Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Despertou depois de uma boa noite de sono por causa de uma série de goteiras que
haviam se formado em sua barraca. Era uma barraca muito boa, mas só era preparada o
suficiente para suportar até certo volume de chuva, e choveu muito forte na madrugada,
e apesar de ele a ter fincado debaixo de uma árvore para aproveitar os galhos como
proteção natural ao sol e a chuva, não resistiu ao intenso volume de água e começou a
transpirar por dentro, e assim gotas frias d’água caíam no interior. Formou-se uma
pequena poça próxima à sua cabeça, que, quando ele se remexeu, desmanchou-se e a água
escorreu pela barraca, molhando o seu colchonete, bolsa e as roupas que ele havia deixado
espalhadas na noite anterior, pois a bateria de sua lanterna havia esgotado e ele não
conseguira encontrar a sua caixa de fósforos no escuro. Agora, via a caixa de fósforos
flutuando entre outros apetrechos. Era inútil. Aquilo lhe deixou angustiado. Agora era
inútil. Rapidamente juntou todas as suas roupas secas a bolsa, colocou toda a roupa
molhada em uma sacola, enrolou o colchonete, amarrou-o, vestiu uma camisa e saiu da
barraca.
Chuviscava e a terra negra estava fria e úmida. Sentia-a sob seus pés. Estendeu as
roupas molhadas no varal que ele havia improvisado dois dias atrás. “Sabia que devia ter
comprado uma lona para proteger a barraca da chuva”, pensou enquanto estendia as
roupas, e se arrependeu por isso.
Uma flor azul castigada pelas gotas grossas de chuva que caíam das folhas das
árvores lhe chamou a atenção. Já a tinha visto antes, mas agora, naquele cenário, a
atmosfera fria e nublada, a neblina mais escassa, molhada pelo orvalho e chuva, dava-lhe
uma beleza nova e singular, e o fez pensar em uma mulher de olhos negros e boca de
língua doce.
- Bom dia. – Disse-lhe uma mulher loira saída da barraca vizinha à sua.
Seus olhos eram as coisas mais vivas e brilhantes que ele vira nos primeiros
minutos daquela manhã fria e cinza. Muito fria. Ela vestia uma calça preta com finas
listras em dourado suave, de tecido de algodão, folgada, que mesmo assim não lhe deixava
de acentuar o belo quadril arredondado e as pernas torneadas. Na parte de cima, vestia
um casaco de lã com uma estampa que remetia à algum povo antigo da América Latina.
Todas as sias cores e linhas, bege, vermelho, preto, verde.
- Bom dia.
- Acordou faz tempo?
- Quase agora. A chuva me acordou. Entrou um pouco de água na minha barraca.
- Muito ruim quando isso acontece. Perdeu alguma coisa?
- Só uma caixa de fósforos. A minha única.
- Tudo bem. Você pode usar o meu isqueiro.
- Obrigado.
- Você dormiu bem?
- Bastante, até acordar com a chuva. E você?
- Muito bem também. – ela fez uma pequena pausa, meditativa, como se lembrasse
de alguma coisa. – Você devia ter dormido com a gente. Fez muito frio à noite. Você iria
ajudar a aquecer.
- Não estava muito no clima. Quem sabe na próxima?
- Hoje? – Apesar de ainda estar chateado com ela, aquela pergunta não deixava de
lhe estimular. Ainda mais na manhã. Ainda mais quando ela fazia o esforço, arqueando
levemente as sobrancelhas claras, e de olhos bem abertos. Ela nunca falhava em lhe
estimular. E algo crescia nele.
- Pode ser. Veremos. – Ele pegou um cigarro do bolso da camisa, mas quando
tateou os bolsos da calça, lembrou-se que não tinha fogo.
Ela se aproximou dele, abraçando-o de lado, sutilmente, e acendeu-lhe o cigarro
com seu isqueiro metálico laranja. Ela o apertou mais forte. Ele era frio, e ela era quente.
Bastante quente. Ele retribuiu o abraço, e assim ficaram. Olhando a chuva molhar as
árvores e a terra. Depois de um tempo, beijaram-se. Forte. E quente. E foram para o
interior da barraca. Estava molhada e fria. Mas não tinha problema, ela logo esquentaria.
MANHÃ DE CHUVA
Era uma bela segunda feira. O dia acordou nublado, garoando frio e agradável, e
era perfeito para se ficar em casa, cama, sem fazer nada ou lendo algum livro. Mas ele
tinha aula pela manhã e trabalho à tarde. Acordou conformado com isso. No entanto,
sentia-se disposto.
Comeu às pressas, lavou a cabeça, vestiu uma roupa, pegou sua bolsa e saiu para
pegar o ônibus para a universidade.
Chegou molhado pela chuva, tomou um café na cantina e escovou os dentes no
banheiro. Assistiu sua primeira aula e manteve-se atento.
No intervalo, enquanto caminhava no corredor para se encontrar com um amigo
seu, esbarrou-se com uma mulher. Ela já havia visto no Fórum Estadual, onde trabalhava,
enquanto saía para fazer um lanche. Ela falara com ele quando seus olhos se cruzaram
(vestia-se incrivelmente bem, com roupas finas e peças das quais ele não saberia nem
dizer o nome; pensou que fosse uma advogada de muito bom gosto). “Oi, tudo bem? ”
Sentiu-se perdido, pois não sabia quem era ela. Tinha certeza de que nunca a tinha visto
na vida, mas respondeu-lhe com a maior educação e cortesia. Até trocou-lhe algumas
palavras. Quando ela foi embora, ele lhe encarou as costas admirando. Uma bela silhueta.
Sair para lanchar naquele horário tornou-se um hábito desde então. Mas nunca mais a vira
novamente, e assim foi por semanas.
Na semana passada, ele havia reparado numa silhueta a entrar numa das salas do
bloco em que estudava. Curioso, não pensou que fosse possível. Decidiu entrar
deliberadamente na sala atrás da silhueta, mas um grupo de amigos lhe roubou a atenção
e o arrastou para um compromisso.
Mas cá estava ela de novo, hoje. Os dois sorriam.
Ela sempre esteve ali, duas salas anteriores à dele, e o havia percebido nas
primeiras semanas em que entrara na universidade, um par de anos atrás. Ele que nunca
a havia percebido ali, até agora. A chuva descia sobre o pátio a molhar a grama, os bancos
e as mesas. Era uma bela segunda feira.
AMOR DE COZINHA