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Cartas

Maurice Bellière

C 198 - Para o padre Maurice Bellière.

J.M.J.T.

Jesus+ Carmelo de Lisieux, 21 de outubro de 1996

Senhor padre,

Por encontrar-se adoentada, Nossa Reverenda Madre confiou-me a missão de responder


à vossa carta. Lastimo que fiqueis privado das santas palavras que esta Boa Madre vos
teria dirigido, mas sinto-me feliz em servir-lhe de intérprete e por comunicar-lhe a sua
alegria ao saber o trabalho que Nosso Senhor acaba de operar em vossa alma. Ela
continuará a pedir a fim de que Ele termine em vós sua obra divina.

Penso ser inútil dizer-vos, senhor padre, que tomo parte na felicidade da Nossa Madre.
Vossa carta de julho me afligiu muito; atribuindo a minha falta de fervor os combates que
tivestes de travar, eu não cessava de implorar para vós o socorro maternal da doce Rainha
dos Apóstolos, por isso, minha consolação foi muito grande ao receber, como ramalhete
de festa, a confirmação de que minhas pobres orações [v] foram atendidas…

Agora que a tempestade passou, agradeço a Deus por vos ter feito vencer, pois nos livros
sagrados lemos estas belas palavras: “Feliz do homem que suporta a provação”, e mais:
“O que não foi tentado, pouca coisa sabe…” De fato, quando Jesus chama uma alma para
dirigir, salvar multidões de almas, é necessário que lhe faça experimentar as tentações e
as provações da vida. Visto que vos concedeu a graça de fazer-vos sair vitorioso da luta,
eu espero, senhor padre, que o nosso doce Jesus realizará os vossos grandes desejos. Peço
a Ele que sejais não apenas um bom missionário, mas um santo inflamado do amor de
Deus e das almas; suplico-vos obter esse amor também para mim a fim de que eu possa
ajudar-vos na vossa obra apostólica. Já sabeis, uma carmelita que não fosse apóstola,
afastar-se-ia da sua vocação e deixaria de ser filha da seráfica santa Teresa que desejava
dar mil vidas para salvar uma só alma.

Não duvido, senhor padre, que desejareis juntar as vossas orações às minhas a fim de que
Nosso Senhor cure a Nossa Veneranda Madre.

Nos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, sempre serei feliz em dizer-me

Vossa indigna irmãzinha

Teresa do Menino Jesus, da Sagrada Face

rel. carm. ind.

C 213 - Para o padre Bellière.


J.M.J.T.
Carmelo de Lisieux
Jesus+ 26 de dezembro de 1896.
Senhor Padre,
Teria gostado de poder responder-vos mais cedo, mas a regra do Carmelo não permite
escrever e nem receber cartas durante o tempo do Advento. Todavia, Nossa Veneranda Madre
permitiu-me, excepcionalmente, ler a vossa, compreendendo que precisais ser
particularmente sustentado pela oração.

Asseguro-vos, senhor padre, que faço tudo o que está em meu poder a fim de obter
para vós as graças que vos são necessárias; essas graças ser-vos-ão certamente concedidas,
pois Nosso Senhor nunca nos pede sacrifícios acima das nossas forças. Às vezes, é verdade,
este divino Salvador nos faz sentir toda a amargura do cálice que apresenta à nossa alma.
Quando Ele pede o sacrifício de tudo o que nos é mais caro neste mundo, é impossível, sem
uma graça especial, não exclamar como Ele, no jardim da agonia: “Meu Pai, afastai de mim
este cálice; faça-se contudo a vossa vontade e não a minha” [1v].

É consolador pensar que Jesus, o Deus forte, conheceu as nossas fraquezas, que tremeu
à vista do cálice amargo, esse cálice que, outrora, desejara tão ardentemente beber…

Senhor padre, vossa parte é verdadeiramente bela, pois Nosso Senhor a escolheu para
Ele e foi o primeiro que molhou os seus lábios na taça que vos apresenta.

Um santo disse: A maior honra que Deus pode fazer a uma alma, não é dar-lhe muito,
mas pedir-lhe muito! Portanto, Jesus vos trata como privilegiado. Ele quer que começais
imediatamente a vossa missão e que, pelo sofrimento, salveis muitas almas. Não foi sofrendo,
morrendo, que Ele resgatou o mundo?… Sei que aspirais à felicidade de sacrificar a vossa vida
para o divino Mestre, mas o martírio do coração não é menos fecundo do que a efusão do
sangue e, desde já, esse martírio é o vosso; portanto, tenho muita razão de dizer que vossa
sorte é bela, que é digna de um apóstolo de Cristo.

Senhor padre, vindes buscar consolo junto àquela que Jesus vos deu por irmã e tendes
esse direito. Como nossa Reverenda Madre permite-me escrever-vos, gostaria de
corresponder à doce missão que me é confiada, mas sinto que o meio mais seguro de alcançar
minha meta é rezar e sofrer…

[2f] Trabalhemos juntos pela salvação das almas, só temos o


único dia desta vida para salvá-las e, dessa forma, dar ao
Senhor provas do nosso amor. O dia seguinte a este será a
eternidade; então, Jesus dar-vos-á centuplicadas as alegrias tão
doces e tão legítimas que lhe sacrificais. Ele conhece a extensão
do vosso sacrifício, sabe que o sofrimento dos que vos são caros
aumenta ainda mais o vosso, mas Ele também sofreu este
martírio; para salvar nossas almas, deixou sua Mãe, viu a
Virgem Imaculada, ao pé da cruz, o coração traspassado por um
gládio de dor, por isso, espero que nosso divino Salvador
console vossa boa Mãe, é o que eu Lhe peço encarecidamente.
Ah! se o divino Mestre deixasse entrever, aos que deixareis por
seu amor, a glória que vos reserva, a multidão de almas que
formarão o vosso séquito no Céu, seriam muito recompensados
pelo grande sacrifício que vosso afastamento vai lhes causar.
Nossa Madre está doente ainda, embora um pouco melhor nestes últimos dias; espero
que o divino Menino Jesus irá devolver-lhe as forças que empregará para a sua glória. Esta
veneranda Madre manda-vos a estampa de são Francisco de Assis que vos ensinará como
encontrar a alegria no meio das provações e dos combates da vida.

Espero, senhor padre, que continuareis [2v] rezar por mim que não sou um anjo como
pareceis julgar-me, mas uma pobre Carmelitazinha muito imperfeita e que, todavia, apesar da
sua pobreza, deseja, como vós, trabalhar pela glória de Deus.

Permaneçamos unidos pela oração e pelo sofrimento junto ao presépio de Jesus.

Vossa indigna irmãzinha


Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face
rel. carm. ind.

C 220 - Para o padre Bellière.


(Carmelo de Lisieux) J.M.J.T.
Noite de quarta-feira, 24 de fevereiro de 1897
Jesus+
Senhor padre,
Antes de ingressarmos no silêncio da quaresma, quero acrescentar uma palavrinha à
carta da Nossa Veneranda Madre, a fim de agradecer-vos por aquela que me mandastes no
mês passado.

Se sentis consolo em pensar que, no Carmelo, uma irmãzinha reza sem cessar por vós,
minha gratidão não é menor que a vossa quando penso que Nosso Senhor deu-me um
irmãozinho que Ele destina a ser seu sacerdote e seu apóstolo… Francamente, só sabereis no
Céu como sois caro para mim. Sinto que as nossas almas são feitas para se compreenderem,
vossa prova, que qualificais de “rude e breve”, revela-me que Jesus pôs em vosso coração
aspirações que Ele só dá às almas chamadas à mais alta santidade. Como Ele mesmo me
escolheu para ser vossa irmã, espero que não olhará para a minha fraqueza, mas que se servirá
dela para cumprir a sua obra; pois o Deus forte gosta de demonstrar seu poderio servindo-se
do nada. — Unidas a Ele, as nossas almas poderão salvar [1v] muitas outras, pois este doce
Jesus disse: “Se dois de vós sobre a terra concordarem acerca de qualquer coisa que tiverem a
pedir, ser-lhe-á concedida por meu Pai que está nos céus”. Ah! o que pedimos é trabalhar para
a sua glória, amá-lo e fazê-lo amar… Como a nossa união e a nossa oração poderiam deixar de
ser abençoadas?
Senhor padre, como o cântico sobre o amor vos agradou, nossa boa Madre disse-me
para copiar muitos outros para vós, mas os recebereis dentro de algumas semanas, pois tenho
poucos momentos livres, inclusive aos domingos, devido ao meu ofício de sacristã. Estas
pobres poesias não vos revelarão o que sou, mas o que gostaria de ser e deveria ser… Ao
compô-las, dei mais atenção ao sentido do que a forma, o que faz com que as regras da
versificação não sejam sempre respeitadas, minha finalidade consistia em traduzir os meus
sentimentos (ou melhor, os sentimentos da carmelita) para atender aos desejos das minhas
irmãs. Estes versos são mais adequados a uma religiosa do que a um seminarista; contudo,
espero que vos agradarão. Não é a vossa alma a noiva do divino Cordeiro? Não se tornará, em
breve, sua Esposa, no dia abençoado da vossa ordenação para o subdiaconato?

Agradeço-vos, Senhor Padre, por me terdes escolhido para madrinha da primeira


criança que tereis a alegria de batizar. A mim cabe escolher os nomes do meu futuro afilhado;
desejo dar-lhe por protetores a Santíssima Virgem, são José e são Maurício, padroeiro do meu
caro irmãozinho. Sem dúvida, esta criança só existe, por enquanto, no pensamento de Deus,
mas já rezo por [2f] ela e cumpro antecipadamente minhas obrigações de madrinha. Rezo
também por todas as almas que vos serão confiadas e, sobretudo, peço a Jesus que embeleze
a vossa com todas as virtudes e particularmente, com seu amor. Dizeis que rezais
frequentemente pela vossa irmã; como tendes essa caridade, gostaria muito que, cada dia,
fizésseis por ela a seguinte oração que contém todos os seus desejos: “Pai misericordioso, em
nome do nosso doce Jesus, a Virgem Maria e dos Santos, peço que abraseis a minha irmã com
o vosso Espírito de Amor e lhe concedais a graça de fazer amar-vos muito”. Prometeu-me rezar
por mim durante toda a vossa vida; sem dúvida, ela será mais longa que a minha e não vos é
permitido cantar, como eu: “Tenho esperança que meu exílio seja breve!…” Tampouco é
permitido esquecer-vos da vossa promessa. Se o Senhor me levar em breve para ficar com Ele,
peço que continueis, cada dia, a mesma oraçãozinha, pois desejarei no Céu o mesmo que
desejo na terra: amar a Jesus e fazê-lo amar.

Senhor padre, deveis achar-me estranha, e vos arrependeis, talvez, por terdes uma
irmã ansiosa por gozar do descanso eterno e vos deixar sozinho para trabalhar…, mas
sossegais, meu único desejo é a vontade de Deus e confesso que se não pudesse mais, no Céu,
trabalhar para a sua glória, preferia o exílio à pátria.

Ignoro o futuro, porém, se Jesus realiza [2v] os meus pressentimentos, prometo-vos


continuar sendo vossa irmãzinha no Céu. Longe de quebrar-se, a nossa união será mais íntima,
não haverá mais clausura, nem grades, e minha alma poderá voar convosco nas missões
longínquas. Nossos papéis continuarão os mesmos: para vós, as armas apostólicas, para mim, a
oração e o amor…

Senhor padre, acabo de perceber a minha distração, está ficando tarde; dentro de
alguns minutos tocará o sinal para o ofício divino e ainda tenho um pedido a vos fazer. —
Gostaria que me comunicásseis as datas memoráveis da vossa vida a fim de que eu possa unir-
me a vós, de maneira especial, para agradecer a Nosso Doce Salvador pelas graças que vos
concedeu.

No Coração Sagrado de Jesus-Hóstia que, logo será exposto para a nossa adoração, fico
feliz em dizer-me, para sempre:

Vossa pequeníssima e indigna irmã

Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face


rel. carm. ind.

C 224 - Para o Padre Bellière.


J.M.J.T.
25 de abril de 1897
Aleluia.
Meu querido irmãozinho,
A minha pena, ou melhor, meu coração, recusa-se a chamar-vos, de agora em diante,
de “senhor Padre”, e nossa boa Madre me disse que podia fazer uso, quando vos escrevo, do
nome que sempre utilizo quando falo de vós a Jesus. Parece-me que este divino Salvador
aceitou unir as nossas almas para trabalharmos na salvação dos pecadores, como uniu,
outrora, as do Venerável Padre de la Colombière e da Bem-aventurada Margarida Maria. Lia,
recentemente, na biografia desta santa: “Um dia em que me aproximava de Nosso Senhor
para recebê-lo na sagrada Comunhão, mostrou-me seu Sagrado Coração como sendo uma
fornalha ardente e dois outros corações (o seu e o do padre de la C.) que iam unir-se e
abismar-se dizendo: Assim é que meu puro amor une estes três corações para sempre. Fez-me
entender, ainda, que esta união era toda para a sua glória e que, para isso, queria que
fôssemos como irmão e irmã, igualmente providos de bens espirituais. Nisso, fazendo Nosso
Senhor reparar na minha pobreza e na desigualdade existente entre um sacerdote de tão
grande virtude e uma pobre pecadora como eu, disse-me [1v]: As riquezas infinitas do meu
coração suprirão tudo e igualarão tudo”.

Talvez, meu irmão, a comparação não vos pareça justa? Verdade que não sois ainda um
padre de la Colombière, mas não duvido que, um dia, sereis, como ele, um verdadeiro
apóstolo de Cristo. Também não pretendo comparar-me à Bem-aventurada Margarida Maria;
apenas constato que Jesus escolheu-me para ser a irmã de um dos seus apóstolos e as palavras
que a santa Amante do seu coração lhe dirigia, por humildade, repito-lhas eu, com toda a
verdade; portanto, espero que suas infinitas riquezas suprirão tudo o que me falta para
cumprir a obra que me confia.

Estou verdadeiramente feliz por Deus ter-se servido dos meus pobres versos para vos
ajudar; teria ficado constrangida em vo-los mandar se não me tivesse lembrado que uma irmã
não deve esconder nada do seu irmão. Acolheste-os e os julgastes com um coração fraterno…
Sem dúvida, ficastes surpreso por reencontrar: “Viver de Amor”, não era minha intenção
mandá-la duas vezes; já tinha iniciado a cópia quando me lembrei que já a tínheis; era tarde
para desistir.

Meu caro irmãozinho, devo admitir que, na vossa carta, uma coisa me entristeceu, é
que não me conheceis tal como sou na realidade. É verdade que, para encontrar grandes
almas, precisa-se vir ao Carmelo; como nas florestas virgens, germinam aqui flores com
perfume e beleza ignorados do mundo. Jesus, na sua misericórdia, quis que, entre estas flores,
houvesse umas mais pequenas, nunca poderei agradecer-lhe o suficiente pois [2f] é graças a
esta condescendência que eu, pobre flor sem brilho, encontro-me no mesmo canteiro que as
rosas, minhas irmãs. Ó meu irmão! suplico-vos, acreditai, Deus não vos deu por irmã uma
grande alma, mas uma muito pequenina e muito imperfeita.
Não penseis que é a humildade que me impede de reconhecer os dons de Deus, sei que
fez em mim grandes coisas e louvo-o com satisfação, todos os dias. Lembro-me que aquele a
quem mais se perdoou deve amar mais, por isso procuro fazer com que a minha vida seja um
ato de amor e não me preocupo mais por ser uma pequena alma, pelo contrário, alegro-me.
Eis por que ouso esperar que “meu exílio será curto”, mas não é porque estou pronta; sinto
que nunca o deixaria se o Senhor não se empenhasse em me transformar; Ele pode fazê-lo
num instante; depois de todas as graças com que me cumulou, ainda espero essa da sua
infinita misericórdia.

Dizeis, meu irmão, para pedir para vós a graça do martírio; solicitei-a para mim muitas
vezes, mas sou indigna dela e podemos dizer com são Paulo: “Não depende daquele que quer,
nem daquele que corre, mas de Deus que usa de misericórdia”. Como o Senhor parece desejar
conceder-me apenas o martírio do amor, espero que me permitirá, por meio de vós, colher a
outra palma que ambicionamos. Vejo com prazer que Deus deu-nos as mesmas inclinações, os
mesmos desejos. Fiz que sorrísseis, caro irmãozinho, ao cantar “as minhas Armas”, pois bem!
Vou fazer-vos sorrir de novo, contando que, na minha infância [2v], sonhei em combater nos
campos de batalha… Quando comecei a estudar a História da França, o relato das façanhas de
Joana D’Arc encantava-me, sentia no meu coração o desejo e a coragem de imitá-la, parecia-
me que o Senhor me destinava a grandes coisas6. Não estava enganada. Porém, em vez de
vozes do Céu convocando-me ao combate, ouvi, no fundo da minha alma, uma voz mais suave,
mais forte, a do Esposo das virgens chamando-me para outras façanhas, para conquistas mais
gloriosas. E, na solidão do Carmelo, compreendi que a minha missão não consistia em fazer
coroar um rei mortal, mas em fazer amar o Rei do Céu, em entregar-Lhe o reino dos corações.

Tenho de parar, mas preciso ainda agradecer pelas datas que me enviastes, gostaria
também que acrescentásseis os anos, pois não sei qual é a vossa idade. Para que desculpeis a
minha simplicidade, mando-vos as datas memoráveis da minha vida, também com a intenção
de servir particularmente à nossa união pela oração e pela gratidão naqueles dias abençoados.

Se Deus me der uma afilhadinha, ficarei muito feliz em responder ao vosso desejo
dando-lhe por protetores a Santíssima Virgem, são José e minha santa padroeira.

Enfim, meu querido irmãozinho, termino pedindo que desculpeis minha longa garatuja
e a confusão da minha carta

No Sagrado Coração de Jesus, sou para a eternidade

Vossa indigna irmãzinha

Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face


rel. carm. ind.
[2r r-v] Está bem entendido, não é verdade, que nosso relacionamento deve
permanecer secreto? Ninguém, exceto o vosso diretor, deve saber da união que Jesus formou
entre as nossas almas).

C 244 - Para o padre Bellière.


J.M.J.T.
9 de junho de 1897
Meu caro irmãozinho, recebi a vossa carta esta manhã e aproveito o momento em que
a enfermeira está ausente para escrever-vos uma última palavrinha de adeus. Quando a
receberdes, terei deixado o exílio… Vossa irmãzinha estará para sempre unida a seu Jesus,
poderá, então, obter graças para vós e voar convosco nas missões longínquas.

Ó meu querido irmãozinho, estou feliz por morrer!… sim, estou feliz, não porque
estarei libertada dos sofrimentos da terra (o sofrimento, pelo contrário, é a única coisa que me
parece desejável no vale das lágrimas), mas porque sinto que essa é a vontade de Deus.

Nossa boa Madre gostaria de reter-me na terra; neste momento, faz-se para mim uma
novena de missas para Nossa Senhora das Vitórias, que já me curou na minha infância, mas
creio que o milagre que ela fará será o de [v] consolar a Madre que me ama com muita
ternura.

Querido irmãozinho, no momento de comparecer diante Deus, compreendo mais do


que nunca que só há uma coisa necessária: trabalhar unicamente por Ele e nada fazer para si
nem para as criaturas.

Jesus quer possuir o vosso coração por inteiro, quer que sejais um grande santo. Para
isso, precisareis sofrer muito; mas que alegria inundará a vossa alma quando chegardes ao feliz
momento do vosso ingresso na Vida eterna!… Meu irmão, a todos os vossos amigos do Céu,
irei em breve oferecer o vosso amor, pedir-lhes que vos protejam. — Meu querido irmãozinho,
gostaria de dizer-vos mil coisas que compreendo, agora que estou à porta da eternidade, mas
não morro, entro na vida e tudo o que não posso dizer-vos na terra, farei com que o
compreendais do alto do Céu…

Adeus, irmãozinho, rezai por vossa irmãzinha que vos diz: Até breve, até a vista, no
Céu!…

Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face


rel. carm. ind.

C 247 Para o padre Bellière.


Carmelo de Lisieux J.M.J.T. 21 de junho de 1897
Jesus+
Meu querido irmãozinho,
Convosco agradecerei a Nosso Senhor pela grande graça que Ele se dignou vos
conceder no dia de Pentecostes, foi também no dia desta bela festa (há dez anos) que obtive,
não do meu diretor, mas do meu pai, a permissão para fazer-me apóstola no Carmelo. Mais
um laço entre as nossas almas.

Ó meu caro irmãozinho, suplico-vos, não penseis nunca que “me aborreceis ou me
distraís” falando muito de vós. Seria possível que uma irmã deixasse de ter interesse por tudo
o que toca a seu irmão? Quanto a distrair-me, não tenhais receio algum, pelo contrário, as
vossas cartas unem-me ainda mais a Deus, fazendo-me contemplar de perto [1v] as maravilhas
da sua misericórdia e do seu amor.
Algumas vezes, Jesus compraz-se em “revelar seus segredos aos mais pequeninos”, a
prova disso é que, depois de ter lido a vossa primeira carta, de 15 de outubro de 1895, pensei
o mesmo que vosso diretor: Não podereis ser santo pela metade, devereis sê-lo por completo
ou de modo nenhum. — Senti que deveis possuir uma alma enérgica e é por isso que fiquei
feliz em me tornar vossa irmã.

Não receeis apavorar-me falando “dos vossos belos anos desperdiçados”. Agradeço a
Jesus por ter-vos olhado com olhar de amor como outrora ao jovem do Evangelho. Mais feliz
do que ele, respondestes fielmente ao chamado do Mestre, deixastes tudo para segui-Lo e na
mais bela idade da vida, aos dezoito anos. Ah! meu irmão, como eu, podeis cantar as
misericórdias do Senhor, elas brilham em vós com todo esplendor… Amais santo Agostinho,
santa Madalena, almas a quem “muitos pecados foram perdoados [2f] porque amaram
muito”. Eu também os amo, amo o seu arrependimento e, sobretudo… sua amorosa audácia!
Quando vejo Madalena avançar diante dos numerosos convidados, molhar com suas lágrimas
os pés de seu Mestre adorado que toca pela primeira vez, sinto que seu amor compreendeu os
abismos de amor e de misericórdia do Coração de Jesus, e embora pecadora, este Coração de
amor não só está disposto a perdoar-lhe, mas também a prodigalizar-lhe os favores da sua
divina intimidade, a levá-la até os mais altos cumes da contemplação.

Ah! meu querido irmãozinho, a partir do momento em que me foi dado compreender
também o amor do Coração de Jesus, confesso que expulsou qualquer temor do meu coração.
A lembrança das minhas faltas humilha-me, leva-me a nunca contar com a minha força que
não passa de fraqueza, mas esta lembrança fala-me ainda mais de misericórdia e de amor.

Como é que ao atirarmos as nossas faltas com uma confiança toda filial no braseiro
devorador do Amor, [2v] como poderiam deixar de serem consumidas totalmente?

Eu sei que há santos que passaram a vida toda praticando espantosas penitências para
expiar seus pecados; mas, o que quereis, “Há muitas moradas na casa do Pai celeste”. Jesus o
disse, e é por isso que sigo a via que Ele me indicou. Procuro não ocupar-me comigo mesma
em nada, e o que Jesus se digna operar na minha alma confio a Ele, pois não escolhi uma vida
austera para expiar as minhas faltas, mas as dos outros.

Acabo de reler o que escrevi e pergunto a mim mesma se o compreendereis, pois


expressei-me muito mal. Não penseis que reprovo o arrependimento que tendes das vossas
faltas e vosso desejo de expiá-las. Oh, não! longe disso, mas sabeis: agora somos dois, o
trabalho será feito mais depressa (e eu, à minha maneira, farei mais do que vós), e espero que,
um dia, Jesus vos fará caminhar pela mesma via que eu.

Perdão, querido irmãozinho, não sei o que me acontece hoje, pois digo exatamente o
que não gostaria de dizer. Não tenho mais lugar para responder à [2v tv] vossa carta. Fá-lo-ei
em outra ocasião. Obrigada pelas vossas datas, já festejei os vossos vinte e três anos. Rezo
pelos vossos familiares que Deus retirou deste mundo e não me esqueço da mãe que amais.

Vossa indigna irmãzinha


Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face
rel. carm. ind.
C 253 - Para o padre Bellière.
J.M.J.T.
Jesus + 13 de julho de 1897
Meu querido irmãozinho,
Talvez, quando lerdes esta palavrinha, eu não esteja mais na terra, mas no seio das
eternas delícias! Desconheço o futuro, porém, posso dizer-vos com certeza que o Esposo está
à porta, me aguardando, precisaria de um milagre para reter-me no exílio e não creio que
Jesus fará esse milagre inútil.

Ó meu querido irmãozinho, como estou feliz por morrer! Sim, estou feliz, não por ver-
me livre dos sofrimentos (o sofrimento unido ao amor é, pelo contrário, a única coisa que me
parece desejável no vale das lágrimas), [1v]. Estou feliz em morrer por sentir que essa é a
vontade de Deus e que, muito mais do que na terra, serei útil às almas que me são queridas, à
vossa, particularmente. Na vossa última carta pedistes à nossa Madre, para que eu vos
escrevesse com frequência durante as férias. Se o Senhor quiser prolongar por mais algumas
semanas a minha peregrinação e nossa Madre o permitir, poderei rabiscar ainda algumas
palavrinhas como estas, mas o mais provável é que farei mais do que escrever para o meu caro
irmãozinho, até mais do que falar-lhe a linguagem cansativa da terra, estarei pertinho dele,
verei tudo o que ele precisa [2f] e não deixarei Deus descansar enquanto não me der o que eu
quiser!… Quando meu querido irmãozinho partir para a África, segui-lo-ei, não já pelo
pensamento; pela oração minha alma estará sempre com ele e a sua fé saberá descobrir a
presença de uma irmãzinha que Jesus lhe deu não para ser seu amparo durante apenas dois
anos, mas até o último dia da sua vida.

Todas estas promessas, meu irmão, talvez vos pareçam quiméricas, porém, deveis
começar a perceber que Deus sempre me tratou como criança mimada, embora sua cruz me
acompanhe desde o berço [2v], mas Jesus fez-me amar essa cruz com paixão. Sempre faz-me
desejar o que me queria dar. Será que deixará no Céu de satisfazer os meus desejos?
Francamente, não o creio e vos digo: “Em breve, irmãozinho, estarei perto de vós”.

Ah! suplico-vos, rezai muito por mim, as orações me são tão necessárias neste
momento, mas, sobretudo, rezai para a nossa Madre, que teria gostado de me segurar aqui
por muito tempo ainda; para o conseguir, nossa veneranda Madre mandou celebrar uma
novena de missas a Nossa Senhora das Vitórias que me curou na minha infância, mas eu,
sentindo que o milagre não ia acontecer, pedi e obtive da Santíssima Virgem que ela
consolasse um pouco o coração da minha Madre ou, melhor, que a fizesse consentir que Jesus
me levasse para o Céu.

[2r tv] Adeus, irmãozinho, até breve, até a vista no belo Céu.

Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face


rel. carm.

C 258 - Para o padre Bellière.


J.M.J.T.
Jesus+ 18 de julho de 1897
Meu pobre e querido irmãozinho,
Vossa dor comove-me profundamente, mas vede como Deus é bom. Permite que ainda
possa escrever-vos a fim de consolar-vos e, sem dúvida, não é pela última vez. Esse doce
Salvador ouve as vossas queixas e as vossas orações, é por isso que me deixa ainda na terra.
Não penseis que me aflijo por isso, oh! não, meu querido irmãozinho, pelo contrário, pois vejo
nessa conduta de Jesus quanto Ele vos ama!…

Sem dúvida, expressei-me mal na minha última carta, pois dizeis, meu querido
irmãozinho, “para não vos pedir essa alegria que eu sinto com a aproximação da felicidade”.
Ah! se por alguns minutos pudésseis ler na minha alma, como ficaríeis surpreso! A ideia da
felicidade celeste não só não me causa alegria alguma, mas ainda pergunto como me será
possível ser feliz sem sofrer. Sem dúvida, Jesus mudará a minha natureza, caso contrário
sentirei falta do sofrimento e do vale das lágrimas. Nunca pedi a Deus para morrer jovem [1v],
isso parecer-me-ia covardia, mas Ele, desde a minha infância dignou-se dar-me a persuasão
íntima de que minha carreira nesta terra seria breve. Portanto, é só a ideia de cumprir a
vontade do Senhor que me causa alegria.

Ó meu irmãozinho, como gostaria de poder derramar no vosso coração o bálsamo da


consolação! Só posso tomar de empréstimo as palavras de Jesus na última ceia. Ele não se
ofenderá, com isso já que sou sua esposinha e, consequentemente, os bens dele são meus.
Como Ele para seus íntimos, digo-vos: “E agora vou para aquele que me enviou e nenhum de
vós me pergunta: Para onde vais? — Mas, por vos ter eu dito isso, a tristeza encheu o vosso
coração. Contudo, digo-vos a verdade: é melhor para vós que eu vá”; “vós estais agora em
tristeza, mas eu voltarei a ver-vos, então o vosso coração alegrar-se-á e ninguém arrebatará a
vossa alegria”.

Tenho certeza, depois do meu ingresso na vida, a tristeza do meu querido irmãozinho
transformar-se-á numa alegria serena que nenhuma criatura lhe poderá arrebatar. Sinto que
devemos ir para o Céu pelo mesmo caminho, o do sofrimento unido ao amor. Quando eu
estiver no porto, ensinar-vos-ei, caro irmãozinho da minha alma, como deveis navegar no mar
turbulento do mundo; com o abandono e o amor de uma criança que sabe que seu pai a ama
[2f] e não a largaria sozinha na hora do perigo. Ah! como gostaria de fazer-vos compreender a
ternura do Coração de Jesus, o que Ele espera de vós. Na vossa carta do dia 14 fizestes vibrar
docemente o meu coração, compreendi mais do que nunca até que ponto a vossa alma é irmã
da minha, pois está chamada a elevar-se para Deus pelo ascensor do amor e não pela rude
escada do temor… Não estranho nem um pouco que a prática da familiaridade com Jesus vos
pareça um pouco difícil de realizar; não se pode chegar a isso num só dia, mas tenho certeza
que vos ajudarei muito mais a caminhar por esta via deliciosa quando eu estiver liberta do
meu invólucro mortal e, em breve, como santo Agostinho, direis: “O amor é o peso que me
impele”.

Eu queria tentar fazer-vos compreender por uma comparação muito simples, como
Jesus ama as almas mesmo imperfeitas que confiam nele: Suponha que um pai tenha dois
filhos levados e desobedientes e, chegando para castigá-los, vê um deles tremer e se afastar
com terror, mas tendo no fundo do coração o sentimento de merecer o castigo; o outro, ao
contrário, lança-se nos braços do pai dizendo que se arrepende de o ter desgostado, que o
ama e que, para provar, será obediente daquele momento em diante; e se esse filho pedir
[2v], com um beijo ao pai para puni-lo, não creio que o coração do feliz pai possa resistir à
confiança filial do seu filho de quem conhece a sinceridade e o amor. Não ignora, todavia, que
seu filho recairá nas mesmas faltas, mas está disposto a perdoá-lo sempre se, sempre, o filho o
pegar pelo coração… Nada vos digo do primeiro filho, meu querido irmãozinho, deveis
imaginar se o pai pode amá-lo tanto e tratá-lo com a mesma indulgência…

Mas por que falar-vos da vida de confiança e de amor? Explico-me tão mal que preciso
esperar o céu para entreter-vos sobre essa feliz vida. O que queria fazer, hoje, era consolar-
vos. Ah! como seria feliz se aceitásseis a minha morte como a aceita madre Inês de Jesus.
Ignorais, sem dúvida, que ela é duas vezes minha irmã e que foi ela quem me serviu de mãe na
minha infância, nossa boa Madre receava muito que sua natureza sensível e sua grande
afeição por mim lhe tornasse a minha partida muito amarga. Aconteceu o contrário; fala da
minha morte como de uma festa, o que é uma grande consolação para mim; suplico-vos, meu
caro irmãozinho, procurai, como ela, persuadir-vos de que em vez de perder-me, me
encontrareis, e não mais vos deixarei. Pedi a mesma graça para a Madre que estimais e que eu
estimo também mais do que o meu irmão a estima, pois é meu Jesus visível. Dar-vos-ia com
alegria o que me pedistes se não tivesse eu o voto de pobreza, mas por causa dele, não posso
dispor nem sequer de uma estampa, só a nossa Madre pode atender a esse pedido e sei que
ela [2v tv] satisfará o vosso desejo. Justamente, em razão da minha morte próxima, uma irmã
me fotografou para a festa [1v r-v] da nossa Madre. As noviças exclamaram quando me viram,
que eu tinha tomado ares importantes, parece que, habitualmente, sou mais sorridente, mas
crede, meu irmãozinho, que se a minha foto não vos sorri, minha [2r r-v] alma não deixará de
vos sorrir quando estiver perto de vós. Adeus, meu querido e muito amado irmão, crede que
serei, durante toda a eternidade, a vossa verdadeira irmãzinha.

Teresa do Menino Jesus r.c.i.

C 261 - Para o padre Bellière.


J.M.J.T.
Jesus+ 26 de julho de 1897
Meu caro irmãozinho,
A vossa carta me agradou1! Se Jesus ouviu as vossas orações e prolongou meu exílio
por causa delas, também atendeu, no seu amor, as minhas, pois estais resignado a perder
“minha presença, minha ação sensível” como dizeis. Ah! meu irmão, deixai-me dizer-vos: Deus
reserva para a vossa alma surpresas, bem agradáveis! ela está como me escrevestes, “pouco
habituada às coisas sobrenaturais” e eu que por alguma razão sou a vossa irmãzinha, prometo-
vos fazer-vos provar, depois da minha partida para a vida eterna, o que se pode achar de
felicidade em sentir perto de si uma alma amiga. Não será esta correspondência mais ou
menos espaçada, sempre incompleta, que pareceis deplorar, mas um entretenimento fraterno
que encantará os anjos, um entretenimento que as criaturas não poderão censurar, visto que
lhes será oculto. Ah! como me parecerá bom estar livre desse invólucro mortal que me
obrigaria, caso uma circunstância impossível me colocasse na presença do meu caro
irmãozinho, no meio de muitas pessoas, olhá-lo como um desconhecido, um estranho!…
Suplico-vos, meu irmãozinho, não imiteis os hebreus que tinham saudade “das cebolas do
Egito”, [1v] aliás, nesses últimos tempos, já vos servi em demasia esses legumes que fazem
chorar quando se aproximam dos olhos sem estarem cozidos.

Agora, sonho em compartilhar convosco “o maná escondido” que o Todo Poderoso


prometeu dar “ao vencedor”. É unicamente por estar escondido que esse maná celeste vos
atrai menos do que “as cebolas do Egito”; mas tenho certeza, logo que me for permitido
servir-vos um alimento todo espiritual, não sentireis mais saudade daquela que vos teria
servido caso tivesse permanecido na terra. Ah! vossa alma é grande demais para prender-se a
uma consolação da terra. É nos céus que deveis viver antecipadamente, pois está escrito:
“Onde está o vosso tesouro, aí está o vosso coração”. Vosso único tesouro não é Jesus? Pois
como está no céu, aí deve morar o vosso coração, e digo-vos simplesmente, meu querido
irmãozinho, parece-me que vos será mais fácil viver com Jesus quando eu estiver perto Dele
para sempre.

Seria preciso conhecer-me apenas imperfeitamente para pensar que um relato


detalhado das vossas faltas pudesse diminuir a ternura que tenho para com a vossa alma! Ó
meu irmão, crede, não precisarei “pôr a mão na boca de Jesus”! Há muito tempo Ele se
esqueceu das vossas infidelidades, só os vossos desejos de perfeição estão presentes para
alegrar-Lhe o coração. Suplico-vos, não vos arrasteis mais a seus pés, segui este “primeiro
impulso que vos atrai para os seus braços”, [2f] aí está o vosso lugar e constatei mais do que
nas cartas anteriores que vos é proibido ir para o Céu por outro caminho diferente que o de
vossa pobre irmãzinha.

Sou completamente da vossa opinião, “O Coração divino está mais aflito com as mil
indelicadezas dos seus amigos que com as faltas até graves cometidas pelas pessoas do
mundo”, mas, meu caro irmãozinho, parece-me que é apenas quando os seus, não se dando
conta das habituais indelicadezas fazem delas um hábito e não Lhe pedem perdão, que Jesus
pode dizer estas palavras comoventes que são colocadas na sua boca pela Igreja durante a
Semana Santa: “Estas chagas que vedes no meio das minhas mãos são as que recebi na casa
dos que me amavam’”. Para os que o amam e que, depois de cada indelicadeza, vêm pedir-Lhe
perdão lançando-se nos seus braços, Jesus vibra de alegria, Ele diz para os seus anjos o que o
pai do filho pródigo dizia para os seus servidores: “Trazei depressa a melhor veste e vesti-lha;
ponde-lhe um anel no dedo e calçados nos pés, regozijemo-nos”. Ah! meu irmão, como a
bondade, o amor misericordioso de Jesus são pouco conhecidos!… É verdade que, para gozar
destes tesouros, é preciso humilhar-se, reconhecer o próprio nada, e é isso o que muitas almas
não querem fazer, mas, meu irmãozinho, não é assim que procede por isso a via da confiança
simples e amorosa é feita para vós.

Gostaria que fosses simples com Deus, mas também… comigo, estais espantado com a
minha frase? É que [2v], meu caro irmãozinho, pedistes-me perdão “pela vossa indiscrição”
que consiste em desejar saber se, no mundo, vossa irmã se chamava Genoveva; eu acho a
pergunta muito natural; para prová-lo vou dar-vos pormenores sobre a minha família, pois não
fostes muito bem informado.

Deus me deu um pai e uma mãe mais dignos do céu do que da terra; pediram ao
Senhor que lhes desse muitos filhos e os tomasse para Ele. Este desejo foi atendido. Quatro
anjinhos voaram para o Céu e as cinco filhas que ficaram na arena tomaram a Jesus por
Esposo. Foi com uma coragem heroica que meu pai, como um novo Abraão, subiu três vezes a
montanha do Carmelo para imolar a Deus o que tinha de mais caro. Primeiramente, foram as
duas mais velhas e, depois, a terceira das suas filhas, a conselho do seu diretor e conduzida
pelo nosso incomparável pai fez uma tentativa num convento da Visitação (Deus contentou-se
com a aceitação, voltou mais tarde ao mundo onde vive como se estivesse no claustro). Só
restava ao eleito de Deus duas filhas, uma de dezoito anos e, a outra de quatorze anos. Esta,
“a Teresinha”, pediu-lhe para voar para o Carmelo, o que obteve sem dificuldade por parte do
seu bom pai que teve a condescendência de levá-la a Bayeux e, depois a Roma, a fim de
levantar os obstáculos que atrasavam a imolação daquela que ele chamava de sua rainha.
Depois de levá-la ao porto, ele disse à única que lhe restava: “Se tu quiseres seguir o exemplo
das tuas irmãs, consinto, não te preocupes comigo”. O anjo que devia amparar a velhice de tal
santo respondeu-lhe que após sua partida para o Céu, voaria também para o claustro, o que
encheu de alegria aquele que vivia só para Deus. Mas tão bela vida devia ser coroada por uma
provação à altura. Pouco tempo depois da minha partida, o pai que nós amávamos com justo
título foi tomado por um ataque de paralisia nas pernas o que reincidiu por várias vezes, mas
não podia ficar por aqui; a provação teria sido suave demais, pois o heroico patriarca havia se
oferecido como vítima a Deus. A paralisia mudou de rumo e fixou-se na cabeça venerável da
vítima que o Senhor havia aceitado… Falta-me espaço para dar-vos pormenores comoventes,
quero apenas dizer-vos que tivemos de beber o cálice até à última gota e separar-nos, durante
três anos, do nosso venerando pai, confiando-o a mãos religiosas, porém estranhas. {2v r-v] Ele
aceitou esta provação da qual compreendia toda a humilhação e levou o heroísmo até não
querer que se pedisse pela sua cura.

[2r r-v] Adeus, meu querido irmãozinho, espero escrever-vos novamente se o tremor da
minha mão não aumentar, pois fui obrigada a escrever esta carta por etapas. Vossa irmãzinha,
não “Genoveva”, mas “Teresa” do Menino Jesus da Santa Face.

C 263 - Para o padre Bellière.


J.M.J.T.
Carmelo de Lisieux, 10 de agosto de 1897
Jesus+
Meu querido irmãozinho,
Estou prontinha para partir, recebi meu passaporte para o Céu e foi meu pai querido
que me obteve esta graça, no dia 29 deu-me a garantia que eu iria encontrá-lo brevemente; no
dia seguinte, o médico espantado pelos progressos que a doença fizera em dois dias, disse
para a nossa boa Madre que chegara o momento de atender os meus desejos fazendo-me
receber a Unção dos enfermos. Tive esta felicidade no dia 30 e recebi também Jesus Hóstia
como viático para a minha longa viagem!… Este Pão do Céu fortaleceu-me, ora veja, a minha
peregrinação parece não poder terminar. Longe de reclamar, regozijo-me por Deus ainda me
permitir de sofrer por seu amor. Ah! como é doce abandonar-se em seus braços sem temores
nem desejos.

Confesso ao meu irmãozinho, que não compreendemos o Céu da mesma maneira.


Parece-vos que por participar da justiça, da santidade de Deus, eu não poderei, como na terra,
desculpar as vossas faltas. Estais vos esquecendo, então, que participarei também da
misericórdia infinita do Senhor? Creio que os Bem-aventurados têm grande compaixão das
nossas misérias, lembram-se que, quando frágeis e mortais como nós, cometeram as mesmas
faltas, sustiveram os mesmos combates e sua ternura fraternal passa a ser ainda maior [v] do
que era na terra, é por isso que eles não cessam de proteger-nos e rezar por nós.

Agora, meu caro irmãozinho, preciso falar-vos da herança que recebereis depois da
minha morte. Eis a parte que nossa Madre vos dará: 1º O relicário que recebi no dia da minha
tomada de hábito e que, desde então, nunca mais me deixou. 2º Um pequeno crucifixo que
me é incomparavelmente mais caro do que o grande, pois este que tenho agora não é o
primeiro que me fora dado. No Carmelo, trocam-se, de vez em quando, os objetos de piedade,
é um bom meio para impedir o apego. Volto ao pequeno crucifixo. Não é bonito, o rosto de
Cristo quase sumiu, não ficareis surpreso quando souberdes que desde a idade dos treze anos
esta lembrança de uma das minhas irmãs acompanhou-me sempre. Foi sobretudo durante a
minha viagem à Itália que este crucifixo passou a ser precioso para mim. Eu o fiz tocar em
todas as insignes relíquias que tive a felicidade de venerar, dizer o número delas seria
impossível; além do mais, foi benzido pelo Santo Padre. Desde que adoeci, tenho quase
sempre em minhas mãos nosso querido crucifixozinho; ao olhá-lo, penso com alegria que,
depois de ter recebido os meus beijos, irá reclamar os do meu irmãozinho. Eis no que consiste
a vossa herança; além disso, a nossa Madre dar-vos-á a última estampa que pintei. Vou
concluir, meu querido irmãozinho, por onde devia ter começado, agradecendo-vos pela grande
alegria que me destes, mandando-me a vossa foto.

[v r-v] Adeus, meu querido irmãozinho, que Ele nos dê a


graça de amá-lo e de lhe salvar almas. Este é o voto que
formula
Vossa indigna irmãzinha
Teresa do Menino Jesus da Santa Face, r.c.i.
(Foi por escolha que me tornei vossa irmã.)

[r r-v] Felicito-vos pela vossa nova dignidade; dia 25, quando festejar meu caro
irmãozinho, terei a felicidade de festejar também meu irmão Luís da França.

C 266 - Para o padre Bellière.


25 de agosto de 1897
Frente:

Não posso temer um Deus que se fez por mim tão pequeno… amo-o!… pois é só amor e
misericórdia!

Verso:

Última recordação de uma alma irmã da vossa

Teresa do Menino Jesus


Roulland

C 189 - Para o padre Adolfo Roulland.


J.M.J.T.
23 de junho de 1896
Carmelo de Lisieux.
Jesus+
Meu Reverendo Padre,
Pensei que eu agradaria à nossa boa Madre, oferecendo-lhe no dia 21 de junho, pelo
aniversário dela, um corporal e um sanguinho com uma pala a fim que ela tivesse o prazer de
lhos mandar para o dia 29. É a esta veneranda Madre que devo a íntima felicidade de estar
unida a vós pelos laços apostólicos da oração e da mortificação; por isso, suplico-vos, meu
reverendo padre, para me ajudar, no santo altar, a pagar-lhe a minha dívida de gratidão.

Sinto-me muito indigna de estar especialmente associada a um dos missionários do


nosso adorável Jesus, mas como a obediência entrega-me esta doce tarefa, tenho certeza que
meu celeste Esposo suprirá os meus fracos méritos (nos quais não me apoio de forma alguma)
e que Ele atenderá os desejos da minha alma fecundando o vosso apostolado. Ficarei
verdadeiramente feliz em poder trabalhar convosco para a salvação das almas; foi com esta
finalidade que me tornei carmelita; não podendo ser missionária pela ação, quis sê-lo pelo
amor e pela penitência como santa Teresa, minha seráfica Madre… Suplico-vos, meu
reverendo padre, pedi por mim a Jesus, no dia em que se dignará descer do Céu pela primeira
vez à vossa voz, pedi-lhe que me abrase com o fogo do seu Amor, a fim de que eu possa,
depois, ajudar-vos a acendê-lo nos corações.

Há muito tempo que eu desejava conhecer um apóstolo que quisesse pronunciar meu
nome no santo altar no dia da sua primeira Missa… Desejava preparar-lhe eu mesma a veste
sagrada e a hóstia branca destinada a ocultar o Rei do Céu… Este Deus de bondade aceitou
realizar meu sonho e provar-me, mais uma vez, quanto se compraz em atender os desejos das
almas que só amam a Ele.

Se não receasse ser indiscreta, pedir-vos-ia ainda, Reverendo Padre, para que fizésseis,
todos os dias, no santo altar, um memento por mim… [v] Quando o oceano vos separar da
França, lembrar-vos-eis, vendo a pala que pintei com tanto gosto, que sobre a Montanha do
Carmelo uma alma reza sem cessar ao divino Prisioneiro do Amor, para o êxito da vossa
gloriosa conquista.

Desejo, reverendo padre, que nossa união apostólica seja conhecida só de Jesus e
solicito uma das vossas primeiras bênçãos para aquela que será feliz em se dizer eternamente

Vossa indigna irmãzinha em Jesus Hóstia

Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face


rel. carm. ind.
C 193 - Para o padre Roulland.
J.M.J.T.
Carmelo de Lisieux, 30 de julho de 1896
Jesus+
Meu irmão,
Permitis que não vos dê outro nome, pois Jesus dignou-se unir-nos pelos laços do
apostolado.

É-me muito agradável pensar que, desde toda a eternidade,


Nosso Senhor formou esta união que deve salvar-lhe almas e
que Ele me criou para ser a vossa irmã…
Recebemos ontem as vossas cartas; foi com alegria, que nossa Boa Madre introduziu-
vos na clausura. Ela me permite guardar a foto do meu irmão, privilégio especialíssimo, uma
carmelita não tem nem mesmo as fotos dos parentes mais chegados, mas Nossa Madre bem
sabe que a vossa, longe de lembrar-me o mundo e as afeições da terra, só elevará a minha
alma às regiões mais altas e só fará que se esqueça de si mesma pela glória de Deus e a
salvação das almas. E assim, meu irmão, enquanto eu atravessar o mar em vossa companhia,
permanecereis perto de mim, bem escondido na nossa pobre cela…

Tudo o que me rodeia leva-me a lembrar-me de vós. Afixei o mapa de Su-tchuen na


parede do ofício onde trabalho e a estampa que me destes repousa sempre sobre o meu
coração, no livro dos Evangelhos que nunca me deixa. Colocando-a ao acaso, deu nesta
passagem: “E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou
filhos, ou campos por causa do meu nome, receberá cem por um e conseguirá a vida eterna”.
Essas palavras de Jesus [1v] já se realizaram para vós, pois me dizeis: “Parto feliz”.
Compreendo que essa alegria é toda espiritual; é impossível deixar pai, mãe e pátria, sem
sentir todas as dilacerações da separação… Oh, meu irmão! sofro convosco, convosco ofereço
o vosso grande sacrifício e suplico a Jesus que derrame suas consolações abundantes sobre os
vossos queridos pais, aguardando a união celeste quando os veremos alegrarem-se com a
vossa glória a qual, ao enxugar para sempre as suas lágrimas, os encherá de alegria para toda a
bem-aventurada eternidade…

Esta tarde, durante a minha oração, meditei passagens de Isaías que me pareceram tão
apropriadas a vós que não posso deixar de transcrevê-las:

“Alarga o espaço da tua tenda… pois há de transbordar para a direita e para a esquerda,
e a tua posteridade sucederá a outras nações e povoará as cidades outrora desertas”. “Levanta
os olhos e olha ao teu redor: todos acorreram, vieram a ti; os teus filhos vêm de longe e as
tuas filhas te são trazidas nos braços. A tal vista ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu
coração; porque sobre ti se derramará a riqueza do mar, e a opulência das nações virá a ti”.

Não é isto o cêntuplo prometido? E não podeis exclamar: o Espírito do Senhor


repousou sobre mim e encheu-me com a sua unção. Mandou-me para anunciar a sua palavra,
para curar os que têm o coração partido, para dar a liberdade aos que estão presos a cadeias e
consolar os que choram… “Intensamente me alegro no Senhor, a minha alma exulta no meu
Deus, porque me vestiu com as vestes da salvação e me envolveu com o manto da justiça, …”
“porque, assim como a terra produz o seu verdor, e como um jardim faz germinar as suas
sementes, assim o Senhor fará germinar a justiça e a glória à vista de todas as nações”. “O meu
povo será um povo de justos, todos, para sempre, possuirão a terra”. “Porei neles um sinal e
enviarei dos seus sobreviventes às nações…, às costas longínquas, que jamais ouviram falar de
mim. Anunciarei a sua glória às nações e oferecê-las-ei como um presente ao meu Deus”.

Se pretendesse transcrever todas as passagens que mais me tocaram, precisaria de


muito tempo. Concluo, mas antes tenho um pedido a fazer. Quando tiverdes um instante
disponível, gostaria que me escrevêsseis as principais datas da vossa vida, poderia, dessa
forma, unir-me mais particularmente a vós para agradecer a Deus pelas graças que vos tem
feito.

Adeus, meu irmão… jamais a distância poderá separar as nossas almas, a própria morte
tornará nossa união mais íntima. Se eu for em breve para o Céu, pedirei permissão a Jesus
para ir visitar-vos no Su-tchuen e continuaremos juntos o nosso apostolado. Enquanto espero,
permanecerei unida a vós pela oração e peço a Nosso Senhor que nunca me deixe ser alegre
quando vós estiverdes sofrendo. Gostaria até que meu irmão tivesse sempre as consolações e
eu as provações, é talvez egoísmo?…

Mas não, pois a minha única arma é o amor e o sofrimento e o vosso gládio é o da
palavra e dos trabalhos apostólicos.

Mais uma vez, adeus, meu irmão, queira abençoar aquela que Jesus vos deu por irmã,

Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face


rel. carm. ind.

C 201 - Para o padre Roulland.


J.M.J.T.
Carmelo de Lisieux, 1º de novembro de 1896
Jesus+
Meu irmão,
Vossa interessante missiva, chegada sob o patrocínio de Todos os Santos, causa-me
grande alegria. Agradeço-vos por tratar-me como verdadeira irmã; com a graça de Jesus,
espero tornar-me digna deste título que me é tão caro.

Agradeço-vos também por ter-nos enviado “A Alma de um Missionário”, este livro


interessou-me vivamente, e permitiu que vos seguisse durante a vossa longínqua viagem. A
vida do padre Nempon está perfeitamente intitulada, revela bem a alma de um missionário, ou
melhor, a alma de todos os apóstolos verdadeiramente dignos deste nome.

Pedis-me (na carta escrita em Marselha) para rezar a Nosso Senhor a fim de afastar de
vós a cruz de ser nomeado diretor de um seminário ou mesmo a de voltar para a França.
Compreendo que esta perspectiva não vos seja agradável; de todo o meu coração, peço a
Jesus que Ele vos deixe realizar o vosso apostolado da maneira como vossa alma sempre
sonhou. Porém, acrescento convosco: “Seja feita a vontade de Deus”. Só nela se encontra o
repouso, fora desta amável vontade, não faríamos nada, nem para Jesus, nem pelas almas.

Posso dizer-vos, meu irmão, como estou feliz por vos ver abandonado tão
completamente nas mãos dos vossos superiores, parece-me ser uma prova segura de que, um
dia, meus desejos serão realizados, quero dizer que sereis um grande santo.
Permita-me que vos confie um segredo que acaba de me ser revelado pela folha onde
estão escritas as datas memoráveis da vossa vida.

— Oito de setembro de 1890, vossa vocação de missionário era salva por Maria, Rainha
dos apóstolos e dos mártires; neste mesmo dia, uma pequena carmelita tornava-se esposa do
Rei dos Céus. Ao dizer ao mundo um eterno adeus, seu único objetivo consistia em salvar as
almas, sobretudo as almas de apóstolos. A seu Esposo divino, Jesus, ela pediu particularmente
uma alma apostólica. Não podendo ser sacerdote, queria que, em seu lugar, um sacerdote
recebesse as graças do Senhor, que tivesse as mesmas aspirações, os mesmos desejos que
ela…

Meu irmão, conheceis a indigna carmelita que fez esta oração. Não pensais, como eu,
que nossa união, confirmada no dia da vossa ordenação, começou em 8 de setembro?… [1v]
Pensava que só encontraria no Céu o apóstolo, o irmão que eu pedira a Jesus, mas este Bem-
amado Salvador, levantando um pouco o véu misterioso que oculta a eternidade, dignou-se
dar-me, desde o exílio, a consolação de conhecer o irmão da minha alma, de trabalhar com ele
para a salvação dos pobres infiéis.

Oh! como é grande a minha gratidão quando penso nas delicadezas de Jesus!… O que
reserva Ele para nós, no Céu, se já desde este mundo, nos proporciona tão deliciosas
surpresas?

Compreendo mais do que nunca que os mínimos acontecimentos da nossa vida são
dirigidos por Deus; Ele que nos dá os desejos e os realiza. Quando nossa Boa Madre me propôs
que me tornasse vossa auxiliar, confesso-lhe, meu irmão, que vacilei. Levando em conta as
virtudes das santas carmelitas que me cercam, parecia-me que a nossa Madre teria melhor
acertado para o serviço dos vossos interesses espirituais se tivesse escolhido uma outra irmã;
só a ideia de que Jesus não levaria em conta as minhas obras imperfeitas, mas a minha boa
vontade, fez-me aceitar a honra de compartilhar dos vossos trabalhos apostólicos. Eu não
sabia, então, que Nosso Senhor mesmo já me havia escolhido, Ele que utiliza os mais frágeis
instrumentos para cumprir maravilhas!… Eu não sabia que já fazia seis anos que eu tinha um
irmão que se preparava para tornar-se um verdadeiro Missionário; agora que este irmão é
verdadeiramente seu Apóstolo, Jesus revela-me este mistério para que sem dúvida, aumente
ainda mais em meu coração o desejo de amá-lo e de fazê-lo amar.

Sabeis, meu irmão, que se o Senhor continuar atendendo às minhas orações, obtereis
um favor que a vossa humildade vos impede de solicitar? Este favor incomparável, já o
adivinhais, é o martírio…

Sim, espero. Depois de longos anos passados nos trabalhos apostólicos, depois de ter
dado a Jesus amor por amor, vida por vida, dar-lhe-eis sangue por sangue…

Ao escrever estas linhas, ocorre-me que elas chegarão às vossas mãos em janeiro, mês
em que trocamos votos de felicidade. Creio que os da vossa irmãzinha serão os únicos no
gênero… para dizer a verdade, o mundo chamaria de loucura votos como estes, mas para nós,
o mundo não vive mais e “nossa conversação já está no Céu”, nosso único desejo é
assemelhar-nos ao nosso adorável Mestre que o mundo não quis reconhecer porque
aniquilou-se, tomando a forma e a natureza de escravo. Ó meu irmão! Como sois feliz por
seguirdes de tão perto o exemplo de Jesus… Ao lembrar que vos vestistes com o traje chinês,
penso, naturalmente, no Salvador que se revestiu da nossa pobre humanidade e se fez um de
nós a fim de resgatar as nossas almas para a eternidade.
Ireis pensar que sou muito infantil, mas não importa, confesso-lhe que cometi um
pecado de inveja ao ler que vossos cabelos serão cortados e substituídos por uma trança
chinesa. Não foi esta que cobicei, mas simplesmente uma mechazinha dos cabelos que se
tornaram inúteis. Sem dúvida, perguntar-me-eis, rindo, o que irei fazer com ela? Pois bem, é
simples: esses cabelos serão para mim relíquias quando estiverdes no Céu, com a palma de
mártir nas mãos. Estais achando que me apresso muito, mas sei que é o único meio de
alcançar minha meta, pois vossa irmãzinha (reconhecida como tal só por Jesus) será
certamente esquecida no momento da distribuição das vossas relíquias. Tenho certeza que
estais rindo de mim, mas não me incomodo. Se aceitardes pagar o pequeno divertimento que
eu vos propicio com “Os cabelos de um futuro mártir”, estarei bem recompensada.

No dia 25 de dezembro, não deixarei de enviar o meu anjo a fim de que coloque as
minhas intenções junto à hóstia que será consagrada por vós. Agradeço-vos profundamente o
oferecimento da vossa missa da aurora para a Nossa Madre e por mim; enquanto estiverdes
no altar, cantaremos as Matinas de Natal que precedem imediatamente a missa da meia-noite.

Meu irmão, não vos enganastes ao dizer que, sem dúvida, minhas intenções seriam
“agradecer a Jesus o dia de graças entre todos singular”. Não foi naquele dia que recebi a
graça da vocação religiosa? Nosso Senhor desejando só para Ele o meu primeiro olhar, dignou-
se pedir o meu coração desde o berço, se assim me posso exprimir.

É verdade, que a noite de Natal de 1886 foi decisiva para a minha vocação, mas para a
designar com mais propriedade, devo chamá-la a noite da minha conversão. Nesta noite
abençoada a respeito da qual está escrito que ilumina as delícias do próprio Deus, Jesus que se
fazia criança por meu amor dignou-se desprender-me das faixas e das imperfeições da
infância. Transformou-me de tal sorte que eu mesma não me reconhecia. Sem esta
transformação, teria ficado ainda muitos anos no mundo. Santa Teresa, que dizia às suas
filhas: “Não quero que sejais mulheres de forma alguma; mas que, em tudo, vos igualeis a
homens fortes”, Santa Teresa não teria querido reconhecer-me por sua filha se o Senhor não
me tivesse revestido com a sua força divina, se Ele próprio não me tivesse armado para a
guerra.

Prometo-vos, meu irmão, recomendar de modo particular a Jesus a jovem de quem me


falastes e que encontra obstáculos à sua vocação; acompanho-a sinceramente na sua pena
sabendo, por experiência, quanto é amargo não poder responder imediatamente ao chamado
de Deus. Desejo-lhe que não seja obrigada, como eu, a ir até Roma… Ignorais, sem dúvida, que
vossa irmã teve a audácia de falar ao papa? Foi de verdade, e se não tivesse tido essa ousadia,
talvez eu estivesse ainda no mundo.

Jesus disse que “o reino dos céus sofre violência, e que só os violentos o arrebatam”.
Assim sucedeu comigo a respeito do reino do Carmelo. Antes de ser a prisioneira de Jesus, fui
obrigada a viajar para bem longe a fim de conquistar a prisão que preferia a todos os palácios
da terra; por isso não tinha vontade nenhuma de fazer uma viagem para meu agrado pessoal.
Quando meu incomparável pai propôs levar-me a Jerusalém, caso quisesse adiar meu ingresso
por [2v] dois ou três meses, não hesitei (apesar da atração natural para visitar os lugares
santificados pela vida do Salvador), em escolher o repouso à sombra daquele que eu tinha
desejado. Compreendia realmente que um único dia passado na casa do Senhor valia mais do
que mil em qualquer outro lugar.

Talvez queirais saber, meu irmão, que obstáculo encontrava na realização da minha
vocação; nada mais do que a minha pouca idade. O nosso bom padre superior negou-se
formalmente em aceitar-me antes que completasse vinte e um anos. Dizia que uma criança de
quinze anos não podia saber do alcance do seu compromisso. Sua conduta era prudente e não
duvido que, provando-me, cumpria a vontade de Deus que desejava fazer-me conquistar a
fortaleza do Carmelo à ponta da espada. Possivelmente, Jesus deu permissão ao demônio para
entravar uma vocação que não era, certamente, do gosto desse miserável privado de amor,
como o chamava nossa santa Madre; felizmente, todos esses estratagemas serviram para sua
vergonha, para tornar mais retumbante a vitória de uma criança. Se quisesse descrever-vos
todos os detalhes do combate que tive de travar, ser-me-ia necessário muito tempo, muita
tinta e muito papel. Contados por uma pena hábil, creio que estes detalhes teriam para vós
algum interesse; mas não é a minha que sabe dar encantos a um longo relato. Portanto, peço-
vos desculpas de vos ter talvez aborrecido.

Prometei-me, meu irmão, continuar a dizer, cada manhã, no santo altar: “Meu Deus,
abrasai a minha irmã no vosso amor”. Sou-lhe profundamente grata e não me é difícil
assegurar que vossas condições são e serão sempre aceitas. Tudo o que peço para mim a
Jesus, peço-o também para vós; quando ofereço meu fraco amor ao meu Bem-amado,
permito-me oferecer ao mesmo tempo o vosso. Como Josué, combateis na planície, eu sou
vosso pequenino Moisés e, sem cessar, meu coração está elevado para o Céu para obter a
vitória. Ó meu irmão, como seríeis digno de lástima se o próprio Jesus não segurasse os braços
do vosso Moisés!… Mas com a ajuda da oração que ofereceis todos os dias por mim ao Divino
Prisioneiro de amor, espero que nunca sereis digno de lástima e que, depois desta vida,
durante a qual teremos semeado juntos nas lágrimas, nos encontraremos alegres carregando
feixes.

Gostei muito do sermãozinho que dirigistes à Nossa Boa Madre a fim de exortá-la a
ficar na terra; não é longo, mas, como dizeis, nada há para ser replicado. Vejo que não tereis
muita dificuldade em convencer os vossos ouvintes, quando pregardes, e espero que uma
messe abundante de almas será colhida e oferecida por vós ao Senhor. — Percebo que estou
acabando o papel, o que me obriga a parar com meus rabiscos. Quero dizer-vos, porém, que
comemorarei fielmente todos os vossos aniversários. O dia 3 de julho ser-me-á
particularmente caro pois, nesse dia, recebestes Jesus pela primeira vez e que, nessa mesma
data, recebi a Jesus da vossa mão e participei da vossa primeira missa no Carmelo.

Abençoai, meu irmão, vossa indigna irmã

Teresa do Menino Jesus


rel. carm. ind.
[2v r-v] (Recomendo às vossas orações um jovem seminarista que gostaria de ser
missionário, sua vocação acaba de ser abalada pelo serviço militar.)

C 221 - Para o padre Roulland.


Jesus+ 19 de março de 1897
Meu irmão,
Nossa boa Madre acaba de entregar-me as vossas cartas. Apesar de estarmos na
Quaresma (tempo em que não se escreve, no Carmelo). Ela me permite responder hoje, pois
receamos que a nossa carta de novembro tenha ido visitar as profundezas do Rio Azul. As
vossas, com data de setembro, tiveram feliz travessia e vieram alegrar a vossa Madre e a vossa
irmãzinha, no dia de Todos os Santos. A de 20 de janeiro chega-nos sob a proteção de são José.
Como seguis meu exemplo, escrevendo em todas as linhas, não quero perder este bom
costume o qual, todavia, torna minha letra feia ainda mais difícil de ser decifrada… Ah! quando
é que não precisaremos mais de tinta e papel para comunicar os nossos pensamentos?
Escapastes, meu irmão, de ir visitar o país encantado onde é possível comunicar os
pensamentos sem escrever e sem falar. De todo o meu coração, agradeço a Deus por vos ter
conservado no campo de batalha para que possais acumular numerosas vitórias. Vossos
sofrimentos já salvaram muitas almas. São João da Cruz disse: “O mínimo [1v] movimento de
puro amor é mais útil à Igreja que todas as obras juntas”. Sendo assim, como vossas penas e
vossas provações devem ser proveitosas para a Igreja, pois é só por amor a Jesus que as
suportais com alegria. Francamente, meu irmão, não posso lastimar vossa situação, pois
realizam-se em vós as seguintes palavras da Imitação: “Quando achardes o sofrimento
agradável e o amardes por amor a Jesus Cristo, tereis encontrado o Paraíso na terra”. Este
Paraíso é o do missionário e da carmelita; a alegria que os mundanos procuram nos prazeres
não passa de uma sombra fugaz; mas a nossa alegria, procurada nos trabalhos e nos
sofrimentos é uma doce realidade, um antegozo da felicidade do Céu.

Vossa carta impregnada de tanta alegria, interessou-me muito, segui o vosso exemplo e
ri à vontade às custas do vosso cozinheiro que vejo arrebentando a panela… vosso cartão de
visita divertiu-me muito, nem sei de que lado virá-lo, estou como uma criança que quer ler um
livro de cabeça para baixo.

Mas para voltar ao vosso cozinheiro, acreditaríeis que, no Carmelo, temos, às vezes,
aventuras hilariantes?

Assim como o Sutchuen, o Carmelo é um país estranho para o mundo, lugar onde se
perdem os mais primitivos costumes. Eis um pequeno exemplo: Uma pessoa caridosa
presenteou-nos, ultimamente, com uma pequena lagosta, bem amarrada numa cesta. Havia
certamente muito tempo que esta maravilha não era vista no mosteiro. Nossa boa irmã
cozinheira lembrou-se de que era necessário pôr o animalzinho vivo na água para cozinhá-lo; o
que fez reclamando, por ver-se obrigada a exercer tamanha crueldade com uma inocente
criatura. A inocente criatura parecia adormecida [2f], deixando que se fizesse com ela o que
bem se quisesse; mas logo que sentiu o calor, sua mansidão transformou-se em fúria e, por
saber da sua inocência, não julgou necessário pedir permissão a quem quer que fosse para
pular para o meio da cozinha, pois seu bondoso carrasco não tinha posto tampa na panela.
Logo, a pobre Irmã arma-se de pinças e corre atrás da lagosta que dá pulos desesperados. A
luta prossegue por bastante tempo e, cansada de lutar e ainda armada das pinças, a cozinheira
corre encontrar a nossa Madre e declara que a lagosta está endemoninhada. Seu rosto falava
ainda mais do que suas palavras. (Pobre criaturinha, tão mansa, tão inocente há pouco, eis que
estás agora endemoniada! francamente, não se deve acreditar nos elogios das criaturas!).
Nossa Madre não pôde deixar de rir ao ouvir as declarações do juiz severo clamando por
justiça. Dirigiu-se à cozinha, pegou a lagosta que, não tendo feito voto de obediência,
apresentou alguma resistência, colocou-a na sua prisão, fechou bem a porta, quero dizer pôs a
tampa e saiu. À noite, no recreio, toda a comunidade riu até às lágrimas das peripécias da
pequena lagosta endemoninhada e, no dia seguinte, cada irmã pôde saborear uma pequena
porção. A pessoa que quis nos agradar não errou o alvo, pois a pequena lagosta, ou melhor, a
sua história servir-nos-á de festim mais de uma vez, não no refeitório, mas no recreio. Talvez a
minha historiazinha não vos pareça muito divertida, mas posso assegurar-vos que se tivésseis
assistido ao espetáculo, não teríeis ficado impassível. Enfim, meu irmão, se vos aborreço,
peço-vos que me desculpeis. Agora vou vos falar mais seriamente. Desde a vossa partida, li a
biografia de diversos missionários (na minha carta que, talvez, não tenhais recebido,
agradecia-os a biografia do padre Nempon). Li, entre outras, [2v] a de Théophane Vénard, que
me interessou e tocou mais do que poderia descrever; sob esta impressão, compus alguns
versos que são muito pessoais, assim mesmo, eu vo-los envio, nossa boa Madre me disse que
pensava que estes versos agradariam a meu irmão de Sutchuen. O penúltimo verso exige
alguma explicação: digo que partiria feliz para o Tonquim se Deus quisesse me chamar. Talvez
vos cause surpresa saber que uma carmelita sonha em partir para o Tonquim? Pois bem! não é
um sonho e posso até afirmar que se Jesus não me vier buscar em breve para o Carmelo do
Céu, partirei, um dia, para o de Hanói, pois agora há um Carmelo nesta cidade, fundado
recentemente pelo de Saigon. Visitastes este último e sabeis que na Cochinchina, uma ordem
como a nossa não pode sustentar-se sem membros franceses, mas ai! as vocações são
escassas e, muitas vezes, os superiores não querem deixar partir irmãs que eles acreditam
capazes de prestar serviços à própria comunidade. Em sua juventude, nossa boa Madre foi
impedida pela vontade de seu superior, de ir socorrer o Carmelo de Saigon. Não lastimarei o
fato, agradeço a Deus por ter inspirado tão bem seu representante, mas lembro que o desejo
das mães realiza-se, com frequência, em suas filhas e não ficaria surpreendida se fosse para
regiões infiéis rezar e sofrer como nossa Madre teria desejado fazer… É preciso admitir que as
notícias que recebemos do Tonquim não são tranquilizadoras. No ano passado, ladrões
entraram no pobre mosteiro, penetraram na cela da priora, que não acordou, mas pela
manhã, deu falta do crucifixo (de noite, o crucifixo de uma carmelita repousa sempre na sua
cabeceira, amarrado ao travesseiro), um pequeno armário havia sido quebrado e o pouco
dinheiro que compunha todo o tesouro da comunidade havia sumido. Os Carmelos da França,
comovidos pela penúria [3f] do de Hanói, reuniram-se para arranjar meios a fim de se construir
um muro bastante alto que impedisse os ladrões de penetrar no mosteiro.

Gostaríeis, talvez, de saber o que pensa nossa Madre da minha ida para o Tonquim?
Acredita na minha vocação (pois, na verdade, é preciso ter uma vocação especial e nem toda
carmelita se sente chamada ao exílio), mas não acredita que a minha vocação possa realizar-
se. Seria necessário para isso que a bainha fosse tão sólida como a espada e, talvez (nossa
Madre acredita), a bainha fosse lançada ao mar antes de chegar a Tonquim. Portanto, não é
prático ser composto de corpo e alma! Este miserável irmão asno, como o chamava são
Francisco de Assis, tolhe com frequência sua nobre irmã e a impede de lançar-se onde quer…
Enfim, não quero amaldiçoá-lo, apesar dos seus defeitos, ainda serve para alguma coisa, pois
ajuda a sua companheira a merecer o Céu, e merecê-lo para si mesmo.

Não me preocupo com o futuro, tenho certeza que a vontade de Deus será cumprida e
é a única coisa que desejo. Não se deve ser mais realista que o próprio rei… Jesus não precisa
de ninguém para cumprir a sua obra e se me aceitasse, seria por pura bondade; para dizer a
verdade, meu irmão, acredito que Jesus me tratará como uma preguiçosinha; não o desejo,
pois ficaria muito feliz em trabalhar e sofrer muito tempo por Ele; por isso, peço-Lhe para
achar seu prazer em mim, quero dizer, não dar atenção alguma aos meus desejos, seja o de
amá-Lo sofrendo, seja de ir gozar com Ele no Céu. Espero, meu irmão, que se eu deixar o exílio,
não vos esquecereis da vossa promessa de rezar por mim, como sempre acolhestes meus
pedidos com imensa bondade, ouso formular mais um. Não desejo que peçais a Deus que me
livre das chamas do purgatório; santa Teresa dizia à suas filhas [3v] quando queriam rezar por
elas mesmas: “Pouco me importa de ficar no purgatório até o fim do mundo se, pelas minhas
orações, salvo uma única alma!” Estas palavras encontram eco no meu coração, gostaria de
salvar almas e esquecer-me de mim por amor delas; gostaria de salvá-las mesmo depois da
morte. Eu seria feliz se, em vez da oraçãozinha que fazeis e que será para sempre realizada,
dissésseis: “Meu Deus, permiti a minha irmã que vos faça amar ainda”. Se Jesus atender o
vosso pedido, saberei testemunhar a minha gratidão… Pedistes-me, irmão, para escolher entre
os nomes: Maria ou Teresa para uma das meninas que batizareis; considerando que as
chinesas não querem duas protetoras, é a mais poderosa que vence: Maria. Mais tarde,
quando batizardes muitas crianças, daríeis muito prazer à minha irmã (carmelita como eu),
chamando duas irmãzinhas de Celina e Teresa. São os nomes que tínhamos no mundo. Celina é
quase quatro anos mais velha que eu, e veio se juntar a mim depois de ter fechado os olhos do
nosso bom pai; esta querida irmã não sabe da correspondência íntima que tenho convosco;
mas como falamos nos recreios do missionário da nossa Madre (nome que tendes no Carmelo
de Lisieux), manifestou-me ultimamente o desejo de que, por vós, Celina e Teresa fossem
reviver na China.

Desculpai, meu irmão, os meus pedidos, minha longa tagarelice e queira abençoar

Vossa indigna irmãzinha

Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face

C 226 - Para o padre Roulland.


J.M.J.T.
Carmelo de Lisieux, 9 de maio de 1897
Meu irmão,
Recebi com alegria, ou melhor, com emoção, as relíquias que tivestes a bondade de me
enviar1. Vossa carta é quase uma carta de “adeus” para o Céu. Ao lê-la, parecia-me ouvir o
relato das dificuldades dos vossos ancestrais no apostolado.

Nesta terra onde tudo muda, só uma coisa permanece estável, a conduta do Rei dos
céus para com seus amigos; desde que levantou o estandarte da Cruz, é na sua sombra que
todos devem combater e conseguir a vitória: “Toda a vida de missionário é fecunda em cruzes”
dizia Teófano. Vénard, e, também: “A verdadeira felicidade é sofrer. E para viver, é-nos preciso
morrer”.

Meu irmão, os primórdios do vosso apostolado são marcados com selo da cruz. O
Senhor vos trata de modo privilegiado; é muito mais pelo sofrimento e pela perseguição do
que pela pregação que Ele quer firmar seu reino nas almas. — Dizeis: “Ainda sou uma criança
que não sabe falar”. O padre Mazel, que foi ordenado no mesmo dia que vós, também não
sabia falar, porém, já colheu a palma… Oh! como os pensamentos divinos estão acima dos
nossos!… Ao tomar conhecimento da morte deste jovem missionário cujo nome ouvia pela
primeira vez, senti-me levada a invocá-lo, parecia-me vê-lo no Céu no glorioso coro dos
mártires. Sei, aos olhos dos homens, o seu martírio não tem este nome, mas do ponto de vista
de Deus, este sacrifício sem glória não é menos fecundo do que o dos primeiros cristãos que
confessaram sua fé diante dos tribunais. A perseguição alterou sua forma, os apóstolos de
Cristo não alteram seus sentimentos, por isso, seu divino Mestre não poderia alterar suas
recompensas, a menos que fosse para as aumentar em compensação da glória que lhes foi
recusada na terra.

Não compreendo, meu irmão, que pareceis duvidar do vosso ingresso imediato no Céu,
se os infiéis vos tirassem a vida [1v]. Sei que é preciso ser muito puro para comparecer diante
do Deus de toda a Santidade, mas sei também que o Senhor é infinitamente justo e é esta
justiça que amedronta tantas almas, que faz o objeto da minha alegria e da minha confiança.
Ser justo não consiste em exercer a severidade para punir os culpados, é também reconhecer
as retas intenções e recompensar a virtude. Espero tanto da justiça de Deus como da sua
misericórdia. É por ser justo que “Ele é compassivo e repleto de doçura, lento em punir e
generoso em misericórdia. Pois conhece nossa fragilidade, de que massa somos feitos;
recorda-se que somos pó. Como um pai se compadece dos filhos, assim o Senhor tem
compaixão de nós”. Ó meu irmão, ao ouvir estas lindas e consoladoras palavras do profeta-rei,
como duvidar que Deus não possa abrir as portas do seu reino para seus filhos que o amaram
até sacrificar tudo por Ele, que não só deixaram sua família e sua pátria para o fazerem
conhecer e amar, mas ainda desejam dar a vida por Aquele que amam… Jesus tinha razão ao
dizer que não há amor maior do que aquele!

Como deixar-se-ia vencer em generosidade? Como purificaria nas chamas do


purgatório almas purificadas pelos fogos do amor divino? É verdade que nenhuma vida
humana é isenta de faltas, só a Virgem imaculada se apresenta totalmente pura diante da
Majestade divina. Que alegria esta de pensar que a Santíssima Virgem é nossa Mãe! Como nos
ama e conhece a nossa fraqueza, por que temer?

São muitas frases para exprimir o meu pensamento, ou melhor, para não conseguir
exprimi-lo, queria apenas dizer que me parece que todos os missionários são mártires pelo
desejo e pela vontade e, consequentemente, nenhum deveria passar pelo purgatório. Se, no
momento de comparecer diante de Deus, ainda houver em suas almas algum vestígio da
fraqueza humana, a Santíssima Virgem obtém para eles a graça de um ato de amor perfeito e
lhe dá a palma e a coroa que bem mereceram.

Eis, meu irmão, o que penso da justiça de Deus, minha via é toda de confiança e de
amor, não compreendo as almas que temem um Amigo tão terno. Às vezes, quando leio [2f]
alguns tratados de espiritualidade em que a perfeição é exposta através de mil obstáculos,
cercada de uma infinidade de ilusões, minha pobre e pequena mente cansa-se logo, fecho o
sábio livro que me cansa a cabeça e me seca o coração e tomo a Sagrada Escritura. Tudo me
parece luminoso, então, uma só palavra basta para mostrar à minha alma horizontes sem fim.
A perfeição me parece fácil, vejo que basta reconhecer o próprio nada e abandonar-se como
criança nos braços de Deus. Deixando para as grandes almas, os grandes pensadores, os belos
livros que não consigo entender, menos ainda praticar, alegro-me por ser pequena, pois só as
crianças e os que se lhes assemelham serão admitidos ao banquete celeste. Estou muito feliz
por haver muitas moradas no reino de Deus, pois se houvesse apenas aquela cuja descrição e
acesso me parecem incompreensíveis, eu não poderia ingressar. Gostaria, porém, de não ficar
muito longe da vossa morada; em consideração aos vossos méritos, espero que Deus me dê a
graça de participar da vossa glória, da mesma maneira que, sobre a terra, a irmã de um
conquistador, mesmo carente dos dons da natureza, toma parte, apesar da sua pobreza, nas
honras prestadas a seu irmão.

O primeiro ato do vosso ministério na China pareceu-me encantador. A alminha cujos


restos mortais benzestes devia, de fato, sorrir e vos prometer proteção assim como aos
vossos. Quanto vos agradeço por contar-me entre eles! Fiquei também profundamente
comovida e grata pela recordação que tendes, na santa missa, dos meus queridos pais. Espero
que estejam, agora, na posse do Céu em direção ao qual se dirigiam todas as suas ações e
desejos; isto não me impede de rezar por eles, pois parece-me que as almas bem-aventuradas
recebem uma grande glória das orações que são feitas por sua intenção e de que elas podem
dispor em favor de outras almas padecentes.

Se, como acredito, meu pai e minha mãe estão no Céu, devem olhar e abençoar o
irmão que Jesus me deu. Desejaram tanto um filho missionário!… Contaram-me que, antes de
eu nascer, os meus pais esperavam ver realizado o seu desejo. Se eles tivessem podido
vislumbrar o futuro, teriam visto que, de fato, por meu intermédio, o seu desejo está sendo
realizado; pois um missionário passou a ser meu irmão, é também seu filho e, nas suas
orações, não podem separar o irmão da indigna irmã.

[2v] Meu irmão, vós rezais pelos meus pais que estão no Céu;
rezo muito para os vossos que ainda estão na terra. Para mim
é uma doce obrigação e prometo ser sempre fiel em cumpri-la,
mesmo no caso de deixar o exílio e mais ainda, talvez, pois
conhecerei melhor as graças que lhes serão necessárias,
depois, quando sua carreira aqui embaixo estiver concluída,
virei buscá-los em vosso nome e os introduzirei no Céu. —
Como será doce a vida de família de que gozaremos juntos
durante toda a eternidade!
Enquanto aguardamos esta bem-aventurada eternidade, que em breve se abrirá para
nós, pois a vida é apenas um dia, trabalhemos juntos para a salvação das almas; muito pouco
posso fazer, ou melhor, absolutamente nada se estivesse sozinha, o que me consola é pensar
que ao vosso lado, posso ser útil. De fato, o zero, por si mesmo, não tem valor, mas posto
perto da unidade, torna-se poderoso, contanto que adote a posição certa, depois, não antes!…
É o lugar onde Jesus me pôs e espero ficar aí sempre, seguindo-vos de longe, pela oração e
pelo sacrifício.

Se eu escutasse o meu coração, não terminaria esta carta hoje, mas o fim do silêncio
está para tocar e tenho de levar esta carta à nossa boa Madre que a aguarda.

Portanto, meu irmão, peço-vos que mandeis a vossa bênção ao zerinho que Deus pôs
perto de vós.

Teresa do Menino Jesus da Sagrada Face


rel. carm. ind.

C 254 - Para o padre Roulland.


J.M.J.T.
Carmelo de Lisieux, 14 de julho de 1897
Jesus+
Meu irmão,
Na vossa última carta (que me causou grande alegria), dissestes-me: “Sou um bebê que
está aprendendo a falar”. Pois bem! eu, há cinco ou seis semanas, também sou um nenê, pois
só vivo de leitinho, mas em breve irei sentar-me no banquete celeste, vou beber as águas da
vida eterna! Quando receberdes esta carta, sem dúvida, terei deixado a terra. Na sua infinita
misericórdia, o Senhor terá aberto para mim o seu reino e poderei tomar dos seus tesouros
para prodigalizá-los às almas que me são caras. Crede, meu irmão, que vossa irmãzinha
manterá suas promessas e, feliz, sua alma liberta do peso do invólucro mortal, voará para as
regiões longínquas que estais a evangelizar. Ah! meu irmão, sinto, ser-vos-ei muito mais útil no
Céu do que sobre a terra e é com felicidade que venho anunciar-vos meu próximo ingresso
nessa bem-aventurada cidade, certa de que compartilhareis da minha alegria e agradecereis
ao Senhor por dar-me os meios para ajudar-vos mais eficazmente nas vossas obras apostólicas.

Não pretendo ficar inativa no Céu, meu desejo é continuar trabalhando para a Igreja e
as almas. Peço isto a Deus e tenho certeza que Ele atenderá meu pedido. Sem que cessem de
ver a divina Face, perdendo-se no Oceano infinito do Amor, os anjos não se ocupam de nós
continuamente? Por que Jesus não me permitiria imitá-los?

Meu irmão, estais vendo que se deixo o campo de batalha, não é com o desejo egoísta
de descansar. A ideia da beatitude eterna a custo faz vibrar o meu coração. Há muito que o
sofrimento se tornou meu Céu cá na terra e tenho dificuldade em conceber como irei
aclimatar-me num País em que a alegria reina sem mistura alguma de tristeza. Será preciso
Jesus transformar a minha alma e dar-lhe a capacidade de gozar, caso contrário, não poderei
suportar as delícias eternas.

O que me atrai para a Pátria dos Céus, é o apelo do Senhor, a esperança de amá-lo,
enfim, como sempre desejei. O pensamento de que o poderei fazer amar por uma multidão de
almas que bendirão o seu nome eternamente.

Meu irmão, não tereis tempo de me mandar os vossos recados para o Céu, mas
adivinho-os e bastar-vos-á dizê-los baixinho que os ouvirei bem e levarei fielmente as vossas
mensagens ao Senhor, à Nossa Mãe Imaculada, aos Anjos, aos Santos que amais. Pedirei para
vós a palma do martírio e estarei perto de vós, sustentando a vossa mão para que colha sem
esforço essa palma gloriosa, com alegria voaremos juntos para a Pátria celeste, cercados por
todas as almas que tiverdes conquistado!

Até a vista, meu irmão, rezai muito para a vossa irmã, rezai para a nossa Madre, cujo
coração sensível e materno tem muita dificuldade em consentir na minha partida. Conto
convosco para a consolar.

Para toda a eternidade, sou vossa irmãzinha

Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face


rel. carm. ind.

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