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1. Resumo
A poesia costuma ser definida como uma arte da linguagem. O que significa isso? Em
que sentido a poesia é uma “arte da linguagem”?
É aqui talvez que encontramos uma espécie de paradoxo da poesia lírica. Já foi dito que
o conteúdo da poesia não são atos ou fatos, mas sim estados internos – sensações,
sentimentos, ideias, pensamentos. Como já falamos, esses estados, por serem
subjetivos, nos parecem menos precisos e concretos que fatos e ações. A poesia lírica
lida, então, com um mundo inefável, abstrato e muitas vezes impreciso.
Paradoxalmente, as regras e técnicas de composição da poesia – e os critérios de sua
leitura – são extremamente concretos e até físicos: a métrica, o ritmo e a rima de um
poema são elementos físicos, podem ser ouvidos, classificados e até contados, ou seja,
são critérios numéricos; a sintaxe pode ser analisada e encontrada concretamente no
texto poético; e mesmo as figuras de linguagem e ideias podem ser localizadas em
determinados versos ou partes de versos. Ou seja, na poesia lírica, a imprecisão dos
estados internos é, por assim dizer, “compensada” pela precisão dos recursos
versificatórios e gramaticais. Voltando ao ensaio do Merquior, ele usa uma definição de
um autor chamado Wolfgang Kayser: a poesia se caracteriza por uma “dissolução dos
contornos do universo objetivo, e a compensação desta evanescência pelo rigor que
ganha a música das palavras”.
Essa é, em grande parte, a chave para o tipo de leitura de poesia que faremos aqui. Os
recursos da análise gramatical e da versificação são muito importantes para se ter uma
leitura mais objetiva e rica da poesia. Se leio um soneto de Camões com o único
objetivo de saber o que Camões “quer dizer”, perco todo a riqueza de recursos
estilísticos e formais que o poema tem, e a própria beleza dele me escapa. Nosso
objetivo, então, neste curso, é fazer leituras poéticas que usem todos esses
conhecimentos gramaticais e versificatórios sem deixar de lado a mensagem do poema.
Nosso objetivo, enfim, é entender como os recursos da linguagem podem ser usados
para construir uma mensagem poética.
2. REFERÊNCIAS
JAKOBSON, R. Poésie de la grammaire et grammaire de la poésie. In: JAKOBSON, R. Questions
de poétique. Éditions du Seuil. Paris. 1973. P. 219‐233.
MERQUIOR, J. G. A natureza da lírica. In: MERQUIOR, J. G. A Astúcia da mimese ‐ Ensaios sobre
Lírica. Topbooks. Rio de Janeiro. 1997. P. 17‐33.
MERQUIOR, J. G. Crítica, razão e lírica. In: MERQUIOR, J. G. A razão do poema. Civilização
Brasileira. Rio de Janeiro. 1965. P. 153‐188 (OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: embora eu tenha
usado a edição original, de 1965, obviamente fora de catálogo, este livro foi recentemente
reeditado pela É Realizações e encontra‐se em catálogo.)
3. EXERCÍCIOS DE REVISÃO
1. A poesia é frequentemente definida como “arte da linguagem”. Seria correto
também defini-la como uma forma de conhecimento, tal como filosofia, teologia
e outras áreas?
a. Não, pois, ao contrário do que ocorre com essas áreas, não existe
conhecimento na poesia, apenas beleza e fruição.
b. Sim, mas há uma diferença essencial entre a forma de se conhecer na
poesia e nessas áreas, especialmente no que toca à importância do objeto
de conhecimento.
c. Sim, pois a poesia é a disciplina que fala de nossos sentimentos e
emoções.
d. Não, pois o objetivo da poesia é desconstruir todos os conhecimentos
que temos e nos lançar em um mundo de total imprecisão e perda de
sentido.
e. Sim, a poesia é uma área do conhecimento que se divide em cinco níveis:
fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática.
2. Por que se diz não ser produtivo estudar poesia fundamentalmente a partir do
que ela diz ou do seu assunto?
a. Porque, a rigor, a poesia nunca tem um assunto, consistindo seu texto
em sentimentos e sensações sem precisão.
b. Porque a imputação de um assunto a um poema pode limitar seu escopo
e restringir sua capacidade de produzir sentido.
c. Porque, no texto poético, a forma como os recursos linguísticos são
articulados tem tanta importância quanto a mensagem que é
comunicada.
d. Porque a leitura de um poema é inteiramente subjetiva e não pode ser
uniformizada.
e. Porque, sendo a poesia essencialmente uma arte da linguagem, o
assunto ou mensagem que transmite não tem importância nenhuma; só
têm importância a forma e o uso da linguagem.
3. Wolfgang Kayser, citado por Merquior, fala em uma espécie de “compensação
poética”. De que compensação se trata?
a. A falta de assunto da poesia é compensada por sua beleza.
b. O tempo que dispendemos lendo um poema é compensado pelo prazer
estético que ele nos suscita.
c. A dificuldade de se ler um poema é compensada pelas reflexões sobre a
linguagem e sobre nós mesmos que esse poema pode nos oferecer.
d. A imprecisão de seu conteúdo é compensada pela precisão
proporcionada pelo rigor de seus critérios formais.
e. O preço dos livros é compensado pela qualidade dos poemas.