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SEMEADORES DA PALAVRA e-books evangélicos

A Mensagem de
Eclesiastes

Derek Kidner

A MENSAGEM DE ECLESIASTES
©Inter-Varsity Press, Leicester, Inglaterra

A Mensagem de Eclesiastes, de Derek Kidner, foi publicado em ingleê s em 1976 pela Inter-Varsity
Press, Inglaterra, com o tíítulo A time to mourn, and a time to dance.
A traduçaã o em portugueê s e a publicaçaã o e distribuiçaã o pela ABU Editora, nos paííses de fala
portuguesa eí um projeto de David C. Cook Foundation, uma organizaçaã o filantroí pica
constituíída segundo as leis do Estado de Illinois, cuja finalidade eí a divulgaçaã o do evangelho de
Cristo.

Direitos reservados pela


ABU Editora SC
Caixa postal 30505
01051 – Saã o Paulo – SP

Traduçaã o de Yolanda Mirdsa Krievin


Revisaã o de estilo de Sileê da Silva Steuernagel e Milton A. Andrade
Revisaã o de provas de Solange Domingues da Silva

O texto bííblico utilizado neste livro eí o da Ediçaã o Revista e Atualizada no Brasil, da Sociedade
Bííblia do Brasil, exceto quando outra versaã o eí indicada. Comentaí rios do autor quanto aà s
diferentes versoã es inglesas foram, sempre que possíível, adaptados aà s principais versoã es da Bííblia
em portugueê s.

1ª Ediçaã o – 1989

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Conteúdo
Primeira Parte.................................................................................................................................................................... 6
O que este livro estaí fazendo na Bííblia? -
Uma visaã o geral............................................................................................................................................................. 6
Segunda Parte.................................................................................................................................................................. 10
O que o livro diz!
- um breve comentaí rio............................................................................................................................................ 10
Eclesiastes 1:1-11 -
O autor, o tema e o reconhecimento do cenaí rio....................................................................................... 10
Eclesiastes 1:12-2:26 -
Em busca de satisfaçaã o....................................................................................................................................... 13
Eclesiastes 3:1-15 -
A tirania do tempo................................................................................................................................................ 18
Eclesiastes 3:16-4:3 -
A aspereza da vida................................................................................................................................................ 19
Eclesiastes 4:4-8 -
Corrida desenfreada............................................................................................................................................ 21
Primeiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8............................................................................................................. 23
Eclesiastes 4:9-5:12 -
Interluí dio: Algumas reflexoã es, maí ximas e verdades..............................................................................23
Eclesiastes 5:13-6:12 -
A amargura do desapontamento.................................................................................................................... 27
Segundo Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 4:9-6:12.......................................................................................................... 30
Eclesiastes 7:1-22 -
Interluí dio: Mais reflexoã es, maí ximas e verdades...................................................................................... 30
Eclesiastes 7:23-29 -
A busca continua................................................................................................................................................... 34
Eclesiastes 8:1-17 -
Frustraçaã o................................................................................................................................................................ 35
Eclesiastes 9:1-18 -
Perigo......................................................................................................................................................................... 38
Terceiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 7:1-9:18.......................................................................................................... 41
Eclesiastes 10:1-20 -
Interluí dio: Seê prudente!..................................................................................................................................... 42
Eclesiastes 11:1-12:8 -
Em direçaã o do alvo............................................................................................................................................... 46
Eclesiastes 12:9-14 -
Conclusaã o................................................................................................................................................................. 50
Terceira Parte................................................................................................................................................................... 53

2
E noí s, o que temos a dizer?
- um epíílogo................................................................................................................................................................. 53

Prefácio Geral
A Bíblia Fala hoje constitui uma seí rie de exposiçoã es tanto do Antigo como do Novo
Testamento, que se caracterizam por um triplo objetivo: expor acuradamente o texto bííblico,
relacionaí -lo com a vida contemporaê nea e proporcionar uma leitura agradaí vel.
Esses livros naã o saã o, pois, “comentaí rios”, jaí que um comentaí rio busca mais elucidar o texto
do que aplicaí -lo, e tende a ser uma obra mais de refereê ncia do que literaí ria. Por outro lado, esta
seí rie tambeí m naã o apresenta aquele tipo de “sermoã es” que, pretendendo ser contemporaê neos e
de leitura acessíível, deixam de abordar a Escritura com suficiente seriedade.
As pessoas que contribuííram nesta seí rie unem-se na convicçaã o de que Deus ainda fala
atraveí s do que jaí falou, e que nada eí mais necessaí rio para a vida, o crescimento e a sauí de das
igrejas ou dos cristaã os do que ouvir e atentar ao que o Espíírito lhes diz atraveí s da sua Palavra,
taã o antiga e, mesmo assim, sempre atual.

J.A. Motyer
J.R.W. Stott
Editores da série

Prefácio do Autor
Qualquer pessoa que leia as Escrituras (ateí mesmo o menos eclesiaí stico dos homens) haí
de deparar-se com o espíírito altamente independente e muito fascinante. Isto me leva a dizer
duas coisas.
Primeiro, desejo agradecer ao editor desta seí rie por me dar uma desculpa para estudar o
livro mais detalhadamente do que nunca.
Segundo, quero sugerir que alguns leitores fariam bem em passar diretamente aà Segunda
Parte, um breve comentaí rio, onde ouviraã o o proí prio Pregador, com interrupçoã es minhas, eí claro,
sem aguardar o exame pretendido na Primeira Parte. Isso depende da pessoa: se ela prefere
primeiro ter um mapa das coisas ou mergulhar diretamente, andando aà s apalpadelas.
De qualquer maneira, que seja uma viagem rumo ao alvo.

Derek Kidner
Tyndale House
Cambridge

Principais Abreviaturas
ANET Ancient Near Eastern Texts (Textos Antigos do Oriente Proí ximo) de
J.B. Pritchard (2ªed., OUP, 1955)
AT Antigo Testamento
Barton Ecclesiastes (Eclesiastes) de G.A. Barton (International Critical
Commentary, Comentaí rio Críítico Internacional), (T.&T. Clark, 1908)
BJ Bííblia de Jerusaleí m, 1966
BLH Bííblia na linguagem de Hoje (SBB)
BV A Bííblia Viva (Ed Mundo Cristaã o)
Delitzsch The Song of Songs and Ecclesiastes (O Caê ntico dos Caê nticos e
Eclesiastes) de F. Delitzsch (T.&T. Clark, 1891)
ERAB Ediçaã o Revista e Atualizada no Brasil (SBB)
ERC Ediçaã o Revista e Corrigida (IBB)
ER Ediçaã o Revisada (seg. os Melhores Textos) (IBB)
GR. Grego
Heb. Hebraico
Jones Proverbs, Ecclesiastes (Proveí rbios e Eclesiastes) de E. Jones (Torch

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Bible commentaries, SCM Press, 1961)
LXX A Septuaginta (versaã o grega preí -cristaã do Antigo Testamento)
McNeile An Introduction to Ecclesiastes (Uma Introduçaã o ao Eclesiastes) de
A.H. McNeile (CUP, 1904)
mg. AÀ margem
MS(S) Manuscrito(s)
NT Novo Testamento
TM Texto Massoreí tico
Scott Proverbs, Ecclesiastes (Proveí rbios, Eclesiastes) de R.B.Y. Scott,
Doubleday, 1965)

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Primeira Parte
O que este livro está fazendo na Bíblia? -
Uma visão geral

A voz do Antigo Testamento tem muitas inflexoã es. Temos aíí quase tudo, desde a
apaixonada pregaçaã o dos profetas ateí os comentaí rios tranquü ilos e prudentes do saí bio,
entremeados de um mundo de poesia, lei, histoí rias, salmos e visoã es.
Nenhum haí , poreí m, que se assemelhe ao Coelet1 (ou Qoheleth, seu intraduzíível tíítulo
original). Naã o existe, em todo este grande volume, um uí nico livro que tenha as mesmas eê nfases.
Seu habitat, por assim dizer, fica entre os saí bios que nos ensinam a usar os olhos e ouvidos
para descobrir os caminhos de Deus e os caminhos do homem. Alguns de seus ditados lembram
o livro de Proveí rbios. E quando, vez por outra, essas incursoã es com ele nos levam aà s situaçoã es
mais desconcertantes, ele tem um jeito de parar e, com a sua sabedoria simples e franca, fazer-
nos recobrar o aê nimo e o equilííbrio. A sabedoria, muito praí tica e ortodoxa, eí o seu campo baí sico;
mas ele eí um explorador. Sua preocupaçaã o eí com as fronteiras da vida, e especialmente com as
questoã es que a maioria de noí s hesitaria explorar muito profundamente.
Suas investigaçoã es saã o taã o implacaí veis que ele pode facilmente ser tomado por ceí tico ou
pessimista. Sua exclamaçaã o inicial, vaidade de vaidades! Ou Total futilidade!, quase que merece
isso; mas para ele haí algo mais do que poderia caber numa uí nica frase, mesmo que fosse uma
frase-tema. Tanto assim que em certa ocasiaã o alguns mestres quiseram sugerir que dois, ou treê s
ou ateí mesmo nove 2 diferentes cabeças haviam trabalhado no livro, tais as suas contra-correntes
e raí pidas mudanças. Todas elas, poreí m, podem ser consideradas frutos de uma soí mente,
abordando os fatos da vida e da morte sob vaí rios aê ngulos.
No fundo descobrimos o axioma de todos os saí bios da Bííblia, que o temor do Senhor eí o
princíípio da sabedoria. Poreí m a intençaã o de Coelet eí levar-nos a esse ponto apenas no final,
quando estivermos desesperados por uma resposta. Embora seja insinuada algumas vezes, o seu
meí todo principal eí começar pelo fim: a determinaçaã o de ver ateí onde algueí m consegue ir sem
essa base. Ele se coloca – e a noí s – no lugar do humanista ou do secularista. Naã o do ateu, pois no
seu tempo o ateíísmo naã o era uma preocupaçaã o, mas da pessoa que começa a pensar a partir do
homem e do mundo visíível e que conhece Deus apenas aà distaê ncia.
Naturalmente isto traz complicaçoã es. Surgem tensoã es entre o eu mais profundo do escritor,
como homem de convicçaã o com uma feí a compartilhar, e o seu eu temporaí rio, de um homem que
caminha aà s apalpadelas aà luz da natureza. Este segundo eu tem os seus proí prios conflitos,
familiares a todos noí s, entre as vozes da conscieê ncia, dos interesses proí prios e da experieê ncia, e
entre Deus como reconhecemos e Deus como o tratamos.
Depois que captarmos o que se passa no livro de um modo geral, naã o nos seraí difíícil
encontrar o caminho atraveí s dele; e o comentaí rio forneceraí um pouco mais de ajuda. Enquanto
isso, conveí m juntar alguns dos ensinamentos que se encontram espalhados por suas paí ginas, e
buscar o conteuí do geral do argumento.

Fatos a encarar acerca de Deus


Se uma pessoa creê realmente em Deus, as implicaçoã es disto devem ser seguidas aà risca. E o
que Coelet espera que façamos, sem imaginar que podemos tomar liberdades com o nosso

1
A palavra tem a ver com o termo hebraico usado para “reunir” ou “juntar”, e a sua forma sugere algum
tipo de cargo puí blico. Era possivelmente um status eclesiaí stico (como um convocador da assembleí ia ou
aquele que a ela fala), uma vez que a palavra-padraã o para congregaçaã o ou igreja tem a mesma raiz. As
muitas tentativas de traduzir este tíítulo incluem as seguintes: Eclesiastes, O Pregador, O Orador, O
Presidente, O Porta-voz, O Filósofo. Poderííamos talvez acrescentar O Professor!
2
Como diz D.C Siegfried, “Prediger und Hohelied”, em W. Nowack, Handkommentar zum Alten Testament
(Gottingen, 1898)
criador ou manipulaí -lo segundo nossos interesses. Somos confrontados com Deus na sua
condiçaã o mais temíível: como algueí m que naã o se impressiona com a nossa tagarelice, nem com
nossas ofertas rituais ou com nossas promessas vazias. Os primeiros paraí grafos co capíítulo 5
destacam estes pontos de maneira vigorosa: “...Deus estaí nos ceí us, e tu na terra; portanto sejam
poucas as tuas palavras... porque naã o se agrada de todos.”
Deus se revela a noí s neste livro sob treê s aspectos principais: como Criador, como Soberano
e como a Sabedoria Inescrutaí vel. Naã o que estes termos sejam exatamente assim aplicados a ele,
com exceçaã o do primeiro; mas podem servir com um conveniente ponto de convergeê ncia.
Como Criador, ele arma todo o cenaí rio. Somos lembrados de que o seu mundo tem uma
forma proí pria definida, que naã o pode ser mudada a nosso gosto (e este, convenhamos, tem uma
certa resisteê ncia inata que eí bastante complacente para conosco, como planejadores e
padronizadores);3 pois “quem poderaí endireitar o que ele torceu?” (7:13). Esse mundo tem
tambeí m o seu proí prio ritmo inexoraí vel ao qual nos encontramos presos: tempo para isso e
tempo para aquilo, sem nos deixar muita escolha, como o capíítulo 3 destaca. Mesmo como
procriadores, nada mais fazemos do que ativar o misterioso processo pelo qual Deus cria uma
nova vida. “Assim como tu naã o sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no
ventre da mulher graí vida, assim tambeí m naã o sabes as obras de Deus, que faz todas as cousas”
(11:5).
No entanto, naã o podemos nos dar ao luxo de acusar o Criador pelas nossas confusoã es e
nossas maldades, com a Teodiceí ia Babiloê nica acusa os deuses, 4 pois “Deus fez o homem reto”. A
responsabilidade fica onde merece, nas consequü eê ncias desta observaçaã o: “mas ele [o homem] se
meteu em muitas astuí cias” (7:29).
Como Soberano, entretanto, Deus determina as frustraçoã es que encontramos na vida. A
rotina da existeê ncia que eí apresentada logo no iníício do livro (a propoí sito, Coelet teria feito uma
carranca diante do tíítulo espetacular: “Parem o mundo, eu quero descer!”) – essa rotina eí
decreto de Deus. “... Este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os
afligir... e eis que tudo era vaidade e correr atraí s do vento” (1:13, 14). EÉ verdade que existe nas
palavras de 7:29, que acabamos de ler, uma insinuaçaã o de que foia queda do homem que deu
lugar a esse decreto. Tambeí m eí verdade que, em Romanos 8:18-25, Paulo pega essa figura da
“criaçaã o... sujeita aà vaidade” para o forte impulso que esta gera. A eê nfase de Eclesiastes, contudo,
estaí nas coisas que parecem nunca mudar, e sobre os desapontamentos com os quais temos de
conviver aqui e agora.
Tudo isto vem de Deus: a trama geral da vida e seus míínimos detalhes, estejam ou naã o de
acordo como nosso gosto e o nosso senso de propriedade. Algumas vezes eles fazem sentido
para noí s, pois via de regra o pecador recebe uma dose extra de frustraçaã o ao ver que Deus cuida
dos seus (2:26); mas o fato eí que nada nos pertence e naã o podemos contar com nada. Se o
pecador eí atormentado, ele naã o eí o uí nico. A trageí dia pode abater-se sobre qualquer um, e Deus
estaí por traí s de tudo. O capíítulo 6:1-6 eí uma das passagens onde isto eí considerado: apresenta o
fato de que, quanto mais a gente se acha com o direito e quanto mais coisas se tem, mais difíícil se
torna quando Deus o retira, o que pode acontecer a qualquer momento (6:2ss) e ele certamente
o faraí . Pois “naã o vaã o todos para o mesmo lugar?” (v. 6b) – isto eí , para a sepultura.
Assim somos impulsionados a enfrentar os misteí rios dos caminhos de Deus nos termos
desses treê s tíítulos, ele vem agora ao nosso encontro como Sabedoria Inescrutável, reduzindo os
nossos mais brilhantes pensamentos a pouco mais que conjecturas.
A passagem onde isto aparece de forma mais promissora e cheia de graça eí 3:11, um dos
inesperados pontos culminantes do livro. “Tudo fez formoso no seu devido tempo; tambeí m poê s a
eternidade no coraçaã o do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o
princíípio ateí o fim.” Esta simples sentença capta a beleza deslumbrante e assustadora de um
mundo taã o mutante que o seu padraã o total fica aleí m do nosso entendimento. Mas eí um padraã o.
Noí s, ao contraí rio dos animais, podemos captar o suficiente para termos a certeza disso, ainda
que nunca o suficiente para percebermos o todo.
Uma das consequü eê ncias eí que naã o podemos extrapolar o presente. Se as coisas vaã o bem ou
mal, temos de aceitaí -las como saã o, sabendo que o quadro completo mudaraí e continuaraí
mudando. “Deus fez assim este como aquele” – os bons e os maus tempos – “para que o homem
3
Cf. 11:1-6
4
Veja o comentaí rio sobre 7:29
nada descubra do que haí de vir depois dele” (7:14).
Obviamente o futuro estaí assim oculto. O que naã o eí taã o oí bvio eí que o presente, que
permanece aberto aà nossa inspeçaã o, tambeí m nos engana. Assim como o futuro, ele pertence a
Deus. “Entaã o contemplei toda a obra de Deus, e vi que o homem naã o pode compreender a obra
que se faz debaixo do sol” (8:17) – naã o pode, em outras palavras, compreender as atividades
comuns que o cercam. “por mais que trabalhe o homem para descobrir”, Coelet prossegue, “naã o a
entenderaí ”. Filosofias saã o criadas, mas cada uma delas acabaraí sendo insuficiente: “ainda que o
saí bio diga que viraí a conhecer, bem por isso a poderaí achar”. Isto estaí enfaticamente expresso
em 7:23,24: “(Eu) disse: Tornar-me-ei saí bio, mas a sabedoria estava longe de mim. O que estaí
longe e mui profundo, quem o acharaí ?”
Esta obscuridade eí intelectualmente provocante; apesar disso, podemos desfrutrar um
grande problema como exercíício mental. “A questaã o eí totalmente outra se nos pomos a
conjeturar se o universo, ou ateí mesmo Deus, eí ou naã o eí hostil. Mas eí exatamente isto que naã o
podemos descobrir sozinhos, e nada haí que possamos fazer para assumir o controle. Este parece
ser o significado de 9:1, ao falar das coisas que “estaã o nas maã os de Deus”. Mas que tipo de Deus?
Para o homem que conhece o Deus de Israel, nada poderia parecer mais tranquü ilizador; mas para
quem esteja tateando em busca do significado da vida eí uma ideí ia paralisante. “Se eí amor ou se eí
oí dio que estaí aà sua espera, naã o o sabe o homem”. Ele deve orientar pelos prazeres da natureza
ou por sua crueldade? Pelos sorrisos da sorte ou por suas carrancas – e esta certamente naã o
pode ser controlada, seja atraveí s de um bom comportamento ou de uma boa gereê ncia.
Isto nos leva ao outro aspecto da vida que somos convidados a examinar.

Fatos a enfrentar a partir da experiência


Uma das passagens mais fascinantes do livro eí uma viagem de exploraçaã o atraveí s das
recompensas e satisfaçoã es da experieê ncia.5 Com Coelet, vestimos o manto de um Salomaã o, o mais
brilhante e menos limitado dos homens, para iniciar essa pesquisa. Tendo todos os dons e
poderes aà nossa disposiçaã o, seria estranho se voltaí ssemos de maã os vazias.
Começamos com a sabedoria – a mais promissora das buscas. Neste mundo desordenado,
poreí m, “na muita sabedoria haí muito enfado” (1:18) e isso decorre da proí pria percepçaã o
adquirida. E, em uí ltima anaí lise, seja o que for que a sabedoria possa fazer por algueí m, ela nada
pode fazer quanto ao final da vida. Nesta crise o saí bio fica taã o desarmado quanto o estulto (2:15-
17), e se sua sabedoria naã o vale nada neste aspecto, naã o passa de um fracasso pretensioso.
Entaã o passamos para a “loucura” e a “estultíícia” (1:17; 2:3b). e isto parece bem atual,
fazendo coro com algumas de nossas tentativas de desviar-nos do que eí racional, passando a
explorar o absurdo e o mundo das alucinaçoã es. O prazer, naturalmente, eí um outro reino: um
reino de muitos aspectos que apena para os apetites sensuais numa das pontas da escala (2:3,
8c) e para as alegrias da esteí tica do especialista e o trabalho criativo na outra.
Mesmo na melhor das hipoí teses, esta busca soí vai nos satisfazer de passagem. Entaã o vem o
reconhecimento: “Considerei todas as obras que fizeram as minhas maã os” (2:11) e, pensando na
morte, o coê mputo final resulta em nada. O que torna tudo ainda mais doloroso eí saber que este
resultado nulo eí uma obliteraçaã o, um desfazimento. Os valores existem, sim: “a sabedoria eí mais
proveitosa do que a estultíícia quanto a luz traz mais proveito do que as trevas” (2:13); mas
nenhum valor permaneceraí quando naã o estivermos mais aqui, ou se naã o houver ningueí m para
lhes dar valor.
O segundo fato eí a existeê ncia do mal. Este eí taã o tirano quanto a proí pria morte, e ainda mais
traí gico. A transitoriedade da vida eí muito triste, mas os seus males podem ser suportaí veis.
Coelet observa tanto os pecados banais quanto os grandes: a inveja que inspira ou ateí
mesmo resulta em sucesso (4:4); a fixaçaã o no dinheiro que transforma o magnata solitaí rio em
uma figura pateí tica e sem sentido (4:7,8); e a vaidade que manteí m por muito tempo um tolo no
seu posto (4:13), considerando apenas alguns deles. Mas ele lamenta principalmente “as
opressoã es que se fazem debaixo do sol” (4:1). “No lugar do juíízo reinava a maldade” (3:16). “A
violeê ncia na maã o dos opressores” (4:1). A proí pria estrutura da sociedade contribui para essas
coisas (5:8); no entanto, estas naã o saã o enfermidades apenas dos governantes, mas da
humanidade. “Naã o haí homem justo sobre a terra” (7:20); realmente, “o coraçaã o dos homens estaí
cheio de maldade, neles haí desvarios enquanto vivem” (9:3). O leitor pode refletir sobre a
5
Veja os comentaí rios mais completos sobre esta passagem (1:16-2:26).
insanidade coletiva que visivelmente toma conta de uma sociedade de tempos em tempos, mas
naã o pode ignorar tambeí m a loucura que permanece invisíível porque participa dela como o clima
do seu seí culo.
Ainda por cima, como se a morte e o mal naã o bastassem, haí ainda o fator menor, mas
igualmente incontrolaí vel, “do tempo e do acaso”, que eí preciso reconhecer (9:11). O homem bem
organizado pode regalar-se na sua auto-suficieê ncia, poreí m Coelet veê atraveí s dela, eí pura
decepçaã o. Ateí mesmo os preê mios mais especííficos e mais previsííveis da vida (para naã o se falar da
busca de algo definitivo) podem se perder, e o homem acaba sem nada. “Naã o eí dos ligeiros o
preê mio, nem dos valentes a vitoí ria” – pelo menos, naã o e assim taã o garantido. “Pois o homem naã o
sabe a sua hora” (9:12). Ele pode ateí fingir que sabe, mas o faz-de-conta naã o serve como base
para a sua vida. Basta lembrarmos o comentaí rio final acerca do homem que pensou em tudo
menos nisso: “Deus lhe disse: Louco!...”

De volta ao alicerce
Se pouca coisa restou depois desta anaí lise, eí exatamente isto que o escrito pretende, mas
apenas como trabalho preliminar. Ele estaí demolindo para reconstruir. Se prestarmos atençaã o,
veremos que as perguntas penetrantes que ele levanta saã o aquelas que a proí pria vida nos faz. Ele
pode fazeê -las porque nos capíítulos finais tem boas novas para noí s, contanto que paremos de
fazer de conta que as coisas mortais no bastam, a noí s que temos a capacidade de receber o que eí
eterno.
Saã o novas, paradoxalmente, de juíízo.
Para tornar esse paradoxo mais inteligíível, seria bom divagarmos por algum tempo
examinando um velho exemplo de secularismo radical, sem o abrandamento de nossas
modernas fantasias utoí picas e sem a formalidade de algum sentimento transcendente: apenas
pela sua proí pria espirituosidade e fria imparcialidade. A passagem, muito livremente
parafraseada e apresentada aqui, eí o diaí logo entre um senhor e seu servo, ambos mesopotaê mios,
escrito talvez antes do tempo de Moiseí s.6
– Servo, obedeça-me
– Sim, senhor, sim.
– A carruagem... Prepare-a. Vou ao palaí cio.
– Vaí , meu senhor, vaí !... O rei haí de ser benevolente.
– Naã o, servo, naã o vou ao palaí cio.
– Naã o vaí , meu senhor, naã o vaí . O rei pode enviaí -lo a algum lugar longíínquo. O senhor naã o
teraí mais um momento de paz.
Entaã o ele resolve jantar, o que o servo acha muito conveniente. Naã o haí nada mais agradaí vel
e confortador, naã o eí mesmo? Mas o capricho passa: ele resolve naã o jantar mais. O servo acha isto
muito adequado: existe algo mais vulgar do que comer?
E assim o diaí logo prossegue. Ele vai caçar... Mas resolve naã o ir mais. Ou, quem sabe vai
liderar uma rebeliaã o... ou naã o. Guardaraí um silencia esmagador quando encontrar o seu rival...
Ou melhor ainda, vai falar com ele. Cada ideí ia eí rematada pelo servo com alguma observaçaã o
bajuladora, e cada ideí ia oposta com uma observaçaã o ainda mais profunda.
Entaã o ele sente desejo de amar (“Oh, sim! Naã o haí nada melhor do que isso, senhor, para
espairecer.”), mas logo muda de ideí ia (“Que sabedoria! As mulheres saã o uma armadilha, uma faca
na garganta.”). Isso! Ele seraí um filantropo. Mas, por outro lado... (“Certo, senhor; de que
adiantaria? Pergunte aos esqueletos no cemiteí rio!”).
Neste espíírito ilusoí rio e fuí til, ideí ia apoí s ideí ia, valor apoí s valor saã o apanhados, desejados e
abandonados. No final, o cavalheiro brinca com uma questaã o seí ria: “O que seria bom?” Sua
proí pria resposta nos apanha de surpresa: “Quebrar o pescoço, o meu e o teu, jogar os dois no rio,
isto seria bom.” EÉ claro que ele muda de ideí ia: ele vai quebrar apenas o pescoço do seu servo e
mandaí -lo na frente.
Como jaí era de se esperar, o servo tem a uí ltima palavra: como poderia o senhor sobreviver
por treê s dias que fossem, sem ningueí m para tomar conta dele?
Talvez apreciemos esta conversa de acabar com tudo em um pacto de morte. EÉ um final
interessante para a comeí dia. Mas a verdade eí mais real do que parece, pois quando aprendemos
a rir de tudo, logo descobrimos que naã o temos mais nada que valha a pena uma risada. A
6
Traduzido, por exemplo em ANET, paí g 438
trivialidade eí mais asfixiante do que a trageí dia, e a indiferença eí o comentaí rio mais desesperado
de todos.
A funçaã o de Eclesiastes eí levar-nos ao ponto de começarmos a temer que esse comentaí rio
seja o mais honesto. EÉ o que acontece, quando tudo morre. Enfrentamos a espantosa conclusaã o
de que nada tem significado, nada vale a pena debaixo do sol. EÉ entaã o que podemos ouvir a boa
nova de que tudo vale a pena, “porque Deus haí de trazer a juíízo todas as obras ateí as que estaã o
escondidas, quer sejam boas, quer sejam maí s”.
EÉ assim que o livro termina. Sobre esta rocha podemos ateí ser destruíídos: mas eí uma
rocha, e naã o areia movediça. Pode ser que tambeí m possamos edificar.
Segunda Parte
O que o livro diz!
- um breve comentário

Eclesiastes 1:1-11 -
O autor, o tema e o reconhecimento do cenário

Apresentando o autor
1:1 Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém:

Existe na forma Omo este escritor se anuncia um queê de misteí rio – e este toque curioso
naã o parece ser involuntaí rio. Primeiro, ele chega quase ao ponto de se chamar Salomaã o, mas naã o
o faz. Este nome maã o aparece no livro, ao passo que tanto Proveí rbios quanto Cantares declaram
abertamente a sua autoria. Depois vem a curiosidade do tíítulo duplo, eclesiaí stico e real, 7 quase
como se algueí m falasse de “O Vigaí rio, Rei da Inglaterra!” Veremos uma outra observaçaã o
enigmaí tica no versíículo 16, com a reivindicaçaã o de uma sabedoria que sobrepujava “a todos os
que antes de mim existiram Jerusaleí m”. Isto exclui qualquer sucessor do incomparaí vel Salomaã o,
mas quase exclui tambeí m o proí prio Salomaã o, que teve apenas um predecessor israelita. 8
Se acrescermos a isto o fato de que todos os sinais de realeza desaparece depois dos dois
primeiros capíítulos,9 torna-se evidente que devemos considerar o tíítulo que naã o eí real como
sendo o tíítulo do autor, e o real como um simples meio de dramatizar a busca por ele descrita
nos capíítulos ume dois. Ele nos descreve um super-Salomaã o (como daí a entender como termo
“sobrepujei” em 1:16) para demonstrar que o homem mais dotado que posssamos imaginar, que
ultrapasse qualquer outro rei que jaí tenha ocupado o trono de Davi, ainda retornaria com as
maã os vazias na busca da auto-satisfaçaã o.10
Da descriçaã o mais completa do autor em 12:9ss. temos o retrato de um mestre cuja
vocaçaã o eí ensinar, pesquisar, editar e escrever. O que o seu livro como um todo nos ensina
indiretamente eí que ele eí taã o sensíível quanto corajoso, eu m mestre do estilo.

O tema
1: 2 Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade.
Um pouquinho de fumaça, uma rajada de vento, um simples sopro – nada que se possa
pegar com as maã os, a coisa mais proí xima do zero. Isto eí a vaidade que se trata este livro.
O que nos perturba esta leitura sobre a vida eí que tal nulidade naã o eí considerada como
uma simples chamuscada sobre a superfíície das coisas, ainda que tenha um certo charme. EÉ a
soma total das coisas.
Se este eí o caso, como argumenta no resto do livro, vaidade acaba tornando-se uma palavra

7
Veja a nota de rodapeí aà paí g 1, quanto ao significado de Coelet (“O Pregador”).
8
Tambeí m o sentido e um longo retrospecto nesta frase parece ter surgido devido aà forma aparentemente
avançado do hebraico neste livro, o qual parece ser um estaí gio no meio do caminho entre o hebraico
claí ssico e o rabíínico. Contudo, isto naã o eí conclusivo, uma vez que se pode argumentar que muitos dos seus
aspectos saã o do dialeto feníício, naã o indicando data. Sobre isto, veja os comentaí rios feitos pod M.J. Dahood
em Biblica 33 (1952), pg 32-52 e 191-221; tambeí m em Bibliba 39 (1958), pg 302-318; e por G.L. Archer
em Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969) pg 167-181. Este uí ltimo argumenta em favor
da autoria de Salomaã o, chamando a atençaã o para os seus laços ííntimos com os feníícios.
9
Apenas o tíítulo Coelet (“O Pregador) seraí usado daqui em diante (7:27; 12:8-10), e a postura do escritor
se tornaraí a de um simples observador, naã o a de um governante.Veja, por exemplo, 3:16; 4:1-3 5:8ss.
10
Veja tambeí m o comentaí rio e anota de rodapeí sobre 1:12
desesperadora. Ela deixa de significa simplesmente o que eí banal e passageiro e passa a
descrever, desastrosamente, aquilo que naã o tem sentido. O autor dobra e redobra esta palavra
amarga, usando-a duas vezes na mesma frase, como se fosse uma paroí dia do conhecido
superlativo “santo dos santos”. A nulidade completa apresenta-se aqui em mudo contraste com a
santidade completa, aquela realidade poderosa que deu forma e caracteríística aà tradicional
piedade de Israel. Finalmente ele conclui de maneira sucinta: “Tudo eí vaidade.” Em termos atuais
a conclusaã o poderia ser:
“Futilidade total... futilidade total. Tudo isso naã o passa de futilidade”
Poreí m o que eí “tudo isso” seraí que inclui a divindade – ou mesmo o proí prio Deus? Ou seraí
que todas as coisas estaã o desprovidas disso?
O autor naã o tem pressa de responder. Antes de dar alguns toques sobre o seu proí prio
ponto de vista, ele quer que examinemos muito de perto o mundo que vemos e as respostas que
este parece nos dar. A primeira destas leves indicaçoã es vem logo a seguir na frase debaixo do sol
(1:3), que vai se transformar em uma espeí cie de toê nica do livro, repetindo-se cerca de trinta
vezes em seus doze pequenos capíítulos. A menos que isto naã o passe de um haí bito (se bem que
este autor naã o eí de desperdiçar palavras) , fica bem claro que o quadro que ele tem em mente eí
exclusivamente o mundo que podemos ver, e que o nosso ponto de vista estaí ao níível do chaã o.
Neste caso naã o soí a exclamaçaã o “Vaidade de vaidades!”, mas todos os comentaí rios sobre a
vida que se lhe acrescentam jaí teê m seus limites, seu sistema de coordenadas, esboçados nessa
frase. No final do livro seraã o traçadas linhas muito firmes, e Coelet se revelaraí um homem de feí .
Ateí laí , elas saã o introduzidas co o mais leve dos toques, e suas implicaçoã es seraã o descobertas
posteriormente. Podemos tradicionalmente chamar este homem de “o Pregador”; mas ele
coloca-se taã o perto de seus ouvintes que suas palavras poderiam lhes parecer a personificaçaã o
de seus pensamentos mais radicais. A diferença eí que ele segue essas trilhas de pensamento para
muito aleí m do que eles se disporiam a ir. Caminho apoí s caminho, todos saã o incansavelmente
explorados ateí chegar ao ponto do nada. No final, apenas um caminho ficaraí .
O processo foi taã o admiravelmente descrito por G.S. Hendry que seria uma pena naã o citaí -lo
neste ponto:
“Coelet escreve a partir de premissas ocultas,e o seu livro eí na realidade uma grande obra
de apologeí tica... Seu aparente mundanismo eí ditado pelo seu alvo: Coelet dirige-se ao puí blico em
geral, cuja visaã o eí limitada pelos horizontes deste mundo; ele vai ao encontro desse puí blico no
seu proí prio espaço, e prossegue convencendo-o de sua inerente vaidade. Isto se confirma ainda
mais CPOR sua expressaã o caracteríística ‘debaixo do sol’, com a qual ele descreve o que o Novo
Testamento chama de ‘o mundo’... Seu livro eí de fato uma críítica ao secularismo e aà religiaã o
secularizada.”11

A rotina
1: 3 Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do sol?
4 Geração vai e geração vem; mas a terra permanece para sempre.
5 Levanta-se o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar, onde nasce de novo.
6 O vento vai para o sul e faz o seu giro para o norte; volve-se, e revolve-se, na sua carreira, e
retorna aos seus circuitos.
7 Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios,
para lá tornam eles a correr.
8 Todas as coisas são canseiras tais, que ninguém as pode exprimir; os olhos não se fartam
de ver, nem se enchem os ouvidos de ouvir.
9 O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo
debaixo do sol.
10 Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos que foram
antes de nós.
11 Já não há lembrança das coisas que precederam; e das coisas posteriores também não
haverá memória entre os que hão de vir depois delas.

Jaí demos uma olhada nesta passagem para observar a frase debaixo do sol, que arma o
11
G.S. Hendry, Introduçaã o ao artigo “Eclesiastes”, em The New Bible Commentary Revised (IVP, 1970) pg
570
cenaí rio para o livro como um todo de acordo com esta introduçaã o, a sequü encia considera a vida
dentro dos limites mundanos que saã o iguais para todos os homens.
Que proveito tem o homem...? eí uma pergunta praí tica e caracteríística. A palavra aqui
traduzida como “proveito” extraíída do mundo dos negoí cios, soí se encontra neste livro nas
Escrituras.12 Mas antes de a excluirmos como cíínica ou mercenaí ria, lembremo-nos de uma
pergunta parecida no Evangelho: “Que aproveita ao homem... ?” 13 Esta naã o eí a uí nica passagem
em que Cristo e Coelet falam a mesma linguagem. EÉ uma pergunta justa. Qualquer ideí ia
romaê ntica que pudeí ssemos ter, enfrentado uma situaçaã o desesperadora, ela logo se evaporaria
se naã o houvesse um outro tipo de situaçaã o. Mas quem nos garante que um dia a situaçaã o seraí
outra? “A gente gasta a vida trabalhando, se esforçando, e a final que vantagem leva em tudo
isso?”14 – esta poderia ser uma traduçaã o livre deste versíículo.
Ah! Mas existe quem ache que pode transformar o mundo em um lugar melhor, ou pelo
menos deixar alguma coisa para aqueles que viraã o depois. Como se jaí esperasse esta resposta,
Coelet aponta para o constante fazer e desfazer na histoí ria da humanidade: geraçoã es apoí s
geraçoã es se levantam e caem, homens veê m e logo saã o esquecidos; tudo isto tendo como
impassíível cenaí rio a terra, que veê todas as geraçoã es passarem e continua existindo. Sem duí vida
ela veraí o uí ltimo de noí s que ficar em cena – e o que homem lucraraí com isso?
Aleí m disso, por mais que a terra continue existindo, o proí prio padraã o do mundo eí taã o
intranquü ilo e repetitivo quanto o nosso. Tantas coisas que começam bem voltam atraí s. Tantas
jornadas acabam onde começaram. Coelet destaca treê s exemplos desta rotina infinita da
natureza, começando como mais oí bvio de todos, o sol, que percorre a sua grande curva no ceí u
ateí o seu declíínio; e, tendo concluíído, apressa-se 15 em repetir o que fez dia apoí s dia. Os outros
dois exemplos parecem a princíípio oferecer uma vaí lvula de escape do cíírculo vicioso – pois o que
seria mais livre do que o vento ou menos reversíível do que uma torrente? Mas acompanhe o
processo ateí o fim e voceê retornaraí ao começo. O vento “volve-se e revolve-se”; e as aí guas, como
eí dito em Joí 36:27ss, saã o recolhidas para regar a terra novamente. Assim as coisas mais regulares
do mundo, que nos falam em nome de Deus e de suas misericoí rdias que “se renovam a cada
manhaã ”, dar-nos-aã o uma resposta muito diferente se buscarmos algum significado nelas mesmas.
O versíículo 8 resume esse infindaí vel ciclo taxando-o de indizíível canseira. 16
Tudo isto apresenta um espelho para o cenaí rio humano. Como o oceano, os nossos
sentidos saã o alimentados mais e mais, mas nunca se satisfazem. Como o ciclo da natureza,a
nossa histoí ria estaí sempre retornando, deixando de cumprir a sua promessa. E a jornada
continua, sem nunca chegarmos ao destino. Debaixo do sol naã o existe um lugar para onde ir,
nada que satisfaça completamente ou que seja realmente novo. Quanto a colocarmos as nossas
esperanças na posteridade, no final a posteridade teraí perdido qualquer lembrança dos que
ficaram no passado (v.11).
A esta altura, temos que fazer uma pausa para esclarecer duas coisas. Primeiro, o que
vamos fazer com o famoso ditado: Não há nada novo debaixo do sol? Ateí que ponto ele eí
verdadeiro? Talvez a proí pria forma como costumamos usaí -lo nos deê a melhor resposta. Noí s o
enunciamos como um comentaí rio geral sobre o cenaí rio da humanidade, e naã o como um
pronunciamento sobre as invençoã es. Ningueí m – muito menos Coelet – haí de negar a capacidade
inventiva do homem. Mas plus ça change, plus c’est La même chose: quanto mais as coisas mudam,
mais se revelam as mesmas. As coisas antigas prosseguem em seu novo disfarce. Como raça,
jamais aprendemos.
A segunda pergunta eí sobre quanto abrange o tema do cíírculo vicioso. Para alguns
escritores esta ideí ia lembra os estoí icos e sua visaã o totalmente circular do tempo, atraveí s da qual
12
A BLH força um pouco a traduçaã o do v.12 dizendo: “Seraí que um rei pode fazer alguma coisa que seja
nova? Naã o. Soí pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele”
13
Mc 8:36
14
1:3 (BLH)
15
A palavra aqui traduzida como volta (v.5) eí literalmente o verbo “ofegar”, se de avidez ou de cansaço o
autor naã o diz. Em outras passagens o termo tem quase uma conotaçaã o de avidez (p.e. Joí 5:5; 7:2; Sl
119:131), mas o contexto eí sombrio (cf. v.8) e a palavra pode indicar tambeí m desespero (Is 42:14)
16
Uma outra traduçaã o do versíículo 8a, favorecida por alguns comentaristas seria: “Todas as palavras saã o
fraí geis”, isto eí , “a cena estaí aleí m da descriçaã o”. Mas o adjetivo em outras passagens significa “cansado” (Dt
25:18; 2Sm 17:2) e a passagem como um todo naã o estaí enfatizando a complexidade, mas o ciclo incessante
da natureza.
toda a trama da existeê ncia deve tecer o seu proí prio padraã o repetidas vezes, ateí os míínimos
detalhes, a intervalos predeterminados, infinitamente. Desta forma todo o futuro estaria
destinado a voltar aà mesma situaçaã o na qual voceê , leitor, encontra-se agora; e isto naã o uma soí
vez, mas vezes incontaí veis.
Por si mesmos, os versíículos 9 e 10 (O que foi, é o que há de ser...) significariam exatamente
isso. Mas eles se encontram em um livro que apresenta escolhas morais genuíínas usando
palavras tais como “justo” e “perverso”, e que aponta para um julgamento futuro que naã o teria
sentido caso foê ssemos apanhados em um processo que naã o nos desse alternativas. O que vemos
aqui eí a fadiga de se lutar e naã o conseguir nada; e, embora seja muito diferente do fatalismo que
estivemos considerando, tambeí m estaí muito longe do sentido de peregrinaçaã o que domina o
Antigo Testamento.
Seria isto um sinal de falta de convicçaã o? Gerhard vol Rad comenta que com este autor “a
literatura da Sabedoria perdeu o uí ltimo contato coma antiga maneira de pensar de Israel em
termos de histoí ria conservadora e, muito consistentemente, retrocedeu ao modo cííclico de
pensar comum no Oriente... apenas... de uma forma total secular”. 17 Este eí um comentaí rio
correto, se “o modo cííclico de pensar” significa apenas uma preocupaçaã o com a sucessaã o das
estaçoã es e com os ritmos da vida.18 Mas eí faí cil esquecer que, se Coelet estaí assumindo a posiçaã o
do homem do mundo para mostrar no que isto implica, eí justamente o ponto de vista que ele tem
que expor. E se assim o faz para denunciar tal posiçaã o e despertar o desejo de alguma coisa
melhor, como os uí ltimos capíítulos vaã o mostrar, entaã o naã o deve ser identificado com ela a naã o ser
por causa de sua solidariedade e de sua profunda visaã o interior.

Eclesiastes 1:12-2:26 -
Em busca de satisfação

O investigador
1: 12 Eu, o Pregador, venho sendo rei de Israel, em Jerusalém.
13 Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto sucede
debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir.

O poema que acabamos de considerar estabelece a toê nica do livro atraveí s do seu tema e do
quadro que apresenta de um mundo infinitamente ocupado e desesperadamente inconclusivo.
Agora o foco se define. Voltamo-nos de analogias e impressoã es para o que podemos
conhecer diretamente atraveí s da experieê ncia. Vamos esquadrinhar uma vastidaã o de ocupaçoã es
humanas, indagando se existe na terra alguma coisa que tenha valor duradouro. O autor nos
impressiona coma urgeê ncia da investigaçaã o: acabamos fazendo parte dela. Mas a sua curiosa
mescla de tíítulos, “Coelet” e “Rei”, alerta-nos para o caraí ter duplo com que ele se apresenta,
como jaí vimos no iníício.19 Nesta passagem, o pregador torna-se um segundo Salomaã o, para que
em nossa imaginaçaã o possamos fazer o mesmo. Armados de tais vantagens, nossa pesquisa iraí
muito aleí m de uma experieê ncia simples e limitada: seraí algo grandioso, explorando tudo o que o
mundo possa oferecer a um homem de geê nio e de riqueza ilimitados. Nesta aí rea de
conhecimento, podemos aceitar suas descobertas como definitivas. Cotando suas palavras
(2:12): “Que faraí o homem que seguir ao rei?”
Talvez possamos, de passagem, comparar este reconhecimento superficial com outra
passagem escrita na primeira pessoa: o exame do coraçaã o humano que Paulo descreve no final

17
G. Von Rad, Old Testsament Theology (trad. Inglesa Oliver e Boyd, 1962), I, Pg 455
18
O. Loretz, Qohelet und der Alte Orient (Herder, 1964), pg 247ss, critica von Rad e outros por descreverem
o pensamento do antigo Oriente ou de Coelet como cííclico. Mas com cííclico quer dizer o firme
determinismo do sistema estoí ico (Lonretz, pg 251), que Von Rad naã o estaí discutindo neste ponto.
19
Veja os comentaí rios acerca de 1:1. Compare a expressaã o: “Eu venho sendo rei” (ou “me tornei rei”, que
seria a traduçaã o mais natural), no versíículo 12, com Zc 11:7ss: “Apascentei as ovelhas (ou, tornei-me
pastor)... Dei cabo de treê s pastores...”, etc.... que usam igualmente uma linguagem autobiograí fica, que naã o
deve ser tomada literalmente, ou com a intençaã o de enganar, mas que visa apresentar-nos uma sequeê ncia
iluminadora dos acontecimentos com muita vivacidade.
de Romanos 7. Cada uma destas duas confissoã es tem uma refereê ncia mais ampla do que o
homem que estaí falando. Entre elas, Coelet e Paulo exploram para noí s o mundo exterior e o
interior do homem, sua busca por um significado e sua luta por uma vitoí ria moral.
Com sua habitual franqueza, Coelet logo nos declara o pior: sua pesquisa resultou em nada.
Para nos poupar do desapontamento de nossas esperanças, ele nos adverte do resultado (1:13b-
15) antes de nos levar consigo em sua jornada (1:16-2:11); e finalmente compartilha conosco as
conclusoã es a que chegou (2:12-26).

O Resumo
1: 13 Apliquei o coração a esquadrinhar e a informar-me com sabedoria de tudo quanto
sucede debaixo do céu; este enfadonho trabalho impôs Deus aos filhos dos homens, para nele os
afligir.
14 Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e
correr atrás do vento.
15 Aquilo que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode calcular.

Discreta, mas significativamente, Coelet resume suas descobertas em termos que por um
breve momento saem do campo de visaã o do secularista. Ele veê a inquietaçaã o da vida que
qualquer observador poderia perceber; no entanto, relaciona-a coma vontade divina: foi Deus
que a impôs aos filhos dos homens. Isto talvez pareça mais amargura do que feí , mas eí na verdade
uma indicaçaã o de algo positivo que seraí retomado nos capíítulos finais. Na pior das hipoí teses,
implicaria que, por detraí s da nossa situaçaã o, existe sempre algum sentido (e naã o o contra-senso
do acaso), mesmo que este nos pareça totalmente desanimador. Mas bem que poderia tambeí m
fazer parte da justa disciplina que Deus nos impoê s como sequü ela da Queda. Foi assim que Paulo
(com uma evidente perspectiva de Eclesiastes) interpretou o sofrimento do mundo: “Pois a
criaçaã o estaí sujeita aà vaidade... por causa daquele que a sujeitou, na esperança...”20
Essa esperança, contudo, fica totalmente aleí m do nosso proí prio alcance, como veremos
adiante. E o versíículo 15 traz mais dois lembretes das nossas limitaçoã es, coma concisaã o de um
proveí rbio. A ER capta bem o sentido: “O que eí torto naã o se pode endireitar; o que falta naã o se
pode enumerar.” Se esta tortuosidade e esta falta significam as nossas proí prias falhas de caraí ter
ou as circunstaê ncias que naã o podemos alterar,21 deparamo-nos novamente com o que podemos
fazer. Com esta adverteê ncia, juntemo-nos agora a Coelet em suas diversas experieê ncias.

Experimentando a vida
1: 16 Disse comigo: eis que me engrandeci e sobrepujei em sabedoria a todos os que antes de
mim existiram em Jerusalém; com efeito, o meu coração tem tido larga experiência da sabedoria e
do conhecimento.
17 Apliquei o coração a conhecer a sabedoria e a saber o que é loucura e o que é estultícia; e
vim a saber que também isto é correr atrás do vento.
18 Porque na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta ciência aumenta tristeza.
2: 1 Disse comigo: vamos! Eu te provarei com a alegria; goza, pois, a felicidade; mas também
isso era vaidade.
2 Do riso disse: é loucura; e da alegria: de que serve?
3 Resolvi no meu coração dar-me ao vinho, regendo-me, contudo, pela sabedoria, e entregar-
me à loucura, até ver o que melhor seria que fizessem os filhos dos homens debaixo do céu, durante
os poucos dias da sua vida.
4 Empreendi grandes obras; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
5 Fiz jardins e pomares para mim e nestes plantei árvores frutíferas de toda espécie.
6 Fiz para mim açudes, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores.
7 Comprei servos e servas e tive servos nascidos em casa; também possuí bois e ovelhas, mais
do que possuíram todos os que antes de mim viveram em Jerusalém.
8 Amontoei também para mim prata e ouro e tesouros de reis e de províncias; provi-me de
cantores e cantoras e das delícias dos filhos dos homens: mulheres e mulheres.
20
Rm 8:20
21
A segunda alternativa parece ser a mais provaí vel, aà vista de 7:13 com 7:29, que falam de Deus como
sendo o autor das coisas “tortas” no sentido de fatos estranhos e irreversííveis, mas naã o moralmente maus.
9 Engrandeci-me e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em Jerusalém;
perseverou também comigo a minha sabedoria.
10 Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria
alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a recompensa de todas elas.
11 Considerei todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também o trabalho que eu,
com fadigas, havia feito; e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito
havia debaixo do sol.

Para um pensador taã o famoso, a investigaçaã o tinha naturalmente de começar com a


sabedoria, a qualidade mais louvada em seus cíírculos. Contudo, ele nada diz sobre seu primeiro
princíípio, o temor do Senhor, e podemos presumir que a sabedoria da qual ele fala eí (segundo o
seu meí todo) o melhor pensamento que o homem pode ter por si mesmo. A sabedoria eí
espleê ndida em toda a sua extensaã o: nada se pode comparar a ela (2:13); mesmo assim, ela naã o
daí respostas aà s nossas duí vidas acerca da vida. Apenas as aguça ainda mais com sua perspicaí cia.
Assim Coelet considera a sabedoria com a devida seriedade, como uma disciplina que se
ocupa de questoã es maí ximas, e naã o simplesmente como um instrumento para realizar as coisas.
Se isto fosse tudo, nada poderííamos esperar dela aleí m do sucesso material. Mas a sabedoria
preocupa-se coma verdade,e a verdade nos compele a admitir que o sucesso nos faz mal e que
nada no mundo permanece. Ele ainda vai dizer algo mais sobre isto; por enquanto, seu primeiro
ponto sobre o descanso foi apresentado.
Entaã o ele mergulha na frivolidade. Mas uma parte dele se retrai – regendo-me, contudo,
pela sabedoria – para ver a que a frivolidade como estilo de vida conduz, e o que faz ao homem.
Imediatamente ele percebe o “paradoxo do hedonismo”: quanto mais se busca o prazer, menos
ele eí encontrado. De qualquer forma, a pessoa estaí buscando algo aleí m do prazer e atraveí s dele,
pois isto eí mais que uma simples indulgeê ncia. EÉ uma fuga deliberada da racionalidade, para
chegar a um segredo da vida AL qual a razaã o talvez tenha bloqueado o caminho. Nisto reside a
força do versíículo 3b: “entregar-me aà loucura ateí ver o que melhor seria que fizessem os filhos
dos homens...”
Neste ponto nos aproximamos muito do nosso proí prio tempo com o seu culto irracional
em suas variadas formas, desde o romantismo ateí a aê nsia que manifestam os diferentes estados
de conscieê ncia, e daíí ao niilismo, que cultiva o feio, o obsceno e o absurdo, naã o por divertimento,
mas como um ataque aos valores racionais. Embora nada disso apareça em Coelet, sua avaliaçaã o
das experieê ncias com a loucura prova que ele estaí perturbado e igualmente desapontado com o
veredito ainda mais forte acerca do riso (É loucura); e nas Escrituras tanto a “loucura” como a
“estultíícia” pressupoã em mais perversidade moral do que desarranjo mental. 22 Para merecer tal
observaçaã o, o riso que acompanha este tipo de vida tem de ser cíínico e destrutivo. Neste caso,
naã o estamos muito longe de nossas comeí dias traí gicas e do humor negro.
Como que reagindo fortemente aos prazeres fuí teis, agora se entrega aà s alegrias da
criatividade. Dedica suas energias a um projeto digno de seus talentos esteí ticos, de seu domíínio
das artes e das cieê ncias, e de sua habilidade para comandar um grande empreendimento. Ele cria
um pequeno mundo dentro do mundo: multiforme, harmonioso e exoí tico, um Jardim do EÉ den
secular, cheio de deleites civilizados e deliciosamente naã o civilizados (v.8), 23 sem frutos proibidos
– ou algo que ele assim considere (v.10). para tanto, ele resolve fugir do teí dio dos ricos atraveí s
de uma atividade constante, desfrutada e valorizada por seu proí prio bem (v.10); e manteí m um
olho críítico sobre os seus projetos, mesmo enquanto os executa. “Perseverou também comigo a
minha sabedoria”, ele nos diz (v.9). naã o perde de vista busca, a investigaçaã o do significado da

22
Por exemplo, em 9:3, “maldade” estaí associada a “mal” e, em 10:13, a palavra usada para “estultíícia” eí
considerada como um passo na direçaã o da “loucura perversa”. Da mesma forma, agir estultamente (usando
uma palavra relacionada com “estultíícia”) geralmente implica em uma atitude fatalmente voluntariosa; cf
1Sm 13:13; 26:21; 2Sm 24:10).
23
A palavra sidda, que aparece apenas aqui, tem sido aceita como significando “instrumento musical”
(ERC). Mas em uma carta de Faraoí Amenofis III ao prííncile Milkilu de Gezer, em que saã o exigidas quarenta
concubinas, a palavra egíípcia para concubina estaí acompanhada de uma palavra cananita explicatoí ria de
sidda. “Concubina” eí usada entaã o corretamente na ER. A BJ traz a palavra “cofres” (isto eí , “arcas de
tesouro”), mas sugere em suas anotaçoã es “princesas” ou “concubinas” e a ERAB, naã o erra, entaã o, com a
traduçaã o “mulheres”.
vida, que constituíía o motivo principal de tudo.
No final qual foi o resultado? Um espíírito menos exigente do que Coelet teria encontrado
muita coisa positiva para contar. As realizaçoã es foram brilhantes. No níível material, a ambiçaã o
perene do lavrador de fazer (com nossas palavras) “duas folhas de capim crescerem onde antes
soí havia uma” foi indiscutivelmente atingida; esteticamente falando, ele criou um paraííso uí nico.
Se “a beleza produz alegria”, ele naã o buscou em vaã o pelo que eí infinito e absoluto.
Assim pensamos noí s.
Coelet naã o pensa assim. Chamar tais coisas de eternas naã o passa de retoí rica, e nada que
seja perecíível vai satisfazeê -lo. Nos termos coloquiais da BLH, ele diz: “Compreendi que tudo
aquilo era ilusaã o, naã o tinha nenhum proveito. Era como se eu estivesse correndo atraí s do vento”.

A avaliação
2: 12 Então, passei a considerar a sabedoria, e a loucura, e a estultícia. Que fará o homem
que seguir ao rei? O mesmo que outros já fizeram.
13 Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia, quanto a luz traz mais
proveito do que as trevas.
14 Os olhos do sábio estão na sua cabeça, mas o estulto anda em trevas; contudo, entendi
que o mesmo lhes sucede a ambos.
15 Pelo que disse eu comigo: como acontece ao estulto, assim me sucede a mim; por que,
pois, busquei eu mais a sabedoria? Então, disse a mim mesmo que também isso era vaidade.
16 Pois, tanto do sábio como do estulto, a memória não durará para sempre; pois, passados
alguns dias, tudo cai no esquecimento. Ah! Morre o sábio, e da mesma sorte, o estulto!
17 Pelo que aborreci a vida, pois me foi penosa a obra que se faz debaixo do sol; sim, tudo é
vaidade e correr atrás do vento.
18 Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol, visto que o
seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim.
19 E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho
das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade.
20 Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me
afadigara debaixo do sol.
21 Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo,
deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou; também isto é vaidade e grande
mal.
22 Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele
anda trabalhando debaixo do sol?
23 Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa
o seu coração; também isto é vaidade.
24 Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem
do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus,
25 pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se?
26 Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao
pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus.
Também isto é vaidade e correr atrás do vento.

O raí pido e brusco veredito do versíículo 11 precisava ser explicado detalhadamente, pois
ao se aprofundar nas possibilidades da vida, Coelet naã o estava agindo puramente por conta
proí pria. Se ele, dentro todas as outras pessoas, regressou de maã os vazias, mesmo no manto de
Salomaã o, que esperança resta para os demais (v.12)? 24 Entaã o ele retorna aà s grandes alternativas,
a sabedoria e a loucura, comparando-as e avaliando-as radicalmente. Teria alguma delas uma
resposta para esta busca de alguma coisa final? Eram estes os dois modos de vida que ele
estivera testando nas suas experieê ncias dos versíículos 1:17-2:10, pois ele inclui na “loucura” naã o
apenas a “insensatez” da auto-indulgeê ncia e do cinismo, mas tambeí m a busca do prazer em
qualquer níível, mesmo no mais elevado, como uma fuga dos pensamentos dolorosos que se deve
enfrentar. Isto estava bastante claro na sequeê ncia de 1:18, onde aparece o comentaí rio: “quem
24
A BLH força um pouco a traduçaã o do v.12 dizendo: “Seraí que um rei pode fazer alguma coisa que seja
nova? Naã o. Soí pode fazer o que fizeram os reis que reinaram antes dele.”
aumenta cieê ncia, aumenta tristeza”, o que leva aà firma resoluçaã o: “Vamos! eu te provarei com a
alegria; goza, pois, a felicidade.”
A simples comparaçaã o entre sabedoria e a loucura eí despretensiosa, mas a avaliaçaã o final eí
avassaladora. Nada poderia ser mais oí bvio do que as duas serem comparadas com a luz e as
trevas (vs 13, 14a); mas Coelet tem a sagacidade de lembrar que estas naã o passam de abstraçoã es
e que noí s somos homens. De nada adiantaria nos recomendar o valor maí ximo da sabedoria, se
no fim nenhum de noí s eí capaz de exerceê -la, e muito menos de avaliaí -la. EÉ por isso, naturalmente,
que as realizaçoã es puramente humanas que noí s chamamos de duradouras naã o saã o nada disso.
Como humanos noí s podemos reverenciaí -las deste modo, mas isto apenas porque nos falta a
honestidade de Coelet em ver que passados alguns dias, tudo cai no esquecimento (v.16). ele naã o
tem ilusoã es, sem bem que noí s eí que naã o deverííamos teê -las, noí s que ouvimos dos proí prios
secularistas que o nosso planeta estaí morrendo.
Assim, pela primeira vez no livro (mas naã o a uí ltima, naturalmente), o fato da morte leva a
pesquisa a uma suí bita pausa. Se o mesmo (destino) lhes sucede a ambos (v.14b), e o destino eí a
extinçaã o, todo o homem fica privado, de sua dignidade e todo projeto, de sua finalidade. Vemos
estes dois resultados nos versíículos 14-17 e 18-23.
Quanto aà dignidade do homem, o que eí mais mortificante (que palavra apropriada!)
quanto ao fato de que todos os homens, tanto saí bios tanto tolos (ao que poderííamos acrescentar
“bons e maus”, ” santos e saí dicos” Ou quaisquer outros antoê nimos) haã o de finalmente se igualar
na morte, eí que, se isto eí verdade, a uí ltima palavra acaba ficando com um fato brutal que arrasa
qualquer juíízo de valores que possamos fazer. Tudo pode nos dizer que a sabedoria naã o estaí no
mesmo níível que a loucura, nem o bem com o mal. Mas tanto faz: se a morte eí o fim da linha, a
alegaçaã o de que naã o existe escolha alguma entre elas teraí a sua uí ltima palavra. No final, as
escolhas que positivamente sabemos ser significativas seraã o postas de lado como irrelevantes.
Pelo que aborreci a vida. Se haí uma mentira no centro da existeê ncia, e falta de sentido no
final da mesma, quem tem a coragem de fazer alguma coisa? Se, como poderííamos dizer, todas as
cartas em nossa maã o estaã o trunfadas, que importa como jogamos? Por que tratar um rei com
maior respeito do que um velhaco?
A propoí sito, esta amarga reaçaã o eí um testemunho de nossa capacidade de avaliar a nossa
condiçaã o desobrigando-nos dela. Sentir-se ultrajado diante do que eí universal e inevitaí vel daí a
ideí ia de um descontentamento divino, uma indicaçaã o do que 3:11 vai sabiamente chamar de
“eternidade” na mente do homem. De fato, o versíículo 16 usa esta palavra a fim de lamentar a
falta de qualquer lembrança duradoura do saí bio.
Os versíículos 18-23 consideram um mal menor, mas um mal que pode solapar o espíírito
do seu jeito: a frustrante incerteza de todos os nossos empreendimentos quando escapam ao
nosso controle, como acontece mais cedo ou mais tarde. O homem do mundo dificilmente
objetaria isto, com base em seus proí prios princíípios, contanto que eles durem toda a vida; mas
ainda assim ele se importa, pois compartilha do nosso anseio ííntimo pelas coisas permanentes.
Quanto mais ele lutar durante a sua vida (e os versíículos 22ss. mostram como essa luta pode ser
obsessiva), mais incoê moda seraí a ideí ia de seus frutos irem parar nas maã os de outras pessoas e,
muito provavelmente em maã os erradas. Este eí um outro golpe, jaí percebido antes no capíítulo,
contra a esperança de encontrar realizaçaã o no trabalho duro e nos grandes empreendimentos. O
proí prio sucesso acentua o anticlíímax.
Finalmente uma nota mais alegre se faz ouvir. Talvez nos tenhamos esforçado demais. O
trabalhador compulsivo dos versíículos 22ss., sobrecarregando os seus dias com trabalho e as
suas noites com preocupaçoã es, esqueceu-se das alegrias simples que Deus colocou aà sua
disposiçaã o. A questaã o principal para ele naã o era decidir entre o trabalho e o repouso mas, se ele
soubesse, entre as atividades sem sentido e as significativas. Como o versíículo 24 destaca, o
proí prio trabalho que o tiraniza seria um presente potencialmente cheio de prazer vindo de Deus
(e a proí pria alegria eí um outro presente, v.25), 25 bastando apenas que ele se dispusesse a aceitaí -
los como tal.
Eis aíí outro lado deste “enfadonho trabalho [que] impoê s Deus aos filhos dos homens”
(1:13), pois em si mesmas e corretamente usadas, as coisas baí sicas da vida saã o doces e boas. O
25
As palavras, separado deste (v.25) saã o um acreí scimo apoiado pela LXX. O TM diz “separado de mi”, que
daria um bom sentido apenas se Deus estivesse falando na primeira pessoa. A traduçaã o da ER e da ERC,
“melhor do que eu”, eí inteligíível, mas dificilmente uma traduçaã o aceitaí vel.
alimento, a bebida e o trabalho saã o exemplos delas, e Coelet nos faz lembrar ainda de outras. 26 O
que as estraga eí a nossa aê nsia de extrair delas mais do que podem dar; um sintoma do anseio
que nos diferencia dos animais, mas cujo uso deturpado eí um tema subjacente deste livro.
Assim por um momento, no versíículo 26 o veí u eí levantado para nos mostrar uma outra
coisa aleí m da futilidade. O livro vai terminar com forte eê nfase sobre esta nota positiva; mas, ateí
laí , nesses vislumbres vemos o suficiente para ter a certeza de que haí uma resposta, e que o autor
naã o eí um derrotista. Ele nos desilude para nos chamar aà realidade.
O que ele estaí dizendo neste versíículo final poderia ser lido descuidadamente como uma
claí usula de revogaçaã o para os favoritos de Deus, poupando-os dos riscos materiais que acabam
de ser descritos. A BLH esforça-se para naã o dar esta impressaã o, retirando a palavra “pecador”
(sem motivo), substituindo-a por “os maus” e descrevendo aqueles que agradam a Deus como
simplesmente aqueles “de quem ele gosta” ou “de quem ele gosta mais”. Mas mesmo sem esta
distorçaã o gratuita seria faí cil passar por cima do vital contraste neste versíículo, de um lado os
dons espirituais de Deus que trazem satisfaçaã o (sabedoria, conhecimento, alegria) e que soí
aqueles que lhe agradam podem desejar ou receber, e do outro a frustraçaã o 27 de acumular o que
naã o se pode guardar, que eí a porçaã o escolhida por aqueles que o rejeitam. O fato de que o
estoque do pecador vai parar finalmente nas maã os do justo eí apenas uma ironia final daquilo que
naã o passava de vaidade e correr atrás do vento. E para o justo eí uma reivindicaçaã o final, nada
mais que isso. Tal como acontece com os mansos, que teê m a promessa de herdar a terra, o
tesouro deles estaí em outra parte e eí de outro tipo.

Eclesiastes 3:1-15 -
A tirania do tempo
3: 1 Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu:
2 há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se
plantou;
3 tempo de matar e tempo de curar; tempo de derribar e tempo de edificar;
4 tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria;
5 tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de
afastar-se de abraçar;
6 tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de deitar fora;
7 tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar;
8 tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.
9 Que proveito tem o trabalhador naquilo com que se afadiga?
10 Vi o trabalho que Deus impôs aos filhos dos homens, para com ele os afligir.
11 Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do
homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim.
12 Sei que nada há melhor para o homem do que regozijar-se e levar vida regalada;
13 e também que é dom de Deus que possa o homem comer, beber e desfrutar o bem de todo
o seu trabalho.
14 Sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe pode acrescentar e nada
lhe tirar; e isto faz Deus para que os homens temam diante dele.
15 O que é já foi, e o que há de ser também já foi; Deus fará renovar-se o que se passou.

Talvez “tirania” seja uma palavra forte demais para o moderado fluxo e refluxo descrito
com essas palavras o qual nos leva durante a vida inteira de uma atividade para outra oposta, e
de volta novamente aà quela. A descriçaã o eí agradaí vel, com uma variedade de humor e de açaã o
revelando diferentes ritmos em nossas ocupaçoã es. Agrada-nos o ritmo, pois quem gostaria de
uma primavera perpeí tua (“tempo de plantar”, mas nunca colher), ou quem invejaria o homem de
negoí cios que naã o dorme, que noí s ficamos conhecendo no capíítulo anterior?
No contexto de uma busca de finalidade, no entanto, este movimento de caí para laí e de laí
26
Cf 9:7-10; 11:7-10
27
Trabalho, neste versíículo eí a mesma palavra que aparece na frase de 1:13, “este enfadonho trabalho
impoã es Deus aos filhos dos homens, para nele os afligir”.
para caí naã o eí nada melhor do que o cíírculo vicioso do capíítulo primeiro; e, aleí m disso, traz
consigo suas proí prias consequü eê ncias perturbadoras. Uma delas eí que noí s dançamos ao som de
uma muí sica, ou de muitas delas, que naã o foram compostas por noí s; a segunda eí que nada do que
buscamos tem alguma permaneê ncia. Atiramo-nos a uma atividade qualquer que nos deê
satisfaçaã o, mas com que liberdade a escolhemos? Dentro de quanto tempo estaremos fazendo
exatamente o oposto? Talvez as nossas escolhas nem sejam mais livres do que as nossas reaçoã es
diante do inverno e do veraã o, ou da infaê ncia e da velhice, ditadas pela marcha do tempo e por
mudanças espontaê neas.
Vista desta forma, a repetiçaã o “tempo... e tempo” começa a tornar-se opressiva. Seja qual
for a nossa capacidade e iniciativa, o nosso verdadeiro senhor parece ser a inexoraí vel mudança
das estaçoã es: naã o apenas as que se encontram no calendaí rio como tambeí m aquela mareí de
acontecimentos que ora leva a um determinado tipo de açaã o que nos parece adequado, ora a um
outro que coloca tudo de maneira inversa. Obviamente, pouco temos a dizer das situaçoã es que
nos levam a chorar, a rir, a prantear e a saltar de alegria; mas os nossos atos mais deliberados
tambeí m podem ser condicionados pelo tempo, maã os do que supomos. “Quem diria”, falamos aà s
vezes, “que chegaria o dia em que eu acabaria fazendo tal ou tal coisa, e achando que eí o meu
dever!” Assim, a naçaã o pacifista prepara-se para a guerra; ou o pastor de ovelhas pega a faca para
matar a criatura que ele antes cuidou para que naã o morresse. O colecionador distribui o seu
tesouro; amigos teê m desavenças amargas; a necessidade de falar vem depois da necessidade de
guardar sileê ncio. Nada do que fazemos parece, fica livre desta relatividade e desta pressaã o, quase
uma imposiçaã o, vinda de fora.
Nossa reaçaã o natural seria buscar a realidade em algo aleí m das mudanças, tratando a
esfera das experieê ncias cotidianas como um mero passatempo. Para nossa surpresa, no versíículo
11 Coelet nos faz ver que essas perpeí tuas mudanças naã o saã o algo desordenado, mas um padraã o
deslumbrante e revelador, uma daí diva de Deus. O problema naã o eí que a vida se recuse a ficar
parada, mas sim que noí s soí percebemos uma fraçaã o do seu movimento e do seu plano sutil e
intricado. Em vez da auseê ncia de mudanças, temos ma coisa melhor: um propoí sito dinaê mico e
divino, com um princípio e um fim. Em vez de uma perfeiçaã o congelada temos o movimento
caleidoscoí pico de inuí meros processos, cada um com seu proí prio caraí ter e com seu perííodo de
florescer e amadurecer, formoso no seu devido tempo, contribuindo para a obra-prima total que aí
obra do Criador. Noí s captamos estes momentos brilhantes, mas mesmo aà parte das trevas com
que se entremeiam, eles deixam-nos insatisfeitos devido aà falta de um significado total que
possamos entender. Diferentemente dos animais, absorvidos pelo tempo, noí s queremos veê -los
em seu contexto pleno, pois conhecemos um pouco da eternidade: o suficiente pelo menos para
comparar o efeê mero com o “eterno”. 28 Parecemos algueí m desesperadamente mííope, percorrendo
centíímetro por centíímetro uma grande tapeçaria ou pintura na tentativa de entender o todo.
Vemos o suficiente para reconhecer um pouco de sua qualidade mas o grande desenho se nos
escapa, pois nunca podemos nos afastar o suficiente para veê -lo como o Criador o veê , completo e
por inteiro, desde o princípio até o fim.
Esta incompreensibilidade eí desanimadora para o secularista pensante, mas naã o para o
crente. Ambos podem refugiar-se na vida aproveitando-a ao maí ximo, mas o homem que naã o teê m
feí age no vazio. O versíículo 12 naã o eí taã o fríívolo como talvez pareça em algumas versoã es,l como
na ER a frase final, enquanto viverem, lança uma sombra sobre qualquer empreendimento. Se
nada eí permanente, muito embora grande parte do nosso trabalho vaí sobreviver a noí s, estamos
apenas enchendo o tempo; e disso vamos nos dar conta mais cedo ou mais tarde.
O crente, por outro lado, pode aceitar o mesmo tipo de programa despretensioso, naã o
como um tapa-buraco mas como uma tarefa. EÉ um dom de Deus (v.13), uma porçaã o distribuíída
em nossa vida cujo propoí sito eí conhecido pelo Doador e eí parte de sua obra eterna; pois Deus
naã o faz nada em vaã o. Como o versíículo 14 destaca, os planos divinos saã o diferentes dos nossos e
em nada precisam ser corrigidos ou acrescidos: eles perduram. O eternamente deste versíículo
28
Eternidade (v.11) eí a mesma palavra traduzida por “eternamente” no v.14, mas usada aqui como
substantivo. A LXX a traduz aqui e em outras passagens por aion, o substantivo que daí lugar ao adjetivo
“eterno” no NT. Embora possa ser usada simplesmente em relaçaã o ao tempo passado ou futuro (cf a BLH),
ou em relaçaã o a uma eí poca, o contraste com a palavra tempo (isto eí , estaçaã o) no v.11a aponta para um
sentido mais forte do que fraco neste versíículo. A ERC menciona aqui “o mundo”, usado no sentido arcaico
de uma dispensaçaã o (cf. a frase “mundo sem fim”).
combina com a eternidade colocada no coração do homem (v.11). Participar um pouco disto, por
mais modestamente que seja, eí um escape da “vaidade de vaidades”.
Assim todo o paraí grafo fala coma “bondade” e a “severidade” simultaê neas que
encontramos na conhecida frase de Romanos 11:22: “... para com os que caííram, severidade; mas
para contigo, a bondade de Deus...” O homem ligado aà s coisas da terra, aà luz dos versíículos 14 e
15 e de toda essa seçaã o eí prisioneiro de um sistema que ele naã o consegue quebrar nem sequer
vergar; e por traí s disso estaí Deus na meio de fuga, e nenhum jeito de alijar-se da carga que o
estorva ou incrimina. Mas o homem de Deus ouve estes versíículos sem tais receios. Para ele o
versíículo 14 descreve a fidelidade divina que transforma o temor de Deus em um
relacionamento filial e frutíífero;29 e o versíículo 15 lhe assegura que Deus conhece todas as coisas
de antemaã o, e nada fica esquecido. 30 Deus naã o tem empreendimentos abortivos, nem homens
que ele tenha esquecido. Novamente Coelet demonstra, de passagem, que o desespero que ele
descreve naã o eí o seu proí prio, e nem precisa ser o nosso.
Mas haí muitos outros fatos acerca do mundo que ele precisa destacar. Agora ele volta-se
para o cenaí rio da sociedade humana e a maneira de como noí s exercemos o poder.

Eclesiastes 3:16-4:3 -
A aspereza da vida
3: 16 Vi ainda debaixo do sol que no lugar do juízo reinava a maldade e no lugar da justiça,
maldade ainda.
17 Então, disse comigo: Deus julgará o justo e o perverso; pois há tempo para todo propósito
e para toda obra.
18 Disse ainda comigo: é por causa dos filhos dos homens, para que Deus os prove, e eles
vejam que são em si mesmos como os animais.
19 Porque o que sucede aos filhos dos homens sucede aos animais; o mesmo lhes sucede:
como morre um, assim morre o outro, todos têm o mesmo fôlego de vida, e nenhuma vantagem tem
o homem sobre os animais; porque tudo é vaidade.
20 Todos vão para o mesmo lugar; todos procedem do pó e ao pó tornarão.
21 Quem sabe se o fôlego de vida dos filhos dos homens se dirige para cima e o dos animais
para baixo, para a terra?
22 Pelo que vi não haver coisa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque
essa é a sua recompensa; quem o fará voltar para ver o que será depois dele?
4: 1 Vi ainda todas as opressões que se fazem debaixo do sol: vi as lágrimas dos que foram
oprimidos, sem que ninguém os consolasse; vi a violência na mão dos opressores, sem que ninguém
consolasse os oprimidos.
2 Pelo que tenho por mais felizes os que já morreram, mais do que os que ainda vivem;
3 porém mais que uns e outros tenho por feliz aquele que ainda não nasceu e não viu as más
obras que se fazem debaixo do sol.

Naã o temos aqui propriamente uma mudança de assunto, pois a ideí ia de tempos
estabelecidos e do seu poder sobre noí s continua presente no versíículo 17. Mas o problema da
injustiça eí demasiadamente comovente para ser tratado como simples ilustraçaã o desse tema.
Transforma-se num assunto aà parte por um breve espaço de tempo no capíítulo 4, e vai retornar
de vez em quando em passagens posteriores.31
Primeiramente, entretanto, podemos veê -lo na apresentaçaã o das inversoã es e suí bitas
mudanças de direçaã o da vida, que saã o predominantes no capíítulo 3. Pois se jaí uma coisa que
clama por uma reviravolta eí a injustiça. Eis aíí finalmente alguma coisa obviamente proveitosa
29
Conf Sl 130:4, onde repousa sobre o perdaã o divino.
30
O que se passou considero uma refereê ncia ao passado. O “renovar-se” implica na açaã o de Deus para julgar
ou para restaurar, dependendo da natureza do que eí renovado. Outras interpretaçoã es consideram o que se
passou como uma refereê ncia aà quele que foi perseguido, traduçaã o esta possíível em muitos casos, mas que
dificilmente seria apropriada aqui; ou consideram toda a frase como uma expressaã o da incansaí vel busca
de Deus dos acontecimentos no passado e, novamente, no futuro. A ERC diz: “Deus pede conta do que
passou”.
31
Veja 5:8ss; 8:10-15; 9:13-16; 10:5-7; 10:36ss
nas voltas e viravoltas de nossos negoí cios. O fato de que tudo na terra obedece aà periodicidade
promete um fim ao longo inverno do mal e do desgoverno. Reforça convicçaã o puramente moral
de que Deus julgará (v.17), sabendo que para este acontecimento, como para tudo o mais, ele jaí
designou uma eí poca adequada.
Isso eí muito bom, achamos noí s; mas por que a demora? Por que agora ainda naã o eí o tempo
adequado para a justiça universal? A essa pergunta naã o enunciada, os versíículos 18ss. daã o uma
resposta tipicamente dura, considerando que a nossa primeira necessidade naã o eí ensinar a Deus
o que ele deve fazer, mas aprender a verdade acerca de noí s mesmos, uma liçaã o que noí s somos
muito lentos em aceitar. (Mesmo o seí culo vinte nos encontra ainda muito inclinados a negar a
nossa maldade inata.) Portanto, quando o versíículo 18 diz para que Deus os prove (ou melhor, os
desmascare)32 e eles vejam que são em si mesmos como animais, ficamos profundamente
chocados. EÉ verdade que o “como os animais” da ERAB eí questionaí vel. 33 Mas temos de admitir
que totalmente aà parte de nossas tendeê ncias par a crueldade e para a sordidez, que nos colocam
em uma categoria ainda mais inferior, haí pelo menos dois fatores que daã o respaldo aà acusaçaã o: a
inclinaçaã o para a ganaê ncia e para a esperteza em nossos negoí cios (que eí o assunto em discussaã o,
versíículo 16), e a mortalidade que os homens partilham com todas as criaturas da terra. O
primeiro destes tristes fatos reaparece no proí ximo capíítulo; o segundo ocupa o restante deste e
recebe influeê ncias de outras partes do Antigo Testamento. o versíículo 20, que nos apresenta o
homem em sua caminhada do poí para o poí , como em Geê nesis 3:19, confronta-nos com a Queda e
coma ironia de que morremos como os animais porque nos imaginaí vamos deuses.
Mas existe em noí s alguma coisa que sobreviva a morte? Do seu ponto de vista privilegiado,
Eclesiastes soí pode responder: Quem sabe?34 O foê lego de vida, ou o espírito,35 nestes versíículos eí
a vida que Deus daí tanto aos animais quanto aos homens, e cuja retirada resulta na morte, como
diz o Salmo 104:29ss. Estaí claro que pelo menos isso temos em comum com os animais; mas se
“espíírito” implica em alguma coisa eterna para noí s, ningueí m pode chegar a uma conclusaã o
apenas pela observaçaã o do texto aqui.36
Mas o eco do Salmo49, aquele que faz a mesma comparaçaã o entre os homens e os animais,
nos faz lembrar que haí uma resposta. O homem de feí pode dizer: “Mas Deus remiraí a minha alma
do poder da morte, pois ele me tomaraí para si” (Sl 49:15). EÉ o homem “em sua ostentaçaã o”, o
homem sem entendimento, que eí “como os animais, que perecem”; 37 e este eí o homem com o
qual Eclesiastes se preocupa.
Para tal pessoa o versíículo 22 oferece o melhor que pode dar: a satisfaçaã o temporaí ria de
executar bem o seu trabalho. Naã o eí coisa de se desprezar. A possibilidade eí um legado de um
mundo bem criado, como esclarece o versíículo 13. Tudo o que estaí faltando (mas eí virtualmente
tudo) seraí a satisfaçaã o de aceitar esse trabalho como um dom do Criador (veja acima, versíículo
32
A palavra para “provar” jaí parece ter o seu sentido posterior de “trazer aà luz” (conf McNeile pg 64)
33
O texto naã o precisa dizer nada mais aleí m disso, que os homens agem como os animais, ou que saã o
animais em certos sentidos indicados pelo contexto. Este versíículo, um tanto difíícil diz: “... para que Deus
os prove (ou os exponha, veja nota anterior), e eles vejam que saã o em si mesmos como os animais.” No Sl
14:2 quem veê a situaçaã o dos homens eí Deus; aqui, ao contraí rio, o sujeito saã o as pessoas envolvidas (“e eles
vejam”); mas uma mudança de vogal daria “mostrar” (como diz a BJ e a maioria das traduçoã es modernas
seguindo a LXX ET AL.). As palavra “em si mesmos” foram interpretadas como erro de copista, uma vez
que “animais” e “eles “ saã o palavras semelhantes; ou significando “entre si” (“denunciaí -los e mostrar que
saã o animais uns para os outros”, BJ); ou, “de sua parte”; ou “em si mesmos” (Delitzsch). Eu me inclino a
aceitar Delitzsch ou a BJ.
34
Haí versoã es, como a ERAB, que traduzem o versíículo 21 como sendo uma afirmaçaã o implíícita: “Quem
sabe que o foê lego de vida (ou o espíírito) dos filhos dos homens se dirige para cima”, etc. A vogal hebraica
no começo de “se dirige” favorece esta versaã o (embora naã o de maneira exclusiva: veja o hebraico de, por
exemplo, Nm 16:22; Lv 10:19), mas o hi que vem a seguir comprova o contraí rio. O ponto de vista
geralmente defendido por Coelet, e o presente contexto em particular, apoí iam a traduçaã o da ER: “Quem
sabe se... ?”
35
Ambas saã o traduçoã es de ruah aqui (19, 21). Em Gn 2:7 foi usada uma palavra diferente para o haí lito da
vida que foi soprado nas narinas do homem no ato da criaçaã o.
36
AÀ primeira vista, Ec 12:7 responde a esta pergunta. Mas naã o eí preciso dizer mais do que foi dito em Sl
104:29ss., que Deus daí e retira o haí lito da vida de suas criaturas quando quer.
37
Veja Sl 49:12,14,15 e 20. A ER e a BLH roubam do salmo o seu clíímax, fazendo o versíículo 20
simplesmente repetir o v.12, quando no texto hebraico (e tambeí m na ERAB) haí a frase: “O homem... sem
entendimento”.
13), e ofereceê -lo a ele.
Com o capíítulo 4:1-3 retornamos aà s opressões que se fazem debaixo do sol, assunto
abordado em 3:16. A passagem eí taã o curta quanto dolorosa, pois se naã o haí um meio de acabar
com estas coisas (como na verdade ao existe, no tempo presente), pouco se pode acrescentar aos
amargos fatos do versíículo 1 aleí m do lamento dos versíículos 2 e 3. Talvez achemos que esta
atitude seja derrotista, pois sempre haí muita coisa que pode ser feita pelos que sofrem, quando
queremos fazeê -lo. Mas esta objeçaã o dificilmente seria honesta. Coelet estaí observando a cena
como um todo, e ele pode muito bem retrucar que apoí s cada intervençaã o concebíível ainda
restariam inumeraí veis bolsoã es de opressaã o nas “moradas de crueldade” 38 – o suficiente para
fazer os anjos chorarem, se naã o os homens. Ele poderia acrescentar que naã o haí coincideê ncia
alguma no fato de o poder se encontrar do lado do opressor, uma vez que eí o poder que mais
rapidamente desenvolve o haí bito da opressaã o. Paradoxalmente, ele limita a possibilidade de uma
reforma, porque quanto mais controle o reformador tiver, maior a tendeê ncia para a tirania.
Assim um outro aspecto da vida terrena foi apresentado; e nada haí mais triste em todo o
livro do que a melancoí lica alusaã o, nos versíículos 2 e 3, aos mortos e aos que ainda naã o nasceram,
que saã o poupados da visaã o de tanta anguí stia. Isto eí apropriado, pois embora de um modo geral
Eclesiastes esteja preocupado com a frustraçaã o, aqui ele se ocupa como reino do mal, e como mal
em sua chocante forma de crueldade. Se a melancolia de Coelet nos choca excessivamente neste
ponto, talvez devamos nos perguntar se a nossa visaã o mais otimista brota da esperança e naã o da
complaceê ncia. Se noí s, os cristaã os, vemos mais aleí m do que ele se permitiu, naã o haí motivos para
nos pouparmos das realidades do presente.

Eclesiastes 4:4-8 -
Corrida desenfreada
4: 4 Então, vi que todo trabalho e toda destreza em obras provêm da inveja do homem
contra o seu próximo. Também isto é vaidade e correr atrás do vento.
5 O tolo cruza os braços e come a própria carne, dizendo:
6 Melhor é um punhado de descanso do que ambas as mãos cheias de trabalho e correr atrás
do vento.
7 Então, considerei outra vaidade debaixo do sol,
8 isto é, um homem sem ninguém, não tem filho nem irmã; contudo, não cessa de trabalhar,
e seus olhos não se fartam de riquezas; e não diz: Para quem trabalho eu, se nego à minha alma os
bens da vida? Também isto é vaidade e enfadonho trabalho.

Nesta pequena amostra de atitudes para com o trabalho somos lembrados de alguns
extremos, estranhos mas familiares. Primeiro, a aê nsia competitiva. O versíículo 4 naã o deve sofrer
tanta pressaã o, pois este escritor, como qualquer outro, deve ter a liberdade de apresentar os seus
pontos com vigor. Poderemos tergiversar, se quisermos, lembrando-nos de pessoas tais como os
paí rias solitaí rios ou os lavradores necessitados, que lutam simplesmente pela sobreviveê ncia, ou
aqueles artistas que realmente amam a perfeiçaã o por amor a ela; mas permanece o fato de que
grande parte de nosso trabalho aí rduo e de nosso grande esforço estaí misturada aà aê nsia de
eclipsar os outros ou de naã o ser eclipsado. Ateí mesmo na rivalidade entre amigos isto exerce um
papel maior do que possamos imaginar, pois podemos ateí aguü entar se ultrapassados por algum
tempo e por determinadas pessoas, mas naã o com tanta regularidade nem taã o profundamente.
Sentir-se um fracasso eí descobrir na alma a inveja que Coelet detecta aqui, em sua pateí tica forma
de ressentimentos acalentados e queixumes autopiedosos. 39
O segundo retrato (v.5) eí pequeno e apresenta o extremo oposto: o indolente. Ele despreza
essas rivalidades freneí ticas. Mas recebe o seu verdadeiro nome, tolo, pois a sua ineí rcia eí igual e

38
Cf. Sl 74:20 (ERC)
39
McNeile destaca que o Heb. Deste versíículo simplesmente faz da inveja o predicado do trabalho e da
destreza, isto eí : “Entaã o vi que... correspondia aà inveja, etc”. Sendo incitado por ela e sendo um resultado
dela. Muitas traduçoã es modernas (tais como a ERAB, a ER e a BLH) fazem da inveja o incentivo para o
sucesso; e outras (como a ERC) fazem dela o efeito das realizaçoã es sobre os outros; o Heb. Deixa em aberto
essas duas possibilidades.
oposta ao erro dos outros. Ele eí o quadro da complaceê ncia e da autodestruiçaã o inconsciente, pois
este comentaí rio sobre ele destaca um prejuíízo mais profundo do que o desperdíício do seu
capital. Sua preguiça, aleí m de acabar com o que ele tem, acaba tambeí m com o que ele eí : destroí i o
seu autocontrole, o seu senso de realidade, a sua capacidade de se cuidar e, finalmente, o seu
auto-respeito.
A estas duas formas infelizes de viver o versíículo 6 apresenta uma alternativa sadia. A bela
expressaã o um punhado de descanso consegue transmitir a dupla ideí ia de desejos modestos e paz
interior: uma atitude taã o distante da indoleê ncia egoíísta do tolo quanto da luta desordenada do
diligente em busca da preemineê ncia.
“Dá-me a minha concha de quietude,
Meu cajado de fé para me apoiar,
Minha dieta imortal de alegria,
Meu cântaro de salvação,
Minha veste de glória, real penhor da esperança,
E assim vou iniciar
A minha peregrinação”40
Mas se eí que existe algo mais opressor do que a inveja, eí o haí bito, quando este se
transforma em fixaçaã o. Os versíículos 7e 8 descrevem o manííaco ganhador de dinheiro como
algueí m completamente desumanizado, que se entregou aà mera ganaê ncia e ao processo infindaí vel
de alimentaí -la. Subitamente o escritor identifica-se com tal homem, e nos leva a fazer o mesmo,
atraveí s da pergunta: Para quem trabalho eu...? estas palavras aparecem sem serem anunciadas,
como se expressassem o que a vida toda desse homem estaí dizendo. Embora, a bem da clareza,
estejamos examinando aqui a vida de um homem sem famíília, podemos imaginar que a sua
solidaã o naã o seja acidental e que, aleí m disse, ele naã o tenha amigos, vivendo como vive na sua
rotina. Mesmo que tenha esposa e filhos, ele tem pouquííssimo tempo para lhes dedicar,
convencido de que estaí lutando em benefíício deles, embora o seu coraçaã o esteja em outro lugar,
dedicado e enredado em seus projetos.
AÀ semelhança da rivalidade invejosa descrita no versíículo 4, este quadro de uma vida de
negoí cios solitaí ria e sem sentido poã e em cheque qualquer argumentaçaã o quanto aà s beê nçaã os do
trabalho duro. Naã o eí aqui que jaz a resposta para a frustraçaã o,e muito menos na indoleê ncia do
versíículo 8. Neste ponto Coelet parece fazer uma pausa em sua busca das coisas duradouras da
vida, o que nos daí oportunidade de olhar para traí s e tornar a examinar o caminho que jaí
percorremos com ele.

Primeiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 1:1-4:8
Ateí agora, em nossa perspectiva o cenaí rio terreno, examinamos o que o mundo pode
oferecer em quatro ou cinco diferentes nííveis. Começamos com uma impressaã o de sua total
inquietude, as repetiçoã es infinitas e inconclusivas que se acham na natureza e no cenaí rio
humano (1:1-11). Depois consideramos as satisfaçoã es dos diferentes estilos de vida, racionais e
irracionais, fríívolos e austeros: os prazeres da arte e do trabalho, da construçaã o para o futuro
(1:12-2:26). Se alguns deles teê m alguma coisa para dar, nenhum sobrevive ao teste decisivo da
morte. Para encontrar alguma coisa que o tempo naã o desfaça, temos de procurar em outro lugar.
Mas o tempo, como foi apresentado no capíítulo 3, aleí m de ser inexoraí vel, tambeí m nos faz flutuar
ao sabor de mareí s e correntezas que saã o mais fortes do que noí s. Naã o somos donos de nossas
circunstaê ncias: nem sequer podemos nos orientar dentro delas.
Uma nota mais sinistra insinua-se em 3:16 com o tema da tirania humana e sua crueldade.
EÉ o fato amargo que faz da morte, mesmo no momento de maior desespero, naã o mais o uí ltimo
inimigo, como a vimos no capíítulo 2, mas o uí ltimo amigo que nos resta.
Finalmente vimos, em 4:4-8, naã o os perdedores nesta luta humana, mas os aparentes
ganhadores e sobreviventes: aqueles que conseguiram ser por ela ou em si mesmos totalmente
absorvidos. Ao que parece, estes entraram em um acordo com a vida. Mas seraí que receberam
um preê mio duradouro? E seraí que a sua maneira de obteê -lo poderia enfrentar uma inspeçaã o? A
40
Sir Walter Raleigh, “His Pilgrimage” (Sua Peregrinaçaã o)
expressaã o “corrida desenfreada” resume a ideí ia principal destes versíículos: uma rivalidade
freneí tica em um dos extremos, uma desastrosa escolha no outro; e para os poucos que obteê m
sucesso, uma vida dedicada aà consecuçaã o de preê mios e mais preê mios sem significado algum.
Apoí s esta avaliaçaã o inclemente, seraí um alíívio voltarmo-nos um pouco de nossa busca
desesperada por algo duradouro, para assuntos mais corriqueiros, pois a vida continua enquanto
buscamos, e haí maneiras melhores e piores de viveê -la. Pelo menos neste ponto podemos ser
saí bios!
Para começar, podemos ser mais sensííveis do que os solitaí rios e obsessivos ganhadores de
dinheiro que acabamos de considerar; e um padraã o mais saí bio do que o deles seraí o primeiro
assunto dos comentaí rios que se seguem acerca da vida.

Eclesiastes 4:9-5:12 -
Interlúdio: Algumas reflexões, máximas e verdades

Companheirismo
4: 9 Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho.
10 Porque se caírem, um levanta o companheiro; ai, porém, do que estiver só; pois, caindo,
não haverá quem o levante.
11 Também, se dois dormirem juntos, eles se aquentarão; mas um só como se aquentará?
12 Se alguém quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão de três dobras não
se rebenta com facilidade.

Tendo examinado a pobreza do “solitaí rio”, por maior que seja o seu sucesso exterior, agora
vamos refletir sobre algo melhor; e melhor aqui seraí uma palavra-chave (4:9,13; 5:1,5), o que
acontece com muita frequü eê ncia na avaliaçaã o de valores pelos escritores da Sabedoria.
As ideí ias saã o simples e diretas; aplicam-se a muitas formas de companheirismo, inclusive
(embora naã o explicitamente) ao casamento. Com uma brevidade graciosa elas descrevem o
proveito, a elasticidade, o conforto 41 e a força que existem em uma verdadeira aliança; e por isso
vale a pena aceitar suas exigeê ncias. Embora tais exigeê ncias naã o estejam explíícitas aqui,
dificilmente terííamos de expor os benefíícios do companheirismo se este naã o envolvesse algum
custo. Um preço oí bvio eí a independeê ncia da pessoa: uma vez comprometida, ela tem de
consultar os interesses e a convenieê ncia da outra, ouvir-lhe as ideí ias, ajustar-se ao seu modo de
andar e estilo de vida, e cumprir com as promessas. Quanto aà s recompensas, saã o todas benefíícios
conjuntos: um parceiro nunca haveraí de explorar o outro.
O cordão de três dobras talvez seja um lembrete de que o verdadeiro companheirismo tem
mais de uma forma. Embora os nuí meros, quando erradamente entendidos, possam ser divisivos
e desastrosos (veja o versíículo 11), na sua forma certa, aleí m de acrescentarem algo aos
benefíícios da uniaã o, tambeí m se multiplicam. Um exemplo oí bvio deste enriquecimento, e o
predileto dos pregadores, eí a força de um casamento, ou de qualquer aliança humana, quando
Deus eí o fio mestre que faz com eles o cordaã o triplo. Mas talvez o escritor estivesse pensando
mais nesta metaí fora em termos puramente humanos, de modo que, se aplicada ao casamento, o
terceiro fio seria mais apropriadamente os filhos, com tudo o que eles acrescentam aí qualidade e
aà força do laço original. Mesmo assim provavelmente estejamos sendo mais especííficos do que
ele pretendia que foê ssemos.

Aplausos populares
4: 13 Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa
admoestar,
14 ainda que aquele saia do cárcere para reinar ou nasça pobre no reino deste.
15 Vi todos os viventes que andam debaixo do sol com o jovem sucessor, que ficará em lugar
do rei.
41
O versíículo 11 poderia aplicar-se ao casamento, mas possivelmente aplica-se mais aos viajantes que
dormem ao relento. Barton observa que “as noites na Palestina saã o frias..., e o viajante solitaí rio dorme aà s
vezes unto de sua montaria para se aquecer na falta de outra companhia.”
16 Era sem conta todo o povo que ele dominava; tampouco os que virão depois se hão de
regozijar nele. Na verdade, que também isto é vaidade e correr atrás do vento.

Este paraí grafo tem pontos obscuros, mas descreve uma coisa bastante familiar na vida
puí blica: a popularidade efeê mera dos grandes. Apresenta as faltas de ambos os lados, começando
com a teimosia do homem haí muito tempo montado na sela, que ao se deixa tocar e que jaí naã o
tem mais a simpatia da nova geraçaã o, esquecido de como eí ser jovem, fogoso e impaciente, como
ele mesmo jaí foi.42 Haí muita semelhança com Davi no começo e no final de sua vida, para que
reflitamos no fato de que os melhores homens podem acabar assim sem que o percebam. MS o
retrato naã o tema intençaã o de ser histoí rico.
Pode acontecer que um homem melhor o suplante e venha a ser melhor se tiver as
qualidades certas, ainda que lhe falte idade ou posiçaã o, como o versíículo 13a destaca. Coelet,
com o seu jeito de nos presentear uma cena vivamente colorida, descreve a enorme massa de
homens, e a veê do lado43 do receí m-chegado, que eí jovem, sendo ela em quantidade incontaí vel.
Ele mesmo acaba seguindo o caminho do velho rei, naã o necessariamente pelas faltas que
comete, mas simplesmente porque o tempo e a familiaridade, assim como a inquietude dos
homens, acabam por fazeê -lo perder o interesse. Ele atingiu o pinaí culo da gloí ria humana apenas
para ser abandonado ali. Este eí contudo mais um processo de degradaçaã o humana, das
realizaçoã es que finalmente se revelam vazias.

Conversa piedosa
5: 1 Guarda o pé, quando entrares na Casa de Deus; chegar-se para ouvir é melhor do que
oferecer sacrifícios de tolos, pois não sabem que fazem mal.
2 Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra
alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas
palavras.
3 Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias.
4 Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de
tolos. Cumpre o voto que fazes.
5 Melhor é que não votes do que votes e não cumpras.
6 Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus
que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as
obras das tuas mãos?
7 Porque, como na multidão dos sonhos há vaidade, assim também, nas muitas palavras; tu,
porém, teme a Deus.

Prosseguindo com um interluí dio de retratos, Coelet volta aos olhos observadores para o
homem como adorador. Tal fomo os profetas, ele insiste na sinceridade nesta aí rea; mas o seu
tom eí calmo, embora suas palavras sejam afiadas com a navalha. Enquanto os profetas proferem
com veemeê ncia suas invectivas contra os maus e os hipoí critas, o alvo do escritor eí a pessoa bem
intencionada que gosta de cantar e de ir aà igreja, mas que ouve com um ouvido soí e nunca faz o
que se propoã e fazer para Deus.
Esse homem esqueceu-se de onde estaí e de quem ele eí ; acima de todas as coisas,
esqueceu-se de quem Deu seí . A palavra tolo(s), vaí rias vezes repetida eí denunciadora, pois ser
negligente com Deus eí um mal (v.1), uma culpa (v.6) e uma provocaçaã o que naã o ficaraí impune
(v.6b). se noí s nos sentirmos tentados a deixar isto de lado por ser parte da severidade do Antigo
Testamento, o Novo Testamento vai nos deixar desconcertados com suas adverteê ncias contra
palavras piedosas sem significado, ou para com a nossa maneira de lidar levianamente com as

42
As opinioã es diferem quanto aà quele que conheceu a prisaã o e a pobreza (v.140: se eí o rei velho (como eu
penso) ou se eí o jovem nobre e sábio que o suplanta. Se eí este uí ltimo, entaã o o versíículo 15 apresenta-o
espoliado por sua vez, jaí que o jovem eí literalmente “o segundo jovem”; ou “o jovem sucessor”, (como
traduzido na ERAB) isto eí , o jovem rival do velho rei.
43
A expressaã o literal eí “com o jovem”. “Com” pode significar tanto “assim como” ou “junto com”. Este uí ltimo
sentido nos prepara melhor para a preemineê ncia que o jovem desfruta no versíículo seguinte. Jaí a BLH
desperta um interesse maior, parafraseando: “Eu pensei em todas as pessoas que vivem neste mundo e
imaginei que existe, entre elas, em algum lugar, um moço que tomara o lugar do rei”; mas eí ir longe demais.
coisas sagradas (Mt 7:21ss.; 23:16ss.; 1Co 11;27ss.). nenhuma eê nfase na graça pode justificar
qualquer tomada de liberdades com Deus, pois no proí prio conceito da graça existe gratidaã o; e a
gratidaã o naã o pode ser negligente.
Ao repassarmos estes versíículos com mais cuidado, somos advertidos nas primeiras
palavras (com o equivalente aà nossa expressaã o “Cuidado!”), de como Deus se esmerou em
guardar o limiar de sua porta aqui na terra nos tempos antigos, ateí mesmo com a ameaça de
morte (“para que naã o morram nelas, ao contaminar o meu tabernaí culo”, Lv 15:31). Num certo
níível, isto nos torna claro o preço de nossa admissaã o no “santuaí rio celestial” e a pureza que eí
exigida de noí s (“pelo sangue de Jesus... purificados... e lavado o corpo com aí gua pura”, Hb
10:19ss), enquanto em um outro níível nos faz entender a consideraçaã o que deverííamos ter para
com a igreja de Deus, o templo vivo.44
Ouvir (v.1b) tem uma força dupla no hebraico: prestar atençaã o e obedecer. Portanto esta
adverteê ncia nos lembra as famosas palavras de Samuel: “Eis que o obedecer eí melhor do que
sacrificar” (1Sm 15:22). Aqui, entretanto, o culto inexpressivo naã o eí premeditado; o pecado eí
mais do tolo45 do que do velhaco, se eí que isso melhora a situaçaã o! Coelet dificilmente nos
encorajaria a pensar assim: o seu lembrete de que Deus não se agrada de tolos (v.4) eí uma
observaçaã o taã o calmamente esmagadora quanto qualquer outra do livro.
Dois proveí rbios destacam a questaã o ligando a conversa dos tolos coma irrealidade dos
sonhos. O elo eí um tanto impalpaí vel no versíículo 3, e menos ainda no versíículo 7, onde os
sonhos parecem ser divagaçoã es que reduzem o culto a um ato puramente mecaê nico. O versíículo
3 parece significar que, pela sua proí pria quantidade, o excesso de palavras acaba em asneiras,
exatamente como o excesso de trabalho acaba em pesadelos. 46 Tais palavras nos confrontam com
o fato de que os tolos naã o saã o um determinado tipo de pessoas, mas sim pessoas que se
comportam de um determinado jeito. No contexto do culto, eí como despejar uma avalanche de
frases piedosas que zombam de nosso Soberano (v.2) e ultrapassam nossos verdadeiros
pensamentos e intençoã es. Se formos eventualmente interrogados sobre o que dissemos na igreja,
nossas justificativas soaraã o taã o defeituosas quanto as palavras de um gozador ou de um
mentiroso.47
Predadores oficiais
5: 8 Se vires em alguma província opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da
justiça, não te maravilhes de semelhante caso; porque o que está alto tem acima de si outro mais
alto que o explora, e sobre estes há ainda outros mais elevados que também exploram.
9 O proveito da terra é para todos; até o rei se serve do campo.

Assim continuam as reflexoã es sobre como enfrentar as condiçoã es da vida de maneira


realista. Agora, Coelet passa a fazer uma avaliaçaã o da burocracia. O quadro, senaã o eí de todo
universal, naã o deixa de ser bastante familiar. O vislumbre desse panorama de autoridades sugere
possibilidades de subterfuí gios kafkanianos, para desconcertar o cidadaã o que insiste em seus
direitos: ele pode acabar sendo obstruíído e derrotado. Quanto aà responsabilidade mora, ela pode
ser deixada de lado com a mesma facilidade. Cada funcionaí rio pode acusar o sistema, enquanto
as autoridades maí ximas governam a uma distaê ncia infinita das vidas que afetam. Mas Coelet
destaca outro aspecto da burocracia: sua autoconcentraçaã o predatoí ria, cada funcionaí rio
mantendo um olho malicioso sobre aquele que o segue na lista. 48 Delitzsch descreve este
44
Cf 1Co 3:16ss.; Ef 2:19ss.; 1Pe 2:5
45
Sacrificio de tolos daí o sentido exato, mas a frase eí mais exatamente “eí melhor do que os sacrifíícios que
os tolos poderiam oferecer” (McNeile)
46
Uma alternativa sugerida eí que um sonho consiste de (“vem na forma de”) muitos trabalhos (isto eí , uma
torrente de acontecimentos e imagens), e a voz de um tolo consiste de uma torrente de palavras. Barton
inclina-se para esta sugestaã o de T. Tyler, mas duvida que trabalho possa ter este significado.
47
O mensageiro do versíículo 6 tem sido interpretado de diversas maneiras: como “o anjo” (cf. a ERC e a ER)
pois a lííngua Heb. Naã o distingue entre os mensageiros terrestres e celestes; como sacerdote (BLH; cf. Ml
2:27); como um funcionaí rio do templo enviado para cobrar díívidas e impostos; e como o proí prio Deus (cf
a expressaã o “o anjo do Senhor”, usada neste sentido). Seja qual for o sentido, o ponto em questaã o eí o
pecado que a sua chegada denuncia.
48
A ERC torna o V.8b um tanto ameno (“porque o que mais alto eí do que os altos para isso atenta”), mas a
ER acha-se mais proí xima do hebraico literal (“Pois quem estaí altamente colocado tem superior que o vigia;
e haí mais altos ainda sobre eles”). O plural “mais altos” poderia ser um plural de majestade e referir-se ao
processo no antigo impeí rio persa! “O saí trapa ficava na liderança dos governadores de estado.
Em muitos casos, ele espoliava a provííncia em seu proí prio proveito. Mas acima do saí trapa
ficavam os inspetores, que frequü entemente faziam a sua proí pria fortuna atraveí s de denuí ncias
fatais; e acima de todos ficava o rei, ou melhor, a corte, com rivalidades intrigantes entre os
cortesaã os e as mulheres reais.”49 Naã o eí de admirar que o cidadaã o da base de uma tal estrutura
achasse que a justiça era um luxo que ele naã o podia almejar.
De acordo com o ponto de vista do livro, o comentaí rio sobre o assunto eí seco e realista.
Afinal, se estamos considerando o mundo em seus proí prios termos de completo secularismo,
naã o podemos esperar ser a moral muito elevada quer do sistema que encontramos no poder,
quer de qualquer outra parte. Com todo este oí dio contra a injustiça, Coelet naã o coloca
esperanças em algum esquema utoí pico ou em uma revoluçaã o. Ele sabe o que existe dentro do
homem.
Por isso o seu primeiro comentaí rio eí não te maravilhes de semelhante caso, e acaba
concluindo que ateí mesmo a tirania eí melhor do que a anarquia. O destaque do versíículo 9 50
parece ser que nada se ganharia caso se retornasse aà estrutura simples dos velhos dias noê mades.
Um paíís desenvolvido precisa da força de um governo central, mesmo envolvendo o fardo do
funcionalismo.

Dinheiro
5: 10 Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta
da renda; também isto é vaidade.
11 Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem; que mais
proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?
12 Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas a fartura do rico não o
deixa dormir.

O assunto destas reflexoã es eí um dos mais constrangedores para noí s, como Jesus deu a
entender ao advertir-nos contra o fazer de mamom um segundo Deus. Os treê s ditados expressam
o fato como ele realmente eí , destacando a aê nsia que ele gera, os parasitas que atrai e a dispepsia
que eí a sua tíípica recompensa.
O versíículo 10 eí um claí ssico sobre o amor ao dinheiro, um bom companheiro de 1 Timoí teo
6:9ss. com suas famosas palavras acerca das consequü eê ncias morais e espirituais desse amor.
Aqui o interesse eí psicoloí gico, embora a observaçaã o final, também isto é vaidade, nos deê a liçaã o
maí xima que devemos aprender. A gana implacaí vel que desperta eí muito oí bvia no jogador, no
magnata e no bem-pago materialista que nunca tem o suficiente, pois o amor ao dinheiro cresce
na proporçaã o com que eí alimentado. Mas essa gana pode apresentar-se de maneira mais sutil, na
forma de um descontentamento geral: um desejo naã o necessariamente de mais dinheiro, mas de
satisfaçaã o interior. Se existe coisa pior do que o víício gerado pelo dinheiro eí o vazio que ele deixa
na vida das pessoas. O homem, com a eternidade no coraçaã o, precisa de um alimento melhor do
que esse.
O segundo dos treê s ditados (versíículo 11) parece referir-se naã o apenas aà complexa
instituiçaã o que de certa forma cresce com o aumento da riqueza, mas tambeí m ao enxame de
parasitas. Sobre estes haí uma profecia tragicoê mica em Isaíías 22:23ss., que promete um alto
cargo a um certo cortesaã o, mas adverte-o de que vai se ver desastrosamente sobrecarregado:
“Nele penduraraã o toda responsabilidade da casa de seu pai”, aqueles que buscam numa posiçaã o;
e o profeta, entusiasmando-se com o assunto, descreve tal homem como um cabide em que se
pendurou quase a metade dos utensíílios da cozinha, ateí que o cabide e tudo o que conteí m vem
abaixo. Nesse versíículo, poreí m, naã o temos tal clíímax; apenas a ironia de ter de viver o proí prio

rei ou a Deus; mas neste caso, deveria ser expresso com maior clareza. Quanto ao verbo, “vigia” implica em
proteçaã o; mas tambeí m pode ter um sentido hostil (“explora”) como na ERAB (cf 1Sm 19:11)
49
Delitzsch, ad loc.
50
Nenhuma traduçaã od este versíículo recebeu aprovaçaã o geral. Alguns comentaristas encontram nele o
louvor a um rei que, tal como Uzias, gostava da lavoura; outros veê em que ateí mesmo um deí spota depende
do solo (cf. ERAB, ER, ERC, BLH). Algumas destas variaçoã es surgem com a possibilidade de se anexar a
palavra “servir” tanto ao “rei” como (no sentido de “cultivado”) ao “campo”. A pontuaçaã o massoreí tica
indica este uí ltimo caso.
prestíígio e um pouquinho mais.
O terceiro ditado sobre o dinheiro (v.12) tem como exemplo qualquer situaçaã o em que a
riqueza e a indulgeê ncia daã o-se as maã os. Aqui o rico naã o consegue dormi,naã o por causa do
excesso de trabalho, como em 2:23, ou devido aà preocupaçaã o, como daí a entender a BLH (“o rico
se preocupa tanto com as coisas que possui, que nem consegue dormir”). Naã o, simplesmente eí
porque come demais, como bem coloca a ER (“a saciedade do rico...”).
Sejam quais forem os desconfortos do trabalhador, este ele naã o teraí . E sejam quais forem
os fardos que Adaã o recebeu na Queda, havia na sentença uma dura misericoí rdia: “No suor do
rosto comeraí s o paã o”. Quanto a isto, haí um comentaí rio inconsciente nos nossos modernos
aparelhos de fazer exercíícios e nas academias de sauí de, pois eles saã o um dos nossos absurdos
humanos: jogamos fora dinheiro e esforço apenas para desfazer os estragos causados pelo
dinheiro e pelo conforto.

Eclesiastes 5:13-6:12 -
A amargura do desapontamento

No capíítulo quarto, e na metade deste capíítulo quintaã o de Eclesiastes, ocupamo-nos mais


com o viver de maneira sensata no mundo como o encontramos (inclusive no mundo de nossas
obrigaçoã es religiosas) do que com a preocupaçaã o quanto a se estamos conseguindo alguma coisa
ou naã o. O problema ainda continua, refletido duas vezes no comentaí rio “tambeí m isto eí vaidade”
(4:16; 5:10); agora ele torna-se novamente o centro das atençoã es enquanto Coelet cita algumas
das amargas anomalias da vida. Ele conclui o capíítulo6 – e com isso a primeira metade do livro –
enfatizando a pergunta que aparentemente jaí havia respondido antes: “Pois quem sabe o que eí
bom para o homem... debaixo do sol?”

O choque
5: 13 Grave mal vi debaixo do sol: as riquezas que seus donos guardam para o próprio dano.
14 E, se tais riquezas se perdem por qualquer má aventura, ao filho que gerou nada lhe fica
na mão.
15 Como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará, indo-se como veio; e do seu trabalho
nada poderá levar consigo.
16 Também isto é grave mal: precisamente como veio, assim ele vai; e que proveito lhe vem
de haver trabalhado para o vento?
17 Nas trevas, comeu em todos os seus dias, com muito enfado, com enfermidades e
indignação.

Um exemplo em miniatura coloca-nos agora face a face com a frustraçaã o; este autor
prefere nos apresentar exemplos da proí pria vida e naã o apenas abstraçoã es. Aqui, entaã o, temos um
homem que perde todo o seu dinheiro de um soí golpe, deixando a famíília desamparada. Isto ateí
teria sentido se fosse um castigo para negoí cios ilíícitos (“os bens que facilmente se ganham” e que
merecem desaparecer, Pv 13:11), ou se fosse a fortuna ganha em jogos de azar 51 em vez das
economias de um pai de famíília; ou, entaã o, se fosse dinheiro perdido no jogo e naã o um fracasso
nos negoí cios.52 Mas, na verdade, trata-se de dinheiro ganho com trabalho e preocupaçoã es. A vida
dele foi duplamente desperdiçada, primeiro ganhando, depois perdendo. E, se este eí um caso
extremo, tambeí m noí s enfrentamos algo parecido: todos noí s partiremos taã o nus quanto
chegamos. “Mas isto naã o eí justo!”, poderííamos dizer. A reaçaã o do proí prio Coelet naã o eí taã o
impetuosa, pois ele estaí principalmente destacando o que acontece, e naã o o que deveria
acontecer, em u mundo no qual naã o podemos ditar ordens nem criar raíízes. “Um mal fatal” 53
talvez seja a traduçaã o mais aproximada de sua expressaã o. Foi assim que ele apresentou o assunto
(v.13); e agora ele repete: “eí grave mal... e que proveito lhe vem de haver trabalhado para o
51
Cf Pv 11:24-26 sobre a infeliz influeê ncia disso; e 28:22 sobre sua transitoriedade.
52
Aventura (v.14) naã o implica necessariamente em risco; eí a palavra traduzida por “trabalho” em 1:13;
3:10; 5:3 (Heb 2), etc.
53
Lit. “doença”. Implica em problema que eí perturbador e esta profundamente enraizado.
vento?” (v.16).
Neste ponto conveí m lembrar que esse homem talvez quisesse da vida mais do que ela lhe
podia dar. Se os seus planos eram feitos apenas com base no que estava ao seu alcance e no que
lhe prometia alguma segurança, entaã o ele estava olhando na direçaã o errada. Assim o paraí grafo
final vai nos acalmar, falando agora da vida em termos muito diferentes.

Um caminho mais excelente


5: 18 Eis o que eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu
trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que Deus lhe deu;
porque esta é a sua porção.
19 Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles
comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus.
20 Porque não se lembrará muito dos dias da sua vida, porquanto Deus lhe enche o coração
de alegria.

AÀ primeira vista isto talvez pareça um mero elogio aà simplicidade e aà moderaçaã o. Mas, de
fato, a palavra-chave eí Deus, e o segredo da vida que nos eí apresentado eí a abertura para com
ele: uma disposiçaã o de aceitar tudo como vindo do ceí u, quer seja trabalho ou riqueza, ou ambos.
Isto eí mais do que boa e bela cousa (v.18): mais literalmente, eí “uma coisa boa que eí bela”.
Novamente, uma nota positiva aparece, e no final do capíítulo captamos um vislumbre do homem
por quem a vida passa rapidamente, naã o porque ela eí curta e sem sentido, mas porque, pela
graça de Deus, ele a acha completamente arrebatadora. Este seraí o tema dos capíítulos finais;
antes, poreí m ainda haí algo mais a ser explorado na experieê ncia humana e em suas duras
realidades.

Tantalização
6: 1 Há um mal que vi debaixo do sol e que pesa sobre os homens:
2 o homem a quem Deus conferiu riquezas, bens e honra, e nada lhe falta de tudo quanto a
sua alma deseja, mas Deus não lhe concede que disso coma; antes, o estranho o come; também isto
é vaidade e grave aflição.
3 Se alguém gerar cem filhos e viver muitos anos, até avançada idade, e se a sua alma não se
fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é mais feliz do que ele;
4 pois debalde vem o aborto e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu nome;
5 não viu o sol, nada conhece. Todavia, tem mais descanso do que o outro,
6 ainda que aquele vivesse duas vezes mil anos, mas não gozasse o bem. Porventura, não vão
todos para o mesmo lugar?

Imediatamente deparamo-nos com o fato de que o “poder” de desfrutar os dons de Deus,


que nos foi apresentado em 5:19, eí em si mesmo um dom que pode ou naã o nos ser concedido.
Podemos ser privados dele de diversas maneiras. Em 5:13ss., temos o fracasso nos negoí cios:
aqui tudo foi sacrificado por um futuro que nunca se concretizou. Para este homem nunca houve
uma manha. Mas a vida pode ter longos perííodos de brilho e de alegria, e ainda assim sucumbir
em trevas, que pareceraã o ainda mais profundas por causa da luz que desfizeram. O homem do
versíículo 2, exatamente por ser notaí vel, tem mais a perder do que o lerdo que nunca chega a
nada. E ele pode muito bem perder tudo sem ter culpa alguma: eí soí vir a guerra, a enfermidade
ou a injustiça e lançar tudo no colo de outra pessoa. Se ele eí atormentado, tambeí m o saã o aqueles
que teê m riqueza material e pobreza interior, pois o problema naã o eí simplesmente que alguns
bens saã o menos satisfatoí rios que outros, o que sem duí vida acontece, ou que estes nos saã o dados
escassamente. Uma pessoa pode ter tudo que os homens sonham (o que nos termos do Antigo
Testamento significava filhos aà s dezenas e anos de vida aos milhares) e ainda assim partir sem
ser percebido ou lamentado54 e sem ter satisfaçaã o.
A esta altura podemos protestar dizendo que afinal de contas a fida naã o eí taã o negra assim
para a maioria das pessoas. Normalmente, podemos aceitar as dificuldades junto com as alegrias,
achando que a vida decididamente vale a pena ser vivida. EÉ claro que isto eí verdade e estaí muito
bem fundamentado, se somos homens de feí como aqueles que conhecemos no final do capíítulo
54
Esta eí a força de não tiver sepultura (6:3); veja Jr 22:18ss
cinco. Mesmo que naã o o sejamos, ainda assim podemos viver satisfeitos, como milhares de
pessoas vivem, sem nos preocupar com o significado final das coisas.
A isto Coelet poderia responder, primeiramente, que ele estaí falando de algumas pessoas e
naã o de todas; e, em segundo lugar, que se noí s naã o estamos interessados em significados e
valores, outras pessoas estaã o – e quem somos noí s para descartar essa responsabilidade? Mais
uma vez ele nos convida a pensar, e particularmente a pensar atraveí s da posiçaã o do secularista.
Se esta vida eí tudo, oferecendo a algumas pessoas mais frustraçaã o do que satisfaçaã o e nada lhes
deixando para dar aà queles que delas dependem; se, aleí m disso, todos igualmente aguardam a
sua vez de ser esquecidos (v.6c) entaã o alguns realmente podem invejar os natimortos, que
tiveram mais proveito. Em certas horas, Joí e Jeremias teriam concordado com isso
fervorosamente (Joí 3; Jr 20:14ss.); e se noí s discordamos coma disposiçaã o de espíírito desses dois
homens eí porque julgamos suas vidas pelos valores que transcendem a morte e que ultrapassam
os sofrimentos e os prazeres desta vida, um criteí rio que o secularista naã o pode logicamente usar.
Tudo isto estraga qualquer quadro cor-de-rosa que se tenha do mundo; a BLH destaca isso
dizendo “tenho visto outra coisa muito triste que acontece neste mundo...” (6:1), e faz 6:2 dizer:
“e naã o estaí certo”. 55 Coelet estaí muito longe de afirmar que o homem tem direitos que Deus
ignora; antes, o homem tem necessidades que Deus denuncia. Algumas delas, como jaí vimos, saã o
de um tipo que o mundo temporal naã o pode nem começar a usufruir, uma vez que Deus “poê s a
eternidade no coraçaã o do homem” (3:11); outras, mais limitadas, saã o de um tipo que o mundo
pode satisfazer um pouco e por algum tempo; nenhuma delas, poreí m, com certeza e em
profundidade. Se isto eí sofrimento e pesa sobre os homens (v.1), tambeí m eí uma coisa muito
salutar. O proí prio mundo no-lo diz com a uí nica linguagem que geralmente entendemos: “naã o eí
lugar aqui de descanso”.56
Mas, por enquanto, naã o somos incentivados a colher disso qualquer sabedoria, pois a
“corrida desenfreada” por si mesma naã o faz nenhum sentido. Assim o capíítulo conclui com uma
nota depressiva e incerta, bem adequada ao estado do homem abandonado a si mesmo.

Perguntas sem resposta


6: 7 Todo trabalho do homem é para a sua boca; e, contudo, nunca se satisfaz o seu apetite.
8 Pois que vantagem tem o sábio sobre o tolo? Ou o pobre que sabe andar perante os vivos?
9 Melhor é a vista dos olhos do que o andar ocioso da cobiça; também isto é vaidade e correr
atrás do vento.
10 A tudo quanto há de vir já se lhe deu o nome, e sabe-se o que é o homem, e que não pode
contender com quem é mais forte do que ele.
11 É certo que há muitas coisas que só aumentam a vaidade, mas que aproveita isto ao
homem?
12 Pois quem sabe o que é bom para o homem durante os poucos dias da sua vida de
vaidade, os quais gasta como sombra? Quem pode declarar ao homem o que será depois dele
debaixo do sol?

As ideí ias e as perguntas do paraí grafo final do capíítulo voltam a tocar em alguns assuntos
que jaí vimos antes, para consubstanciar o lema do livro, “vaidade de vaidades!”.
A primeira delas (v.7) insiste em um ponto que eí taã o real para o homem moderno em sua
rotina industrial quanto o era para o lavrador primitivo que mal tirava da terra o seu sustento:
que se trabalha para comer, a fim de ter forças para continuar trabalhando e continuar comendo.
Mesmo quando se gosta do que faz – e do que se come – a compulsaã o continua existindo. Quem
governa, parece, eí a boca e naã o a mente.
Quando objetamos que os homens tema algo mais do que isso, e coisas melhores pelas
quais viver, o versíículo 8 naã o permite que tal argumentaçaã o fique sem resposta. A sabedoria, por
exemplo, pode ser infinitamente melhor que a loucura, como jaí vimos numa passagem anterior
55
O AT pode usar a palavra mal (6:1) em um sentido neutro, para indicar dificuldade ou desastre; cf., por
exemplo, Is 45:7 (“o mal”); Am 3:6 (“Sucederaí algum mal aà cidade...”). semelhantemente, bem nesta
passagem eí traduzido por “gozar do bem” e “fartar do bem” (5:18; 6:3). A uí ltima frase do versíículo 2, taã o
distante do significado de “naã o estaí certo” (BLH), eí lit. “eí uma grave enfermidade” (como na ERC “maí
envermidade”) ou com o sentido proí ximo de grande afliçaã o (ERAB).
56
Mq 2:10
(2:13); mas seraí que o saí bio vive em melhores condiçoã es do que o tolo? Materialmente, tanto
pode ser que sim como naã o, embora ele certamente o mereça; e noí s jaí vimos que a morte vai
nivelar os dois com total indiferença. 57 Quanto aà felicidade, a clareza de visaã o do homem saí bio
naã o se constitui soí de alegria: “Porque na muita sabedoria”, como vimos em 1:18, “haí muito
enfado; e quem aumenta cieê ncia, aumenta tristeza.”
Como que sentindo que noí s ainda naã o estamos muito convencidos, uma vez que avaliamos
a qualidade da vida de um homem acima do seu conforto, Coelet faz a praí tica pergunta de 8b: o
que um pobre, por mais respeitado que seja, 58 realmente recebe em troca do seu sofrimento? EÉ
uma pergunta honesta. Invertendo um dos conhecidos ditados de R.L Stevenson, para a maioria
de noí s eí melhor chegar do que viajar cheio de esperanças. Esta eí a eê nfase do versíículo 9a, e o seu
senso praí tico naã o daí lugar a fantasias. O problema eí que “chegar”, em qualquer sentido final e
realizador, estaí alem do nosso poder. Qualquer coisa que noí s consigamos vai se desfazer como
vaidade e correr atrás do vento, quer seja o espíírito de iniciativa do pobre, quer seja o sucesso do
rico.
Seraí isto derrotismo ou realismo? Em termos da vida “debaixo do sol” eí realismo total,
como a argumentaçaã o do livro jaí no-lo provou. Por mais palavras magnííficas que multipliquemos
acerca do homem ou contra o seu Criador, os versíículos 10 e 11 nos fazem lembrar que naã o
podemos alterar a maneira como noí s e o nosso mundo foram feitos. Estas coisas jaí receberam
um nome e sabe-se (v.10) o que saã o, o que eí uma outra maneira de dizer, como o restante das
Escrituras, que devem a sua existeê ncia aà ordem de Deus; e esta ordem inclui agora a sentença
passada a Adaã o na Queda. EÉ claro que achamos tal sentença dura e queremos protestar. A ideí ia
de discutir com o Todo-poderoso (VS. 10b,11) fascinava Joí , que a abandonou apenas depois de
muito sondar o seu coraçaã o;59 a mesma ideí ia recebeu uma repreensaã o claí ssica em Isaíías 45:9ss.,
com o exemplo do barro dando ao oleiro um conselho intrometido. Mas noí s continuamos
achando mais faí cil exagerar a maneira como achamos que as coisas deveriam ser do que
enfrentar a verdade do que elas saã o.
Mas esta verdade, para que seja a verdade total, deve incluir o que elas estaã o se tornando e
o que vai ser de noí s. Uma parte disto, que vamos morrer, jaí sabemos muito bem; do restante,
apenas um pouquinho. Assim o capíítulo, no meio do livro, acaba com uma enfiada de perguntas
sem resposta. O homem secular, que caminha para a morte e precipita-se ao leí u das mudanças,
soí pode fazer-lhes eco: “Pois quem sabe o que é bom...? Quem pode declarar ao homem o que será
depois dele... ?”
EÉ um duplo espanto. Ele fica sem valores absolutos pelos quais viver (“o que eí bom?”) e
sem nenhuma certeza praí tica (“o que seraí ?”) para fazer planos.

Segundo Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 4:9-6:12
Em nosso primeiro resumo, fomos lembrados de quaã o amplamente se estenderam os
primeiros capíítulos em busca de um fim satisfatoí rio para a vida. Entaã o, por um pouco, a
investigaçaã o parece que ficou suspensa. De 4:9 ateí mais ou menos 5:12 conseguimos fazer uma
pausa para olhar aà nossa volta e estudar o cenaí rio humano com certa neutralidade. Os
comentaí rios foram penetrantes como sempre, mas o tom foi tranquü ilo, quase condescendente.
Mas foi a ironia, naã o aceitaçaã o. De 5:13 em diante jaí naã o fomos mais poupados aà
inquietaçaã o que as anomalias e trageí dias do mundo deveriam despertar em noí s. Noí s
experimentamos seus causticantes desapontamentos: a suí bita ruíína do trabalho de toda uma
vida (5:13-17) e tambeí m as realizaçoã es deslumbrantes que naã o trouxeram felicidade alguma
(6:1-6). Houve m vislumbre de coisas melhores no final do capíítulo 5, um sinal de que Coelet nos
levaria a uma reposta no final; mas o alíívio teve curta duraçaã o. O capíítulo 6, que começou com a
denuí ncia de algumas vidas vazias, continuou desmascarando a atividade constante e sem

57
Ec 2:14ss.
58
A expressaã o “que sabe andar...” pode dar a entender uma vida moral ou socialmente bem conduzida. A
palavra aqui usado como pobre eí aquela que em outras passagens tende a distinguir o oprimido que busca
ajuda de Deus.
59
Veja, por exemplo, Joí , capíítulos 9,13 e 23; tambeí m 31:35-37; 42:1-6
sentido (6:7-9) do nosso formigueiro humano, e concluiu repudiando nossos belos discursos
sobre o progresso (6:10-12). Pois, apesar de todo esse falatoí rio, o homem por si naã o tem a
capacidade de mudar-se a si mesmo; naã o tem nenhuma permaneê ncia nem sequer um lugar para
onde ir.

Eclesiastes 7:1-22 -
Interlúdio: Mais reflexões, máximas e verdades
Com um toque seguro, o autor introduz agora uma mudança estimulante no seu estilo e
meí todo. Em vez de refletir e argumentar, ele vai nos bombardear com o forte impacto e variados
aê ngulos de ataque dos proveí rbios. Os primeiros saã o provocativamente melancoí licos; os restantes
(na sua maioria) saã o provocativamente tranquü ilos e sagazes.

Você pode também enfrentar os fatos!


7: 1 Melhor é a boa fama do que o ungüento precioso, e o dia da morte, melhor do que o dia
do nascimento.
2 Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim
de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração.
3 Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.
4 O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria.
5 Melhor é ouvir a repreensão do sábio do que ouvir a canção do insensato.
6 Pois, qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma panela, tal é a risada do insensato;
também isto é vaidade.

Nada na primeira metade do versíículo 1 nos prepara para o golpe da segunda metade.
Houve algo parecido no capíítulo anterior (6:1-6), mas falava de casos especiais. Estas palavras
saã o taã o arrasadoras e taã o contraí rias aà opiniaã o normal que temos de dar um pulo ateí o Novo
Testamento, onde “partir e estar com Cristo” eí considerado “muito melhor” do que ficar aqui (em
3:21, contudo, Eclesiastes jaí se recusou a pressupor a existeê ncia de uma vida futura); ou, entaã o,
temos de continuar lendo, na esperança de que haja esclarecimento a seguir.
Isto naã o vamos encontrar, com certeza; e fica enunciado mais explicitamente no final do
versíículo seguinte, em especial na expressaã o e os vivos que o tomem em consideração. Em outras
palavras, o dia da morte tem mais a nos ensinar do que o dia do nascimento; suas liçoã es saã o mais
concretas e, paradoxalmente, mais vitais. No nascimento (e, como falam os versíículos seguintes,
em todas as ocasioã es alegres e festivas) o ambiente eí de excitaçaã o e expansividade. Naã o eí hora de
se pensar na brevidade da vida ou nas limitaçoã es humanas: deixamos que nossas fantasias e
esperanças subam alto na casa onde há luto, por outro lado, o ambiente eí seí rio e a realidade eí
evidente. Se naã o pensamos nela, a culpa eí nossa: naã o teremos outra oportunidade melhor de
encaraí -la. O grande salmo sobre a mortalidade humana, o Salmo90, expoã e o assunto com
majestosa simplicidade:
“Ensina-nos a contar os nossos dias,
para que alcancemos coração sábio.”
Assim como o salmo, esta passagem tem em vista um resultado positivo, o que fica
explíícito com a insisteê ncia na palavra melhor, e especialmente na uí ltima parte do versíículo 3
conforme a ER: a tristeza do rosto torna melhor o coração. A ideí ia de que a tristeza, aleí m de ser
substituíída pela alegria, tambeí m eí em si mesma uma preparaçaã o para uma forma mais perfeita
de gozo (ao contraí rio da jovialidade confusa e vazia dos tolos, raí pida em se acender e raí pida em
se apagar60) eí mais claramente exposta em Joaã o 16:20ss., onde se usa a analogia do parto, cujas
dores preparam o caminho para uma alegria especial. Em outros termos, veja-se 2Corííntios
4:17ss. e, no Antigo Testamento, Joí 33:19-30.
Jaí a BLH toma “coraçaã o” como o sentido de “mente”: “a tristeza faz o rosto ficar abatido,
mas torna o coraçaã o compreensivo.” Apesar de ocorrer com frequü eê ncia este sentido no AT, a
expressaã o encontrada aqui eí um padraã o para o sentimento de alegria (cf., por ex., Rt 3:7)
60
O versíículo 6 faz um trocadilho com os dois sentidos de sir no heb., “espinho” e “panela”.
Você também pode ser racional!
7: 7 Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno corrompe o
coração.
8 Melhor é o fim das coisas do que o seu princípio; melhor é o paciente do que o arrogante.
9 Não te apresses em irar-te, porque a ira se abriga no íntimo dos insensatos.
10 Jamais digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Pois não é sábio
perguntar assim.
11 Boa é a sabedoria, havendo herança, e de proveito, para os que vêem o sol.
12 A sabedoria protege como protege o dinheiro; mas o proveito da sabedoria é que ela dá
vida ao seu possuidor.
13 Atenta para as obras de Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu?
14 No dia da prosperidade, goza do bem; mas, no dia da adversidade, considera em que Deus
fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.
15 Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há perverso
que prolonga os seus dias na sua perversidade.
16 Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti
mesmo?
17 Não sejas demasiadamente perverso, nem sejas louco; por que morrerias fora do teu
tempo?
18 Bom é que retenhas isto e também daquilo não retires a mão; pois quem teme a Deus de
tudo isto sai ileso.
19 A sabedoria fortalece ao sábio, mais do que dez poderosos que haja na cidade.
20 Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque.
21 Não apliques o coração a todas as palavras que se dizem, para que não venhas a ouvir o
teu servo a amaldiçoar-te,
22 pois tu sabes que muitas vezes tu mesmo tens amaldiçoado a outros.

Haí aqui quase tantas opinioã es e pontos de vista quantas afirmaçoã es; uma certa melancolia
para com o assunto, poreí m, destaca-se na maioria delas. Encarando o homem do mundo no seu
proí prio ambiente naã o muito elevado, Coelet destaca que haí vantagens auto-evidentes em se
tentar dar sentido aà vida, em vez de cair no cinismo e no desespero.
No versíículo 7 podemos reconhecer a esseê ncia de uma lei que, nos tempos modernos, Lord
Acton formulou da seguinte maneira: “Todo poder tende a corromper...”. EÉ interessante que a
exortaçaã o implíícita aqui eí para com o auto-respeito, pois ningueí m gosta de se fazer de tolo, o que
o funcionaí rio cruel ou corrupto faz por definiçaã o, uma vez que age sem refereê ncia aos meí ritos de
um caso. Sua mente foi adulterada: em vez de servir aà verdade, transformou-se em ferramenta da
avareza e da malevoleê ncia.
Reunindo os versíículos 8 e 9, vemos de novo o lado puramente louco das atitudes que o
moralista condenaria sob fundamentos mais graves, mas que saã o fundamentos que pouco dizem
ao homem mundano. Considerando ou naã o a pacieê ncia uma virtude e a disputa um víício,
podemos finalmente ver o bom senso praí tico do autocontrole: examinar uma questaã o por
completo, em vez de abandonaí -la diante da primeira afronta contra a nossa dignidade. Este naã o eí
o uí nico setor em que a atitude errada tambeí m pode ser acertadamente descrita como infantil.
O versíículo 10 eí ainda mais esmagador, pois condiz com uma reaçaã o nostaí lgica, que eí um
estado de aê nimo enervante e auto-indulgente. Suspirar pelos “bons dias do passado” eí uma coisa
(podemos refletir) duplamente irreal: um substituto naã o somente para a açaã o como tambeí m
para um raciocíínio adequado, uma vez que invariavelmente saã o esquecidos os males que tiveram
uma forma diferente ou que prejudicaram uma outra seçaã o da sociedade em outros tempos. O
esclarecido Coelet eí a uí ltima pessoa a se impressionar com esta neblina dourada do passado; ele
jaí declarou que uma eí poca eí muito parecida com outra. “O que foi, eí o que haí de ser... nada haí ,
pois, novo debaixo do sol” (1:9). Tudo isto, ele agora daí a entender, eí bastante oí bvio para que
valha a pena argumentar: ele soí precisa nos pedir que falemos com mais sensatez.
Nos versíículos 11 e 12 surge uma estimativa invulgarmente mundana de sabedoria.
Embora haja algumas duí vidas sobre a traduçaã o correta, eí certo que a sabedoria estaí sendo
tratada, no momento, em peí de igualdade com o dinheiro, pois eí um valor vantajoso: uma
garantia comparaí vel ou superior contra os riscos da vida. 61 Neste caso, dificilmente seria uma
comparaçaã o lisonjeira para alguma coisa cujo verdadeiro valor eí incalculaí vel, de acordo com
Proveí rbios 8:11 e muitas outras passagens. O versíículo 12b talvez esteja dizendo que a
sabedoria, ao contraí rio do dinheiro, dá vida;62 mas para estarmos dentro dos modestos alvos
desta passagem temos que considerar apenas o valor praí tico e protetor do dinheiro. A frase em
11b, de proveito para os que vêem o sol, talvez seja uma observaçaã o ambíígua, um lembrete de que
haí um limite de tempo para o benefíício que ateí mesmo a sabedoria, neste níível de bom senso
geral, pode oferecer. Naã o produz dividendo algum na sepultura.
O restante dessas variadas afirmaçoã es, que seguem ateí o versíículo 22, mostra como eí
inconstante o conselho do bom senso quando naã o tem um princíípio unificante. Vai da resignaçaã o
piedosa ateí o cinismo moral (vs 13-18); e observa as imperfeiçoã es da natureza humana, embora
muitííssimo interessada em tentar conviver com elas (vs. 20-22).
Examinando essas afirmaçoã es um pouco mais detalhadamente: o versíículo 13 naã o estaí
falando de defeitos morais, mas da forma das coisas e dos acontecimentos que noí s achamos
estranhos, mas temos de aceitar como vindos de Deus. Isto inclui os seus juíízos – pois ele
”transtorna” o caminho dos íímpios”, como o Salmo 146:9 declara literalmente (ou “torce”, usando
um outro verbo) – mas tambeí m presumivelmente muitas das provaçoã es da vida, como sugere o
versíículo seguinte (v.14). este versíículo eí um claí ssico sobre a maneira correta de se comportar
quando tudo vai bem ou quando tudo vai mal, ou seja, aceitar ambas as situaçoã es como vindas de
Deus: nem com a impassividade do estoí ico nem com a inquietaçaã o daqueles que naã o conseguem
aceitar um preê mio com deleite, ou um golpe da sorte com espíírito aberto e refletivo.
“Aceite o que Ele daí ,
E louve-o, igual:
No bem e na doença
Ele eí Deus eternal.”63
Mas, de acordo com este tema, Coelet deve destacar o misteí rio daquilo que Deus daí , e
especialmente a sua imprevisibilidade, o que apara as asas da nossa auto-suficieê ncia. Esse ponto
jaí foi destacado em 3:11, onde o tempo e a eternidade, assim como a obscuridade e a clareza, nos
tantalizam e nos alertam, no caso de imaginarmos sermos nada mais do que animais ou nada
menos do que deuses.
Agora surge o cinismo, nos versíículos 15-18: o lado desgastado e egoíísta do senso praí tico.
Para nos mostrar a loí gica da posiçaã o secular, Coelet abandona por uns instantes qualquer indíício
de uma feí genuíína, e introduz a religiaã o no final apenas em uma forma de superstiçaã o, o que
reduziria Deus ao status de uma claí usula de compensaçaã o.
De maneira bastante esclarecedora (embora o versíículo 15 possa ser comparado e ateí
ultrapassado pelas meditaçoã es de Joí , que pinta quadros evocativos do pecador tranquü ilo e do
santo atormentado, como nos capíítulos 21 e 30-31), Joí nunca chega aà conclusaã o mesquinha
apresentada nos versíículos 16ss. ele preferiria morrer a renunciar suas reivindicaçoã es de justiça,
ainda que para sustentaí -las tivesse de desafiar o proí prio ceí u. “Eis que me mataraí , jaí naã o tenho
esperança; contudo defenderei o meu procedimento.”64
Ao lado dessa resoluçaã o vigorosa, o lema “naã o sejas demasiadamente” jamais pareceu taã o
vulgar como nestes versíículos, que recomendam covardia moral com uma atitude taã o seí ria que
sentimo-nos forçados a aceitaí -la com seriedade no momento. Ao fazeê -lo, percebemos que na
verdade se trata da moralidade, reconhecida ou naã o do homem mundano, se ele eí fiel aos seus
princíípios. Poderííamos acrescentar que isso estaí se tornando cada vez mais normal em nossa
atual sociedade. O versíículo 18 sonda as profundidades, advogando, um tanto misteriosamente, 65
61
O versíículo 11 pode significar que ter as duas coisas, riqueza e sabedoria, eí uma dupla vantagem (como
na ERAB); mas provavelmente, o sentido seja o de comparar uma com outra (ER, BLH, ERC): “boa eí
sabedoria como a herança” (ER); cf. o heb. De, por exemplo, 2:16b; Joí 38:18, onde “da mesma sorte” eí lit.
“com”.
62
A simples expressaã o traduzida por dá a vida tambeí m pode significar “preserva a vida” (ER) ou
“conserva” (BLH) – cf., por exemplo, 1Sm 2:6; Sl 85:6 (Heb. 7). E “vida” no AT, como no NT, geralmente
significa vitalidade espiritual e naã o simplesmente existeê ncia fíísica.
63
Richard Baxter, “Ye holy angels bright”.
64
Joí 13:15; cf., por exemplo, 27:1-6
65
Isto e daquilo referem-se ao que acaba de ser citado no v.15, isto eí , a justiça e a perversidade. A linha
final ficou bem parafraseada pela BLH: “Se voceê temer a Deus, teraí sucesso em tudo”.
naã o apenas a falta de sinceridade no bem ou no mal, mas uma generosa mistura ambos, uma vez
que a religiaã o vai resolver tudo e a pessoa vai, portanto, desfrutar ambos os estilos de vida.
Depois disso, a declaraçaã o irrepreensíível do versíículo 19 restaura um pouco a nossa
confiança no valor do bom senso (embora naã o, talvez, no valor dos polííticos). Mesmo tratando da
sabedoria, um versíículo posterior (9:16) vai nos lembrar que naã o devemos esperar muito
reconhecimento por uma qualidade taã o intangíível.
Isolado do cinismo dos versíículos 16-18, o versíículo 20 pode ser aceito ao peí da letra,
como uma confissaã o e naã o uma justificativa. Naã o se trata de uma postura indiferente, como os
versíículos anteriores dariam a entender; em continuaçaã o, Coelet parece suavizar um pouco essa
verdade. Os versíículos 21ss. saã o em si mesmos, um excelente conselho, uma vez que, quando
encaramos com muita seriedade o que as pessoas dizem de noí s ficamos magoados; e de
qualquer forma todos noí s jaí dissemos coisas ferinas algum dia. Mas talvez os treê s versíículos (20-
22) juntos considerem nossas falhas com um pouco mais de negligeê ncia do que as Escrituras
costumam fazeê -lo, e quem sabe ainda estejamos dando ouvidos aqui ao Sr Sensato (tomando
emprestado o nome de C.S. Lewis), 66 em vez de ouvir a voz auteê ntica da sabedoria. Certamente
Coelet naã o encontra um ponto de apoio em nenhuma dessas maí ximas: ele estaí profundamente
insatisfeito com sua superficialidade, conforme veremos em suas proí ximas palavras.

Eclesiastes 7:23-29 -
A busca continua
7: 23 Tudo isto experimentei pela sabedoria; e disse: tornar-me-ei sábio, mas a sabedoria
estava longe de mim.
24 O que está longe e mui profundo, quem o achará?
25 Apliquei-me a conhecer, e a investigar, e a buscar a sabedoria e meu juízo de tudo, e a
conhecer que a perversidade é insensatez e a insensatez, loucura.
26 Achei coisa mais amarga do que a morte: a mulher cujo coração são redes e laços e cujas
mãos são grilhões; quem for bom diante de Deus fugirá dela, mas o pecador virá a ser seu
prisioneiro.
27 Eis o que achei, diz o Pregador, conferindo uma coisa com outra, para a respeito delas
formar o meu juízo,
28 juízo que ainda procuro e não o achei: entre mil homens achei um como esperava, mas
entre tantas mulheres não achei nem sequer uma.
29 Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas
astúcias.

A admissaã o honesta de fracasso na busca da sabedoria (na verdade, quando a observamos,


recuamos a cada passo, ao percebermos que nenhuma de nossas sondagens chega ateí o fundo
das coisas) eí , se naã o co começo da sabedoria, pelo menos um passo na direçaã o do começo.
Depois da ambiciosa busca do capíítulo 2, a investigaçaã o passa agora a aí reas menos exoí ticas,
mergulhando na experieê ncia comum e fazendo pausas de vez em quando para ver o que se pode
fazer da vida no dia-a-dia, sejam quais forem finalmente os seus segredos. Neste níível, as
descobertas talvez tenham sido bastante sagazes, ateí sagazes demais. Mas tendo dito tudo isto
experimentei-o (v.23), em busca de uma resposta aà pergunta “o que eí a vida?”, elas naã o deram
nem sobra de resposta.
Portanto a confissaã o de 7:23 tem uma finalidade devastadora. Poderia ser o epitaí fio de
qualquer filoí sofo, e noí s poderííamos dispoê -la nesta forma, adequada para qualquer sepultura:
“Eu disse:
tornar-me-ei saí bio,
mas a sabedoria estava longe de mim.
O que estaí longe e mui profundo,
quem o acharaí ?”
Como qualquer pergunta sem resposta, este quebra-cabeças acerca da vida tinha sido um
estíímulo no princíípio. A seí rie de verbos, conhecer... investigar... buscar (v.25), transmite a
66
C.S. Lewis, The Pilgrim’s Regress (2ªed., Bles, 1943) pg 82ss
sinceridade da busca, como Edgar Jones destaca. 67 Mas faz parte da condiçaã o do homem que,
embora ele possa formular a sua tarefa em termos de pesquisa imparcial e com filosofias
(buscando um resumo total das coisas, 68 consciente do mal como estultíícia e loucura) 69, ele tem
tambeí m de se voltar para a esfera dos relacionamentos humanos em sua busca de significado
para o mundo, ainda que os vendo necessariamente atraveí s das lentes distorcidas do pecado.
Assim o nosso autor nos deixa perplexos com o seu amargo veredito: entre mil homens ele
encontrou apenas um que naã o fosse um desapontamento, mas mulher nenhuma. Como vamos
encarar isso?
Para começar, devemos observar que ele naã o estaí dogmatizando, mas informando. EÉ a
experieê ncia de um homem e ele naã o a universaliza. 70 Mas o mais pertinente eí que ele nos
apresenta o papel que o pecado pode desempenhar em ambos os lados de um encontro entre os
sexos. Um caso profundamente desenganador como o descrito no versíículo 26 pode distorcer ou
ateí mesmo destruir qualquer tentativa subsequü ente de relacionamento. Sem duí vida Coelet
conseguiu escapar, como ele daí a entender no versíículo 26b – mas naã o sem ferimentos. Sua
busca infrutíífera de uma mulher em que pudesse confiar pode nos dizer muita coisa sobre ele e
sobre a sua maneira de pensar, como tambeí m sobre as suas amizades. Sentimo-nos tentados a
acrescentar (e isto poderia ser concebivelmente relevante) que, tal como Salomaã o, cujo manto
ele assumira anteriormente,71 Coelet teria feito melhor se tivesse lançado a sua rede sobre um
nuí mero menor, e naã o sobre “mil”! ele quase diz o mesmo em 9:9, com um elogio aà simples
fidelidade conjugal.
No uí ltimo versíículo do capíítulo 7 sua conclusaã o sobre a natureza humana eí mais firme do
que ele poderia ter adquirido por sua simples experieê ncia. Ele se volta para o que foi revelado,
baseando-se evidentemente em Geê nesis 1-3. Para apreciarmos a importaê ncia deste ponto de
vista bííblico acerca de Deus e o homem, soí precisamos ouvir a narrativa sobre o assunto na
Teodiceí ia Babiloê nica, onde os deuses saã o os responsaí veis pela malignidade dos homens: “com
mentiras, e naã o verdade, eles os dotaram para sempre.”72 Tal perspectiva eí paralisante, pois a
virtude jaí eí bastante difíícil sem o acreí scimo da suspeita de que naã o existe verdade do seu lado, e
de que de fato ela vai contra tudo o que haí de mais humano. A propoí sito, esta ideí ia naã o se
restringe aos antigos babiloê nios. Na praí tica ela eí a opiniaã o (sem a teologia) de todos os que
creê em ser reto (v.29) eí ser ingeê nuo e um tanto infantil.
Essa suspeita e esse ponto de vista, somos advertidos, levam-nos de volta aà Queda, mas
naã o aà s nossas origens. Depois das apalpadelas deste capíítulo, o versíículo 29 nos daí a certeza
restauradora de que nossas muitas astúcias (nosso obscurecimento moral, nossa recusa a andar
corretamente) saã o nossa culpa, naã o nosso destino. Jaí eí muito mau termos estragado o que era
perfeito; isso eí culpa. Mas simplesmente fazer parte do que naã o tem sentido levaria ao
desespero. As palavras, Deus fez o homem reto, muito embora tenham seus efeitos traí gicos, jaí saã o
suficientes para levantar uma questaã o sobre o refraã o “vaidade de vaidades”. Considerando que
“futilidade” naã o foi a primeira palavra enunciada sobre o nosso mundo, tambeí m naã o tem de ser a
uí ltima.

Eclesiastes 8:1-17 -
Frustração
8: 1 Quem é como o sábio? E quem sabe a interpretação das coisas? A sabedoria do homem
faz reluzir o seu rosto, e muda-se a dureza da sua face.
2 Eu te digo: observa o mandamento do rei, e isso por causa do teu juramento feito a Deus.

67
Jones, pg 321
68
O juízo (vs 25,27) poderia ser traduzido por “o balanço” com os dois sentidos que esse termo possui; isto
eí , a “totalidade” e a “exposiçaã o” das coisas (cf. McNeile).
69
O versíículo 25b estaí bem traduzido na ERAB: “...a perversidade eí insensatez, e a insensatez eí loucura”;
melhor do que “a maldade e a falta de juíízo saã o loucura” (BLH).
70
Por outro lado, o v.20 mostra que ele naã o deixaraí de universalizar, quando for o caso.
71
Veja os comentaí rios iniciais da sessaã o 1:12-2:26
72
“The Babylonian Theodicy”, linha 280 em Babylonian Wisdom Literature de W. G. Lambert (Claredon,
Oxford, 1960) pg89
3 Não te apresses em deixar a presença dele, nem te obstines em coisa má, porque ele faz o
que bem entende.
4 Porque a palavra do rei tem autoridade suprema; e quem lhe dirá: Que fazes?
5 Quem guarda o mandamento não experimenta nenhum mal; e o coração do sábio conhece
o tempo e o modo.
6 Porque para todo propósito há tempo e modo; porquanto é grande o mal que pesa sobre o
homem.
7 Porque este não sabe o que há de suceder; e, como há de ser, ninguém há que lho declare.
8 Não há nenhum homem que tenha domínio sobre o vento para o reter; nem tampouco tem
ele poder sobre o dia da morte; nem há tréguas nesta peleja; nem tampouco a perversidade livrará
aquele que a ela se entrega.
9 Tudo isto vi quando me apliquei a toda obra que se faz debaixo do sol; há tempo em que
um homem tem domínio sobre outro homem, para arruiná-lo.

Talvez, como muitos pensam, Coelet tenha tomado emprestado uma citaçaã o familiar para o
versíículo de abertura em que elogia a sabedoria e o saí bio. Mas com os perigosos caprichos de
um rei a levar em conta, a sabedoria tem de recolher suas asas e assumir uma forma discreta,
contentando-se em poder manter longe de problemas o seu possuidor. Esta eí apenas a primeira
de suas frustraçoã es, e a menor delas; pelo menos haí uma coisa uí til que ela pode realizar nesta
situaçaã o, ao passo que mais adiante, no capíítulo ela teraí de enfrentar problemas delicados, tais
como a morte, a perversidade moral e o misteí rio do governo divino.
A discriçaã o eí , entaã o, o aspecto principal da sabedoria nesta situaçaã o, embora o versíículo
1a, com um lembrete acerca de Joseí e Daniel, Aitofel e Husai, 73 enfatize a parte que o talento mais
positivo do saí bio, a interpretação das cousas, desempenha na corte do rei. A naã o ser aqui, a
sabedoria eí uma figura decorosa e modesta neste paraí grafo, onde podemos refletir sobre a
loucura de um rei (ou de qualquer lííder) cujo desprezo ou temor da verdade reduz a sabedoria
ao sileê ncio, mediante o expediente de fazer calar as mentes pensantes.
Cauteloso como deve ser o homem saí bio, ele naã o estaí aqui sendo pressionado a abandonar
a sua integridade. Sua disposiçaã o em agradar naã o precisa ser servil. A expressaã o alegre e
agradaí vel de sua fisionomia, que o versíículo 1b destaca, naã o eí fingimento: realmente eí a sua
expressaã o, a pessoa que ele eí e a disposiçaã o de sua mente. Haí em sua obedieê ncia, naã o
oportunismo, mas tambeí m princíípios, fato este revelado pela correta traduçaã o do versíículo 2: “...
Observa o mandamento do rei, e isso por causa do teu juramento feito a Deus.” 74 Dentro dessa
estrutura, ele usa tambeí m, como todo saí bio, 75 sua capacidade de discernimento para avaliar uma
situaçaã o perigosa (v.3)76 e o senso de oportunidade de suas açoã es (vv 5b, 6ª). Muitas passagens
no Antigo Testamento daã o testemunho dos limites que a lealdade a Deus deve estabelecer
quando eí necessaí rio agir com tato, submissaã o e dignidade; basta lembrar a franqueza dos
profetas e, entre os saí bios, do indoê mito Daniel e seus companheiros. Se tais exemplos nos
enchem de vergonha e nos arrancam do conformismo, estes versíículos manteê m o equilííbrio
ideal, ensinando-nos o devido respeito para com o governo. Da mesma forma, o Novo
Testamento as vezes enfatiza um lado da questaã o, aà s vezes outro. 77
A mençaã o do tempo e do modo78 (vv 5,6) que o saí bio aprende a reconhecer (a verdade e o
73
2Sm 16:20-17:14
74
No TM o versíículo refere-se ao “juramento de Deus”; quer seja a legitimaçaã o do rei feita por Deus, quer
seja o juramento de lealdade do indivííduo (os dois casos saã o possííveis); a questaã o fica de qualquer forma
colocada numa situaçaã o religiosa. O fato de a obedieê ncia compensar (v.5) eí um incentivo adicional, que o
NT tambeí m considera digno de mençaã o (Rm 13:3-5)
75
Cf., por exemplo, Pv 14:15ss.; 22:3
76
O v.3 que começa com a frase “Naã o te apresses”, eí difíícil. De iníício pode ser um conselho contra a
ocupaçaã o de altos cargos, ou contra uma renuí ncia impulsiva (Barton, Jones). Sua sintaxe eí ambíígua. A
claí usula seguinte pode significar “naã o insista em fazer uma coisa errada” (como na BLH) ou ainda como na
BJ, “Nem te coloques em maí situaçaã o”.
77
Por exemplo, Mt 23:2, 3a, em contrapartida com o restante deste capíítulo, Cf. 1Pe 2:13ss. com Atos 5:29
78
Alternativamente, talvez, seja correto entender modo (v.5ss) e mal (v.6) em seus sentidos primaí rios,
como “juíízo” e “mal” ou “misericoí rdia” (como na ER). Neste caso (como Delitzsch destaca) a passagem
logra o seu intento ao dizer que o homem saí bio aguardaraí o tempo de Deus para o juíízo (ou julgamento) e
naã o tomaraí a situaçaã o em suas proí prias maã os com rebeldia.
momento da verdade que pode ser aproveitado ou deixado de lado) lembra o tema do capíítulo 3,
os traços de um mundo condicionado pelo tempo, sempre mutante. Laí , estaí vamos tateando em
busca de alguma coisa permanente; aqui, buscamos algo previsíível (v.7). EÉ um consolo
desanimador descobrir que apenas a morte se encaixa neta categoria; e um pouco melhor
quando a pessoa se recupera da perspectiva para ser confrontada com um presente cheio de
sofrimento, em que um homem tem domínio sobre outro homem, para arruiná-lo (v.9). haí uma
ironia toda especial nesta uí ltima observaçaã o, onde a expressaã o que mais choca ao falar do abuso
do poder humano (tem domínio) relembra claramente o que acaba de ser dito sobre a impoteê ncia
humana em outras aí reas: sua incapacidade de dominar os eu proí prio espíírito, 79 ou de dominar a
morte, visto que uma soí famíília de palavras soberbas daã o colorido a todas estas declaraçoã es. O
restante do versíículo 8 apresenta o uí ltimo encontro em termos bem vivos, que permitiriam uma
paraí frase: “Haí uma batalha aà qual naã o podemos fugir; naã o podemos trapacear.”

Perversidade moral
8: 10 Assim também vi os perversos receberem sepultura e entrarem no repouso, ao passo
que os que freqüentavam o lugar santo foram esquecidos na cidade onde fizeram o bem; também
isto é vaidade.
11 Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos
homens está inteiramente disposto a praticar o mal.
12 Ainda que o pecador faça o mal cem vezes, e os dias se lhe prolonguem, eu sei com certeza
que bem sucede aos que temem a Deus.
13 Mas o perverso não irá bem, nem prolongará os seus dias; será como a sombra, visto que
não teme diante de Deus.

Se existe algo que mais nos revolte eí ver os perversos progredindo e cheios de si. Mas a
perversidade respeitada e recebendo a beê nçaã o da religiaã o (v.10a) 80 eí ainda mais enojante. No
espetaí culo aqui descrito, os parasitas naã o teê m sequer a justificativa da ignoraê ncia. Os viloã es
estaã o sendo honrados no proí prio cenaí rio de suas maldades, e jaí naã o estaã o mais vivos para
conquistar o temor ou o favor de algueí m. Assim, por mais incríível que pareça, a admiraçaã o tem
de ser genuíína, tornando bem claro que o julgamento moral popular pode estar totalmente
desviado, dominado pela evideê ncia do sucesso ou do fracasso e recebendo a pacieê ncia dos ceí us
como aprovaçaã o. O ditador ou o magnata corrupto pode ter contornado as regras, dizem; mas
afinal eles fizeram alguma coisa, eles tinham talento, viviam com estilo.
Isso eí demais para Coelet. Ele acaba fazendo uma de suas raras declaraçoã es de feí , deixando
cair a maí scara do secularismo que normalmente usa a bem da exposiçaã o. Isso jaí acontecera
antes (veja 2:26; 3:17; 5:18-20; 7:14), e nos capíítulos finais jaí naã o seraí mais exceçaã o, mas a
regra.
O que ele certamente afirma aqui eí o julgamento. No final, a coisa certa seraí feita, de
qualquer jeito: ... bem sucede aos que temem a Deus. Mas o perverso não irá bem... o que ele
tambeí m talvez esteja tenuemente despertando em nossas mentes eí a ideí ia de uma vida apoí s a
morte para os piedosos. Neste caso, ele o faz atraveí s de um paradoxo naã o solucionado acerca dos
perversos, pois na mesma tirada ele fala do vilaã o cuja vida eí prolongada (v.12) e daquele que naã o
prolongaraí os seus dias (v.13). isto talvez signifique que, enquanto o homem piedoso tem
esperanças aleí m da sepultura, o íímpio naã o a tem; por mais adiada que seja, a morte seraí o seu
fim. Esta eí a maneira como alguns dos salmos apresentam o assunto. 81
Mas a recusa de Coelet de pronunciar-se mais sobre isto, contentando-se coma pergunta
“Quem sabe?” (3:21), indica mais provavelmente que ele estaí generalizando o assunto. A
perversidade, declara, naã o produz benefíícios reais (v.13a); e, como regra, por mais notaí veis que

79
A palavra heb. Para “vento” (ERAB) serve tambeí m para “espíírito” (ER). O “vento” eí proverbialmente
incontrolaí vel (cf Pv 27:16), mas “espíírito” eí mais diretamente relevante neste ponto. A BV registra:
“Ningueí m pode se manter vivo para sempre, ningueí m pode evitar o dia de sua morte!”
80
O versíículo 10 estaí longe de ser claro. Temos apoio esmagador em ativas versoã es (e muitos MSS) para ler
“louvados” (Vsbh) no lugar de “esquecidos” (Vskh). A BLH segue esta interpretaçaã o: “Eu vi o enterro de
pessoas maí s. Na volta do cemiteí rio notei que eram elogiadas, e isso na mesma cidade onde haviam feito o
mal”.
81
Por exemplo, Sl 49:14ss.; 73:18ss
sejam as exceçoã es (vs 12, 14), ela criva de incertezas. A carreira do homem perverso eí toda
apareê ncia, naã o tem substaê ncia.82

Pequenas expectativas
8: 14 Ainda há outra vaidade sobre a terra: justos a quem sucede segundo as obras dos
perversos, e perversos a quem sucede segundo as obras dos justos. Digo que também isto é vaidade.
15 Então, exaltei eu a alegria, porquanto para o homem nenhuma coisa há melhor debaixo
do sol do que comer, beber e alegrar-se; pois isso o acompanhará no seu trabalho nos dias da vida
que Deus lhe dá debaixo do sol.

Haí um momento fomos lembrados da regra geral de que a perversidade cava a sua proí pria
sepultura e a justiça, por assim dizer, o seu proí prio jardim. Mas com muita frequü eê ncia o padraã o eí
invertido, confundindo tudo;83 naã o haí maneira certa de saber quando (ou por queê ) a vida vai
desferir sobre noí s o seu proí ximo golpe OUA sua proí xima beê nçaã o. Esforços morais talvez naã o
paguem dividendos, e embora isso torne tudo ainda mais nobre, eí natural buscar algum tipo
mais seguro de investimento. Naqueles termos – que no versíículo 15 saã o duas vezes acentuados
com as palavras debaixo do sol – os prazeres simples da vida saã o os mais sadios. Naã o eí a primeira
vez que somos trazidos de volta a eles, nem seraí a uí ltima; mas Coelet jamais os valoriza
demasiadamente. Coloca-os sempre lado a lado com algum lembrete do lado duro da vida (aqui,
o seu trabalho), que eles soí podem mitigar.

O enigma permanece
8: 16 Aplicando-me a conhecer a sabedoria e a ver o trabalho que há sobre a terra—pois
nem de dia nem de noite vê o homem sono nos seus olhos—,
17 então, contemplei toda a obra de Deus e vi que o homem não pode compreender a obra
que se faz debaixo do sol; por mais que trabalhe o homem para a descobrir, não a entenderá; e,
ainda que diga o sábio que a virá a conhecer, nem por isso a poderá achar.

Se precisaí vamos ser lembrados de que o trabalho aí rduo e a vida simples soí podem
protelar nossas perguntas mais importantes, mas nunca respondeê -las, bastaria esta continuaçaã o
do conselho suave do versíículo 15. Os proí prios negoí cios 84 da vida nos levam a perguntar para
onde estaã o nos levando, e o que significam, se eí que significam alguma coisa. Nem eí preciso
Coelet nos indicar que esta eí exatamente a questaã o que nos derrota. A longa histoí ria das
filosofias do mundo, cada uma por sua vez denunciando as omissoã es de suas predecessoras,
torna isso mais o que claro.
Coelet o destaca, entretanto, dando-nos um raio de esperança atraveí s da maneira como o
faz. EÉ a obra de Deus que nos desconcerta (v.17); naã o eí “uma histoí ria contada por um idiota”.
Mas, e se ela for contada a um idiota? Parece que o capíítulo termina assim, sem deixar aos
nossos homens mais saí bios qualquer perspectiva de sucesso. Naã o obstante, captaremos melhor
o seu significado se considerarmos a alusaã o do versíículo 17ª concernente aà grande declaraçaã o de
3:11. Ali tambeí m encaramos nossa incapacidade de conhecimento, mas vimos que tanto a
eternidade quanto o tempo tem acesso aà s nossas mentes. Embora os, como habitantes do tempo,
vejamos a obra de Deus em lampejos tantalizantes, o proí prio fato de podermos indagar acerca de
todo o plano e de desejarmos veê -lo eí uma evideê ncia de que naã o somos prisioneiros totais do
nosso mundo.
Em palavras promissoras, esta eí uma evideê ncia naã o soí de como fomos feitos, mas tambeí m
de por quem fomos criados.

82
A frase acerca da sombra no v.13 deveria provavelmente ser entendida como “os seus dias, que saã o como
uma sombra”; cf. por exemplo 6:12, Sl 102:11; 109:23, etc. Com menos probabilidade, poderia descrever o
prolongamento das sombras ao entardecer; mas esse prolongamento anuncia, e naã o adia, a aproximaçaã o
da noite.
83
A BLH, contudo, aplica a frase “isso naã o tem sentido” aà s declaraçoã es dos versíículos 12ss., depois de
mudar a afirmaçaã o “eu sei....” para “eu sei que dizem...”. isto eí muito engenhoso, mas naã o faz parte do texto..
84
O insone do v. 16b eí considerado pela BLH como o pensador com o problema. Mas seria mais honesto
traduzir aplicando a refereê ncia aà s pessoas que ele observa. Cf. a BV: “observei tudo o que acontecia em
toda a terra – uma atividade contíínua, dia e noite sem parar.”
Eclesiastes 9:1-18 -
Perigo
Antes que a eê nfase positiva dos treê s capíítulos finais possa vir aà tona, temos de nos
certificar de que estaremos edificando sobre algo que naã o estaí desprovido da realidade nua e
crua. E, caso acariciemos alguma ilusaã o confortadora, o capíítulo 9 nos coloca diante do pouco
que sabemos e a seguir com a vastidaã o daquilo que naã o podemos controlar: particularmente, a
morte, os altos e baixos da sorte e os possííveis favores caprichosos da multidaã o. Em primeiro
lugar, poreí m, ele faz uma pergunta crucial: estamos nas maã os de um amigo ou de um inimigo?

Será amor ou ódio?


9: 1 Deveras me apliquei a todas estas coisas para claramente entender tudo isto: que os
justos, e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou se é ódio que está à sua
espera, não o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro.
Soí precisamos usar os olhos sem preconceito, de acordo com o Salmo 19 e Romanos
1:19ss., para ver que haí um Criador poderoso e glorioso. Mas eí preciso mais do que uma simples
observaçaã o para descobrir qual a disposiçaã o dele para conosco. Quer tomemos aqui as palavras
amor e ódio como uma forma bííblica de dizer "aceitaçaã o ou rejeiçaã o", ou simplesmente em seu
sentido primaí rio, teremos, de qualquer maneira, apenas uma vaga resposta acerca do caraí ter do
Criador se considerarmos o mundo em que vivemos, com sua mistura de deleite e terror, de
beleza e repugnaê ncia.85
Se a questaã o fosse colocada no lugar exato, ainda seria desconcertante; e quanto menos aà
vontade nos sentííssemos, tanto mais nos sentirííamos entregues nas mãos de Deus (v. 1a). Mas
agora Coelet torna a questaã o ainda mais difíícil para noí s, destacando um fato que parece colocar a
balança decisivamente contra noí s (sempre supondo que estamos raciocinando apenas baseados no
que podemos ver). Entaã o, ainda por cima, antes de concluir o capíítulo, ele nos faz enfrentar dois
fatos associados ao anterior. O primeiro dos treê s eí a morte.

A morte
9: 1 Deveras me apliquei a todas estas coisas para claramente entender tudo isto: que os
justos, e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus; e, se é amor ou se é ódio que está à sua
espera, não o sabe o homem. Tudo lhe está oculto no futuro.
2 Tudo sucede igualmente a todos: o mesmo sucede ao justo e ao perverso; ao bom, ao puro e
ao impuro; tanto ao que sacrifica como ao que não sacrifica; ao bom como ao pecador; ao que jura
como ao que teme o juramento.
3 Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo;
também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem; depois,
rumo aos mortos.
4 Para aquele que está entre os vivos há esperança; porque mais vale um cão vivo do que um
leão morto.
5 Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem
tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento.
6 Amor, ódio e inveja para eles já pereceram; para sempre não têm eles parte em coisa
alguma do que se faz debaixo do sol.
7 Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de
antemão se agrada das tuas obras.
8 Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça.

85
Podemos imaginar, entretanto, que o versíículo 1b fala de atitudes humanas e naã o divinas; cf. BJ: "O homem naã o conhece o amor
nem o oí dio". Delitzsch e alguns outros, inclusive a BLH, concluem a partir de 1a que o homem naã o eí suficientemente dono de si
mesmo para saber se vai amar ou odiar numa determinada situaçaã o (embora naã o negando ser responsaí vel por aceitar ou rejeitar o
sentimento que experimenta). Para mim, a eê nfase na inescrutabilidade de Deus em 8:17, imediatamente antes deste versíículo, torna
mais provaí vel (e mais relevante ao argumento) que aqui se trata da atitude de Deus e naã o do homem.
9 Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu
debaixo do sol; porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo
do sol.
10 Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além,
para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.
Se estamos certos em iniciar o versíículo 2 com as palavras "Tudo lhe estaí oculto no futuro (v.
1c), o fato eí que, embora as coisas que nos cercam naã o nos deê em qualquer indicaçaã o do que Deus
pensa de noí s, nossas esperanças tornam tudo muito claro. A julgar pelas apareê ncias, Deus
simplesmente naã o se importa. As coisas que supostamente deveriam lhe interessar mais acabam naã o
fazendo diferença alguma (pelo menos, nenhuma que se perceba) na forma como somos descartados
no final. Moral ou imoral, religioso ou profano, somos todos ceifados da mesma maneira. Daqui a cem
anos, como dizemos, continuaraí sendo a mesma coisa.
Mas, embora a morte pareça dizer isso - e ela sempre daí um jeito de ficar com a uí ltima
palavra - noí s imediatamente apresentamos um protesto. Coelet fala por noí s todos ao exclamar:
"isso eí o pior de tudo o que acontece neste mundo" (v. 3b - BLH). O que talvez naã o tenhamos notado,
pois ele naã o chama a nossa atençaã o para isso neste ponto, eí que este sentimento de ultraje eí um fato
taã o certo a nosso respeito quanto a nossa mortalidade. O que torna este livro taã o fascinante saã o
principalmente estas colisoã es entre os fatos obstinados da observaçaã o e as intuiçoã es igualmente
obstinadas. Assim ele nos impulsiona rumo a uma sííntese que fica muito aleí m de suas paí ginas -
neste caso, a perspectiva da recompensa e do castigo no mundo futuro.
Enquanto isso, examinamos o mundo como ele se nos apresenta, tendo a morte como
obliteradora universal e o mal aumentando em profusaã o. As duas coisas teê m uma certa relaçaã o.
Viver em um mundo aparentemente sem significado eí profundamente frustrante, e a desilusaã o daí
lugar aà aniquilaçaã o e ao desespero, aà loucura dos violentos ou ao desespero dos solitaí rios.
Seraí que o desespero eí tudo que nos resta? Para nossa surpresa, o homem de um modo
geral pensa que naã o, ou, entaã o, a raça humana jaí teria acabado haí muito tempo. E Coelet concorda
com isso. A vida decididamente vale a pena ser vivida. Afinal, na pior das hipoí teses, ou quase isso,
a vida eí melhor do que o nada, que eí o que a morte parece ser. O forte senso praí tico do versíículo
4,86 com o popular proveí rbio ilustrando o seu ponto de vista, abre caminho para uma recusa
vigorosa nos proí ximos dois versíículos em deixar que a morte intimide os vivos antes da hora. Antes,
que a vida meta a morte no chinelo! Seraí que o homem vivo sabe tanto para se sentir consolado?
Mas de que valeria ser um cadaí ver sem saber nada, 87 sem esperar nada, sem nenhum valor no
mundo?
Sob a proí pria sombra da morte, este espíírito positivo ilumina o restante da passagem (vs. 7-10)
tanto quanto o faria uma coisa temporal, pois, embora naã o seja a resposta completa, desfruta da
aprovaçaã o de Deus. Naã o eí aà toa que ele eí a fonte de todos os dons da vida terrena: o paã o e o vinho,
as festas e o trabalho, o casamento e o amor.
Haí notaí veis semelhanças entre esta passagem (9:7-10) e algumas linhas da Epopeí ia de
Gilgamesh, um poema acadiano que data do tempo de Abraaã o ou antes e que era muito conhecido
no mundo antigo. Neste ponto da histoí ria o heroí i, impelido pela morte de seu grande amigo a ir em
busca da imortalidade, chega ao jardim dos deuses. Ali a jovem Siduri, a fabricante de vinhos, lhe
fala:
"Gilgamesh, por onde voceê estaí vagueando?
A vida que estaí procurando, voceê nunca encontraraí ,
pois os deuses, quando criaram o homem, deram-lhe
a morte como quinhaã o, e a vida
ficou retida nas maã os deles.
Gilgamesh, encha o estoê mago!
Alegre-se dia e noite,
encha os seus dias de alegria,

86
O TM diz "aquele que eí escolhido" (Vbhr), que daí pouco sentido e parece ser um erro de copista na palavra "junto" (com os
vivos) (Vhbr), que tem o apoio da LXX et al.
87
Fora do contexto, os mortos não sabem cousa nenhuma (v. 5) tem aà s vezes sido tratado como uma declaraçaã o doutrinaí ria
direta. Mas, mesmo aà parte do meí todo do autor, tanto esta declaraçaã o como a seguinte (nem tão pouco terão eles recompensa)
entrariam em choque com outras passagens bííblicas se fossem assim interpretadas. Cf., por exemplo, Lc 16:23ss.; 2 Co
5:10.
dance e faça muí sica de dia e de noite.
Use roupas limpas,
tome banho e lave a cabeça.
Olhe para o filho que lhe segura a maã o,
e que sua esposa se deleite com o seu abraço.
Apenas essas coisas dizem respeito ao homem."88
Este naã o eí o uí nico lugar onde se encontram sentimentos deste tipo. A cançaã o de um banquete
fuí nebre egíípcio, talvez mais ou menos contemporaê neo de Gilgamesh, conteí m o seguinte conselho,
apoí s advertir os vivos acerca do que teraã o de enfrentar:
"Realiza os teus desejos enquanto estiveres vivo. Unge a tua cabeça com mirra, veste-te de
linho fino, e unge-te..., e naã o aborreças o teu coraçaã o, ateí que chegue o dia da lamentaçaã o."89
Um escritor moderno, no entanto, destaca acertadamente a nota diferente tocada por Coelet
ainda que ele escreva nesse mesmo tom. "Os seus conselhos recomendando aceitar e gozar o que eí
possíível em cada caso conteê m um lembrete da existeê ncia de Deus", na verdade de "uma vontade
positiva de Deus".90 Isto estaí particularmente claro na convicçaã o do versíículo 7b, de que Deus jaí
aceitou o gesto de gratidaã o. Esse gesto eí considerado naã o apenas de gratidaã o, mas de humildade e
avidez, na maí xima faze-o conforme as tuas forças (v. 10). E, neste ponto, a brevidade da vida tornou-
se um impulso, como o foi para o nosso Senhor quando falou da chegada da "noite ... quando
ningueí m pode trabalhar" (Jo 9:4). Mas uma caracteríística deste livro eí que, ateí mesmo nesta
conexaã o, a morte naã o eí apresentada com uma visaã o passageira, mas com um olhar fixo para os seus
aspectos desoladores. A morte, poreí m, naã o eí o uí nico perigo.

Mudanças e oportunidades
9: 11 Vi ainda debaixo do sol que não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes, a vitória,
nem tampouco dos sábios, o pão, nem ainda dos prudentes, a riqueza, nem dos inteligentes, o favor;
porém tudo depende do tempo e do acaso.
12 Pois o homem não sabe a sua hora. Como os peixes que se apanham com a rede traiçoeira
e como os passarinhos que se prendem com o laço, assim se enredam também os filhos dos homens
no tempo da calamidade, quando cai de repente sobre eles.
O tempo e o acaso estaã o lado a lado, sem duí vida porque ambos teê m um jeito de arrancar
subitamente as coisas de nossas maã os. Isto eí bastante oí bvio no que se refere aà s oportunidades, pois
a provideê ncia opera em segredo, e na perspectiva do homem a vida eí feita principalmente de passos
rumo ao desconhecido e de acontecimentos que surgem do nada, que podem mudar totalmente o
padraã o da nossa existeê ncia num dado momento. Quanto ao tempo, o capíítulo 3, com o "tempo de
nascer ... tempo de morrer", e assim por diante, jaí provou quaã o inexoravelmente nossas vidas saã o
jogadas de um extremo para o outro pela força das vagas da mareí que naã o podemos controlar. Tudo
isso vem contrabalançar a impressaã o que podemos adquirir das maí ximas acerca do trabalho duro, de
que o sucesso eí nosso quando queremos. No mar da vida somos mais como os peixes que se
apanham com a rede traiçoeira, ou os que saã o inexplicavelmente poupados, e naã o os donos de
nosso destino nem os capitaã es de nossas almas.
A terceira coisa que perturba os nossos caí lculos apresenta-se-nos de forma um tanto
enternecedora na pequena paraí bola dos versíículos 13-16, e nas reflexoã es que perpassam o resto
do capíítulo.

A inconstância dos homens


9: 13 Também vi este exemplo de sabedoria debaixo do sol, que foi para mim grande.
14 Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens; veio contra ela um grande rei,
sitiou-a e levantou contra ela grandes baluartes.
15 Encontrou-se nela um homem pobre, porém sábio, que a livrou pela sua sabedoria;
contudo, ninguém se lembrou mais daquele pobre.
16 Então, disse eu: melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre é
desprezada, e as suas palavras não são ouvidas.
88
A Epopeí ia de Gilgamesh, parte da placa X, traduzida por H. Frankfort et al., em Before Philosophy (Pelican, 1949), paí g.
226.
89
Traduzido para o ingleê s por A. Erman, em The Literature of the Ancient Egyptians (Methuen, 1927), paí g. 133.
90
G. von Rad. Old Testament Theology (Traduçaã o inglesa, Oliver and Boyd, 1962), I, paí g. 457.
17 As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa
entre tolos.
18 Melhor é a sabedoria do que as armas de guerra, mas um só pecador destrói muitas
coisas boas.

Podemos identificar-nos imediatamente com o povo da pequena cidade sitiada, e sentimos o


seu alíívio quando o estrategista amador (ou seria um diplomata?) daí o seu golpe de mestre. Se
formos honestos, poderemos ver-nos ainda na uí ltima cena, quando todos se esqueceram totalmente
dele. Mas a paraí bola naã o eí uma faí bula que visa mostrar o que as pessoas deveriam fazer: eí uma
histoí ria de adverteê ncia para mostrar como elas saã o. Se formos nos identificar com algueí m, seraí com o
homem pobre, porém sábio. Naã o que devamos nos imaginar como consultores universais, mas
simplesmente que, eí triste dizer, deverííamos aprender a naã o contar com nada taã o transitoí rio como
a gratidaã o puí blica.
"O frio, por mais intenso,
Naã o machuca tanto quanto
Um benefíício naã o lembrado,
E, embora as aí guas congele,
Naã o traz sofrer mais agudo
Que o de um amigo olvidado.91"
No padraã o do capíítulo este eí mais um exemplo do que eí imprevisíí vel e cruel na vida, para
solapar a nossa confiança naquilo que poderííamos fazer com nossas proí prias forças. Os dois
uí ltimos versíículos (vs. 17ss.) constituem um arremate aà paraí bola, mostrando, primeiro, como a
sabedoria eí preciosa e, entaã o, como ela eí vulneraí vel. Somos abandonados com a suspeita de que, na
políítica humana, a uí ltima palavra fica geralmente com os gritos do versíículo 17 ou com o aço frio do
versíículo 18. Raramente com a verdade, raramente com o meí rito.

Terceiro Resumo:
Retrospectiva de Eclesiastes 7:1-9:18
As palavras do nosso autor, como as de Jeremias, poderiam ser assim resumidas:
"para arrancares e derribares,
para destruííres e arruinares,"
mas, entaã o, e apenas entaã o,
"para edificares e para plantares".92
Ao chegar ao final do capíítulo 9 ele jaí apresentou os argumentos contra a nossa auto-
suficieê ncia. A primeira metade do livro, cujo andamento resumimos rapidamente aà s paí ginas 36 e 51,
deixou-nos poucas desculpas para a complaceê ncia, e os treê s uí ltimos capíítulos teê m insistido ainda
mais no assunto.
Ao contraí rio dos textos anteriores, os proveí rbios e as reflexoã es de 7:1-22 naã o nos aliviaram de
nossa preocupaçaã o principal, embora os intitulaí ssemos de interluí dio. Com poucas exceçoã es, as
afirmaçoã es saã o todas severas (por exemplo, 7:1-4) e ateí mesmo, sob certo aspecto, cíí nicas (7:15-18),
impelindo duramente o secularista contra o fato e as implicaçoã es da morte (para ele). E quando o
argumento foi retomado em 7:23, levantou novas duí vidas quanto aà sabedoria humana. O capíí tulo 2
jaí apresentara o fato de que o saí bio eí taã o mortal quanto o estulto. Agora, poreí m, surge a questaã o
premente: se, afinal de contas, a sabedoria na verdade pode ser alcançada. Por mais saí bio que
algueí m possa ser em muitos detalhes da vida (8:1-6; 9:13-18), tornou-se claro que ele nunca chegaraí
ao aê mago das coisas ou sequer aà certeza de que a verdade, caso a descubra, poderaí ser enfrentada.
"Quem o acharaí ?" (7:24); "como haí de ser" (8:7); "se eí amor ou se eí oí dio ... naã o o sabe o homem"
(9:1).
Sob outros aspectos tambeí m o quadro se obscureceu. Agora temos relances de torpeza moral,
de injustiça naã o apenas desenfreada mas tambeí m admirada (8:10ss.), e do homem que, aleí m de
fraco, tambeí m "estaí inteiramente disposto a praticar o mal", seguindo o seu caminho "cheio de
maldade" (8:11; 9:3). E, ao longo da destruiçaã o que a morte traz e que jaí foi enfatizada por todo o
91
Shakespeare, As You Like It, Ato II, Cena 7.
92
Jr 1:10.
livro, surgem agora os perigos do tempo e da casualidade (9:11ss.), para tornar ainda mais inuí teis
os planos do homem.
Apesar de tudo isto, houve alguns lampejos de coisas melhores, mantendo dentro de noí s um
pouco de esperança, a ser acalentada e justificada nos capíítulos restantes, pois finalmente Coelet
acabou sua obra de demoliçaã o. O local foi desobstruíído: ele pode começar a edificar e a plantar. Quer
consideremos o proí ximo capíítulo como um modesto começo deste processo, quer como um
interluí dio para aliviar a tensaã o (comparaí vel a 4:9 - 5:12 e 7:1-22), ele vai permitir que retomemos o
foê lego antes de voltarmos aà veemente questaã o do livro: se a vida tem algum significado e, se tem,
qual eí .
No iníício, entaã o, haí questoã es de senso praí tico que conveí m notarmos, pois fazem parte da
sabedoria e de uma vida saã tanto quanto as perguntas que temos de responder, dentro dos limites do
nosso conhecimento. Apoí s sermos estabilizados com os lembretes para sermos sensatos (capíítulo 10),
podemos nos atirar com mais segurança ao convite para sermos corajosos (11:1-6), alegres (11:7-10) e
tementes a Deus (capíítulo 12).

Eclesiastes 10:1-20 -
Interlúdio: Sê prudente!
Este capíítulo apresenta uma visaã o calma da vida, escolhendo os exemplos a esmo a fim de
ajudar-nos a manter elevados os nossos proí prios padroã es, sem nos surpreendermos demais com as
esquisitices das outras pessoas nem ficarmos indefesos ao nos depararmos com os poderosos.

Loucura
10:1 Qual a mosca morta faz o ungüento do perfumador exalar mau cheiro, assim é para a
sabedoria e a honra um pouco de estultícia.
2 O coração do sábio se inclina para o lado direito, mas o do estulto, para o da esquerda.
3 Quando o tolo vai pelo caminho, falta-lhe o entendimento; e, assim, a todos mostra que é
estulto.
O versíículo 1 coloca de forma pitorescamente desagradaí vel o princíípio com o qual se concluiu
o capíítulo anterior: que eí preciso muito menos para arruinar uma coisa do que para criaí -la. Isto, a
propoí sito, faz parte das vantagens do mal e do apelo que este exerce sobre a nossa parte maí , pois
dizendo-o da maneira rude como Coelet o faz, eí mais faí cil criar fedor do que perfume. Mas neste
versíículo o que cria o problema eí a suí bita falta ou o impulso tolo; e haí infinitos exemplos de
preê mios que foram perdidos e de bons começos que foram estragados em um soí momento de
imprudeê ncia, naã o apenas pelos irresponsaí veis, como Esauí , mas tambeí m pelos que estavam sendo
dolorosamente provados, como Moiseí s e Araã o.
No versíículo 2 algumas versoã es modernas foram infelizes ao usar uma anatomia duvidosa,
tipo "o coraçaã o do saí bio estaí aà sua maã o direita... "(ERC). Talvez a BJ seja a melhor traduçaã o, ainda
que livre: "O saí bio se orienta bem, o insensato se desvia". A maã o direita e a maã o esquerda sempre
foram generalizadamente consideradas como sendo respectivamente de boa sorte e de maí sorte;
coisa boa e maí (cf. o sentido da palavra latina sinistro, que significa "esquerda"). Na figura que o
nosso Senhor usou para com as ovelhas e os bodes, os dois lados correspondem a dois vereditos
contraí rios. Mas, de maneira menos decisiva, tambeí m haí beê nçaã os provenientes da maã o direita e da
maã o esquerda, diferindo apenas em grau.93 O estulto, portanto, inclina-se para o que tem menos
valor, o menos bom e, aleí m disso, para o que eí positivamente errado. A prefereê ncia apresenta-se de
muitas maneiras, naã o apenas moral e espiritualmente. Por outro lado, as predileçoã es do homem
saí bio saã o enunciadas na grande lista dos "tudo o que eí " de Filipenses 4:8.
No versíículo 3 surge a comeí dia, como acontece frequü entemente em Proveí rbios ao tratar deste
tema. No parecer praí tico de Coelet, o estulto naã o tem como disfarçar o que eí ,94 a naã o ser talvez com
o sileê ncio total (cf. Pv 17:28). Mesmo assim o seu comportamento de algum modo o acabaraí
denunciando. Mas de fato ele eí convencido demais para se abster de expor seus pontos de vista a
todos que venha a conhecer. Julgando a partir de Proveí rbios, suas frases elaboradas saã o incongruentes

93
Cf. Efraim e Manasses, Gn 48:13ss.; veja tambeí m Pv 3:16.
94
Um sentido alternativo para 3b seria gramaticalmente possíível: "chama a todos de estultos". Os comentaristas se dividem a
esse respeito, mas a maioria das traduçoã es portuguesas concordam com a ERAB.
(Pv 17:7) e suas observaçoã es sem tato, impertinentes (Pv 18:6); e quando se fala com ele, naã o presta
atençaã o (Pv 18:2). Se tem uma mensagem para algueí m transmite-a com erros, e se de repente faz uma
observaçaã o saí bia, eí por acaso (Pv 26:6ss.). Felizmente pode-se sentir a sua aproximaçaã o pelos
esforços que todos fazem para desaparecer (Pv 17:12).

A corda bamba social


10:4 Levantando-se contra ti a indignaçaã o do governador, naã o deixes o teu lugar, porque o
aê nimo sereno acalma grandes ofensores. 5 Ainda haí um mal que vi debaixo do sol, erro que procede
do governador: 6 O tolo posto em grandes alturas, mas os ricos assentados em lugar baixo. 7 Vi os
servos a cavalo, e os prííncipes andando a peí como servos sobre a terra.
Por traí s do suave conselho do versíículo 4, percebe-se um agudo senso de observaçaã o, pois o
que ele nos convida a notar eí o mais absurdo fenoê meno humano: o acesso de raiva. Se a pessoa
consegue reconhecer os seus sintomas, pode livrar-se de prejuíízos provocados por ela mesma, pois,
embora possa sentir-se sublime "demitindo-se do seu posto" (ostensivamente por princíípio, mas na
realidade em um acesso de orgulho), na verdade isto eí menos impressionante e mais imaturo do
que parece. Submeter-se aà s autoridades, aleí m de ser dever do crente (como o Novo Testamento nos
ensina, 1 Pe 2:18ss.), tambeí m eí saí bio, uma vez que a ira que pode ser acalmada pelo ânimo sereno
(v. 4b) tem ela mesma os sintomas de um acesso de raiva; e uma pessoa nessa condiçaã o eí melhor
do que duas.
Pior ainda, talvez, do que o autocrata eí o covarde. Com ele no poder tudo pode acontecer. As
transformaçoã es sociais do versíículo 6 e 7 acontecem por causa do governador do versíículo 5 e nos
fazem pensar em quaã o fraí geis saã o as nossas pequenas hierarquias. Mas qualquer eí poca pode ser
tomada de surpresa. Do antigo Egito, muitos seí culos antes destas palavras terem sido escritas,
recebemos as desoladas observaçoã es que nos parecem taã o oportunas quanto as de Coelet:
"Ora, imaginem, os nobres estaã o se lamentando, enquanto os pobres se alegram..."
"Imaginem soí , todas as servas soltaram a lííngua. Quando as senhoras falam, as servas se
aborrecem... Eis que as senhoras da nobreza saã o agora respigadeiras, e os nobres estaã o na
oficina."95
Se haí quem se sinta inclinado a aplaudir, Coelet naã o vai exatamente discutir com eles, pois o
seu alvo, do começo ao fim, eí sacudir a nossa feí pateí tica na permaneê ncia de nossas açoã es; e, de forma
alguma, ele tem ilusoã es quanto aos homens que estaã o por cima.96 Mas ele tampouco considera tais
deposiçoã es como triunfos da justiça social. Os exemplos que ele testemunhou foram tanto giros da
roda da fortuna (v. 7), como tambeí m, nomeaçoã es de pessoas erradas (o tolo posto em grandes
alturas, v. 6). Podemos noí s mesmos imaginar as intrigas, as ameaças, as bajulaçoã es e os subornos
que lhes abriram o caminho.

Fatos concretos da vida


10:8 Quem abre uma cova nela cairá, e quem rompe um muro, mordê-lo-á uma cobra.
9 Quem arranca pedras será maltratado por elas, e o que racha lenha expõe-se ao perigo.
10 Se o ferro está embotado, e não se lhe afia o corte, é preciso redobrar a força; mas a
sabedoria resolve com bom êxito.
11 Se a cobra morder antes de estar encantada, não há vantagem no encantador.
O ponto de vista em que se baseiam estas observaçoã es naã o eí o fatalismo, como se poderia
deduzir dos versíículos 8 e 9 por si mesmos, 97 mas um realismo elementar. O lampejo ofuscante do
oí bvio no versíículo 10, apoiado pelo humor sarcaí stico do versíículo seguinte, acaba com qualquer
duí vida. Somos instados a usar a cabeça, olhando um pouco mais adiante, pois qualquer açaã o
vigorosa envolve riscos, e a pessoa que noí s chamamos de desastrada geralmente deve culpar-se a si
mesma e naã o aà sua sorte. Ela deveria saber, deveria tomar cuidado. Mas Coelet faz-nos entrever uma
paraí bola falando em cova e serpente, pois a cova que serve de arapuca para quem a fez era uma figura

95
"As Adverteê ncias de Ipu-wer", traduzidas para o ingleê s por John A. Wilson em ANET, paí gs. 441s. Provavelmente
escritas antes de 2000 a.C.
96
Cf. 3:16; 4:lss., 13ss.; 5:8s.
97
As afirmaçoã es dos versíículos 8ss. saã o generalizaçoã es, deixando de fora as exceçoã es e meras probabilidades por causa do
resumo bem definido. A BV os traduz: "pode acabar caindo nele... pode ser mordido", etc. sacrificando um pouco a sua
poteê ncia.
proverbial da justiça poeí tica,98 e a serpente que naã o se percebe era a proí pria imagem da retribuiçaã o
que nos pega de emboscada. Era assim que o profeta Amoí s entendia, como tambeí m as testemunhas
do encontro de Paulo com a vííbora.99
Assim, talvez o versíículo 8 esteja apresentando um aspecto diferente do versíículo 9, dirigido
mais aos inescrupulosos do que aos irresponsaí veis. Quanto a estes uí ltimos, eles (ou noí s?) saã o muito
bem atingidos nos versíículos 10 e 11, primeiro com a esmerada pacieê ncia que se deve ter para com
os ignorantes e, entaã o, com um lampejo de bom senso e um toque de farsa. Depois do
surpreendente começo, onde a cobra eí raí pida demais, quase podemos perceber a indiferença que
acompanha a uí ltima linha, como a dizer: "o encantador perde a sua remuneraçaã o". Quanto aà
víítima... para que perguntar?

Bom senso e falta de senso


10: 12 Nas palavras do sábio há favor, mas ao tolo os seus lábios devoram.
13 As primeiras palavras da boca do tolo são estultícia, e as últimas, loucura perversa.
14 O estulto multiplica as palavras, ainda que o homem não sabe o que sucederá; e quem lhe
manifestará o que será depois dele?
15 O trabalho do tolo o fatiga, pois nem sabe ir à cidade.
As palavras saã o naturalmente um assunto preferido pelos escritores da Sabedoria, pois
desempenham um papel oí bvio na arte de viver; e eí a arte, e naã o o objetivo da vida, que predomina
neste capíítulo.
Mas depois de examinarmos rapidamente o uso correto das palavras, enfrentaremos
demoradamente o seu mal uso. Quem sabe a proporçaã o desses enfoques seja justa.
Dizer, como muitas versoã es modernas, que nas palavras de um homem saí bio haí favor (v. 12) eí
apenas meia verdade, embora isto faça um perfeito contraste com a segunda linha. O que realmente
estaí sendo dito eí que suas palavras saã o "cheias de graça" (ER). Mais do que outra coisa, eí
certamente isto que abrange igualmente encanto e delicadeza, que obteí m o favor. Acima de tudo,
poreí m, ela eí desinteressada e brota da humildade baí sica que eí o princíípio da sabedoria.
Da mesma forma, o pequeno retrato do tolo indica as atitudes interiores que jazem por traí s
de suas palavras. Se rimos dele no versíículo 3, vemos agora o seu lado traí gico e perigoso. Nas
Escrituras ele eí considerado mais teimoso do que obtuso: as suas ideí ias (e, portanto, suas palavras)
recusam-se a aceitar a existeê ncia de Deus. EÉ o que se diz claramente no versíículo 13, desdobrando-se
todo o processo, desde o seu tolo iníício ateí o seu fim desastroso. Esse fim, a loucura perversa, talvez
pareça chocante demais para ser verdade; mas os seus dois elementos, o moral e o mental, saã o os
frutos finais da recusa em aceitar a vontade e a existeê ncia de Deus. Se haí incontaí veis increí dulos cujo
fim terreno dificilmente poderia ser descrito como perversidade ou loucura, eí apenas porque a
loí gica de sua incredulidade naã o foi levada aos extremos, devido aà graça misericordiosa de Deus.
Mas, quando toda uma sociedade se torna secular, o processo eí muito mais evidente e completo.
Os versíículos seguintes examinam dois aspectos da conversa de um tolo. Ela eí imprudente, naã o
lhe fazendo bem algum (v. 12); e indecorosa, naã o demonstrando qualquer acanhamento diante do
desconhecido (v. 14). Embora este seja o caso com todos noí s, em nossos proí prios momentos de tolice,
eí verdade em um níível mais seí rio na vida do verdadeiro tolo, do homem sem Deus, cuja maneira de
falar trai em tudo os seus pontos de vista (cf. Mt 12:34-37) e cujas opinioã es confiantes jovialmente
ignoram a nossa necessidade humana de revelaçaã o.
O versíículo 15 eí um apeê ndice do proí prio tolo, mas apenas um saí bio saberia exatamente o que
significa! A segunda linha eí evidentemente um arremate proverbial sobre o tipo de pessoa que
consegue errar nas coisas mais simples (cf. Is 35:8); ele se perderia, como dirííamos hoje, ateí mesmo
se o colocaí ssemos numa escada rolante. Esta linha ficaria mais simplesmente traduzida sem o
"pois" com que inicia: (algueí m) que "nem sabe ir aà cidade!" Assim começa a surgir o quadro de um
homem que, por causa de sua estupidez, torna as coisas desnecessariamente difííceis para si proí prio.
Muito possivelmente haí uma conexaã o com o tolo loquaz do versíículo anterior, que faz tempestade
em um copo de aí gua em assuntos que estaã o totalmente aleí m de sua alçada; mas muito
provavelmente estamos sendo apresentados a apenas mais um lado da estrutura de uma pessoa
tola. Neste caso, isto tambeí m se encaixa no tema do livro, com a sua eê nfase sobre a inutilidade de
qualquer trabalho que naã o tenha objetivo (cf., por exemplo, 1:8; 2:18-23); e quem sabe devemos
98
Por exemplo, Sl 7:15; 9:15; 35:7ss.; 57:6.
99
Am 5:18-20; 9:3; Atos 28:4.
lembrar que, em uí ltima anaí lise, eí isto que pode fazer-nos de tolos. O livro termina com uma
adverteê ncia ao tolo culto, cujo "muito estudo" apenas o desgasta e o afasta do que eí mais importante
(a suma, 12:12ss.), que eí o temor de Deus. Estar sempre aprendendo, nunca alcançando nada, como 2
Timoí teo 3:7 descreve algumas pessoas, eí ser uma pessoa fríívola que consegue se perder ateí mesmo
no caminho mais direto para a cidade. Isto eí loucura que naã o tem sequer a justificativa da
ignoraê ncia.

Principalmente acerca dos governantes


10:16 Ai de ti, ó terra cujo rei é criança e cujos príncipes se banqueteiam já de manhã.
17 Ditosa, tu, ó terra cujo rei é filho de nobres e cujos príncipes se sentam à mesa a seu
tempo para refazerem as forças e não para bebedice.
18 Pela muita preguiça desaba o teto, e pela frouxidão das mãos goteja a casa.
19 O festim faz-se para rir, o vinho alegra a vida, e o dinheiro atende a tudo.
20 Nem no teu pensamento amaldiçoes o rei, nem tampouco no mais interior do teu quarto,
o rico; porque as aves dos céus poderiam levar a tua voz, e o que tem asas daria notícia das tuas
palavras.
O capíítulo termina, assim como começou, com observaçoã es sagazes sobre procedimentos na
vida praí tica, como que para tornar a enfatizar que o interesse do saí bio nas questoã es importantes naã o
afeta o seu interesse pelo presente. O homem saí bio importa-se muito com a forma como o seu paíís eí
governado, e como deve se comportar e dirigir os seus negoí cios em um mundo que eí ao mesmo
tempo exigente (v. 18), gostoso (v. 19) e perigoso (v. 20).
Os versíículos 16 e 17 fazem-nos lembrar da influeê ncia que emana dos homens que estaã o laí em
cima, para estabelecer o ambiente de toda uma comunidade. Aplica-se tanto aà s comunidades
menores quanto aà s maiores. O primeiro quadro eí o de um governante sem dignidade ou sem
sabedoria, rodeado de homens responsaí veis. Caso queiramos considerar criança ou nobres nestes
versíículos em um sentido muito limitado, uma passagem anterior jaí nos fez ver que idade e status
naã o significam nada, mesmo para o rei, e jaí falou do jovem joaã o-ningueí m que chega com nada
mais a seu favor aleí m dos seus dotes naturais (4:13). A criança, ou "rapaz", do versíículo 16, bem
pode ser que seja um homem feito que nunca amadureceu (cf. Is 3:12), em contraste, por assim
dizer, com o jovem Josias que "sendo ainda moço, começou a buscar o Deus de Davi",100 para beê nçaã o
do seu paíís. E a mençaã o de nobres, ou "prííncipes", naã o eí um toque de esnobismo, mas apenas de
estabilidade políítica. Eles naã o saã o descritos nas Escrituras como exemplos de virtude, 101 nem
homens como Davi ou Jeroboaã o saã o desqualificados por naã o terem saíído desse cíírculo. A eê nfase de
ambos os versíículos eí dada pela profecia da derrocada social em Isaíías 3:1-5, onde os homens de peso
na comunidade seriam desapossados:
"Dar-lhes-ei meninos por prííncipes,
crianças governaraã o sobre eles...
o menino se atreveraí contra o anciaã o
e o vil contra o nobre."
Quanto aos cortesaã os decadentes (v. 16), Israel os conhecia muito bem. Os profetas pintam
quadros fieí is de suas farras diaí rias (Is 5:11,22), sua ociosidade acalentada (Am 6:4ss.) e seu
aviltamento ateí o estupor e a obscenidade (Is 28:7ss.). Em tais situaçoã es, a justiça e a verdade
transformam-se nos principais desastres nacionais, "tropeçando pelas praças" (Is 59:14).
Parece que os proveí rbios dos versíículos 18 e 19 foram colocados aíí especialmente por sua
aplicaçaã o aà vida dos poderosos, seus mandos e desmandos, seu uso e abuso dos dons de Deus, como
jaí vimos nos versíículos anteriores. Entaã o o versíículo 20 volta-se mais explicitamente para essa gente.
Certamente a preguiça (v. 18), que silenciosamente destroí i uma casa negligenciada ou um
espíírito indolente, eí taã o fatal para um reino quanto para um preí dio ou uma pessoa. Nada mais eí
preciso para que desabe, e nada eí mais devastador. Sejam quais forem os prejuíízos que possam ser
considerados, o apodrecimento naã o estaí entre eles, pois o tempo estaí a seu favor. Quanto aà s
autoridades indolentes castigadas pelos profetas nas passagens que consideramos, sua proí pria
decadeê ncia iria espalhar a sua podridaã o aà estrutura que os abrigava, ateí que esta desmoronasse
sobre suas cabeças.
100
2 Cr 34:3.
101
Saã o covardes em 1 Rs 21:8,11; excessivamente transigentes em Ne 6:17ss.; 13:17; e parte de um regime desastroso em
Jr 39:6.
No proveí rbio do versíículo 19, as duas primeiras linhas podem empatar com as cenas dos
festins, boas e maí s, que daã o iníício ao paraí grafo (16ss.); mas em qualquer outro contexto noí s as
verííamos relacionadas aà questaã o do dinheiro. Naã o eí preciso ser cíínico: a questaã o naã o eí que todo
homem tem o seu preço, mas que cada bem tem o seu uso; e a prata, na forma de dinheiro, eí o mais
versaí til de todos. Nosso Senhor fez o mesmo tipo de observaçaã o em Lucas 16:9, e
caracteristicamente descortinou uma nova visaã o ao fazeê -lo. No contexto atual, entretanto, as duas
primeiras linhas dos proveí rbios talvez destaquem que comer para refazer as forças, e não para
bebedice (v. 17), eí uma coisa boa, ao passo que os excessos naã o teê m sentido. Os dons de Deus saã o
todos eles bons, e o seu uso adequado e agradaí vel eí perfeitamente suficiente.
Com o versíículo 20 retornamos explicitamente aos homens do poder, inclusive do poder
financeiro (a que o versíículo 19c vai se referir especificamente). Eles naã o saã o uma companhia
agradaí vel. Para o leitor do seí culo vinte, haí algo de familiar em sua hipersensibilidade em relaçaã o aos
diz-que-diz, mas eles naã o precisam de espionagem eletroê nica. Eles naã o teriam atingido alturas
vertiginosas, nem permanecido laí , sem um sexto sentido para com os dissidentes.
Praí tico como sempre, o escritor veê isso como um fato da vida, e conclui o capíítulo com o
conselho de que se aprenda a conviver com isso. Sobreviver eí o primeiro passo, embora naã o seja de
forma alguma o uí ltimo. Agora ele jaí pode nos conduzir adiante ateí o clíímax do livro.

Eclesiastes 11:1-12:8 -
Em direção do alvo
Agora o passo torna-se mais acelerado. O cenaí rio permanece inalterado: tem as mesmas
sombras profundas e ocasionais fachos de luz, mas agora o consideramos com resoluçaã o e naã o com
ansiedade. Conhecemos o pior - melhor ainda: podemos partir na direçaã o certa.
Treê s diferentes investidas nos colocam no caminho dos "finalmentes". Podemos resumi-las nos
tíítulos que escolhemos aqui para as treê s partes que abrangem estes dois uí ltimos capíítulos: Seê
corajoso! Alegra-te! Teme a Deus!

Sê corajoso!
11:1 Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás.
2 Reparte com sete e ainda com oito, porque não sabes que mal sobrevirá à terra.
3 Estando as nuvens cheias, derramam aguaceiro sobre a terra; caindo a árvore para o sul
ou para o norte, no lugar em que cair, aí ficará.
4 Quem somente observa o vento nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca segará.
5 Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre
da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas.
6 Semeia pela manhã a tua semente e à tarde não repouses a mão, porque não sabes qual
prosperará; se esta, se aquela ou se ambas igualmente serão boas.
Isto nos leva diretamente ao saí bio conselho do capíítulo 10, que noí s resumimos na expressaã o:
"Seê prudente!" A cautela teve entaã o o seu devido lugar; agora, tem de ceder o caminho ao
empreendimento.
Uma das coisas frustrantes da vida observadas em 9:11 ss. foi o fato de que o tempo e as
oportunidades podem inverter os nossos melhores planos. Se isso eí um pensamento paralisante,
tambeí m pode ser um incentivo aà açaã o, pois, se haí riscos por toda parte, eí melhor falhar sendo
arrojado do que agarrando os recursos e guardando-os para noí s mesmos. Ateí parece que
sentimos o Novo Testamento soprando atraveí s dos dois primeiros versíículos, um reflexo do
paradoxo predileto de nosso Senhor, que disse: "Quem ama a sua vida, perde-a" e "com a medida
com que tiverdes medido vos mediraã o tambeí m". 102 Isto eí verdade, numa certa proporçaã o, quer
Coelet esteja falando aqui de ousadia nos negoí cios ou de simples generosidade, pois eí difíícil
discernir ao certo do que ele estaí realmente falando, 103 ou se ele fala primeiro de um e depois do
102
Jo 12:25; Mt 7:2.
103
"Envia" (naã o lança, que pode ser enganoso) daí ideí ia de comeí rcio, caso pão represente cereais ou a subsisteê ncia de algueí m.
Da mesma forma, o versíículo 2 com a sua refereê ncia a um futuro incerto jaí foi muitas vezes comparado ao ditado: "Naã o
colocar todos os ovos num uí nico cesto". Por outro lado, pão é o presente apropriado para o faminto (embora geralmente este
se encontre na localidade, naã o aleí m do mar), e a possibilidade de vir a enfrentar maus dias (2b) pode muito bem ser um
argumento para dar com liberalidade enquanto se pode. Cf. Atos 11:27-30; 2 Co 9:6ss.; Gl 6:7ss.
outro.
O pensamento dos versíículos 3 e 4 trazem novamente aà tona coisas sobre as quais nada
podemos fazer e aquelas que exigem uma firme decisaã o e açaã o. Os dois exemplos dados (as
nuvens que seguem suas proí prias leis e tempos, naã o os nossos, e a aí rvore caíída que naã o consul-
tou a convenieê ncia de ningueí m) podem nos levar a pensar no que pode acontecer e no que
poderia ter acontecido; a noí s, poreí m, cabe apenas agarrar o que realmente existe e o que estaí ao
nosso alcance. Saã o poucos os grandes empreendimentos que aguardaram condiçoã es ideais; noí s
tambeí m naã o podemos esperar. Entaã o o versíículo 5 relaciona o reino do desconhecido e do
desconhecíível com Deus, que faz todas as cousas. O exemplo que ele escolheu eí o das mais
notaí veis obras divinas, do qual dependem todos os nossos questionamentos e pensamentos: a
maravilha do corpo humano e o espíírito humano. Seraí que nosso Senhor tinha este versíículo em
mente ao falar a Nicodemos sobre o segundo nascimento? Tal como Coelet, ele usou
apropriadamente o fato de que uma mesma palavra serve na linguagem bííblica para vento (v. 4) e
para espírito como algumas versoã es traduzem no versíículo 5, 104 e captou os mesmos pontos: sua
invisibilidade e sua liberdade em relaçaã o ao nosso controle, mas tambeí m a sua poderosa
realidade.
O versíículo 6, arrematando a passagem, tem uma leveza de espíírito que novamente nos faz
lembrar o Novo Testamento. A verdadeira reaçaã o para com a incerteza eí um esforço redobrado,
"aproveitando o tempo", "quer seja oportuno, quer naã o", expressa por Coelet em termos de um
fazendeiro e o seu trabalho, e por Paulo em termos de colheita espiritual da boa semente do
evangelho e das obras de misericoí rdia.105
EÉ um conselho estimulante, sem ideí ias de vacilaçaã o, mas sem traços de bravata ou
irresponsabilidade. A proí pria pequenez de nosso conhecimento e de nossa capacidade de
controle, e a proí pria probabilidade de tempos difííceis (v. 2b), taã o frequü entemente enfatizados
para noí s em todo o livro, transformam-se em motivos para nos reanimar e levar aà atividade.
Neste estado de espíírito, podemos agora voltar-nos para os prazeres da vida, assunto dos
proí ximos versíículos, naã o como se fossem oí pio para nos tranquü ilizar, mas como revigorantes
dons de Deus.

Alegra-te!
11:7 Doce é a luz, e agradável aos olhos, ver o sol.
8 Ainda que o homem viva muitos anos, regozije-se em todos eles; contudo, deve lembrar-se
de que há dias de trevas, porque serão muitos. Tudo quanto sucede é vaidade.
9 Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade;
anda pelos caminhos que satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que de
todas estas coisas Deus te pedirá contas.
10 Afasta, pois, do teu coração o desgosto e remove da tua carne a dor, porque a juventude e
a primavera da vida são vaidade.
Com a sinceridade de sempre, estes versíículos combinam o deleite de viver com a
seriedade da vida. Cada alegria aqui eí confrontada com o seu oposto, ou o seu complemento; naã o
haí nenhuma tinta cor-de-rosa. A bem-aventurança de estar vivo eí captada pela beleza da sen-
tença que inicia a passagem: Doce é a luz ... (v. 7). E esta jovial radiaê ncia pode durar, como destaca
o versíículo 8a, ateí o final. Mas naã o aleí m. O autor naã o se retrata de sua insisteê ncia em dizer que,
por si mesmos, o tempo e todas as coisas temporais vaã o nos desapontar, pois temos a eternidade
em nossos coraçoã es (cf. 3:11). Essa luz tem de dar lugar aos dias de trevas e aà destruiçaã o de tudo
que haí debaixo do sol; e temos de enfrentar o fato, ou entaã o seremos destruíídos por ele. A alegria
naã o precisa de pretextos para se intensificar. Mas como ela pode sobreviver diante da morte e
das frustraçoã es do mundo eí um segredo que apenas o proí ximo capíítulo vai começar a desvendar.
Enquanto isso o versíículo 9 nos faz lembrar de um outro aspecto da alegria: sua relaçaã o
com aquilo que eí certo. AÀ primeira vista este lembrete do julgamento parece uma espada de
Damocles pendurada sobre a nossa cabeça, para roubar aà festa todo o seu sabor. Talvez seja verdade,
mas apenas se a nossa alegria for uma paroí dia da verdadeira alegria. Os caminhos que satisfazem ao
teu coração e agradam aos teus olhos, ou, em outras palavras, a verdadeira liberdade, devem ter um
alvo que valha a pena alcançar, um "muito bem!" que desejamos ouvir para ter satisfaçaã o. Caso
104
Cf. Jo 3:8.
105
Cf. Ef 5:16; 2 Tm 4:2ss.; 2 Co 8:2; 9:6.
contraí rio, a trivialidade ou, o que eí pior ainda, o víício assume a direçaã o. Seja qual for a conotaçaã o
que a palavra "playboy" tenha para noí s, sabemos que eí uma pessoa que naã o relaciona a sua vida
com coisa alguma que seja exigente, e muito menos com os valores eternos; eí uma pessoa miseraí vel.
Assim este versíículo, ao insistir que nossos caminhos interessam a Deus e saã o, portanto, significativos
em toda a sua extensaã o, naã o rouba alegria alguma, mas apenas acaba com o vazio.
A meu ver, o versíículo 10 acompanha esta linha de pensamento. AÀ primeira vista talvez naã o
pareça mais que um simples escapismo, uma tentativa desesperada de extrair o prazer de uma
situaçaã o sem sentido. Mas ele adquire mais sentido106 se for uma extensaã o do convite feito ao "jovem"
do versíículo 9 para regozijar-se na sua juventude, poreí m de maneira responsaí vel. Idolatrar a
condiçaã o de jovem e temer perdeê -la eí desastroso: prejudica o dom, mesmo enquanto ainda o
desfrutamos. Consideraí -lo, por outro lado, como uma fase passageira, "bela no seu tempo" mas naã o
aleí m dele, eí libertar-se de suas frustraçoã es. O desgosto do qual se fala neste versíículo vem a nosso
encontro mais de uma vez no livro como a amargura provocada por um mundo duro e frustrante.107
Ele tem o seu lugar para tornar-nos realistas, como destaca 7:3; naã o eí motivo, contudo, para nos
tornarmos pessimistas. Desde o seu iníício, este versíículo afasta a depressaã o; e a segunda linha,
remove da tua carne a dor, pode muito bem ser um eco a reforçar a primeira, segundo o estilo da
poesia hebraica. Mas tambeí m pode estar levando o pensamento um passo aleí m, ao reino moral, uma
vez que a palavra aqui traduzida por dor significa basicamente "mal"108. Neste caso, ela sincroniza
com o lembrete que diz que todos os nossos caminhos interessam a Deus, que eí o nosso juiz (v. 9c).
A alegria foi criada para dançar junto com a bondade e naã o sozinha.
Mas essa maneira positiva de encarar a vida, que perpassou todo este capíítulo, deve
repousar sobre alguma coisa mais substancial do que jovialidade, coragem, ou ateí mesmo
moralidade perfeita. O capíítulo final dedica-se ao que eí baí sico e insta conosco a que naã o percamos
tempo ocupando-nos tambeí m com isso.

Teme a Deus!
12:1 Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias, e
cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho neles prazer;
2 antes que se escureçam o sol, a lua e as estrelas do esplendor da tua vida, e tornem a vir as
nuvens depois do aguaceiro;
3 no dia em que tremerem os guardas da casa, os teus braços, e se curvarem os homens
outrora fortes, as tuas pernas, e cessarem os teus moedores da boca, por já serem poucos, e se
escurecerem os teus olhos nas janelas;
4 e os teus lábios, quais portas da rua, se fecharem; no dia em que não puderes falar em alta
voz, te levantares à voz das aves, e todas as harmonias, filhas da música, te diminuírem;
5 como também quando temeres o que é alto, e te espantares no caminho, e te
embranqueceres, como floresce a amendoeira, e o gafanhoto te for um peso, e te perecer o apetite;
porque vais à casa eterna, e os pranteadores andem rodeando pela praça;
6 antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro
junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço,
7 e o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.
8 Vaidade de vaidade, diz o Pregador, tudo é vaidade.
Finalmente estamos prontos, se a nossa intençaã o tem sido essa, para olhar aleí m das vaidades
terrenas para Deus, que nos fez para si. O tíítulo Criador109 foi bem escolhido, fazendo-nos lembrar
a partir de passagens anteriores no livro, que soí Deus veê o padraã o da existeê ncia como um todo
(3:11), que noí s estragamos a obra de suas maã os com as nossas "astuí cias" (7:29) e que a sua
criatividade eí contíínua e inescrutaí vel (11:5). A nossa parte, lembra-te dele, naã o eí um ato perfunctoí rio
ou puramente mental: eí deixar de lado a nossa pretensaã o aà auto-suficieê ncia, entregando-nos a ele.

106
Observe a relaçaã o existente entre as duas frases: a segunda daí razaã o aà primeira.
107
Veja 1:18; 2:23; 7:3 (heb.).
108
Isto naã o eí mais que uma possibilidade, pois em geral eí moralmente neutro (cf. 12:1). Contudo o conselho "remove da tua
carne o mal" (ER, ERC) daí uma introduçaã o mais adequada para a linha final: porque a juventude e a primavera da vida são
vaidade.
109
A versaã o inglesa (Today's English Version) sugere a possibilidade de haver um trocadilho entre "Criador" e "sepultura", jaí
que em heb. essas duas palavras teê m o mesmo som, mas grafia diferente. Contudo "sepultura" nunca vem acompanhada de
um possessivo (tua, etc), exceto quando usada em sentido primaí rio de "poço" ou "cisterna".
Isto eí o míínimo que as Escrituras exigem do homem em seu orgulho ou em situaçoã es extremas.110 No
seu sentido melhor e mais forte, a lembrança pode ser uma questaã o de fidelidade apaixonada, uma
lealdade taã o intensa quanto a do salmista para com a sua terra natal:
"Apegue-se-me a lííngua ao paladar,
se me naã o lembrar de
ti, se naã o preferir eu Jerusaleí m
aà minha maior alegria."111
Quando a lembrança significa tudo isto, naã o pode haver meias medidas ou contemporizaçaã o. A
juventude e o todo da vida naã o saã o suficientes para extravasaí -la. EÉ neste espíírito que de novo somos
instados a enfrentar o fato de nossa mortalidade. Desta uí ltima vez o trecho eí mais demorado. Ao
mesmo tempo eí uma das mais belas sequü eê ncias de figuras de palavras deste mestre da linguagem,
uma realizaçaã o suprema de sua dupla ambiçaã o: achar "palavras agradaí veis" e "palavras de
verdade" (v. 10).
No começo e no final desta passagem ele escreve diretamente, sem metaí foras. Ouvimos a
cadeê ncia da proí pria idade avançada nas palavras de saudade: Não tenho neles prazer" (v. 1), e no
versíículo 7 somos lembrados da sentença de Deus a Adaã o: "ao poí tornaraí s". Mas entre estes pontos
haí uma profusaã o de imagens, algumas das quais vaã o evocar com a maí xima vividez alguns aspectos do
envelhecimento ou da morte, enquanto outras nos provocam com alusoã es que a esta distaê ncia mal
podemos captar, despertando em noí s o poeta ou o pedante.
Deveria ser o poeta, ou pelo menos o apreciador da poesia. Se algumas obscuridades nestas
linhas podem ser esclarecidas, tanto melhor para acender a nossa imaginaçaã o; tanto pior, no entanto,
se elas nos levam a tratar este gracioso poema como se fosse um elaborado criptograma, forçando
cada detalhe em um simples e ríígido esquema.
No versíículo 2 percebemos no ar o frio do inverno, enquanto a chuva persiste e as nuvens
transformam a luz do dia em penumbra, e, entaã o, a noite em trevas de breu. EÉ uma cena bastante
sombria para fazer-nos pensar naã o apenas nos nossos poderes fíísicos e mentais que se desvanecem,
mas nas desolaçoã es mais generalizadas da idade avançada. Saã o muitas as luzes que ficam entaã o
sujeitas a serem apagadas, aleí m dos sentidos e das faculdades, quando os velhos amigos vaã o
partindo um a um, os costumes familiares vaã o mudando e esperanças haí muito acalentadas teê m de
ser abandonadas. Tudo isto chegaraí num estaí gio da vida quando jaí naã o haveraí mais a capacidade
de recuperaçaã o da juventude ou a perspectiva de uma compensaçaã o. No começo da vida e na
maior parte dela os problemas e as enfermidades saã o geralmente apenas contratempos, mas naã o
desastres. Esperamos que o ceí u finalmente clareie de novo. EÉ difíícil ajustar-se aà conclusaã o deste
longo capíítulo, e saber que agora, no trecho final, naã o haveraí mais possibilidade de melhora: as
nuvens vaã o sempre se ajuntar de novo e o tempo jaí naã o vai mais curar, mas sim matar.
Assim, estes fatos inexoraí veis saã o melhor enfrentados, naã o na idade avançada, mas na
mocidade, quando ainda podem nos levar aà açaã o, aquela reaçaã o total para com Deus que foi o
assunto do versíículo 1, sem desespero e arrependimentos vaã os.
Nos versíículos 3 e 4a o quadro muda.112 Jaí naã o eí mais a noite que cai, nem a tempestade ou o
inverno, mas uma grande casa em declíí nio. Suas antigas gloí rias de poder, estilo, vivacidade e
hospitalidade podem agora ser percebidas apenas atraveí s do contraste com suas poucas e pateí ticas
relííquias. Na corajosa luta pela sobreviveê ncia haí um lembrete da decadeê ncia quase mais perceptíível do
que a ruíína total. Ainda faz parte do nosso proí prio cenaí rio; o futuro nos aguarda e naã o podemos
fugir ao envolvimento com esse seu aperitivo.
Este quadro, na minha mente, fica mais visíível na sua inteireza e naã o quando eí
laboriosamente quebrado nas metaí foras que o constituem (braços, pernas, dentes humanos e
assim por diante) e que sem duí vida se encontram aíí como se o poeta se houvesse expressado inade-
quadamente. A casa que estaí em decadeê ncia revela-nos a noí s mesmos como nenhum cataí logo ou
inventaí rio poderia fazeê -lo.
Com a segunda metade do versíículo 4, entretanto, o meí todo muda, embora naã o a disposiçaã o.

110
Dt 8:17,18; Jn 2:7.
111
Sl 137:6.
112
Alguns, entretanto, veriam uma simples estrutura de refereê ncias por todo o poema; por exemplo, uma alegoria anatoê mica
do começo ao fim; ou uma impressaã o do inverno, da tempestade ou do anoitecer no que eles afetam o mundo da natureza e as
atividades dos homens; ou a narrativa de uma famíília a caminho do veloí rio na morte do seu patriarca. Quanto a discussoã es
dessas teorias, veja os grandes comentaí rios.
Jaí naã o haí mais um simples esquema, mas metaí foras separadas, particulares, que exigem, portanto,
um estudo individual.
No versíículo 4b, a ER fala "no dia em que... nos levantarmos aà voz das aves, e todas as filhas
da muí sica ficarem abatidas"; esta versaã o parece estar bem de acordo com o heb., com o sentido de
abordar o despertar de um velho de madrugada. 113 "Harmonias" (ERAB) pode, entretanto, significar
as filhas da música, como diz o hebraico; de qualquer forma, quer o entendamos deste modo ou
significando cançoã es ou notas musicais, pouca diferença faz para o sentido do texto.
Com a idade avançada, estas alegres evideê ncias de um mundo vivo ao nosso redor tornam-se
distantes e fraí geis; a pessoa jaí naã o se sente mais parte integrante de tudo isso.
O versíículo 5 acrescenta um toque novo ao quadro; primeiro atraveí s da observaçaã o de um
homem idoso com medo de cair ou de ser empurrado, agora que jaí naã o tem mais firmeza e anda
devagar; depois, com o pequeno conjunto de metaí foras que nos levam a meditar; e, finalmente, pelo
vislumbre de um funeral em andamento. Quanto aà s metaí foras, o cabelo branco da idade avançada
eí vivamente sugerido pela amendoeira que troca as negras cores do inverno por sua coroa de flores
brancas. A falta de naturalidade da marcha lenta e dura do velho, uma paroí dia da flexibilidade e
leveza da juventude, apresenta-se atraveí s da visaã o incongruente de um gafanhoto, a personificaçaã o
da leveza e a agilidade, arrastando-se pesadamente em virtude de algum acidente ou do frio.114 A
terceira metaí fora eí convenientemente interpretada para noí s nas palavras e te perecer o apetite ou,
melhor traduzidas, "e falhar o desejo" (ER), que eí o verdadeiro sentido da expressaã o hebraica "e o
fruto da alcaparra falhar". Esse fruto era altamente apreciado como estimulante do apetite e como
afrodisííaco. A resposta do idoso Barzilai aà oferta de Davi, que queria lhe dar um lugar na corte, tem
sido citada frequü entemente por sua semelhança com todo este contexto: "Oitenta anos tenho hoje;
poderia eu discernir entre o bom e o mau? Poderia o teu servo ter gosto no que come e no que
bebe? Poderia eu mais ouvir a voz dos cantores e cantoras?" 115
Assim, no final deste versíículo 5, o fluxo das metaí foras eí interrompido pela conversa explíícita
sobre o final da jornada do homem e sobre o funeral, a uí ltima cerimoê nia (aliaí s, sem efeito algum) que
os amigos vaã o realizar. A expressaã o casa eterna refere-se aqui apenas ao final de tudo, e naã o da
perspectiva cristaã de uma "casa naã o feita por maã os, eterna, nos ceí us" (2 Co 5:1).
EÉ impressionante como as figuras do versíículo 6 captam a beleza e a fragilidade da estrutura
humana: uma obra-prima de delicadeza trabalhada como qualquer obra de arte, mas taã o fraí gil
quanto uma peça de ceraê mica e taã o inuí til no final quanto uma roda quebrada. A primeira metade
deste versíículo parece descrever um candelabro de ouro suspenso por uma corrente de prata;
bastaraí apenas que se quebre repentinamente um elo para que caia e se quebre. E se isto parece um
quadro sutil demais para descrever nosso ser taã o familiar, temos o equilíí brio da cena do poço
abandonado: quadro eloquü ente da transitoriedade das coisas mais simples e mais baí sicas que
fazemos. Haveraí uma uí ltima vez para cada caminhada familiar, para cada tarefa rotineira. No
versíículo 7 haí um lembrete da trageí dia por traí s desta sequü eê n cia, a escolha fatal que conduz aà
sentença:
"Porque tu és pó e ao pó tomaras." 116
Esta naã o eí a uí nica alusaã o que o escritor faz aà queda do homem: jaí antes, em 7:29, ele havia
colocado a culpa de nossa condiçaã o em seu devido lugar: "Deus fez o homem reto, mas ele se meteu
em muitas astuí cias." E se, aos nossos ouvidos, haí uma nota de esperança no final do versíículo 7, e o
espírito volte a Deus, que o deu, certamente estamos querendo ouvir mais do que ele pretendia. Ele jaí
levantou antes a questaã o de uma vida apoí s a morte, e recusou-se a dizer uma coisa dessas.117 O
significado destas uí ltimas palavras naã o precisam ir aleí m do que diz o Salmo 104:29 a respeito dos
homens e dos animais: "Se ocultas o teu rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respiraçaã o, 118
113
Com a surdez, dificilmente ele seraí despertado ou assustado pelas aves; mas talvez a frase seja simplesmente uma
observaçaã o de horaí rio, como "ele acorda com as galinhas" para noí s (cf. a BLH: "levantaraí cedo, quando os paí ssaros
começam a cantar"). O heb. tambeí m daria lugar, apenas como uma possibilidade, aà traduçaã o: "Ele (isto eí , a sua voz) tem o
timbre da voz das aves"; mas seria uma maneira estranha de falar.
114
A ERAB segue a interpretaçaã o de um verbo que significa "sobrecarregar-se" ou "tornar-se um peso", ao dizer: e o
gafanhoto te for um peso. Neste caso, o significado eí que, por menor que seja o fardo, eí pesado para o idoso (Cf. a BV:
"...anda se arrastando").
115
2 Sm 19:35.
116
Veja Gn 3.
117
3:21.
118
Lit. "o espíírito". EÉ a mesma palavra que foi usada em nosso versíículo.
morrem, e voltam ao seu poí ." Em outras palavras, a vida naã o nos pertence. O corpo reverteraí ao seu
proí prio elemento; e o haí lito da vida sempre pertenceu a Deus e a Deus cabe tomaí -lo.
No versíículo 8, portanto, tendo atraí s de noí s a experieê ncia de todo o livro e aà nossa frente o
reforço trazido pelas incisivas figuras deste capíítulo acerca da mortalidade, retornamos aà
exclamaçaã o inicial, Vaidade de vaidade!, concluindo que ela tem razaã o de ser. Nada em nossa busca
nos levou ao alvo; nada que nos seja oferecido debaixo do sol nos pertence de fato.
Mas estamos esquecendo o contexto. Esta passagem mesma indica-nos uma coisa aleí m daquilo
que estaí "debaixo do sol", nas palavras teu Criador, e nos convida a responder. Tambeí m nos aponta o
presente como o momento da oportunidade. A morte ainda naã o nos alcançou: que ela sacoleje suas
correntes diante de noí s e nos desperte para a açaã o!

Eclesiastes 12:9-14 -
Conclusão

O pensador como ensinador


12:9 O Pregador, além de sábio, ainda ensinou ao povo o conhecimento; e, atentando e
esquadrinhando, compôs muitos provérbios.
10 Procurou o Pregador achar palavras agradáveis e escrever com retidão palavras de
verdade.
Afastamo-nos um pouco para ver a pessoa e o processo que se escondem por traí s deste
notaí vel livro. As observaçoã es iniciais apontam para a parceria entre as ideí ias e a expressaã o, a busca e
os ensinamentos, que o proí prio livro ilustrou. Vimos como os capíítulos de conselhos praí ticos
equilibraram e suplementaram as profundas reflexoã es por eles interrompidas. O que surge no
restante destes dois versíículos eí a grande importaê ncia que o autor daí ao seu papel de ensinador. Ele
naã o eí o orgulhoso pensador que naã o tem tempo para as mentes menos privilegiadas; antes, aceita o
ideal desafiador da perfeita lucidez. Como destaca o versíículo 10, eí preciso ter a habilidade e a
integridade, o encanto e a coragem de um artista e de um mestre para fazer justiça aà tarefa. Na força
deste uí nico versíículo, este homem poderia ser o santo patrono dos escritores.

Ensinamentos penetrantes
12:11 As palavras dos sábios são como aguilhões, e como pregos bem fixados as sentenças
coligidas, dadas pelo único Pastor.
12 Demais, filho meu, atenta: não há limite para fazer livros, e o muito estudar é enfado da
carne.
Eis aíí mais duas qualidades que caracterizam os oportunos ensinamentos do saí bio: eles
despertam a vontade e se fixam na memoí ria. Com isto, Coelet, mestre como eí , paga um tributo
involuntaí rio ao maior de todos os mestres da sabedoria: nosso Senhor, cujas palavras apresentam
estas duas marcas de maneira suprema, da mesma forma como ultrapassam o criteí rio do versíículo 10,
de "palavras agradaí veis" e "palavras de verdade". Elas casam a justeza com a intrepidez, parceiras
que naã o devem ser separadas.
O que importa acima de tudo eí que saã o palavras de autoridade. Com toda a sua variedade e
evidente humanidade, elas saã o dadas aos saí bios. Constituem uma unidade, e proveê m de Deus. Este
segundo termo aplicado a Deus, o único Pastor, é um complemento apropriado ao majestoso tíítulo
do versíículo 1, "teu Criador". O Deus "distante", cuja ordem alcança a todos, tambeí m eí o Deus
"proí ximo",119 que conhece e pode ser conhecido, que nos fala com voz humana mas decisiva.
O curioso eí que, como percebemos no versíículo 12, isto naã o nos agrada. Noí s nos tornamos
viciados na pesquisa propriamente dita, apaixonados pelas nossas perguntas mais difííceis. Uma
resposta estragaria tudo. C. S. Lewis, em uma de suas confrontaçoã es no livro The Great Divorce (O
Grande Divoí rcio), capta o tom e a qualidade desta atitude, aà altura em que ela finalmente se apossa
do homem. Nessa cena, na fronteira do ceí u, um "pesquisador" vitalíício eí convidado a entrar.
Dizem-lhe:
"Naã o posso lhe prometer... qualquer campo de açaã o para os seus talentos: apenas o perdaã o
por haveê -los pervertido. Nenhuma atmosfera de pesquisa, pois vou introduzi-lo na terra onde naã o

119
Cf. Jr 23:23ss.
haí perguntas, apenas respostas, e voceê veraí a face de Deus."
"Ah! mas noí s devemos interpretar essas belas palavras aà nossa proí pria maneira! Para mim naã o
existe resposta final. O vento livre da pesquisa deve continuar sempre soprando atraveí s de nossa
mente, naã o deve?"...
... "Ouça!", disse o Espíírito Branco. "Voceê jaí foi criança. Voceê aprendeu para que servia a
pesquisa. Houve um tempo em que voceê fazia perguntas porque queria respostas, e ficava satisfeito
quando as encontrava. Torne-se essa criança novamente, agora mesmo."
"Ah! mas quando eu me tornei um homem eu deixei de lado as coisas infantis!120
Nenhum argumento, nenhum apelo valeraí contra esta infinita elasticidade. O encontro, jaí
infrutíífero, acaba com o gentil sofista lembrando-se de que tem um encontro; desculpa-se, entaã o, e
corre para o seu grupo de debates no inferno.

O ponto de chegada
12:13 De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos;
porque isto é o dever de todo homem.
14 Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam
boas, quer sejam más.
Ateí agora, nenhum dos nossos caminhos nos levou a parte alguma. Eles acabaram muito
antes de alcançarmos qualquer coisa eterna e absoluta. Mas o caminho a que nos trouxe este
capíítulo aponta para Deus, o Eterno, para quem "a eternidade no coraçaã o do homem" (cf. 3:11) foi
criada para ali habitar e gravitar:
Se esta maneira de colocar as coisas destaca mais a necessidade do homem do que a exigeê ncia
de Deus, estes dois versíículos logo vaã o restabelecer o equilííbrio. Mas eles prazerosamente concedem
ao elemento humano o seu devido direito, atraveí s das palavras porque isto é o todo do homem. EÉ
verdade que, entre outras cousas, eí o seu dever; mas o heb. naã o diz isso; deixa esse todo indefinido.
"Isto", como poderííamos traduzir, "eí tudo o que o homem tem"; mas eí um "tudo" que fica em total
contraste com a "vaidade" com que nos tem confrontado o livro. Aqui finalmente encontraremos
realidade e nos encontraremos a noí s mesmos.
Naã o, entretanto (e com isto o equilííbrio eí restaurado), como perfeccionistas que buscam para
si o que eí melhor, mas como servos apresentando-se ao seu legíítimo senhor. Teme a Deus eí uma
convocaçaã o que nos coloca no nosso devido lugar, e a todos os demais temores, esperanças e
perplexidades nos seus devidos lugares.
O derradeiro versíículo destaca o ponto que acabamos de apresentar, com um golpe final que eí
bastante forte para machucar, mas bastante inteligente para nos fazer sair da apatia. Acaba com a
complaceê ncia, avisando-nos de que nada passa despercebido e sem avaliaçaã o, nem mesmo as coisas
que noí s escondemos de noí s mesmos. Mas ao mesmo tempo transforma a vida. Se Deus se importa
tanto assim, entaã o nada pode ser sem sentido.
Esta eí a verdade que jaí nos foi apresentada em 11:9; e, aleí m do mais, ela daí colorido a todos
os ensinamentos de Cristo, para quem nenhum detalhe aqui na terra poderia ser pequeno demais
para ser importante no ceí u: uma palavra fuí til, a morte de um paí ssaro, um copo de aí gua fria, o
arrependimento de um pecador. Foi isto tambeí m que incitou Paulo a ser insistente "a tempo e fora
de tempo" e a concluir a sua carreira com alegria. Para qualquer outro senhor, ou para nenhum.
"As naçoã es labutam - apenas para o fogo, e os povos se fatigam - tudo para nada." 121
EÉ uma coisa totalmente diferente ficar sob as ordens de um senhor que se importa
profundamente tanto com o trabalhador como com o trabalho e cujo julgamento eí infalíível.
Naã o compete ao nosso autor pesquisar mais sobre este julgamento, como e quando seraí
realizado. Haí um lugar para isso. Mas haí um lugar tambeí m, e eí aqui, para o sileê ncio que chama a
atençaã o para o simples fato da aprovaçaã o ou da desaprovaçaã o de Deus. Quando todos os detalhes
tiverem sido concluíídos, este continuaraí sendo o ponto crucial. Em torno disto e nada mais gira a
questaã o: se "tudo eí vosso" (como Paulo o colocou, especificando ainda: "o mundo ... a vida ... a
morte ... as cousas presentes ... as futuras")122 ou se, irremediavelmente, "tudo eí vaidade".

120
C. S. Lewis, The Great Divorce (Bles, 1945), paí gs. 40ss.
121
Hc 2:13, conforme traduzido para o ingleê s por J. H. Eaton (Torch Bible Commentaries, SCM Press, 1961).
122
1 Co 3:21ss.
Terceira Parte
E nós, o que temos a dizer?
- um epílogo

O cristaã o pode acrescentar o seu amém a esta voz do Antigo Testamento. Nosso autor foi
breve: podemos seguir o seu exemplo. Uma confissaã o, um poema, uma oraçaã o e uma das grandes
peroraçoã es de Paulo seraã o suficientes para concluir este livro.

A confissaã o eí de Agostinho. Bastante conhecida para ser repetida, contudo poderia ter sido
escrita como uma coda para este livro, em vez de um preluí dio aà sua proí pria histoí ria:

Tu nos fizestes para ti mesmo,


e nosso coraçaã o naã o tem descanso ateí que repouse em ti

O poema eí de George Herbert, e a sua adequabilidade torna-se mais e mais aparente, aà


medida que se aproxima da sua perfeita conclusaã o.

No começo, quando Deus fez o homem,


tomando um caí lice cheio de beê nçaã os, disse:
Vamos derramar sobre ele o maí ximo possíível
para que as riquezas do mundo, que saã o dispersas
contraiam-se em um pequeno espaço.

Assim a força foi a primeira a cair;


entaã o fluiu a beleza, a sabedoria, a honra e o prazer.
Quando quase tudo jaí havia sido derramado, Deus fez uma pausa,
percebendo que apenas um de todos os seus tesouros,
bem no fundo, tinha restado.

Se eu, disse ele,


concedesse esta joí ia tambeí m aà minha criatura,
ela adoraria os meus dons e naã o a mim,
e confiaria na natureza, naã o no Deus da natureza:
e ambos seriam perdedores assim.

Deixemos-lhe, contudo, o restante,


mas com uma inquietaçaã o aflitiva:
Que seja rico e exausto, para que ao menos,
se a bondade naã o o orientar,
a fadiga o impulsione ao meu seio, enfim.

Esta oraçaã o foi escrita por William Laud:

Permite, oí Senhor, que possamos viver no teu amor,


morrer no teu favor, repousar na tua paz,
ressuscitar no teu poder e reinar na tua gloí ria;
por amor do teu proí prio Filho amado,
Jesus Cristo, nosso Senhor.
A peroraçaã o eí de 1Coroí intios 15:54,58, aquela resposta final ao grito: “Vaidade!”

E, quando este corpo corruptíível se revestir de


incorruptibilidade, e o que eí mortal se revestir de
imortalidade, entaã o, se cumpriraí a palavra que estaí escrita:
Tragada foi a morte pela vitoí ria.

Portanto, meus amados irmaã os, sede firmes, inabalaí veis


e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que,
no Senhor, o vosso trabalho naã o eí vaã o.
A MENSAGEM DE ECLESIASTES
Seraí que a vida eí um absurdo, um caos, totalmente sem sentido?
A funçaã o de Eclesiastes eí levar-nos ao ponto de
ver que a vida parece ser sem sentido. "E realmente
o eí , se de fato tudo estaí morrendo. Defrontamo-nos com
a espantosa conclusaã o de que nada tem significado,
nada vale a pena debaixo do sol. EÉ entaã o
que podemos ouvir, como uma boa nova, que
tudo vale a pena, que tudo tem sentido..."
Com grande discernimento e clareza Derek Kidner leva o
leitor a conhecer este livro do Antigo Testamento que
fala de maneira taã o poderosa aà nossa geraçaã o.

Derek Kidner foi deão da Tyndale House, em Cambridge.


É autor de comentários bíblicos sobre Gênesis,
Esdras e Neemias, Salmos e Provérbios,
e do livro A Mensagem de Oséias.

ABU EDITORA — LIVROS PARA GENTE QUE PENSA

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