Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
COSMOGONIA
EXPERIÊNCIAS EM COSMOVISÃO E DECOLONIALIDADE DE UM ARTISTA
EM RESIDÊNCIA NO PLANETÁRIO DA UFG
GOIÂNIA
2018
1
COSMOGONIA
EXPERIÊNCIAS EM COSMOVISÃO E DECOLONIALIDADE DE UM ARTISTA
EM RESIDÊNCIA NO PLANETÁRIO DA UFG
GOIÂNIA
2018
2
COSMOGONIA
EXPERIÊNCIAS EM COSMOVISÃO E DECOLONIALIDADE DE UM ARTISTA
EM RESIDÊNCIA NO PLANETÁRIO DA UFG
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof.ª Manoela dos Anjos Afonso Rodrigues
Universidade Federal de Goiás (UFG)
________________________________________
Prof. Glayson Arcanjo
Universidade Federal de Goiás (UFG)
________________________________________
Prof. Manoel Alves Rodrigues Junior
Universidade Federal de Goiás (UFG)
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Esta é uma pesquisa transdisciplinar com base nas artes visuais que busca
compreender relações entre arte e ciência por meio de perspectivas decoloniais.
Nesta investigação, observo ideias, experiências, espaços e situações que possam
gerar possibilidades de ampliação e reflexões sobre processos de construção de
saberes na contemporaneidade. Neste sentido, me insiro como artista no Planetário
da Universidade Federal de Goiás perguntando-me sobre os tipos de experiências
que a minha presença naquele espaço podem criar. Por meio desta residência
artística pude experimentar, na prática, algumas das questões sobre decolonialidade
e poéticas visuais que vinham atravessando o meu trabalho e o meu existir.
Desenvolvo, então, uma prática artística que se dá na intersecção dos campos da
arte, cosmologia e consciência social, que expresso pela ideia de cosmovisão, em
que a origem do universo (cosmogonia) e a expansão da consciência mostram-se
como temas recorrentes. Com isso, nesta pesquisa, dou início a um caminho prático-
teórico que me ajuda a refletir sobre a cosmovisão contemporânea em um momento
crítico em que passamos por diversas disputas por visões de mundo em nossa
sociedade.
ABSTRACT
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………... 8
3.1. O ABISMO.....………....……………………......................……………….... 30
3.2. O SALTO..................….......………………...............…………................... 37
4.3.2. Cosmogonias............................................................................................ 59
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................………….…………….. 72
REFERÊNCIAS………………………………………………….…………… 75
8
1. INTRODUÇÃO
Esta é uma pesquisa transdisciplinar com base nas artes visuais que, por
meio do fazer artístico, busca compreender relações entre arte e ciência numa
perspectiva decolonial. Nesta investigação, observo ideias, experiências, espaços e
situações potentes e favoráveis a reflexões sobre processos de construção de
saberes na contemporaneidade. Assim, objetivo articular uma prática artística que se
propõe a pensar experiências em cosmovisão que se posicionem como formas
poéticas de tensionar e propor transformações possíveis aos aspectos hegemônicos
dos saberes que limitam visões de mundo e subjetividades.
Ao observar mais atentamente o meu percurso como artista e graduando do
curso Artes Visuais Bacharelado na Faculdade de Artes Visuais (FAV) da
Universidade Federal de Goiás (UFG), percebi que certos temas eram recorrentes
em meus trabalhos. São eles a origem do universo, a expansão da consciência e a
ideia de cosmovisão. Deste modo, compreendo estes assuntos como importantes
ativadores do meu pensamento e da minha prática, bem como questões sociais
bastante relevantes e necessárias de serem pensadas numa atualidade em que se
amplia cada vez mais o conhecimento do cosmos qual fazemos parte, mas de modo
pouco acessível para grande parte da população mundial. Assim, lancei-me à
investigação de referenciais que pudessem me ajudar a refletir sobre as
problemáticas da cosmovisão hegemônica na contemporaneidade e buscar
alternativas a ela por meio da pesquisa em arte e ciência sob óticas decoloniais e
transdisciplinares.
Após entrar em contato com uma vasta literatura a respeito dessas temáticas,
neste trabalho decidi partir do estudo em cosmovisão de Adélia Miglievich-Ribeiro
(2014), que considera que as principais problemáticas das cosmovisões atuais são
subjacentes à colonialidade. A partir disso, busco algumas reflexões acerca de
colonialidade e decolonialidade em Aníbal Quijano (1992, 2005) e Walter Mignolo
(2007, 2011), com foco na ideia de estética decolonial discutida por Pedro Pablo
Gómez e Walter Mignolo (2012). Utilizo também a abordagem de pesquisa baseada
na arte (arts-based research, em inglês) proposta por Patricia Leavy (2018) e
algumas perspectivas sobre cosmos e ciência de Ervin László (2008). Tais
referenciais certamente não esgotam o assunto, que é vasto, mas me oferecem
ferramentas conceituais iniciais que podem me ajudar a pensar mais profundamente
9
Neste capítulo, situo meu percurso como artista com o objetivo de apresentar
meus processos de conhecer e conhecer-me por meio da prática artística e, ao
mesmo tempo, identificar temas que perpassam minha produção e que convergem
no trabalho desenvolvido na residência artística realizada no Planetário da UFG.
Busco compartilhar meu percurso e as origens desta pesquisa a partir de uma
abordagem subjetiva e autobiográfica, desafiando as noções de impessoalidade e
objetividade exigidas no processo de produção de conhecimento. Assim, ressalto a
importância das experiências de vida como indissociáveis dos processos de
conhecer e construir saberes. A partir desta compreensão, falar sobre meu percurso
também pode desvelar perspectivas e questões históricas e sociais intrínsecas à
minha narrativa de vida apresentada.
1 Citação original: “researchers tapping into the power of the arts are doing so in order to create new
ways to see, think, and communicate. Cumulatively, they have built a new field: arts-based research
(ABR)” (LEAVY, 2018, p. 3).
13
Fotos: Hugo Glendinning, cortesias do Taipei Fine Arts Museum. Fonte: MORGAN, 2017.
organizei uma sala escura com projeções de imagens de corpos celestes e convidei
amigos para experienciar este ambiente e imagens performativamente. Tal
experiência gerou uma série de fotografias que buscam explorar relacional e
poeticamente a ideia de corpo e espaço. Foi a partir deste trabalho que comecei a
perceber os primeiros indícios diretos da pesquisa sobre o cosmos na minha prática
artística.
2 Translocução é uma palavra que passei a usar intuitivamente e não encontrei nenhuma publicação
ou citação com a mesma, assim, entendi que esta palavra não existe. Primeiramente, comecei
utilizando numa ideia de ampliação da palavra interlocução, mas num entendimento trans, assim
como as diferenças entre interdisciplinar e transdisciplinar, em que o prefixo trans subentende um
atravessamento e um desfoque nas fronteiras dos saberes. Assim, translocução estaria para mim
num sentido parecido, só que se referindo às relações de dialogo, considerando tanto as interações
comunicativas entre pessoas, mas também lugares, ideias e coisas.
19
Figura 5 – Matheus Meireles. Império de Pó. Tinta acrílica sobre papel. 2015.
3 As Placas Pioneiras são registros em placas de ouro, apresentando informações visuais sobre a
localização da Terra, alguns aspectos dos humanos, como representações visuais e um pouco do
nosso entendimento científico. Essas placas estão fixadas na sonda Voyager I e II, lançadas a partir
dos anos 1970, e após completar sua missão observação e exploração, vagam pelo espaço próximo
com informações sobre os humanos. Além disso as Voyager também carregam gravações com
músicas, diálogos e sons de humanos, e até mesmo sons de batidas de coração de um bebê recém
nascido, ondas cerebrais e sons de baleias. Atualmente, pelo que se sabe, a Voyager é o artefato
humano mais distante da Terra. (SAGAN, DRAKE, DRUYAN, et al., 1978)
21
claro entre todas as minhas produções visuais anteriores. É como se neste momento
eu tivesse unido os aspectos de condição humana, consciência, ancestralidade,
imaginário cósmico e os diversos estilos visuais, expressivos e símbolos recorrentes
na minha produção. Percebi que era na intersecção desses pontos que poderiam
surgir as minhas narrativas. Foi a partir daí que compreendi a potência da minha
produção de uma forma mais concisa e inter-relacionada.
A partir deste trabalho percebi que não queria mais criar obras para serem
apenas observadas; estava cada vez mais interessado em trabalhos que pudessem
ser adentrados, vivenciados e sentidos. Movido por esse desejo, busquei
experimentar formatos novos para mim e que me serviriam como material para
articular as ambientações. O trabalho c o s m o g o n i a é composto por uma
animação com sonoplastia que foi instalada num ambiente escuro do Laboratório de
Fotografia da FAV/UFG. Trabalhei basicamente com luz, escuridão, som, percepção
e sensação. O conteúdo da animação é uma representação da expansão cósmica,
numa estética inspirada em minhas pinturas de organismos (Figura 6), só que agora
em movimento e tomando conta de um espaço que podia ser adentrado pelas
pessoas. A sonoplastia foi feita a partir de ondas eletromagnéticas de planetas
23
uma prática que busca se apropriar e recontextualizar métodos e objetos que são
socialmente entendidos como científicos, busquei subverter seus princípios e
finalidades por meio de uma prática artística experimental que trouxesse razão e
sensibilidade para o mesmo território do saber e do conhecer. De forma a recuperar
uma compreensão do todo, já que a cisão entre razão e emoção, objetividade e
subjetividade, parece ter trazido problemas sérios à humanidade, como demonstra
László (2008):
Essa divisão nas visões de mundo dos principais cientistas tem
profundas raízes culturais. Ela reflete aquilo que o historiador da
civilização Richard Tarnas chamou de as “duas faces” da civilização
ocidental. Uma face é a do progresso, a outra a da queda. A face
mais familiar é o relato de uma longa e heroica jornada, que, partindo
de um mundo primitivo de ignorância sombria, sofrimento e limitação,
se dirige até o brilhante mundo moderno de conhecimento, liberdade
e bem-estar cada vez maiores, que se tornou possível graças ao
desenvolvimento sustentado da razão humana e, acima de tudo, do
conhecimento científico e da habilidade tecnológica. A outra face é a
história da queda da humanidade e de sua separação do seu estado
original de unicidade com a natureza e com o cosmos. Enquanto se
encontravam na condição primordial, os seres humanos tinham um
conhecimento instintivo da unidade sagrada e da profunda
interconectividade que mantinham com o mundo, mas, com a
ascendência da mente racional, ocorreu uma profunda cisão entre a
humanidade e o restante da realidade. O nadir desse
desenvolvimento se reflete na situação atual, de desastre ecológico,
desorientação moral e vazio espiritual (LASZLO, 2008, p. 9, grifos do
autor).
3.1. O ABISMO
6 Para Mignolo a ferida colonial é “el sentimiento de inferioridad impuesto en los seres humanos que
no encajan en el modelo predeterminado por los relatos euroamericanos” (Mignolo, 2007, p. 17), “y la
herida colonial, sea física o psicológicamente es una consecuencia de racismo, el discurso
hegemónico que pone en cuestión la humanidad de todos los que no pertenecen al mismo locus de
enunciación (y a la misma geopolítica del conocimiento) de quienes créan los parámetros de
clasificación y se otorgan a sí mismos el derecho de clasificar” (Mignolo, 2007, p. 34).
33
7 Percebo que Santos (2010), um pensador português, se reconhece do lado hegemônico da linha
abissal: o que ele chama de lado de cá, se referindo ao outro lado ‘excluído e invisibilizado’ como o
lado de lá. Embora reconheça que todos estamos introduzidos na lógica do pensar do lado
hegemônico (o lado de cá de Santos), busco falar mais a partir do lado de lá, que para mim é meu
lado de cá, considerando meu local de enunciação e vivência. Para evitar um posicionamento
essencialista e maiores confusões com traduções de lados, usarei os termos ‘de um lado’ (lado de cá
de Santos) e ‘do outro lado’ (lado de lá de Santos).
37
3.2. O SALTO
8 Citação original: “It’s increasingly important that all possibilities be explored in order to gain an
understanding of the complexity of society and the world in general. This means using the insights of
artists and creative people, including women - and not just the opinions of those traditionally
acknowledge as playing a leading role in society (i.e. men in general, scientists, politicians and others
in power). In other words, we need the insights of those who over the last 200 years have been on the
periphery of the decision-making and gearing of society.” (MASINI, 1996, p. 20).
39
[...] um vetor, uma linha de força com direção, uma rebarba, um desvio, uma
dissonância, um alerta ou um escape que se dá nos interstícios e margens
da modernidade, nos seus espaços de poder e controle, nas suas
instituições, nos seus modos de produções de sujeitos e subjetividades.
(MIGNOLO e GÓMEZ, 2012, p. 18, nossa tradução).10
9 Citação original: “un modo de ser, sentir, pensar, y hacer [...], enfrentando en algunas de sus caras o
dimensiones la matriz colonial del poder.” (GÓMEZ e MIGNOLO, 2012, p. 17).
10 Citação original: “lo decolonial como un vector, una línea de fuerza con direccionalidad, una rebaba,
un desvío, una disonancia, una alerta o un escape que se da en los intersticios y márgenes de la
modernidad, en sus espacios de poder y control, en sus instituciones, en sus modos de producción de
sujetos y sujeciones.” (GÓMEZ e MIGNOLO, 2012, p.18)
40
11 Citação original: “descolonizar los conceptos cómplices de arte y estética para liberar la subjetividad
[...] trabajando en el plano de la descolonización del conocer, del sentir, del pensar y del ser.”
(GÓMEZ e MIGNOLO, 2012, p.6)
12 Citação original: “Las estéticas decoloniales son entonces —en su pluralidad, dentro y fuera del
denominado campo del arte, como conjunto heterogéneo de prácticas capaces de realizar
suspensiones a la hegemonía y totalización del capitalismo— formas de hacer visibles, audibles y
perceptibles tanto las luchas de resistencia al poder establecido como el compromiso y la aspiración
de crear modos de sustitución de la hegemonía en cada una de las dimensiones de la modernidad y
su cara oscura, la colonialidad. [...] una propuesta que pretende instalar los términos de una nueva
conversación para hablar de nuestras experiencias concretas del estar siendo en el mundo
contemporáneo, en la que se escuchen y atiendan otras voces [...]” (GÓMEZ e MIGNOLO, 2012,
p.16).
41
14Mas para fins de distinção com a ideia de planetário como espaço físico, neste trabalho optei por
me referir a tal projetor como projetor de planetário ou projetor central, pois ele fica posicionado no
centro da cúpula.
45
acompanhadas por narrações que explicam o que está acontecendo com um fundo
musical (KANTOR, 2009). Elas podem ser previamente gravadas e então
reproduzidas ou executadas ao vivo pelo planetarista, e também podem ser híbridas,
o que é o mais comum, apresentando partes pré-gravadas e partes executadas ao
vivo (KANTOR, 2009). Também há planetários em que o público pode intervir na
apresentação das sessões a partir de controles de interação individuais e coletivas
(KANTOR, 2009).
Kantor (2009) cita que o autor Oscar T. Matsuura considera que as sessões
de planetário devam tender mais para o espetáculo que para a aula, e assim
privilegiar os aspectos emocionais em relação ao racional. Porém, Almeida et al.
(2010) ressaltam a importância de se equilibrar essas duas ideias, privilegiando a
apresentação de conceitos e conhecimentos sobre astronomia. Mas de certo modo,
ambos convergem no reconhecimento da capacidade das sessões proporcionarem
ao público “um lazer cultural que seja capaz de provocar reflexões e inquietações
sobre os problemas apresentados de modo a despertar-lhes a curiosidade sobre o
assunto e induzi-los a buscar esses conhecimentos por sua própria vontade”
(KANTOR apud SANTOS JUNIOR, KLAFKE e FALCÃO, 2009, p. 6). Neste sentido,
as sessões também representam certa liberdade poética e criativa, como por
exemplo, pode-se notar na seguinte sinopse da sessão 3C-273, que faz parte do
programa de sessões Planetário da UFG:
Para Almeida et al. (2010, p. 47) as sessões se assemelham “ao teatro (na
iluminação e roteiro), aos programas de rádio (na narração, nas músicas e nos
efeitos sonoros) e ao cinema (exibição de imagens em uma tela acompanhada por
48
sons)”. Kantor (2009) amplia essa ideia ao entender que esses aspectos narrativos
audiovisuais são apresentados na condição de ambientação imersiva nas sessões.
De modo que elas são pensadas para envolver o público, gerar emoções, sensações
e assim aprendizados, utilizando diversos meios como iluminação, escuridão,
espaço e até mesmo as possíveis sensações do público (KANTOR, 2009). Isso seria
favorecido pelo ambiente que reproduz fenômenos e corpos celestes de maneira
bastante convincentes, dando sensação de realismo e imensidão, e assim, induzindo
o espectador a uma percepção imersiva. Neste sentido, Kantor (2009) afirma que:
O conceito de imersão está relacionado com o sentimento de se estar
integrado ao ambiente, no interior dele. Além do fator visual, os outros
sentidos humanos também são importantes para a sensação de imersão, a
qual deve proporcionar o envolvimento com a situação vivida. A ideia de
envolvimento está diretamente relacionada com as emoções do usuário.
(KANTOR, 2009, p. 5).
até mesmo eclipses solares. Este projetor alcança toda a cúpula, mas
não projeta imagens além das do seu banco de imagens específico.
II. Retroprojetores periféricos que projetam alguns corpos celestes como
galáxias, nebulosas, planetas, luas e cometas.
III. Projetores multimídia (data show) conectados a um computador e,
assim, podem projetar quaisquer tipos de imagens e vídeos e formatos
digitais compatíveis. Porém, suas áreas de projeção são restringidas à
apenas algumas partes da cúpula. Sendo dois mais brilhantes, e um
mais escuro que é chamado de Sphera, que se mistura ao ambiente
escuro da cúpula e não aparenta ser uma projeção de local específico
se a imagem do vídeo não estourar o quadro de projeção.
IV. Projetores digitais com lente olho de peixe, também chamados de
projetor fulldome ou planetário móvel, pois possibilita projeção digital
em toda a cúpula e não é fixo na Sala de Projeções, diferente de todos
os outros citados. Este projetor também é usado em um planetário
móvel inflável, que poderia ser uma opção técnica para montar a
sessão, mas acabei preferindo a cúpula da Sala de Projeções do
Planetário.
Todos os projetores poderiam ser usados em conjunto, mas o projetor central
e o projetor fulldome entram em conflito visual. Isso se dá porque quando os dois
são usados em conjunto a qualidade das projeções de estrelas do projetor central é
reduzida por conta da forte luz do projetor fulldome. Este último, por sua vez, embora
possa ser utilizado sozinho, possui qualidade inferior na projeção de estrelas. Desta
forma eu teria três possibilidades principais para a criação da minha sessão: a)
Produzir o vídeo da sessão em formato 16:9 pensando nos projetores multimídia
(que abrangem apenas algumas partes da cúpula), associados ao projetor central e
os retroprojetores periféricos, privilegiando a projeção de estrelas; b) Produzir o
vídeo em fulldome, que utilizaria toda a cúpula para projeção e possibilitaria maior
efeito imersivo por meio de vídeos; ou c) Unir a primeira e segunda opção, apesar
dos possíveis problemas técnicos e estéticos.
Ao considerar todos os motivos já citados, a última opção (c) não me pareceu
viável. Também, considerei que o projetor central poderia favorecer mais a
ambientação, principalmente do céu estrelado e imaginário popular de espaço. O
uso do projetor central foi, inclusive, uma das principais inspirações para a produção
52
Assim, com todas as questões levantadas até então, este se constitui como
meu primeiro trabalho que orbita e depende totalmente de um lugar específico,
diferente dos meus trabalhos anteriores que mesmo quando ambientações, estes
podiam ser instalados em locais diferentes sem grandes perdas considerando
algumas condições básicas mais fáceis de serem reproduzidas. Também, neste
processo, decidi montar uma sessão híbrida, com uma parte executada ao vivo,
ampliando os limiares deste trabalho no meu percurso artístico, fazendo desta uma
54
trabalho, Gormley (200-?, online, nossa tradução)16 diz que: “é muito importante para
mim que dentro você encontre o fora. Também você se torna uma figura imersa num
lugar sem fim, literalmente o tema/sujeito do trabalho”.
Durante a residência, conheci o trabalho Milky Ways, da artista Mihoko Ogaki.
Esta artista possui uma vasta pesquisa visual sobre o cosmos, mas este trabalho em
especial influenciou bastante meu pensamento conceitual em relação às
possibilidades da ambientação com temas cósmicos. Milky Ways é uma série de
instalações que se tornou uma exposição individual de mesmo nome (RABANUS,
2009).
Figura 19 – Mihoko, Ogaki, Milky Ways. Visão de uma das instalações da exposição
individual Milky Ways na Gallery Voss. 2008.
16Citação original: “It is very important for me that inside it you find the outside. Also you become the
immersed figure in an endless ground, literally the subject of the work” (GORMLEY, 200-, online).
58
Inclusive esta última é uma das salas em que mais trabalho no Planetário. Portanto
pude ver esses painéis diariamente durante minha residência. De certa forma, as
ideias presentes nestes painéis aparecem também na minha sessão, mas de uma
maneira não linear e indireta.
4.3.2. Cosmogonias
Todo este percurso de residência citado até aqui gerou a sessão de planetário
C O S M O G O N I A. Esta se constitui como um trabalho de ambientação que não
pode ser reproduzido em sua integridade, senão no Planetário, e tão pouco pode ser
fotografado, por suas condições de baixíssima iluminação (principalmente de
projeções em movimento). Assim, na sequência descrevo alguns dos principais
aspectos narrativos, poéticos, conceituais e estéticos específicos deste trabalho. E
também apresento alguns frames ilustrativos da produção audiovisual que compõe a
ambientação, já que a mesma não pode ser registrada de outras formas, senão pelo
falar sobre e na memória de quem pode ou, um dia, possa vivenciá-la.
Para a sessão a cúpula é previamente ambientada como um céu diurno
azulado com nuvens brancas17. Uma frequência de tigela tibetana marca o início da
sessão. Após este momento, pode-se ouvir uma narração que chama o público para
um exercício de presença e meditação, pedindo que as pessoas se posicionem
18 A narração foi feita por Danielli Bettini, e foi escrita, gravada e editada por mim.
19 Também bastante realista por ser feita pelo projetor central.
20 Esta sequência de olhos foi criada por mim em animação digital.
61
Na sequência, este ser explode em algo que se parece com uma nebulosa23,
em referência aos inícios nebulosos do universo. Aqui gostaria de misturar um pouco
21 A base deste áudio é a introdução de 16 segundos da música Noite Severina (2001), gravada por
Lula Cortez.
22
A imagem base para composição com esta hydromedusa foi retirada de um vídeo de cortesia da
NOAA Office of Ocean Exploration and Research, 2016 Deep water Exploration of the Mariana. 2016.
Disponível em:
<https://oceanexplorer.noaa.gov/okeanos/explorations/ex1605/dailyupdates/media/video/0424-
jelly/0424-jelly.html>. Acesso em outubro de 2018.
23 Criada em animação e vídeo colagem associado aos aparatos técnicos do Planetário. Para a base
da nebulosa usei uma imagem da nebulosa de Helix de domínio público, disponibilizada pela NASA,
62
Esta nuvem de gás interestelar expele diversas estrelas26, dentre elas uma
que vai se tornando cada vez maior na medida em que a nuvem desaparece. A
estrela vem se aproximando em movimento espiralado até ficar o maior possível no
espaço da cúpula, demonstrando sua superfície e sua atividade estelar. Esta estrela
fica um tempo reinando no céu e depois vai encolhendo até ficar bem pequena, mas
ainda visível. Ao lado dela aparece uma face27, que se põe a observá-la. Esta face
continua observando a estrela por uns instantes até que esta última começa a
diminuir de tamanho. Neste movimento, revela-se que atrás desta estrela há uma
galáxia que agora já é possível ser vista. A estrela vai ficando cada vez menor até se
perder na imagem da galáxia que faz o mesmo movimento: fica menor até evidenciar
um aglomerado de galáxias e se perder dentre esta imagem. Este aglomerado
também repete o movimento dos outros corpos anteriores e se misturam a uma
representação do universo observável.28 A face continua a observar este sistema por
26Nesta cena utilizei imagens de código livre da animação de simulação de formação estelar The
Formation of Stars and Brown Dwarfs and the Truncation of Protoplanetary Discs in a Star Cluster, de
Matthew R. Bate, Ian A. Bonnell, e Volker Bromm, da Universidade de Leicester. Disponível em: <
http://www.ukaff.ac.uk/starcluster/>. Acessado em novembro de 2018.
27 Feita com vídeo de acervo pessoal (com a participação da modelo/performer Deep Alpa) mais
vídeo mapping digital feito por mim.
28 Muitas das bases de imagens e vídeos do universo utilizados foram retiradas do banco de imagens
gostaria que eu utilizasse mais dos aparatos técnicos do Planetário durante a sessão.
30 Feito com um corte de 11 segundos do vídeo 4K Earth Rotating Half Hour Loop - Relaxing
passar pela Terra e desaparecer do campo de visão32. Assim a Terra volta a ficar
escura até que desaparece junto com as estrelas e, assim, toda a cúpula fica
totalmente escura por alguns minutos. Este momento foi pensado como uma
situação em que a visualidade cessa para possibilitar um momento de absorção bem
como de reflexão sobre o que aconteceu até este instante da sessão. Mas também é
uma provocação aos nossos sentidos e a comum necessidade de acontecimentos
sucessivos33.
Está tudo escuro e a música acaba, há um silêncio total e, então, surge uma
cena de abertura central que tenta se assemelhar ao olhar de um astronauta em
primeira pessoa. Deste modo, a imagem parece uma visão do espaço emoldurada
pelas bordas de um capacete de astronauta, dando a impressão de estarmos vendo
através da sua viseira e, assim, de seu olhar34. Neste momento, o astronauta
32 Esta cena demonstra a Terra parada, no centro, com o Sol girando em torno dela. Uma liberdade
técnica e científica para mostrar o movimento da luz diurna, bem como uma liberdade poética para
refletir um pouco sobre como percebemos nosso lugar no cosmos.
33 Esta também foi uma ideia que cheguei durante o processo criativo com o planetarista Gustavo
Ramos Jordão, que sentia falta de momentos de escuridão total mais longos durante a sessão. Algo
bastante incomum também nas sessões de planetário.
34 Feito com cenas do jogo Adr1ft, animação e colagem digital (viseira e elementos digitais da
mesma). Para o espaço e a Terra, utilizei como base o programa de simulação livre Space Engine.
66
Essa cena vai sendo cortada e acelerada, como lapsos de memória. Estes
cortes são evidenciados pelas indicações de níveis de oxigênio na viseira do
astronauta, mostrando que ele tem cada vez menos oxigênio e, assim, tempo de
vida. A Terra vai ficando menor e mais distante enquanto sua respiração vai se
tornando cada vez mais lenta e fraca. Entre estes cortes, o astronauta tem algumas
visões que poderiam ser sonhos ou alucinações. Em um primeiro momento ele vê
diversas imagens cósmicas psicodélicas, fluidas e descontruídas, em especial
imagens que se assemelham ao Sol, a Terra e a sonda Voyager, bem como
67
Devagar as estrelas começam a girar até que param e pode-se observar a sonda
Voyager. Esta sonda vem se aproximando ‘ecoando’ os sons que carrega de forma
fisicamente impossível, mas em certa liberdade poética. Esta seria uma referência
às ideias do livro Murmurs of earth: the Voyager interstellar record 38, de Sagan et al.
(1978) e, assim, faço uma alusão a ideia poética de que, de alguma forma, ecoamos
35Nesta cena, usei um pedaço do vídeo Stardust, de Postpanic com direção de Mischa Rozema, e
a música Dark Matter, de Bjork. Ambos disponíveis em <
https://www.youtube.com/watch?v=d3bRaaK85HU>. Acessado em novembro de 2018.
36 Narrado pela Professora Manoela dos Anjos Afonso Rodrigues. Escrito, gravado e editado por mim.
37 Para esta cena do astronauta flutuando no espaço, utilizei como base uma cena de 3 segundos do
filme Gravity (2013), dirigido por Afonso Cuarón.
38 Que em português pode ser traduzido como: Múrmuros da Terra: Disco interestelar da Voyager.
68
39 Uso a palavra estrelas para me referir às projeções de luzes do projetor central do planetário, pois é
o que simbolizam, mas durante a sessão, e principalmente nesta parte, as assumo como pontos
brilhantes que podem ser entendidas de diversas formas, inclusive como supostos universos, no caso
desta última cena.
40 Narrado por Sther Ko. Escrito, gravado e editado por mim.
69
página oficial do Planetário da UFG. Esta sessão aconteceu de forma pública, livre e
gratuita, e reuniu um público de aproximadamente 110 pessoas. E, considerando
necessidades deste projeto, aproveitamos este acontecimento também para propor
uma roda de conversas para compartilhamento das experiências pessoais
vivenciadas durante a apresentação da sessão.
Nesta ocasião organizamos a sala de projeções do Planetário da UFG para
receber as pessoas e já prepará-las para a experiência da sessão. Assim, todos os
momentos vivenciados no Planetário, desde a chegada e a espera pelo início da
sessão também foram pensados como parte desta experiência. Deste modo, a
cúpula foi ambientada com uma projeção de céu diurno com nuvens (que foi
pensado como, de fato, o início da sessão, agora estendido). Também coloquei
algumas músicas ambientes que dialogam com o tema, a estética e ambiente que
gostaria de possibilitar. No geral foram escolhidas músicas latinas, com sonoridades
calmas, tranquilas e temáticas ou referências à momentos espirituais. Esse ambiente
ajudou na adaptação sensorial das pessoas, sendo uma forma de trazer o público
para o momento presente, e prepara-las para a experiência seguinte.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
COLOMBO, Umberto. Art and Science: Studies from the World Academy of Art and
Science. World Futures: The Journal of New Paradigm Research. Volume 40, Issue
1-3. 1994. n.p.
LASZLO, Ervin. A ciência e o campo akáshico: uma teoria integral de tudo. São
Paulo: Cultrix, 2008.
MASINI. The relationship between art and science. Leonardo, Volume 29, Number 1,
February 1996, p. 19-22.
MORGAN, Robert C. Tehching Hsieh’s Art of Passing Time. 2017. Disponível em:
<https://hyperallergic.com/385988/tehching-hsiehs-art-of-passing-time/>. Acesso em:
outubro de 2018.
Sagan, C.; Drake, F. D.; Druyan, A.; Ferris, T.; Lomberg, J.; Salzman Sagan, L.
Murmurs of earth: the Voyager interstellar record., by Sagan, C.; Drake, F. D.;
Druyan, A.; Ferris, T.; Lomberg, J.; Salzman Sagan, L.. New York (NY, USA):
Random House. 1978.
Sagan, Carl. Pálido ponto azul. Tradução Rosaura Eichenberg. Campanhia das
Letras, 1996.