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Uma cidade desenhada por um rio

Superfície
O Tejo é como um infinito berço, espaço líquido atemporal que sempre terá exercido um
misto de fascínio, pelo que pode dar, e medo, pela sua indeterminada força, acentuada
aqui pela presença próxima do mar, elementos que terão condicionado, definitivamente, a
fixação de comunidades humanas no lugar, primeiro vindas, talvez, de uma viagem de
gerações com início na Europa central. Toda a frente oceânica era uma finisterra. Uma
face a partir da qual não era possível ir mais além. Até ao século XV a frente de rio era
lugar de várias atividades funcionais ligadas à pesca, mas foi daqui em diante que iriam
partir as primeiras naus que transportavam a civilização europeia para lugares antes não
visitados por ninguém vindo de longe, por via marítima. Hoje, escavações que se façam
neste solo quase invariavelmente se deparam com embarcadouros ou com as fundações
de estaleiros navais. Com o passar dos anos já em tempos recentes, desde o advento da
revolução industrial, a frente ribeirinha, dada a sua posição a bordejar a cidade, vai
assumir-se como um privilegiado eixo viário, seja pela rodovia, seja pela ferrovia. Uma
relação lúdica com o rio, em quase toda a sua extensão, é cortada durante mais de cem
anos. É algo deste espaço que se pretende agora recuperar, e afirmá-lo também como
um notável miradouro sobre Lisboa.
No dia 1 de novembro de 1755 uma cidade milenar é transformada numa escombreira. A
um violento terramoto segue-se uma onda gigante que invade a zona ribeirinha da cidade
para onde se havia deslocado uma parte significativa da sua população, fugindo dos
numerosos focos de incêndio que entretanto deflagraram. Muitos atribuíram aos deuses
semelhante gesto de ira contra uma sociedade por outros interpretada como degradada.
Foi, no entanto, a vontade, coragem e determinação, de um grupo de homens que em
poucos anos reedificou uma cidade nova, num vale entre colinas. Na foz desse pequeno
vale edificou-se uma praça que se abre ao rio, ao mar e ao mundo, na expressão
tendencialmente perfeita de um sistema de pensamento iluminista e esclarecido. Sobre os
escombros de uma cidade medieval, orgânica, adaptada a uma topografia de colinas, foi
construída uma malha urbana de escala majestosa que ainda hoje espanta pela sua
imponência.
Se o momento de destruição maior provocado pelo terramoto, fenómeno geológico de
que à época não havia memória em toda a Europa, constituiu o poderoso renascimento
de Lisboa, uma nova tragédia urbana, de muito menor escala, pois não vitimou ninguém,
vai constituir um novo ponto de viragem do entendimento da cidade. Na madrugada do
dia 25 de agosto de 1988 deflagra um grande incêndio no Chiado. Vários edifícios ficam
completamente destruídos, apenas permanecendo algumas paredes estruturais. O
arquiteto Siza Vieira é chamado para desenhar a reconstrução urbana. O que aconteceu,
ao invés do talvez esperado, foi um desenho subtil que acentuou a permanência da
arquitetura pombalina, que afirmou a sua contemporaneidade e o seu sentido histórico. O
que este gesto contido evidenciava eram as múltiplas possibilidades de uma intervenção
sensível numa paisagem urbana de forte caráter identitário. Esta atitude será tomada
como referência para intervenções posteriores, em que se opera sobretudo no espaço
interior, este sim passa a ser o território de projetos que se prendem fortemente a
intervenções inovadoras, reflexas de um tempo envolvente. Este é o coração, e elo de
ligação, da urbe atual que entretanto se espraia por limites difíceis de definir. Mas este
lugar, a Baixa, continua a ser o ponto de articulação de diferentes malhas urbanas de
diferentes épocas.
Lisboa é sobrevivência. O que tem acontecido com a evolução da vida na Terra, é que a
seguir a uma grande catástrofe, de destruição em massa, a vida volta a florescer,
passados alguns milhões de anos, com uma muito maior diversidade e complexidade.
Mas com as civilizações, com cidades muitas vezes, o que se segue ao um cataclismo é o
abandono do lugar. Lisboa não parou de crescer. Há em novos lugares uma dimensão
quotidiana, como que espelho de uma luta contida pela continuidade de um determinado
entendimento do território urbano comum, uma paisagem cultural que se ergue contra
todas as catástrofes. Há uma discreta imposição da consciência, pelo desenho, das
novas arquiteturas, de levar um pouco mais além o pensamento sobre os lugares
humanos nesse singular percurso de afastamento progressivo e determinado a uma
natureza-mãe que, ao mesmo tempo que tudo nos parece permitir, nos deixa sempre na
certeza do mais inquietante e surpreendente futuro. Estamos afeiçoados por forças
poderosas. As cidades são os mais arrojados gestos humanos na construção do seu
próprio e único universo, na afirmação de uma espécie, num tortuoso e acidentado
quadro evolutivo de vida, num planeta singular.

Desenhar cidade
O espaço urbano comum; alguns edifícios desenhados na afirmação da
contemporaneidade; ateliês de arquitetura. Três elementos de fotografia para "falar" sobre
a cidade. As cidades são quase sempre feitas de um imenso passado que se perde nas
sucessivas vagas, e progressivamente distantes, de um inacessível tempo recuado. Mas
essa ancestralidade deixa-nos os vestígios dispersos e desconexos de gestos que
perduraram até à atualidade. A cidade, o nosso habitar, a arquitetura, as fotografias, a
palavra, são elementos de fabricação da nossa própria existência e possibilidade, num
quadro evolutivo, de vida, de milhões de anos. Nos escritórios dos arquitetos como que se
desenha a nossa própria evolução, a nossa capacidade adaptativa a um mundo que,
eventualmente, se quer afastar de uma anterior lógica de progresso urbano e social.
Talvez o desenvolvimento humano passe agora muito mais por um universo de razão que
a cidade edificou, por um quadro de imaginação e criatividade. A arquitetura cria o cenário
do futuro humano, cria o tabuleiro, a base, as janelas e os caminhos para onde
poderemos caminhar. As poderosas forças de uma natureza-mãe permanecem, muitas
vezes ameaçadoras, mas a humanidade soube criar o seu território e o seu afastamento
progressivo a um meio hostil de feras e dilúvios devastadores. Vivemos na escala da
nossa dimensão e é nesse espaço que construímos o nosso mundo.
A cidade é a construção de um sonho e um exercício de liberdade, é desenho e
experimentação, lugar de encontro e ponto de partida para todas as viagens. A cidade é
consciência, nela está codificada a origem e todo o tempo de um caminhar de
diferenciação. Lisbon Ground é uma relação inovadora estabelecida entre espaços
diferenciados. São lugares relativamente afastados, sem uma relação física entre si, que
intuem o futuro. Há uma reinterpretação sobre o entendimento da cidade histórica e a
definição do ponto de início para desenhos vindouros, partida para as novas "cidades",
que já não são apenas espaços físicos, mas os lugares da imponderável criatividade de
uma comunidade vasta. Aqui se joga a evolução da cidade. É o nosso futuro comum que
aqui se encontra enunciado, prenúncio de uma sociedade mais integrada. No momento
em que vivemos o possível esgotamento de um modelo económico que aparentemente
está a conduzir à destruição de uma ordem social vigente, há desenhos de arquitetura
que são uma reflexão para um futuro próximo e breve.
Na frente ribeirinha o Terminal de Cruzeiros vai articular o diálogo entre a cidade antiga
com esse imenso mar interior que é o estuário do Tejo, ao mesmo tempo que, pelo seu
programa, cria uma porta de acesso a Lisboa naquela que é a mais notável frente urbana
da cidade. O jardim da Ribeira das Naus evoca os tempos anteriores ao terramoto de
1755 e, num dos mais importantes lugares da cidade há um convite para o reencontro
com o rio. O Museu dos Coches está bem próximo de alguns dos espaços que marcaram
um dos períodos mais significativos da história de Portugal como Nação. Daqui partiram
as naus e caravelas para um primeiro passo de uma globalização que ainda hoje não
terminou. Este novo espaço, pela sublimação do desenho, pelo conceito arquitetónico que
lhe está subjacente, parece querer propor uma nova forma de edificar a cidade, de
redesenhar a maneira como nós próprios no relacionamos com os seus edifícios, com a
possibilidade de entendimento das capacidades do desenho e da forma para a conceção
de espaços antes não imaginados.
Na rua do Fanqueiros é proposta, no interior de um edifício de habitação, uma forma
renovada de convívio entre diferentes tempos de intervenção, num jogo plástico
surpreendente. No Museu do Design convivem objetos díspares e vestuário de desenho
elaborado, num espaço que é uma ruína, ou o ponto médio entre uma demolição e uma
obra acabada. Não longe deste lugar, no Banco de Portugal, é recuperada a antiga
dignidade de uma igreja pombalina e relacionada com toda a proposta renovada
interpretação de um quarteirão pombalino
As acessibilidades ao castelo procuram como que anular uma diferença de cota que
existe entre a cidade baixa e um dos seus mais importantes pontos de povoamento
remoto. As primeiras comunidades humanas ter-se-ão fixado nas terras baixas, mas
assim que a sociedade ganhou contornos mais complexos, houve a necessidade de
construir pontos de defesa. No lugar foram construídas, sucessivamente, muralhas. O
castelo se São Jorge foi, durante séculos o ponto simbólico de um poder inatacável,
reduto defensivo a afirmar a origem da própria cidade a partir do momento em que esta
adquire uma estabilidade social de anos sucessivos, deixando para trás as lutas
constantes e as visitas de piratas e corsários que batiam toda a linha litoral. Foi um lugar
de afastamento, de proteção, de uma sociedade emergente. Hoje quer-se anular essa
diferença de cota, essa subida penosa que num passado ardentemente longínquo, foi o
nascimento de um burgo. Este é, também, o sentido desta arquitetura contemporânea, de
um tempo atual que redesenha os lugares, que lhes confere um sentido diferente do que
tiveram no passado. Este é o complexo evolutivo do tempo agora, de um futuro que já
habitamos. Muitas vezes há uma aparente perversão dos sentidos de um espaço original,
das suas funções primordiais, mas o que de facto existe, é a tomada, pelo desenho, por
uma outra ordem, é a inversão do futuro, é o mais puro jogo de todas as
imprevisibilidades, pois as cidades são feitas de gestos desconexos, em tempos
diferentes, sem relação direta entre si.
Quando olhamos o jardim botânico a partir do Parque Mayer vemos uma imensa massa
verde que parece querer avançar sobre aquele espaço, reivindicar para si o território para
o seu próprio desenvolvimento. Curiosamente o jardim é um espaço plantado de verde
singular e denso, hoje no coração de uma imensa malha urbana. O Príncipe Real é outro
ponto onde se articulam diferentes vias e a expectância de uma cidade em renovação.
Pontos de acessibilidade que sintetizam toda a malha de vias de circulação e espaços
"vazios". Esta é a face da nova cidade em transformação. São lugares que vão apontar
novos conceitos de intervenção, referências de futuro.

Sobre fotografias
Há uma diferença fundamental entre o percorrer uma cidade, um itinerário dentro da sua
malha urbana, e visualizar, posteriormente, algumas fotografias que possam ser feitas
durante esse período determinado. Num primeiro momento há um diálogo que se
estabelece, como que uma relação física entre a captura da imagem e o solo, a pele da
cidade, o seu espaço, a sua textura, as suas sombras. Há um movimento intuitivo que não
se quer aqui de procura de uma ideia de "belo", mas mais um espírito de registo de um
fascínio pela forma urbana, uma tentativa de entendimento e descodificação, pela
fotografia, de elementos estruturais do território, a fixação de uma paisagem habitada por
cidadãos. Num segundo momento vamo-nos encontrar defronte de um número, quase
sempre elevado, de fotografias. Selecionar é decantar, procurar em determinado grau de
limpidez, depurar, eliminar ruído na construção de um discurso, de uma narrativa.
Projetar. Caminhar ao lado da própria fabricação da paisagem.
O objetivo desta recolha fotográfica não era o de ter um grande número de fotografias,
mas concluído o trabalho foram feitas algumas dezenas de milhar de imagens. A base
metodológica de partida não foi a procura de um enquadramento demorado, estudado ao
pormenor, foi o de um exercício de deslocação intuitiva e rápida sobre o solo urbano,
sobre a sua topografia, sobre as suas topologias complexas. Contacto entre a face de
quem se move e as superfícies materiais envolventes. Esta é uma fotografia física,
erguida de um lastro cultural de viagens imensas, que quer dar conta de uma deslocação
criativa sobre os lugares. Se perante a Natureza nos confrontamos, perplexos, com uma
enorme força telúrica, na cidade deparamo-nos com a singularidade do seu desenho e
com a materialização de um desígnio de habitar ambíguo.
A fotografia quer edificar um novo território humano ao afastar-se do que representa
chegando próxima à abstração do pensar. A fotografia é paisagem de pensamento.
Arquiteturas, lugares, fotografias, tempo, palavras, confluem aqui no projeto transformador
do espaço comum, que é desenhado com a serenidade possível de quem se movimenta
por uma cidade milenar, de quem pisa um solo instável e imensamente complexo, de
quem, à noite, contempla o lento movimento dos astros organizado numa geometria
cósmica, inacessível. Construímos um paraíso imaginário como ponto de chegada de um
caminhar simbólico. Estamos numa floresta densa e escura, no cruzamento de caminhos
desconexos e pluridimensionais. Partimos para um ofício criativo com uma série de
códigos, com uma cultura, com comportamentos adquiridos e condicionados, mas os
resultados operativos a que podemos chegar são sempre uma imprevisibilidade. As
imagens parecem surgir de acordo com uma vontade expressa e independente, com uma
enorme e quase intransponível imponderabilidade, incerteza, mistério, sentimento de que,
muitas vezes algo está próximo, uma coerência qualquer; outras vezes apenas se
acrescenta uma sombra dentro de outra sombra.

Solo
Um rasto de espuma é deixado por uma onda que sobe o Cais das Colunas. Há uma
praia no centro da cidade; o chão é varrido por um operário nas enormes galerias do
Museu dos Coches, uma janela é fechada, subitamente, por uma corrente de ar, num
edifício pombalino; um barco parte do cais rumo ao sul; um avião desce sobre pista; uma
rapariga de cabelos claros espera, imóvel, num local onde tudo permanece em
movimento; por alguém, num ateliê de arquitetura, é traçada uma linha que resolve uma
solução inesperada.
Os escritórios dos arquitetos são como que o berço da cidade, são como células
replicadoras numa densa malha urbana diferenciada. Aqui em espaços contidos, de
poucos conhecidos, são desenhadas as linhas de um habitar futuro e a afirmação positiva
da criatividade arquitetónica, da continuidade ou rutura de uma tradição cultural vasta.
Estes são pontos que agarram a cidade, são âncoras de sentido e de reinterpretação, são
desenhos que começam com o desejo de transformar, de dinamizar, passam pelo
conceito de arquitetos que os transpõem para o papel que, depois, como um organismo
que cresce num tempo limitado, cresce um pedaço de cidade. Na cidade impera a
construção destrutiva provocada pelos agentes da erosão, pelo vento, pela chuva, por
gestos humanos, pelo tempo apenas, por isso, todos os dias, repomos mais do que o
tempo lhe retira.
Nuvens sopradas pelo vento, sombras projetadas, uma fina superfície de solo que se
desloca lentamente sobre uma esfera interior de magma, uma topografia irregular e de
matéria diversa, rios e oceanos. Sobre um mundo que fomos compreendendo no decurso
de um tempo longo, erguemos construções, modelos, desenhos de arquitetura onde se
joga no intervalo sensível entre espaço e tempo, desenhos, fotografias, textos. Projetos.
Imagens de representação do território, rastos deixados por um olhar reflexo e perplexo
de quem não pode deixar de se surpreender com o seu próprio labor na construção da
grande cidade infinita.

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