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I – Estágios de Pós-doutoramento no PPG Letras

ALOMORFIAS LATINAS NO LÉXICO PORTUGUÊS

José Raimundo Galvão1

Resumo:
Uma visão mais ampla de alomorfia faz reconhecer, em grande número de
palavras do léxico português, uma variedade de formas que remetem
exatamente aos mesmos conceitos. De modo geral, o falante circula
inconscientemente entre as formas, que são, na realidade, heranças latinas
subjacentes ao vocabulário, possibilitando maior amplitude no trato com as
palavras. Para tanto, basta que se apliquem certos princípios sob os quais
ocorrem as variações sempre que se tratar de circunstâncias idênticas. Este
trabalho alerta para as semelhanças gráficas e fônicas entre palavras, ainda
que pequenas diferenças, à primeira vista, obscureçam a sua relação de
parentesco.
Palavras-chave: alomorfia; metaplasmo; variação.

INTRODUÇÃO

Nos estudos de morfologia da língua portuguesa, um dos aspectos de maior


complexidade diz respeito à concepção básica para lidar com os constituintes
imediatos da palavra. Em todos os compêndios desta disciplina, tais constituintes
vão aparecendo sem maiores explicações como se as pessoas possuíssem o
domínio da terminologia norteadora dos estudos nesta área.
Os conceitos mereceriam um aprofundamento mais acurado tal como se
percebe no trabalho de Evaldo Heckler et alii2, ao ampliar horizontes para que se
exercite o processo de análise mórfica a um sem-número de palavras.
Parece estar-se revitalizando a pesquisa para desvendar o que existe por trás
das palavras, como fez recentemente Mário Eduardo Viaro3, o qual, após tecer
críticas ao descaso para com os estudos das letras clássicas e, conseqüentemente,
para com as abordagens de cunho etimológico, reconhece um interesse crescente
dos falantes por esclarecimentos quando às origens das palavras.
Importa, entretanto, reconhecer que a arte de desvendar as palavras exige,
muitas vezes, o recurso a outras línguas – ao latim e ao grego – no caso específico

1
Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe- UFS. Estágio de Pós-doutoramento com
supervisão de Nelly Carvalho.
2
Cf. HECKLER, Evaldo et alii. Estrutura das palavras. São Leopoldo: Unisinos, 1994.
3
Cf. VIARO, Mário Eduardo. Por trás das palavras. Manual de etimologia do português. São Paulo:
Globo, 2004.

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da língua portuguesa, um terreno pelo qual, infelizmente, poucos circulam com


facilidade.
O presente trabalho, fruto da participação no Programa de Pós-graduação em
Letras da Universidade Federal de Pernambuco – em nível de pós-doutoramento –
sob a orientação da profª Nelly Medeiros de Carvalho, considera o processo de
formação das palavras e realiza uma exploração exaustiva da concepção e dos
casos de alomorfia. Trata-se de caracterizar e compreender a diversidade de
configurações que um mesmo morfema, sem sair da família a que pertence, pode
apresentar nas palavras às quais acrescenta um significado específico.
Na verdade, alomorfia não define um dos elementos constituintes da palavra,
mas caracteriza a modificação de formas para dizer o mesmo conceito e, como tal,
pode ocorrer no radical, no prefixo ou no sufixo, ou em mais de um deles
concomitantemente. A sua incidência, no entanto, é bem mais visível e freqüente no
radical das palavras.
Um trabalho desta natureza incentiva as investigações que trazem maior
clareza à questão do significado e vem alertar para as correlações interessantes
entre vocábulos – algo imperceptível ao olhar superficial - além de contribuir para
desmistificar o enfrentamento das palavras num processo cada vez mais fascinante
e de proporções imprevisíveis.
Os exemplos com os quais se ilustram, nos compêndios de morfologia, as
incidências de alomorfias no léxico português são muito escassos e quase sempre
se repetem, razão pela qual foram buscadas outras abonações em dicionários4 e no
próprio exercício da língua, segundo os princípios pelos quais se orienta a
identificação de alomorfias em toda a extensão do léxico, associando as palavras
numa relação de família, observadas as suas semelhanças gráficas e fonológicas.
As diferenças, elemento constitutivo da alomorfia, são, quase sempre, esperadas em
ocorrências que vão revelando a incidência de parâmetros segundo os quais as
formas variam.
As sutilezas de detalhes que distinguem, na língua portuguesa, o emprego de
um mesmo morfe encontram sua razão de ser, em maior escala, no universo
vocabular da língua latina (e grega), onde muitas palavras já apresentam mais de
uma forma para designar o mesmo conceito sem fugir à família a que se ligam.
Assim, o conhecimento seguro das alomorfias imprimirá maior consistência ao
processo de análise das palavras abrindo amplas perspectivas para o pleno domínio
do léxico e fazendo ver como o falante, já nas línguas clássicas, cultiva a liberdade
de circular entre formas diferentes para expressar um mesmo conceito sem sair da
família específica.
É imprescindível reconhecer que, no uso freqüente das palavras, os falantes
estão sempre recorrendo a outros modos de dizer a mesma coisa num processo

4
Cf. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
Cf. FARIA, Ernesto. Vocabulário Latino. Belo Horizonte: Garnier, 2001.
_____________ Dicionário latino-português.Belo Horizonte: Garnier, 2003.
Cf. SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário latino-português. Belo Horizonte: Garnier, 2000.

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natural em que se circula, sem qualquer dificuldade, de uma forma à outra, a


exemplo de
PROVÁVEL < PROBABILIDADE.
O exercício da comutação do exemplo a seguir pode ser retomado com uma
infinidade de palavras e o resultado será sempre o impacto positivo para o falante ao
constatar a proximidade de formas até então vistas isoladamente.
Equador – equatorial – equânime – equação – adequado – inadequado - iníquo
– iniqüidade.- eqüidade - igual – igualdade – igualitário – igualmente – desigual.
O uso das palavras em cada situação vai definindo a preferência por uma ou
outra forma que, embora guardando o mesmo significado, vai estar
convencionalmente mais apropriada a um contexto do que a outro.
Compreendida a conceituação de alomorfia, importa ampliar os parcos
exemplos existentes nos compêndios de morfologia e analisar vários casos deste
fenômeno lingüístico, sempre na perspectiva de identificar a proximidade de relação
entre as formas, as quais, até mesmo aos estudiosos de letras, não se apresentam
imediatamente tão perceptíveis, fato que se deve muito mais à falta de hábito do que
à própria evidência que as formas em si mesmas comportam.
Ressaltando-se as diversas formas presentes na sincronia quando se pretende
explicitar um mesmo significado, importa observar as semelhanças gráficas e
fônicas, sabendo-se que tais proximidades, conquanto em pequenas diferenças,
convergem exatamente para o mesmo significado. O enfoque de caráter diacrônico é
conseqüência da constatação da infinidade de elementos desta natureza a que o
falante naturalmente recorre, num processo de permuta de formas que não o
incomoda no exercício da funcionalidade da língua.
Um repertório de palavras que ilustram a alomorfia deve centrar-se na análise
dos elementos que evidenciam a diferenciação, na tentativa de explicar por que
caminhos tais diferenças se afirmam. Importante é que se perceba a extensão do
fenômeno e que se esteja preparado para qualquer desafio, desde que, para tanto,
se adquira a prática de observar o modelo e recuperar a mesma trajetória percorrida
pela palavra em circunstâncias idênticas. Trata-se de um longo processo e sem
previsões de finitude, podendo o material colhido com a pesquisa conduzir, como se
pretende que seja, à elaboração de um pequeno dicionário de alomorfes de base
latina na língua portuguesa.
Ainda são levados em conta os passos que a criação neológica costuma
percorrer servindo-se, muitas vezes, das variações de formas de um mesmo item
conceitual. Recentemente, o termo mensalão foi incorporado ao léxico sem que
houvesse qualquer dificuldade de assimilação ou questionamento sobre o seu
significado, apesar de ter provindo esta forma do radical latino mens, uma alomorfia,
portanto, da palavra mês.

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1 COMPREENDENDO A ALOMORFIA: POR UMA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Importa, antes de tudo, compreender o real conceito dos termos com os quais
se lida. Observa José Lemos Monteiro5 que pouco adianta saber que a morfologia se
ocupa das formas das palavras se não se tem clara a noção do que seja forma. Para
os gregos a morphê (radical morph) caracteriza a forma, a figura, o aspecto, os
traços do rosto, da expressão fisionômica6 e é exatamente o que se busca
reconhecer nas palavras ao investigar-lhes as configurações com que se
apresentam no léxico. Juntando-se ao adjetivo grego allos7 - outro (radical all), a
expressão alomorfe, tal como é usada pelos especialistas, indica outra forma.
A morfologia, pois, em sendo uma disciplina da lingüística, ocupa-se também
das formas internas das palavras e, uma vez conhecidos os elementos formais de
que elas se constituem, decifra-lhes o significado e propõe a sua classificação. O
grande desafio consiste na identificação de todos os elementos, chegando-se às
unidades mínimas, muito propriamente designadas de monemas (monos, uno), o
que caracteriza a unidade, aquilo que não se pode mais dividir.
Numa ótica sincrônica, a maioria destas unidades formais mínimas é composta
de morfes presos, ou seja, sem qualquer chance de uso isoladamente. O significado,
portanto, que cada uma dessas partes acrescenta às palavras não permite,
geralmente, a comunicação se tomado fora do contexto maior em que se insere para
garantir o termo em uso. É o que caracteriza as chamadas formas presas das
análises morfológicas.
Os compêndios de morfologia costumam alertar para a existência de dois ou
mais morfes correspondendo a um mesmo morfema, isto é, guardando o mesmo
significado e a semelhança formal, tendo apenas variações sutis, as quais não
parecem fugir aos princípios norteadores das mudanças grafofônicas.
Não se trata do processo de sinonímia pelo qual se pretende dizer as mesmas
coisas, porém sob o recurso de morfes pertencentes a outras famílias.
Evaldo Heckler et alii8 parecem ter observado a abordagem tímida dos
compêndios de morfologia e, com muita propriedade, além da ampliação conceitual
de alomorfia e da demonstração de sua incidência em diferentes pontos da palavra,
conseguem apresentar listas exaustivas de famílias que possuem formas variadas
do mesmo radical, muitas das quais imperceptíveis ao primeiro olhar que lhes tenha
sido direcionado.
Em perspectiva igualmente diacrônica, mostra-se a abordagem de Mário
Eduardo Viaro9, que, após tecer considerações sobre o descaso para com as
línguas clássicas nos cursos de letras das universidades brasileiras, insiste no valor
do conhecimento histórico do português.
5
Cf. MONTEIRO, José Lemos. Morfologia portuguesa. Campinas: Pontes, 2002, p. 11.
6
Cf. C. ALEXANDRE. Diccionaire grec-français. Paris: Hachette et cie., 1884, verbete morphê, ês, p.
926.
7
Cf. C.ALEXANDRE. Ibidem, verbete allos, e, o, p. 64.
8
Cf. HECKLER, Evaldo et alii, op. cit.
9
Cf. VIARO, Mário Eduardo, op. cit.

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Já se observa, porém, o ressurgimento de uma discussão que visa ao


aprofundamento das bases das línguas, correspondendo à necessidade de decifrar
a procedência das palavras e a sua evolução para que se adquira o vasto domínio
do significado e das relações em torno de um mesmo étimo. Tal investigação tem
suscitado o interesse até das camadas menos letradas, haja vista a sede com que
se tem devorado o conteúdo de obras de menor rigor científico, mas capazes de
prender a atenção de um público, ávido por conhecer a dinâmica das palavras.10
Ressalte-se o pressuposto de que, sendo capr leg, aur, bov, vit, e not
apresentados como respectivos alomorfes para formar os derivados cabra, lei, ouro,
boi, vida e noite, como assegura José Lemos Monteiro11, e, encontrando observação
semelhante em Normélio Zanotto12, numa relação de que constam, entre outros, os
radicais anim, capit, can, libert, mens, nig, respectivamente formadores dos
derivados alma, cabeça, cão, livre, mês e negro, o estudioso das letras vai, com toda
a razão, achar-se no direito de ampliar essa compreensão para um número
interminável de palavras. Por outro lado, detectado o mesmo fenômeno em outras
partes da palavra, ampliam-se as perspectivas de descobertas mais completas.
José Lemos Monteiro, comentando John T. Jansen (1190), Danièle Corbin
(1980) e Soledad Varela Ortega (1990),13 induz a que se creia serem os alomorfes
apenas formas variantes de um morfema para os quais nada existe de
fonologicamente previsível, sendo tais variantes inexplicáveis do ponto de vista
fonológico, nada havendo, na realidade, senão uma alternância que não se
enquadra em regras específicas.
Não parece ser este, porém, o dinamismo que rege a constituição do léxico. Ao
contrário, o homem, devendo denominar os objetos da realidade, vai-se defrontando
com um grande desafio: há muito mais objetos a denominar do que nomes com os
quais identificá-los. Daí porque, entre outros recursos, emprega partes de uma
palavra na constituição de outras, o que vem enriquecer em quantidade o léxico de
uma língua.
Eis a grande questão: por que os falantes convivem com a diversidade de
formas com tanta propriedade? Se elas são fruto do acaso ou tomadas
aleatoriamente, por que não se verificam outras escolhas quando se trata de dizer
determinado termo? Se o léxico, como se costuma dizer, é a leitura da realidade,
importa frisar que esta leitura não é apenas sincrônica, porém muito mais diacrônica
na medida em que se trata de uma leitura acumulada de um mundo que não surgiu
agora
Dizer que tudo isso é fruto do acaso é, no mínimo, admitir a capacidade de
criação ex nihilo para justificar a grande maioria das palavras. Ora, a criação a partir
do nada é vista pelos estudiosos como fenômeno raro atinente, quase sempre, às

10
Cf. PIMENTA. Reinaldo. A casa da mãe Joana. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
SILVA,Dionísio da. De onde vêm as palavras II. São Paulo: Mandarim, 1997.
11
Cf. MONTEIRO, José Lemos, op. cit.
12
Cf. ZANOTTO, Normélio. Estrutura mórfica da língua portuguesa. Caxias do Sul: EDUCS. 1996. P.
42.
13
Cf. MONTEIRO, José Lemos, op; cit. p. 34.

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formas primitivas da língua, resultado dos primeiros contatos do homem com os


objetos que ele deve denominar.
Pelo que afirma Carolina Michaelis de Vasconcelos14, a grande capacidade
que fez o homem criar, há dezenas e milhares de anos, a língua primitiva ou as
línguas primitivas parece ter-se exaurido quase que completamente, sendo
raríssimas as palavras modernas livremente inventadas. O que se vê, na realidade,
é o recurso às bases antigas mesmo que não se tenha mais a consciência do
processo que se está pondo em prática. Isso não quer dizer que se tenha extinguido
a inteligência perceptiva e investigadora do homem, o que, pelo contrário, cada vez
mais se apura na medida em que objetos são inventados, fatos são descobertos,
fenômenos e enigmas precisam ser explicados.
Sabe-se que o radicalismo dos adeptos da sincronia faz afastar qualquer
toque de referência às explicações de ordem histórica, numa rejeição declarada às
tentativas de abordagens diacrônicas.
Uma proposta pancrônica parece estabelecer, segundo Maria Helena de
Moura Neves15, a harmonia entre as forças inovativas e idiomatizantes, A pancronia
não prioriza nem o passado nem a atualidade, mas sugere a inserção da língua num
grande tempo, o tempo global, onde tudo, uma vez vivido e registrado pelo homem,
ganha status de patrimônio.
Na verdade, a sincronia não pode confundir-se com estabilidade, muito
embora o termo estático venha sendo amplamente utilizado para identificá-la; daí a
razão por que não se pode entender o atual momento de análise da língua como
mero fruto do acaso e nem esperar que daí nada mais evolua. Com efeito, o que se
convencionou chamar de alomorfe ou fenômeno da alomorfia é apenas uma
retomada das bases latinas, oriundas mais especifica e constantemente das formas
do seu genitivo singular, sendo constatada uma variedade de formas já no próprio
latim, sobretudo nas palavras da terceira declinação, nas quais é muito raro não
haver diferenciação entre os radicais do nominativo e do genitivo. É curioso notar
que todas essas alomorfias diretamente ligadas às formas latinas encontram-se em
pleno uso na atualidade. Outras alomorfias, citadas constantemente pelos
compêndios de morfologia, em geral procedentes das outras declinações latinas que
não a terceira, apresentam pequenas modificações, mas também elas estão
presentes no léxico atual. Quando uma palavra, a exemplo de sal, não apresentar
alomorfia, é que esta também não consta da matriz latina (sal, salis) não havendo
razão, portanto, para diferenciar-se no português.
A existência de leis fonéticas, observa Ismael de Lima Coutinho16, embora
contestada pelos lingüistas modernos, continua causando polêmica porquanto não
há como negar que, nas modificações sofridas pelas palavras, os fonemas se
alteram sempre do mesmo modo desde que estejam submetidos a meios e

14
Cf. VASCONCELOS, Carolina Michaelis de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa: Martins Fontes.
1964, p . 266.
15
Cf. MOURA NEVES, Maria Helena de. A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.
118.
16
Cf. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976, p
134-163.

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circunstâncias idênticos. Haverá sempre controvérsias na discussão deste assunto,


mas ninguém pode subestimar a constância e a inflexibilidade de tais princípios que
interferem na modificação das formas.

2 ANALISANDO CASOS DE ALOMORFIA

Como se disse, a evolução das palavras obedece a princípios que funcionam


quando são regulares as circunstâncias sendo evidenciados padrões de
comportamento, também chamados de mataplasmos 17 mediante os quais os
vocábulos são forjados e adquirem feições diversas, apropriadas a cada momento
de uso. A expressão grega revela o que, verdadeiramente, se faz com as palavras,
as quais, de acordo com (meta) determinados princípios ou técnicas, são plasmadas
(plasma, plasmatos), ou seja, moldadas, adaptadas, tal como faz o oleiro com a
argila, gerando novas formas, criando outras possibilidades de uso a partir de um
mesmo material de base: perfeita obra de arte plástica. Existe, pois, uma certa
constância no processo de modificação podendo mesmo, como observaram os
neogramáticos do século XIX, ser constatado o caráter preciso de leis que acabam
por demonstrar uma certa configuração de rigor científico. Se existem casos isolados
de comprovada irregularidade frustrando as expectativas, estes podem ser
explicados pela interveniência de outra causa, visto que as palavras também se
contagiam no contato com as outras.
É curioso perceber com que intensidade as variações (e as alomorfias e os
metaplasmos nada mais são do que perfeitos exemplos do processo variacional)
apresentam, sobretudo no âmbito da linguagem popular, estreita relação com as
ocorrências de natureza regular. Assim, é possível perceber que muitas ocorrências
consideradas “estranhas” ou “errôneas” pelos defensores da pureza da língua são
apenas partes do processo muito bem assimiladas pelo usuário, sobretudo na
oralidade. O povo só faz o que viu fazer. Maior incoerência revelam, pois, os
guardiões da pureza lingüística elegendo e privilegiando certas formas em
detrimento de outras igualmente legítimas ou, pelo menos, plenamente de acordo
com a lógica da variação.
Por outro lado, o próprio instinto imitativo do homem pode desviar a rota do
processo pela contaminação por analogias ou semelhanças:
NON > NÃO / SIC > SIM (analogia da nasalização incorporada sem
questionamentos), mas rejeita-se CHAPÉU = BONÉU. Isso, mais do que desvio, é
sabedoria, é compreensão tácita do processo.
Observando os trabalhos de Evando Heckler et alii e de Mário Eduardo Viaro,
conclui-se pela possibilidade de uma listagem completa das alomorfias ou
metaplasmos envolvendo prefixos e sufixos latinos. Dos radicais, porém, sendo eles
em quantidade ilimitada, não há uma pretensão de apresentá-los na sua plenitude.
Os referidos trabalhos, porém, conseguem abrir perspectivas no sentido de
compreender a maravilhosa associação de formas e suas sutilezas de detalhes,

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suscitando, ao mesmo tempo, o desejo de aprofundamento dos estudos por outras


famílias de palavras que constituem a herança do latim no léxico português.
A partir de agora são catalogadas palavras que se enquadram em cada tipo
de metaplasmo envolvendo os radicais latinos na língua portuguesa, sendo com isso
detectada a regularidade com que se circula de uma forma para outra sem
comprometer a essência do significado. Sabe-se que as alterações fonéticas são
mais rapidamente visualizadas e também ocorrem em proporções bem mais
acentuadas. As modificações semânticas, por sua vez, exigem uma lente de maior
alcance, mas acabam desvendando riquezas que instigam ainda mais a curiosidade.
A listagem aqui apresentada é bastante reduzida, pois contempla poucos
exemplos de cada modalidade dos metaplasmos; pode, no entanto, tornar-se uma
pista para que cada um busque ampliar as ilustrações com novas palavras.
Importante é que se assimile o modelo e nele se enquadrem as palavras. Não há
uma ordem a que se deva obedecer; apenas é necessário que sejam sublinhados
todos os caminhos que as palavras têm percorrido e continuam percorrendo,
exercitando, deste modo, a prática de relacioná-las aos padrões da evolução e de
reconhecer o possível retorno às formas antigas na atualidade da língua.
Assim, destacam-se os seguintes roteiros desde o latim até o português e, ao
mesmo tempo, assinala-se, em pleno contexto sincrônico, a retomada das bases
mais antigas em palavras que, no processo de evolução, foram afetadas pela
aplicação dos metaplasmos e cuja comprovação de mais de uma forma do mesmo
étimo caracteriza a incidência das alomorfias.

METAPLASMOS EXEMPLOS RETOMADA


P>B caPram > caBra caPrino, caPricórnio

B>V arBorem > árVore arBorizar, arBóreo

T>D peTram > peDra peTrificar, peTróleo

C (K) – QU > G- GU luCrare > loGrar luCro, luCrativo


aQUa > aGUa aQUático, aQUoso

C (s) – X > Z viCinum > viZinho viCinal


cruCem > cruZ cruCial, cruCifixo

D>S auDere < ouSar auDácia, auDaz

D, L, N, G (desaparecimento entre vogais) suDorem > suor suDorese, suDário


saLutem > saúde saLutar, SaLústio
eGo > eu eGoísmo, eGoísta
GN > NH luNam . lua luNar, luNático
puGNum > puNHo impuGNar, repuGNância
coGNoscere > coNHecer coGNição, coGNtivo

CL, FL, PL > CH


CLavem > Chave CLave, conCLave
FLammam > Chama inFLamável, FLâmula
PLuviam > CHuva Pluvial, PLuviômetro
N > ~ (til )
maNum > Mão maNual, maNobra
PT, CT > IT, UT
concPTum > conceITo concePTivo, noCTívago,
doCTorem > doUTor
defeCTum > defeITo defeCTivo.
CULUM, AM; ULUM, AM; CLO, A > LHO, A; LIO,
A oCULUM > oLHo oCULar, oCULista

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coeciCULA > cecíLIA


I>J
maIorem > maJor maIoridade, maIoria
U>V
riUUm > riO rioVal, riValidade
AU > OU, OI lAUro, lAUreado.
lAUrum > lOUro, lOIro
TION > CION > ÇÃO
naTIONem > naÇÃO naCIONal, naCIONalidade
concepTION > conceiÇÃO anticoncepCIONal
secTIONem > Se(c) ÇÃO secCIONar, secCIONal
I>E
pIllum > pÊlo depIlar, depIlação
digItum > dEdo dIgitar, dIgitador
mInorem > mEnor mInorar, mInoritário
U > O, O > U
pUtrem > pOdre pUtrefeito, pUtrefação
lOcum > lUgar alOcar, deslOcar

Observações devem ser feitas quanto à possibilidade de mais de um tipo de


metaplasmo no contexto de uma só palavra, ou seja, é necessário não deixar
escapar o que está ocorrendo com a palavra e, assim fazendo, se consiga maior
habilidade na prática da análise. Palavras do quadro acima podem ilustrar esta
consideração: na passagem de audere para ousar, podem ser vistos os
metaplasmos au > ou e d > s, bem como no trânsito de conceptionem para
conceição : pt > it e tion > ção. Tudo isso vem reforçar a necessidade de um
trabalho minucioso e abrangente sem que nenhum dado escape ao olhar do
pesquisador.
Ainda é preciso evidenciar a incidência de certas alomorfias que não se
enquadram necessariamente em nenhum tipo de metaplasmo, mas que apenas
revelam a retomada de raízes latinas na atualidade do léxico, sempre obedecendo
aos ditames das formas do genitivo singular, fato mais visível nas palavras oriundas
da terceira declinação, de onde já se pode detectar a presença de alomorfias na
própria língua latina. Assim, considere-se o exemplo de pectus, pectoris >
expectorar, expectorante. Por outro lado, do nominativo pectus originou-se peito,
mas misturam-se dois metaplasmos nas formas peitoril e peitoral.
Outra fonte visível do fenômeno está nos verbos irregulares, cujas
diversidades formais são, geralmente, assumidas pelo léxico português, sendo
impressionante a facilidade com que o usuário da língua circula entre as formas
adaptando-as a cada contexto de uso, como pode ser comprovado no simples
contato com as formas primitivas dos verbos ponere (pôr) e mittere (enviar) e seus
derivados:
PONO, PONIS, POSUI, POSITUM, PONERE > pose, posto, (im)posto,
(pro)pósito, (de)positário, (intrans)ponível, posição, (re)posição e daí por diante.
MITTO, MITTIS, MISI, MISSUM, MITTERE > (de)mito, (trans)mito, (sub)meto,
(ad)mitir, (pré)missa, missiva, missão, (de)missionário e daí por diante.
Somente a prática vai permitindo detectar a sutileza de certas ocorrências.
Nos casos de queda de consoantes intervocálicas no meio das palavras, a
permanência das vogais pede o retorno da consoante desaparecida. Exemplo disso

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é a própria palavra consoante, cujo adjetivo correspondente é consonantal. Não há,


porém, como, à primeira vista, perceber a queda de tais consoantes no que hoje são
os monossílabos tônicos uma vez que as vogais aí não permaneceram, chamando
de volta a consoante desaparecida e, no entanto, todos eles são reveladores desse
fenômeno, o que se torna mais visível quando são retomadas as bases antigas na
atualidade do léxico: nudum > nuu > nu = nudismo – nudez – desnudar. Este é o
mesmo processo das palavras pé, sé, só, nó, cu, mó, má e tantas outras.
O espaço reduzido de um artigo não permite maiores expansões do tema,
que, neste trabalho, ficou restrito às considerações em torno dos radicais das
palavras. Ressalte-se, entretanto, que o mesmo pode ser feito em outras ocasiões
com relação aos afixos, isto é, a identificação de alomorfias em prefixos e sufixos.

3 CONCLUSÃO

O quadro das incidências dos metaplasmos é apenas um breve


demonstrativo, ponto de partida para uma longa viagem de grandes surpresas;
caminho sem volta porque o próprio pesquisador vai querer sempre avançar,
motivado pela recompensa de suas descobertas.
A partir dos primeiros passos, evidenciadas as incidências dos metaplasmos,
é possível trabalhar um número imprevisível de palavras que vão sendo
enquadradas em cada um dos casos propulsores de variações e ricos em
alomorfias.
Uma coisa, porém, é certa: é bem menor a quantidade de bases do que o
desenvolvimento que a partir delas se pode gerar, sendo por este meio que se
consegue a amplitude do léxico e a concretização da tarefa de não deixar nenhum
objeto da realidade sem uma denominação que o identifique.
Esta postura também contribui para a revitalização do papel das línguas
clássicas – o latim e o grego, especialmente – para a melhor compreensão do léxico
português e, sobretudo, para que as palavras não amedrontem, mas seduzam.

4 REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, C. 1884. Diccionnaire grec-français. Paris: Hachette et cie..


BASÍLIO, Margarida. 2004. Formação de palavras no português do Brasil. São
Paulo: Contexto.
CÂMARA Jr. Joaquim Mattoso. 2004. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis:
Vozes.

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I – Estágios de Pós-doutoramento no PPG Letras

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