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Resumo:
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Carla Cristina Garcia é Mestre e Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e pós-doutorada pelo Instituto José Maria Mora (México, DF). É professora da PUC-SP no programa
de estudos pós graduados em psicologia social e ciências sociais e autora dos livros Ovelhas na Névoa: um
estudo sobre as mulheres e a loucura (Ed. Rosa dos Tempos/Record), Produzindo Monografia (Ed.
Limiar), As Outras Vozes: memórias femininas em São Caetano do Sul (Ed. Hucitec), Sociologia da
Acessibilidade (IESD), Hambre del Alma. Escritoras e o banquete de palavras (Ed. Limiar), Breve História
do Feminismo (Ed. Claridade), O Rosa, o Azul e as Mil Cores do Arco-Íris. Gêneros, corpos e sexualidades
na formação docente (Ed. Annablume), Mulheres, Tempos e Trabalhos (Ed. Annablume)
Introdução
"As mulheres só oferecem paradoxos e não problemas fáceis de resolver",
escreveu Olympe de Gouges em 1778. Cerca de duzentos anos depois, Joan
Scott usou a frase como título de seu livro de 1996. O paradoxo também possui
outros significados ou duas conclusões contraditórias que desafiam as opiniões
comuns. Pode indicar a complexidade da cena, mas também sugere o desejo de
desestabilizar criativamente o que nos é dado. Paradoxos inquietantes faziam
parte das lutas feministas e um exemplo poderia ser a noção de experiência.
No transcurso do tempo entre Gouges, Victoria e Scott, o termo "experiência"
sofreu profundas alterações no seu uso e significado. A palavra – que vem do
latim ex-perior e que quer dizer: tentar provar, comprovar, testar- tinha a princípio
um conteúdo ativo e claramente processual. A experiência significava acima de
tudo reconhecimento, investigação, exame, mas com o tempo houve um
deslocamento progressivo e se produziu um significado mais passivo e
receptivo.
Ao longo da primeira modernidade a experiência foi desprovida de sua dimensão
ativa voltada para a pesquisa; mesmo na linguagem comum há uma redução
que limita a "experiência" à percepção sensível, à presença. Hoje em dia, muitas
vezes falamos sobre experimentar, indicando o simples fato de perceber -de
sentir- coisas, sem presumir qualquer movimento ou pesquisa anterior. De modo
que pouco a pouco, foi-se entendendo o que é experimentado como real e, ao
mesmo tempo, em oposição ao que foi pensado.
Para Birulés, a tradição filosófica "tem entendido a experiência de pensar como
um processo de desensorialização, de interrupção, de remoção de todo visível,
a fim de acessar a região dos invisíveis, das ideias" (Birulés, 2003: 11)
Na filosofia, as palavras, até certo ponto, estão distantes, exiladas do mundo
comum:
Como se o pensamento fosse o resultado de uma mudança da
atenção, uma mudança que tornaria possível advertir o que
permanece inadvertido, quando nos encontramos envolvidos nas
urgências do cotidiano. Desse modo, parece que, frente a pergunta
onde estamos quando pensamos? a resposta só poderia ser: em
nenhum lugar. (Birulés, 2003: 12)
Segundo a autora, os filósofos inauguram sua reflexão com espanto e a mulher
- encarnando a vida - é entendida como a representação do que resiste à
reflexão, a teoria. Como se o pensamento e a vida se opusessem. Para elas,
talvez o exílio da palavra em filosofia se traduz - por assim dizer - em um exílio
duplo, pois as mulheres historicamente se encontraram a uma certa distância da
comunidade ou grupo a que pertenciam segundo todas as aparências e,
portanto, sempre estiveram ausentes e cativas das palavras que compunham a
vida cotidiana.
Desse modo, inspirado pelas zonas de experimentação da arte feminista dos
anos 70, este artigo busca refletir sobre a obra de algumas artistas à luz de
questionamentos levantados por Virginia Woolf sobre a imaginação criadora da
mulher. Para tanto, nosso percurso cumpre três paragens. Em um primeiro
momento, analisamos as implicações do assassinato da figuração do Anjo do
Lar, para quem as linhas de costura mais representavam forcas, quanto ao
advento de novas imagens para pensar a criatividade da mulher. Em um
segundo momento, trazemos os sentidos de Woolf de “um teto todo seu” para a
fundamentação de outras possibilidades de vida e subjetividade da mulher. Por
fim, no terceiro momento, falamos das possibilidades de experimentação de
novos nós e fios para uma ressignificação da trama privada e cotidiana a partir
das obras de Judy Chicago e Miriam Schapiro.
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Conferencia proferida em 21 de janeiro de 1931 em Londres, publicada postumamente em The Death
of the Moth (1942)
era de se esperar, ela fez muito mais do que um catálogo de problemas
sociológicos. Nesta pequena conferencia, Woolf fala sobre as condições e
obstáculos que uma mulher enfrenta quando elege a escrita como profissão e,
como criadora, como deixar correr a mão sobre o papel: o que dizer, como dizer
e como dizer com liberdade. Em menos de cinco páginas, resume a atitude
diante da criação e pergunta, em primeiro lugar, o que é uma mulher? Como
saber o que é? Como ela pode conseguir se expressar?
A primeira resposta que a escritora dá é a seguinte: matar o Anjo do Lar. A escrita
como profissão, ou vocação, a criação em qualquer âmbito exige que as
mulheres se expressem. Não é pouco, bem ao contrário, e não só para as
mulheres do início do século XX. No entanto, Woolf acrescenta que para
começar a escrever, ou a se expressar em qualquer arte ou profissão, além de
todas estas condições é preciso matar o Anjo do Lar. Ou seja, a criação e
expressão como escolha de vida para as mulheres - sublinha com serena e
complexa precisão - é um ato de morte da ordem estabelecida seguido de um
ato de liberdade extrema no curso da consciência. Matar o Anjo do Lar.
Woolf se refere ao Anjo do poema de Coventry Patmore, muito popular então,
no qual o poeta faz o elogio da perfeita esposa vitoriana. 3 (Springer, 1978:130-
131). A esposa perfeita era uma espécie de lubrificante da realidade, uma mescla
de anjo e duende, malicioso, se fosse o caso, que se encarregava de limar
arestas, engraxar engrenagens para que não chiassem, moderar as
desavenças, apaziguar desencontros e facilitar o curso dos acontecimentos
previstos. O Anjo do Lar custodiava uma ordem não elegida e inquestionável, e
o fazia guiado por uma bússola de renúncia e abnegação.
Nesta pequena conferência, Woolf confessou que, se bem acreditava ter
resolvido o problema do anjo do lar matando-o, não havia conseguido resolver o
conflito da liberdade de escrever sobre suas experiências, ou seja, não se sentia
livre como os homens para se entregar ao ato da criação em termos de
imaginação e transe. As mulheres podiam sim reclamar seu quarto, sua
remuneração pelo trabalho, reclamar seu desejo de não serem conciliadoras
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O longo poema de Coventry Patmore, escrito entre 1854 e 1856, celebrava a felicidade conjugal e a
feminilidade segundo os padrões vitorianos e foi, na época, um verdadeiro best seller.
perpétuas do irreconciliável, mas o exercício da imaginação para criar a obra de
arte ainda estava longe.
A descrição é simples e transparente: a mulher que não sabe no que consiste
ser uma mulher, e que não acredita que alguém saiba, escreveu um texto, enviou
para um editor em um lindo envelope, recebeu por seu trabalho e com o dinheiro
comprou um gato persa: algo tão inútil quanto belo e necessário. Este foi seu
primeiro ato como escritora profissional: comprar um gato persa. Escrevendo em
um quarto seu e comprando um gato persa, Woolf matou o anjo do lar. Além
disso, incluiu a firme decisão de não contentar a todo mundo e a necessidade de
comer bem como itens indispensáveis ao ato de matar o Anjo do Lar.
Ambiciosa, a escritora quer algo mais do que ser uma profissional da escrita, ela
quer ser livre para criar, quer levantar a mão, apertá-la contra a pena e, uma vez
atirado o tinteiro no anjo como quem lança uma pedra em um rio, quer algo mais.
O ato de assassinar o anjo é uma experiência laboral, social e agora ela quer a
experiência de criação, de imaginação.
Mas isto não é possível porque quando imagina uma mulher escrevendo, horas
a fio, percebe que ela acabaria encontrando empecilhos, um fundo rochoso, ao
querer falar do corpo e das paixões, pois se dava conta que não seria apropriado
a uma mulher falar sobre esses temas. A sociedade ficaria chocada, os homens
fariam comentários desrespeitosos, atingiria então uma barreira intransponível.
Woolf acreditava que serem inibidas pelo extremo convencionalismo do outro
sexo era uma experiência comum para as escritoras, sempre condenadas
quando avançavam nesse campo ((Woolf, 1985:120).
Para Woolf o ato de criação implica conseguir entrar no desconhecido de si
mesma e do mundo. Sabe que deve deixar ir as preocupações que possam
suscitar as exigências sociais do ser mulher para poder mergulhar no
desconhecido. E, adverte, é mais fácil matar o anjo do que não ser afetada pelo
olhar do outro. E a questão que fica é: como enfrentar a criação sem confundir
asas com pedras? Nem a profissão com a criação?
Woolf não oferece soluções, mas nomeia com lucidez – não isenta de
consternação – as dificuldades a enfrentar. Ela expôs na breve conferência suas
conquistas, derrotas, fantasmas, os anzóis necessários para a criação e os que
precisam ser descartados como a sedução da complacência por exemplo. Woolf
se movia entre as bibliotecas conquistadas, as por conquistar e os gatos persas.
A questão de um espaço próprio é central para que as mulheres possam se
expressar, é um requisito que não pode ser contornado. Procurou maneiras de
narrar não um mundo feminino, mas o espaço para a criação artística das
mulheres.
E sobre esse tema escreveu um livro, Um Teto Todo Seu (1929), hoje um texto
clássico, best seller quando de seu lançamento, vendeu mais de vinte e duas mil
cópias nos primeiros seis meses e até hoje nunca deixou de estar presente nas
livrarias da Grã-Bretanha e Estados Unidos (Gubar:2005: xlvii). Além das
circunstâncias da composição que o molda, a singularidade do livro está
relacionada com o momento histórico em que é finalizado, um pouco antes da
grande depressão mundial.
Woolf usa o cotidiano para construir sua reflexão. Menciona fatos da vida e
analisa a posição social marginalizada das mulheres nas instituições dominantes
da sociedade patriarcal. Ou seja, mostra que a experiência - para todos - tem a
forma do poder hegemônico, que o cotidiano de todos é definido por estratégias
de dominação.
Ela reflete sobre sua consternação por ter seu acesso negado em Oxbridge
[experiência comum] e mostra, pela reflexão, como essa experiência diária de
exclusão dos domínios público e político leva à falta de identidade ou de direitos
para as mulheres. Direitos que levarão muito tempo a serem alcançados porque
se aceitava que o que era entendido como experiência era costume, tradição,
sem qualquer reflexão. Além disso, enfatiza os efeitos materiais da
marginalização cultural e social das mulheres: pobreza, dieta incompleta, falta
de independência econômica que afeta sua capacidade de escrever.
Nos escritos de Woolf, a experiência comum e a intuição filosófica que dialoga
com o conhecimento estão interligadas. Ao refletir sobre padrões e diferentes
formas de experiência, Woolf não separou o pensamento da experiência comum;
colocou exatamente os debates de seus livros e comentários em torno dessa
questão.
Woolf também aponta que, para a crítica tradicional, um livro é bom porque fala
sobre guerras e outro insignificante porque lida com sentimentos de mulheres
em uma sala de estar. A diferença de valores persiste em toda parte, e é
necessário que isso seja explicitado e não entendido como inferioridade:
Basta entrar em qualquer sala de qualquer rua para que essa força
extremamente complexa da feminilidade tenha um rosto. Como
poderia não ser assim? Por milhões de anos as mulheres estão
sentadas em casa e agora as próprias paredes estão impregnadas
com essa força criativa, que tão sobrecarregou a capacidade dos
tijolos e argamassa que forçosamente estão ligadas as canetas,
pincéis, negócios e política. (Woolf 1985: 24)
A falta de apreço social por esta arte [o bordado] pode ser explicada
por sua ligação com um grupo humano previamente desvalorizado.
Não é, portanto, que as mulheres façam coisas pouco importantes,
mas sim que fazem parte de uma sociedade que cataloga como
pouco importante qualquer coisa o que as mulheres fazem. (Juliano
apud López Fernández Cao, 2000: p. 27).
A polêmica estava servida: quais são as chaves para discernir entre arte a e
artesanato e as razões? As artistas tinham consciência de que o conhecimento
tradicional das mulheres e as artes populares compartilhavam uma condição
semelhante; mesmo que presentes na vida diária, em geral ninguém percebe
sua presença. São quase tão invisíveis quanto insignificantes. Há um duplo
processo de marginalização que é preciso reverter. Muitas das atividades
criativas das mulheres ficaram ocultas por trás dos trabalhos da casa. Rever os
conceitos sobre arte popular, trabalhos domésticos, arte e artesanato, permite
tirar do anonimato a milhares de mulheres que no passado – e no presente-
trabalharam em ramos das artes que foram entendidos como inferiores sem mais
critério do que o preconceito social, racial ou de gênero.
Estas artes subvalorizadas em que as mulheres atuavam e atuam como
produtoras, público e críticas e cujo saber se transmite de mãe para filha, foram
recuperadas por estas artistas que as introduziram como locus e ethos a partir
dos quais subverteram a ordem patriarcal e os conceitos que dividem as artes
por categorias e os artistas por sexos. Elas recuperaram agulhas e linhas e
iniciaram um movimento conhecido como Pattern and Decoration que pretendia
libertar uma área de expressão visual que havia sido desvalorizada e desprezada
pelo mundo da arte.
A conquista do espaço pede a conquista do tempo por antonomásia: a história.
Se em 1929 Woolf nos falava de um espaço próprio como premissa
indispensável para a criação artística das mulheres, na conferência de 1931, ela
se insere na tradição de mulheres escritoras e evoca a história:
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(Não, agora ela é noiva do fermento/a esposa do escuro forno/a alquimista da farinha, /poeta da
manteiga/movimentada como uma nova metáfora em cada bolha.”
desenho que deveriam ser reproduzidas nos tecidos. Apesar das dificuldades,
ela diz que se sentia fortalecida pelo diálogo criativo:
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