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ADNAVLAG QUEIROZ OAVLAG

2013
BELÉM
Clarividente que sou
Nem é preciso um poente
Rico de prismas e cores.
Nem cordeiros azulados
Nem inéditos langores
Nem begônias no meu prado.

Canto o que vejo mas antes


Canto o que a alma deseja.

Hilda Hilst
A Menina Comilona, COMIA TUDO, quase, TUDO QUE NÃO SABIA, comia. Comia. Caminhava pela
cidade, passos, firmes, parcos, a multidão a assustava. Seguia? Seguia rapidamente, arrastava
pensamentos, mastigava, mastigava, doces, salgados, uma junção interminável de vazios; umas
vezes precisava de nomes, mais do que de sabores, então era farinha, açaí, uxi, maniçoba, cupuaçu,
siri, tucupi, tortas, tortas e países, muitos Nomes a devorar, numa transubstanciação, misturava
tudo a sua solidão, seus medos, vãos, imagens que guardava na memória embaralhada, metafísica,
patafísica , pensamentos em letras, letras desarticuladas, os íngremes caminhos de uma fala palavra.
A Menina Comilona em seu presente, passado, futuro, tempos protocolares, vírgulas. Encontrava
brinquedos nas travessas da cidade, bonecas vazias, quebradas, desnudas, choros presos as baterias
espalhadas nos logradouros. Uma cidade invisível, pedra, barro, sonho, silêncio sob o ruído de
televisores, válvulas em cores. Dispersas energias, máquinas, resíduos, tecnologias que ampliavam
na menina espaços muitos, espaços preenchidos em minutos nas liquidações liquidificadas, homens,
coisas, alimentos, multiplicados nos passos, na procura.

Caminhos e nenhum lugar, muitos, sem nome, sem histórias, pessoas emaranhadas esbarravam
na menina, nem a viam, seguiam, sem desculpas ou sequer olhares, a Menina Comilona estava,
fluxo continuo em vestido de flores encurtado pelos quilos a acelerar o tempo, os dias, as idades da
menina. Idades “nem”, diria eu? Estatísticas tais. Sorria!
Ela nem sonhava, nem encontrava buracos, por entre espelhos quebrados saltava seus silêncios nas
esquinas de trânsito, buzinas, “hits” gritados, repetidos, a proliferação do mesmo e a fome – guardadas
as diferenças. Fome de ver as cores do dia, vermelho, mistura, desejo, já não se via, bandeiras
embotadas, azul, verde, amarelo estendidos em cabides e prateleiras, manequins congelados, sem
cabeça, sem braços, corpos da imobilidade nas vitrines em condicionado ar. Permanente exposição,
ver, ser visto, “flashes” de imagens. Fome de viver, a lâmina a abrir a menina, a Menina Comilona.

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Caminhos de rios, caminhos asfaltados, veias e sangue, a nuvem, sempre a nuvem entre os
paralelepípedos, a lama, sedimentos de um depois, pés, pés e homens, o mangue, a mata, pássaros,
animais, passos, patas, asas, juntos, separados, juntos e devorados. Apetites. A falta, a procura,
territórios privados, onde ficar? Pensava, procurava, seguia.
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Na cidade, vias rasuradas – travessas. No rabo do cachorro o sorriso, o osso. Biscoitos, pizzas, beijo-
de-moça, beijo de moços, giros em versos, notícias proliferadas, mentiras voláteis, rápido, rápido,
ninguém sabe da lebre, nem eu? Nas páginas eletrônicas, o fluxo efêmero, uma crueldade capital.
Devorava Alice, Carroll, Borges, Barriga, Rilke, Baudelaire, Zumbi, Dalcidio, A Senhora D, Clarice,
Rosa, catatau, haikais de Leminski, frases, martelados pensamentos, pessoas, igarapés, procuras,
procuras ensimesmadas, feixes. Observava muda e as ervas cresciam, o sol, o tempo na epiderme. Os
percursos das formigas, rápidas, organizadas em objetivos precisos, ir-voltar, guarnecer o território
ultrapassar temperaturas, potes, caixas, recipientes multiplicados. Não cabia canto: Vi Zuleica, dizia
para si mesma a menina, ela e sua bolsinha amarela, seus armários. Uma formiga assim, assim,
apressada a requebrar, a armazenar seus açucares, sempre a guardar para si, para os seus, ninguém
mais, seus iguais, iguais e mesmos como diferentes, o formigueiro, sons, mistérios, muitas, muitas
formigas, mas Zuleica de bolsa amarela sem fim, guardava o mundo – o mundo em curiosidades,
“desfazimentos”. Nas aspas, a coisa outra, a tentativa. Zuleica, pequenina, a carregar pedaços,
pedaços-inteiros, fluxo atemporal, inverno, verão, nas flores, nos quintais. De muitas formas Zuleica
estava comigo, nem ela sabia, nem eu? Ela, eu? Mas é verdade, tudo isso porque eu não queria
segui-la. Canção e trabalho, fazeres dela, meus? Paralelas – a menina, a estrela, o dia.

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Extratos de cores, na superfície as horas, os átimos. A menina em anos inomináveis, 10, 20, 30, 50?
A menina persistia no tempo, naquilo que não tinha nome, moléculas, partículas. A menina era eu?
Eu? Eras? Garatujas? Indagações ainda? De repente, a fome, a fome constante, a procura, o insípido,
por entre os dentes, mastigar, triturar, a ausência naquele corpo vigilante a qualquer movimento.
Arisca, seus medos a deixavam alerta, is>cas< o avesso de sua contradição, pesada, atenta carregava
a inércia nos dias, nas noites, insônias repetidas, embotadas – inanes – , elegias em sim, em não.
Perder, ganhar, comer, resistir, sem por que, sem interrogações, a respiração lenta, a transpiração.

Apertava os olhos e via os luminosos, a cidade em pisca-pisca, zumbidos que são constantes, o silêncio
era seu em meio ao ruído, estava em toda parte, não existia. NÃO! Gritava! Não dá pra entender,
embora o entendimento seja mais uma máscara da sociedade unidimensional, ouviu isto em
algum lugar?? Assimbolia? Não importa. Entendeu?? Sorria! A cinza envolve a todos, a mim mesma,
nos cacarecos que trago comigo, coisas, palavras, permanência ainda. O ABc... o Z das emaranhadas
letras a rodopiar na minha cabeça, girassol de incompreensões, minhas, deles, de quem? De novo
me pego falando sozinha, fabulando com minhas bonecas e lobos e armas e quebra-cabeças, sucatas
de lugares inventados. Nas dobras do caminho, mudo, volto, arremesso-me e paralisada divago por
becos sem nome uns, outros não, sei lá? Sem paladar, trituro, preencho meus vazios sem quadrados,
TV, computador, mais Pitágoras, ágoras, redes de peixes em cor. É quase uma ousadia, consumo,
sem paladar, devoro o que vejo; o que eu não sei. Ai esta, a padaria da esquina – encruzilhada
=============================x. Segue a menina, seguimos?

Delírios que são muitos, das coisas, dos lugares, pessoas conhecidas, inventadas, memória que se
refaz todos os dias, para a menina, a Menina Comilona, palavras, “famas”, fortalezas, ruínas, coisas
a cercavam. Muitas, muitas coisas, de repente uma idéia, sua concretude, materializada, estava lá
e a tocava, encantada então seguia. A matéria da cidade, a menina mirava as transformações, a rua,
o fluxo, um cão atropelado, um cão no seu passeio matinal, um cachorro era um cão? Sim? Não!
Sonoridade, simbiose.

µµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµµ

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Um olhar que não identificava, não deixava permanecer, assim nas paralelas da cidade as imagens
são estilhaços. A menina nem é mais menina, quem é esta, quantos anos tem, de onde vem?
Massacre da razão! Isto, isto. Para onde ela pensava ir? Perguntas que a imobilizavam. Ela saltava em
seu vestido de flores flutuava. Diante destas sabatinas, sorria, desviava. Sua história esta no desvio,
caminhar por espaços, “flanar”, seguir, fitar, coloridas fitas de santos de santas austeridade no
sorriso no manto, doces, irmãs, mães? Retalhos e pedidos, o desejo de conhecer o mundo, o mundo
de sua cidade, o mundo em cidades outras, paisagens e rios, corpo movente, lançar-se nas flores do
vestido, MUNDO MENINA. Outridade.

Dias a olhar o mar, o infinito, águas misteriosas, imensas, peixes afogados na mistura das águas,
doce e sal, águas turvas, revoltas, o mergulho e o silêncio, respirar, respirar, ah! Levantava a cabeça
e já não tinha pé nem voz, “nem nada”, a onda a abraçava e a deitava na areia, acordava com
fome, sozinha entre caramujos, flores, frutas no pé, estes seres era ela, parte-inteira, era a menina,
a Menina Comilona, a poesia barro, a poesia semente, o devir.

As meninas da menina, as meninas na menina, a Menina Comilona era muitas em suas andanças,
uma subia árvores, escorregava em trampolins, mergulhava outra nas águas geladas em meio as
folhas, braços do Xingu, dos igarapés de mar, seixos, uma seta nas memórias da menina não era uma
direção ou ao contrário de Heráclito? Andanças de nuvens, luas, manhãs, sutis pretextos a levavam
a um, a tantos territórios, as marcas de ousadias deixadas pelo silêncio, o medo que por fim a fazia,
diferentemente, do previsível, se mover, buscar, percorrer a superfície com sorriso, com sono, com
raiva. A fome a fazia parar, mastigar sem paladar, engolir sem reservas a massa, a carne, açucares aos
pedacinhos, bem pequenos como se assim pudesse, enfim, encontrar o sabor, Ser.
Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr
dlan, dlan, dtlec, dtlec, dtlec, dtlec, dtlec, dtlec, dlan, dlan, dlan, dtlec, dtlec, dtlec, dtlec, dtec, dtlec,
dtlec, dtlec, dtlec, dtlec.

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Soluçava, apertava os olhos, quase sempre, mas lá estava a estrada, travessias, os cantos do lugar.
Sons não identificados, linhas, labirintos, grutas, sombras. Pés descalços. A menina em nuvem.

A noite chegava logo, estrelas a acompanhavam distantes, às vezes perto quando a lua dormia. Nesses
dias em noites, dias intermináveis, parecia caminhar num tapete mágico, abraçada com um corpo
desenhado de brisa, contava as estrelas, uma, duas, três, vinte, uma, ou? Ou? Voltava em caminhos
outros, seguia a contagem, a menina nessas noites ficara mais bonita, parecia captar o brilho de
todas as estrelas, pequenas – grandes, encantada em seu tapete de nuvens e fios de Penélope, sorria,
perdia a conta de novo. Foi por causa destes aviões, parecem me alcançar, mas quando? Eu estou
aqui? O que poderei alcançar? É impossível – sorria – a menina me interrompia, em pensamentos
muitos, nem sei se posso falar assim, eu era ela e outro, como? Tudo pode, talvez, ser explicado
nessas análises estruturais de Pessoa, heterônimos? Ou psicologia de massa? A psicologia em nos
pequenos, pequeninos burguesinhos. Corpo aos pedaços. Simples, convexo. Vitrines e endereços
eletrônicos, imagina? E as casas? Era a história em meandros, traços coloridos de sal, substantivos
em caixas, quente, frio, temperaturas transpiradas.

Entender sem explicar, contrários, eram assim seus dias cheios de filosofias, botões, fogão, bordões,
os giros. Dizia filosofias pras coisas que tocava ou inventava, coisas que estavam ali a espreitá-la
distraidamente, os saberes. Lari lari! Cobras tinham asas, mesas tinham pés, as coisas eram animadas
e até dançavam vez por outra, “ olha-só ” ! Metamorfoses nas feiras, frutas, peixes, pessoas, pessoas
que se misturavam aos peixes, aos patos, aos coelhos; diferentes os açougueiros, sempre céleres,
críticos, seus cortes iam além das carnes, “uma faca só lâmina”, lembrava dos percursos pelo Recife,
as letras sem som, o som a ecoar, ssssssssss, zzzzzzzzzz, iiiiiiii, xxxxxxxx, mmmm, ééé e eee de João
Cabral. Uma pré-linguagem – navalha – a delicadeza, o sangue, uma só “naturaleza”.
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Ei! Mocinha!A menina ouviu e ficou parada, congelada, estátua. A senhora esta a falar comigo?
Humm! Deve haver uma confusão aqui!Abriu a bolsa e saiu. Ia. Pontos mais pontos, caminhos
partilhados em desenhos vários de cidades, cantos transmutados, histórias, a cidade em tertúlia, a
menina repele as retas, percursos quase intransponíveis em objetividades, linhas rápidas cortantes,
ia aos pulos, aos pulos procura as dobras, as sinuosas cidades – o barroco guardado nas frestas da
modernidade. Abria portas, galgava em direções outras, ela olha o relógio na praça, “um relógio que
come solto”, tic-tac, tic-tac, horas e horas; empunha o guarda-chuva e vai. Ela quer pedras, folhas em
seu caminho, será possível? Arremessa-se para o impossível, intempestiva.

A Menina Comilona é magra, é gorda, flutua, traz consigo os apetrechos mais de-sa-pro-pri-a-dos
para manter seus vestidos a contento, linha, tesoura, agulha, retalhos que fazem seu risco, seu disco,
tece o corpo seu, muito caprichosa, serelepe, dramática, simultaneamente, vestida, claro, indefinida.
Não é uma constante, como vocês já viram até aqui, mas é ainda uma menina, curiosamente, tátil se
é que se pode dizer assim? Embates com o virtual, pra ela tudo pode, não é? Poder. Vê pontes sobre
os muros. Quando não ela amplia as fissuras, descobre sítios outros, sua procura delirante, sem
nome, assim, assim, diante de arbitrárias direções, salta......! Absurdos são traços moventes, senão
implicaria em previsíveis passos, ela opta pelo desvão, o diverso e o mesmo, como diria Macabéia,
o imponderável nas vitrines. Isso você já disse, ela me diz, peço pra ela novas impressões, ela corre
enquanto chove. Molhada, sorri. Chama atenção em seus movimentos, travessuras de menina,
ousadias que insistem em colorir o dia, à noite, que para ela veste as manhãs. Nessas manhãs, fica
deitada, coberta, pés, cabeça, escondida de todos, principalmente, de carapanãs. Caras? Pensativa
olha o teto busca uma saída, não aparece, depois do meio-dia levanta, junta suas coisas, toma café
no bar da esquina, guarda seu livro, parte para outra, parte inteira, isto significa, ir para paisagens
outras, lugares de cachoeiras, talvez, territórios onde possa ficar a misturar utopias as gentes, gente
de perto e de longe, pintar as nuvens com guarda-chuva em combustão, espalhar seu protesto junto
com as flores de seu vestido, cantar. Grafar a cor, a força, uma proteção em pigmentações.

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Matas, capoeiras, ervas que fazem nas árvores seu refúgio, proteção que faz da menina uma corajosa
mulher, um misterioso ser da floresta, dizem as senhoras em suas sabedorias, nas águas de Cachoeira
do Arari, “essa menina? Oiaii, é uma Matinta memo”, a Menina Comilona sorri, saboreia, quando
nestas matas, os pratos do setor, setor são esses lugares descobertos, procurados! Encontrados?
Impressionada, com sabores e descobertas, leite de castanha, para tudo enfim, fígado de jabuti
ao leite de castanha, queixada, tracajá, tudo, tudo que se move, farinha não pode faltar, é variada
por estes lados, não tão crocante, mas apreciada, igualmente, pela menina. Essas viagens deixam a
menina aos saltos entre as lendas do lugar que são verdadeiras, ela atesta nas marcas deixadas pelo
Manjericão, uma visagem que passa por ai, pelas bandas de Gurupa, ainda em Cachoeira do Arari,
Marajó, a menina averigua tudo, e você pensa?? (...), ela volta e pede que a pessoa conte a história,
fingindo esquecimento, uma espécie de acareação, se surpreende, a cada história: seus misteriosos
ingredientes, diferentes abismos e varinhas de presentes, talhadas por vaqueiros, as varinhas do
amor! Você conhece?

E difícil para a menina sair destes territórios, mas vai pra outros numa canoazinha, não tem parada.

Na canoa, atravessa os braços de rios, tem umas meninas que ficam olhannnnnnnndo pra ela,
trocam olhares, sorrisos, logo adormecem e a Menina Comilona, experimenta tudo, o barqueiro
oferece um caldo de piranha, para aquecer a passagem das horas e os borbulhantes rodopios do rio
– um dizer que? A noite traz uns brilhos nas águas, parecem lanternas pergunta a menina e logo vê
jacarés na beira, fica mais atenta, “repara”, nessas travessias não dorme mesmo. As águas, a terra,
o farfalhar deste encontro, erupção, fratura de homens, mulheres, meninas, meninos a adentrar
igarapés e comunidades para a Menina Comilona são mundos diversos, distantes, simultaneamente,
próximos, vistos assim de través, viajar por espaços inimagináveis, a resistência espalhada, marejada,

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num cantar de ciganinha, pássaro da região que canta os usos do lugar em seus penachos e sinais,
devaneio e verdade da menina que apreende as particularidades do cotidiano em suas passagens
de lagartixa, colada aproximação, distancia nos dizeres seus de viajante-menina, a antropofagia
de um país-continente nas redes que aqui trazem peixes, camarões, matéria de alimentar o corpo,
o sonho, os vôos, a cidade que não conhece, desconhece, conhece, desconhece suas meninas, a
comercialização que acelera a viagem e não dar a ver estrelas, a pressa embaralhada, a pressa a
nos envolver. O tempo da menina é palmilhado em cada esquina, no terreiro, na roça, nos campos
inundados nas árvores em frutas, nos cheiros que invadem a menina. A menina em saberes, em
Sim em Não, nas ondas o corpo, mãos de fazer a massa, a tapioca, os processos, os cozimentos,
ebulições, volições, assar o barro, compartilhar a riqueza da mata, sagrar o lugar. O espesso em
arabescos recolhidos pela menina que aqui descobria o gosto de tudo, o simples e o absurdo. O fazer,
tudo aqui era preparado, tecido, moldado, pelas mãos de mulheres de homens de crianças, daquele
emaranhado de cipós que viravam cestos, tapetes, abanadores, casas construídas em madeira, em
argila; móveis, transportes, cascos, canoas, barquinhos, balanços e árvores irmanados, bacuri, pequi,
tapereba, ta-ta-ju-ba, nas mãos da menina o imenso, a florada.

Sentia, pensava, adormecia – era noite. Perscrutava nas manhãs camaleônicas, o que o silêncio da
noite lhe trouxera nestas águas após um dia de encantamento, não sabia, perguntara pelo próximo
barco, seguia. §§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§
§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§§
ir, vir, as marés em vazante.

Ficara meio aturdida (inteira?) com a riqueza e a miséria, a violenta ausência no sem nome, os
contornos contrários. Permanecer, mudar, de repente ficara vazia, não sabia se tinha sido a chuva
continua destas paragens, terra, águas distantes, não sabia explicar, por isso arrumava seus
pertences, no guarda-chuva estava ela. Perguntavam o motivo, o porquê da partida? Ela nada dizia,
precisava ir, partia sob os olhares muitos.

Seguia agora para o sertão precisava experimentar essa diferença, se é que existira? “Era, já?” Andar,
andar, Andaraí. Perguntava-se. A aspereza e a delicadeza destes cantos, delicadeza que já sentia
com a brisa a revolver seus cabelos lhe rabiscando a direção. As palmeiras de buriti o diminuto

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lago, os sentidos e nenhum segredo, caminhar, comer, plantar, colher, correr, correr, ir a nenhum
lugar, saltar os abismos, não repetir. Os imperativos da menina estão no percurso aqui, agora, as
identidades construídas nos recortes, nas cores em fogo desta paisagem de casa, de cercado, a vida,
pai, mãe, irmão, tio, avô, familiar família? Feijão na cuia, cuia? Sorria com suas próprias elucubrações!
Escorriam no rosto da menina as lembranças do que nunca tivera – perguntavam: Ei! Tu aceita uma
coisinha? Acabamos de matar um carneiro, não tem os pés, foram vendidos pra cidade! A menina
ria e recebia a cuia bem servida. Comiam e olhavam a menina coberta de sol e poeira, calavam. A
menina agradecida já ia, se retirava. Quando convidada pra um banho de açude, ela aceitou, não
queria abusar da acolhida, dizia sem graça: Vocês são bons, não quero atrapalhar. Masss! Menina
não carece preocupar é por gosto! “Vuuumbora”? Levaram a menina.

Poeira e mandacaru por toda parte até chegar numas pedras, depois as águas, depois a saudade.

A inteira parte do todo. O curral, a cidade, a pedra. Concreta mudez.

As cantigas das gentes, a menina apreendia, lá, lá lá Iaiá !Sem compreender! Enxergava umas cercas.
Estava no meio do nada, uma vaca magreeeeela do lado, a casa grande abandonada ainda era o
símbolo do “mando”, do latifúndio – a fazenda, a miséria sob os séculos, ainda o sonho em braços e
pernas que sorriam naquelas veredas. O não-dito do visto. Aqueles cantos guardavam muito silêncio,
pensava a menina, silêncios que deixavam tudo mais longe, trazia de novo a fome, o vazio que nem
sabia o sabor, o sono a alimentar essa gente nos exercícios da lida, da vida, dos desejos calcinados
de não, nas noites de estrelas e ventania. O olhar falava. Superstições, santinhos cobriam casas
e crianças, lamentos e lágrimas compunham o lugar, o trabalho, a terra, a resistência. A menina

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percorria léguas que estranhamente não eram alcançadas, parecia uma paisagem distante, era essa a
sensação, aquela paisagem resguardava enigmas. Parecia não conseguir adentrar. O tempo passava,
cachorro crescia mirrado, esperava-se a chuva longe, longe do Equador.

Depois das chuvas os santos, as santinhas, o arco-íris, as festas, a Menina Comilona ainda ali, queria
adentrar nas histórias do sertão, a permuta dos santos. Tocar a flor do mandacaru, o perfume de
terra adocicado, as famílias grandes, os meninos pequeninos, o silêncio derramado pelo sol, na ponta
da faca a vingança antiga alimentada pelos anos, baús de fotografias, juventude em preto e branco,
aqui dentro não cabe cor, sabia? Confirmava a Menina Comilona. O amor, as coisas do amor, objetos
guardados, bilhetes, pétalas, laços de fitas, entender ou imaginar? A Menina Comilona por entre
as veredas daqui, de tantas veredas, “de Vera”, traz olhares novos, as coisas vibram em histórias
emaranhadas ao silêncio, a ladainha, a alegria engavetada sai às ruas quando chove. O imenso aberto
pela nuvem, a água, a terra, absorção, chuá áááááááááááá, a roupa colada ao corpo molhado, chuva,
cantoria nestes dias de sertão, a água reveste as estrias da terra, o cansaço em nuvens, pairava a
menina, os bichos pararam e entreolharam-se para beber gota a gota essa alquimia do céu. Depois
tudo evaporava. Ficava a pensar a menina. Primeiro o verbo. A embriaguez de um espaço estranho
e mesmo, os moinhos inventados a capturar o visível, o invisível, as partes vistas pela menina que
caminha, ora a envelhecer, ora a rejuvenescer, nas linhas arqueológicas.

Ao ver a natureza não cabem pensamentos, aquilo que vejo despe as linhas que tateio, é muito mais
rápido; pergunto, ouço, toco, mas as coisas seguem, constato, sigo – diz a menina consigo mesma –
um pensamento que fala. Acho que me ultrapassa e a varias pessoas, não sei? Há uma negação frente
a estas dificuldades, mas na superfície pululam códigos, nomes, fórmulas. Frutas amadurecem sem
que eu saiba seus nomes e sabores, ou ao contrário, sabores e nomes, caem, são maceradas . Meus
botões falam, escrevo, eu hein!! Meus botões?? Deve ser comigo isso, mais perguntas. Será que
e-x-i-s-t-e resposta? A mulher é a pergunta em suspensão. Pegava um espelho, contava miçangas,
estrelas, sapos cururus, sonhava sem adormecer.

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Meus passos, inimagináveis cantos, minha hipótese, minha dúvida mesma, no claro, no escuro,
movimentos desviantes de ser, não-ser, alimentos que preenchem, momentaneamente,
minha procura, o peixe, o carneiro, a codorna, o avestruz, o cachorro quente “hot”, a
patativa que alimenta num lamento os sertões meus, os sertões de águas não cabem
em guarda-chuva – meu malabar, meu malogro, vou cerzir meu vestido nestas manhãs
seriemas------------------------------------------------------------------------------------. Tambores de Benedito,
de Cícero, santos da dor do dia, da alegria do dia ainda. O café, o verso, o fogo, a palavra que não
conheço “diz dizendo”, a boca inteira corpo, o espaço que não encontro pra estender minha rede de
desejos, balançar sem medo.

A Menina Comilona passava dias silenciosos, nem comia, parecia hibernar, olhar perdido num ponto
qualquer, era difícil uma aproximação quando o céu engolia o azul, porão de menina.
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De olhos abertos para o céu, tapete de estrelas, meteoritos, satélites nas fronteiras, a cor da noite,
navegar sem farol, sem reconhecimento, a possibilidade no vão, ainda todos os dentes, morder a
carne, deixar as unhas, contar estrelas, ser encantada pelo boizinho, pela Uiara, dançar na noite
pular os dias.

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Apreender e ser DADA, a boca, o leite, romper correntes, conceitos, previsibilidades, singular olhar
desdobrado no outro, no espelho quebrado, na menina em flor tecida quando na noite o som. A
música no corpo, movimento em contrastes contínuos.

No inverno a terra sorria deste lado do rio, guardava com Zuleica, a formiga, as proteínas, a
seiva, o guarda-chuva em cor, a menina passista, ao longe a serpentina, confete, resquícios de
carnaval, o brilho, o pulo e o gato, o sopro de Capiba, a senda da pitombeira. A dança na chuva
tinha um gosto de igarapé, de um tempo outro, a brincadeira, o mergulho na bica, num jardim
suspenso na cidade, em meio aos arranha céus, as nuvens em chuva a abafar a britadeira, motor
perpétuo na cidade. Sem presente, sem passado, vislumbrar nas pastilhas, no vidro temperado
o futuro. Tempero! Temperança! Eu, aqui, agora, a sombrinha colorida chinesa, o sorriso da
terra porque aqui tem um relógio que cochila na tarde, a tarde dorme comigo demoradamente.
ZZZZZZZZzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Quando me espanto é hora da merenda? As coisas ganham um gosto, um cheiro, um quentinho,
doce-sal acho? Meio caramelo. Tudo? Tudo isto sempre depois da chuva, no tempo dela, da chuva,
claro! Meu humor vai, vem, com a chuva, o sol, “soul”, é difícil caminhar na cidade, muitos olhos sem
palavras – tropeço. Pés apressados não vêm paisagens. Eu vou ao meu tempo de canoagem, numa
natureza que quase não fala também, mas quero o ruído de não entender, de baralhar nos cabelos o
tempo, desarrumar para desorganizar, como antes das estradas, no mangue, “rizoflora” da floresta,
do concreto, signos como braços sob o inalcançável.

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À noite. A miopia. O dia ao fundo, o tempo a escorrer, movimento dentro, a barriga. Guardar.
Abrigar. Revolver. Ser agora, sem futuro com possibilidades nos meus pés que abrem portas, a voz,
a fala, para agasalhar a dor ancestral, contradições flagrantes, o encontro, o inanimado encontro,
a padaria. O consumo que não sou. Acumulava, arrastava o gosto, na espera o festim, a lenta
espera, nas mãos o estômago, a preguiça, eu, a menina? A Menina Comilona? Possibilidades? O que
posso saber? Não tenho mais precauções, meu sonho agora é sono, um cansaço de quilômetros,
neste instante sem paisagens, sem memórias. No meu rosto a vigília do tempo, a mulher em mim,
o sobressalto. A despedida. O caminho. O círculo, um círculo em correspondências, dias, divisões,
números.

Carregava o tempo para encontrar o amor, os silêncio dos objetos em mim! Não! O ruído dos objetos
aqui! Tocava o estômago, o abraço de um. A eterna barbárie.

São muitos, são os mesmos, os sem nomes, a indiferença não cabe em mim, por isso os passos,
meus vôos, a possibilidade ainda, tocar a humanidade como canção, perder palavras, dês- aprender,
mover montanha-Eu. Perder-me.
Tatear.
Antes.
A duração.

Nos relógios moles, derramadas flores em meu vestido. Corte. Costura. Ponto.

Meu canto em lá:

“Quem vem pra beira do mar, nunca mais quer


voltar...”
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© EDITORA DO AUTOR, 2013
© EDITORA UXI.CÃO, 2013
 
 
  DESENHOS E GRAVURAS KARLO RÔMULO QUEIROZ
  PREPARAÇÃO KARLO RÔMULO QUEIROZ
  REVISÃO BABEL MARIA CASTANHO
  PROJETO GRÁFICO  TONY FERREIRA
___________________________________________________
 
isbn NXXXXXXXXXXXX
 
Galvão, Galvanda Queiroz.
A Menina Comilona/ Galvanda Queiroz Galvão;
Desenhos e Gravuras de Karlo Rômulo Queiroz.
Belém: Editora do Autor, 2013.
1. Narrativa- Novela I. Titulo.
 
B 869                                 000
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ÍNDICE PARA CATALOGAÇÃO SISTEMÁTICA:
1. NOVELA: LITERATURA BRASILEIRA B 869
 
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