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LIMITES DA REDE
Debora Albu1
Introdução
Ciberfeminismo é um conceito em disputa dentro da teoria feminista nas últimas duas
décadas, tendo sido apresentado como uma filosofia (Paterson, 1992; Hawthorne e Klein, 1999),
como uma conexão entre mulheres e o ciberespaço (Plant, 1996), como uma ferramenta de
empoderamento (Millar, 1998; Lee, 2006; Harris, 2008; Martin e Valenti, 2012; Keller, 2012;
Zeillinger, 2013; Keller, 2015), como um lugar de resistência (VNS Matrix, 1991; Daniells, 2009;
Pierce, 2010), como um chamado para inclusão e solidariedade (Braidotti, 1996; Wilding, 1998;
Thelandersson, 2014) e como uma utopia (Haraway, 1991). Todos esses diferentes significados e
usos apontam para o ciberfeminismo como um projeto múltiplo, ainda em construção tanto no nível
teórico quanto prático.
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Debora Albu é mestre em Gênero e Desenvolvimento pela London School of Economics e pesquisadora da área de
Democracia e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio).
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No Brasil, em sua maioria, são as mulheres jovens que performam o ciberfeminismo em
diversas frentes. Elas criam canais de mídia independentes, como blogs e revistas virtuais, páginas de
redes sociais e grupos de discussão, seminários online, canais de vídeo (Lemos, 2009; Vieira, 2012;
Schlindwein, 2012). Todas essas diferentes formas de engajamento online sugerem que diferentes
mulheres têm diferentes necessidades, identidades e possibilidades. Isso resulta nesta miríade de
agendas feministas, a qual pode ser explorada a partir de dois caminhos: a diversidade permite que
uma pluralidade de vozes seja ouvida e considerada, contudo, pode acarretar em uma dissonância que
enrijece as possibilidades de coalizões para objetivos e lutas comuns (Cunha, 2013).
Sob a luz desses conceitos e ideias, esse artigo analisará os entendimentos e usos do
ciberfeminismo no Brasil por mulheres jovens: como elas se engajam no movimento feminista por
meio do ciberfeminismo? O que essa expressão de ativismo oferece para o movimento? Existem
limites da aplicação prática desse conceito? O trabalho argumenta que mulheres jovens se apropriam
do ciberfeminismo de três formas: como uma plataforma, como uma identidade e como uma prática.
Primeiramente, o ciberfeminismo acontece na ciberesfera, a qual oferece possibilidades para o debate,
para o posicionamento do indivíduo como cidadão e para o aprendizado, espaço esse que difere
daqueles não-virtuais, que são, em sua maioria, mais hierarquizados. Além disso, o ciberfeminismo
se tornou um estímulo para que essas mulheres jovens se identifiquem como feministas e reifica as
identidades de “mulher” e “jovem” por meio do conhecimento e do discurso. Finalmente, mulheres
jovens veem no ciberfeminismo uma ferramenta para o ativismo, se empoderando online, quebrando
silêncios opressivos e promovendo agendas feministas.
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A metodologia empregada está baseada em fontes primárias e secundárias. Como fonte
primária, são utilizadas entrevistas realizadas com treze jovens brasileiras ciberfeministas por meio
de um questionário semi-estruturado, o qual desenvolveu cada uma das três dimensões de análise
apresentadas acima. Além dessas entrevistas, sete plataformas de mídia feminista independente
virtual foram revisadas, sendo identificados tópicos e conceitos comuns com as entrevistas em seus
tutoriais e publicações. Todo o material foi investigado por meio de análise de discurso e de conteúdo
em conexão com a literatura secundária sobre a área.
Esse artigo está organizado em três seções: a primeira delineará os debates teóricos
envolvendo os conceitos de sociedade civil na teoria feminista e de ciberfeminismo. A segunda trará
a análise desenvolvida, dividida em duas subseções: das oportunidades e das limitações do conceito
em questão. Por fim, a conclusão fará uma breve recapitulação da discussão bem como apresentará
pontos para debate e pesquisas futuras.
Delineando o debate
O ciberfeminismo enquanto plataforma é realçado por diversos fatores Eble and Breault,
2002; Gerrard, 2002; Gordon, 2008; Daniells, 2009; Pierce, 2010; Martin and Valenti, 2012; er, 2012;
Keller, 2015). Primeiro, o ciberespaço é a alternativa aos espaços offline, mais difíceis de serem
acessados, dada a concentração regional de oportunidades, riqueza e as barreiras geográficas
existentes. Segundo, plataformas feministas online são entendidas como espaços seguros quando
justapostas a espaços não-virtuais (White, 2016), pois permitem certa anonimidade e uma não-
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exposição física. Terceiro, essas plataformas re/criam ambientes comunitários onde mulheres podem
dividir experiências e procurar apoio sobre violência de gênero em suas mais variadas formas, sendo
muito similares aos grupos de conscientização das décadas de 1960 e 1970. Por fim, a Internet 2.0
aumenta a conectividade e o alcance pelo desenvolvimento das mídias sociais, nas quais os sujeitos
são não só consumidores passivos de conteúdo, mas também produtores e disseminadores disso
(Pruchniewska, 2016), ou seja, novas vozes marginalizadas podem ter papéis fundamentais nesta
dinâmica.
A literatura brasileira não explora o ciberfeminismo de maneira tão abrangente. O fato de ser
tão recente faz com que a análise do conceito sob o viés acadêmico não tenha ganho força apesar de
seu rápido desenvolvimento na prática (Lemos, 2009; Vieira, 2012; Schlindwein, 2012). Muitas
autoras consideram esse desenvolvimento positivo, já que permite a democratização do movimento
no Brasil, construindo pontes entre diversos grupos de mulheres, provendo um espaço para a
manifestar suas demandas (Vieira, 2012; Bernardes, 2014; Lagner et al, 2015). Outra característica
ressaltada na literatura é a conectividade, especialmente com as mídias sociais (Bernades, 2014;
Lagner et al, 2015), que constrói potencial de crescimento e fortalecimento do movimento. Esta
pesquisa visa analisar não só um blog (Lima, 2013; Ventura and Rodrigues, 2015) ou página de
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Facebook específicos (Ferreira, 2013; Rodrigues and Luvizotto, 2014; Santos and Barros, 2015;
Rodrigues et al, 2016), mas sim desenvolver uma análise mais ampla sobre o fenômeno no país.
A ideia da Internet como uma espécie de ágora virtual (Castells, 2008; Castells, 2010; Castells,
2012) foi reforçada nas entrevistas: todas as mulheres entrevistadas relataram usar essa plataforma
para debater e aprofundar seus entendimentos sobre o feminismo. As representantes da revista
“Capitolina”, por exemplo, afirmam que a razão principal para desenvolver o conteúdo de forma
digital é o fato desse espaço permitir mais interação com as pessoas leitoras do que meios impressos.
O editorial da plataforma “Blogueiras Feministas” afirma que seu objetivo é “[...] discutir o
feminismo. Em todas as suas pluralidades e particularidades. [...] nós queremos refletir sobre os
assuntos que circundam a criação de um mundo mais justo e igualitário para todas as pessoas”
(Blogueiras Feministas, n.d.). Esses exemplos explicitam ideais democráticos presentes no feminismo
e no conceito feminista de sociedade civil (Fraser, 1997; Phillips, 2002).
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desconstruindo essa divisão dentro do feminismo, já que essas plataformas possibilitam mulheres das
periferias (territoriais e de saber) aprender e produzir seu próprio “conhecimento situado” (Haraway,
1988).
Plataformas feministas online também quebram sistemas hierarquizados de poder dada sua
fluidez e, de certa forma, sua falta de institucionalização. Para a revista “Capitolina” e o “Blogueiras
Feministas”, essa característica permite uma maior inclusão e membrezia de regiões diferentes do
Brasil, descentralizando o foco das regiões Sudeste e Sul: organizar a produção de conteúdo online
evita a criação de uma “periferia do trabalho”, a qual pode marginalizar algumas escritoras / criadoras,
abrindo divisões desnecessárias (S.S.).
Para elas, os motivos para se identificarem enquanto feministas variam desde “é algo natural”
até “é uma necessidade”. Segundo A.P., “Eu faço isso, porque eu preciso. É um desconforto pessoal”.
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Outras consideram algo “natural”, como um esforço para compreender o mundo e, conforme
perceberam desigualdades de gênero em diferentes esferas, elas sentiram a necessidade de assumirem
essa identidade, sendo ativas na busca por justiça de gênero em suas ações: “Foi muito natural para
mim e, consoante ao crescimento do movimento, percebi que era muito similar à minha forma de
pensar; era, de certa forma, inevitável: essas ideias já se alinhavam ao que eu acreditava, foi mais
uma questão de dar um nome a isso” (L.F.).
Dessa forma, o mote “o pessoal é político” está imbricado nesse processo de identificação
com o feminismo para essas jovens mulheres (Hanisch, 1969), devido à sua necessidade de politizar
suas crenças e experiências pessoais. Essa politização é fundamentalmente conectada ao processo de
se tornar cidadã por meio das mídias sociais, parte de suas vidas cotidianas (Harris et al 2007; Biesta
et al, 2009; Coleman, 2006; Wood, 2014).
Como mulheres, as informantes destacaram a ideia de necessidade: porque são mulheres, elas
precisam lutar por igualdade de gênero; elas devem ser quem aponta essa questão em todos os espaços
em que ocupam. Assim, se estão na Internet, elas precisam ser ativistas feministas nesse espaço.
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Políticas de identidade atuam de forma essencial como uma das razões para o engajamento online. É
um processo co-constituitivo e constante: elas se engajam online e se tornam feministas e se
identificam como feministas porque se engajam online. Esse “transbordar” do pessoal para o público
se revela como uma catarse, combinando emoções como medo e raiva: “Eu sou feminista, porque, se
eu não for, enquanto mulher, eu não vou sobreviver e ser capaz de fazer e ser aquilo que acredito. Eu
sou ativista porque preciso ser” (T.B.).
Essa dinâmica “contamina” mais mulheres mais rápido e de diferentes contextos, criando um
efeito bola de neve positivo. Duas informantes usaram a caraterística de alcance para justificar seu
engajamento online. Para elas, nessa esfera elas conseguem alcançar audiências maiores do que o
fariam offline e iniciar conversas e debates que não seriam possíveis em seus círculos offline. A
repetição dessa característica indica a importância da pluralidade para essas mulheres jovens e laços
com as agendas da chamada “Terceira Onda” feminista.
“Nós somos silenciadas durante nossas vidas inteiras, especialmente mulheres negras.
Escrever foi a forma que encontrei para quebrar esse silêncio e, ao fazê-lo, entendi que não
estava quebrando meu silêncio sozinha, estava quebrando vários silêncios. [...] É parte do meu
empoderamento e minha descoberta como mulher negra.”
Limites do ciberfeminismo
“É um veneno com o qual feministas se auto-contaminam” – Silenciando irmãs
O silenciamento foi uma das táticas identificadas pelas entrevistadas como um componente
negativo no ciberfeminismo, funcionando como uma limitação de seu potencial transformador. Em
alguns casos, resulta da crítica excessiva personalizada - o “trashing”: alvos são assediados e atacados
de forma tão incisiva que são silenciadas e desistem de participar nessas plataformas. Também é
importante considerar disputas de poder que giram em torno de “qual feminismo é mais correto”. No
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Brasil, um dos debates que provocou muitas ações de “trashing” e de silenciamento é o tema da
prostituição e o projeto de lei “Gabriela Leite”, do deputado federal Jean Wyllis (PSOL), a qual afirma
regular a profissão, criando uma espécie de estatuto. Muitas das informantes mencionaram essa
questão como um dos debates recentes que polarizam as ciberfeministas na rede: aquelas que seguem
o feminismo radical - que são contra o PL - escrevem de maneira agressiva sobre suas posições em
plataformas online, desencorajando outras feministas com opiniões divergentes de se manifestarem.
Esse exemplo traz evidências de que buscar consenso dentro das “diferenças comuns”
(Mohanty, 2003) nem sempre é atingível, mesmo na ciberesfera, que oferece mais possibilidades de
debate do que o espaço offline. Como pergunta R.M.: “É mais importante discutir o que o feminismo
é ou não do torná-lo um princípio garantidor da liberdade de expressão para todas as mulheres?”.
“Essas rachas e vulgaridades me deixam sem esperança” – “Trashing” online, uma nova
modalidade
“Feminismo online pode ser complexo, às vezes: ele repete erros que já foram cometidos por
outras feministas no passado, como ‘trashing’; muitas mulheres se atacam indiretamente, não
por causa de suas divergências políticas, mas em um sentido pessoal, atacando seu
comportamento, a forma como se vestem [...]. Isso cria divisões e isolamento dentro do
movimento”. (S.R.)
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Conclusão
Essa pesquisa teve como objetivo entender como e porque mulheres jovens se engajam com
o ciberfeminismo no Brasil na última década. O artigo argumentou que elas enquadram essa relação
a partir de três perspectivas: ciberfeminismo como plataforma, como identidade e como forma de
ativismo. A dimensão espacial oferece uma plataforma possível e necessária para advogar pelos
direitos das mulheres e para expressar opiniões no debate público, funcionando como uma extensão
da sociedade civil (Fraser, 1992; Fraser, 1997).
Ciberfeminismo também foi entendido como uma ferramenta para processos de auto-
identificação como jovens, mulheres e feministas. Plataformas online funcionam como espaços de
descoberta pessoal e empoderamento, pelas quais elas começam suas jornadas como ativistas pela
igualdade de gênero (Harris, 2008; Keller, 2012; Keller, 2015) e criam ligações solidárias entre si
(Mohanty, 2003; Thelandersson, 2014), rompendo ciclos de silenciamento no nível individual e
coletivo (Vickery, 2010).
Contudo, ciberfeminismo tem limitações dentro de cada um desses enquadramentos. Dada sua
própria ontologia, o ciberespaço é mais horizontal e menos estruturado do que instituições offline.
Em um país com pouca tradição de participação cívica - visto o recente processo de redemocratização
- advogar por causas online não é suficiente para avançar agendas feministas de maneira tão efetiva.
Além disso, o ciberfeminismo cai em armadilhas antigas de “trashing” (Freeman, 1976) e de
silenciamento (Crenshaw, 1993; Collins, 2000; Mann, 2014), que impõe limites ao seu potencial para
a solidariedade e a ação coletiva.
Nesse sentido, a pesquisa objetivou desconstruir a visão predominante de que espaços online
sempre promovem mais democratização e participação e incorporam os aspectos positivos de
horizontalidade da rede (Castells, 2008; Castells, 2010; Castells, 2012) e de fluidez e horizontalidade
(Phillips, 1999; Phillips, 2002). Visto que todas as características da rede são aumentadas, os pontos
negativos também são aprofundados: diferença se transforma em divergência, debates se transformam
em querelas, antipatias se transformam em ódio. O movimento feminista, especialmente por meio do
ciberfeminismo, poderia se beneficiar ao focar nas convergências e pontos de consenso e
solidariedade, respeitando a pluralidade.
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10.1080/14680770120042864
Astract: This research aims at analysing the emergence of cyberfeminism in Brazil in the past decade.
This concept offers three possible framings for the development of new narratives about feminism,
its meanings, productions and reproductions. The main research question addressed is how and why
young women engage with cyberfeminism in Brazil and which meanings are attached to it. The main
argument is that cyberfeminism is understood as a platform, as an identity and as a form of activism.
Despite optimistic representations of the concept in the literature, this research also discusses some
limitations cyberfeminism presents regarding each of these framings.
Keywords: Cyberfeminism, feminist movement, cyberactivism, Brazil, civil society.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X