Nortti~mberland divergem, mas aparentemente Newcastle e muitas das aldeias O magistrado de Reigate informf va, em termos semelhantes:
n;iinei,ràs ~ircundantes tinham a essa altura passado a comer Jão de trigo, en-
quanto o.campo e as ciâades menores subsistiam de farinha de aveia, pão de cen- [... ] a respeito dos trabalhadores pobres que quase não têm outro sustento a não ser
1 pão, e que pelo costume da região sempre têm comid_o pão feito apenas de trigo; en-
teio, maslin, º ou urna mistura de cevada e "ervilha cinzenta" [gray pease]."
tre esses não tenho forçado, nem desejado o emprego de um pão misturado, porre-
purante o século, o pão de trigo continuou a 'suplantar as variedades mais
ceio de que não fiquem nutridos o suficiente para suportar o seu trabalho.
escuras de farinha integral. Tratava-se em parte dos valores de status que foram
atrib~í?os éjO pão branco, mas 'não era absolutamente só isso. O problema é Aqueles poucos trabalhadores que tinham provado a mistura "sentiram-se fra-
muito complexo, mas podemos mencionar vários aspectos de forma sucinta. cos, quentes e ipcapazes de trabalhar com algum grau de vigor"."Quando, em
Vender pão branco ou farinha pura tinha vantagens para os padeiros e os dezembro de 1800, o governo estabeleceu uma lei (conhecida popularmente co-
moleiros,.pois olucro qu~ podiam ganhar com essas vendas era em geral bem mo a Lei do Pão Preto ou "Lei do Veneno") que proibia os moleiros de fazer qual·
méjior. (Ironicamente, esse fato provinha em par.te da proteção paternalista ao quer outra fari nha a não ser a integral, a reação do povo foi imediata. Em
co?sumi(jor, p~is o R~gularnento do Pão tinha_por objetivo impedir que os padei- Horsham (Sussex),
ros l4cr~ssem com a ve11da do pão aos gob_res; por isso, era do interesse do Um grupo de mulheres[... ] foi até o moinho de ventÕde Gosden, onde, atacando o
padeiro fazer a menor quantidáde de pão "caseiro" possível, e esse pouco ele moleiro por lhes ter fornecido farinha escura, elas se apoderaram do pano com que
ainda fazja rnal.) 12 Nas cidades, que viviam atentas aos perigos da adulteração, ele estava peneirando a farinha segundo as instruções da Lei do Pão, e cortaram-no
suspeitavp-se q~e o pão preto permitia encobrir com facilidade aditivos nocivos. em mil pedaços; ameaçando fazer o mesmo com todos os utensílios similares que,
Nas últimas décadas do século, muitos moleiros adaptaram suas máquinas e em futuras tentativas, ele pudesse utilizar para o mesmo fim. Mais tarde a líder
s11 as peneiras'de pano, de modo que realmente não podiam preparar a farinha amazona dessa cavalgada de saias pagou para as companheiras um guinéu de drin-
para o pão."c_aseirb" intermediário, produzindo apenas as qualidades mais finas ques na taverna Crab Tree.
de farinha para.o pão branco, e o "refugo" para um pão escuro (que um obser- Em conseqüência dessas ações, a lei foi revogada em menos de dois meses. 19
vador achou "tã~ bolo,ento,.cau!\ador de cólicas e p~rnicioso que punha em risco Em tempos de preços altos, mais da metade do orçamento semanal da
a saúde"). 1i As tenta.tivas das autoridades no sentido de impor, nos tempos de es- família de um trabalhador poderia ser gasto em pão.?U Corno é que esses cereais
casse~. a _fabricação'd~ qualidades mais grosseiras de pão (ou, como em 1795, o passavam das colheitas nos campos para as casas dos trabalhadores? À primeira
'l.!SO geral ~o p&o "caseiro") eram acomp11nhadas de muitas dificuldades, e fre- vista parece simples. Temos os cereais: são colhidos, debulhados, levados ao
qüentemente da resistência dos moleiros e padeiros. 14 mercado, moídos no moinho, assados e comidos. Mas, em cada etapa desse
. · · No fim do séc~lo, ohde ·quer que p 'pão de trigo prevalecesse e fosse processo,'há complexidades irradiadoras, oportunidades de extorsão, pontos de
ameaça,dc_> .por uma mistura'. mais grosseira, sentimentos de status estavam pro- inflamação em torno dos quais as revoltas podiam surgir. E dificilmente é pos-
fundamente envolvidos. Hi\·urna sugestão de que ós trabalhadores acostumados sível seguir adiante sem delinear, de forma esquemática, o modelo paternalista
·corh o p~o de trigo realrn_ente não conseguiam tr-abalhar-sofriam de fraqueza, do processo mercantil e manufatureiro - o ideal platônico tradicional a que se
. indige.stão oµ náu~ea-....... se forçados a 'mudar para misturas mais grosseiras. 1s recorria na lei, qos folhetos ou nos movimentos de protesto- com o qual as rea-
~1e'srno em face d?5 pr~ços abusivos de 1795 e i 8QO, 1, a resistência de muitos lidades espinhosas do comércio e do consumo se chocavam.
1
·•trapaihadores era inflexívél. 16 Em 1796, a Guilda' dos Intendentes de caine in- O modelo paternalista existia no corpo desgastado da lei estatutária, bem
f_ormou ~:~ Conselho Priv~do [Pri~y Council] que pessoas "respeitáveis" es- como no direito consuetudinário e no costume. Era o modelo que freqüente-
. tavam comendo a mistura de cevada e trigo·exigida pela autoridade, e que os mente informava as açõe~ do governo em épocas de emergência até a década de
artesãos 'e operários pobres _com fanu1!as grandes 1770; e ao qual muitos magistrados tocais continuavam a recorrer. Nesse mo-

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delo, o mercado devia ser, na medida do pbssível, -direto, do agricultor para o No mes~o apo, na região Sudpes;e (ou.tra át~~conhecida pblo tradicioqalismo),,
consumidor. Os agricultores deviam trazer os cereais a granel para a'.praça do as autoridades municipais em Exeter'tentararn controlar "os "µ-a~essadores, _os
vendedores ambulantes, os vareji~tas", exç.luindo-os do 111yrcado entre as oito
mercado local; não deviam vendê-lo enquanto ainda estivesse no campo, nem
da manhã e'o meio-dia, horas em:que o sino ela pre~eitura soava."0 Regula-
deviam retê-lo na esperança da elevação dos preços. Os mercados d~viam ser
mento do Pão ainda estava em vigor durante todo o século xvm em Londres e
controlados; não se podia vender antes de horas determinadas, quando soava um
em muitas cidades-mercados:L1 Se examínamos o cas9 da·venda por amostra-
sino; os pobres deviam ter a oportunidade de comprar primeiro os grãos, a fa- gem, observamos o quanto ( perigoso a~mitir prematurament~ a dissolução das
rinha fina ou a farinha grossa, em pequenas porções, com pesos e medidas devi- restrições impostas pelo costume. , . , ·,,
damente supervisionados. Numa determinada hora, quando suas necessidades Supõe-se freqüen\emente que· a venêl~ de'cereais por am_ostras er'a prática
esti:vessem atendidas, soava um segundo sino, e os comerciantes mais abastados aeral em-meados do século x:v11, quando Beste descreve a prática em East York-
(devidamente licenciados)° podiam então fazer as suas compras. Os comer- ;hire,'" e certamente ~m• 1725, quando 'De(oe redig~ a sua,f~mcsa ~escrição do
ciantes eram limitados por muitas restrições, inscritas nos mofados pergami- comércio de cereais." Mas, embora por essa d11ta muitos dos grandes fa,zen-
. nhos das leis contra compras antecipadas íforestalling], compras para futura deiros vendessem sem dúvida por amostragem na maioria dos càndad,os, as anti-
revenda [regrating] e açambarcamentos [engrossing], codificadas no reinado de aas p(aças dos mercados ainda eram comuns, e até sobreviviam nos arr,edore~ de
Edward VI. Eles não deviam comprar (nem os fazendeiros deviam vender) por Londres. Em 1718, um autor de panfletos desi:;reviap declínio dos mercados ru-
amostragem. Não deviam comprar grãos ainda não colhidos, nem podiam com- rais como se tivesse ocorrido apenas em anos recen\es:
prar para revender com lucro (dentro de três meses) no mesm9 mercado ou em o que se vê não é mais do que bazares e barrac~s que ·vendem quinquilharias e badu-
mercados vizinhos, e assim por diante. De fato, na maior parte do século XVIII, o laques [... ). As ,axas são quase nulas; e se muitos habitan1_çs ainda lefilbram q~~cem,
intermediário continuava a ser legalmente suspeito, e suas operações eram, em duzentas, talvez trezentas, e, em algun$ burgos. quat,rocentas cargas de cereais cos-
teoria, severamente restringidas. 21 tumav~m vir à cidade num dia. agora a grama cresce na praf do mercado.
Da supervisão dos mercados passamos para a proteção ao consumidor. Os Os fazendeiros (reclamava) passaram a evitar o mercado e a negoc:iar com_ in-
moleiros e - num grau maior - os padeiros eram considerados criados da co- termediários e outros "atravessadores" na sua própria casa. Outros fazendeiros
munidade, pois não trabalhavam pelo lucro, mas por uma boa remuneração. ainda levavam ao mercado uma única carga, '.'para manter as aparências no mer-
Muitos dos pobres compravam os seus grãos qiretamente no mercado (ou os ob- cado e conseauir que o preço fosse estabelecido",, mas o• comércio princip~l era
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tinham como suplemento de salários ou na respiga); os levavam ao moinho para feito por meio de "parcelas d'e cerea.is.num sa~o ou pano, chamadas am~stras .·
sereminoídos, e então o moleiro podia exigir a maquia fixada pelo costume, e Esse era, na verdade, o curso das coisas. Mas muitos pequenos agricultores
depois eles assavam o seu próprio pão. Em Londres e naquelas cidades grandes continuavam a colocar os seus grãos no mercado corno antes; e o a~ttgo mode-
onde essas práticas já haviam deixado há muito tempo de ser a regra, a remu- lo se mantinha nas mentes dos homens como uma ~onte de ressentimentos. Os
neração ou o lucro dos padeiros era calculado rigorosamente de acordo com o novos procedimentos do mercado·eram repetidaroent~ con_testado5; ~m 171 O,
Regulamento do Pão, pelo qual o preço duo peso do pão era determinado em re- uma petição em nome dos pobres de Stony Stratford (.Buckinghamshire) recla-
- ao preço do tngo
iaçao . em vigor.
J n ' ma que os agricultores e os negoci"antes esta~am "comprando e ::-ndendo nos
Esse modelo, é claro, afasta-se em muitos pontos das realidades do século pátios das fazendas e em seus celeiros, de modç, que agor~ os ~ab1tantes p,obres
xvm. O mais surpreendente é observar como parcelas suas ainda operavam até não podem ter grãos a preços razoáveis para o n_osso drn~e:rº•~º ~ue I! uma
quase<? fim do século. Assim Aikin, em 1795, é capaz de descrever a regula- grande calamidade".2• Em 1733','vários burgos env1araf(l peuço~s a Camar_a dos
mentaçãô ordeira do mercado de Preston: Comuns ·contra a prática: Haslemere (Surrey) se queixava de qlle os mo,le1ros e
os fari nheiros estavam açamb~rcan?o o mercado - eles "secretamente com-
Os mercados semanais [... ] são extremamente bem regulados para impedir com- pravam grandes quantidades de cereais em·peq1,1enas a1;1ostra,s, recu~ando-se a
pras _antecipadas e compras para futura revenda. Ningt1ém a não ser os habitantes comprar os grlros oferecidos.no mer~ado _abert~"-30 .Há uma s_uge~ta~ de algo
da cidade tem permissão de comprar durante a primeira hora, que vai das oito às fraudulento na prática e de' perda de.transparênc1a'J1t>s.proced1~entos do mer-
nove da manhã; às nove, outros podem comprar; mas nada do que ainda não foi
vendido pode ser retirado do mercado até uma hora, com exceção dos peixe's [... ]Y cado.
•'.

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À medida que o século avança, as queixas não desaparecem, embora ten- rial de seu dever; não se deve tolerar que ele esconda ou disponha de suas mer-
dam a se mover para o Norte e para o Oeste. Na carestia de 1756, o Conselho Pri- cadorias em outro lugar". 37 Depois da década de 1760, entretanto, as praças de
yado,além,de reativar as aotigas leis contra as compr~s antecipadas, lançou uma mercado desempenhavam uma fqnção tão irrelevante na maioria das áreas do
proclàmação ordenando que "todos os fazendeiros, sob pena de severas puni- Sul e das Midlaóds que, nesses éÜstritos, a queixa contra a venda por amos-
ções, devem levar seus qereais ao mercado aberto, e não devem vendê-los por tragem é muito menos freqüente, embora a reclamação de que os pobres não
amostragem l!m suas próprias moradias":" Mas as autoridades não gostavam de possam comprar em pequenas parcelas ainda se faça escutar no final do século.)'
ser muito pressionadas sobre esse ponto: em 1766 (outro ano de escassez), os Em certas áreas do Norte, a história era diferente. Em 1795, uma petição dos tra-
magistrados de Surrey inquiriram se comprar por amostragem continuava a ser balhadores de Leeds reclama dos "agentes comerciais dos cereais, dos moleiros
realmente um delito passível de punição, e receberam uma resposta assom- e de um grupo de pessoas que chamamos de atravessadores e farinheiros, pes-
brosamente evasiva - o secretário de Súa Majestade não está autorizado pelo soas que têm os cereais nas mãos, podendo retê-los e vendê-los ao preço que
seu cargo a inte.rpretar as leis.-'2 desejarem, caso1contrário não os venderão". "Os fazendeiros não levam os
Duas cartas nos ajudam a compreender a difusão das novas práticas para o cereais ao mercado, a não ser aqueles que carregam no bolso como amostras
Oeste. Escrevendo a Lord Shelbourne em 1766, um correspondente ac~sava os (... ] o que faz os pobres resmungarem muito." 39 Levou muito tempo para que
negoci~ntes e· os moleiros em Chippenham de "conspiração": um processo, freqüentemente datado de pelo menos cem anos antes, se desen-
Ele próprio mandou alguém ao mercado comprar oito alqueires de trigo, e embora volvesse.
houvesse na praça muitos carregamentos, e logo soasse o sino do mercado, sempre Examinamos esse exemplo para ilustrar a densidade e a part(cularidade do
que seu agente fazia o pedido, a resposta era "Já foi vendido". Por isso, embora[ ... ] detalhe, a diversidade das práticas locais e o modo como o réssêntimento popu-
para evitar à punição da lei; eles levem os grãos ao mercado, a barganha é realiza- lar podia explodir quando mudavam as antigas práticas do mercado. A mesma
da árites, e o ~e-reado não passa de uma farsa[ ... ]:" densidade, a mesma diversidade, existe por toda a área comercial, definida difi-
(Essas prá.ti,cas podiam s.er o verdadeiro motjvo das sedições: em junho de l 757, cultosamente. O modelo paternalista estava certamente se rompendo em muitos
, informava-se que "a população se rebelou em Oxford e em poucos minutas to- outros pontos. O Regulamento do Pão, embora eficaz em controlar os lucros dos
padeiros, refletia simplesmente o preço do trigo ou da farinha em vigor, e não
mou' e dividiu uma carga de cereais, suspeita de.ter sido comprada por amostra
podià de-modo algum influenciá-lo. Em Hertfordshire e no vale do Tâmisa, os
e leva.da ao mercado-apenas para manter as aparências".)'" A segunda carta, de
moleiros eram então empresários muito ricos, que às vezes comerciavam grãos
, um correspondente de D~rchester em 1772, descreve uma prática diferente de
ou malte, além de beneficiar farinha em grande escala.'" Fora dos principais dis-
fixar 0°pre~o de mercado: ele reclamava que os grandes fazendeiros se reuniam
tritos de cultivo dos cereais, os mercados urbanos simplesmente não podiam ser
1
0

"e
para fixár o p,reço antes do me.rcado, muitos desses homens não _querem
supridos sem a operação de agentes comerciais, cujas atividades teriam sido anu-
vender menos de quarenta alqueires, o que os pobres não podem comprar. Por-
ladas se a legislação contra os que faziam compras antecipadas tivesse sido ri-
tanto, Ómoleiro,.que·não é inimigo do fazendeiro, fixa o preço que ele pede, e os
, pqbre~ tê~ de aceitar a·s suas condições"." gorosamente posta em vigor.
Até que ponto as autoridades reconheciam que seu modelo estava se afas-
Os paternàli'stas e os póbres continuavam a se queixar da extensão das
tando da realidade? A resposta deve mudar de ª cordo com as autoridades em
práticas do mercado que· nós, em retrospectiva, tendemos a admitir como ine-
questão e com o desenrolar do século. Mas pode-se dar uma resposta geral: em
vitável.e "JJatural":'" Mas o que agora parece inevitável não era necessariamen-
sua prática normal, os paternalistas reconheciam grande parte da mudança, mas
te aceitQ no século xv111. Um folheto característico (de 1768) exclamava de
voltavam a recorrer ao modelo sempre que surgia uma emergência. Nisso eram
modo indignado contra .a s1;1posta liberdade de cada fazendeiro fa~er o que bem 1 partes do modelo como seu d.1re1to · e he-
em parte reféns do povo, que adotava
quisesse com o que era seu. Isso seria uma liberdade "natural", mas não "civil".
rança. Chega-se a ter a impressão de que a ambigüidade era realmente bem-vin-
•"Portanto, não se pode dizer que isso seja a liberdade do cidadão, ou de quem da. Em distritos atingidos por motins, ela dava aos magistrados, nos tempos de
vive sob a proteção de uma comunidade; é antes a liberdade de um selvagem; as- escassez, algum espaço de manobra e algum endosso às suas tentativas de re-
sim, quem tira partido dessa liberdade não merece a proteção conferida pelo duzir os preços por persuasão. Quando o Cons'elho Privado autorizou (como em
poder.da socied~de." A presença do fazendeiro no mercado é "uma parte mate- 1709, 1740, 1756 e 1766) a divulgação de proclamações em letras góticas
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ilegíveis, ameaçando com punições terríveis os que compravam os cereais de Isso significava mais um antimodelo do que ·um modelo novo - uma ne-
antemão, os que compravam os grãos para vendê-los em outro lugar, o~que em- gativa direta das políticas desintegradoras de "provisão" no reinado dos Tudor.
barcavam as cargas, os atravessadores, os traficantes etc., esse recurso ájudou os "Que todo decreto que se refira às Leis dos Cereais seja revogado",'escreveu Ar-
magistrados a incutir o temor a Deus nos moleiros e comerciantes loca1s. É ver- buthnot em 1773; "Que os cereais fluam cómo água, e eles encortrarão seu ní-
dade que a legislação contra as compras antecipadas foi revogada em 1772; mas vel".'"' A "liberdade ilimitada e irrestrita do comércio dos cereais" era também o
o instrumento da revogação não foi bein redigido, e durante o seguinte grande que Adam Smith pleiteava.'' A nova economia trâzia consigo uma desmoraliza-
período de escassez, em 1795, Lord Kenyon, presidente do tribunal, assumiu a ção da teoria do comércio e do consumo, algo não menos importante do que a
responsabilidâde de anunciàr que as compras antecipadas ainda eram um delito dissolução, mais amplamente discutida-, d,as i;estriçõys à,usura.'6 Por ;'desmora-
indiciável pelo direito consuetudinário: "embora a lei de Edward v1tenha sido lização',' não se sugere que Smith e seus c_olegas fossem imorai-s'' ou qúe não se
revogada (se com ou sem razão, não me cabe decidir), ainda assim essa prática preocupassem com o bem público.'' O que -se quer dizer é, antes, que a nova
continua a ser um delito pelo direito consuetudinário, coevo com a constitui- economia,p_olítica havia sido limpa de imperatlvos m?rars importuno;. Os anti-
. ção"." A torren te de acusações que pode serobservada durante todo o século- gos folhetistas eram, primeiro, moralistas e, depois,. economistas'. Na nova teo-
em geral de pequenos delitos, e apenas nos anos de escassez - não secava: na ria econômica, as questões sobre a organização polí\ica moral do mercaêlo não
realidade, houve provavelmente mais acusações em 1795 e 1800- 1 do que em têm vez a não ser como preâmbulo e epílogo. '
qualquer momento nos 25 anos anteriores.'' Mas é claro que tinham a intenção Em termos práticos, o novo m0delo funcionava da seguinte maneira. A
de produzir um efeito simbólico, eram uma demonstração para os pobres de que operação natural da oferta e deo.anda ~o mercad(?'livre maximizaria a satisfa-
as autoridades agiam vigilantemente para defender os seus interesses. ção de todos os grupos e éstabelece(ia o bem coITUJ m. O mercado nun'ca era mais
Assim, o mod_elo paternalista, tinha uma existência ideal e, igualmente, bem regulpdo do que quando deixavam que sé regulas;~ por si rriesmo. No cur-
uma existência real fragmentária. Nos anos de boas colheitas e preços modera- so de um ano normal, o preço dos cereais se ajustaria·pelo mecanismo do mer-
dos, as autoridades caíam no esquecimento. Mas se os preços subiam e os po- cado. Logo cjepois da colheita, ?S ~equenos agricullc$res, ,e toq9s aqueles que
bres se torna\lam turbu lentos, o modelo err ressuscitado, pelo menos para tinham de pagar vencimentos e rendamo di~_de são Miguel t29 de setembro),
produzir o efeito simbólico. debulhavam qs seus cereais e QS IevavaQ1 ao 'mercado, ou enlão lrberavai:n aque- ,
les cuja venda fora pré~contratada. De setembro ao Natal, a expectativa era de
preços baixo~. Os fazendeiros méd(os retinh,am o.s seus cerea,is, na 'esperança de
HI um mercadq em elevação, até o co~eço da prirriaveca; enquanto os fa:rendeiros
mais opulentos e a gentry agricultóra retinham parte dos seus ainda por. mais
Poucas vitórias intelectuais têm sido mais esmagadoras do que a conquis- tempo - de maio 'até agosto...:_ na expectativa de peg~r o· mercado no auge.
tada pelos proponentes da nova economia política na questão da regulamen- Dessa forma, as reservas de.'cereais da.nação eram convenientemente racio-
tação do comércio de cereais interno. Na realidade, a vitória parece tão absoluta nadas, pelo mecanismo dos preços, num-período-de 5'.2 semanas, sem nenhuma
a alguns historiadores que eles mal escondem sua impaciência com o grupo der- intervençã~ por parte do Estado. Na· mediàc1 em que o; intermediários intervi-
rotado.'-' O modelo da nova economia política pode ser convenientemente ado- nham e contratavam antecipadamente a yenda•da, colheita dos fazendeiros. eles
tado como sendo o de Adam Smith, embora se possa tomar A riqueza das nações executavam esse serviço de racionamento cqm r;naioreficiêocia aindà. Nos anos
não só como ponto de partida, mas também como uma grande estação central de carestia, o'preço dos grãos podia subir a alturas.intôn'lodas; mas isso era pro-
para ónde_convergem muitas linhas importantes de discussão na metade do videncia!, pois (além de dar um incentivo ~o' i'mportador) era de' novo,uma for-
século XVIII (algumas delas, como o lúcido Tracts on the com trade [Tratados ma eficaz de racionamento, sem a qual todos os estoques seriam consumidos nos
sobre o comércio de cereais) de Charles Smith [ 1758-9), especificamente inte- pri meiros nove meses do ano, e nos restantes,três rneses a carestia seria subs-
ressadas em demolir a antiga regulamentação paternalista do mercado). O de- tituída pela fome. ·
bate entre 1767 e 1772, que culminou na revogação da legislação contra as A única maneira de essa economia auto-r~guladorà entrar em colapso era
compras antecipadas, assinalou uma vitória do laissez-faire nessa áre;; quatro pela interferênéia do Estado e do pr~conceito popular,'9 ~ra precis,o deixar que
anos antes de o trabalho de Adam Smith ser publicado. ·.. os cereais fl uíssem livremente das áreas d.e excedentes pa'ra as áreas de escassez.
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Por isso, o interm~diário desempenhava um papel ilecessário, produtivo e elo- cavam outros itens nos seus orçamentos; talvez até comessem mais pão para
giáve,I. Smitlj deséartav~ sumariamente os.preconceitos contra os que com- compensar a perda de outros itens. De um xelim, num ano normal, seis pence se-
, prava:~1 ·grãós antecipadamente como s~perstições do nível da bruxaria. A riam gastos com pão, seis pence com "carne inferior e muitos produtos da hor-
interferência rio padrão natural do comércio podia induzir períodos de escassez ta"; mas num ano de preços altos, todo o xelim seria gasto com pão.n
local ~u desencorajar os agricl!ltores a aun;ientar a sua produtividade. Se fossem De qualquer modo, é bem conhecido que os movimentos dos preços dos
forçad?S as vendas prematuras, ou se os preços fossem limitados em tempos de grãos não podem ser explicados por simples mecanismos de oferta e procura; e a
carestra; os es.toques excedentes' poderiam ser cónsumidos. Se os agricultores subvenção paga para encorajar a,exportação de cereais distorcia ainda mais a
rétivessem os seus grãos p'or um tempo demasiado longo, provavelmente sofre- questão. Ao lado do ar e da água, os cereais eram u~a necessidade fundamental
riam ptejuízos quando. os preços despencassem: Quanto aos outros culpados da vida, anormalmente sensível a qualquer carência na oferta. Em 1796, Arthur
P9pulares ..,_ ós moleiros, os farinheiros, os co~erciantes, os padeiros-, apli- Young calculava que o déficit total de grãos de trigo era menos de 25%; mas o au-
cava-se grande.pàrte da 1;1esi;na lógioa. Os seus ofícios eram competitivos. Na mento dos preç! s era de 81 %: o quedava (pelos seus cálculos) um lucro de 20 mi-
'' mé!ho~..das hipóteses, pqdiam apenas distorcer' o r:iíyel natural dos preços du- lhões de libras para a comunidade agrícola num ano normal.S-' Os escritores
. rante cµrtos períodos,, e freqüentçmente, em última instância, para seu próprio tradicionalistas se queixavam de que os agricultores e os negociantes agiam com
prejuízo. Quando os preços começaram a subir de 'modo demasiado no final do a força do "monopólio"; 'eram refutados, folheto após folheto, como sendo "de-
século: não se ~ia o remédio num re_torno da regulamentação do mercado, mas masiado absurdos para serem levados a sério: o quê! mais de 200 mil pessoas
em,mais cúcamentos, cultivd dos descampados•, desenvolvimento. [...]!"."Entretanto, o ponto em questão não era se este fazendeiro ou aquele ne-
Não deveria ser necessárjo argumentar que o modelo de uma economia na- gociante podia;agir como "monopolista", mas se os__p~odutores e· comerciantes
tural e auto-reguladora·, funcionando providencialmente para o bem de todos, é em conjunto podiam, com uma longa seqüência contínua de circunstâncias fa-
tão ·supersticioso quanto as noções que sustentavam o modelo paternalista - voráveis, tirar proveito de seu controle sobre uma necessidade fundamental da vi-
embora, curiosamençe, seja uma superstição que alguns historiadores econô- da e aumentar o preço para o consumidor, de fonna bem semelhante ao que as
micos têm sido os-últimos a abandonar. Em algun's,aspectos, o modelo de Smith nações industrializadas desenvolvidas têm feito atualmente, aumentando o preço
se adaptava m;is acuradamente às realidades do século xv111 do que o modelo de certas mercadorias manufaturadas para as nações menos desenvolvidas.
paternalista; e, em simetria e alcance de constr~çãó intelectual, era superior. -À medida que o século avançava, os procedimentos do mercado setor-
Mas não se deve deixar de perceber o ar ilusório de validação empírica que o navam menos transparentes, pois os cereais passavam pelas mãos de uma rede
modelo contém. Enquanto o primeiro apela a uma norma moral - ao que de- mais complexa de intermediários. Os fazendeiros não vendiam num mercado
vem ser as oprigações recíprocas dos homens-, o si:gundo parece dizer: "é as- aberto competitivo (o que, num sentido local e regional, era um objetivo que per-
sim que as coisas funcionam, ou funcionariam se o Estado não interferisse". tencia mais ao modelo paternalista que ao modelo laissez-faire), mas a nego-
Entretanto, quançlo se considerílm essas seções de A riqueza das nações, elas ciantes ou moleiros que estavam em melhor posição de reter os estoques e
i111pressionam menos como um ensaio de investigação empírica do que como manter o mercado em alta. Nas últimas décadas do século, com o crescimento
um excelente ensaio de lógica que se autovalida. da população, o consumo pressionava constantemente a produção, e os produ-
Quando consideramos a organização real do comércio de cereais do sécu- tores podiam controlar de forma mais geral o mercado das vendas. Embora na
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lo xv111, nã~ temds à m~o a verificação empírica de nenhum dos dois modelos. verdade não inibissem significativamente a importação de grãos durante os
Ten\-se feito pouca investigação det~lhada acerca do mercado;l<' não há nenhum períodos de escassez, as circunstâncias durante a guerra não deixavam de acen-
estudo importante sobre a figura-chave do moleiro. 51 Até a primeira letra do al- tuar as tensões psicológicas naqueles anos.si O que importava na hora de esta-
fabeto de Smith-o' p)essuposto de que os preços altos eram uma forma eficaz belecer o preço pós-colheita era a expectativa do rendimento da colheita: e, nas
d~ racionamento - continua a não ser mais do que uma afirmação. É notório últimas décadas do século, há evidências do desenvolv/.mento de um lobby dos
qÚe a de,manda de cereais ou de pão é altamente inelástica. Quando o pão custa . fazendeiros, bem consciente dos fatores psicológico·s implicados nos níveis dos
caro, os pobres (como lembraram certa vez a uma observadora das altas esferas) preços pós-colheita, que assiduamente fomentava uma expectativa de es-
não comem bolo. Da perspectiva de alguns observadores, quando os preços cassez.ló É notório que nos anos de carestia as faces dos agricultores se emoldu-
subiam, os trabalhadores tal vez comessem a mesm~ quantidade de pão, mas cor- ravam de sorr sos,S1 e_nquanto nos anos de colheita abundante a generosidade
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irrefletida da Mãe Natureza suscitava gritos agrícolas de "desgraça". E por mais mamente dado, identificar claramente os grupo's q~e e'n'dossavarn as teorias da
generosa que a produção pudesse parecer aos olhos do cidadão, toda colheita era multidãc .Eles compree~dem pess_oas artictiiadãs e inarticuladas,o incluem ho-
acompanhada por boatos de mofo, in undações, espigas bichadas qué'.se des- mens de educação e boas maneiras. Depois de 1750, cada ano de escassez era
faziam em pó quando começava a debulha. .· acompa.,hado por urr{a inundação de folhetos é c_artás à ir~prensa, de valor ,de-
O modelo de livre mercado pressupõe uma seqüência de pequenos a:grandes sigual. Era uma queixa comum dos protagon'istas do mercado livre de cereais
fazendeiros, levando seus cereais para o mercado ao longo do ano; mas no final do que m'!mbros desavisados da gentry adicionavam combustível às eh.amas do
século, quando um ano de preços altos se sucedia a outro de preços altos, era maior descontentamento da turba.
o número de pequenos agricultores capaz de reter a oferta até que os preços do Há verdade nisso tudo. Na realidade, a multidio tirava a sua noção de le-
mercado se elevassem ao valor que desejavam. (Para eles, afinal1 o mercado não gitim2.ção do modelo paternalista. Muitos fidalgos àind-a se indignavam com o
era uma questão de rotina, mas de interesse intenso e absorvente: o seu proveito do intermediário ql!e ~ara eles era um mercador não ª\l~Orizado. Nos lugares em
ano todo podia depender em grande parte do preço que três ou quatro medas de que os senhore~ das herdades conservavam l)S direitos qo meréado, eles se
cereais conseguissem alcançar.) Se rendas tinham de ser pagas, o crescimento dos ressentiam da perda de seus tributos mercantis (por causa das vendas por
bancos rurais facilitava o atend imento das necessidades do fazendeiro.~' Os amostragem). Se eram senhores fazendeiros, que viam a fa'rinha grossa ou fina
motins de setembro ou outubro eram em geral provocados quando os preços não ser negociada a preços desproporcionalmentç elevados em relação ao que rece-
baixavam depois de uma colheita aparentemente abundante, indicando um con- biam dos negociantes, eles se indignavam ainda mnis com os luoros desses co-
fronto consciente entre o produtor relutante e d consumidor irado. merciantes comuns. O ensaísta de 1718 tem um título que é um compêndio de
Não apresentamos esses comentários para refutar Adam Smith, mas sim- seu tema: An essay to prove thçit regrators, engrossersJorestallers, hawkers-and
plesmente para assinalar pontos em que se deve ter cautela, enquanto nosso co- jobbers ofcom, caule, and other marketable goods [... ] are destructive oftrade,
nhecimento não é mais abrangente. Do modelo l_qissez-faire, devemos dizer oppressors, to the poor, anda common nuisance to the Kingdom in'general [Um
apenas que não é comprovado empiricamente; é inerenfemente improyável; e há ensaio para provar que aqueles que compram cereais, gado e outras mercadorias
alguma evidência em contrário. Fomos recentemente lembrados de que "os mer- negociáveis para revender, para açambarcar o mercado ou para o mercado fu-
cadores ganhavam dinheiro?º século xv111", e que os mercadores de grãos po- turo, bem como os vendedores ambula.ntes e os intermediários desses proc\utos
dem ter ganho dinheiro "operando o mercado":'"Tais operações são registradas ( ... ) destroem o comércio, oprimem.os pobres e são.um aborrecime~to comum
de vez em quando, embora raramente de forma tão franca quanto no diário de um a todo o reino em geral]. Todos os negociantes (a não ser que fossem simples
agricu!'.?r e mercador de cereais de Whittlesford (Cambridgeshire) em 1802: condutores de rebanho ou carreteiros, levando às provisões de um ponto :1 ou-
Comprei ce;teio para daqui a doze meses a cinqüenta xel ins por quarto de tonela- tro) pareciam a esse escritor bas,tante observ,ador um "grupo vil e pernicioso".
da. Podia ter vendido a 122 xelins por quarto de tonelada. Os pobres receberam a Nos termos clássicos da reprovação adotada pelos homens de patrimônio esta-
sua farinha, centeio bom, a dois xelins e seis pence por celamim. A paróquia me belecido em relação a_o burguês, · . · · '
pagou a diferença, que era de um xelim e nove pence por celamim. Foi uma bênção eles são uns vagabundos[ ...] i..ovani tudo o que possuem consigo, e.os seus [... ] re-
para os pobres e muito bom para mim. Comprei 320 quartos de tonelada."" cursos não são mais do que 'um $imples hábito d~ mo1;rn1ria, um' bom cavalo, uma
O lucro nessa transação foi superior a mil libras. lista das feiras e mercados, e uma quàntidaae prodigiosa de impudência. Eles por-
tam a marca de Caim e, como ele, erram de lugar para lugar, reali;ando transações
não autorizadas entre o 11egociante correto e o consumidor ponesto."
. . ' '
IV Essa hostilidade ao negociante existia até entre muitos magist~ados rurais, al-
guns dos quais etam famosos por nã~ fazerem na<;!<! quando os distúrbios po-
Se é possível reconstru ir modelos alternativos claros às políticas dos eco- · pulares varriam as áreas sob suajurisdição. Não os incomodavam os ataques,aos
nomistas tradicionalistas e dos economistas políticos, s~rá possível fazer 9 mes- negociantes de cereais dissidentes ou quacres. Em 1758, um folhetista de Bris-
mo para a economia moral da multidão? Essa tarefa é menos fác il. S.omos tol, que é claramente um negociante de cereáis, queix'ava-se amargamente aos
confrontados com um conjunto complexo de análise racional, precon~eito e juízes de paz da."vossa turba que dita as leis" ---..'.que impediràm, ryo ano anterior,
padrões tradicionais de resposta à escassez. Tampouco é possível, em qualquer a exportação de cereais nos vales de Severn e Wye - e de "muitas petições in-

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frutíf~r~s 'a .;ários-juízes de. paz".62 Na "'.erdade, cresce a convicção de que O tu- ta e chumbo branco. Causou grande sensação a sua afirmação de que os moleiros
' mult-0 popular contra os q~e fazi.am compras ant~cipadas de grãos não era misturavam na farinha "sacos de ossos velhos moídos": "os cemitérios dos mor-
malvi,sto pe/as autoridades. Desviava a atenção das pessoas dos fazendeiros e tos são revolvidos, para acrescentar sujeira ao alimento dos vivos", ou, como
dos que "'.iviamde ren~as, enquanto as ameaças vagas das sessões trimestrais do dizia outro folhetista, "a era presente [está] se banqueteando com os ossos do
tribuoal contra os que compravam os cereais de antemão davam aos pobres a passado".
noção de que as autoridades êsta"'.am cuidando de seus interesses. As antigas leis As acusações de Manning iam muito além dos limites da credibilidade.
eontra as compras antecipadas, queixava-se um negociante em 1766, (Um crítico computou que se estivessem usando cal na escala de seu arrazoado,
sao l'r),pressas em toda jornal, expostas em todo canto, por ordem dos juízes, para mais cal seria consumida na fabricação do pão em-Londres do que na indústria
· intimidar os que açambarcam o mercado, contra quem se propaga\11 muitos boatos. da construção.r Além do alume, muito usado para branquear o pão, a forma
O p~vo é instruído a ter. uma opinião ';lUito elevada e reverente dessas leis[ ... ]. mais comum de adulteração era provavelmente a mistura de farinha velha e es-
. Na verdade, ele acusava os juízes de encorajar "a extcaordinária ficção de que o tragada com a nova.•' Mas a população urbana estava p'ronta a acreditar que adul-
poder e o espírito da turba são necessários para executar as leis".6·' Mas se as leis terações muito mais nocivas eram praticadas, e essa crença contribuiu para a
eram realmente aplicad?~, elas se dirigiam quase sem exceção contra os peque- "Luta de Shude-Hill" em Manchester em 1757, pois então se acreditava que um
nos culpad~s - os vendedores ou mercadores locai~, que embolsavam pe- dos moleiros atacados misturava "bolotas de carvalho, favas, ossos, greda bran-
ca, palha retalhada e até esterco seco de cavalo" na sua farinha, enquanto em ou-
quenos' lucros epi transações triviais -, enquanto os grandes negociantes e
moleiros não eram atingidos."' tro moinho a presença de agentes adulteradores perto das canour_1\S (descobertos
pela multidão) provocou a queima de peneiras e.crives, bem éomo a destruição
Assi~, para tomar um exemplo tardio, um juiz de paz antiquado e rabu-
gento de Middlesex, J. S. Girdler, organizou uma campanha geral de acusações de mós e rodas.'"'
co~tra esses infratores em 1796 e 1800, com impressos oferecendo rec_ompen- Havia outras áreas, igualmente sensíveis, em que as queixas da multidão
sa por, int'orma,;ões, cartas à imprensa etc. As condenações foram confirmadas eram alimentadas pelas queixas dos-tradicionalistas ou dos profissionais ur-
em várias sessões trimestrais dos tribunais [Qµarter Sessions ], mas a quantia banos. Na verdade, pode-se sugerir que, se as multidões sediciosas ou fixadoras
ganha,pel_os especuladores não passava de dez ou quinze xelins. Podemos ima- de preços agiam segundo um modelo teórico consistente, esse era uma recons-
ginar que 'tipo de infrator as suas acusações atingiram pelo estilo li terárici de uma trução seletiva do paternalismo, extraindo dele todas as características que mais
carta anônima que recebeu: favoreciam os pobres e que ofereciàm uma possibilidade de cereais mais
baratos. Porém, era menos generalizado que a visão dos paternalistas. Os re-
Sabemos·que vç,cê é i-nimigo dos fazendeiros, farinheiros, padeiros e do nosso gistros dos pobres revelam mais particularidades: trata-se deste moleiro, deste
ramo de negpc.ios. Se não fosse por mim e por outra pessoa, você, seu filho da pu- negociante ou daqueles agricultores que retêm os grãos, provocando indignação
ta1 te:1a sido assassinado há muito tempo por oferecer suas infelizes recoinpensas e ação. Tal particularidade era, entretanto, inspirada por noções gerais de direi-
e por perseguir a nossa profissão. V.á pàra o inferno e desapareça. Você não viverá
para ver outra colheita[ ..:)." · tos que só se revelam bem claramente quando se examina a multidão em ação.
Pois num aspecto a economia moral da multidão rompia decisivamente com a
Aos tr,adicion~listas compassivos como Girdler uniam-se cidadãos de dos paternalistas. A ética popular sancionava-a ação direta coletiva, o que era ca-
•várias'posiçõ·e~ sÕciais. A maio~ia dos londrinos suspeitava que todos os en- tegoricamente reprovado pelos valores da ordem que sustentavam o modelo pa-
volviclos ria produção e comércio dos grãos, da farinha e do pão praticavam to- ternalista.
do'tlpo de extorsão. 91obby urbano foi sem dúvida especialmente poderoso na A economia dos pobres ainda era local e regional, derivada de uma econorrúa
metade .d~ século, pressionando pelo fim da subvenção à exportação _ou pela de subsistência. Os cereais deviam ser consumidos na região em que eram culti-
prpibição de todas i!Sexportações nos anos de cares.tia. Mas Londres e as cidades vados, especialmente nos tempos de escassez. A exportação em períodos de cares-
, .ma1ores abrigavam reservas inesgotáv~is de.ressentimento, e algumas das tia despertou sentimentos profundos em vários séculos. Sobre um motim causado
acusações mais.agressiyas provi!}ham desses loqis'. Na década de 1750, um cer- pela exportação em Suffolk, em 1631, um magistrado escreveu: "ver o seu pão
. to cJr. Mannihg P\l.blicou um arrazoado declarando que o pão era adulterado, não arrancado de s~as mãos.e enviado a estranhos transform~~ a impaciência d~s po-
, ·, sõ c_om alume, giz,' ~reda 6.ránca e faririha de fava$; rrias também com cal extin- bres em fúria e desespero desregrados". 6' Num relato v1v1do de uma rebehao no

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mesmo condado 78 anos mais tarde ( 1709), um negociante descreveu como "a tur- rio em 1740, ~scutou_que ele "nãq passava de UITJ reb½lclé"Y Etn 1783, um aviso
ba se rebelou, ele acha que eram várias centenas de pessoas, declarando que os foi afixado na cruz do mercado em C?rlisle; e começav~ assim: . ·
cereais não deviam ser levados para fora da cidade": "entre os integrantés da tur- Peter Clemeseson & Meses Luthart, esta nota é para lhes avisar que vocês devem
ba, alguns tinham alabardas, outros varapaus com ponta de ferro, e alguns"inaças". abandonar o seu comércio ilegai"ou mo.rrer. E que vá parii ó inferno a sua compra
Ao viajar para Norwich, em vários lugares ao longo do caminho: ; de cereais, que mata de fome os habitantes pobres da cidade '1 dos subúrbios de
ouvindo que ele ia passar com os cereais, a turba disse-lhe que não devia passar pela Carlisle, pará, mandar os grãos para a França e con,s~guir'a subvenção dada pela lei
cidade, pois ele era um patife, um atravessador de cereais, e alguns gritavam: a quem exporta os cereais para fora'do país, mas por Deus Todo-poderoso nqs lhe
Vamos apedrejá-lo! - outros: Arranquem-no do cavalo! - ai nda outros: Der- daremos uma s,ubvenção às custas de-suas vidas, malditos patifes [.,.].
rubem-no, e cuidem para acertá-lo em cheio; quando ele [...] lhes perguntou o que "E se alguma taverna em Carlisle [continuav.a a nota] deixar você ou Luthart
os levava a se rebelar de forma tão desumana em detri mento de si mesmos e do país, oferecer (...] cereais em sua casa, vai pàgar por isso."74 Esse s~nl'imento reapare-
eles continuavam a gritar que ele era um patife e que ia levar os cereais para a ceu nos últimos anos do século, especiajmente em l 795, quando se.espalharam
França[...]."' rumores por todo o país sobre exportações secretas para a França. Além disso,
Exceto em Westminster, nas montanhas, ou nos grandes distritos de pasta- os anos de 1795 e 1800 viram mais uma vez o f!orescimento de uma consciên-
gens de ovelhas, os homens nunca estavam muito longe da paisagem do trigo. A cia regional, tão vívida quanto a de cem anos antes. 11.s estradas ernm bloqueadas
indústria manufatureira ficava dispersa pelo cr mpo: os mineiros de carvão iam para impedir a exportação das mercadorias da páróquia. As carroças eram inter-
para o trabalho caminhando ao lado dos campos de trigo; os trabalhadores ceptadas e descarregadas nas cidades por onde passavam. O transporte dos grãos
domésticos deixavam os seus teares e oficinas para ajudar na colheita. A sensi- por comboio noturn.o assumia as proporções de uma operaç&o militar:
bilidade não se limitava à exportação para o além-mar. Eram especialmente sen- Gemem profundas (IS carroças com suas pesadas cargas,
síveis as áreas marginais de exportação, nas quais se exportavam poucos cereais Tal como seu obscuro destino, vergam-se ao (ongo das estradas;
nos anos normais, mas nas quais, em tempos de escassez, os negociantes podiam Roda após roda, numa lenta e terrível procissão,
esperar por um preço caído do céu em Londres, agravando com isso a carestia Com metade da colheita, a seu destino elas seguem
local." Os mineiros de carvão-em Kingswood, na floresta de Dean, em Shrop- [ ... ] 1
shire, no Nordeste - eram especialmente inclinados a agir nessas épocas. Os A expedição secreta, como a noite
mineiros de estanho da Cornualha tinham famk de ter uma irascível consciência Que encobre seus intentos, ainda evita q luz •
de-consüinidores, sempre prontos a sair para as ruas e usar a força. "Tivemos o [...]
Enquanro o pobre lavrador, ao deixar a cama,
inferno de uma revolta em Padstow", escreveu um fidalgo de Bodmin em 1773, Descobre o enorme celeiro tão vazio quanto seu barr~co.' "
com mal disfarçada admiração:
Ameaçava-se destruir. os canais." Os navios eram assaltados nos portos.
Algumas pessoas andaram exagerando na exportação dos cereais [... ]. Setecentos
Em Nook Colliery perto de Ha~erfordwest, os mineiros ameaçaram fechar o es-
ou oitocentos mineiros de estanho foram até lá, e primeiro ofereceram aos comer-
ciantes de cereais dezessete xelins por 24 galões de trigo; mas ao saberem que na- tuário num ponto estreito. Até as barcaças no Severn e Wye não ficaram imunes
da receberiam, arrombaram imediatamente as portas do.porão e carregaram tudo o aos ataques.77 • •

que lá havia, sem darem nenhum dinheiro ou preço." A indignação também podia se inflamar conti:a negociantes que, por um
compromisso com mercàdos de fora, desbaratavam os suprimentos co:;tumeiros
As exportàções para o estrangeiro subvencionadas eram as que pior ressen- da comunidade local. Em 1795, um agriaultore estalajadeiro rico perto-de Tiver-
timento provocavam em torno da metade do século. O estrangeiro era visto como ton reclamou ao Ministério da Guerrá que ~a'(ia reuniõ~s de amotinados "amea-
alguém que recebia os grãos a preços às vezes mais baixos do que os praticados
no mercado inglês, com a ajuda de uma subvenção paga com impostos i~gleses. (1) Deep groan the waggons with th.eir pond"rous loacisJ A~ their dark course _they bend
Por isso a extrema amargura com que às vezes se atacava o exportador, que era along the roads;/ Wheel following wheel, in dread pr0<;ession ~low/ With halfa harvest, to their
visto como um homem que procurava lucros privados e desonrados às cqstas de points they go [...]/The secret expedition, likéthe night/ That covers its intents, still shuns the light
seu próprio povo. Um negociante de North Yorkshire, a quem mergulharam no [...}/ White 1he po~r ploughn1an. when hê leáves his bedJ Sees the huge bam as empty as his shed.
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168 }69
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çando botar abaixo ou incendiar a sua ca_sa, porque ele recebia manteiga dos Solicita-seque a municipalidade expulse os carregadores do mercado até que os
• fazendeiros e produtores de.leite ~izinhos pãra enviá-la pela carroça que passa cidadãos tenham sido atendidos, "e impeça os açougueiros de mandar a carne
pela sua porta para·[ ...] Londres".'• Em Chudleigh (Devon), no mesmo ano, a embora, a carcaça inteira de uma vez, obrigando-os a retalhar a carne no merca-
multidão destruiu as máquinas de um moleiro que cessara de fornecer farinha à do e a servir primeiro a cidade". A carta informa ao prefeito que mais de trezen-
comunidade local, por ter um contrato de venda de farinha para os biscoitos dos tos cidadãos "positivamente j uraram lealdade mútua com o objetivo de destruir
navios com o Departamento de Vitualhas da Marinha: isso dera origem (diz ele os carregadores"...
11umafrase reveladora) "à i.déia de que pratiquei uma grande infâmia contra a co- Quando os frabalhadores podiam comprar cereais em pequenas parcelas, a
munidade".'• Trinta anos antes, úm grupo de mercadores de Londres achara questão dos pesos e medidas era capaz de despertar sentimentos intensos. No
necessário pedir a proteç~o dos militares para os seus armazéns de queijo ao lon- Evangelho de Lucas, assim somos exortados: "Dai, e ser-vos-á dado, boa medi-
go do rio.Tre~t:
da recalcada, sacudida e transbordando, os homens vos deitarão no regaço". Es-
Os armazéns( ... ], em perigo por causa dos mineiros amotinados, não pertencem a sa não era, infelizmente, a prátip,a de todos os fazendeiros e negociantes na
monopolizadores, mas a um grande grupó de negociantes de queijo, e são absolu- Inglaterra protestante. A promulghção de uma lei de Charles li até concedera ao
tamente necessários para guardar o queijo recebido, a ser transportado até Hull e pobre o direito de agirar a medida, pois tão valiosos eram os cereais do pobre
ali embarcado para Londres."' , que uma folga na medida poderia lhe criar a diferença de um dia sem pão. Ames-
Essas reclamações esião relacionadas com a queixa.já observada, da reti- ma lei tentara, cpm total insucesso, impor a medida Winchester como padrão
rada das merc~dorias do mercado aberto. À med•ida que os negociantes se afas- nacional. Uma grande variedade de medidas, que até variavam dentro das fron-
tavam cada.vez mais de Londres e atendiam com mais freqüência os mercados teiras dos condados de uma cidade de mercado para outra, criava inúmeras opor-
provincianos, eram capazes de oferecer preços e comprar em quantidades que tunidades de pequenos lucros. As antigas medidas erim em geral maiores - às
levavam fazendeiros à impaciência com as pequenas encomendas dos pobres. vezes muito maiores - do que a Winchester; por vezes os fazendeiros ou nego-
"Agora está fo ra dos trâmites dos negócios", escreveu Davies em 1795, "que o ciantes as preferiam, mas com-mais freqüência eram as preferidas dos clientes.
, fazendeiro venda os cereais por alqueire a este ou àquele pobre; exceto em al- Um observador notou que "as camadas mais baixas da população a detestam [a
guns lugares patticulares, como favor, para os seus próprios trabalhadores." E medida Winchester), por causa de seus conteúdos diminutos, e os negociantes
quando os.pobres-mudavam a sua demanda dos grãos para a farinha, a história (... ) in?tigam essa tendência, pois é seu interesse manter toda incerteza a respei-
era muito semelhante: "Nem o moleiro, nein o farinheiro vão vender ao traba- to de pesos e medidas"."
lh,!dornma quantidade ~enor que um saco de farinha pelo preço de varejo nas As tentativas de mudar a medida freqüentemente enfrentavam resistência,
}ojas; e o bolso do pobre raramente permite que ele compre um saco inteiro de e às vezes tumultos. A carta de um mineiro de Clee Hill (Shropshire) a um "ir-
uma só vez".••Por isso, o trabalhador era impeli~o a recorrer às pequenas lojas mão sofredor" declarava:
do v<\fejo, onde os pr!!ÇOS e_ra111 majorados." Os antigos mercados decaíam ou,
onde ainda eram mantidos, mudavam de função. Se um cliente tentasse comprar O Parlamento, vindo em nosso auxílio, para ajudara no~ matar de fome, vai diminuir
'. uni úniao 911eijo ou meia manta de toucinho, escrevia Girdler em 1800, "ele cer- as nossas medidas e pesos de acordo com o padrão mais baixo. Somos cerca de lO
tamente ouvirá um Insulto como resposta,~ o ','.endedor lhe dirá que todo o lote mil com juramento de lealdade mútua e prontos a agir a qualquer momento. E
foi comprado por um forneceçor° de Londres"." gostaríamos que vocês conseguissem armas e cutelos e jurassem lealdade mútua
[... ] Só temos ureia vida a perder, e não vamos morrer de fome[ ...]."
Po.demos tom'ar com'o _exemplo expressivo dessas queixas, que às· vezes
causávam .revoltas, un:ia carta anônima deixada em 1795 junto à porta do Cartas para os agricultores em Northiam (Sussex) alertavam:
•prefeito de Salisbury:
Cavalheiros, o que esperamos é que tomem esta carta como um alerta geral, para
• Cavalheiros da m~nicjpalidade, peçQ_JJue acabem com a prática empregada em que ponham de lado os pequenos alqueires e voltem a adotar a antiga medida,
nossos mertados por trapaceiros e outros carregaélores, prática que só é possível porque senão um grande grupo vai queimar as pequenas medidas. Quando es-
pela liberdacte que os senhores lhes dão de limpar o mercado deixando-o sem n:.- tiverem todos deitados e dormindo, eles vão queimar os seus celeiros e medas, e a
da, aponto de os habitantes não poderem comprar nem um único artigo sem recc r- todos vocês junto[...]."
rer aos 11egociantes, pagando o preço extorsivo que ihes parecer aprbpriado, e e es
até opr.imem o povo, como se as pessoas-não fossem dignas de um olhar. Mas os !u Em 1795, um colaborador de Hampshire nos'Annals of Agriculture explicava
tempo logo chegará ao fim, assim que os soldados saírem da cidade. que os pobres "ficaram com a idéia errada de que o preço dos grãos aumentou

170 171
com a recente alteração do alqueire de nove galões para o Winchester, porque is- Por outro lado, a reputação do moleiro era menos invejável. "A,r;_ando!", excla-
so por acaso aconteceu num momento de aumento de preços do mercado; razão ma Netlie Dean em O morro do~• ventos uivantes: "Amando! Onde já se ouviu
pela qual se paga por oito galões a mesma quantia que se costumava pa~ar por uma coisa dessas? Também posso dizer que egtou amando o moleiro que vem
nove". "Confesso", continua, urna vez por ano comprar o nosso trigo''.,Se ,vamos ?Creditar em tudo o que foi
que tenho uma acentuada preferência pela medida de nove galões, por ser; medi- escrito. sobre ele nesses anos, a histór~a do moleiro pouco mudar.a· ,desde o
da que mais chega perto de um alqueire de farinha; por isso, o pobre se torna capaz Reeve 's tale [Cônto do intendente], de Chaucer. Mas se·o pequeno moleiro ru-
de julgar o que ele deve pagar por um alqueire de farinha, o que, com a medida ral era aCU,.5ado de costumes pitorescamente' mediyvais - pratos d'emasiado
atual, requer mais aritmética do que lhe é dado dominar." grandes de maquia, farinha esco'ndida110 revestimento das pedrás etc. - o seu
congênere mais desenvolvido era acusado de acr~sceiJ.tar peculatos novos e
Ainda assim, as noções aritméticas dos pobres talvez não estivessem tão erra-
muito mais émpreendedores: · '
das. As mudanças nas medidas, como as mudanças no sistema monetário deci-
mal, por algum passe de mágica tendem a prejudicar o consumidor. Pois a'n1es ele sei ro;,bava com gentileza,
• • • I '

Se (no final do século) os pobres compravam menos cereais no mercado A:fas agora era'es~'lmdalosamenre ladrão."'
aberto, esse fato também apontava o, aumento de importância do moleiro. Ao Nuq1 extremo, ainda temos o pequeno m'oinho rurál, cobrando a maquia de
longo de muitos séculos, o moleiro ocupa no folclore popular um lugar tão in- acordo com o costume. Ela podia ser tomada ~m farinha (sempre da "mêlhor fa-
vejável quanto não invejável. Por um lado, ele tinha a fama de ser um libertino rinha e do ll)ais fino polvilho n? ce_ntro da. canoura'')':· e cqmo ~ proporção con-
fabu losamente bem-sucedido, cujas proezas \àlvez ainda sejam perpetuadas tinuava ·a ínesma, fosse qual fosse a flu,t~.ação nos preç0s; o moleiro saía
num significado em vernáculo da palavra "moer" [grinding]. Talvez a con- ganhando se.os preços estava.m altos. ~m torno dos pequehos moinhos qve co-
veniência do moinho da aldeia, enfiado num canto isolado do rio, aonde as mu- bravam tributos (mesmo quando a mà.quia fora substituída por pagamentos em'
lheres e as donzelas levavam seus cereais para moer; talvez igualmente o seu dinheiro) ~ ultiplicavam-se as qu_eixas, e ~avill tentativas' jntérn\itentes de re-
domínio sobre o_s meios de sustento; talvez o seu status na aldeia, o que o torna- gulá-los."º _Como os moleir.os entravam cada vez tnais no comércio, ou então
va um bom partrdo - tudo isso pode ter contribuído para a lenda: moíam os cereais por sua própria éonta para os padeirós, eles tinham pouço tem-
Uma moça viva, tão viva e alegre po para os pequenos clientes (com· um ou dois sacos de trigo respigado). Por is-
· Ela foi ao moinho certo dia so, a demora era intermináyel. Igualmente par essa razão, quando entregue, a
[... ) farinha pçidia ser o produto de outros g~ãos, bem i,nfe~iores. (Reclamava-se que
Olhe, um celamim de Trigo para moer. alguns moleiros comp(avam trigo estragàd,o pela metalie do preço, que eles en-
S6 posso ficar pouco tempo. tão mistutavam com o trigo de se.us clientes.)" Com o passar do século, a adap-
Venha se sentar, minha bela e doce amada, tação de muitos moinhds para fins ind~sttjais,deu aos pequenos moinhos ainda
Receio não poder moer o seu trigo. existentes uma posição mais vantajosa. Em 179.6, as queixas repercutiam ~anto
A minha pedra está alta e a minha água baixa, a pontq de autorizar Sir Francis Bassett a ~p·resentaro projeto de lei MJ/ler's toll,
Não posso moer, pois o moinho não anda. que tinha como objetivo regular de'forma mais rigorosa as suas prátiças, pesos
Então ela se sentou sobre um saco
e medidas.•2 , '
E eles falaram disso e falaram daquilo
Falaram de amor, que provou ser gen1il,
Mas esses pequenos moleiros eram naturalme:nte a arraia-miúda do século
Ela logo descobriu que o moinho moía[... ]'""' xv111. Os grandes moleiros do vale do Tâmisa~ das gralldes cidades constituíam
uma espécie éliferente de empresários, que negociava f~rinha e m~lte em grande
(11) A brisk young lass so brisk and gay/ She wem unto the mill one day [...]/ There"s a
escala. Os moleiros estavam fora do ~egulamento dó Pão, podendo repassar
peck of com ali for to grind/ 1 can but stay a little time./ Come sit you down my sweet preny imediatamente qualquer aumento no preço dos cer~ais para o consumidor. Não
dear/ 1 cannot grind your com I fear/ My stones is high and my water low/ l cannot grind for tão reconhecidas, no século xv111, a Inglaterra também teve suas b_analités, in-
the mill won"t go./ Then she sat down ali on a sack/ Toei talked of this and 1hey 1alked .o f that/
They 1alked of !ove. of !ove proved kind/ She soon foun1 out 1he mill would grind [...] ·_' (111) For 1her-_bifom he stal but cuneisly.l Bu1 n?w he 'was; thief ou1rageously.

172 173
clusive aquelas relíquias extraordinárias, os moinhos com direitos senhoriais multidão. Havia certamente um grande número de pequenos tumultos diante das
' [soke mJlls], que exerciam um monopólio absolu\o da moagem dos grãos (e da
padarias, e a multidão com bastante freqüência "fixava o preço" do pão. Mas, ao
venda da farinha) em "importantes ce,ntros manufatureiros, como Manchester, contrário de todos os outros que lidavam com as necessidades do povo (senhor
Bradford e Leed~.9-' Ná maioria dos casos, os senhores detentores dos direitos das terras, fazendeiro, negociante, carregador, moleiro), o padeiro (cuja atividade
vendiam-nos ou arrendavam-nos a especuladores p~ivados. Muito tempe~tuosa
em tempos de preços altos dificilmente seria invejável) estava em contato diário
foi a histqria dos School Mills em Manchester, cujos direitos senhoriais foram
com o consumidor; e, mais do que qualquer um dos outros, ele tinha a proteção
concedidos como dotação de ~aridade para sustentar uma escola secundária.
da parafernália visível do paternalismo. O Regulamento do Pão limitava clara e
Doí~ arrendadores impopulares d'os direitos inspiraram, em 1737, os versos do
dr. Byrom: · · · · publicamente os seus lucros legais (com isso tendendo a deixar o comércio do
pão nas mãos de inúmeros pequenos negociantes com pouco capital), e assim os
Pele e Osso, dois moleiros magro;, protegia, em certa medida, da fúria popular. Até Charles Smith, o representante
· Querein matar de fome a cidade, ou quase; competente do livre comércio, achava que a continuação do regulamento era con-
Mas que se diga bem qltb, a Pele e Osso,
veniente: "em grandes centros e cidades, sempre será necessário estabelecer o
Que a Carn'e e o Sangue não àgüentarão.'v
regulamento, llªra dar satisfações ao povo de que o preço cobrado pelos padeiros
, ·,Quapdo, em_1757; qovós ái;endadores·procurararn proibir a importação de fa- não é superiorlao que os magistrados acham razoável".97
rinha para 'a cresçente cidade, enquanto ao mesmo tempo geriam os seus moi- O efeito psicológico do regµ)amento era, portanto, considerável. O padeiro
nhos (era'o que se alegava) praticando extorsffeo e demora de entrega, a carne e o só podia ter esperanças de ter um rendimento maior que a remuneração calcula-
0

· sangue. tealmynte não agüentaram 'mais. Na famosa "Luta de Shude.-Hill" da no regulamento lançando mão de pequenos estratagemas, alguns dos quais
daquele ano;.pelo menos qúa\rp homens foram ?~atidos a tiros de mosquetes, - o pão com menos péso, a adulteração, a mistura de farinha barata e estragada
mas ós direi'tos sennor1ais foram finalmente rompiaos.9' Mas até quando não - estavam sujeitos à reparação legal ou à retaliação imediata da multidão. Na
apresentava nenhum diryÚo 'senhorial·, um mo1.nho podia dominar uma comu- realidade, o p~deiro às vezes precisava cuidar de suas relações públicas, até a
nidad~ pogulosa'e provocar a fúria do povo por um aumento repentino no·preço ponto de recrutar a multidão para defendê-lo: quando Hannah Pain, de Kette-
da farinha o,u uma evidente deterioração na sua qualidade. Os moinhos foram os ring,-reclamou aos j uízes do peso do pão, o padeiro "insuflou a turba contra ela
' alvos visíveis e tangív~is de a)guns dos motins urbanos mais sérios do século. (...) e disse que ela merecia ser chicoteada, pois já havia bastante escória raste-
Os Al~ion MiÚs em.Bla~kfriars Bridge (os primeiros moinhos a vapor de Lon- jante sobre a Terra".~• Durante todo o século, muitas corporações faziam alarde
~res) eram geridos por uma associação quase· filantrópica; entretanto, quando de supervisionar os pesos e as medidas, bem como de punir os infratores.99 O
eles ca(ram em chamas em 1791, os \ondrinos dançaram e cantaram de alegria "juiz Overdo" de Ben Johnson ainda atuava nas ruas de Reading, Coventry ou
nas rua~.9' O pri~eiro mo/nho a vaporem Birmingham (Snow Hill) não teve me- Londres: "Sim, entrem em toda cervejaria, e desçam a todo porão; meçam o
lhor sorte, pois foi alvo de um grande ataque em 1795. comprimento dos pudins (...] pesem os pães no seu dedo médio (...) dêem os
, À primeira vista pode parecer curioso que tanto os negociantes co.mo os pudins aos pobres, o pão aos famintos, os cremes às crianças". Seguindo essa
• moleiros continuassem a estar yntre os objetivos dos motins no final do século, tradição, encontramos em 1795 um magistrado de Londres que, ao se deparar
pois a essa altura enimuitas partes élas Midlands e do Sul (e certamente nas áreas com uma cena de motim em Seven Dials, onde a multidão já estava demolindo
urb'anas) os trabalhadores já tinham se acostumado a comprar nas padarias, em uma padaria acusada de vender pão com peso indevido, interveio: pegou o es-
vez de comprar grãos e farinha na praça do mercado. Não temos informações su- toque do padeiro, pesou os pães e, descobrindo que realmente pesavam menos
ficientes' para' m~pear a mudança com exatidão, e certamente ainda muito pão do que deviam, distribuiu os pã~s entre a multidão. '00
continµava a ser feito em casa.96 Mas mesmo nos lugares em que a mudança foi Sem dúyida, os padeiros que conheciam seus fregueses às vezes sequei-
completa, não se deve subestimar a sofisticação da situação e dos objetivos da xavam de nada poder fazer para baixar os preços, e encaminhavam a multidão
1
para o moinho ou para o mercado de cereais. "Depois de saq uearem muitas
(1v) Bone anq Skin, Jwo millers thin,/ Would starve the town, or near it;/ But be it known, padarias", comentava o moleiro de Snow Hill, Birmingham, sobre o ataque de
to Skin and Bone,I That Ftesh and Blood can"t bear it.
1795, "eles se voltaram em grandes números contra nós[ ...]."'º' Mas em muitos

174
175
' .

casos a multidão claramente selecionava os seus alvos, evitando de propósito os


. .
Eles ent~o podiam dar ordens aos fazendeiros para mandar "quantidades con-
padeiros. Assim, em 1740, em Norwich, o povo "foi a toda padaria na cidade, venie~tes" ao mercado pará serem vendidas "a preço razoável". Os juízes ainpa
afixando uma n_ota na porta com as seguintes palavras: Quatro alqueires lÍe trigo tinham autorização para "fixar um certo pre'Ço pelo alqueire de todo tipo de
a dezesseis xelins". No mesmo ano, em Wisbech, eles obrigaram "os mer~_adores grão"."" A rainha e seu conselho opinavam que os pre~os altos eram em parte
a vender trigo a quatro pence por alqueire[...] não só para eles, más também para devidos aos açambarcadores, em parte ao "dese,jo ganancioso" dos que cultivam
os padeiros, pois nas padarias eles regulavam o peso e o preço do pão"."" cereais que "não se·contentarri com ganhos moderadcs,,mas procuram e i(lven-
Mas a essa altura é evidente que estamos lidando com um padrão muito tam meios de mánter os preços altos co~.a manifesta O?ressão das camadas mais
mais complexo de ação do que aquele que se pode explicar satisfatoriamente pe- pobres". As·ordens deviam ser executadas "sem nenhuma parcialidade, sem
lo enfrentamento entre o populacho e determinados moleiros, negociantes ou poupar ninguém"."~ .
padeiros. É necessário adquirir uma visão mai1 ampla das ações da multidão. Na essência, portanto, o Book of orders autorizava os magistrados (com
a ajuda dos júris locais) a inspecionar os est9ques de cereais nos depósitos e
celeiros; ••1 a especificar as quantidades a serem enviad?S ao mercado; e a im-
V por com severidade toda parte da legislação relativa ao mercado, às licenças-e
às compras antecipadas. Não se devia vender nenhum grão de cereal a não ser
Tem-se sugerido que o termo "motim" é uma ferramenta de análise pouco no mercado aberto, "a menos que fosse para alguns pobres a'rtesãos, ou dia-
afiada para tantas queixas e motivos particulares. É igualmente um termo im- ristas, dentro da paróquia em que r~si?em os produt.cres de grãos, pessoas que
preciso para descrever a ação popular. Se procuramos a forma cpracterística da não podem convenientemente ir até as cidades-merc~dos". As orde,ns de 1630
1
ação popular, não devemos considerar bate-bocas j1:!_nto às padarias de Londres, não autorizavam explicitamente os.juízes a fixar o préço, mas mandavam-nos
nem mesmo as grandes contendas provocadas pelo descontentament.o com os cuidar do mercado e assegurar que os pobres fossem "àbastecidos•dos cereais
grandes moleiros, mas as "rebeliões do povo" (especialmente em 1740, 1756, necessários [... ) pelos preços mais favoráveis que se pude~se obter por meio
1766, 1795 e 1800) nas quais se destacaram os mineiros de carvão, os mineiros da persuasão honesta dos juízes:•. O poder de fixar o P;eço dos grãos e da fa-
de estanho, os tecelões e os trabalhadores das malharias. O notável sobre essas rinha ficava, numa emergência, a meio ca~inho çntre a imposição e, a per-
"insurreições" é, primeiro, a sua disciplina, e, segundo, o fato de mostrarem um suasão. 11•· ,

padrão_Q_e c·ompcirtamehto cuja origem devemos buscar centenas de anos antes; Essa legislação de emergência estava cain90 em desuso <lutante as Guer-
-- u-rii padrão que se torna mais, e não menos, sofisticado no século xvm; que se ras Civis.'º' Mas a memória popular, especialmente ouma socieda~e pré-alfa-
repete, aparentemente de forma espontâne1, em diferentes partes do país e de- betizada é extraordinariamente dun/dour~. Não M '.nuita dúvida de que úma
pois da passagem de muitos anos tranqüilos. A ação central nesse padrão não é tradição direta se estende do Book of orders de 1630 às ações dos roupeiros em
o saque dos celeiros, nem o furto de grãos e farinha, mas "fixar o preço".
O extraordinário sobre esse padrão é que ele reproduz, às vezes com grande º e .no Oeste no século xv111. (Os alfabetizados·têm memórias igual-
East AnoJia
mente duradouras: o próprio Book of orders foi republica<lo, n,uma edição não
precisão, as medidas de emergência em tempos de escassez, cuja operação, nos oficial em 1662, é depois novamente ~m 1758, co111.um discurso preliminar ao
anos eritre 1580 e 1630, foi codificada no Book of orders. Essas medidas de leitor sobre a presente "combinação perversa para se_criar escassez".)'º'
emergência foram empregadas nas épocas de carestia nos últimos anos de Eli- As próprias ordens eram em parte um~ ~espose~~ pressão dos·pobres:
zabeth, e acionadas, numa forma um tanto revisada, no reinado de Charles 1, em
1630. No reinado de Elizabeth, os magistrados eram solicitados a cuidar dos Os cereais estão muito caro,~
mercados locais, Me pergunto se muitos vão morrer de fome este ano~•

e quando descobrir que são levadas quantidades insuficientes para suprir e servir Assim rezava um aviso de versos de pé-q'uebrado afixc1do no pórtico da igreja na
os ditos mercados e especialmente os mais pobres, você deve acorrer logo às casas paróquia de Wye (Kent) em 1630: ·
dos fazendeiros e de outros que cultivam a terra[... ] para ver qual é a reserv'!_e pro-
visão de grãos que eles ainda têm, debulhados u não[ ... ]. . (v) The Come isso dear/ I dout mani will ~tarve this yeare -
1
176 177
Se não cuidarem diszo Eles visitaram fazendeiros, moleiros, padeiros e vendedores ambulantes, e vende-
Alguns de vóaês vão.se dar mal. ram cereais, farinha, pão, queijo, manteiga e toucinho pelos preços que eles mes-
A nossa alma é valiosa, mos fixaram. Em geral, dev9lviam o produto [isto é, o dinheiro) aos proprietários
Pelo corpo renham plgum cuidado ou, na sua ausência, deixavam-lhes o dinheiro; e comportavam-se com grande re-
Anzes de subirmos ao céu · gularidade e decência, quando não encontravam resistência, e com insultos e vio-
U_m pouco bastará lência, se havia oposição. Mas saquearam muito pouco, e para evitar esse tipo de
[...] . ação, não deixam que as mulheres e os meninos os acompanhem.
'\k1cês que zêm a sua posição
Depois de visitar os moinhos e mercados ao redor de Gloucester, Stroud e Ciren-
. Çuidem para ~ão desonmr a sua pmjis:,ão [ ... ]vi ""
cester, eles se dividiram em grupos de cinqüenta e cem, e visitaram as aldeias e
Cento e trint? anos mais tarde ( 1768), folhas incendiárias estavam novamente as fazendas, pedindo que os cereais fossem levados ao mercado com preços jus-
send~ pr~gadas nas portas das igrejas (bem como nas tabuletas das estalagens) tos, e arrombando.os celeiros. Um grande grupo se d(rigiu ao próprio xerife:
d_as paróquias dentro do mesmo distrito administrativo de Scray em Kent, inci- abaixaram os cacetes enquanto ele lhes falava sobre as suas contravenções, es-
tando.eis p_obres a se rebelar."" Podem-se observar muitas dessa~ continuidades cutaram com paciência, "gritara1 alegremente Deus, Salve o Rei", e depois to-
de ação, -embora o padrão de ação direta certamente se espalhasse para novos dos pegaram os cacetes e retomaram o trabalho de fixar os preços. O movimento
distritos no século xv111. Em muitas ações, especialmente nas antigas regiões teve as características de uma greve geral em todo o distrito produtor de tecidos:
man4fatureiras do Leste e do Oeste, a multidão reélamava que, como as autori- "os amotinados entram em nossas oficinas [... ] e obrigam todQ~ os homens,
dades se recusavam a exe.cutar "as leis", ela é que çinha de executá-las. Em 1693, querendo ou não, a sair e a se juntar a eles".11 2
em B,a,nbury e Chipping Norton, a mul tidão "tirqu os cereais das carroças à Essa foi uma ação inusitadamente disciplinada e de grande escala. Mas os
força quando esses estavam sendo carregados pelos açambarcadores, dizendo relatos nos apontam características repetidamente encontradas. Por exemplo, o
movimento da n\ultidão, deslocando-se da praça do mercado para fora da vila e
que estava.decidida a executar a lei, uma vez que os magistrados a negligencia-
indo até os moinpos, e dali (como no Book oforders) para as fazendas, onde ins-
vam"."' J?urante as extensas desordens no Oeste em 1766, o xerife de Glouces-
pecionavam os estoques e mandavam os fazendeiros vender os grãos no merca-
tershire, um fabricante de roupas, não conseguia disfarçar seu respeito pelos
do ao-preço por eles ditado- tudo isso é comumente encontrado. Às vezes essa
a~otinados q~e
ação se fazia acompanhar da tradicional rondá de visitas às casas dos poderosos,
'se dirigiam[...] a uma casa de fazenda e educadamente pediam que os donos debu- em busca de contribuições, forçadas ou voluntárias. Em Norwich, em 1740, de-
!has_sem e'levassem seu trigo ao mercado, ve~dendo-o por cinco xelins o alqueire. pois de forçar a queda dos preços na cidade, e tendo se apoderado de uma bar-
Obtida essa promessa, e eles tendo recebido algumas provisões não solicitadas, caça carregada com trigo e centeio no rio, a multidão solicitou contribuições dos
partiam serp a menor violência ou delito. ricos da cidade:
Se lem0s outras p;issagens dos relatos do xeri(e, podemos ençontrar a De manhã cedo na quinta-feira, ao som de trompas, eles se encontraram de novo;
maioria das car~cterísticas verificadas nessas ações: :'Na sexta-feira pa~sada, ao e depois de curta confabulação, dividiram-se em grupos e saíram marchando da
~9ar das \rompas, uma turba se rebelou nessa região, composta inteirarriente das cidade por diferentes portões, com uma longa flâmula à sua frente, com a intenção
camadas mais'ba1xas. da população, coino os tecelões, os mecânicos, os traba- de visitar os fidalgos e fazendeiros das aldeias vizinh;is, a fim de extorquir deles di-·
lhadores, os apre~dizes e o's garotos etc.[... ]". "Eles seguiram para urr: moinho nheiro, cerveja etc. Em muitos lugares, onde a generosidade das pessoas não cor-
respondia às suas expectativas, diz-se que mostravam o seu ressentimento
de cer~ais pe~to da:cidade [... ] cortando os sacos d~ farinha e dando, carregando
pisoteando o trigo nos campos[...].
, e destru indo·os cereájs etc." Depois cúidaram dos principais mercados; fixando
o preço dos grãos. Três dias mais tarde, ele enviou qutro relatório: Multidões errantes estiveram em ação nesse ano, especialmente em Durham e
Northumberland, West Riding e várias regiões do Norte do País de Gales. As
· (\<1) I.f you see not to 1his( Sum o,f you wilf speed amjs./ Our souls they are dear.l For our manifestações contra a exportação, que começaram em Dewsbury (abril de
b,odys h'ave sume cea_re/ Before _we arise/ Less will safise [ ... ]/ You that are ser in place/ See that 1740), eram lideradas por um tocador de tambor e "uma espécie de emblema ou
yo~1re profesion you doe no1 di~grace [ ...] bandeira"; os manifestantes percorriam o circuito regular dos moinhos tocais,

178 179
1 • ',

destruindo as máquinas, cortando sacos e carregando grãos e farinha. Em 1766, pence por- libr, [... ], embora o p°reço comum cobrado pelos' especuladores fosse
uma multidão errante no vale do Tâmisa deu a si mesma o nome de "ps regu- bem mais que.dez pence.'" · ·
ladores"; um fazendeiro aterrorizado permitiu que eles dormissem so6re a pa-
Seria tolice sugerir que, com uma"brecha tão g~a~deno baluarte da defe~ên-
lha no seu pátio, e "escutou de seu quarto que eles comentavam entre si a quem
cia, muitos não apr.oveitassem a oportunidade para carregar merc.adorias sem
haviam incutido mais medo, e onde tiveram mais sucesso". O padrão continua
pagar. Mas há ab!.,ndante evidência em contrário, e "parte dessas provas é sur-
na década de 1790: em Ellesmere (Shropshire), a multidão interceptava o trigo
preendente. Por exemplo, em r766, os arrendatários em Honi,ton que, tendo
que seguia para os moinhos e ameaçava os fazendeiros individualmente; na flo-
tomado cereais dos fazendeiros e vendido o produto a preço popular no mercado,
resta de Dean, os mineiros visitavam os moinhos e as casas dos fazendeiros, e
devolveram a eles não só o dinheiro, mas'também os sacos; em 1800, a multidão
exigiam dinheiro "das pessoas que encontravam na estrada"; na região oeste da
de Oldham que fez racionamento de cereais, dando a cada comprador apenas dois
Cornualha, os mineiros de estanho visitavam as fazendas com um laço numa das celamins por cabeça; e as muitas vezes em gue ca·rroças foram interceptadas nas
mãos, e um acordo para levar o trigo ao mercado a preços reduzidos na outra. "J estradas, seus conteúdos vendidos, e o dinheiro confiado ao carrcceiro.' ,s
O extraordinário é mais a moderação d1 que a desordem; e não há dúvida Aléqi disso, nos casos em que as mer.cacjorias eram tomadas sem paga-
de que as ações eram aprovadas por um esmagador consenso popular. Havia ili mento, ou em que se cometia violência, é prudente investigar se não há nenhum
íi!
uma convicção profundamente arraigada de que os preços deviam ser regulados iíl.iJ agravante particular rio caso. Essa distinção é estabele~ida no rel2to de urna ação
em tempos de escassez, e de que o aproveitador se excluía da sociedade. De vez ~
em Portsea (Hampshire), em 1795. A multidão pri111eiro ofereceu aos padeiros
em quando, a multidão tentava recrutar, pela persuasão ou pela força, um ma- e açougueiros o preço popular: "aqueles que aceitaram cumprir essa exigência
gistrado, o delegado da paróquia ou uma figura de autoridade, para que pre- foram escrupulosamente pagos". Mas os que se.recusaram a pagar tiver,m as
sidisse à taxation populaire. Em 1766, em Drayton (Oxfordshire), alguns suas lojas saqueadas "recebendo aperyis o dinheiro que a turba resolveu deixar".
membros da multidão foram à casa de John Lyfrod e '~1!1e perguntaram se ele era Noutro caso no mesmo ~no, os trabalhadores nas pedreiras em Port Isaac t Cor-
o delegado - quando ele respondeu que 'sim', disseram que ele devia acom- nualha) tomaram a cevada armazenadp para exportação, paga11do o preço razoa-
panhá-los até a Cruz, para receber o dinheiro por três sacos d~ farinha que eles velmente elevado de onze xelins por alqueirt, ao 1)1esrno tempo que avisavam o
tinham tomado de uma certa Betty Smith e que venderiam por cinco xelins o proprietário de que "se ele resolvesse embarcar o resta~te, voltariam e levariam
alqueire"; a mesma multidão recrutou o delegado de Abingdon para o mesmo tudo sem lhe dar nenhuma compensação". É muito freqüente nas ações o moti-
serviço. O delegado de Handborough (também em Oxfordshire) foi recrutado vo da punição eda vingança. O grande tumulto em Newcastle em i 740, quando
_d_e forma ·sernelliante em 1795; a multidão fixou o preço - bem alto - de mineiros e trabalhadores das barcaças in~adiram a sede da Prefeitura, des-
quarenta xelins por saco para uma carroça de farinha que fora interceptada, e o truíram os livros municipais, distribuíram o dinheiro da cidade, e atiraram pe-
dinheiro de pelo menos quinze sacos foi entregue nas suas mãos. Na ilha de Ely, dras e barro nos edis, só veio a acon;ecer depois de dois agravantes: primeiro, o
no mesmo ano, "a turba insistiu em comprar carne a quatro pence por libra, e de- rompimento do acordo que fixava os preços ·dos grã0s entre os IJderes dos
sejava que o sr. Gardner, um magistrado, supervisionasse a venda, assim como mineiros e os mercadores-(quando um edil de~empenholl o papel de árbitro); se-
o prefeito fizera em Cambridge no sábado anterior". Ainda em 1795, as milícias gundo, as autoridades em pânico abriram, fogo contra a multidão do altQ dos de-
ou tropas regulares em várias ocasiões supervisionaram vendas forçadas às graus da sede dá Prefeitura. Numa casa em <;,loucestershire em 17~6, foram
vezes· na ponta da baioneta, os oficiais olhando fixamente para o outro lado. disparados ,tiros contra a multidão, o que (escreve o ~erife) "lhes causou grande
Uma operação combinada de soldados e povo forçou o prefeito de Chichester indignação, e eles reagiram entra'ndo à força na casa, ·destruindo roda a mobília,
a concordar em fixar o preço do pão. Em Wells, os homens do 122° Regimento as janelas etc. e destelhando-a parciálmente; declara,ranYdepois que se arrepen-
começaram deram muito·desse ato, porque não for.a o dond da casa (ausente na ocasião) que
por vaiar aqueles que eles diziam ser os que!compravam antecipadamente ou es- atirara contra eles". Em .J 795, os mineiros de estanho armaram um ataque con-
peculavam com a manteiga, a quem caçaram em diferentes partes d<! cidade. tra um mercador de Penryn (Cornualh~?. contrata.do para 'lhes fornecer cevada,
Apoderaram-se da manteiga-reuniram-na num só lugar-colocaram sentinelas mas que mandara orãos éstraoados egerminados. Quando os moiHhos eram ata-
para guardá-la - depois a lançarpm e misturaram numa tina - e mais;tarde di- cados e as.suas máquinas da;ficadas, era fr~qüentern;~te para dar um a,lerta de
vidiram a massa, pesaram os pedaços na balança e venderam-nos ao preç'b de oito longa duração ou para punir algumà prá.tica n9tória. "',. '
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180 1-81
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Na verdade, se q'uisermos questionar? visão espasmódica e unilinear dos pobres tinham suas próprias fontes de informação. Eles trabalhavam nas docas.
motim:--da'fome, basta apontar esse moti-10 contínuo_da intimidação popular, Deslocavam os batelões nos canais. Dirigiam as carroças e ipanejavam as bar-
quando homens e mulheres, quase a ponto de morrer de fome, ainda assim não reiras de portagem. Trabalhavam nos moinhos e nos celeiros. Muitas vezes
atacavam os fl10inhos e os celeiros para roubar alimento.s, mas para punir os pro- conheciam bem melhor os fatos locais do que a gentry; em várias ações, diri-
prietários. Reiteradas vezes, os cereais ou a farinha eram espalhados ao longo das giam-se certeiramente aos estoques escondidos de grãos, que os juízes de paz de
estradas e das sebes1 despejados no ,rio, as máquinas do moinho eram danificadas, boa-fé negavam existir. Se os boatos freqüentemente ultrapassavam todos os li-
e a~ suas represas escoadas. Aos exemplos desse comportamento, as autoridades mites, sempre tinham raízes em pelo menos algum fu ndamento precário de rea-
reagiam com indignação e espanto. Era sintomático (assim lhes parecia) do esta- lidade. Os pobres sabiam que a única maneira de forçar os ricos a ceder era
do de espírito "desvairado" e perturbado de um povo com.o cérebro inflamado torcendo-lhes o braço.
pela fome. Ein J795, tanto o presidente do tribunal como Arthur Young deram
palest'ras pàra os pobres, m"ostrando que a destruição dos grãos não era a melhor
maneira de aumentar o suprimento de pão. Hannah Móre contribuiu com uma pe- VI
quena homilia. Um versejador anônimo de 1800 nos dá um exemplo bem mais
vívido dessas' admoestações às camadas mais baixas da população: Quem começava os motins era, com bastante freqüência, as mulheres.
Quando com os amigos do campo passais o tempo,
Sabemos que em 1693, um grande número de mulheres foi ao mercado de
E esvaziais, como de costume, o copo sempre cheio, Northampton, "com facas enfiadas nas cintas para forçar seus próprios preços
Quando todos ficam alegres, se por acaso escutardes na venda de cereais" . Num moti m contra a exportação, em 1737, em Poole
"Q~e são os açambarcadores que encarecerr; os cereais; (Dorset), relata-se: "A multidão consiste em muitas mulheres, e nos homens que
"Que todos devem e vão ter pão; pois já estão cheios lhes dão apoio,! todos juram que se alguém molestar uma das mulheres com
"De arroz e sopa, e de toda essa comida·papa: suas atitudes, vao sublevar um grande número de homens e destruir tanto os
"Que vão se servir do que quiserem: e lutara mais não poder navios como as cargas". A turba foi incitada a se rebelar em Stockton (Durham),
"Para se vingar de todos os patifes dos grãos": em 1740, por uma "dama com uma vara e uma trompa". Em Haverfordwest
John jura que lutará enquanto tiverforças, (Pembroke), em 1795, um anti9uado juiz de paz que tentava, com a ajuda de seu
"É melhor ser enforcado que morrer de fome: curador, combater os mineiros de ,c;arvão, reclamou que "as mulheres estavam
"Vai queimçr o celeiro do fidalgo Hoa.rdum, ora se vai,
assumindo ares de homens, e-eram.perfeitas fúrias. Recebi uns golpes de algu-
"E,iforcar o velho Filchbag e destruir o seu moinho ".
mas delas nas costas[... ]". Um jornal de Birmingham descreveu os protestos de
Agorá qua'!do preparam o garfo e o forcado
Snow Hill como a ação de "uma ralé instigada por mulheres furiosas". Em
E todas as ferramentas da guerra rústica
. ' [...]
dúzias de casos, a história é sempre a mesma - as mulheres atacando um nego-
Dizei-lhes dos males que acompan/iam os atos ilícitos ciante impopular com as suas próprias batatas, ou combinando astuciosamente
Atos que nascem_da cólera e terminam em triste_zas, a fúria com o cálculo de que eram um pouco mais imunes do que os homens à re-
Dizei-lhes que incendiar•celeiros e destruir moinhos taliação das autoridades: "as mulheres falavam ..aos homens comuns", dizia o
Não produz c~reais, nem enche barrigas.vu '" magistrado de Haverfordwest a respeito dos soldados, "que sabiam que no fun-
do eles lhes queriam bem e não lhes causariam dano".' "
Ma,;, ~s pobres eram realmente tão \olos? ~uspeita-se que os moleiros e os
'negoóantes, que mantinhafI1 um olho vigilante no povo e o outro na maximiza-
ção ,de.seus ganhos,.sabiâ~ mais que os poetastros em seus escritoires. Pois os on ali such rogues in grain'':/ John swears he"ll fight as longas he has breath,/ "Twere bener to
be hang"d that starv"d to death:/ "He"ll bum Squire Hoardum"s gamer, so he will,/ "Tuck up
(\/11) When witp your country,Friends your hours you passj And take, as oft you··re wont, old Filchbag, and pull down his mill"./ Now when the Prong and Pitchfork they prepare/ And
the copious glassJ When ali grow mellow, if perchance you hear/ "That "tis th" Engrossers make all the implements of rustick war [ ...]/ Tel1 them what il_ls unlawful deeds attend,/ Deeds, which
tHe com so dear;) "They musi and will have bread; they"ve had enough/ "Of Rice and Soup, and in wrath begun, and sorrow end./ That buming bams, and pulling down a mill.l Will neilher com
all {hat ~qu 9shy stuff:/ "They"II help themselves: and strive by night and main/ "To be reveng"d produce, nor bellies fill.

182 183
. Essas mulheres parecem pertencer à pré-história de seu sexo antes da Que- O propri.etário (um "pequ;no produtor ruril") por fim co~cor~ou: "Se t~n;i de ser
da, não tendo consciência de que ainda deviam esperar uns duzentos ~hos pela assim, entãü" }. esse o preço". O procedimento da negociação forçada pode ser
sua liberação_. (Em 1807, Southey escrevia um lugar-comum: "As muili'eres são visto com ig;ual clareza no depoimento de Thoma6 Smith 1 padeiro, que' entrou a
mais inclinadas à rebelião; elas têm menos medo da lei, em parte porignorân- cavalo em Hc.dstock Essex com pão nos seus cestos Ü795). Ele foi abordado na
cia, em parte porque tiram partido do privilégio de seu sexo, e por isso ê"m todos rua da vila pc-r quarenta ou mais mulheres e crianças, Um.a das mulheres (a es-
os tumultos públicos elas são as primeiras em violência e ferocidade".)"' Eram posa de um tmbalhador) deteve o seu cavalo "e ao lhe perguntar se o preço do
naturalmente as mais envolvidas com as negociações face a face no mercado, as pão tinha abz;x'ado, ele.respondeu q~e não tinha ordens dos mo leiros para
mais sensíveis ao significado dos preços, as mais experientes em detectar peso abaixar o preço, e ela então lhe.disse: 'Por-Deus, ~e você não abaixar o preço,
insuficiente ou qualidade inferior. É provável que as mulheres muito freqüente- não vai vender nenhum pão na cida·de [, .. ]'". Várias pessoas na mulridão então
mente precipitassem as ações espontâneas. Mas outras ações eram preparadas oferecerar,n nove pence por um quarto de pão, enqu;~to ele pedia dezenove
com mais cuidado. Às vezes se pregavam avisos nas portas da igreja ou da esta- pence. Eles então "juraram que, se éle não coi;icordass'e em vender um pão por
lagem. Em 1740, "um jogo de fu_tebol foi anunciado em Kettering com qui- nove pence, 1:ries o tomariam, e ~nte~ que ele pudesse ciar oµtra ~~sposta, várias
nhentos homens de um lado, mas o objetivq era destruir os moinhos de Lady pessoas que'estavam ao-seu redor tiraram vár\9s pães da sua s~la'[. .. ]". Só então
Betey Jesmaine". No final do século, a distribuição de avisos manuscritos pode é que Smith c,Óncordou em vepder o p~o a novt pence. A n'egoc::iação ~ra bem
ter se tornado mais comum. De Wakefield (Yorkshire), 1795: compreendida por ambos os lados; e ds varejistas, que tinham de conservar os
Avise-se seus fregueses tanto nos anos de far!,Ura com9 nos.anos de esé~ssez,' capitulavam
A todas as mulheres e habitantes de Wakefield, que todos estão convidados a se freqüentemy~te ao primeiro sinal d~ turbulêncià"da i;nultidão. m
reunir na Igreja Nova[... ) na próxima sexta-feira às nove horas [... ] para fixar o Em distúrbios de maior escala', depois de formadÓ o núcleo da multi<;lão, o
0

preço dos cereais[... ] restante era freqüe ntemente insuflado pelas trompas ou pclos tambores. "Se-
A pedido dos habitantes de Halifax gunda-feira passada'\ começ~ a'carta de ~m magistrado de Shropshire em 1756,
que ali se reunirão com todos "os mineiros de carvão de Broseley etc. r.euniram-se ao s.om das trompas e mar-
De Stratton (Cornualha), 1801: charam pa~a o mercado .de Wenlock [...J.":Qpont~ de~isivo era a formação de
um núcleo ·decidido. O papel proeminente dos mineiros não se eKplica apenas
A todos os trabalhadores e comerciantes no condado de Stratton que desejam sal- pela sua "virilidade",.nerh pela sua particul~r ~xposição à çxploraçãb dos con-
y.ar·suas esposas e filhos do destino terrível de MORRER DE FOME imposto pelos sumidores, rrlas também pelo número de seu contingente e peia disciplina nl)tu-
fazendeiros insensíveis e opressores[ ... ]. Reúnam-se todos imediatamente e ral da comunidade mineira. "Na manhã de quinta-feira", depôs' em 1,740 John
marchem em terrível formação para as casas dos fazendeiros opressores. Forcem-
Todd, mineiro da mina: de Heaton, Gatesh~ad, "na hora da mudança do,turno da
nos a vender os seus cereais no mercado, a um preço justo e razoável[ ... ]."º
noite", seus colegas mineiros, "uns sessenta .ou oitynta, pararam o sarilho ê!a
A ação espontânea e de pequena escala podia nascer de uma vaia ou rezin- máquina no poço da mina [...] e foi proposto que se dirigissem a Newcastle para
ga ritualizada na frente das lojas de varejo;"' da interceptação de uma carroça de fixar os preços dos cereais[... )." Quando vieram da inirta de Nook para Haver-
grãos ou farinha que passava por um centro populoso; ou da simples reunião de uma fordwest em 1795 (o magistrado relata que seú cura<;lor lhe disse: "Doutor, os
multidão ameaçadora. Com grande rapidez desenvolvia-se uma situação de ne- mineiros estão chegando[ ... ] Levantei os, olhos.e vi uma
,. grande mÚltidão d'e ho-
gociação: o proprietário das provisões sabia muito bem que se não concordasse mens, mulheres e crianças armados com cacetes de carvalho, descendo a rua e
voluntariamente com o preço imposto pela multidão (e sua aquiescência torna- gritando: 'T~dos unidos - Todos unidos"'), os mirn,iros explicaram. mais tarde
va muito difícil qualquer processo subseqüerjte), corria o risco de perder todo o que tinham vindo a pedido dos pobres da cidade, que não tinham coragem de
seu estoque. Quando uma carroça com sacos de trigo e farinha foi i-nterceptada fixar o preço por sua própria conta."' ' ·
em Handborough (Oxfordshire) em l]95, alkumas mulheres subiram no carro A co,mposição ocupacional da multidão não ofen;c,e muitas surpresas. Era
e atiraram os sacos na estrada. "Algumas das pessoas reunidas disseram que (ao que parece) bastante reprnsentativa das ocupações das "camadas inferiores"
dariam quarenta xelins por urri saco de farinha, e que elas queriam e~se preço, e nas áreas amotinadas. Em Witney (Oxfordshit'e), encontramos den,úncias contra
não dariam mais, e que se isso não fosse aceito, elas tomariam a farinha ·à força." um tecelão de cobertores, um alfaiate, a esposa de um estalajad~iro e um criado;

l . J.85
em Saffron Walden (Essex), acusações_contra dois cabresteiros, um cor- gerando nada além de alguns moinhos em ruínas e vítimas nos patíbulos? É uma
dova~eiro, um pedreiro, um carpinteiro, um serrador, um fabricante de estame e pergunta difícil de responder, mas que precisa ser feita.
nove trabalhadores; em várias aldeias de Devonshire (Sampford Peverel),
B,urlescomb, Culmstock), éncontram!)S acusações contra uma fiandeira, dois
tecelões, um cardador de lã, um cordovaneiro, um' mestre em telhados e dez VII
operários; no c'aso de Handborough, foram mencionados numa denúncia um
t~-rpi~telro, um pedreiro, um serrador .e sete operários. 12·' Havia menos acusa- No curto prazo, parece provável que os motins e o ato de fixar os preços
ções contra pe~soas de posição.social superior, p~r. suposto incitamento à rebe- anulavam seus próprios objetivos. Os fazendeiros ficavam às vezes tão intimi-
lião, do que Rudé•e outros observaram na França,"' emqora fosse sugerido com dados que mais tarde se recusavam, durante várias semanas, a levar as mer-
mais'.fre_qüência que eram encorajados por seus superiores a adotar um tom hos- cadorias ao mercado. A interdição do deslocamento dos grãos pelo país
til para.cqm os fazendeiros e os intermeqiários. Em_1801, um observador no Su- provavelmente só agravava a escassez em outras regiões. Embora seja possível
doeste afirmava que os tumui'tos eram "certamente liderados por comerciantes encontrar exemplos em que os protestos parecem ter como resultado a queda dos
0
i~feriores, cardado'res de'lã e 'dissidentes,'que se mantêm à parte, mas pela sua preços, bem como seu oposto, e, mais ainda, encontrar exemplos em que parece
linou~oem
º ,o. e influência imediata
' domin~m as camadas mais baixas".'" Afirma- haver pouca diferença no·movimenro dos preços em mercados atingidos por
va-se que dé'vez em quitndo os grandes empreiteiros encorajavam os seus motins ou não, nenhum desses casos - por mais que se perfaça o total ou se tire
próp~iç,s trabalhadores a se rebelar."'' a média-revela necessariamente o efeito que a expectativa de_!llotins tinha so-
Outra diferença importante em ré lação à França era o contraste entr_e a rela- bre a situação total do mercado. 12'
ti'va inérci~ dos '.trabalhadores das fazendas· na Inglaterra e a rebeldia dos Podemos ~ zer uma analogia com a guerra. Os benefícios imediatos reais
;vígnerons. e dos peque~-os campon~ses. Muitos produtores de cereais con- da guerra raramente são significativos, quer para o vencedor, quer para o derro-
tinuavà'm certamente a observar o costume de venêler grãos baratos a seus tra- tado. Mas os benefícios que se podem obter pela ameaça de guerra talvez sejam
. balhadbres enquanto·os criados qu~ viviam na fazenda partilhavam da mesa do consideráveis: ainda assim a ameaça não vai inspirar terrores se nunca se fizer
fazendeiro. Os trabalhadores rurais participavam em motins quando outros gru- uso da sanção da guerra. Se a praça do mercado era uma arena da guerra de clas-
pos (como os mineiro~ de'ca,rvão) forma~am o pµcleo original, ou quando algu-
, .. t ' • ' •
ses, tànto quanto a fábrica e a mina vieram a ser na Revolução Industrial, a
ma revolta os reunia• em número $Uficiente. Quando um grande bando de ameaça de motirs causaria impacto sobre toda a situação de mercado, não só nos
trabalhadores perambul~u-pelo vale do Tâmisa em 1766, a ação começara com anos de escassez, mas também nos anos de colheita moderada, não só nas
grupos que trabalhavam numa estrada de pedágio, que disseram "a uma só voz, cidades notórias por sua suscetibilidade a agitações, mas também nas cidades
vamos todos juntos a Newbury tornar o pão mais barato". Uma vez na cidade, onde as autoridades queriam preservar uma tradição de paz. Entretanto, por
arregimenta,ram mais apoio desfilando na praça,e, dando três hurras. Em East mais cuidadosamente que se quantifiquem os dados disponíveis, eles não con-
AngJia, em 1795, en<;ontra-se um núcleo semelhante formado por "repre- seguem nos mostrar a que nível os preços teriam subido se a ameaça de tumul-
sadores" (grupos "empregados para limpar escoadouros e construir represas"). tos tivesse sido completamente eliminada.
Qs represadores 'também eram meoos sujeitos à identificação e à punição ime- As autoridades em áreas propensas a agitações eram freqüentemente pon-
diatas, ou às yinganças do paternalismo da aldeia, do que os trabalhadores ru- deradas e competentes ao lidar com os distúrbios. Isso faz com que às vezes se es-
rais, sendo "em sua maior parte estrangeiros vindos de outros países [que] não queça que o motim era uma calamidade, resultando com frequência numa
são tão facilinente apaziguados quanto os que moran1 no lugar".'n profunda perturbação das relações sociais na comunidade, cujas conseqüências
Na verdade, o motim dii fome não requeria um alto grau de organização. . podiam se arrastar por anos. Os magistrados das províncias estavam muitas vezes
Requeria um con·senso de apoio na comunidade e um padrão de ação herdado em extremo isolamento. As tropas, se recrutadas, podiam levar dois, três ou mais
com seus próprios objetivos e limites. E a persistência dessa forma de ação dias para chegar à cidade, e a multidão sabia disso muito bem. O xerife de
propõe uma pergunta interessante: até que ponto ela e(a bem-sucedida, seja em Gloucestershire nada pôde fazer nos primeiros dias do "levante" de 1766, a não
que se'ntidó for?Teria continuado a existir durante tantos anos, na verdade cen- ser marcar presença no mercado qe Stroud corri seus "lanceiros". Em 1709, um
' tenljs de anos', se repet'idamente tivesse deixado de atingir os seus objetivos, magistrado de S,uffolk se absteve de prender os líderes da revolta, porque "a tur-

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ba ameaçou derrubar tanto a sua casa como a cadeia se ele punisi5e qualquer um prefeito de Penryn, sitiado por mineiros de estanho e.nfu.recidos, escreve que a
dos camaradas". Outro magistrado qüe conduziu um posse comitatus esfarrapa- cidade foi invadida por trezentos "desses bandidos, com quem fomos forçados
do e pouco marcial por North Yorkshire até Durham em 1740, fazeqpo pri- a parlamentar e chegar a um ácordo, deixando-os cóinprar os cereais poc um
sioneiros pelo caminho, ficou consternado ao ver os cidadãos de Durharri'.saírem terço do custo dé produção para os proprietáriôs". fasas ne'~ociações, mais ou
à rua para libertar dois de seus prisioneiros no portão da prisão. (Esses r'~sgates menos relutantes, eram comuns. Um experiente magistrado de Warwickshire,
eram comuns.) Um exportador de grãos de Flint teve uma experiência ainda mais Sir Roger Newdigate, observava em seu diári~ em 27 de setembro de' 1766:
desagradável no mesmo ano. Os amotinados entraram na sua casa, beberam a Às 11 h fui a Nuneaton (...) e com os principais hab1tant~s da cidade fui ao encon-
cerveja e o vinho de suas adegas, e ficaram "tom uma espada desembainhada tro dos mineiros de carvão de Bedworth e da icrba que vinha gritando e armada de
apontada para minha filha legítima [... ] Eles têm muitas armas de fogo, lanças e
0

~s
paus. Perguntei o que queriílm, prometi atender a todas suas reclamações razoá-
espadas. De cinco das lanças, disseram que quatro vão servir para carregar meus veis se fossem pacíficos e jogassem no prado os seus paus, o que então todos fize-
quatro membros, e a outra para carregar a minha cabeça em triunfo [... ]". ram; depois caminhei com eles a todas as c"àsas que eles pensavam tér mercadorias
A questão da ordem não era absolu tamente simples. A inadequação das estocadas, deixei que cinco ou seis fossem procurar os produtos e persuadi os pro-
forças civis se combinava com a relutância em empregar a força militar. Os prietários a vender.o que se encontrou de queijo[... ]..
próprios oficiais tinham bastánte humanidade, e estavam rodeados de muita am- Os mineiros de carvão então deixaram a cidade tranqü_ilamente, depQ'is que Sir
bigüidade quanto a seus podbres em confrontos civis, manifestando uma mar- Roger Newdigate e outros dois deram meio guinéu a ~ad~ um. Na realidade, eles
cante falta de entusiasmo por esse "serviço odioso". 1" Se os magistrados locais haviam procedido conforme o Book of orders. il , '
convocavam as tropas, ou autorizavam o uso de armas de fogo, tinham de conti- Esse tipo de negociação, na fase inicial do motim, freqüéntemente assegu-
nuar a viver no distrito depois da saída das tropas, ficando sujeitos ao ódio da rava concessões para a multidão: Mas devemos notar i~ualmente' os esforços
população local, tafvez recebendo cartas ameaç-adoras, e sendo vítimas de feitos pelós magistrados e proprietários no sent_ido de prevenir os élistúrbi~s. Um
janelas quebradas ou até de incêndios criminosos. As tropas.aquarteladas numa magistrado de Shropshire, em 1756, descreve qu~ os mineiros de carvão "afir-
cidade logo se tornavam impopulares, mesmo entre os que as tinham convoca- mam que se os fazendeiros não ·levarem os cerea_is ao mercado, eles irão até as
do. Com regularidade incomum, os documentos do Ministério do Interior ou do suas casas e debulharão os cereais": "Mandei ordens aós meús arrendatários
Ministério da Guerra mostram que os pedidos de ajuda de reforços eram segui- para que cada um levasse alguma quaµtidad·e de cer~ais ao mercado no !;ábado,
dos, depois de UIT\ intervalo de cinco ou seis semanas, por petições requisitando pois é o único meio que me ocorre de prevenir maiores violências". No mesmo
su_a rem0ção. Uma petição lastimosa dos habitantes de Sunderland em 1800, en- ano, podemos observar esfdrço se'melhantê dos magistrados em Devon. Haviam
~abeçada pelo séÜ pároco, pedia a retirada do 68° Regimento: "O seu principal ocorrido tum~ltos em Ottery, os cereais dos fazendeiros fora1;1 arrebatados e
objetivo é o roubo. Várias pessoas·foram derrubadas e tiveram os relógios rou- vendidos a cinco",,;elins por alqu~ire, e vários mo/~hos•atacados. Sir George
bados, mas tudo isso sempre da inaneira mais violenta e brutal". Um jovem Yonge mandou seu criado afixaruma nota admoestadora e conciliatória na pr,aça
sofreu fratura no crânio, o outro teve o lábio superior cortaqo. Os habitantes de do mercado:
Wantage, Farringdon eAbingdon solicitavam "em nome de Deus[ ...] que se re-
tirasse deste lugar a parte do regimento de Lord Landaff, senão a conseqüência A turba se reuniu, insultou o meu criado e intimidou o apregoador[ ...] Ao ler ia no-
ta] eles declararam que aquilo não ser~ia, que os 'fidalgos não !?recisavam se inco-
serão assassinatos, pois nunca entrou nesta cidade um grupo de patifes como modar, pois eles é que fixariam o preço ::m quatro xelins e nove pence·no próximo
esse". Um magistrado local, apoiando a petição, acrescentava que o "comporta- dia do mercado. Depois disso, fui até a cidade ontem, e declarei, tanto a gente co-
mento ·selvagem dos militares[ ... ] exaspera o populacho no mais alto grau. Os mum como às pessoas de melhor posição social, que'se os ânimos não se acal-
relacionamentos normais dos fazendeiros nas feiras e mercados ficam muito massem, os militares deviam ser convocados[ .. } .
prejudicados". Do
Os motins eram uma c3.lamidade. A "orfem" qu~ às vezes se lhes seguia Ele e dois me.mbros da gentry vizinhos enviaram. então os seus próprios cereais
podia ser uma calamidade ainda maior. Por isso, a ansiedade das autor!dades, aos mercàdos locais:
quer para prevenir seu evento, quer para eliminá-lo logo em seus prirne\ros es- Dei ordens para q·ueos meus cereais fossem vendidos para os pobres a cinco xelins
tágios, pela presença pessoal, exortação e concessão. Numa carta de \ 773, o e três pence e a cinco xelins e seis pence por alqueire: pois resolvemos praticar um

188 189
0

preço um p ouco acima daquele ditado pela turba. Vou mandar alguém falar com os
gualdade. Em 1740, um acordo em Newcastle para reduzir os preços, acerta~o
mÓleiros par~ ~aber se eles po?em distribuir alguma farinha[ ... ]. entre os mercadores e uma comissão de mineiros rebelados (com a med1açao
dos edis), resultou na afluência à cidade de "gente do campo" das aldeias dis-
O prefeit<? pe Exeter respondeu a Yonge que, as autoridades da cidade tinham or- tantes. Tentou-se em vão limitar a venda das mercadorias às pessoas que tinham
' denado que os cereais fossem vendidos a cinco xelins e seis pence: "Tudo se um certificado fornecido por "um provedor, um superintendente da distribuição
acalmou assim que os fazendeiros baixaram os preços[ ... ]". Em Devon, ainda das mercadorias, um fiscal das filas ou um funcionário da paróquia". Pela ex-
se'tómàvam medidas semeihantes em 1801, com "alguns fidalgos da melhores- plicação dada pelo duque de Richmond, a participação dos soldados nos motins
' tirpe 'nos arredores de J;xeter [... ] dando ordens [... ] a seus arrendatários para que fixaram preços em 1795 teria sido provocada po_r uma desigualdade seme-
levar Ôs cereais ao mercado, sob pena de não terem os seus arrendamentos re- lhante: os soldados alegavam "que se os habitantes do campo contam com o
, novaçios". Eip 1795 e 1800-1,.era frequente·ein outros condados que os pro- · auxílio de suas paróquias e subscrições, os soldados não recebem esse benefí-
prietários rurais tradicionalistas dessem tais ordens a seus arrendatários. O cio". Além disso, embora fossem usadas para pagar o preço pela suspensão dos
conde 'de Wa~w~ck (um arcjuipatemalista e defensor de uma legislação muito ri- motins (real ou potencial), essas subscrições tinham muitas vezes o efeito de ele-
gorOS? para os que compravam grãos antecipadamente) visitava pessoalmente varo preço do pão para aqueles que não recebiam o benefício da subscrição.m
todas as suas propriedades dândo esse tipo de ordem a seus arrendatários.'" Pode-se observar esse processo na região sul de Devon, onde as autoridades ain-
Essas pre.ssões, como forma de prevenir os motins, talvez fossem mais efi- da atuavam em 1801 conforme a tradição de 1757. A multidão de Exeter
cazes ço que se.tem proposto: conseguindo levar os cereais para o mercado, res- protestou no merc_ado para conseguir trigo a dez xelins por alqueire:
tringinqo o aumento dos preços e intimidando certos tipos de lucratividade. Além Os fidalgos e os fazendeiros se rduniram, e o povo esperou a sua decisão[... ] Foram
disso, a disposição para motins certamente funcionava como um 1inal para os ri- informados de que não seria aceito nenhum preço por eles determinado ou fixado,
cos de que era preciso cciloéar em bom estado os mecanismos de assistência e cari- principalmente porque não se admitia o princípio de fixar o preço. Os fazendeiros en-
. dade da paróquia-cereais e pão subsidiados para os pobres. Em janeiro oe 1757, tão concordaram com o preço de doze xelins, e com a regra de que todo habitante po-
a municipalidade de Reading concordava "que se devia criar uma subscrição que deria comprar a quantidade de cereais proporcional ao tamanho de sua fam ília[... ].
levantasse dinheiro para.comprar pão a ser distribuído entre os pobres[... ] a um Os argumentos dos descontentes em Exmouth são muito convi ncentes. " Dê-nos
preço·? ~er fi~ado muito abaixo do atual preço do pã9 [... ]". A própria municipa- qualquer quantidade que o estoque à mão comportar, e ao preço que pudermos pa-
lidade doou 21 libras. m Tais medidas eram imitadas com bastante freqüência, a gar, e ficarerj,os satisfeitos; não aceitaremos nenhuma subscrição dos fidalgos
• iniciati:va partindo ora da municipalidade, ora de determinados membros da gen- porque isso aumenta os preços, e constitui para eles um incômodo."'·"'
try, ora da~ sessões trimestrais dos tribunais, ora das autoridades paroquiais, ora A questão não é simplesmente que, em tempos de escassez, os preços fos-
dos. empregadores - especialmente daqueles que .empregavam uma substancial sem determinados por muitos outros fatores além das meras forças do mercado.
mão-de-ot,ra (como os mineiros de chumbo) em distritos isolados. Qualquer pessoa com um conhecimento (mesmo precário) das muito difamadas
· P.ts medidás adotada~ em 1795 foram es'pecialmente extensas, variadas e fontes "literárias" sabe disso. É mais importante observar o contexto sócio-
bem doci1ment.adas. Elas abrangiam descte s~bscrições diretas para reduzir o econômico total em que operava o mercado, bem como a lógica da pressão da
preço do P,ão (as paróquias às vezes mandavam seus próprios agentes aos portos multidão. Qutro exemplo, desta vez de um mercado até então livre de motins,
para com~rar grãos importados), a subsídios pagos com as taxas das leis de as- ilustra essa lógica em ação. O relato é de um relevante fazendeiro, John Too-
sistência ao.:5 pobres, e até o sistema speenhamland. vrn O exame dessas medida; good, em Sherborne (Dorset). O ano de 1757 começara com uma "queixa geral"
ilOS levaria a a'nalisa.r mais profundamente a história das leis de assistência aos dos preços elevados e relatos freqüentes de protestos em outros lugares: "No dia
, pobres do que é nossa presente intenção.'" Mas os efeitos eram às vezes 30 de abril, sendo dia de mercado, muitos de nossos pobres insolentes e
curi,osos. As suj:>sc,rições, embora acal~assem utna determinada área, podiam vaoabundos se reuniram e começaram um motim na casa do mercado, depois
provocar tumultos nuo1a adjace~te, por despertarem um agudo senso de desi- fo;m até o moinho Oborn e se apoderaram de vários sacos de farinha, dividin-
do o saque em triunfo aqui". Na segunda-feira seguinte, uma carta anônima, di-
' 1 • • • rigida ao irmão de Toogood (que acabara de vender dez alqueires de_ trigo a
(v1ÍI)Sis\ema de ajuda aos cobres adotado em 1795 e que se manteve até o início do sécu-
catorze xelins e dez pence - "um alto preço realmente" - a um moleiro), foi
01(, !(IX. Para \ai, ver A formação da c~as!e operâria inglesa, vol. 1, p. 71. (N. R.)

190,
191
•''

encontrada na abadia: "Meu senhor, se não levar o seu 'trigo ao mercado e vendê- rima, I!O personagem do sentencioso Jáck.A,nvil, quando este tenta dissuadir
lo a um preço razoável, os seus celeiros serão destruídos[... )". Tom H )d de participar dos motins:
Como os motins são algo novo em Sherborne [... ] e como as paróquiai~izinhas Vou trabalhar o dia inteiro, e aos domingos procurar •
pareciam prontas a participar desse esporte, achei que não havia tempo á perder e Na igreja a força para suportar'as privações da semana.
que convinha esmagar o mal pela raiz, e com essa final idade tomamos as seguintes Os fidalgos também vão nos dar mantimentos, ,
medidas. Vão fazer subscrições - e abrir mão dos pu,dins e das tortas.
Convocada uma reunião no asilo dos pobres, acertou-se que o sr. Jeffrey e eu Ai de mim. ,x "'
faríamos um levantamento de todas as famílips mais necessitadas na cidade. Feito
isso, arrecadamos cerca de cem libras por meio de subscrições, e antes do dia de "Ai de mim", realmente, e até tra-la-lá! Entretanto, dada a natureza dos fidal-
mercado seguinte, o nosso juiz de paz e alguns dos principais habitantes realiza- gos, um bom motim tempestuoso na paróquia vizinha tinha mais chances de
ram uma procissão pelas ruas e mandaram o apregoador da cidade divulgar o azeitar as rodas da caridade do que a visão de JackAnvil de joelhos na igreja. Co-
seguinte aviso: mo os versos de pé-_quebrado resumiram no lado de fora da porta da igreja em
"Que as famílias pobres desta cidade recebam uma quantidade de trigo sufi-
0
Kent, em 1630:
ciente para 0 seu sustento, todas as semanas até a colheita, a uma taxa de oito xelins
Antes de subirmos ao céu
por alqueire, e que, se depois desse aviso público, alguma pessoa, seja quem for,
Um pouco basrará. x
empregar alguma expressão ameaçadora ou provocar algum ato de protesto ou de-
sordem nesta cidade, o infrator ~erá imediata)nente recolhido à prisão".
Eles então contrataram a compra de trigo a dez xelins e doze xelins por alqueire, Vlll
fornecendo-o a uma:"Relação de Pobres" a oito xel_ins até a colheita. (Sessenta
alqueires por s~mana durante esse período devem tel Ímportado num subsídio Vimos examinando um padrão. de protesto social que 'derivà de um con-
de cem a duzentas libras.) "Por esses meios restauramos a paz, e desapontamos senso a respeito da economia moral do bém-estar público em tempos de es-
muitos sujeitos folgados e desordeiros das paróquias vizinhas, que apareciam cassez. Em geral, não adianta examiná-lo procurando intenções políticas
no mercado com seus sacos vazios, esperando conseguir cereais sem dinheiro." manifestas e articuladas, embora de vez em qu·ando elas apareçam por pura
Ao redigir esse relato para orientar seus filhos, John Toogood o concluiu com a coincidência. É possível encontrar c'om freqüência frases rebeldes, geralmente
_s~guinte conselho: (suspeita-se) para gelar o sangue dos rico~ cqm seu ~feito teatral. Dizia-se que
Se circunstâncias parecidas acontecerem futuramente no tempo da sua geração, e os mineiros de Newcastle, animados com o sucesso de sua invasão da· ~ede da
se algum de vocês estiver envolvido na atividade agrícola, que o olhar cheio de co- Prefeitu·ra, "defendiam pôr em prática os ;ntigos princípios niveladores"; é ver-
biça não os tente a ser o primeiro a aumentar o preço dos cereais, mas que o com- dade que p~lo menos arrancaram Ós retratos de Charl~s n e James II d; parede e
portamento de vocês demonstre compaixão e caridade para com a condição dos despedaçaram as molduras. Em 'Oposição, os barqueiros de Herlley (Oxford-
pobres [... ].'3' shire) gritavam em 1743: "Longa vlda ao pretendeQte": E alguém em Wood-
bridge (Suffolk) pregou uma nota na praça do mercado em 1766, que o
É no interior desse contexto que a função dos motins pode ser esclarecida. No
magistrado local achou ''.peculiarmenty·ousada e sediciosa, e de grande e deli-
curto prazo, os motins talvez fossem contrapróducentes, embora isso aind~ não
cada importância": "O nosso desejo [dizia) é que r;1 nosso tei voltasse do' exílio
esteja provado. Porém, uma vez mais, os distúrbios eram uma calamidade so-
ou enviasse alguns oficiais". Talvez se ·tivesse. em meqt~ a mesma ámeaça, no
cial, que.devia ser evitada mesmo a um custo alto. O custo podia ser o de encon-
Sudoeste, tm 1751, quando se gritava ql!e "os franceses logo estàrão aqt,1i" .1J9
trar um meio-termo entre o preço "econômico" elevado no mercado e o preço . ' : . '
"moral" tradicional determinado pela multidão. Esse meio-termo podia ser al-
(IX) So 1"11 work the whole day, and on Sundays 1"11 see0 At Church how· to bear ali the
cançado pela intervenção dos paternalistas, Pflos prudentes limites que fazen-
wants of tlie Íveek./ The gentlefolks, too. wili' affor<I, us supplies,/ They'·n ·subscribe - and
deiros e negociantes se auto-impunham, ou pela compra do apoio de parte da they"II give up t~~ir puddings and pil',~./ Derry pown.' 1
multidão em troca de subsídios e caridades. Como Hannah More celebrou em (x) Before 'Y: arise/ L'ess will safise.

192 193
Muito com'uns são as ameaças gerais de "niv~lação" e as imprecações con- Pois acho que é uma vergonha tratar os pobres dessejeito -
tra os ~icos-. Uma carta en~ Wjtney (1767) assegurava aos bailios da cidade que E acho que algumas de vossas cabeças vão dar um belo espetáculo.-xi1
o povo não tolerarií! "q'ue esses malditos patifes gorpos de barrigas roncadoras
Um grande número dessas cartas circulava naqueles anos. De Uley (Glouces-
matassem os pob~es de fome por esses meios_ infernais, para poder continuar a
tershire), "não queremos rei mas urna constituição, abaixo, abaixo, abaixo, oh,
caçar, participar de córridas de cavalos e levar com as suas famílias uma vida de
morte aos barretes empinados e aos chapéus orgulhosos para sempre abaixo,
orgulho e·extrava'.gância". Uma carta na Gold Cross de Snow Hill em Birmin-
abaixo [... ]". Em Lewes (Sussex), depois que vários milicianos foram executa-
gham O766), assinada ".Kidderminster & Stourbridge", foi talvez redigida co-
dos por terem participado do ato de fixar os preços, divulgou-se um aviso: "Às
mo versos de pé-quebrado': armas, soldados!".
[ ...] somos um pequeno Exército, mais de 3 mil, todos prontos para lwar Levamem-se e tirem a sua desforra
e maldito sejas.e não transfôrmarmos o Exército do rei em merda, Nesses estúpidos sanguinários, Pitt e George,
, Se o rei e o Parlamento' não derem melhores ordens, Pois como eles já não podem mandá-los para a França
vamos transformar a Inglaterra em lixo Para serem ~orros como porcos, ou perfurados pela lança,
e se as coisas não ficarem mais baratas, Mandam o mensageiro buscâ-los com ordens de rápido retorno
, . . ..
maÚito seja senão destruirmos
~
.
o Parlamento e melhorarmos a vida [ ...].X' Para serem fuzilados como corvqs, ou enforcados por turnos [... ].
Em 1772, uma carta em Colchester, dirigida a todos os fazendeiros, moleiros, Em Ramsbury (*iltshire), em 1800, uma nota foi afixada numa árvore:
açougueiros, lojistas e 11)ercadores de cereais, avisava a todos os "malditos pa-
Abaixo o governo suntuoso, o espiritual e o temporal, p_ojs senão vo;ês vão morrer
tifes" para tqmarem cuidado, "pois é novembro, e temos umas duzentas ou
de fome. Eles roubaram de vocês o pão, o queijo, a carne etc. etc. etc. etc. ele. E até
trezentas bombas preparadas para os moleiros e todos os demais. Nada de rei,
as suas vidas eles tomaram, de milhares nas suas expedições. Que a família Bour-
nem de Parlamento, apenas uma conspiração de pólvora por toda a nação". Em bon defenda a sua própria causa, e vamos nós, os verdadeiros bretões, cuidar de
1776, os fidalgos de Fareham (Hampshire) foram avisados de que deviam se nossas vidas. Vamos expulsar alguns para Hanover, de onde eles vieram. Abaixo a
preparar "para uma guerra civil ou sediciósa", que "derrubaria George do trono, Constituição, construam uma República, senão vocês e seus filhos vão passar fome
derrotaria a cas11 dos patifes e destruiria as cadeiras dqs legisladores". "É melhor o resto de seus dias. Caros irmãos, vocês vão se render e morrer nas mãos dos de-
suportar o jugo estrangeiro do que ser explora~o desse modo", escrevia um ;oràdores delhomens, vão deixar os seu_s.filhos nessa servidão, à mercê desse go-
aldeão perto de Hereford no ano seguinte. E assim por diante, em quase todas as verno canalha que está agora devorando vocês?
regiões da Grã-Bretanha. Trata-se essencialmente de retórica, embora uma que Deus Salve os Pobres e abaixo George 111.141
devastà a retórica dos historiadores quanto à deferência e às solidariedades so-
ciais da Inglaterra geórgiana."º Mas esses anos de crise durante as guerras napoleônicas (1800-1) exigi-
riam exame particular. Estamos chegando ao fim de uma tradição, e a nova
Somente em 1795 e 1800-1, quando um n:iatizjacobino se torna freqüente
tradição mal começou. Nesses anos, a forma alternativa de pressão econômica
nessas cartas e impressos, é que temos a impressão.de uma genuína corrente sub-
- a pressão sobre os salários- está se tornando mais vigorosa; existe algo mais
terrânea' de motivação. política articulada. Um exemplo incisivo são uns versos
do que retórica por trás da linguagem da sedição - organização de ligas clan-
de pé-,quebrado endereçados "aos encrenqueiros e aos q ue aumentam o preço da
destinas, juramentos, o obscuro "Ingleses Unidos". Em 1812, os tradicionais
farinl)a", que alarmou utn magistrado de Ma_ldon (Essex):
motins da fome coincidem em parte com o luddismo. Em 1816, os trabalhado-
· Com grãos e refugos para porcos quereis que o~ pobres se alimentem res de East Anglia não só determinavam os preços, mas também exigiam um
· ·: E,'nbaixo da guilhotina .g'o&tan'amos de ver vossas cabeças salário mínimo e o fim do sistemaspeenhamland de assistência aos pobres. Eles
antecediam a revolta muito diferente dos trabalhadores de 1830. A forma antiga
(XI) '[.'..J there is a small Army of ns upwards of three thousand ali ready to fight/ & 1"11
•be dam~"d if w~ don"t make the °King''s Army io shite/ Íf so be the King & Parliament don"t (XII) On Swill & Grains you wish the poor to be fedi And underneath the Guillintine we
order bener/ we will !Um England'il)tO a Liner / & if sobe as things don"t get cheaper/ 1"11 be could wish to see your heads/ For I think it is a great shaine to serve the poor so - / And I think
damd if'we dori"t b4m down the Parliament House & make ali bener [... ]. a few of your heads will make a preuy show.

194 195
de ação continua a existir na década de 1840 e até mais tarde: estava profunda- Sua Alteza[ ...] deseja que o senhor informe ao prefeito e a.os magis;rados que, co-
mente arraigada no Sudoeste.'" Mas n_os novos territórios da Revolução Indus- mo sua posição oficial lhe permite apreciar de J'QOdo mais pàrticular a extensão dos
trial, ela passou gradativamente a outras formas de ação. A baixa nos préços do danos públicos que devem ine,vitavelmente resultar da continuação dos atos de re-
trigo depois das guerras facilitou a transição. N'as cidades ao norte, a lut~contra belião que têm ocorrido em várias pártes do reino em conse9üência da prese~te es-
cassez'de provisões, e1e se considera màis i'mediatamente obrigado a exercer o seu
os atravessadores de cereais deu lugar à luta contra as Leis dos Cereais. f
próprio julgamen1o e discernimento no sentid,o de indicar as medidas' adequadas
Havia outra razão para que 1795 e l 800-1 nos levassem a um teiritório 0

quede.vem ser tomadas para a eliminação imediata e efetiva desses :itos perigosos.
histórico diferente. As formas de ação que vimos examinando dependiam de um Por mais que Sua Alteza lamente a' causa dess~s motinl;, nada é mais certo do que
conjunto particular de relações sociais, o equilíbrio particular entre a autoridade o fato·de que eles só conseguir~o ag_i-avàr o i:nal além dti'~ue nps é d,a,do prever. Por-
paternalista e a multidão. Esse equilíbrio foi quebrado durante as guerras, por tanto, Sl!a Alteza não.pode deixa~ p.issar em, silêncio aquela par-te ele sua carta que
duas razões. Primeiro, o agudo antijacobinismb da pequena nobreza criou um afirma "que o povo de Oxford até o presente' momento não t!m demonstrado. ne- 0

novo medo de qualquer forma de auto-ativação popular; os magistrados incli- nhuma ten'dência aos,tumultcis. a não ser que se ~onsidere tumulto levar ao merca-
navam-se a ver sinais de motim nos atos de fixar os preços, mesmo quando não do algu~as 'cestas ·de manteiga e vender cada libra por um xelim, prestando contas
do dinheiro ganho ao dono da marÚeiga [...r. .,' •
havia nada; o medo da invasão deu origem aos Voluntários, e assim ofereceu aos Assim, longe de c~nside'rar ess~ circunstância à lui iri'vial coi:n que é apresenta-
poderes civis meios muito mais imediatos de enfrentar a multidão, não com dis- da na sua carta (t;nesmo supondo q1,1e não \enha conexões com outras ações de na-
cussões e concessões, mas com a repressão. w Segundo, essa repressão era le- tureza semelhante e ainda []1ais perigosa, o que é de recear ~ão seja o caso), Sua
gitimada, nas mentes das autoridades centrais e de muitas autoridades locais, Alteza a vê como um ataque violento e injustificável contra a propriedade, prenhe
pelo triunfo da nova ideologia da economia política. das con,seqüências mais fatais para~ cidad~ de O,xford 'e p~ra os seus habita.ntes de
O ministro do Interior, o duque de Portland, foi o representante secular desse todas as posições sociais; e Sua Alteza presur;ne que o prefeito e os magistrados de-
triunfo celestial. Em 1800-1, ele exibia uma nova firmeza, não só em lidar com vem saber que têm o dever sagrado de eliminare punir esse ataque coln a imediata
captura e prisão dos. i'nftatores. '" · '
os distúrbios, mas também em controlar e advertir ~quelas autoridades locais que
ainda esposavam o antigo paternalismo. Em setembro de 1800, houve um episó- Durante os anos de 1800 e 1801, o duql)e de'Pôrtl~nd procmou i~por 'as
dio significativo em Oxford. Surgira algum conflito sobre o preço da manteiga no mesma ~outrinas. O remédio para os pistúrbios eram os militares ou o!. Volun-
mercado, e a cavalaria apareceu na ci_dade (a pedido - como se veio a saber - tários; até as subscrições liberais deviam ser desencorajadas, pois esgota'vam os
do vic:.::~itor). O escrivão da cidade, por ordem do prefeito e dos magistrados, estoques; persuadir os fazendeiros ou os negocíantes :a baixarem os preços era
escreveu ao ministro da Guerra, expressando a sua "surpresa de ~ue um corpo um delito contra a economia política. Em abril de 1891, ,ele escrevia ao conde
militar de cavalaria tivesse aparecido na cidade hoje de manhã cedo": Mount Edgcumbe, "Sua Excelência deve escusar a liberdade que tomo em não
deixar passar sém comentário ó acordo que menciona: te,r firmado ,voluntaria-
É com grande prazer que lhe informo que o povo de Oxford até o presente momento mente com os fazendeiros na Cornualha para forflecercereais e outras provisões
não tem demonstrado nenhuma tendência de rebelião com exceção de levar ao aos mercados.a preços reduzidos[... ]". O duque tinha informa'ções de que as au-
mercado algumas cestas de manteiga e vender cada libra por um xelim, prestando toridades do condado tinham pressio_nado os fazenderros:
contas do dinheiro ganho ao dono da manteiga f... ].
[...] a experiência que tenho[... ] me obriga a dizer que todo empreendimento desse
"Apesar da extrema pressão dos tempos", as autoridades da cidade "não tinham tipo não se justifica pela natureza das coisas, deyendo,-inevitavelmente eem pouco
dúvida" de que não havia " razão nesta cidade Jara a presença de um corpo de tempo; aumentar e agravar a desgraça que pretende min'ot:ir, e também me avçn-
soldados ·regular", especialmente porque os magistrados andavam muito dili- turo a afirmar que quanto máis geral.for esse erppreendimento, tanto mais prejudi-.
gentes, reprimindo "o que eles consideram ser uma das principais causas da ciais serão as conseqüências que não podem deixar de acompanhá-lo, porque ele
carestia, os delitos de comprar as mercadorias antecipadamente, açambarcar e necessariamente impede o emprego do capital na atividade agrícola[ ...].'''
comprar para futura revenda[ ... ]". A "natureza das coisas", que já tornara imperiosa, nos tempo? de escassez,
A carta do escrivão da cidade foi enviada ao duque de Portland, e arrancou 1 pelomenos alguma solidariedade si~bólica entre os g~vernantes e o~ _pobre~,
dele uma grave repreensão: ditava agora a solidariedade entre os governantes e "o emprego do capital". E,

196 197
' ,
talvez, apropriado que o id~ólogo que formulou a síntese de um antijacobinis- caridosos.~ para a promoção desse objetivo, que os mais ricos sejam sinceramente
, mo histérico.com a nova economia política tenha.sido o encarregado de ass,nar movidos pela caridade cristã a colocar os seus grãos à venda para.os mais pobres
o certificaqo de óbito daquele paternalismo que, em suas passagens retórica,s pelos preçds comuns do mercado: um ato de caridade, que sem dúvida será
mais ilusórias, ele celebrara. "Os trabalhadores pobres", exclamava Burke: recompensado por Deus Todo-poderoso.
"Que se demonstreco11_1paixão nos atos, mas que não se lamente a sua condição.
Pelo menos um desses sermões, proferido pelo reverendo Charles Fitz-Geffrey
Não'é çonsolo pàra as suas çircunstâncias miseráveis; é apenas um insulto à sua
em Bodmin e Fowey (Cornualha), antes das sessões em 1630, ainda era conhe-
inteligênCÍa miserável [... ] Paciência, trab~lho; sobriedade, frugal idade e re-
cido dos leitores do século xv111. Aqueles que retinham os cereais eram ali de-
ligião dev~m ser recomendados; todo o resto é fraude rematada"."'' Contra esse nunciados como
tom, o avis.o em Ramsbury era a única resposta possível.
' ' esses que odeiam os homens, que se opõem ao bem comum, como se o mundo fos-
se feito apenas para eles, que querem se apoderar da terra e dos seus frutos, só para
IX eles[...] Como as codornizes engordam com a cicuta, que é veneno para outras cria-
turas, assim esses prosperam com a escassez.
Espero qu; u1~ ql}adro um pouoo diferente do habitual tenha emergido Eram "inimigos tanto de Deus como do homem, contrários à graça e à natureza".
desse ensaio. Não t~ntei descrevei- um espasmo involuntário, mas um padrão de Quanto ao negociante, que exportava cereais em tempos de desabastecimento,
comportamento qu~ não envergonharia um ilhéu de Trobriand. "o sabor do lucro é doce para ele, embora seja recolhido no atoleiro da profissão
É aifícÜ re-imagi~ar os pressupostos morais de.outra configuração social. mais suja da Europa (... ]".1" •

Temos ,dificuldade de conceber, possível a· existência de uma época, numa co- Com o passar do século xv11, esse tipo de exortação se calou, especialmente
munidade menor e mais integrad.a, quando nijo parecia "natural" que um homem entre os puritanos. Com ·saxter, uma parte do preceito moral é diluída com uma
l~rasse ,com as necessidades dos outros, e quando se admitia que, em tempos parte de casuísmo e uma parte de prudência comercial: "assim como ajustiça, a
de escassez, os.preços dos "artigos de primeira necessidade" deviam continuar caridade deve ser exercida", e, embora as mercadorias possam ser retidas na ex-
!1º s.eu nível habituàl, ainda que houvesse menos ~ercadorias por toda parte. pectativa do aumento dos preços, tal coisa não deve ser feita "em prejuízo da co-
. "Na economia do burgo medieval", escreveu R: H. Tawney, "o consumo ti- muniqa_g~, como se[ ... ] reter as mercadorias fosse a causa da carestia". 149 O
·nha1de certo modo a mes'ma primazia na mente pública, como árbitro inconteste antigo ensinamento moral se tornava cada vez mais dividido entre a gentry pa-
.da atividade econôrhica,que ·o século XfX atribuía aos lucros.""' Sem dúvida ai- ternalista, de uni lado, e a plebe rebelde, de outro. Na igreja em Stoneleigh (War-
' 'gum'a, es_ses pressupostos j~ er~m vigorosamente questionados muito antes do wickshire), há um epitáfio para Humphrey How, o porteiro de Lady Leigh, que
e
século X'{rn. Mas muito freqüente,, em nossas narrativas históricas, encurtar as morreu em 1688:
, grandes transições. D~ixamos o problema das com'pras antecipadas de mer-
Aquijaz um amigo leal dos pobres
cadoria·s·e a dóutrina do preço justo no século xv11. Tratamos da história da Que tirava grandes esmolas da despensa de seu amo
economia de· livre mer-cado n•o' século•XIX. Mas: a morte da antiga economia Não choreis, oh pobres, embora vosso criado esteja morto
moral das provisões foi.tã0 prolçmgada quanto.a morte da intervenção paterna- O Senhor vos dará o pão de cada dia
lista na indústria.e no comércio. O consumidor defendia suas antigas noções de Se os mercados sobem, não reclameis de suas taxas
direitó.tão leimosamente quanto o seu status profissional como artesão (o mes- O preço ainda é o mesmo nos portões de Stone Leigh. ""
mo_homem; talvez, em çiutro papel).
Os antigos preceitos ressoavam durante todo o século xvm. De vez em
Essas noçõ~s declireito eram claramente articuladas. Por muito tempo,
quando ainda podiam ser escutados do púlpito:
levaram o imprimaturda igreja. O Book ofordersde 1630considerava o preceito
s o exemplo mora! como parte integrante das medidas de emergência: Extorsão de qualquer tipo é vil, mas essa extorsão dos cereais é do tipo mais vil.
Recai pesadamente sobre os pobres. É roubá-los por serem pobres [...] É acabar de
Q~e todos os meios e persuasões ho~estos sejam empregados pelos juízes em suas assassinar a quem já encontram meio mortos, é saquear o barco naufragado [...] Es-
virias divisões, e que se façam admoestações e exortações nos sermões das igrejas ses são os assassinos acusados pelo filho de Sirach, quando diz: O pão dos neces-
(... ], para que os pobres tenham à sua disposição cereais a preços convenientes e sitados significa a s_ua vida; aquele que lhes rouba esse pão é um sanguinário [...]

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Éjusto chamar esses opressores de 'sanguinário'; e certamente o sangue dos que amarela", muito provavelmente a icterícia associada à desn.utrição.''' Num ano
assim morrem será cobrado de suas mãos."' desses, o "mascate" de Wordswortb perambu,lou entre as choupanas·e viu
Mais freqüentemente eram encontrados nos folhetos ou nos jornais: As af/içíies daquela estação; muitÓs ric~s
Manter elevado o preço da própria matéria dJ vida numa transação tão e)\trava- Afundavam como num sonho entre os p_obres,
gante, a ponto de os pobres [...] não poderem comprá-la, é a maior iniqüidáde de E dos pobr~s muitos deixavam de'exist/,;'.
que um homem pode ser cu !pado; não é menos grave que assassinato, ou melhor, é E o seu lugar não os·reconhecia [...piv '"
o assassinato mais cruel.'"
Mas se o mercado era o ponto em que os trabalhadores mais freqüente-
Às vezes em volantes e baladas: mente se sentiam exp?stos à exploração, era també11_1 o ponto -especialmente
Oh, homens ricos de coração empedernido, nos distritos rurais ou manufatureiros d•ispersos ..,_ erp que eles poçliam mais
Nas vossas desgraças, chorai e gemei. facilmente se organizar. Ir ao mercado (ou "fazer as compras") se torna cac.a vez
O ouro corroído vai se rebelar contra vós, mais impessoal na sociedade industrial desenvolvida: Na Grã-Bretanha e na
E restemunhar contra vossas almas[ ... ]."'"'·' França do século xv111(e em algumas partes do.Sul da Itália, no H~iti, na Índia
rural ou na África da atualidade), o mercado continuava a ser uma conexão tan-
E freqüentemente em cartas anônimas. "Não façam de seu dinheiro um deus", os
to econôr!]ica como social. Era o·f ugaronde ocorriam centenas de t~insações: as
fidalgos de Newbury eram alertados em 1772: "mas pensem nos pobres, oh
grandes homens, vocês pensam em ir para o céu ou para o inferno? Pensem no notícias eram dadas, os rumores e os boat?S corriam por t<?da parte, discutia-se
sermão de 15 de março, pois ai de nós se não os obrigarmos a pensar, vocês pen- política (se é que se discutia) nas estalagens (?U vendas dé vinho ao redor da praça
sam em matar os pobres de fome, seus malditos filhos da puta[... )". •~"Mulher do mercado. O i:ner~ado era o lugar onde as pessoas, por serem,nu'merosas, sen-
avara!", assim os mineiros de estanho da Cornualha se-dirigiram a uma sone- tiam por um momento que t,inhani grande força. ,r,, . : • . .
gadora de cereais em 1795: "Estamos[ ... ] determinados a nos reunir e partir ime- Os confrontos do mercado numirsociedade "pré-industrial".são certamente
diatamente até encontrarmos o seu Ídolo, ou seu Deus, ou seu Moisés, a quem mais universais do que qual.quer ~xp_eriênc,ia nacional. E.ós,preceitos morais ele-
você assim considera, para derrubá-lo e igualmente derrubar a sua casa[ ...]". ''' mentares do "preço razoável" são igualmente universais. Nà realidade, pode-se
Hoje não damos importância aos mecanismos extorsivos de uma economia sugerir a sobreviyência na Grã-Bretanha de um imaginário pagão que cnega a
de mercado não regulado, porque causam à maioria de nós apenas inconveniên- níveis mais obscuros do que o simbolismo cristão. .Pouc~s rituais popularP,S so-
..cias, simples incômodos. Não era o caso no século XVIII. Períodos de escassez breviveram com tanta força até o final do século xvm quan'to a parafernália do fes-
eram realmente períodos de escassez. Os altos preços sígnificavam barrigas in- tejo do término da colheita, com seus a·mlll~tos e ceias, suas feiras e fes tivais.
chadas e crianças doentes que tinham por alimento pão ordinário feito com fa- Mesmo nas áreas manufatureiras, o ano _ainda girava no ritm0 das estações, e não
rinha estragada. Não se publicou até agora nenhuma evidência que mostrasse no ritmo dos bancos. A escassez·sempre causa um profundo choque psíquico
uma clássica crise des subsistances na Inglaterra no século xvm: 1'• a mórtali- nessas comunidades. Quando é acompan)lada da consciência das desigualdades,
dade de 1795 certamente não chegou perto da verificada na França no mesmo e da suspeita de ser manipulada, o choque se transforma em fúria.
ano. Mas havia o que a gentry descrevia como uma desgraça que era "ver- Quando se abre o novo século, fica-se i~pression~do com o crescente sim-
dadeiramente dolorosa": os preços em alta (escreveu um fidalgo) "arrancaram 'J. bolismo do sangue, e com sua adaptação à demanda oe pão. Em Nottingham, em
as roupas de suas costas, furtaram os sapatos e as meias dos seus pés e tiraram a 1812, as mulheres desfilaram com um pão enfiado riuma vara, listrado de ver-
comida'de suas bocas".'''Os levantes dos mirleiros de estanho da Cornualha melho e átado com crepe negro, emblemático da "fome sangrenta coberta com
eram precedidos por cenas angustiantes: os homens desmaiavam no trabalho e saco de aniagem". Em Yeovil (Somerset), em 1816, apareceu uma carta anôni -
tinham de ser carregados para casa pelos colegas, que não estavam em melhor ma, "Sangue, sangue, sangue, deve haver uma revolução geral [... ]", e a assi-
estado. A escassez foi acompanhada de uma epidemia descrita como ",febre natura era um coração pingando sangue. Nos motins de East Anglia do mesmo

(XIII) Go now you hard-heaned rich men./ ln your miseries, weep and howl./ Your (XIV) The hardships of 1har season; many rich/ Sank down as in a dream among lhe poor./
canker"d gold will rise against you,I And Witness be against your souls [... ]. And of the poor did many cease ro be,/ And lheir place knew them no1 (...].

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ano, surgiram expressões como "Vamos te.r sangue antes da refeição". Em Ply-
moutn, "um pão que fora molhado em sangue, com um coração ao lado, foi en-
contrado nas ruas". Nos grandes tumultos de Merthyrem 1831, sacrificou-se um
bezerro; um pão embebido em seu sangue, espetado num mastro de bandeira,
servil\ de emblema da revolta. 161
Essa fúria por cereais é um clímax curioso da era do desenvolvimento agrí-
cola. Na década de 1790, a própriagentryestava um tanto perplexa. Às vezes im-
, 'possibilitados pelo ex.cesso de alimentos muito nutritivos,'•2 os magistrados de
vez em quandó punham de lado a compilação laboriosa dos arquivos destinados
aos discípulos de Sir.Lewis Namier e espiavam de seus parques os campos de
trigo.em que os trabalhadores passavam fome. (Mais de um magistrado escreveu
ao Ministério do Interior, naquela conjuntura crítica; descrevendo as medidas
qu~ tomaria contra os amotinados se não estivesse confinado em casa por causa
d?- got?.) O campo não terá.segura~ça na época aa colheita, escreveu o governa-
do2 dé Cambridgeshire, "sem alguns soldados, pois ele ouvira falar que o povo
• pretel)dia.se apoderar dos cereais quando o trigo estivesse maduro". Ele achava
tal cois,i'"urIJa preocupaçãQ muitó séria'.' e "ml.\ito provável de acontecer nesse
• camp~ aberto, pelo menos à~ escondidas. 16' •
"Não dl!ves âmordaçar o bqi que pisoteia o trigo." O avanço da nova econo-
mia p~líti.ca foi também o colapso da antiga economia moral das provisões. De-
pois das guerras napoleônic,as, o que dela restou foi apenas a caridade - e
speennamland.·Â economia ·moral da multidão levou mais tempo para morrer:
é adotada pelas primeiràs cooperativas de moinhos de farinha, por alguns so-
ciaiisq1s qwenitas, e continuou a existir durante anos nas entranhas da Sociedade
Cooper~tiva de Vendas po·r Atacado [Cooperative Wholesale So]iety]. Um sin-
toma ele morte definitiva é termos sido capazes de aceitar por tanto tempo um
ponto de vista "economici~ta" dos moti11s da fome, como uma reação direta, es-
. pasmódica, irracional à fome - um ponto de vista, em si, produto de uma
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economia política que fez do salário o nexo das reciprocidades humanas. Mais
generosa, mas também mais autorizada, era a opinião do xerife de Gloucester-
shire em 176,6. As turbas daquelé ano (escreveu) tin,ham cometido muitos atos
de vioÍê'ncia, "al·guns de dissipação e desregramento; e, em outros casos, de co-
ragem,. prudência, justiça, além de demonstrarem perseverança em procurar
aquilo quc_professam quer~r alcançar". 1••

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