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2 PAAVO V. KOMI
CDU 796.012.11
Segunda edição
Paavo V. Komi
Com colaboração de
The International Federation of
Sports Medicine
Tradução:
VAGNER RASO
RONEI SILVEIRA PINTO
Versão impressa
desta obra: 2006
2008
Obra traduzida do original intitulado
Strength and Power in Sport, Second Edition
© 2003 International Olympic Committe
Published by Blackwell Science Ltd.
ISBN 0-632-05911-7
Capa:
AMARILIS BARCELOS
Preparação do original:
CLÓVIS VICTORIA JÚNIOR
Leitura final:
GRACE BARROS
DIEIMI LOPES DEITOS
Supervisão editorial:
CLÁUDIA BITTENCOURT
Editoração e filmes:
WWW.GRAFLINE.COM.BR
SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 – Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fones (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Lista de colaboradores
R. BILLETER, PhD, School of Biomedical Sciences, A. GOLLHOFER, PhD, Institut für Sport und
University of Leeds, Worsley Building, Leeds LS2 9JT Sportwissenschaft, Universität Freiburg,
Schwarzwaldstr. 175 D-7800, Freiburg, Germany
V. DIETZ, FRCP, Paracare, Swiss Paraplegic Centre,
University Hospital Balgrist, Forchstrasse 340, K. HAINAUT, PhD, Laboratory of Biology, Université
CH-8008 Zürich, Switzerland Libre du Bruxelles 28, av. P. Heger, CP 168 1000,
Brussels, Belgium
J. DUCHATEAU, PhD, Laboratory of Biology,
Université Libre de Bruxelles, 28, av. P. Heger, CP S. HARRIDGE, PhD, Wellcome Research Fellow,
168 1000, Brussels, Belgium Department of Physiology, Royal Free and University
College Medical School, Rowland Hill Street, London
G.A. DUDLEY, PhD, Department of Exercise Science, NW3 2PF, UK
115 M Ramsey Student Center, The University of
Georgia, 300 River Road, Athens, GA 30602, USA W. HERZOG, PhD, Human Performance Laboratory,
Faculty of Kinesiology, University of Calgary, 2500
V.R. EDGERTON, PhD, Department of Physiological University Drive, N. W. Calgary, AB T2N 1N4,
Science, Neurobiology, and Brain Research Institute, Canada
University of California, Los Angeles, 695 Charles E.
Young Drive, Los Angeles, CA 90095-1761, USA H. HOPPELER, MD, Institute of Anatomy, University
of Bern, Bühlstrasse 26, CH-3000 Bern 9,
K.A.P. EDMAN, PhD, University of Lund, Switzerland
Department of Physiological Sciences, The Biomedical
Centre, F11 S-221 84, Lund, Sweden K. HÄKKINEN, PhD, Neuromuscular Research
Center, Department of Biology of Physical Activity,
S.J. FLECK, PhD, Sports Science Department, University of Jyväskylä, P.O.Box 35, FIN-40351,
Colorado College, Colorado Springs, CO 80903, USA Jyväskylä, Finland
VI LISTA DE COLABORADORES
H.G. KNUTTGEN, PhD, Harvard University, Faculty of Sports Science, 163, Avenue de Luminy CP
Spaulding Rehabilitation Hospital, 125 Nashua 910, F-13288, Marseille, Cedex 9, France
Street, Boston, MA 02114-1198, USA
N.A. RATAMESS, MS, Department of Kinesiology,
C. KARATZAFERI, PhD, Department of Unit 1110, The Human Performance Laboratory, The
Biochemistry/Biophysics, University of California at University of Connecticut, Storrs, CT 06269-1110,
San Francisco, P.O. Box 0448, San Francisco, CA USA
94143, USA
R.R. ROY, PhD, Brain Research Institute, 1320 Gonda
P.V. KOMI, PhD, Neuromuscular Research Center, Neuroscience and Genetics Building, University of
Department of Biology of Physical Activity, University California Los Angeles, 695 Charles E. Young Drive,
of Jyväskylä, P.O. Box 35, FIN-40351, Jyväskylä, Los Angeles, CA 90095-1761, USA
Finland
D.G. SALE, PhD, Department of Kinesiology,
W.J. KRAEMER, PhD, Department of Kinesiology, McMaster University, Hamilton, ON L8S 4K1,
Unit 1110, The Human Performance Laboratory, The Canada
University of Connecticut, Storrs, CT 06269-1110,
USA P. SPITZENPFEIL, PhD, Technische Universität
München, Connollystr. 32, D-80809, München,
A.M. LAI, MD, 927 Westwood Boulevard, Suite 650, Germany
Box 957087, Los Angeles, CA 90095-7087, USA
S. STEVENSON, PhD, Department of Kinesiology
B. LOITZ-RAMAGE, PhD, University of Calgary, and Health Promotion, California State Polytechnic
McCaig Centre for Joint Injury and Arthritis Research, University, Pomona, CA 91768, USA
3330 Hospital Drive, N. W. Calgary, AB T2N 1N4,
Canada M.H. STONE, PhD, Department of Sport Physiology,
USOC, One Olympic Plaza, Colorado Springs, CO
J.D. MACDOUGALL, PhD, Professor Emeritus, 80909, USA
Department of Kinesiology, McMaster University,
Hamilton, ON L8S 4K1, Canada B. TAKANO, Senior International Coach, USA
Weightlifting Federation, c/o Van Nuys High School,
S.A. MAZZETTI, MS, School of Physical Education, 6535 Cedros Avenue, Van Nuys, CA 91411, USA
Ball State University, Muncie, IN, 47304, USA
P.A. TESCH, PhD, Department of Physiology and
J. MESTER, PhD, Deutsche Sporthochschule, Köln, Pharmacology, Karolinska Institute, Huddinge
Carl-Diem-Weg 6, D-50933, Köln, Germany University Hospital, SE-17177, Stockholm, Sweden
R.J. MONTI, PhD, Brain Research Institute, 1320 Z. YUE, PhD, Deutsche Sporthochschule, Köln,
Gonda Neuroscience and Genetics Building, University Carl-Diem-Weg 6, D-50933, Köln, Germany
of California Los Angeles, 695 Charles E. Young
Drive, Los Angeles, CA 90095-1761, USA V.M. ZATSIORSKY, PhD, Pennsylvania State
University, Department of Kinesiology, Biomechanics
T. MORITANI, PhD, Kyoto University, Laboratory of Laboratory, 39 Recreation Building, University Park,
Applied Physiology, Graduate School of Human and PA 16802, USA
Environmental Studies, Sakyo-Ku, Kyoto, 606-850,
Japan R.F. ZERNICKE, PhD, University of Calgary, Faculty
of Kinesiology, Medicine and Engineering, 2500
C. NICOL, PhD, UMR 6559, Movement and University Drive, N. W. Calgary, AB T2N 1N4,
Perception CNRS, Université de la Méditerranée, Canada
Apresentação do COI
Em 1991, a Comissão Médica do Comitê Olímpico Um grande número de pesquisas apareceram na li-
Internacional (COI) publicou o volume III da enci- teratura desde a década de 1950 sobre o metabolis-
clopédia de Medicina do Esporte, sob o título Força e mo aeróbio e a importância da função cardiopulmo-
potência no esporte. O professor Paavo Komi, como nar em períodos relativamente longos de atividade
editor, recrutou uma equipe de 29 renomados cien- física. Subseqüentemente, pesquisas sobre eventos de
tistas internacionais para produzir um livro de refe- velocidade e esportes também surgiram. No entanto,
rência que constituísse uma importante contribui- a expressão física dos movimentos explosivos e o trei-
ção para a literatura científica em uma área na qual namento de força referente ao esporte foram negli-
havia relativamente pouco estudo em ciências do genciados. Inicialmente, o “treinamento de força” pro-
exercício e do esporte. vocou receios injustificáveis de que o atleta iria
Desde a publicação da primeira edição de Força e tornar-se um sujeito “limitado aos músculos”, com
potência no esporte, surgiram muitas pesquisas para re- conseqüente perda de flexibilidade. Essas crenças
forçar a informação nele contida e para expandir o equivocadas desencorajaram os atletas a treinarem
corpo da literatura referente ao treinamento e ao de- com pesos livres ou com equipamentos de sobrecar-
sempenho de força e potência. A popularidade da ga, agora associados com o treinamento de força e
primeira edição e a disponibilidade dessa grande potência.
quantidade de informação atualizada permitiram à Essa segunda edição acrescenta informação
Comissão Médica do COI concluir que uma segun- valiosa referente à ciência básica e fornece conheci-
da edição desse importante livro era justificada e es- mento capaz de otimizar o desempenho, prevenir
sencial. lesões, além de ampliar o engajamento da participa-
Parabenizo a Comissão Médica do COI por ou- ção esportiva pelo atleta de elite, pelo atleta de nível
tra valiosa contribuição para a literatura em medici- recreacional, assim como por atletas jovens e vete-
na e ciências do esporte. ranos.
Força e potência no esporte certamente continuará a
Dr. Jacques Rogge ser a fonte mais freqüentemente citada de informa-
Presidente do COI ção sobre essa temática. Nessa nova edição, aumenta
a contribuição para a saúde, para o bem-estar e para
o sucesso de atletas de todas as idades.
Gostaria de agradecer ao professor Komi por
novamente ter reunido uma equipe de cientistas e
autoridades em ciências do esporte reconhecidos
mundialmente para produzir esta segunda edição.
Foi extremamente recompensador acompanhar o cia e à sua adaptação. O material é dividido em cinco
sucesso da primeira edição de Força e potência no espor- partes.
te. Desde sua publicação em 1991, o livro foi reim-
1 Definição de termos e conceitos fundamentais.
presso várias vezes, além de ter sido traduzido para o
2 Consideração compreensiva das bases biológicas
alemão (1994). Apesar do contínuo interesse nesse
para força e potência, incluindo os aspectos estrutu-
primeiro livro, tornou-se evidente a necessidade de
ral, hormonal, neural e mecânico. Esse conteúdo es-
atualizar o material antes de qualquer outra impres-
pecificamente está apresentado em 10 diferentes ca-
são ou tradução. Nos últimos 10 anos, uma quanti-
pítulos.
dade considerável de conhecimento tornou-se dis-
3 Análise detalhada das razões (mecanismos) que
ponível por meio do crescente número de estudos
induzem adaptações do organismo quando subme-
sobre os mecanismos básicos e sobre os aspectos apli-
tido aos vários exercícios de força e potência. Essa
cados do treinamento de força e potência. Assim, foi
parte considera nove diferentes tópicos, desde a adap-
necessário produzir uma nova edição.
tação celular e neural, às respostas endócrinas e car-
O trabalho editorial da primeira edição de Força e
diovasculares.
potência no esporte foi um desafio. A segunda edição,
4 Considerações especiais referentes ao treinamen-
por sua vez, foi uma experiência ainda mais motiva-
to de força e potência, incluindo alterações relacio-
dora. Além da aceitação de muitos dos autores ante-
nadas à idade, ao uso potencial da estimulação elé-
riores em revisar seus capítulos, novas contribuições
trica e a aspectos clínicos.
de outros autores também foram incluídas. A equipe
5 O livro termina com uma parte mais aplicada e
conta agora com a contribuição de 39 autores, re-
direcionada somente aos esportes, em que três capí-
presentando os mais proeminentes cientistas e bio-
tulos incluem o conhecimento atual dos princípios
médicos. Todos se interessam pelos vários proble-
práticos do treinamento de força e potência, com base
mas relacionados ao treinamento de força e potência.
no conhecimento científico disponível.
Mas, o que é mais importante, todos têm se destaca-
do como líderes mundiais em suas áreas de pesquisa. A maneira como o material é apresentado varia
Vários livros foram publicados sobre força e po- pouco entre os capítulos. Em alguns casos, conside-
tência. Eles aumentaram nossa compreensão sobre rável detalhamento e profundidade foram necessá-
o tema. Na edição atual, fizemos um esforço por ado- rios. Já outros capítulos foram escritos num formato
tar uma abordagem ligeiramente diferente do pro- mais agradável e do tipo revisão geral. Independen-
blema. Como é muito fácil demonstrar incremento temente do estilo, o material deve ser acessível aos
da força muscular por qualquer método (se suficien- leitores com conhecimento básico nos aspectos bio-
temente intenso), esta edição de Força e potência no lógicos das ciências do esporte. Espera-se que este
esporte analisa os mecanismos básicos e as razões para livro torne-se uma leitura necessária em muitos dos
os benefícios dos exercícios de força. Para fornecer programas de graduação em ciência e medicina do
informação como “estado da arte” – que é o propósi- esporte, em função da ampla cobertura das caracte-
to da Enciclopédia de Medicina do Esporte – grande rísticas relacionadas aos mecanismos básicos do trei-
parte do livro dedica-se às bases da força e da potên- namento de força e potência. O estudo da força e da
X PREFÁCIO
potência representa um dos principais componentes Médica do COI: foco na compreensão dos proble-
da ciência do esporte. Sob o mesmo prisma, a com- mas básicos nos vários aspectos da força e da potên-
preensão da relação entre os fatores neural, hormo- cia para analisar diferentes eventos esportivos e pla-
nal, muscular e mecânico é de extrema importância nejar objetivamente o treinamento e o condiciona-
para o desempenho esportivo, assim como para as mento não somente de atletas, mas também de
necessidades de força e potência de outras popula- outros grupos.
ções humanas. Assim, espera-se que esta segunda
edição de Força e potência no esporte cumpra bem os Paavo V. Komi
principais objetivos estabelecidos pela Comissão Jyväskylä, Finlândia
Unidades de medida e
terminologia*
por unidade de tempo), a força de oposição (p. ex., Potência: a taxa de realização de trabalho; o produto
peso livre ou placas de sobrecarga), força isométrica da força pela velocidade; a taxa de transformação de
mantida ou velocidade de progressão. energia potencial metabólica em trabalho ou calor
(unidade do sistema internacional: watt).
Massa: quantidade de matéria de determinado objeto
refletida em sua inércia (unidade do sistema interna- Trabalho: força expressa através de um deslocamento,
cional: quilograma). mas sem limitação de tempo (unidade do sistema in-
ternacional: joule; nota: 1 newton · 1 metro = 1 jou-
Peso: força exercida pela gravidade em um objeto (uni- le).
dade do sistema internacional: newton; unidade tra-
dicional: quilograma de peso — nota: massa = peso/ Torque: eficácia de uma força para vencer a inércia
aceleração da gravidade). rotacional de um determinado objeto. O produto da
força e da distância perpendicular da linha de ação
Peso livre: objeto de massa conhecida não acoplado a da força ao eixo de rotação (unidade do sistema in-
uma estrutura de suporte ou guia, o qual serve para ternacional: newton·metro).
o condicionamento físico e para o levantamento com-
petitivo.
Sumário
Definições
Capítulo 1
Considerações básicas
sobre o exercício
HOWARD G. KNUTTGEN E PAAVO V. KOMI
O desempenho esportivo, assim como qualquer exer- ou, como no caso do exercício aeróbio, pela repeti-
cício físico, é o resultado da ação coordenada de gru- ção de movimentos. Também determina-se a potên-
pos musculares apropriados. Esses grupos muscula- cia instantaneamente em qualquer ponto do movi-
res, que agem por meio de sistemas de alavanca, mento ou pelo cálculo da média em determina-
fornecem força e potência capazes de ser transfor- da região do movimento ou em uma sessão de exer-
madas em movimento. A mensuração e a quantifica- cício.
ção desse desempenho são realizadas de acordo com
o Sistema Internacional de Medidas (SI) para força
(newton); energia, trabalho e calor (joule); torque Energia, potência e endurance
(newton·metro); e potência (watts). O desempenho
físico deve ser descrito nesses termos quando o exer- A relação entre a capacidade de manter o desem-
cício for definido como qualquer e toda atividade que penho e a potência em determinado exercício é apre-
envolva a geração de força pelos músculos ativos sentada na Figura 1.1. Nesse caso, o tempo de endu-
(Knuttgen e Komi, 1992; Knuttgen e Kraemer, 1987). rance até a exaustão é posicionado opostamente à
A força altera ou tende a alterar o estado de repou- potência metabólica durante o estado de equilíbrio
so ou de movimento em determinada situação. Traba- para um atleta do sexo masculino, de altura mediana.
lho equivale à força expressa por meio do deslocamen- Na Figura 1.2, as contribuições relativas do metabo-
to, sem limite de tempo. O torque representa a eficácia
da força em produzir a rotação de determinado objeto
sobre um eixo. Potência significa a taxa em que o traba-
lho é realizado ou a taxa de transformação da energia
potencial metabólica em trabalho e/ou calor.
A intensidade do exercício pode, portanto, ser
quantificada em inúmeras situações: produção de
força oposta no exercício dinâmico (p. ex., fornecida
por um peso livre, equipamento ou ergômetro); for-
ça isométrica; potência (gasto energético ou trabalho
realizado por segundo ou o produto da força pela
velocidade); ou velocidade (p. ex., corrida, ciclismo,
remo). Endurance representa o limite de tempo em que
o indivíduo é capaz de manter a força isométrica ou
determinada potência no exercício dinâmico — a
unidade básica de tempo no SI é o segundo. Figura 1.1 Relação entre o tempo de endurance e a potência
A potência pode ser determinada em um único metabólica para um atleta de 80 kg com consumo máximo de
movimento corporal, em uma série de movimentos oxigênio de 2,7 mmol·s–1.
18 PAAVO V. KOMI
Potência no esporte
músculo. O Capítulo 10 dedica-se especialmente ao tições) induzem adaptações fisiológicas que resultam
desempenho muscular no CAE. em um incremento do desempenho aeróbio que pode
ser especialmente contraprodutivo para o desenvol-
vimento e para a expressão da força e de elevados
Força e níveis elevados de níveis de potência.
produção de potência A potência mecânica será extensivamente discu-
tida no Capítulo 9, no qual são consideradas as rela-
O termo força será empregado para identificar a ções força-velocidade obtidas com a ativação cons-
força ou torque máximo que pode ser desenvolvido tante em músculos isolados ou mesmo no músculo
pelos músculos que realizam determinado movimento humano. As curvas força-velocidade obtidas (e con-
articular (p. ex., flexão de cotovelo, extensão de joe- seqüentemente as curvas potência-velocidade) não
lho). No entanto, os músculos podem executar ações são, no entanto, naturalmente representativas da fun-
máximas na forma excêntrica, concêntrica ou isomé- ção muscular que está ocorrendo, na qual a ativação
trica. As duas ações dinâmicas podem ser realizadas é continuamente variável. Nessas situações, os ter-
em uma ampla variedade de velocidades. Um núme- mos relação instantânea força-velocidade e potên-
ro infinito de valores para a força do músculo pode cia-velocidade são mais apropriados (ver também
ser obtido pela preparação muscular isolada ou pelo Capítulo 10).
movimento humano de acordo com o tipo e com a O “treinamento de resistência” é realizado com
velocidade da ação. O mesmo ocorre com o compri- uma variedade de equipamentos, pesos livres ou mes-
mento do músculo quando a medida é realizada. mo com a gravidade agindo sobre a massa corporal
Portanto, a força não é o resultado da mensura- dos atletas. Para o uso na medicina física e na reabi-
ção realizada sob uma condição única. Devido ao nú- litação, muitos programas de treinamento de resis-
mero de variáveis ou condições envolvidas, a força tência baseiam-se nos testes de repetições máximas
de um músculo ou grupo muscular deve ser definida (RM), como o apresentado na metade da década de
como a força máxima gerada sob determinada velo- 1940 por T.L. De Lorme (De Lorme, 1945). Toda vez
cidade (Knuttgen e Kraemer, 1987). No caso do de- que o atleta realiza determinado exercício, a série cor-
sempenho de um exercício com pesos livres (p. ex., responde ao número máximo possível de repetições
desenvolvimento no levantamento de potência, arre- (repetições máximas ou RM). Esse número é regis-
messo no levantamento olímpico), a combinação das trado junto com a massa levantada ou força oposta
forças empregadas para completar a manobra é men- exercida por determinado aparelho. O teste repetido
surada como a maior massa levantada. com forças opostas progressivamente maiores even-
tualmente induz a determinação do 1-RM, no qual o
atleta pode realizar o movimento apenas uma vez e
Avaliação da força e prescrição não repeti-lo. Nesse sistema, a massa levantada ou a
de exercícios de força força oposta ao 1-RM é descrita como a força do atleta
em certo período de tempo e para determinado mo-
O incremento na produção de força e de potên- vimento (ver exemplo apresentado na Fig. 1.3).
cia máxima dos músculos ocorre em programa de As sessões de exercícios de força e o programa
exercícios de forças opostas muito elevadas (rotinei- diário podem ser baseados nas porcentagens de
ramente denominado “resistência”). As repetições são 1-RM ou, preferivelmente, em zonas de alta intensi-
limitadas a aproximadamente ≤ 20 e, portanto, apre- dade (3 a 5), moderadas (9 ou 10) e leves (15 a 18) das
sentam duração menor que 30 s. Os programas de RM (Fleck e Kraemer, 1997). O número de repeti-
exercícios de número maior de repetições (p. ex., 30 ções por série, o número de séries por dia e o núme-
a 50 repetições que induzem exaustão) desenvolvem ro de sessões diárias de treinamento por semana são,
endurance muscular, mas não levam ao desenvolvimen- então, prescritos para cada movimento ou grupo
to de força. Os exercícios com número muito grande muscular de acordo com o período da temporada
de repetições em uma série (p. ex., 400 a 1.000 repe- competitiva, com a condição física do atleta, com a
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 21
Referências
Bases biológicas da
força e da potência
Capítulo 2
Controle neuronal do
movimento funcional
VOLKER DIETZ
rentes e com mecanismos de controle. As funções 1897; Hering, 1897) e, como resultado, a teoria da
vestibulares e visuais representam contextos prin- “cadeia de reflexos” como base da geração de movi-
cipalmente dependentes e somente se tornam mentos rítmicos alternados e, logo, da locomoção, foi
essenciais quando um input aferente de outras fon- rejeitada. Muitos anos após foi sugerido que o gera-
tes é reduzido. dor espinal era responsável pela locomoção (Lund-
berg, 1975). Essa proposição ampliou-se posterior-
mente quando Grillner (1981) sugeriu que o centro
Introdução locomotor espinal era ativado e controlado pelo tron-
co cerebral e também influenciado por mecanismos
No século 18, a investigação do movimento ba- periféricos de feedback.
seou-se na premissa de que a postura em pé e a mar- Os geradores centrais e os programas em intera-
cha, além da diferenciação dos movimentos ma- ção com os reflexos periféricos representam somen-
nuais, representavam um requerimento básico para te uma porção dos mecanismos envolvidos no con-
o desenvolvimento cultural humano (Herder, 1785). trole da locomoção. A informação aferente de várias
Tal perspectiva preconizava que o sistema nervoso fontes dos sistemas visual, vestibular e propriocepti-
funcionava automaticamente para equilibrar a mas- vo contribui para o controle total. A convergência
sa do centro do corpo sobre os pés em todas as ativi- das vias de reflexo espinal e os tratos descendentes
dades motoras. Em outras palavras, cada movimento em interneurônios espinais comuns parecem repre-
iniciaria e encerraria de acordo com um ajuste pos- sentar a regra mais do que a exceção, pois implicam
tural. que os interneurônios desempenhem papel integra-
A análise da marcha humana tornou-se inicial- dor (para revisão, ver Schomburg, 1990). A limitação
mente possível no final do século 19, com o desen- do estudo da locomoção humana reflete-se no fato
volvimento do registro fotográfico de movimentos de de a função dos mecanismos de controle motor hu-
corrida (Marey, 1894). Posteriormente, Bernstein mano somente poder ser determinada por métodos
(1936) estendeu o uso dessa técnica em registros bi- indiretos. Portanto, as descobertas devem ser extra-
omecânicos. Finalmente, a técnica para registrar as poladas a partir de experimentos com animais. Em-
respostas eletrofisiológicas na locomoção foi desen- bora claramente existam algumas características co-
volvida e empregada, a princípio, em gatos (Engberg muns entre o padrão de atividade e os mecanismos
e Lundberg, 1969; Grillner, 1972). neuronais básicos durante a locomoção quadrúpede
em gatos e os observados na marcha bípede em hu-
manos (Grillner, 1981; Nilsson et al., 1985; MacPher-
Requerimentos básicos son et al., 1989; Dietz, 1992; Dietz, 1997), há várias
diferenças que são necessárias para manter o corpo
A significância relativa dos reflexos no ritmo cen- em uma posição em pé durante a locomoção bípede.
tral e a programação da locomoção têm sido analisa- Independentemente das condições nas quais a
das. Hoffmann (1922) descreveu a via monossinápti- marcha é investigada, o padrão neuronal evocado em
ca como o mais simples sistema de feedback espinal. determinada tarefa tem geralmente o intuito de man-
Ele enfatizou que, em humanos, o chamado “aparato ter o centro da massa do corpo sobre a base de su-
de reflexo de Eigen” é responsável pela adaptação da porte. Uma conseqüência disso é que a seleção do
inervação muscular ao estresse inesperado. Förster input aferente pelos mecanismos centrais deve corres-
(1927) sugeriu que os reflexos lentos de alongamen- ponder aos requerimentos para a estabilização cor-
to e os “reflexos de adaptação” contribuiriam de for- poral. Toda informação sensorial referente ao con-
ma crucial para a coordenação motora. No entanto, trole do equilíbrio do corpo é considerada quando
descobriu-se que o padrão locomotor de gatos era os sinais neuronais indicando alongamento e/ou com-
preservado após desaferentação* completa (Bickel, primento muscular são insuficientes para manter o
controle da postura em pé.
No entanto, é geralmente aceito que os movi-
*N. de R.T. Eliminação ou interrupção dos impulsos nervosos mentos locomotores em mamíferos dependem pri-
aferentes. mariamente de mecanismos neuronais na coluna es-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 27
pinal. Tais mecanismos agem na ausência de qual- áreas supra-espinais, isto é, o cerebelo (Arshavsky et
quer input aferente (para revisão, ver Grillner, 1981). al., 1972; Armstrong, 1988).
A informação aferente promove a modificação do pa- Em vários aspectos, a neurofisiologia da marcha
drão locomotor espinal de acordo com as necessida- humana normal deve ser analisada de acordo com as
des externas (Duysens e Pearson, 1980; Forssberg et bases neuronais da locomoção animal. São sugeri-
al., 1977; para revisão, ver Grillner, 1981 e 1986). Tan- das as referências Grillner (1981) e Baldissera e cola-
to os centros locomotores espinais como os meca- boradores (1981) para informação mais detalhada
nismos de reflexo estão sob o controle do tronco ce- sobre esse campo de estudo. Os aspectos biomecâni-
rebral e dos centros motores supra-espinais (ver Fig. cos da postura e da marcha serão discutidos apenas
2.1). O refinamento posterior é atingido a partir das em relação aos eventos neuronais, embora os meca-
nismos neuronais claramente causem alterações
biomecânicas ao mesmo tempo que são controlados
pela biomecânica corporal (ver Thorstensson et al.,
1984). A neurofisiologia da marcha humana será fo-
calizada na programação central, assim como no com-
portamento reflexo durante a locomoção. O contro-
le antecipatório oferecido pelo sistema visual e o papel
do sistema vestibular na locomoção serão somente
considerados em conexão às interações entre os di-
ferentes sistemas.
No controle da marcha, a informação aferente é
selecionada a partir de uma variedade de fontes que
interagem com os programas centrais, modificando
o movimento de acordo com os requerimentos. A
consideração de sobreposição entre os sistemas está
presente, embora exista uma amplitude predominante
de trabalho para cada sistema de receptores. Então,
sob condições normais, os movimentos das passadas
são pouco afetados na ausência de um dos principais
sistemas, por exemplo, os sistemas visual e proprio-
ceptivo e o labirinto. É difícil separar a importância
relativa de cada um desses sistemas devido às suas
estreitas interações, especialmente entre os mecanis-
mos centrais e os reflexos proprioceptivos, na manu-
tenção da massa do centro do corpo sobre os pés.
Além dos movimentos das pernas, o balanço dos
braços é essencial para estabilizar o corpo durante a
locomoção (Elftman, 1939). Com base no padrão lo-
comotor induzido em pacientes com paraplegia ou
tetraplegia completa, sugere-se que os circuitos neu-
ronais responsáveis pelo controle da locomoção es-
tejam associados com os circuitos responsáveis pe-
los movimentos dos braços durante a locomoção
Figura 2.1 Esquema dos mecanismos neuronais envolvidos (Dietz et al., 1999). Nesse sentido, determinou-se que,
na marcha humana. Os músculos da perna ativam-se por meio quanto maior o nível de lesão da coluna espinal, mais
de um padrão programado gerado por circuitos interneuronais “normal” era o padrão locomotor. Isso sugere que os
espinais. Tal padrão é modulado por input aferente
multissensitivo, que adapta o padrão às necessidades reais. O circuitos neuronais que fundamentam a “geração do
padrão programado e os mecanismos de reflexo estão sob padrão” locomotor em humanos não estão restritos
controle supra-espinal (de Jankowska e Lundberg, 1981). a qualquer nível específico da coluna espinal. Antes,
28 PAAVO V. KOMI
uma complexa rede neuronal que contribui para a drão EMG programado dos músculos da perna ne-
locomoção bípede estende-se dos níveis toracolom- cessário para alcançar a modulação e a adaptação às
bar ao cervical. demandas momentâneas.
É razoável admitir que a informação aferente de-
veria influenciar o padrão central e, inversamente, que
Programação central o padrão do gerador central deveria selecionar a in-
formação aferente apropriada para produzir o movi-
Um “programa motor” tem sido definido na lite- mento funcional. Recentemente, foi estudado o efei-
ratura como “as comunicações no SNC baseadas em to da alteração das condições posturais no ajuste
experiência anterior e que podem gerar ajustes e postural antecipatório (APA) e no tempo de reação
movimentos posturais” (Brooks, 1979). Outra defi- (TR) ao movimento voluntário do braço (Dietz et al.,
nição sugere que é “o conjunto de comandos mus- 2000). Tanto o TR como a duração do APA podem
culares estruturados antes de se iniciar uma seqüên- ser modificados pela translação da superfície de su-
cia de movimentos, permitindo a realização da porte de maneira funcionalmente apropriada por
seqüência total sem influência de feedback periférico” meio da atualização da representação interna das
(Keele, 1968). No entanto, nenhuma das definições é condições posturais atuais no sistema nervoso central.
completamente precisa no que se refere à marcha hu- Além disso, a resposta motora programada pode
mana. Em relação à primeira definição, os progra- ser alterada pela instrução ou pela expectativa. Esse
mas não se baseiam apenas na experiência, mas tam- aspecto “conjunto”, depedente de resposta muscular
bém nas características inatas. Movimentos similares (ver Prochazka, 1989), parece depender da integrida-
aos da passada estão presentes no nascimento, es- de cerebelar (Hore e Vilis, 1985). Os comandos vo-
pontaneamente iniciados ou desencadeados por es- luntários têm de interagir com o gerador locomotor
tímulo periférico. Esses movimentos apresentam uma espinal para alterar, por exemplo, a direção da mar-
origem central, como se observa nos picos* de EMG cha ou para evitar ou contornar um obstáculo. A im-
que precedem os eventos mecânicos (Forssberg, portância do input corticospinal no padrão de mar-
1986). A passada infantil também ocorre em crianças cha tem sido investigada por meio da estimulação
anencefálicas (Forssberg, 1986), o que sugere a coor- magnética transcraniana do córtex motor na loco-
denação do movimento por um mecanismo espinal. moção (Schubert et al., 1997). Houve extrafacilita-
De forma mais geral, a programação central, no con- ção da resposta motora solicitada antes e durante a
texto da marcha, gera um padrão complexo e amplo fase de balanço** do ciclo da passada somente no
de ativação muscular disparado por eventos exter- músculo tibial anterior (ver Fig. 2.2). Essa facilitação
nos e internos. associada à fase foi proposta para assegurar a estabi-
Em relação à segunda definição de programação lidade postural no caso de intervenção corticospinal
central, os movimentos “programados” podem ser durante a locomoção.
influenciados pelo input sensorial sob algumas cir- Uma característica da postura em pé e da mar-
cunstâncias (Brooks, 1979). Isso é novamente ilus- cha em humanos é a manutenção elevada do centro
trado pelas passadas da criança. A criança é incapaz de gravidade sobre uma base de suporte relativamente
de manter o equilíbrio corporal, embora os movimen- pequena, ou seja, os pés. São necessários ajustes pos-
tos de perna alternados e rítmicos sejam coordena- turais para manter essa postura vertical constante.
dos por um gerador central. Falta a essas crianças Para investigar os mecanismos do controle do equi-
input aferente apropriado para ser integrado ao pa- líbrio são induzidos distúrbios do equilíbrio. Por
exemplo, a superfície inferior que apóia a perna pode durante a postura em apoio estreito (Nashner e Mc-
ser movimentada para a frente ou para trás pelo uso Collum, 1985). Os estudos desenvolvidos em sujei-
de uma esteira rolante. Alternativamente, a fase de tos com perda somatossensorial ou vestibular indi-
balanço da perna que não está apoiada pode ser blo- cam que ambos os tipos de informação sensorial
queada. Respostas compensatórias direcionalmente desempenham papel importante na seleção da estra-
específicas são induzidas em músculos sinergistas de tégia de movimento postural adequada (Horak et al.,
ambas as pernas após tais distúrbios. 1990).
Parece que o padrão de atividade de tais distúrbios O pressuposto de que os vários padrões de res-
é programado, embora uma contribuição reflexa que posta aos distúrbios posturais e da marcha são pro-
afeta a duração do primeiro pico fora do padrão te- gramados em sua estrutura básica (presumivelmente
nha sido demonstrada (Angel, 1974). A resposta mus- em nível espinal) e apropriadamente seleciona-
cular a determinado deslocamento difere conforme dos (disparados) é baseado na complexidade dos pró-
as condições da marcha. Por exemplo, a obstrução prios padrões, que não pode ser explicada pelo input
do movimento da perna pode ser introduzida no iní- aferente local e pela dependência do padrão de res-
cio ou no final da fase de balanço (Dietz et al., 1986b). posta nas condições momentâneas (a fase do ciclo da
O deslocamento dos pés também pode ser induzido passada).
30 PAAVO V. KOMI
As evidências adicionais referentes à liberação do locamentos unilaterais (Fig. 2.3). A rápida e automá-
programa central fixo nesses padrões posturais com- tica co-ação dos músculos da perna não-deslocada
pensatórios fundamentam-se na observação de que, fornece a base para compensar o distúrbio e para
no segundo impulso de distúrbio aplicado em dire- manter o centro de gravidade do corpo sobre os pés.
ção oposta rapidamente após o primeiro, a resposta Além disso, o estímulo tátil unilateral induzido pelo
compensatória inicial manteve-se inalterada indepen- padrão de resposta bilateral é modulado na relação
dentemente da amplitude e do timing. Os demais pa- fase-dependente (Tax et al., 1995).
drões de resposta induzidos pelo segundo distúrbio A coordenação intermembros parece basear-se
pareceram estar associados ao tempo do segundo es- em um mecanismo central. Já a coordenação de cur-
tímulo. Essa parte foi idêntica à parte corresponden- ta latência das respostas bilaterais provavelmente é
te da resposta obtida quando o segundo deslocamento mediada em nível espinal (Berger et al., 1984; Dietz
foi isoladamente aplicado (Dietz et al., 1986a). et al., 1989a; Tax et al., 1995). A contribuição cerebe-
A regulação da locomoção humana baseia-se na lar à coordenação intermembros, via neurônios reti-
coordenação afinada da ativação muscular entre as culoespinais, também tem sido sugerida (Bonnet et
pernas. A coordenação automática normal das per- al., 1976). Há estreita interação entre os circuitos in-
nas requer que mecanismos neuronais adequados terneuronais espinais responsáveis pela coordenação
atinjam ativação muscular bilateral das pernas de intermembros e o input aferente periférico. Quando
acordo com a tarefa. A coordenação intermembros deslocamentos de diferentes velocidades são unila-
serve para manter o centro de gravidade do corpo teralmente induzidos, as respostas reflexas nos mús-
sobre os pés (Dietz et al., 1989a). A ativação bilateral culos sinergistas de ambas as pernas são graduadas
dos músculos das pernas se processa durante os des- de acordo com o tamanho do input proprioceptivo
da articulação deslocada (Dietz et al., 1989a). Da mes- bora a informação proprioceptiva possa promover a
ma forma, na caminhada split-belt,* a coordenação in- servorregulação***, por exemplo, do comprimento
termembros fornece rápida adaptação às diferentes muscular durante a estabilização da postura, esta é
velocidades em ambos os lados (Jensen et al., 1998). apenas uma maneira específica de o sistema nervoso
A conclusão desses experimentos poderia relacionar- utilizar o input proprioceptivo. As respostas reflexas
se ao fato de que o input aferente influencia essa adap- espinais não são estereotipadas a determinado input
tação. Isso significa que existe interação entre os sensorial, mas, dependendo das condições descen-
mecanismos centrais e periféricos. A sobrecarga ou dentes e segmentares, diferentes vias disponíveis se-
sua ausência no corpo no período de treinamento rão utilizadas (ver Schomburg, 1990). As próximas
resultou em melhora do ajuste da velocidade da es- seções discutem a ação e a possível significância dos
teira rolante, o que sugere a importância do papel da reflexos espinais mono e polissinápticos.
informação de receptor de sobrecarga na programa-
ção do novo padrão de caminhada. Significância dos reflexos
monossinápticos
Mecanismos reflexos A significância potencial do input aferente do gru-
po I para a locomoção é baseada no fato de que o
Inúmeros estudos demonstram que a contribui- ganho pode ser modificado pela inibição pré-sináp-
ção do input proprioceptivo para a regulação da pos- tica e pelas alterações da sensibilidade do fuso mus-
tura e da locomoção não é pequena, como original- cular via sistema fusimotor (Matthews, 1972; Stein,
mente sugerido por Sherrington (1906). Esses 1978; Loeb e Hoffer, 1985). Vários estudos empre-
incluem estudos com pacientes com instabilidade gando métodos indiretos investigam a inibição pré-
postural (Marsden et al., 1984; Sanes e Evarts, 1984; sináptica dos aferentes do grupo I na marcha huma-
Sanes et al., 1985) ou sobre distúrbios de marcha (La- na (Morin et al., 1982; Capaday e Stein, 1986; Capaday
joie et al., 1996) observados em humanos com desa- e Stein, 1987). Tanto os inputs aferentes periféricos
ferentação** ou em pacientes após a perda do input como as influências supra-espinais têm sido impli-
proprioceptivo das pernas devido a bloqueio isquê- cados na modulação da inibição pré-sináptica da
mico de nervo (Mauritz e Dietz, 1980; Diener et al., transmissão de aferentes primários (para revisão ver,
1984). A informação feedback de músculos, articula- Baldissera et al., 1981). Essa modulação do ganho
ções e tecidos associados via sistema de reflexo pro- reflexo pode ocorrer nos mesmos interneurônios co-
prioceptivo é necessária para ajustar o programa muns em que se processa a convergência dos tratos
motor às irregularidades do solo na caminhada ou descendentes e dos inúmeros sistemas aferentes
para responder caso a perna encontre resistência. Esse (Lundberg, 1975; para revisão, ver Baldissera et al.,
input proprioceptivo modula a atividade EMG mus- 1981). Para os sistemas motores espinais, a inibição
cular nas pernas durante a locomoção em conexão pré-sináptica fornece uma maneira de modular a con-
às alterações na tensão. Tal sistema relacional asso- tribuição relativa dos aferentes à determinada resposta
cia-se ao nível de atividade EMG em diferentes velo- reflexa.
cidades de locomoção (Gollhofer et al., 1984). Em- Na locomoção, o limiar e a amplitude do reflexo
H do sistema muscular sóleo e gastrocnêmio são mo-
dulados sobre o ciclo completo da passada. Há facili-
tação máxima ao final da fase de duplo apoio, e a
inibição máxima ocorre durante o balanço e no iní-
*N. de R.T. Caminhada em esteira rolante construída com duas
cio da fase de duplo apoio (Capaday e Stein, 1986; Segundo, a depressão do input Ia dos extensores da
Crenna e Frigo, 1987). No entanto, no ciclo comple- perna na fase de balanço previne a ocorrência de re-
to da passada, a amplitude do reflexo-H dos múscu- flexo de estiramento dos extensores na dorsiflexão
los extensores da perna foi consideravelmente peque- do tornozelo (Capaday e Stein, 1986).
na em comparação com o duplo apoio (Morin et al., A significância funcional dos reflexos de estira-
1984; Capaday e Stein, 1986; Capaday e Stein, 1987; mento monossinápticos durante a marcha permane-
Stein e Capaday, 1988). ce obscura pelas razões a seguir. Seu uso durante a
Estudos iniciais indicaram que os reflexos de es- marcha deveria ser restrito à compensação das irre-
tiramento monossinápticos são inibidos, na maioria gularidades do solo de acordo com as propriedades
das vezes, da mesma maneira que o reflexo-H duran- do reflexo de estiramento monossináptico (Sanes e
te a marcha (Berger et al., 1984; Burke, 1983; Evarts, 1984; para revisão, ver Matthews, 1972) com
Llewellyn et al., 1987; Dietz et al., 1990). Isso implica alta sensibilidade para pequenos inputs. Além disso,
a inexistência de alteração drástica no impulso do nas tarefas posturais, somente respostas EMG polis-
motoneurônio gama do fuso muscular do gastroc- sinápticas demonstram efeitos específicos de direção.
nêmio e sóleo. Experimentos recentes desenvolvidos Esse não é o caso das respostas EMG de curta latên-
em humanos indicam que a modulação dos reflexos cia (Woollacott et al., 1984).
de estiramento de curta latência ocorre no ciclo da
passada com contribuição reflexa significativa durante Significância dos reflexos
a transição da fase de apoio duplo para a de balanço polissinápticos
e também na fase inicial de duplo apoio. Nesses ex-
perimentos (Sinkjaer et al., 1996), um deslocamento Embora ocorra alongamento rápido do tríceps
rotacional que induziu dorsiflexão dos pés foi aplica- sural durante os movimentos translacionais da mar-
do em diferentes fases do ciclo da passada. No en- cha, nenhuma resposta EMG significativa é produzi-
tanto, um padrão de resposta qualitativamente dife- da na amplitude de uma variação monossináptica,
rente, com pequena ou ausente resposta do reflexo enquanto as fortes respostas EMG sugerem maior
de estiramento de curta latência, foi obtido por alon- latência. Investigações adicionais indicam que o input
gamentos similares do tríceps sural mais do que quan- aferente primário dos músculos das pernas e dos pés
do uma translação posterior foi induzida durante o provavelmente não desempenha papel dominante na
apoio e a marcha (Berger et al., 1984; Gollhofer et al., mediação das respostas EMG compensatórias dos
1989). A discrepância entre essas abordagens que músculos das pernas aos movimentos translacionais
investigam a contribuição dos reflexos de estiramen- (Berger et al., 1984; Dietz et al., 1985).
to de curta latência para a ativação muscular da per- Tem sido sugerido que as respostas polissinápti-
na durante a marcha pode relacionar-se ao tipo de cas compensatórias induzidas nos músculos das per-
deslocamento. Podem ocorrer diferentes inputs de re- nas pelos movimentos translacionais da marcha são
ceptores extensores de sobrecarga entre os desloca- predominantemente mediadas pelo input propriocep-
mentos translacionais e rotacionais (Dietz et al., 1992). tivo muscular das fibras aferentes do grupo II (ver
Isso pode representar as diferentes forças de ativida- Berger et al., 1984; Matthews, 1984; Lundberg et al.,
de reflexa de alongamento monossináptico entre os 1987; Nardone et al., 1996) e do grupo III (ver Hasan
dois tipos de distúrbio (ver também, “significância e Stuart, 1984). No entanto, deve-se mencionar que
do input do receptor de sobrecarga”). esses estudos não fornecem evidência direta positiva
As implicações funcionais da modulação do input para essa sistematização.
aferente do grupo I durante a locomoção parecem Uma via polissináptica provavelmente medeia os
ser duas vezes maiores. Primeiro, a facilitação do re- efeitos dos reflexos aferentes de flexão (FRA; para
flexo de estiramento gastrocnêmio e sóleo no final revisão, ver Lundberg, 1979) diante de várias simila-
da fase de duplo apoio contribui para a compensa- ridades à modulação fásica dos reflexos de flexão
ção das irregularidades do solo e auxilia na fase de durante a locomoção em humanos (Duysens e Pear-
afastamento (Nichols e Houk, 1976; Capaday e Stein, son, 1980; Kanda e Sato, 1983; Belanger e Patla, 1984;
1986; Capaday e Stein, 1987; Sinkjaer et al., 1996). Duysens et al., 1990; Duysens et al., 1996a; Duysens
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 33
et al., 1996b; Yang e Stein, 1990). Devido a essa via, o Significância do input do receptor
reflexo polissináptico permite a integração do input de sobrecarga
dos aferentes musculares, articulares e cutâneos com
comandos dos centros supra-espinais. Além disso, Para estudar a contribuição relativa de determi-
esses reflexos possuem conexões excitatórias e inibi- nados mecanismos no controle motor durante a pos-
tórias para os extensores e para os flexores, respecti- tura e a marcha humana, Nashner (1976) introduziu
vamente (Duysens et al., 1990; Duysens et al., 1996a; um paradigma experimental. Os sujeitos posiciona-
Duysens et al., 1996b). vam-se em uma plataforma móvel que poderia ser
Claramente, o sistema de reflexo polissináptico ativada sob comando para realizar deslizamento ho-
não se comporta como um simples mecanismo de rizontal anterior ou posterior ou, ainda, deslocamento
reflexo de estiramento quando sua função depende dos dedos dos pés para cima ou para baixo. O padrão
de informação aferente multissensorial e de influên- EMG induzido pela rotação em dorsiflexão dos pés
cias supra-espinais. No entanto, o comportamento foi basicamente diferente daquele induzido pelas
desses reflexos durante a locomoção deve ainda pro- translações posteriores da plataforma, mesmo que o
duzir um padrão definido de atividade (ver Gurfinkel tríceps sural estivesse alongado em uma velocidade
et al., 1979; Ito, 1982; Loeb et al., 1989). Com base similar nas duas condições.
nas descobertas de que a co-variação da atividade Após as rotações em dorsiflexão dos pés, a uma
muscular através das várias articulações não pode ser pequena resposta de curta latência no gastrocnêmio
simplesmente explicada pelas diferenças no input de seguiu-se forte ativação do músculo tibial anterior. A
alongamento dos músculos locais, uma estreita inte- última atividade foi necessária para compensar a in-
ração entre o programa central e o input propriocep- clinação posterior do corpo induzida pela rotação. Por
tivo muscular pode ocorrer para gerar padrão apro- sua vez, a translação posterior foi seguida somente
priado (Gurfinkel e Latash, 1979; Dietz et al., 1989a; pela forte atividade de longa latência (cerca de 80 ms)
Dietz, 1992; Dietz, 1996; Gurfinkel et al., 1979; Mat- do gastrocnêmio. Tal atividade EMG resultou na res-
thews, 1988; Macpherson et al., 1989). O input sen- tauração de uma posição vertical estável sob os pés.
sorial durante tarefas posturais pode determinar a Com isso, foi sugerido que a diferença no padrão
direção, a velocidade e a amplitude do ajuste neces- EMG entre as duas condições deveu-se à adaptação
sário para restaurar o centro de gravidade sobre os reflexa baseada no pressuposto de que a estabilização
pés. postural representa o produto da menor desesta-
No entanto, essa influência ocorre sob interação bilização muscular (Nashner, 1976). Admitiu-se que
contínua com outros inputs aferentes e mecanismos essa adaptação era alcançada através de uma seleção
centrais. Por exemplo, a modulação dos reflexos cu- de reflexos posturais apropriados. Há uma “adap-
tâneos demonstra um mecanismo que ocorre por al- tação” sucessiva das respostas reflexas no decorrer
terações do input do receptor de sobrecarga na cami- de 2 a 4 tentativas caso o input seja “inapropriado”
nhada (Bastiaanse et al., 2000). Em estudo recente, para a ativação funcionalmente direcionada do ti-
as amplitudes dos reflexos aumentaram com a falta bial anterior (rotacional) ou do gastrocnêmio (trans-
de sobrecarga e diminuíram com a sobrecarga cor- lacional).
poral. Entretanto, as respostas reflexas não represen- No entanto, experimentos subseqüentes foram
taram uma simples função do nível de atividade. Por incapazes de comprovar esse conceito de adaptação
exemplo, nos músculos gastrocnêmio e sóleo, as mai- do padrão de resposta. Alguns demonstraram existir
ores respostas reflexas ocorreram durante a caminha- alteração imediata na primeira tentativa após a per-
da com ausência de sobrecarga corporal quando a turbação (Hansen et al., 1988; Gollhofer et al., 1989).
atividade foi diminuída. Assim, condições de solo Portanto, os mecanismos neuronais são direciona-
estáveis (sobrecarga corporal) produzem reflexos dos para manter o centro da massa do corpo sobre
menores. Foi sugerido que os receptores de sobre- os pés. Dependendo da condição postural, o alonga-
carga estão envolvidos na regulação das respostas re- mento muscular não precisa necessariamente resul-
flexas cutâneas para adaptar o padrão locomotor às tar em resposta reflexa de alongamento compensa-
condições ambientais. tória, mas em ativação da musculatura antagonista.
34 PAAVO V. KOMI
Sugeriu-se a geração de um padrão de resposta com- força entre os pés e a plataforma de apoio deveria
pensatória apropriada para ser atingida pela integra- afetar as respostas para os movimentos de desestabi-
ção de múltiplos inputs sensoriais divergentes em ní- lização em caso de dependência gravitacional das res-
vel espinal (Hansen et al., 1988; Gollhofer et al., 1989). postas EMG compensatórias.
A questão de como a posição do centro da massa Durante a imersão, as reações posturais foram
do corpo relativa aos pés é abordada tem sido negli- qualitativamente similares às observadas sob condi-
genciada em muitas investigações de controle pos- ções normais e também em vôo espacial (Clément et
tural (para exceções, ver Clément et al., 1985; Mit- al., 1985). Houve estreita relação entre o peso corpo-
telstaedt, 1995). Na realidade, a apreciação sobre a ral atual e a magnitude das respostas EMG após des-
influência da gravidade na informação sensorial e no locamentos posteriores e anteriores (Dietz et al.,
comportamento motor começa a despertar interesse. 1989b). Entretanto, não houve correlação entre a
A informação periférica é necessária para determinar sobrecarga e as respostas EMG quando o sujeito não
a influência da “gravidade”, assim como dos inputs estava submerso. Essa saturação da resposta fora da
dos receptores de alongamento muscular e do siste- água pode representar uma limitação natural da ati-
ma vestibular para o apropriado desenvolvimento do vação muscular para prevenir possível lesão (p. ex.,
controle dos reflexos posturais. ruptura) do sistema musculoesquelético.
Um aspecto básico do controle neuronal da lo- Para definir o tipo e as propriedades dos recepto-
comoção quadrúpede do gato e da postura e marcha res que sinalizam a projeção do centro de massa do
bípede dos humanos refere-se à função antigravita- corpo em relação aos pés, movimentos de dorsifle-
cional dos extensores da perna (para revisão, ver xão plantar rotacionais e quase “translacionais” fo-
Dietz e Duysens, 2000). Em humanos, os reflexos pro- ram induzidos durante postura corporal horizontal e
prioceptivos envolvidos na manutenção do equilíbrio também com diferentes sobrecargas aplicadas ao cor-
do corpo dependem das forças de contato que se po (Dietz et al., 1992). Observou-se a existência de
opõem à gravidade. Os receptores de sobrecarga dos diferentes torques induzidos pela sobrecarga que re-
extensores parecem sinalizar as alterações da proje- sultaram na ativação compensatória dos músculos ex-
ção da massa do centro do corpo em relação aos pés. tensores da perna apenas durante os deslocamentos
De acordo com as observações em gatos, esse input translacionais. Os impulsos rotacionais foram acom-
aferente provavelmente surge dos órgãos tendinosos panhados por pequena resposta EMG de curta la-
de Golgi e representa mais uma função desses recep- tência (Fig. 2.4). Aos impulsos translacionais seguiu-
tores na regulação postural e da marcha. Desses ex- se forte resposta do gastrocnêmio à longa latência
perimentos, conclui-se que, durante a locomoção, as em comparação à resposta rotacional. A aplicação de
vias inibitórias extensoras Ib se fecham, enquanto há sobrecarga ao corpo agindo contra a plataforma mó-
a abertura das vias facilitatórias extensoras Ib. Em vel teve efeito significativo na magnitude da resposta
humanos, há evidência de contribuição significativa de longa latência do gastrocnêmio, seguindo um dis-
dos receptores de sobrecarga para a ativação muscu- túrbio translacional. O aumento da sobrecarga cor-
lar da perna, obtida a partir de experimentos em imer- poral contra a área de suporte incrementa o torque
são. A ativação muscular compensatória das pernas somente na condição de deslocamento translacional.
depende do peso corporal atual. Além disso, durante A magnitude do torque nos impulsos translacionais
a marcha, a força de ativação dos extensores da per- é diretamente proporcional à quantidade de sobre-
na na fase de duplo apoio depende da sobrecarga. carga, de acordo com a fórmula
O efeito da diminuição do peso induzida pela
imersão em água sobre os receptores envolvidos na T=L×r
sinalização das alterações na posição do centro da
massa do corpo tem sido estudado (Dietz et al., 1989b; onde T representa o torque, L a sobrecarga, e r sua
Dietz e Colombo, 1996). A vantagem dessa técnica distância de translação. Portanto, admitiu-se que os
particular, comparada às reações posturais durante o receptores de sobrecarga nos extensores da perna
vôo espacial (Clément et al., 1985), é a ausência de foram principalmente responsáveis pelos diferentes
efeito na função vestibular, ainda que isso permita a padrões EMG. Com isso, explicaram sua função an-
manipulação da massa corporal. A manipulação da tigravitacional (Dietz et al., 1992).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 35
Figura 2.4 Média das respostas EMGs (n=10) retificadas e médias dos músculos da perna junto com a posição articular do
tornozelo após uma rotação de dorsiflexão da plataforma colinear com a articulação do tornozelo, assim como com as articulações
do tornozelo acima de 25 cm do eixo rotacional na postura em pé. As ilustrações esquemáticas indicam o movimento induzido por
duas modalidades de impulso (Dietz et al., 1992).
comando central eferente é acompanhado por uma Belanger, M. & Patla, A.E. (1984) Corrective responses to
“cópia eferente” no gerador de padrão central. O perturbation applied during walking in humans. Neu-
movimento realizado é sinalizado de volta como rea- roscience Letters 49, 291-295.
ferente e comparado à cópia eferente. Os desvios dessa Beloozerova, I.N. & Sirota, M.G. (1988) Role of motor cor-
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cópia determinam a reação compensatória. Uma or-
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registrar o que está momentaneamente ocorrendo nos und der Labyrinthe auf die Bewegungen der Tiere.
fusos, mas se o que está acontecendo difere daquilo Pflügers Archiv Gesamte Physiologic der Menschen Tiere 67,
que era esperado (Loeb, 1984). O indicativo desse 299-344.
controle é a similaridade entre os padrões de respos- Bonnet, M., Gurfinkel, S., Lipchits, M.J. & Popov, K.E. (1976)
ta da obstrução do movimento de um membro (Di- Central programming of lower limb muscular activity in
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reção poderia, em teoria, ser computado na base da
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Capítulo 3
Excitabilidade da unidade
motora e do motoneurônio no
movimento explosivo
TOSHIO MORITANI
Cada fuso contém várias fibras musculares e extre- A informação sensorial detectada pelos recepto-
midades sensoriais, sendo inervado pelos neurônios res OTGs é conduzida via aferentes sensoriais do gru-
fusomotores ou motoneurônios gama (γ) (ver Fig. 3.1). po Ib (ver Fig. 3.1). Os aferentes do grupo Ib desem-
A principal função dos neurônios fusomotores é con- penham papel crítico na inibição não-recíproca. A
trolar a sensibilidade dos fusos musculares aferentes inibição não-recíproca, também denominada inibi-
ao alongamento dinâmico pela inervação das fibras ção autogênica, refere-se ao input inibitório a um ago-
musculares intrafusais. Alguns neurônios fusomoto- nista (i. e., o motor primário) e a seus sinergistas con-
res (motoneurônios beta [β]) inervam fibras muscu- comitantes com um input excitatório aos músculos
lares tanto extrafusais (esqueléticas) como intrafu- opostos (antagonistas). A inibição dos motoneurôni-
sais (fuso muscular) de modo que se ajustem ao os antagonistas é realizada pelos interneurônios Ib.
comprimento para otimizar a sensibilidade. Esse tipo de inibição auxilia com o ajuste das forças
Conforme já descrito, os fusos musculares repre- musculares aos requerimentos de determinada tare-
sentam somente um tipo de receptor que fornece fa (Leonard, 1998). Os interneurônios Ib podem ser
informação necessária para o movimento. O contro- tanto facilitadores como inibidores. Portanto, a ati-
le dos movimentos dinâmicos e da postura requer vação do OTG resulta em muitas outras respostas
monitorização não somente do comprimento, mas adicionais à inibição não-recíproca.
também da tensão muscular. Há outro receptor es- Os movimentos suaves não dependem somente
pecializado, o órgão tendinoso de Golgi (OTG). Os da ativação muscular, mas também da desativação
OTGs são receptores sensoriais especializados que muscular. Seria impossível estender o braço pela ação
localizam-se primariamente na junção musculoten- do músculo tríceps braquial se os músculos opostos
dínea. Os OTGs fornecem informação referente à ao movimento (bíceps braquial) estivessem em con-
quantidade de força ou tensão gerada no músculo. tração. Conforme descrito anteriormente, os aferen-
Então, o funcionamento desses receptores periféri- tes Ia que conduzem a informação reflexa de alonga-
cos (fusos musculares e OTGs) é absolutamente es- mento ramificam-se quando entram na coluna espinal
sencial para o controle da ação muscular. Os OTGs (ver Fig. 3.2).
possuem menor limiar (i. e., tendem a responder a Alguns desses ramificam as sinapses nos inter-
pequenas alterações) para as alterações induzidas pela neurônios. Um tipo de interneurônio contatado é o
contração na tensão muscular e maior limiar para a interneurônio inibidor Ia. Quando o indivíduo tenta
tensão induzida pelo alongamento. estender o braço, os fusos musculares dos extenso-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 43
Unidade motora
A Figura 3.3 ilustra um diagrama esquemático
simplificado representando o sistema nervoso cen-
tral e o conceito de unidade motora (UM). Como se
sabe, o SNC é organizado de forma hierárquica. A
programação motora ocorre no córtex pré-motor, na
área motora suplementar e em outras áreas de asso-
ciação do córtex. Os inputs dessas áreas, do cerebelo
e, em alguma magnitude, do gânglio basal conver-
gem ao córtex motor primário e excitam ou inibem
os vários neurônios do córtex motor primário. Os
Figura 3.2 Circuito neural de reflexo de estiramento e
acoplamento neural-mecânico entre pares antagonistas da
produtos do córtex motor primário exercem influên-
musculatura dos membros (modificada de Moore e Hutton, cia poderosa sobre os interneurônios e motoneurô-
1980). nios do tronco cerebral e sobre a coluna espinal.
*N. de R.T. Também chamado facilitatório. Nesse local, há associação entre o trato corticospinal
e os motoneurônios α, fornecendo controle cortical
direto da atividade muscular.
res do braço são estimulados e produzem alongamen- Uma UM consiste de um motoneurônio α na
to reflexo associado com excitação desse interneurô- coluna espinal e das fibras musculares por ele iner-
nio inibidor Ia, que, por sua vez, dispõe de efeito ini- vadas. O motoneurônio α representa o ponto final
bidor sobre os motoneurônios que inervam os da somação de todos os inputs descendentes e refle-
músculos antagonistas ao músculo alongado, nesse xos; a membrana desse motoneurônio determina o
caso, os flexores do braço. Esse processo é referido padrão de descarga (freqüência de disparo do moto-
como inervação recíproca (inibição) ou inibição dis- neurônio) da unidade motora e, então, da atividade
sináptica devido às duas sinapses estarem envolvidas muscular. O número de unidades motoras por mús-
na via inibidora. O interneurônio inibidor Ia recebe culo em humanos pode variar de cerca de 100 nos
ricos inputs convergentes de muitas outras fontes e músculos pequenos das mãos até 1.000 ou mais nos
os processa de maneira que a quantidade apropriada músculos dos grandes membros (Henneman et al.,
de inibição muscular antagonista seja alcançada. Evi- 1981). Estudos demonstram que diferentes UMs va-
dentemente, diferentes tarefas motoras, incluindo riam muito na capacidade de geração de força, isto é,
ações estáticas e explosivas, requerem graus variados mais que 100 vezes na força de contração (Stephens
de inibição muscular antagonista e de ativação mus- e Usherwood, 1977; Garnett et al., 1979).
cular sinergista. Os primeiros estudos (Burke, 1981) identifica-
Finalmente, a inibição dos antagonistas e de ou- ram três tipos de unidades motoras de acordo com
tros grupos musculares pode também ser realizada propriedades fisiológicas tais como velocidade de ação
pela inibição mediada pelas células de Renshaw, pela e fatigabilidade (sensibilidade à fadiga). De acordo
44 PAAVO V. KOMI
com Burke (1981), três tipos de unidades motoras Recrutamento das unidades
podem ser distinguidos: (I) contração rápida, fatigá- motoras e freqüência de disparo
vel (FF); (II) contração rápida, resistente à fadiga (FR); (taxa de codificação)
e (III) contração lenta (S), mais resistente à fadiga. As
unidades motoras do tipo FF são predominantemente Em ações voluntárias, a força é modulada pela
encontradas no músculo pálido (elevado conteúdo combinação do recrutamento de UMs e alterações
de ATPase para utilização de energia anaeróbia, bai- na freqüência de ativação da UM (taxa de codifica-
xa capilarização, menor hemoglobina, mioglobina e ção) (Milner-Brown et al., 1973; Kukulka e Clamann,
mitocôndria para o suprimento energético oxidati- 1981; Moritani e Muro, 1987). Quanto maior for o
vo). No músculo vermelho (baixa ATPase, elevada número de unidades motoras recrutadas e sua fre-
capilarização, hemoglobina, mioglobina e mitocôn- qüência de disparo, maior será a força. É geralmente
dria abundante para o suprimento energético oxida- aceito que a informação dos centros cerebrais eleva-
tivo), tal como o músculo sóleo, encontram-se pre- dos aos motoneurônios seja codificada nos interva-
dominantemente unidades motoras tipo S. los de disparo em que os motoneurônios são esti-
A ampla variação nas propriedades morfológicas mulados a disparar. Em outras palavras, a transmissão
e eletrofisiológicas dos motoneurônios individuais da informação no sistema nervoso é realizada através
que compreendem um grupo de motoneurônios é da modulação da freqüência. Durante o recrutamento
correspondente a uma variedade igualmente ampla das UMs, a força muscular, quando ativada em qual-
de propriedades fisiológicas das unidades muscula- quer freqüência constante de disparo das unidades
res que eles inervam. É interessante observar que as motoras, é aproximadamente 2 a 5 kg·cm–2. Em ge-
fibras musculares inervadas por determinado tipo de ral, ela relativamente independe de espécie, gênero,
motoneurônios manifestam características bioquími- idade e estado de treinamento (Ikai e Fukunaga, 1970;
cas, histoquímicas e contráteis quase idênticas. Alway et al., 1990).
Assim, as fibras musculares podem também ser clas- Nossa compreensão atual do recrutamento das
sificadas em três tipos: fibra de contração rápida, gli- UMs é baseada no trabalho pioneiro de Henneman e
colítica (FG, ou equivalente humano do tipo IIb); de colaboradores na década de 1960. Nesse estudo, eles
contração rápida, glicolítica-oxidativa (FOG, tipo IIa); propuseram que as UMs são sempre recrutadas de
e de contração lenta, oxidativa (SO, tipo I). acordo com o aumento do tamanho. Visto que esse
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 45
“princípio do tamanho” de Henneman e colabora- se exige maior produção de força e/ou ações mais
dores (1965) foi inicialmente proposto com base em rápidas (Freund et al., 1975; Henneman e Mendell,
resultados relativos aos motoneurônios de gatos, for- 1981). A Figura 3.4 representa um conjunto típico
tes evidências apontam a existência de uma seqüên- de dados demonstrando alterações nos níveis de
cia específica de recrutamento de acordo com o au- ativação neural (registro eletromiográfico de super-
mento do tamanho do motoneurônio e da UM em fície [EMG]) do bíceps braquial e o correspondente
relação à ação muscular (Milner-Broen et al., 1973; espectro da freqüência de potência (componentes
Kukulka e Clamann, 1981; De Luca et al., 1982). da freqüência dos potenciais de ação) obtidos em
Goldberg e Derfler (1977) demonstraram correlações uma ação isométrica com variação linear da força
positivas entre a ordem de recrutamento, a amplitu- em um levantador de potência altamente treinado.
de de pico e a tensão de uma única UM no músculo Note que os grandes potenciais do “tipo pico”, pro-
masseter humano. Em geral, isso é referido como “se- vavelmente originados de UMs de contração rápi-
qüência normal de recrutamento” ou “recrutamento da, poderiam ser observados mesmo com registro
ordenado” devido ao elevado número de dados que EMG de superfície em maiores níveis de força (ver
respaldam essa ordem de recrutamento baseada no Fig. 3.4).
tamanho, dentro de uma variedade de condições ex- As dificuldades técnicas associadas com o regis-
perimentais (Heckman e Binder, 1993). Dados mais tro de uma simples UM em níveis elevados de força
recentes fornecem suporte adicional ao “princípio do em humanos, além da dificuldade em gerar forças
tamanho” ao demonstrar que a estimulação trans- controladas em experimentos com animais, limitam
cortical gera recrutamento ordenado normal (Bawa a acurácia com que o recrutamento preciso da UM e
e Lemon, 1993). a freqüência de disparo podem ser estabelecidos. No
Está bem documentado que o recrutamento das entanto, Kukulka e Clamann (1981) e Moritani e co-
UMs e a freqüência de disparos dependem prima- laboradores (1986a) demonstraram que no músculo
riamente do nível de força e da velocidade de ação. adutor do polegar em humanos para um grupo mus-
Quando as UMs de baixo limiar são recrutadas, o cular constituído principalmente de fibras tipo I, a
resultado consiste de uma ação muscular caracteri- freqüência de disparo das UMs desempenha papel
zada pela baixa capacidade de produção de força e mais proeminente na modulação da força. Para um
pela elevada resistência à fadiga. As UMs fatigáveis grupo muscular composto de fibras tipo I e II, o re-
de alto limiar são recrutadas nas situações em que crutamento das UMs parece representar o principal
mecanismo na geração de força extra acima de 40 a te, isso ocorreu devido às complicações de tempo im-
50% da contração voluntária máxima (CVM). Então, postas pelos movimentos rápidos durante os quais o
nos músculos intrínsecos das mãos em humanos, o recrutamento do músculo lento poderia ser incom-
recrutamento das UMs parece ser essencialmente patível com as demandas do movimento. Em geral,
completo a cerca de 50% da força máxima, enquan- os estudos realizados em humanos não sustentam essa
to o recrutamento das UMs nos músculos bíceps, bra- idéia. Moritani e colaboradores (1991ab), no entanto,
quial e deltóide pode continuar até mais de 80% da registraram alguma evidência de ativação preferencial
força máxima ser alcançada (Kukulka e Clamann, e fase-dependente do músculo gastrocnêmio relativa-
1981; De Luca et al., 1982; Moritani et al., 1986a; mente “rápido” (quando comparado ao sóleo “lento”)
Moritani e Muro, 1987) (ver Fig. 3.5). com incremento da demanda de força e de velocidade
Quando a velocidade do movimento aumenta, a em diferentes tipos de saltos em humanos.
força suprida pelas UMs de contração lenta diminui
muito mais rapidamente do que a fornecida pelas Propriedade muscular catchlike*
unidades tipo F devido às diferenças nas relações for-
ça-velocidade. Como conseqüência, foi proposto que Burke e colaboradores (1970) demonstraram um
movimentos rápidos podem ser realizados pelo re- fenômeno contrátil muscular muito interessante, a
crutamento seletivo das UMs de contração rápida. chamada propriedade “catchlike”. Tal fenômeno con-
Esse recrutamento seletivo dos músculos lentos ou siste no aumento da força induzida pela adição de
rápidos dos extensores do tornozelo tem sido docu- um pulso extra (propriedade catchlike) durante a esti-
mentado em tarefas locomotoras em gatos (Smith et
al., 1980; Hodgson, 1983). Por exemplo, Smith e co-
laboradores (1980) demonstraram o recrutamento se- *N. de R.T. Propriedade muscular evidenciada pela adição de
letivo do músculo gastrocnêmio lateral (GL) rápido um impulso extra com o qual se observa uma resposta “gati-
durante tremor da pata sem o recrutamento conco- lho” e um incremento instantâneo na produção de força do
mitante do músculo sóleo (SOL) lento. Possivelmen- músculo.
Figura 3.5 Registros de pico intramuscular obtidos do músculo bíceps braquial durante uma ação muscular isométrica com
variação linear da força.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 47
mulação de freqüência constante do músculo ou de todos de estimulação foram empregados: (I) o nervo
uma única UM. As descobertas originais de Burke e tibial posterior foi estimulado em uma intensidade
colaboradores (1970), juntamente com os nossos supramáxima para induzir ações máximas do mús-
dados obtidos em humanos, são apresentadas na Fi- culo tríceps sural; e (II) a microestimulação intramus-
gura 3.6. Esses dados indicam claramente que um cular foi realizada para estudar a propriedade catchli-
impulso extra de elevada freqüência durante uma ke de fibras musculares individuais. As medidas foram
estimulação de freqüência constante poderia incre- feitas continuamente para a força e para os sinais ele-
mentar a força subseqüente, continuando por um pe- tromiográficos (onda-M) associados com a mensu-
ríodo de tempo durante o qual a freqüência de esti- ração do nível de oxigenação muscular durante a es-
mulação original fosse mantida (ver Fig. 3.6). timulação elétrica constante com (CATCH) ou sem
Investigamos essa propriedade catchlike de meca- (CONST) um pulso extra de 50 Hz. Os resultados
nismos de incremento da força em termos de res- indicaram que a força total durante o CATCH foi sig-
postas eletrofisiológicas e metabólicas no músculo nificativamente maior do que no CONST. No en-
esquelético humano por meio de registros EMG in- tanto, quando a amplitude média pico a pico da onda-
tramusculares e de superfície, e também por espec- M, obtida durante o CONST, foi comparada à obtida
troscopia com infravermelho (NIRS) (Moritani e no CATCH no mesmo período de tempo, nenhuma
Yoshitake, 1998). Nesse estudo, dois diferentes mé- diferença estatisticamente significativa foi observa-
Figura 3.6 Propriedade catchlike (potencialização da força) da estimulação de uma única unidade motora isolada (Burke et al.,
1970) e estimulação intramuscular e nervosa em humanos (Moritani e Yoshitake, 1998). As curvas de força obtidas durante
estimulação de freqüência constante (CONST) ou com pulso extra de alta freqüência (CATCH).
*N. de R.T. Ausência de um impulso que altera a freqüência padrão de impulsos.
48 PAAVO V. KOMI
da. Além disso, não houve diferença significativa nas ma de produzir essa propriedade catchlike pelas alte-
alterações totais da oxigenação muscular entre a es- rações induzidas pelo treinamento no que se refere
timulação de freqüência CONST e CATCH. ao padrão de disparo das UMs verificado no início
Nesse estudo, um incremento significativo da for- das ações musculares.
ça induzido por somente um pulso extra de elevada
freqüência adicional foi detectado tanto na estimula-
Impulso comum* das unidades
ção micro como na total do músculo tríceps sural
motoras na regulação da força
humano (ver Fig. 3.6). Apesar da diferença significa-
muscular
tiva na força produzida, não existiram diferenças sig-
nificativas entre os dois padrões de estimulação no
que se refere às características eletrofisiológicas e me- Vários estudos anteriores (Milner-Brown et al.,
tabólicas (ver Fig. 3.7). 1973; Tanji e Kato, 1973) demonstraram que a fre-
Nossos dados são compatíveis com as descober- qüência de disparo das UMs é incrementada propor-
tas anteriores de que os fatores neurais influenciam cionalmente ao aumento da força. Isso pode indicar
significativamente o incremento da força no estágio que o aumento da excitação no grupo de motoneu-
inicial do treinamento de força (Moritanio e de Vri- rônios musculares ativos eleva a freqüência de dis-
es, 1979; Komi, 1986; Moritani, 1993). Esses dados
também fornecem perspectivas neurofisiológicas in-
teressantes para o treinamento muscular, como for- *N. de R.T. Taxa de ativação constante.
Figura 3.7 Alterações nas curvas de força e potenciais de ação de massa evocados (ondas-M) registrados durante estimulação de
freqüência constante e com um pulso extra de alta freqüência (CATCH).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 49
paro de todas as UMs ativas. De Luca e colaboradores realidade, esse não é o caso. De Luca e Erim (1994)
(1982) investigaram esse padrão no comportamento demonstraram que as freqüências de disparo de uni-
da freqüência de disparo de UMs em até 8 UMs si- dades motoras inicialmente recrutadas são maiores do
multaneamente ativas em vários tipos de ação mus- que as UMs recrutadas no final. Uma possível expli-
cular isométrica: força constante, incremento da for- cação para as UMs de alto limiar serem estimuladas
ça em rampa* e força reversa. Os resultados indicaram em menores freqüências de disparo considera que
comportamento uníssono da freqüência de disparo elas sejam fatigadas mais rapidamente do que as UMs
das unidades motoras** em função do tempo e da de baixo limiar. Diante desse mecanismo, poderiam
força. Essa propriedade tem sido chamada de impulso rapidamente entrar em exaustão. Então, sob controle
comum. A existência desse impulso comum faz com voluntário, o sistema neuromuscular pode possuir
que o sistema nervoso não controle as freqüências uma capacidade de reserva para gerar níveis inco-
de disparo das UMs individualmente. Em vez disso, muns de força por breve período de tempo. Em cir-
modula o conjunto de motoneurônios de uma ma- cunstâncias extraordinárias, incluindo emergência,
neira uniforme; ou seja, uma demanda para a modu- competição e/ou como resultado do treinamento
lação da força pode ser alcançada pela modulação da muscular de alta intensidade, é particularmente con-
excitação e/ou pela inibição no conjunto dos moto- cebível que as UMs de alto limiar possam ser breve-
neurônios. mente ativadas com freqüências de disparo conside-
A análise associada do período de tempo das al- ravelmente maiores que a tetania. Assim, contribuem
terações na freqüência de disparo das UMs simulta- ainda mais para a capacidade de produção de força
neamente ativas revelou que elas agiam de forma al- muscular. Em geral, admite-se que os disparos du-
tamente independente. Em outras palavras, a plos das UMs, os quais podem apresentar uma po-
freqüência de disparo de todas as unidades motoras tencial propriedade catchlike, descrita anteriormente,
varia concomitantemente a um incremento (ou de- sejam mais freqüentemente observados em um gru-
créscimo) em determinada freqüência de disparo da po de atletas altamente treinados.
UM, sendo acompanhada por alterações similares na Com base na modulação da freqüência de dispa-
freqüência de disparo de outras UMs. A análise de ro, assim como no recrutamento das UMs mencio-
correlação entre as freqüências de disparo de todos nado anteriormente, De Luca e Erim (1994) propu-
os pares possíveis de UMs estudadas indicou eleva- seram um modelo hidráulico simples para resumir
do nível de correlação, atestando a existência de mo- os princípios básicos que controlam a regulação das
dulação neural para a estratégia de controle da fre- UMs durante a ação muscular. A Figura 3.8 apresen-
qüência de disparo simultânea das UMs (De Luca e ta tal modelo. De acordo com esse modelo, o fluxo
Erim, 1994). Devido ao fato de o impulso comum de água dentro do tanque corresponde ao recruta-
ocorrer mesmo nos músculos que não possuem fuso mento do conjunto de motoneurônios, enquanto o
muscular, por exemplo, o músculo orbicular do lábio fluxo de saída de cada torneira e a distância por ele
inferior da boca, e na ação muscular isométrica em percorrida correspondem ao recrutamento de deter-
que a atividade do fuso muscular é mínima, as flutu- minada UM e sua freqüência de disparo. O compri-
ações comuns observadas na freqüência de disparo mento de cada fluxo é representativo da freqüência
das UMs poderiam surgir do SNC. de disparo inicial da UM, e o acúmulo de água no
No entanto, se o sistema neuromuscular foi deli- tanque corresponde ao impulso comum (excitação-
neado para maximizar a produção de força, as UMs inibição). A Figura 3.8(a) representa o comportamen-
de alto limiar deveriam ser estimuladas a disparar fre- to das freqüências de disparo quando o impulso cen-
qüências mais elevadas, como as UMs que requerem tral é apenas suficiente para recrutar três UMs. A
freqüências de disparo mais elevadas para induzir a Figura 3.8(b) demonstra a situação quando o recru-
tetania e para produzir a sua máxima força. Mas, na tamento de uma nova UM e o incremento na fre-
qüência de disparo das unidades motoras ativas ocor-
rem como um impulso neural ao conjunto de
motoneurônios posteriormente aumentado. Final-
*N. de R.T. Aumento linear da força. mente, a convergência das freqüências de disparo para
**N. de R.T. Comportamento padrão, uniforme. o mesmo valor na freqüência máxima de disparo é
50 PAAVO V. KOMI
de tempo extremas, o maior apoio dos sinergistas rá- tante na ativação seletiva dos músculos rápidos de
pidos do GM poderia ser mais compatível com as maneira sinérgica em humanos. No salto rápido e
demandas do movimento, enquanto o nível de ativa- muito potente, o recrutamento do SOL, sinergista
ção neural das UMs lentas do SOL pode ter sido sa- lento, pode ser incompatível com as demandas do
turado durante esse potente movimento. movimento.
As evidências de tal controle neural diferencial Já a magnitude em que os reflexos de estiramen-
das UMs lentas e rápidas no gato descerebrado fo- to contribuem para os movimentos explosivos em
ram reportadas por Kanda e colaboradores (1977). humanos ainda é alvo de controvérsia. Os dados apre-
Suas descobertas, de que o SOL sinergista lento e as sentados por Dietz e colaboradores (1979), no en-
fibras de contração lenta do GM foram inibidos quan- tanto, têm demonstrado claramente que os reflexos
do as fibras de contração rápida do GM foram prefe- espinais podem ter importante papel e ser mecanica-
rencialmente facilitadas durante a estimulação do mente eficazes na corrida, mesmo em velocidades
nervo sural, sugerem que complexas interações neu- muito elevadas, com tempo de contato com o solo de
ronais dentro do conjunto de motoneurônios podem aproximadamente 120 ms. Eles constataram que o
modificar a excitabilidade do motoneurônio (Burke, nível de ativação muscular máxima registrado imedi-
1971). O maior apoio observado no GM nas fases de atamente após o contato com o solo foi considera-
pré-ativação e ativação excêntrica no salto máximo velmente maior do que o impulso neural que pode
(ver Fig. 3.9) pode, então, sugerir que essas comple- ser exercido na contração voluntária máxima. Com
xas interações neuronais desempenham papel impor- isso, o alongamento ativo dos músculos durante as
Figura 3.9 Alterações na força de reação ao solo e os sinais EMGs do gastrocnêmio medial (GM) e do sóleo (SOL) registrados
durante três diferentes tipos de saltos, requerendo vários graus de força e velocidade de contração.
52 PAAVO V. KOMI
fases excêntrica ou de alongamento pode induzir re- determinada carga. As fibras de contração rápida con-
flexos segmentares que poderiam potencializar a ati- tribuíram 2,5 vezes a mais que as de contração lenta
vação muscular e contribuir para o aumento da rigi- para a potência total, quando foi analisada a curva de
dez muscular* de acordo com as enormes necessi- potência em vários músculos.
dades de força (Dietz et al., 1979; Grillner, 1981). Muitos estudos procuram demonstrar a especi-
Portanto, a pré-ativação parece ser uma necessidade ficidade de diferentes tipos de treinamento muscular
preparatória para o aumento do reflexo de estiramen- nas adaptações neurais e mecânicas (Komi e Viitasa-
to e para o avanço do início da ação muscular de lo, 1977; Komi et al., 1978). A especificidade dos efei-
acordo com o contato no solo durante esse movi- tos do treinamento de potência na relação força-ve-
mento altamente potente. A contribuição do reflexo locidade e na produção de potência máxima nos
de estiramento e o pico de força de cada unidade músculos humanos foi extensivamente estudada por
motora, por sua vez, surgiriam tarde demais para se- Kaneko e colaboradores (Kaneko, 1970; Kaneko,
rem efetivos (Moritani et al., 1991b). 1974; Kaneko et al., 1983). Kaneko (1974), por exem-
plo, estudou o curso de tempo das alterações nas ca-
Treinamento da potência máxima e racterísticas força-velocidade e a produção de potên-
adaptações neurais cia máxima resultante em diferentes sobrecargas de
treinamento (p. ex., 0, 30, 60, 100% F0 [força de con-
O desenvolvimento da potência muscular é de tração voluntária máxima]) por um período de 20
grande importância nos eventos esportivos que re- semanas. Esse estudo demonstrou uma melhoria ini-
querem elevado nível de força e velocidade. A potên- cial significativamente maior na curva força-veloci-
cia muscular representa o produto da força muscu- dade e na correspondente produção de potência me-
lar e da velocidade de ação, cada uma influenciada cânica como resultado do treinamento de potência
por propriedades musculares intrínsecas. As pro- muscular. Kaneko e colaboradores (1983) também
priedades intrínsecas primárias que controlam o de- demonstraram a “especificidade” do efeito do treina-
senvolvimento da força muscular são as relações for- mento de potência muscular: o treinamento realiza-
ça-comprimento e força-velocidade, além das cinéti- do com ações máximas com 0% F0 foi mais eficaz
cas de ativação e desativação muscular. para melhorar a velocidade máxima testada sem so-
Correlações significativas são demonstradas en- brecarga externa, enquanto o treinamento com 100%
tre as características força-velocidade, potência me- F0 induziu melhorias mais significativas na força má-
cânica muscular e composição da fibra muscular nos xima. A conclusão define que diferentes sobrecargas
músculos extensores do joelho (Thorstensson et al., de treinamento induziriam modificações específicas
1976; Tihanyi et al., 1982). Faulkner e colaboradores da relação força-velocidade, ademais, a sobrecarga de
(1986) estudaram as propriedades contráteis de fei- 30% F0 foi mais eficaz na melhoria da produção de
xes de fibras musculares do músculo esquelético potência mecânica máxima (Fig. 3.10).
humano e constataram que a produção de potência Nesse e em outros estudos (Caiozzo et al., 1981;
máxima das fibras de contração rápida foi quatro ve- Coyle et al., 1981), nenhum registro EMG foi feito,
zes maior do que a das fibras de contração lenta de- não sendo possível determinar os efeitos do treina-
vido à maior velocidade de encurtamento após uma mento de potência muscular no nível máximo de ati-
vação muscular e em outras possíveis adaptações neu-
rais. Portanto, investigamos os efeitos do treinamento
de potência muscular de curto prazo com 30% F0
*N. de R.T. Relacionado à expressão inglesa “muscle stiffness”, a sobre a curva força-velocidade, potência e parâme-
qual será traduzida ao longo do texto como rigidez muscular. tros eletrofisiológicos (Moritani et al., 1987). O mús-
Refere-se a uma qualidade de rigidez, resistência ou inflexibi- culo bíceps braquial direito foi treinado com sobre-
lidade tecidual. Na maioria das vezes, a intenção é descrever carga equivalente a 30% F0 com esforço máximo, 30
uma situação de esforço muscular intenso em que o estado de
vezes ao dia, três vezes por semana por duas sema-
tensão elevado possibilita ao músculo uma condição ótima
para armazenar energia elástica. Tal condição é favorável, so- nas. A EMG de superfície e a intramuscular das ca-
bretudo ao observar-se o ciclo alongamento-encurtamento beças longa e curta foram registradas simultaneamen-
(CAE). te e analisadas por meio do espectro de freqüência e
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 53
pelo uso de técnicas de histograma da amplitude de namento. A medição serviu posteriormente para elu-
freqüência das UM, respectivamente (Moritani et al., cidar a possibilidade de padrões de ativação muscu-
1985; Moritani et al., 1986b). Os resultados indica- lar sincrônicos ou de associação nos domínios do
ram que o nível de ativação muscular determinado tempo e da freqüência. As Figuras 3.11 e 3.12 repre-
pelos valores RMS (raiz quadrada da média — root sentam as alterações típicas observadas. Parece apa-
mean square) do sinal EMG incrementou considera- rente que dois potenciais de ação em forma de onda
velmente após o treinamento com qualquer sobre- tiveram pouca associação nos padrões de amplitude
carga. Por sua vez, a FM (freqüência média), que re- e de forma da onda no pré-treinamento, revelando
flete o componente de freqüência dos potenciais de um coeficiente de correlação máximo de (Rxy) 0,40
ação registrados, alterou-se para menores bandas de (ver Fig. 3.11). No entanto, formas de onda muito
freqüência como resultado de grandes oscilações do similares dos potenciais de ação foram obtidas após
sinal EMG de baixa freqüência, possivelmente devi- o treinamento, aumentando o Rxy para 0,91 (Fig. 3.12).
do à melhor somação (sincronização) dos potenciais Isso sugere maior ativação muscular e atividade mais
de ação mais baixos. sincronizada das UMs após o treinamento (Milner-
O espectro de freqüência, assim como os coefi- Brown e Stein, 1975). Essa evidência também aponta
cientes de correlação, foi obtido entre os potenciais para o aumento do “impulso comum”, o que gera
de ação registrados nas cabeças curta e longa do diferenças insignificantes na freqüência de disparo
músculo bíceps braquial nos períodos pré e pós-trei- das UMs entre as UMs ativas em impulso neural ex-
54 PAAVO V. KOMI
tremamente alto (De Luca e Erim, 1994). Tal meca- significativo na produção de potência máxima, de
nismo pode ainda induzir o aumento da oscilação na RMS e de Rxy, associado com decréscimo significati-
EMG de superfície, que teoricamente aborda o nível vo na FM, após o treinamento em todas as condições
de ondas M ativadas ao máximo (potencial de ação de carga. Esses dados sugerem fortemente que as al-
de massa), indicando que todas as UMs estão agora terações induzidas pelo treinamento de curto prazo
completamente sincronizadas (Bigland-Ritchie, 1981). na relação força-velocidade e na produção de potên-
O conjunto de dados indicou incremento altamente cia mecânica resultante podem relacionar-se a adap-
tações neurais, representadas pelo maior nível de ati- um número máximo de unidades motoras tem que
vação muscular e por padrões de ativação mais sin- ser recrutado, os motoneurônios em prontidão toni-
crônicos. camente ativos têm de ser liberados da atividade tô-
nica para a sincronia ótima.
Movimento balístico máximo Moritani e Shibata (1994) investigaram os possí-
veis mecanismos neurofisiológicos do SP que prece-
Os primeiros estudos a analisar a iniciação e a diam o movimento balístico voluntário de indivídu-
execução dos movimentos balísticos fundamentaram- os jovens. Os sujeitos foram orientados a executar a
se principalmente nos aspectos qualitativos e quan- flexão plantar com a maior força e velocidade possí-
titativos dos picos iniciais do sinal EMG dos múscu- veis em resposta a um sinal luminoso. Os sinais EMG
los agonistas (Hallett e Marsden, 1979; Lestienne, dos músculos agonistas (gastrocnêmio lateral [GL] e
1979). Os padrões trifásicos de ativação muscular sóleo [SOL]) e antagonistas (tibial anterior [TA]) fo-
agonista e antagonista têm sido intensivamente es- ram simultaneamente registrados em conjunto com
tudados em movimentos rápidos (Garland e Angel, o sinal da força. A Figura 3.13 apresenta um conjun-
1971; Sanes e Jennings, 1984). É interessante obser- to típico de dados demonstrando o aparecimento do
var que as manifestações iniciais dos movimentos rá- período SP anterior ao movimento balístico. Note o
pidos não representam ativação, mas depressão ou desaparecimento dos picos das UMs registrados de
“silêncio” da atividade EMG (período de “silêncio” forma intramuscular e a correspondente atividade da
pré-movimento [SP]). Este último tem sido descrito EMG de superfície na ausência da força e a atividade
tanto para os músculos agonistas como para os anta- muscular antagonista do TA.
gonistas (Yabe, 1976; Conrad et al., 1983; Kawahatsu A excitabilidade do conjunto de motoneurônios
e Miyashita, 1983; Mortimer et al., 1984; Aoki et al., α espinais por meio da análise do reflexo-H foi tam-
1989). O papel funcional definitivo do SP e de seus bém determinada em várias fases do movimento. A
mecanismos neurofisiológicos ainda precisa ser de- Figura 3.14 apresenta nosso método para demons-
terminado. Conrad e colaboradores (1983) sugerem trar o reflexo-H. Uma única estimulação elétrica do
que, em movimentos de alta velocidade, nos quais nervo tibial posterior produziu dois discretos poten-
ciais de ação muscular nos músculos da perna. O vas com SP do que sem; (III) o decréscimo significa-
primeiro potencial de ação é referido como a onda tivo na amplitude da onda-H foi observado aproxi-
M. Ela resulta da estimulação direta dos axônios madamente 40 ms antes do aparecimento do SP, o
motores, enquanto o segundo potencial de ação, ou qual precede o desenvolvimento de força em cerca
onda-H, resulta da estimulação de axônios sensori- de 50 a 60 ms (ver Fig. 3.15). Vários mecanismos fisi-
ais maiores (aferentes do grupo Ia originados do fuso ológicos que podem explicar a ocorrência do SP fo-
muscular) com forte conexão monossináptica aos ram sugeridos por Mortimer e colaboradores (1984):
motoneurônios α. Portanto, o reflexo-H fornece um (I) inibição realizada pelos centros supra-espinais que
meio útil de testar a modulação reflexa espinal du- produzem falta de facilitação dos motoneurônios to-
rante o comportamento motor, da mesma forma que nicamente ativos; (II) inibição pós-sináptica pelos
a alteração na amplitude da onda-H poderia refletir interneurônios espinais; e (III) inibição pré-sináptica
alteração correspondente na excitabilidade reflexa realizada pela despolarização aferente primária. A ini-
monossináptica na medula espinal (Stein e Capaday, bição recíproca poderia não ser responsável devido
1988). ao SP ocorrer na ausência de qualquer pico na EMG
Nossos resultados indicaram que: (I) o SP ocor- dos antagonistas. Além disso, as latências do SP são
reu em algumas, mas não em todas as tentativas na muito mais curtas do que os tempos pré-motores mais
análise intra-sujeito e apresentou duração variável rápidos nos músculos pré-tensionados. Ward (1978)
intertentativas; (II) a taxa máxima de produção de apresentou argumentação contrária à inibição pós-
força* (dF/dt) foi significativamente maior nas tentati- sináptica via interneurônios espinais ativados em
paralelo com os motoneurônios.
Pode-se, no entanto, especular que o SP sirva para
incrementar a sincronia do conjunto de motoneurô-
*N. de R.T. Relativo à expressão inglesa maximal rate of force
nios; grande parte dos motoneurônios tonicamente
development. Serve para avaliar a qualidade do recrutamento das
UMs em determinado movimento ordenado em relação ao ativos poderia ser refratária quando o comando da
tempo. Importante variável a ser considerada no desempenho ação rápida alcança esse conjunto de motoneurôni-
da força explosiva. os. Nesse caso, Conrad e colaboradores (1983) suge-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 57
riram que o SP exporia todos os motoneurônios em sideravelmente mais curta quando comparados a es-
estado refratário, habilitando todos os motoneurô- tudantes de Educação Física (Kawahatsu, 1981). Além
nios disponíveis em prontidão para dispararem ao disso, Nishizono e colaboradores (1984) observaram o
mesmo tempo. Isso poderia ser alcançado, por exem- SP anterior à liberação da flecha em arqueiros de nível
plo, pela inibição do motoneurônio α via interneu- mundial. Nesse caso, sua taxa de aparecimento foi sig-
rônios inibidores espinais conhecidos por serem ati- nificativamente maior no grupo de arqueiros extrema-
vados de maneira monossináptica pelo trato corti- mente habilidosos, em relação aos menos habilidosos
cospinal. Nossas descobertas em relação ao decrés- (Nishizono e Kato, 1987).
cimo da amplitude do reflexo-H e ao completo desa- Nossos dados da EMG de superfície e do refle-
parecimento do disparo das unidades motoras du- xo-H também aludem contra a inibição pós-sinápti-
rante o SP parecem, então, sustentar essa hipótese, ca via interneurônios espinais devido ao período de
embora possíveis mecanismos inibidores que ajam depressão da amplitude do reflexo-H não ter sido
nos centros supra-espinais, dificultando a atividade acompanhado por decréscimo nos registros da EMG
tônica, não possam ser descartados. de superfície do GL e do SOL. Esperava-se observar
O fato de manifestar duração variável intertenta- decréscimo simultâneo no reflexo-H e na atividade
tiva em que alguns sujeitos parecem ser mais capa- EMG de superfície caso existisse inibição pós-sináp-
zes de produzi-lo, sugere que o SP pode ser uma res- tica. No entanto, não observamos decréscimo para-
posta motora aprendida, em vez de um componente lelo. Isso sugere que a inibição pré-sináptica e a au-
do programa de movimento. Nesse caso, pode ser im- sência de facilitação provavelmente são mecanismos
portante notar que os atletas de nível mundial (velo- envolvidos no SP que precedem o movimento balís-
cistas e saltadores) demonstram duração do SP con- tico.
58 PAAVO V. KOMI
PCRMs humanos são estudados em sujeitos saudá- do PCRM (potencial de prontidão PP;* e a porção
veis (Deecke et al., 1969; Shibasaki et al., 1980; Neshi- final do PP, denominada alteração negativa [NS’]).
ge et al., 1988a; Neshige et al., 1988b) e em pacientes A Figura 3.17 apresenta exemplos de PCRMs re-
(Neshige et al., 1988b; Singh e Knight, 1990). O fato gistrados dos eletrodos do couro cabeludo por meio
de os PCRMs iniciarem em até 1,5 s antes dos movi- de um sistema internacional 10-20, para investigar a
mentos sugere que são gerados por circuitos neurais relação entre PCRMs e amplitude de força durante
envolvidos na preparação e na iniciação motora. ações isométricas entre 10 e 50% da CVM. Nessa
Os PCRMs registrados por eletrodos subdurais figura, somente os registros de Fz (giro médio-fron-
cronicamente implantados em pacientes indicam dis- tal, próximo ao córtex superior frontal), C3 e Cz são
creta fonte de PCRM no giro pré e pós-central com demonstrados com clareza. Para observar a atividade
contribuições adicionais do córtex suplementar e pré- EEG antes e após a flexão do braço direito, um ele-
motor (Neshige et al., 1988a; Neshige et al., 1988b). troencefalograma (EEG), tempo decorrido para o iní-
Muitos investigadores concordam que a principal cio da produção de força, foi preparado a partir de
fonte neural do potencial motor (PM) está na área
motora primária (Shibasaki et al., 1980; Singh e Kni-
ght, 1990). Os dados intracranianos diretos em hu- *N. de R.T. Da expressão inglesa potential readiness. Relativo a
manos (Neshige et al., 1988a; Neshige et al., 1988b) potencial negativo no eletroencefalograma, que lentamente au-
também indicam que o córtex sensório-motor é o menta e atinge um máximo imediatamente antes de um movi-
principal contribuinte para os componentes iniciais mento voluntário de determinado membro.
60 PAAVO V. KOMI
programas especiais de computador desenvolvidos em induzida por esforço bilateral simultâneo (BL) quan-
nosso laboratório. O PP, que corresponde ao Bereits- do comparado com esforço unilateral (UL) (Koh et
chaftspotential anteriormente descrito (Deecke et al., al., 1993; Oda e Moritani, 1994; Oda e Moritani,
1969), começou no mínimo 1.000 ms antes da pro- 1995). No entanto, o mecanismo neurofisiológico que
dução de força e lentamente teve um aumento de produz a força BL e os déficits na EMG permanecem
amplitude. desconhecidos. Temos investigado os PCRMs das
Aproximadamente 500 ms antes do início da for- áreas esquerda e direita do córtex motor (C3 e C4,
ça, a inclinação desse potencial negativo tornou-se respectivamente), além da força isométrica e da ati-
gradativa (inclinação negativa — NS — de acordo com vidade EMG em associação com ação de preensão
a terminologia empregada por Shibasaki e colabora- manual BL e UL máximas em oito sujeitos destros
dores, 1980). Esses dados indicam claramente que o (Oda e Moritani, 1995). A preensão manual BL exi-
NS e o PM são máximos nos locais do couro cabelu- biu déficits significativos na força máxima e no EMG
do contralaterais aos movimentos, sugerindo que as quando comparada à preensão UL. Nas ações UL, a
áreas sensório-motoras e a área motora suplementar amplitude dos PCRMs também foi significativamen-
participam na preparação dos movimentos, mas que te maior no hemisfério contralateral. Para as ações
principalmente o córtex contralateral gera as descar- BL, a assimetria de grandes potenciais para o lado con-
gas necessárias para produzir determinado movimen- tralateral desapareceu e menores potenciais simétri-
to (Neshige et al., 1988b; Singh e Knight, 1990; Oda cos foram observados (ver Fig. 3.18).
e Moritani, 1996a; Oda e Moritani, 1996b; Oda et A ação muscular é controlada principalmente
al., 1996; Shibata et al., 1997). O incremento signifi- pelo hemisfério cerebral contralateral; então, a ação
cativo do PM correspondente ao nível de força exer- BL é gerada pela ativação simultânea de ambos os
cido (10% versus 50% CVM) pode indicar aumento hemisférios. Portanto, uma explicação para os défi-
relativo da descarga das células do trato piramidal. cits na força e no EMG BL observados poderia re-
É interessante o fato de muitos investigadores presentar interações neurais entre os dois hemisféri-
registrarem a redução na força voluntária máxima os conectados por fibras nervosas comissurais
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 61
(Otsuki, 1983). Ferbert e colaboradores (1992) regis- Bawa, P. & Lemon, R.N. (1993) Recruitment of motor units
traram inibição inter-hemisférica pela estimulação in response to transcranial magnetic stimulation in man.
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tanto, concluímos que os déficits bilaterais na força e Bigland-Ritchie, B. (1981) EMG/force relations and fatigue
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sugerindo que a força bilateral e o déficit EMG, com- Burke, R.E. (1971) Control systems operating on spinal
parados às ações unilaterais, são causados, no míni- reflex mechanisms. Neuroscience Research Progress Bulletin
mo em parte, por um mecanismo de inibição inter- 9, 60-85.
hemisférica. Isso também pode explicar o comporta- Burke, R.E. (1981) Motor units. Anatomy, physiology and
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Capítulo 4
Bases musculares da força
R. BILLETER E H. HOPPELER
O sarcômero
As fibras musculares, células do músculo esque-
lético, possuem uma função principal: gerar força. As
fibras musculares são grandes células que contêm
milhares de núcleos com aproximadamente 50 μm
de diâmetro e até 10 cm de comprimento. Calcula-se
que 80% da sua constituição seja formada por orga-
nelas contráteis, as miofibrilas. Essas miofibrilas têm
diâmetro de 1 a 2 μm e, geralmente, estendem-se ao
longo do comprimento total da fibra muscular. As
miofibrilas são constituídas por séries lineares de sar-
cômeros. Estes últimos representam as unidades con-
tráteis, constituídos de filamentos longitudinais tan-
to finos e grossos precisamente dispostos entre os
co-denominados discos-Z posicionados em interva-
los de 2,5 μm (Fig. 4.1). Os sarcômeros se contraem
por meio do deslizamento dos filamentos finos sobre
os grossos, puxando os discos-Z concomitantemen-
te por meio da adição de cálcio às miofibrilas isola-
das em um tubo de ensaio, como demonstrado na
micrografia eletrônica da Figura 4.2. A disponibili-
dade de íons cálcio no espaço ao redor das miofibri-
las determina a capacidade de os filamentos finos e
grossos deslizarem um contra o outro. O deslizamento
simultâneo das dezenas de milhares de sarcômeros
em série gera alteração considerável no comprimen-
to e no desenvolvimento de força nessa célula.
Uma conseqüência do modelo do “deslizamento Figura 4.1 Representação diagramática da composição
dos filamentos” é a unidirecionalidade das forças ge- estrutural do tecido musculoesquelético (de di Prampero,
1985).
radas entre as actinas e as miosinas de modo que ten-
dam a encurtar o sarcômero. A extensão de um mús-
culo ativo (ação excêntrica) ou de um músculo inativo
(relaxamento) tem de ser atingida por uma força ex-
66 PAAVO V. KOMI
Figura 4.2 Ilustração da teoria do “deslizamento dos Os filamentos finos (Fig. 4.5) consistem de dois
filamentos” da contração muscular. No estado estendido relaxado, cordões entrelaçados de moléculas de actina. Cada
as linhas-Z são separadas por aproximadamente 2,5 μm. Os cordão de actina possui um cordão contínuo adja-
filamentos grossos e finos sobrepõem-se apenas parcialmente. No
estado encurtado, as linhas-Z se aproximam, e os filamentos
cente de moléculas de tropomiosina ligados a ele. São
grossos e finos sobrepõem-se por quase todo seu comprimento. moléculas longas em formato de bastão com com-
A: banda-A; M: linha-M; mi: mitocôndria; rs: retículo primento de sete resíduos de actina cada. Cada mo-
sarcoplasmático (de Alberts et al., 1994). lécula de tropomiosina transporta um complexo tro-
ponina, consistindo de uma proteína troponina C com
terna. Cada músculo em nosso corpo é, portanto, formato de halter, de uma troponina I, mais globular,
ajustado por outro músculo que pode opor-se à sua e de uma troponina T alongada. Esta última esten-
ação. Esses músculos opositores são os antagonistas. de-se ao longo da região em que duas tropomiosinas
Isso significa que o músculo esquelético funciona adjacentes sobrepõem-se.
dentro do princípio agonista-antagonista. Para alguns A troponina C liga-se aos íons cálcio e aciona a
músculos, a gravidade pode adotar a função de anta- contração. A ligação do cálcio à troponina C induz
gonista. alteração conformacional (a molécula da troponina
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 67
Figura 4.4 Representação do filamento grosso, constituído de moléculas de miosina alinhadas. As miosinas são agregadas às
suas caudas, com as cabeças projetando-se do filamento. A zona descoberta no meio, também denominada, zona-H, onde as
moléculas de miosina alteram sua orientação de acordo com o filamento, é composta de caudas. Suas metades ligam-se às
proteínas da linha-M (de Alberts et al., 1994).
C “abre-se”). Esse movimento desencadeia uma sé- troponina T, possibilitando o movimento do espiral
rie de movimentos moleculares. Assim, permite a ex- da tropomiosina sobre as faces da actina ligada da
posição de grande parte do local de ligação para a posição coberta onde muitos dos locais de ligação da
miosina sobre as moléculas de actina do filamento miosina estão para serem liberados. As cabeças de
fino: a troponina C inclina a troponina I, que move a miosina podem, agora, ligar-se fortemente à actina,
que move a espiral da tropomiosina um pouco mais
e ativa sua ATPase (Fig. 4.6). Um modelo mais deta-
lhado das alterações da troponina/tropomiosina sobre
a ativação do filamento fino com o cálcio pode ser
encontrado no endereço: http://www.biochem.
arizona.edu/classes/bioc462/462a/NOTES/
contractile protein/muscle contraction.html e
http://www.biochem.arizona.edu/classes/bioc462/
462a/NOTES/contractile protein/COMPLEX.GIF.
Uma unidade de tropomiosina com seu complexo
troponina adjacente forma a co-denominada “uni-
dade regulatória”. Um filamento fino de 1 μm de com-
primento possui 52 unidades regulatórias e consiste
Figura 4.5 Modelo de secção do filamento fino, indicando as em aproximadamente 360 moléculas de actina.
posições da actina, da tropomiosina e das subunidades da
troponina (TnI, TnC e TnT). Cada tropomiosina dispõe de sete
regiões uniformemente separadas de considerável homologia, O ciclo ponte cruzada: a miosina
cada uma das quais parece ligar-se a um único resíduo da “caminha” ao longo da actina
actina. Existe somente um complexo troponina para cada sete
resíduos de actina devido ao fato de a tropomiosina possuir um No músculo, a força é gerada pela ação coorde-
complexo troponina ligado (consistindo de uma molécula de
nada de milhões de cabeças de miosina. Elas se li-
troponina I, C e T). A troponina T alongada ocupa
aproximadamente um terço da molécula de tropomiosina e gam à actina, movimentam-se, desacoplam e intera-
cobre a região de sobreposição entre as sucessivas gem com outra actina, e assim sucessivamente. Essa
tropomiosinas (de Alberts et al., 1994). interação repetida actina-miosina (associada à degra-
68 PAAVO V. KOMI
Figura 4.6 Modelo de ciclo de ponte cruzada. A miosina liga-se ao ATP para desacoplar-se da actina (estado 1), hidrolizando o
ATP em ADP mais fosfato, produzindo o movimento do “braço de alavanca” na cabeça da miosina. O ADP e o fosfato ainda estão
retidos na cabeça, que, por sua vez, está livre ou fracamente ligada à actina (estado 2). A forte ligação à actina é acompanhada de
liberação de fosfato (estado 3), induzindo liberação de ADP e de movimento do braço de alavanca em aproximadamente 60°. Ocorre
movimento de todo o filamento fino (estado 4) devido à cabeça de miosina estar fortemente acoplada à actina. Esse representa o
passo que gera força (“golpe potente da miosina”). A cabeça é, então, desacoplada da actina; sendo que esse passo depende de
uma nova molécula de ATP. Apenas a transição entre os estados 1 e 2 é reversível (adaptada de Alberts et al., 1994; e de Geeves e
Holmes, 1999).
dação de ATP) constitui o chamado ciclo ponte cru- no filamento fino, sobre o qual o fosfato do ATP an-
zada (Fig. 4.6). O ciclo ponte cruzada pode ser subdi- terior é liberado (estado 3). A forte ligação e a libera-
vidido em quatro diferentes estados da cabeça de ção de fosfato é acompanhada pela rotação do “bra-
miosina. No estado 1, a cabeça de miosina não está ço de alavanca” nas costas da cabeça de miosina em
totalmente ou aparece fracamente ligada à actina e cerca de 60° da posição original. Com a actina ligada
apresenta ATP ligado na “bolsa” do local da enzima fortemente à cabeça, isso ajusta o filamento fino em
ATPase na cabeça. No estado 2, o ATP é hidrolizado direção ao meio do sarcômero (estado 4). Esse passo
em ADP mais fosfato (Pi), mas os produtos não são é denominado “golpe potente”* da miosina.
liberados; elas permanecem ligadas ao local da ATPa-
se. A parte distal da cabeça de miosina, co-denomi-
nada “braço de alavanca”, estabilizada por duas ca-
deias leves, é rotada em aproximadamente 60°. A
reação entre os estados 1 e 2 é reversível. A cabeça de *N. de
R.T. Movimento potente da miosina, semelhante a uma
miosina liga-se fortemente a um resíduo de actina remada. Da expressão inglesa power stroke.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 69
A passagem do estado 2 (sem miosina ou ligada Tabela 4.1 indica suas funções. As estruturas ou fun-
fracamente, o ADP e o fosfato ligam-se à cabeça) para ções de muitas das outras ainda não são bem conhe-
o 3 (forte ligação e “golpe potente”) representa a prin- cidas. Uma revisão detalhada das proteínas do fila-
cipal fase regulatória nesse ciclo. A cabeça de miosi- mento fino e de suas respectivas funções pode ser
na somente pode ligar-se fortemente e avançar ao encontrada em Littlefield e Fowler (1998).
estado 3 quando o local de ligação (sobre a actina) A titina é uma grande proteína que foi isolada.
está acessível. A acessibilidade para esse local de li- Apresenta inúmeras funções. A molécula de titina no
gação é regulada pela posição da tropomiosina no sarcômero alonga-se do disco-Z de todas as manei-
filamento fino. O local de ligação é acessível com o ras até a linha-M; então, alcança metade do sarcô-
cálcio ligado à troponina C e é obstruído pela tropo- mero. Há um forte ancoramento na linha-Z; parece
miosina quando nenhum cálcio está ligado à tropo- que essa parte ajuda a determinar a rigidez (e então a
nina C (ver anteriormente). Depois de a cabeça de força) do disco-Z da fibra. É provável que a titina se
miosina ter realizado seu “golpe potente”, ela se de- ligue fracamente ao longo do filamento fino; existe
sacopla da actina somente após ligar-se a uma molé- uma região de grande elasticidade aproximadamente
cula de ATP. Isso faz a miosina retornar ao estado 1, na metade do filamento fino, enquanto ao longo des-
mas com o filamento fino deslocado conforme a dis- sa estrutura a titina liga-se fortemente aos elementos
tância do “golpe potente”. Como a cada filamento nas extremidades alinhadas da miosina. Suspeita-se
grosso contém cerca de 500 cabeças e cada cabeça se que as porções elásticas da titina sejam instrumen-
movimenta do estado 1 ao 4 por algumas centenas de tais na manutenção dos filamentos grossos exatamen-
vezes em um segundo no período de um rápido en- te centrados no meio de um sarcômero. O seguinte
curtamento, os filamentos grosso e fino podem desli- endereço http://www.leeds.ac.uk/bms/research/
zar-se um sobre o outro em até 15 mm·ms–1. muscle/titin.htm apresenta uma versão animada desse
Então, o passo que requer ATP, o desacoplamen- conceito. Nos sarcômeros alongados da sobreposi-
to da cabeça de miosina do filamento de actina após ção filamento grosso-fino (p. ex., a perda de contato
o “golpe potente” (estado 4 retornando ao estado 1), entre os filamentos grosso e fino através das cabeças
não representa o passo regulatório que ativa e desa- de miosina), a titina ainda mantém os sarcômeros
tiva o ciclo da ponte cruzada. A regulação via cálcio- unidos; sem isso, o sarcômero tende a quebrar-se,
troponina C-tropomiosina afeta o passo do estado 2 desintegrar-se (Fig. 4.8). A titina também funciona-
ao 3. O músculo completamente depletado de ATP ria principalmente para mensurar a estabilidade no
torna-se muito rígido devido ao fato de as cabeças desenvolvimento do sarcômero, organizando os me-
não poderem ser liberadas do filamento de actina. A canismos responsáveis pelo controle preciso do com-
isso chamamos rigor mortis.* primento dos filamentos fino e grosso (Gregorie et
al., 1999).
O sarcômero é constituído de muito Nas fibras do músculo esquelético, os discos-Z
mais proteínas dos sarcômeros das miofibrilas vizinhas estão liga-
dos entre si via proteínas do citoesqueleto (p. ex.,
Enquanto a actina e a miosina são claramente as desmina [Fig. 4.7]), fornecendo aos músculos esque-
proteínas mais abundantes no sarcômero, muitas léticos sua aparência “estriada”. Essas conexões late-
outras são necessárias para o seu desenvolvimento, rais são estendidas à membrana das fibras, onde as
sua manutenção e função. A Figura 4.7 localiza um ligações são ancoradas em grandes complexos pro-
pequeno número de centenas ou das tantas diferen- téicos (os costâmeros e os complexos sarcoglicanos),
tes proteínas que parecem constituir o sarcômero. A dos quais existem conexões na malha fina do tecido
conjuntivo que circunda cada fibra muscular, sendo
adjacentes ao tendão muscular. Assim, fica definida
a não-existência, em cada disco-Z, apenas de trans-
missão de força vertical ao longo da miofibrila, mas
também (fraca, mas significativamente) de transmis-
*N. deR.T. Relativo ao endurecimento ou rigidez de um corpo são lateral de força nas estruturas do tecido conjun-
morto, associado à depleção de ATP nas fibras musculares. tivo do músculo.
70 PAAVO V. KOMI
Figura 4.7 Representação de proteínas sarcoméricas adicionais. A Tabela 4.1 lista as funções conhecidas das proteínas indicadas
nesta figura.
Linha-Z α-actinina Mantém os filamentos finos em seu lugar e de forma organizada. As linhas-Z das fibras lentas têm
maior número de α-actinina do que as rápidas
Desmina Forma a conexão entre as linhas-Z adjacentes de diferentes miofibrilas. Isso mantém seus sarcômeros
alinhados. A desmina é responsável pela aparência estriada regular das fibras musculares
Filamento Actina Forma o núcleo do filamento fino. Interage com a miosina
fino Tropomiosina Movimenta-se sobre a superfície das actinas vizinhas no cálcio, ligando-se ao complexo troponina;
libera, portanto, o local para a forte ligação da cabeça de miosina
Troponina A troponina-C liga-se ao cálcio, alterando sua ligação, que induz movimento da tropomiosina,
transformando o sinal do cálcio em sinais moleculares, incluindo o ciclo das pontes cruzadas
Capa-Z Cobre a extremidade da linha-Z da extremidade da actina no filamento fino
Tropomodulina Cobre a extremidade interna da extremidade da actina no filamento fino
Nebulina Localizada ao longo do filamento fino. Parece ser o comando que determina o comprimento
precisamente ajustado dos filamentos finos
Filamento Miosina O “motor” do músculo. Quebra o ATP. Gera força na cabeça
grosso
Listras-C Proteína-C Parece incrementar a força do sarcômero em situações de maior demanda ao mover as cabeças de
miosina próximas à actina, aumentando a alteração de inúmeras cabeças ligadas a qualquer outra
no momento
Linha-M Proteína-M Mantém os filamentos grossos em disposição regular. É também um ponto de ancoramento para a
titina
Creatina cinase-M Fornece o ATP da creatina fosfato; localizada próxima às cabeças de miosina
(CK-M)
Filamento Titina Mantém o filamento grosso no meio dos dois discos-Z durante a contração e representa uma
elástico segurança contra o alongamento excessivo do sarcômero; parece também controlar o número de
moléculas de miosina contidas no filamento grosso
Figura 4.8 Ilustração esquemática da função do filamento de titina (elástico). (a) Os filamentos de titina ligam-se às linhas-M do
filamento grosso aos discos-Z. A titina é ligada ao filamento grosso, mas interage fracamente com o filamento fino. A parte dentada
da linha indica a região com maior elasticidade na titina. A ação desses elementos elásticos em ambos os lados mantém os
filamentos grossos centrados em repouso. (b) O sarcômero excessivamente alongado é mantido junto, apesar da perda de
sobreposição entre os filamentos fino e grosso (adaptada de Horowits e Podolsky, 1987).
72 PAAVO V. KOMI
Figura 4.10 A extremidade nervosa de uma fibra musculoesquelética tem extensões similares a dedos que são diminuídas dentro
da circunferência da fibra. Esta ilustração mostra uma secção transversa semelhante a um “dedo” da placa motora terminal. É
separado da fibra muscular por um espaço muito pequeno, a fenda sináptica, que apresenta entalhes adicionais em direção à fibra
muscular. A placa motora terminal utiliza acetilcolina como substância transmissora, estocada nas vesículas sinápticas. Quando um
impulso elétrico do axônio atinge a sinapse, a acetilcolina é liberada na fenda sináptica e capturada por receptores de acetilcolina
localizados no lado muscular da fenda na membrana da fibra. Então, os receptores de acetilcolina geram um impulso elétrico que
percorre a membrana muscular. No lado “exposto”, o axônio nervoso, assim como a extremidade nervosa (sinapse), é envolvido por
células de Schwann, que oferecem proteção e controle rígido ao ambiente iônico dos axônios (adaptada de Hall e Sanes, 1993).
demonstrar correlação entre força máxima e compo- a soluções ácidas e alcalinas (Fig. 4.13). Quando uma
sição do tipo de fibra (determinada por meio de bi- secção de músculo colocada em criostato* (de bióp-
ópsia de agulha); o principal fator determinante da sia de agulha, por exemplo) é incubada em uma so-
força máxima é o volume muscular. Essa aparente lução de pH 10,6 antes da reação da miosina ATPase
contradição pode dever-se à dificuldade de ativar si- ser realizada, apenas as fibras com miosinas predo-
multaneamente todas as fibras musculares ao máxi- minantemente rápidas demonstram reação de colo-
mo em determinado músculo. ração e, portanto, atividade da ATPase. Tais fibras são
as rápidas, de contração rápida ou do tipo II. Quan-
do uma secção de um músculo é incubada em pH
O tipo de fibra muscular é baseado na
4,3 antes da reação de ATPase, somente as fibras con-
análise histoquímica da ATPase
tendo a miosina lenta demonstram reação e, então,
miofibrilar
A maneira histoquímica clássica de estabelecer
os tipos de fibras baseia-se no reconhecimento de
três diferentes isoformas de miosina, classificadas de *N. de R.T. Em histologia, refere-se a uma câmara que contém
acordo com a sensibilidade de sua atividade da ATPase um micrótomo para cortar tecido congelado.
Figura 4.13 Classificação histoquímica das fibras musculares no músculo vasto lateral de humanos. (a) Reação ATPase miofibrilar
da secção criostato de 10 μm após pré-incubação em pH 4,3. A ATPase das fibras tipo I está ativa, enquanto a ATPase das fibras
tipo II está inativa. (b) Reação de ATPase miofibrilar após pré-incubação em pH 4,6. A ATPase das fibras tipo I está ativa, enquanto
a ATPase das fibras tipo II é moderadamente afetada; a ATPase das fibras IIA está inativada. (c) Reação de ATPase miofibrilar após
pré-incubação em pH 10,6. A ATPase das fibras tipo I está ativa, enquanto a ATPase das fibras tipo II está inativa. (d) Reação de
succinato desidrogenase. Essa marcação indica a capacidade oxidativa da fibra muscular. Note a atividade ligeiramente maior da
fibra IIA quando comparada à IIB. (e) Reação de α-glicerofosfato desidrogenase indica a capacidade glicolítica (geração de lactacto)
das fibras. Note a variabilidade nas fibras tipo I e a reação ligeiramente menor das fibras tipo II quando comparadas às tipo IIB.
76 PAAVO V. KOMI
atividade da ATPase. Essas fibras são lentas, de con- α-glicerol-fosfato desidrogenase. A intensidade de
tração lenta ou tipo I. A pré-incubação em pH 4,6 coloração da α-glicerol-fosfato desidrogenase indica
revela que a miosina ATPase de algumas fibras tipo II a capacidade glicolítica de uma fibra muscular. Essa
demonstra resistência contra esse pH, as miosinas é sua capacidade de formar lactato dos estoques de
de outras não. As fibras com ligeira coloração após glicogênio de uma fibra. As fibras tipo II geram ATP
incubação em pH 4,6 são do tipo IIb ou, alguns auto- para a produção de força principalmente através da
res, IIX; as fibras brancas são do segundo tipo IIa. glicólise anaeróbia, que produz lactato. As quantida-
Conforme indicado pelas diferenças na sensibili- des de mitocôndria são pequenas, e a produção de
dade ao ácido das suas reações de ATPase, as isofor- potência durante a ativação repetida não poderia ser
mas de miosina das fibras tipo IIa e IIb são distintas. alcançada por meio do ATP produzido em sua mito-
Em quase todos os músculos esqueléticos humanos côndria. Essas fibras tendem a fatigarem-se rapida-
existem somente duas isoformas de miosinas rápidas mente devido ao fato de acumularem o lactato pro-
(denominadas IIa e IIb neste capítulo). Nos múscu- duzido (até 30 vezes a concentração do músculo em
los de roedores, três isoformas rápidas de miosina repouso). O baixo pH associado com esse acúmulo
são encontradas: IIa, IIb e IIX. A seqüência de ami- de lactato, assim como a elevação correspondente no
noácidos das miosinas IIb e IIX é muito similar, mas fosfato livre, inibem a ATPase da miosina, tornando
ainda assim apresenta diferenças. Alguns autores ar- lenta a velocidade de contração ou interrompendo
gumentam que a coloração intermediária da miosina completamente a contração ativa. As fibras tipo IIa
das fibras humanas, após pré-incubação em pH 4,6, são intermediárias às fibras tipo I e IIb em suas ca-
é mais próxima em seqüência à miosina IIX dos roe- racterísticas contráteis e metabólicas.
dores do que a IIb. A partir dessa abordagem, classi- Como previamente mencionado, as fibras huma-
ficam-nas como IIX. A maior parte da literatura refe- nas do tipo II apresentam velocidade de encurtamento
rente aos tipos de fibras humanas ainda aplica a 2 a 5 vezes maior do que as do tipo I. No entanto, em
nomenclatura original, considerando essas fibras cada tipo de fibra, há uma amplitude considerável de
como IIb. É por essa razão que, neste livro, emprega- variação em parâmetros fisiológicos tais como a ve-
mos o termo original IIb para essa fibra. locidade, o tempo de relaxamento e a fatigabilidade.
A Figura 4.13 também demonstra que esses ti- A distribuição desses parâmetros entre as fibras de
pos de fibras musculares possuem capacidades me- determinado músculo é geralmente contínua. Esti-
tabólicas muito diferentes. As fibras tipo I (contração mativas apontam para o fato de a “afinação” da pro-
lenta) coloram mais para a succinato desidrogenase priedade fisiológica da fibra ao seu padrão exato de
quando comparadas às fibras tipo II (contração rápi- uso envolver combinações apropriadas de isoformas
da). Portanto, apresentam maior capacidade oxidati- de outras proteínas miofibrilares além da miosina (p.
va, por exemplo, mais mitocôndria com maior nú- ex., a troponina T, que ocorre em maior número de
mero de enzimas das vias de oxidação lipídica e da formas). Todavia, todas as fibras ao longo de uma uni-
glicose. Essas fibras geram ATP principalmente por dade motora possuem as mesmas propriedades con-
meio da oxidação das unidades de glicose e dos áci- tráteis e metabólicas. Portanto, poderiam também apre-
dos graxos (ver a seguir). Somente diante de produ- sentar composições idênticas de isoformas protéicas.
ção muito elevada de potência elas formam lactato. E
também podem usar lactato como fonte de energia. Recrutamento da unidade motora
Isso ocorre ao retirar lactato da corrente sangüínea
ou do tecido intersticial entre as fibras, transforman- Em muitas atividades voluntárias da vida diária,
do-o em piruvato e oxidando-o na mitocôndria. as unidades motoras lentas (tipo I) são as primeiras
Como mencionado anteriormente, as fibras lentas recrutadas. As unidades rápidas (tipo II) são ativadas
possuem menor velocidade de contração do que as de acordo com o aumento da produção de potência.
rápidas. As fibras tipo I demonstram maior resistên- As pessoas treinadas podem ativar muito mais, se não
cia devido ao seu metabolismo oxidativo e à sua maior todas as unidades motoras, em um grande músculo
eficiência. As fibras tipo II (contração rápida) colo- dos membros durante uma contração voluntária es-
ram mais fracamente para o succinato desidrogenase tática máxima. Em indivíduos não-treinados isso não
do que as tipo I, mas ainda coloram mais forte para a é possível. As unidades motoras mais rápidas (tipo
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 77
IIb) são preferencialmente ativadas em movimentos amostra muscular de um nadador especialista nos 50
corretivos rápidos e reflexos. As contrações máximas metros livres e a amostra de um ciclista profissional.
explosivas parecem ativar as unidades motoras rápi- O nadador dispõe aproximadamente de 80% de fi-
das e lentas simultaneamente. As unidades motoras bras tipo II (contração rápida) em seu músculo vasto
lentas geralmente contêm poucas fibras; as unidades lateral, enquanto o ciclista apresenta cerca de 80%
motoras rápidas são maiores e podem conter até 2.000 de fibras tipo I (contração lenta). Tal composição ex-
fibras. Ver o Capítulo 2 para outros detalhes referen- trema de tipo de fibra pode ser uma conseqüência da
tes ao recrutamento das unidades motoras. predeterminação genética, assim como do treinamen-
to desses atletas. O treinamento regular de endurance
Atletas podem possuir distribuições por período prolongado de tempo (vários meses) in-
extremas dos tipos de fibra duz a conversão do tipo de fibra IIb para IIa em mui-
tas das fibras do tipo IIb, e do tipo IIa para o tipo I em
Há várias décadas sabe-se que atletas de elite em um percentual menor das fibras originais do tipo IIa.
esportes que requerem alta velocidade ou endurance Volumes elevados de treinamento de endurance por
muito desenvolvida possuem diferentes composições muitos anos podem transformar um número subs-
de fibra em seus músculos. A Figura 4.14 ilustra essa tancial de fibras do tipo II em fibras do tipo I, como
situação. As imagens mostram a comparação entre a observado, por exemplo, no músculo vasto lateral.
Dados recentes indicam que a resposta a determina- mente mantida em funcionamento lento, a quanti-
da dose de treinamento pode ser muito diferente en- dade comparativamente pequena de energia consu-
tre os indivíduos (Bouchard e Rankinen, 2001); isso mida é gerada pela respiração celular ou “fosforila-
significa que a capacidade para transformar um tipo ção oxidativa”. Nesse processo, os substratos alimen-
de fibra devido ao treinamento seria efeito indireto tares, primariamente lipídeos, estão sendo degrada-
da capacidade da própria pessoa em responder ao trei- dos em um tipo de fornalha celular localizada em or-
namento. ganelas submicroscópicas específicas, as mitocôndrias
(Fig. 4.15). Esse processo permite a captura de cerca
de 50% da energia estocada em ligações químicas de
Sistemas de suprimento de substratos. No caso da sacarose e da frutose que in-
energia gerimos quando comemos uma maçã, essa energia
deriva da energia solar que serviu para ligar o CO2
A maquinaria contrátil ocupa cerca de 80% do atmosférico no momento em que a fruta estava ama-
volume da fibra muscular e representa aproximada- durecendo na árvore. A respiração pode ser conside-
mente um terço da massa corporal. A complexa rede rada uma forma de combustão celular que permite a
de túbulos T e cisternas do retículo sarcoplasmático, liberação de energia em uma forma reutilizável por
que regula a interação actina-miosina, é comparati- processos celulares que requerem energia. A energia
vamente compacta e ocupa cerca de 5% do volume não-utilizada ou desperdiçada é perdida como calor
da fibra. No entanto, ambos os processos de contra- e serve para manter a temperatura corporal.
ção muscular, assim como a manutenção de gradi- A combustão celular ocorre com a mesma eficiên-
entes de íons necessários dentro e ao redor das fibras cia em todos os mamíferos. Nesse caso, a quantidade
musculares, são criticamente dependentes do estado de oxigênio consumido é diretamente proporcional
energético da célula muscular. Esta seção explora as à potência do organismo. A produção de 1 W de po-
vias em que o canal de energia dentro do músculo tência metabólica requer o consumo de 3 mL·min–1
promove o desenvolvimento da força muscular. de oxigênio. Em repouso, o ser humano consome
300 mL·min–1 de oxigênio e, portanto, produz ener-
Metabolismo aeróbio gia metabólica em uma taxa de aproximadamente
100 W. Os principais consumidores de oxigênio são
Quando não há suprimento de energia mecânica o cérebro, o coração, os rins e os órgãos intestinais.
externa para uma célula muscular, sendo ela simples- Apesar de seu grande tamanho, a musculatura (ina-
tiva) consome menos que 20% da energia total em aeróbia em humanos desenvolve-se na comunidade
repouso. científica. Atualmente, existe considerável evidência
Isso é diferente durante o trabalho mecânico. de que todos os passos de transferência adicionam
Com o aumento da sobrecarga, por exemplo, em um alguma resistência ao fluxo de oxigênio na periferia
teste aeróbio realizado em cicloergômetro, o consu- (Fig. 4.17). O transporte cardiovascular é o principal
mo de oxigênio incrementa em proporção à sobre- fator limitante durante o exercício realizado com gran-
carga externa (Fig. 4.16). Eventualmente, os níveis de de massa muscular em humanos (di Prampero, 1985).
consumo de oxigênio e a subseqüente energia para o Contudo, evidências recentes realçam a importância
aumento da contração muscular devem ser primari- do pH intracelular nas fibras musculares (Conley et
amente supridos pela glicólise anaeróbia. Como con- al., 2001).
seqüência, observamos aumento rápido nos níveis de A respiração celular muscular deve ser próxima
lactato plasmático nesse momento de elevada pro- ao VO2máx para manter a mais elevada potência pos-
dução de potência. O processo da glicólise é aborda- sível por um período prolongado de tempo (p. ex.,
do a seguir. acima de 30 min [Fig. 4.18]). O homem jovem não-
Caso seja realizado teste de desempenho com treinado pode ser capaz de manter uma potência de
uma quantidade relativamente grande da massa mus- 200 W consumindo 3 L·min–1 de oxigênio. Um ci-
cular total, as observações podem demonstrar um clista profissional altamente treinado poderia ser ca-
platô no consumo de oxigênio. A partir desse platô, o paz de produzir potência maior que 400 W sob con-
consumo não poderá aumentar voluntariamente. Ao sumo de oxigênio correspondente a 6 L·min–1. Como
platô, dá-se o nome de consumo máximo de oxigê- discutido anteriormente, o limite para a produção de
nio ou VO2máx. No VO2máx, mais de 90% do oxi- potência mecânica aeróbia não fica restrito em virtu-
gênio consumido pelos pulmões é fornecido para as de da capacidade de consumo da maquinaria contrá-
mitocôndrias musculares (Åstrand e Rodahl, 1986). til, mas sim por conta das características do sistema
Então, existe grande variedade dinâmica de regula- respiratório total do indivíduo.
ção funcional da respiração celular musculoesquelé-
tica que supera muito a capacidade regulatória de Estoque e transferência de energia
outros órgãos. Um grande debate, em relação ao fato
de os passos de transferência dos pulmões à mito- No exercício aeróbio, o oxigênio deve ser supri-
côndria muscular serem limitantes e responsáveis do continuamente às fibras musculares. O fluxo de
pelo estabelecimento do ritmo do fluxo de energia oxigênio é, portanto, representativo do fluxo energé-
Figura 4.19 Secção transversa das fibras musculares (a) antes e (b) após corrida de 100 km em 7h. Os estoques celulares do
substrato glicogênio (G) e lipídeo (L) quase que completamente desapareceram após corrida de longa distância.
energia química se torna disponível pela degradação me indicado anteriormente, os dois fosfatos restan-
do fosfato terminal do ATP (indicado por ~ na Fig. tes de ADP também podem ser clivados. No entanto,
4.21), liberando um ADP e um fosfato livre. Confor- o ganho de energia por ligação é pequeno e diferen-
Figura 4.20 Visão esquemática integrada das vias de suprimento energético às miofibrilas. A espessura das setas indica a
importância relativa de alguns dos fluxos de substrato. A proporção de lactato produzido diretamente oxidado na mitocôndria da fibra
está atualmente em debate. AA: aminoácidos; AcCoA: acetil coenzima A; C: creatina; CP: fosfocreatina; AGL: ácidos graxos livres;
IMP: inosina monofosfato; PEP: fosfoenolpiruvato; Pir: piruvato.
82 PAAVO V. KOMI
das de ATP; a [PCr], então, alcança o estado de equi- fatos de alta energia sem um sistema especializado
líbrio. As alterações na [ADP] em repouso para a ca- de lançadeira. Além disso, experimentos com creati-
pacidade oxidativa do músculo em exercício corres- na cinase em camundongos transgênicos demons-
pondem às alterações observadas na mitocôndria tram pouco efeito funcional do desvio da creatina
isolada (ver Conley et al., 2001 [Fig. 4.23]). Com isso, cinase entre a mitocôndria e os elementos contráteis
o ajuste no equilíbrio da creatina cinase explica a al- ou o impedimento de isoenzimas específicas conjun-
teração na [PCr] que preserva os níveis de ATP para tamente. Então, o papel único de manutenção e si-
adequar-se às demandas energéticas de curto prazo e nalização do sistema de PCr-creatina cinase parece
também para elevar o sinal — [ADP] — para ativar a ser suficiente para explicar o equilíbrio dos níveis de
fosforilação oxidativa mitocondrial, de modo que as ATP e a ativação a longo prazo do suprimento mito-
necessidades a longo prazo da manutenção oxidativa condrial de ATP durante o exercício.
da ATP sejam alcançadas. Nos últimos anos, inúmeros estudos investiga-
Estudos sugerem que a transferência de ener- ram o efeito da suplementação de sais de creatina no
gia da mitocôndria aos filamentos para o sistema desempenho físico. Em muitos indivíduos, a inges-
PCr-creatina cinase obedece à organização de um tão adicional de creatina induz um leve incremento
transporte especializado de lançadeira. Nesse siste- no pool de CP no músculo, que pode melhorar um
ma, uma enzima especializada no espaço intermem- pouco o desempenho. O efeito manifesta-se mais cla-
branáceo mitocondrial transfere fosfatos de “alta ener- ramente na melhoria do desempenho em sprints cur-
gia” da ATP para a molécula de creatina (Fig. 4.21). tos e repetidos.
Hipoteticamente, configura-se o mecanismo de lan- Uma limitação da técnica de ressonância mag-
çadeira unidirecional da PCr para as isoformas espe- nética para avaliar a energia intracelular condiciona
cializadas de CK localizadas nos elementos contrá- a obtenção de medida somente por “volumes” relati-
teis. No entanto, a PCr e a ADP são livremente vamente grandes de tecido muscular, constituídos por
propagáveis e podem fornecer fluxo suficiente de fos- centenas de fibras musculares. Os dados de espec-
84 PAAVO V. KOMI
Figura 4.23 (a) Alterações no conteúdo de fosfocreatina (CP) e ADP durante exercício dos músculos dorsiflexores de humanos
quando determinado por espectroscopia de ressonância nuclear magnética. Note a queda relativamente rápida na CP, no início do
exercício, que, então, altera a um valor próximo da estabilização. A concentração de ADP (o sinal para a fosforilação oxidativa
mitocondrial) altera reciprocamente. No (b), os valores do experimento (a) são superimpostos como uma linha pontilhada sobre a
curva de ativação da fosforilação oxidativa determinada dos experimentos in vitro, empregando mitocôndria cardíaca humana. As
mitocôndrias musculoesquelética e cardíaca são muito similares em suas propriedades. Note que as concentrações de ADP durante
o exercício estão na parte íngrime da curva de ativação, isto é, uma alteração relativamente pequena na concentração, que induz
alteração significativa na fosforilação oxidativa (adaptada de Conley et al., 2001).
troscopia de ressonância magnética representam, a glicólise pode ocorrer em uma taxa muito elevada,
portanto, uma média de muitas fibras musculares que como indicado na Figura 4.20 pelas diferentes es-
podem estar em diferentes estados de ativação e fa- pessuras das setas. Há um acúmulo de lactato na cé-
diga. lula muscular caso a glicólise ocorra sob taxa que
exceda a capacidade de consumo da mitocôndria pelo
Glicólise piruvato (e lactato, ver a seguir). O ácido láctico di-
minui o pH intracelular, interferindo na atividade
Até agora, consideramos a respiração capaz de contrátil muscular mencionada. O pH da célula mus-
produzir potência relativamente baixa por um perío- cular precisa ser restaurado caso a atividade contrátil
do prolongado de tempo, assim como o sistema da tenha de ocorrer.
fosfocreatina que pode ser utilizado em exercício Dados recentes (Brooks, 2000) fornecem evidên-
muito vigoroso de curta duração (Fig. 4.18). A glicó- cias de que o lactato não precisa ser reconvertido a
lise representa um sistema adicional de suprimento piruvato antes de estar dentro da mitocôndria da fi-
energético. Ela pode produzir níveis intermediários bra muscular. No entanto, evidencia-se que a mito-
de potência por períodos prolongados de tempo. Além côndria possui transportadores que permitem a ela
disso, produz o metabólito piruvato, o principal com- direcionar o consumo e a metabolização do lactato
bustível para a fosforilação oxidativa mitocondrial produzido pela glicólise no sarcoplasma.
(Fig. 4.20). No exercício aeróbio, a glicólise fornece A glicólise também é acompanhada pela ativa-
piruvato que é transferido à mitocôndria, onde seu ção da adenilato cinase. Essa enzima converte duas
esqueleto de carbono é completamente degradado a moléculas de ADP (produzidas pela ação da miosi-
CO2. Esse processo de oxidação completa da glicose na ATPase) em uma de ATP e uma de AMP (adeno-
na mitocôndria produz 36 moléculas de ATP para sina monofosfato). A ATP pode ser reutilizada pela
cada molécula de glicose degradada. O processo gli- miosina ATPase. Parte da AMP gerada dessa ma-
colítico da glicose ao piruvato ou lactato fornece so- neira não é refosforilada a ADP e ATP, mas trans-
mente 2 ATP. Qual o motivo, então, para a célula formada em IMP (inosina monofosfato) pela enzi-
muscular se preocupar com a glicólise? A razão é que ma AMP deaminase. Nesse processo, há a produção
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 85
de amônia que é liberada para a corrente sangüí- célula muscular, mas nem todos utilizados no pro-
nea. O exercício muscular vigoroso, com a ativação cesso. Isso é diferente para a glicólise. A disponibili-
da glicólise, caracteriza-se pelo aparecimento do lac- dade de glicogênio pode ser freada em alguns minu-
tato e da amônia na corrente sangüínea (Fig. 4.20). tos caso a glicólise não seja rapidamente desviada pelo
acúmulo de ácido láctico na célula muscular. Os es-
Interdependência da energia toques de glicogênio a partir de fontes externas (nu-
muscular e escolha do substrato tricionais) podem demorar um dia todo para serem
restabelecidos, ainda que sob condições ótimas de
As diferentes vias metabólicas são ativadas como suprimento do substrato.
conseqüência da intensidade e da duração de deter- O exercício aeróbio por período prolongado de
minado tipo de exercício (Fig. 4.18). O sistema CP tempo não acumula níveis elevados de lactato em seu
pode ser ativado imediatamente devido à energia es- início. Apesar disso, a glicólise terá que suprir a de-
tar disponível em uma forma diretamente degradá- manda energética até a respiração ser completamen-
vel. A glicólise pode ser inibida de forma muito rápi- te ativada. Há uma elevação inicial no lactato plas-
da, mas isso ocorre 2 a 3 minutos antes da fosforilação mático quando a corrida é realizada a 75% da
oxidativa. Os substratos e metabólitos para o sistema capacidade aeróbia máxima. Mais tarde, a concen-
CP e para a glicólise podem ser considerados como tração de lactato diminui, quando a célula muscular
“a bordo” da célula muscular. Já o estímulo da respi- inclina-se ao uso da fosforilação oxidativa.
ração envolve a ativação de muitos processos de todo A capacidade máxima de exercício aeróbio de um
o corpo: a microcirculação deve ser aumentada nos determinado músculo ou grupo muscular de um in-
músculos em exercício; o débito cardíaco deve ser divíduo é essencialmente estabelecida pela quanti-
elevado através do incremento da freqüência cardía- dade de mitocôndrias, fornecendo o suprimento ca-
ca, assim como a ventilação pulmonar; e, por conse- pilar e oxigênio cardiovascular ajustados à capacidade
guinte, maior quantidade de sangue pode ser oxige- oxidativa mitocondrial. O exercício aeróbio não ape-
nada, o que ocorre em algum momento. Esses passos nas incrementa todos esses fatores como também
são primariamente regulados pelo sistema nervoso, auxilia na regulação de todo o sistema de transferên-
mas as influências metabólicas e hormonais também cia de energia. Em muitos mamíferos, a respiração
desempenham papel importante. celular (muscular) poderia teoricamente ocorrer em
Durante sprint de 10 s, o organismo é capaz de maiores taxas do que permitiria a capacidade máxi-
diminuir os estoques de CP até níveis muito baixos, ma de transporte dos substratos (p. ex., glicose e áci-
sem influência da glicólise, constituindo uma situa- dos graxos livres) através da membrana celular. O
ção de débito de oxigênio (energia) alático. O repou- exercício aeróbio de alta intensidade necessariamen-
so durante alguns minutos pode recuperar o sistema te induz a uma depleção gradual dos estoques dos
CP de modo a atingir a mesma produção de potência substratos intracelulares. Uma vez que esses são uti-
anterior. Isso não acontece em uma corrida de 800 a lizados, a respiração continua máxima na taxa de
1.000 m até a fadiga. A glicólise será completamente transporte da membrana dos substratos. Isso parece
ativada durante esse desempenho, e os níveis plas- ocorrer ao redor de 50% ou menos da taxa máxima
máticos de lactato podem alcançar valores muito al- de respiração. Então, no exercício de curta a média
tos (maiores que 20 mmol·L–1 em atletas treinados). duração, a capacidade oxidativa mitocondrial limita
Essa situação produz um desequilíbrio ácido-base, e o trabalho aeróbio, enquanto o suprimento de subs-
o pH pode cair bem abaixo de 6,9 (o normal é 7,4). E, trato torna-se importante de acordo com o aumento
ainda mais importante, devido à lentidão da remoção da distância percorrida.
de lactato das células musculares, a homeostase in-
tracelular é mais prejudicada do que aparenta nas
concentrações plasmáticas de metabólitos relevan- Bases estruturais do treinamento
tes. A célula muscular readquire o seu equilíbrio não muscular
em minutos, mas horas depois de um exercício qual-
quer ser interrompido. Deve-se considerar que o sis- Para determinado nível de ativação neural, a for-
tema CP utiliza nucleotídeos lançados ao redor da ça muscular é proporcional ao número total de pon-
86 PAAVO V. KOMI
tes cruzadas formadas em certo período de tempo, empregadas para preservar o funcionamento ótimo e
como indicado na primeira parte deste capítulo. A a recuperação será aperfeiçoada.
força em um músculo saudável é proporcional ao
número total de miofilamentos na secção transversa
do músculo ou — grosseiramente — na área de sec- Agradecimentos
ção transversa muscular devido ao fato de cada mio-
filamento conter o mesmo número de cabeças de Os autores expressam seus agradecimentos a
miosina. Em nível estrutural, o treinamento de força Kevin Conley pelo parágrafo e figura do sistema de
age através do incremento da área de secção trans- creatina cinase. Ambos os autores recebem apoio há
versa muscular. A tentativa de aumentar o pool de CP muitos anos da Swiss National Science Foundation
no músculo humano por meio do treinamento não e da Swiss Sports Research Fund.
tem sido bem-sucedida; o aumento da ingestão de
creatina pode induzir leve aumento no pool de CP,
com pequeno efeito, mas geralmente mensurável, so- Referências
bre o desempenho em sprint. A glicólise pode ser sig-
nificativamente aumentada com o treinamento de alta
Alberts, B., Bray, D., Lewis, J., Raff, M., Roberts, K. & Wat-
intensidade ou do tipo intervalado. Além disso, há son, J.D. (1994) Molecular Biology of the Cell, 3rd edn.
maior tolerância à acidose e ao aumento dos níveis Garland Publishing, New York.
de lactato, ambos em nível da fibra muscular e sistê- Åstrand, P.-O. & Rodahl, K. (1986) Textbook of Work Physio-
mico, promovidos por esses tipos de treinamento. A logy. Physiological Bases of Exercise, 3rd edn. McGraw-Hill
parte mais maleável do sistema de suprimento de International Editions, New York.
energia muscular provavelmente é a respiração (Ho- Brooks, G.A. (2000) Intra- and extra-cellular lactate shut-
wald, 1982). A capilaridade muscular e o conteúdo tles. Medicine and Science in Sports and Exercise 32, 790-799.
mitocondrial podem aumentar em velocidade e em Brooks, G.A., Fahey, T.D., White, T.P. & Baldwin, K.M. (eds)
(2000) Exercise Physiology: Human Bioenergetics and Its
magnitude com adequado estímulo de treinamento
Applications, 3rd edn. Mayfield Publishing Co, Moun-
(endurance). Ademais, o tamanho do coração e, con- tain View.
seqüentemente, o débito cardíaco máximo também Bouchard, C. & Rankinen, T. (2001) Individual differences
podem aumentar como resultado do treinamento in response to regular physical activity. Medicine and
aeróbio. Science in Sports and Exercise 33 (Suppl.), S446-S451; dis-
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Conley, K.E., Kemper, W.F. & Crowther, G.J. (2001) Limits
Perspectiva to sustainable muscle performance: interaction betwe-
en glycolysis and oxidative phosphorylation. Journal of
Experimental Biology 204, 3189-3194.
O principal desafio para a pesquisa muscular bá-
di Prampero, P.E. (1985) Metabolic and circulatory limita-
sica é descobrir os mecanismos que controlam e ajus- tions to VO2max at the whole animal level. Journal of
tam as propriedades moleculares precisas dos siste- Experimental Biology 115, 319-332.
mas contrátil, regulatório e energético aos padrões Eisenberg, G.R. (1983) Quantitative ultrastructure of mam-
de uso. O progresso provavelmente surja de tecnolo- malian skeletal muscle. In: Handbook of Physiology. Skeletal
gias modernas, tais como a ressonância nuclear mag- Muscle (eds L. D. Peachy, R. H. Adrian & S. R. Geiger),
nética (RNM) (Fig. 4.23), que permite medidas in vivo. pp. 73-112. Williams & Wilkins, Baltimore.
Novas questões surgirão a partir de técnicas in vitro, Geeves, M.A. & Holmes, K.C. (1999) Structural mecha-
as quais permitem a análise simultânea de milhares nism of muscle contraction. Annual Review of Biochemis-
try 68, 687-728.
de proteínas (proteômica) ou milhares de genes ex-
Gordon, A.M., Homsher, E. & Reginer, M. (2000) Regula-
pressos (genômica). tion of contraction in striated muscle. Physiological
Isso beneficiará não apenas os atletas, mas todos Reviews 80, 854-924.
os seres humanos, na medida em que a qualidade de Gregorie, C.C., Granzier, H., Sorimachi, H. & Labeit,
vida depende de um sistema locomotor funcional S. (1999) Muscle assembly: a titanic achievement?
intacto e completo. A compreensão das estratégias Current Opinion in Cell Biology 11, 18-25.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 87
Hall, Z.W. & Sanes, J.R. (1993) Synaptic structure and Kayar, S.R., Hoppeler, H., Howand, H., Claassen, H. &
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Capítulo 5
Mecanismos hormonais
relacionados à expressão da força
muscular e da potência
WILLIAM J. KRAEMER E SCOTT A. MAZZETTI
nados ao crescimento), além da função endócrina, lacionados a tais interações com o músculo esquelé-
dispõem de uma ampla variedade de mecanismos. Por tico que influenciam os desempenhos de força mus-
exemplo, os fatores liberados por células podem sur- cular e de potência.
gir de células nervosas (norepinefrina, fator de cres-
cimento glial), imunológicas (citocinas) e muscula- Interações entre os sistemas
res (fator de crescimento insulina-símile). Também
podem interagir com células próximas (parácrina) ou Há uma rede complexa de controle cibernético
com a mesma célula (autócrina) (McCusker e Clem- entre os hormônios. Tal sistema configura-se em ra-
mons, 1994; Florini et al., 1996a; Florini et al., 1996b; zão de diferentes hormônios circulantes serem regu-
Frost et al., 1997). Além disso, o processamento pós- lados por inúmeros mecanismos de feedback, assim
translacional de alguns hormônios liberados (hormô- como por outros fatores permissivos que contribu-
nio do crescimento para a prolactina antes da libera- em ao meio hormonal resultante em que as células
ção no capilar sangüíneo) pode posteriormente alterar musculares crescem (Fig. 5.1). Nesse sentido, alguns
a mensagem original do sinal estimulatório. Os prin- hormônios amplificam os efeitos de outros hormô-
cipais avanços nos últimos 10 anos estenderam as nios e trabalham sinergisticamente para produzir de-
fronteiras de nosso paradigma teórico para a influ- terminado efeito (p. ex., o hormônio do crescimento
ência adaptativa dos hormônios e dos fatores libera- influencia a liberação do fator de crescimento insuli-
dos pelas células no desenvolvimento da célula mus- na-símile [IGF-I] nas células). É comum, no entanto,
cular-alvo. Essa configuração de influências afeta o diferentes grupos de fatores hormonais induzirem
desenvolvimento muscular e medeia o desempenho efeitos biológicos opostos (insulina e glucagon) na
de força e potência. Assim, o propósito deste capítu- tentativa de preservar o ambiente homeostático ce-
lo é descrever alguns dos mecanismos hormonais re- lular fortemente regulado. Os hormônios capazes de
além dos hormônios, podem potencializar ou dimi- estrutura molecular: esteróides e polipeptídicos. Cada
nuir a resposta celular ao hormônio primário. Os re- tipo interage com as células musculares de diferen-
ceptores também podem ter inúmeros domínios, o tes maneiras.
que significa que podem ser externos à membrana
da célula, internalizados (uma parte dentro e outra Interações com os hormônios
fora da membrana) e/ou internos. Também podem esteróides
ser observados receptores na porção nuclear da cé-
lula para alguns hormônios (hormônios esteróides). Os hormônios esteróides, que incluem os do cór-
Evidências recentes, que eram apenas hipóteses des- tex adrenal e os secretados pelas gônadas, são lipos-
de a década de 1970, também sugerem que alguns solúveis e difundem-se pelo sarcolema da fibra mus-
hormônios (p. ex., oestrógenos) podem ter recepto- cular. Alguns cientistas acreditam na presença de
res similares na membrana celular para respostas rá- proteínas transportadoras no sarcolema que facili-
pidas quando comparados aos receptores nos elemen- tam esse movimento. A localização dos receptores
tos regulatórios do DNA usados para a sinalização esteróides na célula é controversa. Eles podem estar
de respostas mais permanentes (Razandi et al., 1999). no citosol* e/ou ligados à membrana nuclear. A série
A localização e a redundância de receptores repre- básica de eventos é a mesma, independentemente da
sentam um conceito em expansão sobre os aspectos localização do receptor. Após a difusão através do
moleculares da sinalização hormonal. sarcolema, o hormônio liga-se com o seu receptor
É geralmente o receptor ou o complexo hormô- para formar um complexo hormônio-receptor
nio-receptor que transmite a mensagem ao núcleo (H-RC), induzindo alteração conformacional no re-
da célula. O material genético do núcleo traduz a ceptor e ativando-o. O H-RC está no material gené-
mensagem hormonal de inibição ou de facilitação da tico no núcleo da célula e “abre-se” para expor as
síntese protéica. Quando uma adaptação não é pos- unidades de transcrição que codificam a síntese de
sível (p. ex., quantidade máxima de dor acumulada proteínas específicas. O H-RC reconhece poten-
na fibra), os receptores ficam não-responsivos ao cializadores específicos ou supra-ativa os elemen-
hormônio específico que tenta estimular aquela res- tos regulatórios dos genes. A polimerase II do RNA
posta da célula. Essa inabilidade interativa entre um liga-se ao promotor associado aos elementos regula-
hormônio e o receptor é chamada de “sub-regula- tórios específicos supra-ativados para o H-RC e, en-
ção” da função do receptor. Portanto, os receptores tão, transcreve o gene pela codificação da proteína
são capazes de incrementar ou diminuir sua sensibi- imposta pelo hormônio esteróide. O RNA-mensa-
lidade de ligação e “supra-regular” ou “sub-regular” geiro é processado e se move no sarcoplasma da cé-
o número atual de receptores disponíveis para a liga- lula, onde é traduzido para proteína. Com isso, a ação
ção. Dados indicam que o mecanismo predominante do hormônio esteróide completa-se com sua intera-
tem sido representado pelo incremento ou pelo de- ção no nível genético da célula. A Figura 5.2 demons-
créscimo da ligação máxima mais do que pela influên- tra as ações das seqüências de receptores esteróides
cia na sensibilidade da ligação no treinamento com padrão.
sobrecarga em ratos (Deschenes et al., 1994). As al-
terações nas características de ligação dos receptores Interações com os hormônios
ou no número de receptores que podem se ligar a polipeptídicos
determinado hormônio são adaptações geralmente
não consideradas nas adaptações induzidas pelo exer- Os hormônios polipeptídicos são produzidos a
cício e podem ser muito consideráveis. Estudos im- partir de aminoácidos; os exemplos são o hormônio
portantes ainda devem ser realizados nesse nível de do crescimento e a insulina. Os hormônios polipep-
adaptação conseqüente ao treinamento de força. Evi-
dentemente, pouca ou nenhuma alteração no meta-
bolismo ou na sinalização celular ocorre caso o re-
ceptor não responda ao hormônio. *N. de R.T. Relativo ao meio líquido do citoplasma, ou seja,
A partir de uma perspectiva clássica, surgem duas citoplasma menos organelas e componentes insolúveis não-
categorias principais de hormônios em termos de membranáceos.
92 PAAVO V. KOMI
Figura 5.3 Vias de sinalização do receptor. JAK2: janus cinase 2; STAT: transdução de sinal e ativação de moléculas de sinalização
de transcrição; IRS-1: substrato do receptor da insulina 1; PI3K: fosfatidil-inositol-3 Cinase; Shc: proteínas contendo homologia
SRC; Grb2: proteína de ligação do receptor do fator de crescimento 2; MAPK: proteína cinase ativada por mitógeno; p70s6k: p70-S6
cinase; BP: proteína de ligação circulante; S: hormônio esteróide; AR: receptor de andrógeno; HSP: proteína de choque térmico (heat
shock protein).
quelético (Schnoebelen-Combes et al., 1996). A ad- assim como aumento do potencial para as interações
ministração exógena de GH em adultos saudáveis, dos receptores em função de treinamento com so-
assim como em crianças e adultos deficientes em GH, brecarga de alta intensidade direcionado ao aumen-
demonstra incrementar a massa muscular e diminuir to do tamanho, da força e da potência musculares.
a gordura corporal (Cuneo et al., 1991; Rooyackers e Alguns importantes fatores relacionados ao GH
Nair, 1997). Tais observações induzem à óbvia con- e a suas várias ações fisiológicas incluem a natureza
clusão de que esse hormônio possui papel anabólico pulsátil da sua liberação, os múltiplos mecanismos
significativo no crescimento muscular. As adaptações de segundo mensageiro ativados por sua ligação com
são provavelmente mediadas por efeitos positivos do seu receptor de membrana, a heterogeneidade da ação
hormônio do crescimento na síntese protéica mus- do hormônio em diferentes tecidos-alvo, a hetero-
cular (incremento) e na degradação protéica (decrés- geneidade dos agregados do GH, o processamento
cimo) (Fryburg e Barrett, 1995). O GH também é co- pós-translacional, a heterogeneidade das suas formas
nhecido por estimular a liberação de aminoácidos moleculares e a regulação do complexo cibernético
disponíveis para a síntese protéica in vivo, assim como dos sistemas GH/IGF. Além disso, a complexidade da
de outros fatores de crescimento (p. ex., IGF-I) das família dos polipeptídeos do GH começa a ser aceita
células musculares. Por isso, aparece implicado na re- pela comunidade científica. A natureza pulsátil da
cuperação e no reparo tecidual (Florini et al., 1996a). secreção do GH é caracterizada por suas variações
É o reparo e a remodelação proporcionada pelos exer- diurnas, com as maiores concentrações circulantes
cícios com sobrecarga que medeiam as respostas durante o sono. Esse padrão de secreção pode estar
adaptativas na unidade contrátil. Além disso, os es- ligado a importantes mecanismos de reparo tecidual,
tudos registram incremento nas concentrações cir- relacionados ao estresse pelos exercícios com sobre-
culantes de GH durante e/ou após a execução de exer- carga. É nessa situação que o GH pode incrementar
cícios com sobrecarga em homens (Kraemer et al., a síntese protéica corporal total em humanos. Isso o
1990; Kraemer et al., 1998b), em mulheres (Kraemer implica como influência hormonal anabólica primá-
et al., 1993) e em idosos (Kraemer et al., 1998a; ria para as adaptações relacionadas à força e à potên-
Kraemer et al., 1999). Essa constatação indica um cia. A Figura 5.4 apresenta alguns dos elementos re-
efeito estimulatório potencial sobre a secreção de GH, gulatórios clássicos da secreção de GH e seus alvos.
xa da família das moléculas do hormônio do cresci- quelético (Florini et al., 1996a). Parece provável que
mento e às suas numerosas ações fisiológicas muitos dos efeitos do GH possam ser parcialmente
(Rowlinson et al., 1996; Hymer et al., 2001). mediados pelas ações dos IGFs, ainda que a influên-
Hymer e colaboradores (2001) recentemente cia direta do GH no músculo esquelético não possa
examinaram, através de técnicas de imunoensaio e ser descartada devido à heterogeneidade da família
bioensaio, os efeitos agudos dos exercícios com so- de polipeptídeos do GH.
brecarga sobre o hormônio do crescimento circulante
biologicamente ativo em mulheres jovens. Os resul-
Fatores de crescimento insulina-símile
tados desse estudo indicaram que os exercícios com
sobrecarga incrementaram significativamente as iso- Os fatores de crescimento insulina-símile (IGFs)
formas de GH de menor peso molecular (30- 60-kDa são estruturalmente relacionados à insulina (49 e 47%
e < 30-kDa), quando mensurados por ensaio imu- da identidade de seqüência para o IGF-I e o IGF-II,
nofuncional (Strasburger et al., 1996), mas não no respectivamente). Portanto, são membros da família
clássico bioensaio da linha do tibial do rato. No en- de hormônios peptídeos insulina/IGF. Os IGFs re-
tanto, observa-se o incremento circulatório agudo em presentam pequenos hormônios polipeptídicos (70 e
homens para o GH bioativo através de bioensaio da 67 resíduos de aminoácidos para o IGF-I e o IGF-II,
linha tibial (McCall et al., 2000). Tais dados demons- respectivamente) secretados quando produzidos.
tram que nossa compreensão a respeito da dinâmica Desse modo, não são estocados em grandes quanti-
da função hipofisária em resposta ao exercício co- dades em quaisquer órgãos ou tecidos. Similar à in-
meça a ficar mais complexa e a requerer estudo cui- sulina e a outros hormônios peptídicos, os IGFs são
dadoso antes de conclusões gerais em relação ao im- sintetizados como um grande precursor peptídico
pacto do treinamento no GH. As isoformas de GH, pós-translacionalmente processado na molécula fi-
os agregados e as proteínas de ligação poderiam ser nal IGF-I ou IGF-II. A principal diferença estrutural
importantes fatores hormonais na mediação das entre os IGFs e a insulina, no entanto, é que os IGFs
adaptações nos músculos como conseqüência dos são polipeptídeos de cadeia única desde que a liga-
exercícios com sobrecarga. Ainda carecem de estudo ção do peptídeo C entre as cadeias A e B da molécula
as características de resposta das isoformas aos dife- não seja removida, como ocorre no processamento
rentes tipos de treinamento. Um breve registro de- da pró-insulina em insulina (DeMeyts et al., 1994).
monstra aumento do GH da linha tibial em mulhe- Em razão de suas similaridades estruturais, os IGFs
res submetidas a treinamento de força de longo prazo, podem ligar-se ao receptor de insulina (IR) e vice-
sugerindo que moléculas de maior peso são adapta- versa. Dois tipos de receptores de IGF têm sido iden-
tivas em natureza (Rubin et al., 2000). Portanto, per- tificados e incluem os receptores IGF tipo 1 e 2. As
manecem incertos os mecanismos exatos que diferen- afinidades de ligação entre essas moléculas e seus re-
tes moléculas de GH interagem com seus receptores ceptores são as seguintes: IGF-I liga-se ao tipo 1 >>
para induzir suas ações de promoção do crescimento. tipo 2 >> IR; IGF-II liga-se ao tipo 2 >> tipo 1 >> IR;
Sua complexidade continua a ser pesquisada. e a insulina liga-se ao IR >> tipo 1 (Thissen et al.,
Uma importante questão ainda não respondida 1994). O receptor tipo 1 do IGF liga-se ao IGF-II,
referente às ações do GH está relacionada ao fato de com quase a mesma afinidade que o faria com o IGF-
o GH 22-kDa agir diretamente no músculo esquelé- I; as ações biológicas tanto do IGF-I como do IGF-II
tico para estimular seu crescimento. Alguns dados parecem ser mediadas pelas interações com o recep-
podem indicar efeito direto do GH no músculo es- tor tipo 1 (DeMeyts et al., 1994). O receptor tipo 2
quelético, em que a fosforilação da tirosina JAK2 e do IGF não se liga à insulina; tanto o IGF-I como o
STAT5 aumenta após administração intravenosa de IGF-II ligam-se ao receptor da insulina com somen-
GH em ratos (Chow et al., 1996). No entanto, esses te ~ 1% da afinidade da insulina. O fato de a insulina
dados ainda não eliminaram qualquer influência dos interagir com o receptor tipo 1 do IGF explica parci-
IGFs. Inúmeras interações entre o GH e os fatores de almente os seus profundos efeitos anabólicos em al-
crescimento insulina-símile (IGFs) são alvo de revi- tas concentrações.
sões detalhadas quando se considera os efeitos indi- Nos estudos de cultura celular, os IGFs estimu-
retos do hormônio do crescimento no músculo es- lam a proliferação e a diferenciação dos mioblastos,
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 97
inibem a proteólise e incrementam o consumo de gli- nase e, subseqüentemente, na ativação dos compo-
cose e de aminoácidos, assim como a síntese protéi- nentes ribossômicos S6 que estimulam a translação
ca em várias linhas de células do músculo esqueléti- dos RNAsm. Coolican e colaboradores (1997) regis-
co (revisão de Folirini et al., 1996a). Vários estudos traram que a ativação da PI3-cinase representa o
também demonstram a eficácia dos IGFs no incre- mecanismo molecular primário responsável pelos
mento da síntese protéica no músculo esquelético efeitos de diferenciação miogênica ou celular dos
humano (Fryburg, 1994; Fryburg, 1996; Russel-Jo- IGFs. Tal regulação de sinais complexos pelo sistema
nes et al., 1994; Fryburg et al., 1995). Essas ações de receptor IGF/insulina identifica diversos mecanis-
mitogênicas (proliferação), miogênicas (diferenciação) mos em que os IGFs, e mesmo a insulina, podem
e anabólicas ajudam a qualificar os efeitos profundos mediar vários processos importantes para o cresci-
de potencialização do crescimento dos IGFs no mús- mento e para o desenvolvimento da célula muscular,
culo esquelético (Florini et al., 1996a; Adams, 1998). especialmente em diferentes estágios do crescimen-
A capacidade dos IGFs de estimular tanto a pro- to, que incluem as adaptações musculares ao treina-
liferação como a diferenciação dos mioblastos atra- mento com sobrecarga em adultos.
vés de um único receptor (receptor do tipo 1 do IGF) O papel dos IGFs no crescimento musculoesque-
é bastante singular. Isso porque os IGFs representam lético como mediadores no sistema GH/IGF está bem
apenas um dos poucos mitógenos circulantes conhe- constituído há muitos anos. Esse sistema é bem ca-
cidos para estimular a diferenciação, assim como a racterizado pelo fato de o GH circulante 22-kDa con-
proliferação das células do músculo esquelético (Flo- figurar importante estímulo para a expressão gênica
rini et al., 1996b). Recentemente, um estudo que ana- e para a liberação do IGF no fígado (Copeland et al.,
lisou as vias de sinalização do receptor tipo 1 do IGF 1980). Os IGFs são produzidos por muitos outros
revelou que duas diferentes vias de sinalização po- tecidos, incluindo o músculo, embora o fígado pare-
dem mediar essas respostas biológicas mutuamente ça ser responsável pela maioria dos IGFs circulantes.
exclusivas (proliferação e diferenciação) no músculo A magnitude em que os IGFs circulantes (endócri-
esquelético (Coolican et al., 1997). Brevemente, a in- no) interagem com o músculo esquelético é muito
teração do IGF-I com seu receptor de membrana tipo contestada devido a grande parte dos IGFs circulan-
1 causa autofosforilação do receptor e subseqüente tes ( > 75%) estarem ligados como um complexo ter-
fosforilação de uma enzima tirosina cinase associa- nário com a proteína-3 ligada ao IGF (IGFBP-3) e
da. De modo similar à sinalização realizada pela mo- uma subunidade ácida instável (~ 150-kDa quando
lécula do receptor da insulina, a fosforilação da tiro- ligada), que aparentemente não atravessa o endotélio
sina cinase ativa (fosforila) proteínas de sinalização capilar (Binoux e Hossenlopp, 1988). Como resultado,
intracelular que incluem o substrato 1 do receptor foi proposto que os IGFs circulantes apresentam so-
da insulina (IRS-1) e as proteínas que contêm ho- mente pequeno efeito nas adaptações musculoesque-
mologia para SRC (Shc). A ativação do IRS-1 induz a léticas à sobrecarga mecânica (Yarasheski, 1994).
ativação da via da proteína 2 ligada ao receptor do Uma comprovação dessa premissa surge de es-
fator de crescimento (Grb2) associada à ativação de tudos recentes de treinamento com sobrecarga que
Ras e Raf-1/proteína cinase ativada por mitógeno não demonstraram efeitos aditivos da duplicação da
(MAP) (Florini et al., 1996b). A fosforilação de Shc concentração sérica total de IGF-I no desempenho
demonstra sua importância para a ativação das vias de força ou na síntese protéica após a administração
associadas a Grb2/Ras, promovendo a ativação da exógena de GH com o treinamento em indivíduos
MAP cinase. De acordo com Coolican e colaborado- idosos (Taaffe et al., 1994; Yarasheski et al., 1995).
res (1997), a ativação da MAP cinase parece consti- No entanto, possíveis limitações desses estudos po-
tuir o mecanismo molecular primário em que os IGFs dem estar relacionadas ao conhecido efeito estimu-
estimulam seus efeitos mitogênicos ou proliferativos. latório do GH circulante na secreção de IGFBPs do
A fosforilação do IRS-1 também induz interação com fígado, em particular IGFBP-3 (Florini et al., 1996a).
a subunidade regulatória p85 da enzima fosfatidil- Caso o tratamento exógeno com GH tenha elevado
inositol-3 cinase (PI3-cinase) (Florini et al., 1996b). as concentrações de IGFBP-3 (não-mensurado), en-
A ativação da PI3-cinase resulta na fosforilação de tão a porcentagem de IGF-I biologicamente ativo não-
uma serina/treonina cinase denominada P70-S6 ci- ligado pode ter permanecido essencialmente inalte-
98 PAAVO V. KOMI
rada nesses estudos (Taaffe et al., 1994; Yarasheski et demonstrando que o GH estimula a expressão gêni-
al., 1995). Em oposição ao argumento contrário ao ca de IGF-I no músculo esquelético de ratos e por-
papel dos IGFs circulantes, Borst e colaboradores cos (Turner et al., 1988; Loughna et al., 1992; Lewis
(2001) recentemente registraram decréscimo de 20% et al., 2000). No entanto, essa relação é questionável,
no IGFBP-3 circulante após 25 semanas de treina- pois influências estimulatórias do GH no IGF muscu-
mento de força com múltiplas séries. Esses dados lar ainda não foram conclusivamente demonstradas
sugerem que os IGFs circulantes tornam-se mais em humanos. A expressão gênica IGF-I local indepen-
importantes nas adaptações musculoesqueléticas com dente do GH também tem sido demonstrada no mús-
treinamento de força de duração prolongada, uma culo esquelético de vários modelos animais, incluindo
vez que as proteínas de ligação circulantes diminuem, frango, gado, carneiro e porco (Florini et al., 1996a).
permitindo incremento na porção de IGFs não-liga- Assim, as ações primárias dos IGFs locais no músculo
dos que atravessam o endotélio capilar e interagem esquelético não parecem ser muito influenciadas pelo
com o músculo. Essa tendência de decréscimo nos GH; talvez outros fatores (p. ex., sobrecarga mecânica,
elementos protéicos ligados ao IGF tem sido tam- alongamento, etc.) possam ser mais importantes para
bém recentemente demonstrada por ser iniciada den- a produção e a liberação local de IGF (Adams, 1998).
tro de poucas horas após uma sessão de exercícios Registros recentes descrevem a importância de
de força de alta intensidade. Nindl e colaboradores uma isoforma específica de IGF-I (também conheci-
(2001) demonstraram que as concentrações circulan- da como fator de mecanocrescimento) expressa pelo
tes das subunidades lábil a ácido começam a dimi- músculo esquelético em resposta ao alongamento e/
nuir duas horas após uma sessão de exercícios com ou sobrecarga (Perrone et al., 1995; Yang et al., 1996;
sobrecarga. Além disso, são ainda menores que os Goldspink, 1998; Bamman et al., 2001). Em 1996,
controles 13 horas pós-exercício. O estudo realizado Yang e colaboradores identificaram uma isoforma de
por Borst e colaboradores (2001) também registrou IGF no músculo esquelético de aves que somente foi
incremento de 20% nas concentrações circulantes sensível ao alongamento. O alongamento demonstra
de IGF-I após o treinamento — esse não é o único induzir secreção de IGFBPs em conjunto com IGFs
estudo a demonstrar aumento na concentração de por células musculoesqueléticas diferenciadas de aves
fatores de crescimento circulantes com o treinamen- em cultura de tecidos, possivelmente pelo incremen-
to de longo prazo (Kraemer et al., 1995). Então, pare- to do controle regulatório das ações do sistema IGF
ce que o sistema de IGF sofre, com o treinamento, no crescimento muscular local (Perrone et al., 1995).
adaptações que melhoram a capacidade dos IGFs cir- Recentemente, tem sido demonstrado que a sobre-
culantes de interagirem com o músculo esquelético carga mecânica do músculo humano (p. ex., exercí-
para o crescimento e o reparo celulares. Tais adapta- cios com sobrecarga) promove um incremento mus-
ções nas ações endócrinas dos IGFs no músculo es- cular, mas não no IGF-I sérico (Bamman et al., 2001).
quelético poderiam, teoricamente, ser mediadas pe- Os resultados desse estudo também demonstram que
las, ou simplesmente complementares às, ações a expressão musculoesquelética de IGF-I RNAm em
autócrinas/parácrinas dos IGFs. humanos foi maior após a sessão em que o exercício
As ações autócrinas/parácrinas dos IGFs nos pro- de agachamento foi realizado de forma excêntrica,
cessos de adaptação muscular são respaldadas pelos do que em uma sessão concêntrica (Bamman et al.,
resultados de vários estudos que demonstraram efei- 2001). Com isso, reforça-se a suspeita de que o com-
tos hipertróficos significativos da infusão local de IGF ponente alongamento nos exercícios com sobrecar-
diretamente no rato (Adams e McCue, 1998) e no ga (excêntrico) representa um potente estímulo para
músculo esquelético humano (Fryburg, 1994; Fry- a produção e a liberação de fatores de crescimento
burg, 1996; Russell-Jones et al., 1994; Fryburg et al., locais no músculo esquelético.
1995). Permanece incerto se a produção e a liberação Esses dados parecem enfatizar a importância das
local dos IGFs do músculo esquelético são influen- isoformas de IGF induzidas por sobrecarga mecâni-
ciadas primariamente pelo GH circulante ou por ou- ca na mediação das adaptações musculares ao trei-
tros fatores (p. ex., sobrecarga mecânica). Essa “hi- namento de força; no entanto, são necessários mais
pótese somatomedina” é corroborada por dados estudos que analisem essas respostas, em particular
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 99
alterada pela elevação aguda nas concentrações de belos no homem, parece que muito pouca enzima
insulina (após as refeições) (Wolfe, 2000). Esse tipo 5α-redutase é encontrada no músculo esquelético.
de comportamento na regulação da insulina pelo sis- Por isso, a testosterona é considerada o hormônio
tema de degradação proteolítica ajudaria a explicar o primário que interage com o músculo para o cresci-
porquê, na ausência de insulina, tal como observado mento celular (Wu, 1997). Por sua vez, o estradiol
no diabete melito insulino-dependente não-tratado, é importante por demonstrar que a testosterona
a degradação da proteína muscular aumenta, enquan- indiretamente estimula a secreção de GH e IGF-I pela
to a massa muscular diminui com o passar do tempo. sua conversão ao estradiol (Mauras et al., 1987;
Inversamente, o processo relacionado à degrada- Hobbs et al., 1993; Weissberger e Ho, 1993).
ção protéica lisossômica naturalmente incrementa Parece existir outro mecanismo anabólico de ação
após o exercício (Kesperek et al., 1992). Eis uma pers- da testosterona independentemente dos receptores de
pectiva que pode ajudar a explicar o motivo pelo qual andrógeno. Nesse sentido, a testosterona pode agir
a refeição pós-exercício diminui a degradação pro- como hormônio anticatabólico ao inibir o efeito esti-
téica muscular. Como efeito, a refeição pode induzir mulatório do cortisol na degradação protéica. Então, é
o pâncreas a aumentar a secreção de insulina, cau- um potente hormônio anabólico capaz de exercer suas
sando hiperinsulinemia fisiológica transiente (Biolo ações no crescimento e no reparo muscular através da
et al., 1995). Na vida diária normal, as concentrações ligação direta a receptores citoplasmáticos no múscu-
de insulina em repouso induzem efeito supressivo lo, incrementando a síntese protéica por mediar as res-
de baixo nível na degradação protéica via proteólise postas de outros hormônios que, por sua vez, incre-
ubiquitina dependente de ATP. Sob exercício agudo mentam a síntese e diminuem a degradação protéica
que tipicamente resulta em menor concentração de (GH, IGF-I) ou por agir como antiglicocorticóide na
insulina circulante, os efeitos inibitórios da insulina supressão da degradação protéica (Wu, 1997).
na degradação protéica lisossômica são reduzidos. Muitos fatores da fisiologia do esteróide influen-
Com isso, ocorre incremento transitório da degrada- ciam os mecanismos que fazem a testosterona esti-
ção protéica. Ainda permanecem incertas as concen- mular e preservar a massa muscular. Entre eles, está
trações insulínicas com efeitos drásticos na síntese um mecanismo singular de ligação citoplasmática, e
protéica. Essa situação pode ocorrer somente por a capacidade de alterar a transcrição, a sua necessi-
períodos de níveis extremos (muito baixos ou altos) dade na ligação das proteínas de forma a possibilitar
de síntese protéica (Szanberg et al., 1997; Farrell et o transporte regulado para os tecidos-alvo e sua pró-
al., 2000). Diante disso, o papel da insulina nas adap- pria secreção pulsátil. Por ser um hormônio esterói-
tações ao treinamento de força em seres humanos de, a testosterona é lipossolúvel e pode difundir-se
ainda permanece matéria de especulação, assim como livremente pela membrana da célula e interagir com
o período de tempo de sua mais importante contri- receptores citoplasmáticos (ou possivelmente nucle-
buição para o fenômeno de agregação protéica. ares). Um complexo citoplasmático receptor-ligante
ativado difunde-se no núcleo e liga-se a elementos
Testosterona de resposta do hormônio no DNA. Ao fazer isso, a
testosterona incrementa a transcrição de RNA, in-
A testosterona é um hormônio esteróide anabó- duzindo aumento da translação de proteínas especí-
lico sintetizado nos órgãos gonadais por uma série ficas necessárias para o crescimento e o reparo teci-
de conversões enzimáticas do colesterol em testoste- dual. Outro fator único para o esteróide e diferentes
rona. Nas mulheres, o córtex adrenal ainda contribui hormônios lipofílicos é a necessidade de proteínas
como importante fonte de andrógenos adrenais. Em de ligação de alta afinidade. A entrada e a interação
tecidos específicos, a testosterona também pode ser entre hormônios e esteróides com células-alvo deve
convertida pela 5α-redutase ou aromatase em outros ser regulada devido a esses hormônios possuírem a
metabólitos ativos, incluindo a diidrotestosterona ou capacidade de difusão passiva. Como resultado, gran-
o estradiol, respectivamente. Enquanto a dihidrotes- de parte da testosterona na circulação é ligada à
tosterona é importante para o desenvolvimento da globulina conectada ao hormônio sexual (SHBG)
genitália externa, de próstata e das vesículas semi- (~ 60%) ou a outras proteínas de ligação (p. ex.,
nais e, secundariamente, para o crescimento de ca- ~ 38% ligada à albumina), prolongando a meia-vida
102 PAAVO V. KOMI
da testosterona e regulando sua atividade biológica. física) e à herança genética. Qualquer incremento adi-
Por fim, a secreção pulsátil da testosterona é caracte- cional no tamanho muscular devido à testosterona
rizada pelo padrão diurno em que a testosterona cir- ocorreria como resultado de outros efeitos indiretos
culante está elevada durante as horas da manhã e len- desta (p. ex., estimulação do aumento da secreção de
tamente diminui durante o dia, com os menores GH e/ou IGF-I).
valores ocorrendo à noite. Tal variação diurna não A testosterona é conhecida por incrementar a
parece alterada pela sessão aguda de exercícios com secreção do hormônio do crescimento em crianças
sobrecarga realizados em diferentes momentos do dia, na puberdade (Mauras et al., 1987) e em homens
apesar dos efeitos conhecidos de tais atividades nas adultos saudáveis (Weissberger e Ho, 1993). Esse efei-
respostas hormonais anabólicas (Kraemer et al., 2001). to da testosterona no GH circulante é, no mínimo,
Portanto, a variação diurna da secreção de testoste- parcialmente mediado pela aromatização da testos-
rona, especialmente as maiores concentrações ma- terona a estradiol nos tecidos (Weissberger e Ho,
tutinas, pode ser um estímulo facilitado devido à ace- 1993); no entanto, um efeito direto da testosterona
leração da taxa metabólica pela manhã. Com o nos somatotrofos da hipófise anterior não pode ser
metabolismo acelerado, aumenta o turnover protéico. descartado. Devido ao aumento das concentrações
Assim, as maiores concentrações de testosterona são circulantes de GH, a produção e a secreção hepática
importantes para preservar o equilíbrio homeostáti- de IGF aumentam. Essa ativação do sistema GH/IGF
co de nitrogênio. aparece após administração de testosterona em ho-
Os efeitos diretos da testosterona no crescimen- mens saudáveis (Hobbs et al., 1993; Weissberger e
to muscular podem não ser tão marcantes como o de Ho, 1993). Na realidade, em homens idosos não en-
outros fatores de crescimento. Essa teoria baseia-se volvidos em programa regular de exercícios com so-
em estudos de cultura celular que demonstram mai- brecarga, quatro semanas de injeções de testostero-
or síntese protéica após exposição à insulina ou a IGFs na foram suficientes para produzir concentrações
do que após o contato com testosterona (Florini, similares àquelas de homens jovens, resultando em
1987). O argumento de que doses suprafisiológicas incremento do IGF-I RNAm muscular e no decrés-
de esteróides anabólicos em homens eugonadais cau- cimo da IGFBP-4 RNAm (Urban et al., 1995). Esses
sam platô da resposta biológica (p. ex., crescimento dados dão suporte à hipótese de que os efeitos ana-
muscular) devido à saturação dos receptores de an- bólicos da testosterona no músculo podem ser par-
drógenos (Wu, 1997) tem sido comprovado in vitro cialmente mediados pelas alterações nos fatores cir-
(Bartsch et al., 1983). Caso a testosterona seja um culantes do sistema GH/IGF. Além disso, as alterações
hormônio anabólico menos potente, talvez isso se nos fatores de crescimento liberados pela célula lo-
deva aos efeitos diferenciais no consumo de aminoá- cal também podem ser importantes.
cidos das células musculares quando comparados A testosterona também parece exercer ação ana-
com outros hormônios. bólica no músculo por meio de mecanismos inde-
Ferrando e colaboradores (1998) recentemente pendentes de receptores andrógenos. Nesse caso, a
demonstraram que a injeção de testosterona em ho- testosterona circulante pode agir como um antigli-
mens jovens saudáveis incrementou a síntese protéi- cocorticóide (Wu, 1997). Por esse mecanismo, levan-
ca, mas não induziu efeito no transporte de aminoá- ta-se a hipótese de que a testosterona bloqueia ou
cidos. Isso sugere que a testosterona promove a desloca os glicocorticóides, tal como o cortisol, da
reutilização dos aminoácidos intracelulares para au- interação com os receptores de glicocorticóides que
mentar a síntese e a adição protéica. Essas descober- auxiliam a regular a degradação protéica muscular.
tas contrariam a tese de estimulação do transporte Há demonstrações de aumento da massa protéica
interno de aminoácidos pela insulina, pelo IGF-I e devido ao decréscimo da degradação protéica no
pelo GH (Biolo et al., 1992). Na realidade, a capaci- músculo após a administração de testosterona (Mayer
dade tanto da insulina como dos IGFs estimularem a e Rosen, 1977), embora tais efeitos inibitórios na de-
síntese protéica é limitada pela disponibilidade dos gradação protéica limitem-se a doses suprafisiológi-
aminoácidos (Wolfe, 2000). Pode ser que a testoste- cas de testosterona (Hickson et al., 1990). Além dis-
rona estimule a síntese protéica (direta e/ou indireta- so, as doses suprafisiológicas de testosterona, como
mente) até um limiar sensível ao estímulo (atividade as observadas com a administração de esteróides,
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 103
parecem estar associadas com sub-regulação exten- 2) têm sido implicados nos processos anabólicos
siva do receptor de glicocorticóides (~ 90%). Diante musculares em modelos animais e de culturas celu-
disso, a testosterona pode exercer efeitos anticatabó- lares. A angiotensina II parece importante na hiper-
licos através de reduções nos receptores de cortisol trofia musculoesquelética e cardíaca induzida por so-
(Hickson e Marone, 1993). Muitos estudos registram brecarga. Gordon e colaboradores (2001) recentemente
o envolvimento da testosterona no incremento da demonstraram que a inibição da enzima de conversão
massa muscular primariamente por meio do aumen- da angiotensina (ECA) no músculo sóleo de ratos es-
to da síntese protéica, sem efeito na degradação pro- timulado reduziu a hipertrofia (96%), enquanto a per-
téica; permanece indefinido se as concentrações fisi- fusão da angiotensina II restaurou 71% da resposta
ológicas de testosterona diminuem a degradação hipertrófica. O mecanismo exato de influência da
protéica (Grigg et al., 1989; Urban et al., 1995; Fer- angiotensina II pela hipertrofia muscular ainda tem de
rando et al., 1998). ser elucidado. Porém, alterações concomitantes em
Profundas ações anabólicas da testosterona, in- outros fatores (p. ex., densidade do receptor tipo 1 da
dependentemente de quaisquer efeitos aditivos dos angiotensina) também parecem importantes. A angio-
exercícios com sobrecarga, foram recentemente de- tensina II pode muito bem ser outro fator envolvido
monstradas no músculo esquelético dos homens. nas complexas vias hormonais associadas com a sina-
Doses de reposição de testosterona por 12 a 24 se- lização intracelular necessárias para o crescimento e o
manas em homens hipogonadais aparentemente in- reparo tecidual após exercícios com sobrecarga.
crementam a massa livre de gordura e o tamanho Outro hormônio muito menos compreendido, o
muscular (Bhasin et al., 1997) através do aumento da “peptídeo da linha tibial”, foi recentemente encon-
síntese e da adição protéica (Griggs et al., 1989; Bro- trado no plasma e no tecido hipofisial pós-morte de
dsky et al., 1996). Adicionalmente, doses de reposi- seres humanos (Hymer et al., 2000). Esse peptídeo
ção de testosterona em homens idosos ( > 60 anos) seria estocado em um grânulo de secreção associado
(Urban et al., 1995) e doses suprafisiológicas de tes- com uma subpopulação específica de células do hor-
tosterona em homens normais aumentam a força mônio do crescimento, que contém uma seqüência
muscular, apesar da não realização de treinamento de resíduos de aminoácidos não encontrada no hor-
de força (Bhasin et al., 1996). A partir de tais dados e mônio do crescimento humano. É interessante men-
das diferenças pronunciadas na massa muscular en- cionar que esse pequeno peptídeo (~ 5kDa) apresen-
tre os gêneros, evidencia-se que a testosterona con- tou bioatividade no bioensaio de linha tibial, mas não
siste em um potente fator anabólico para o cresci- no imunoensaio do hormônio do crescimento. Ele
mento da célula muscular. Para atletas, isso é parece ser um hormônio biologicamente ativo, que
especialmente importante devido ao fato de as con- não se assemelha a uma isoforma de GH e nem mes-
centrações de testosterona circulante aumentarem mo a um fragmento da família polipeptídica do hor-
durante e imediatamente após exercícios com sobre- mônio do crescimento. Além disso, pode ter ativida-
carga em homens (Kraemer, 1988; Kraemer et de de promoção do crescimento.
al.,1990) e em mulheres (Kraemer et al., 1993). Essas A importância do sistema nervoso para a função
respostas agudas em função do tempo, como diante muscular tem sido detalhadamente estudada. Geral-
do treinamento de força a longo prazo, parecem aju- mente, admite-se que o tipo de unidade motora que
dar a mediar as alterações no tamanho, na força e na inerva uma fibra muscular (rápida ou lenta) determi-
potência musculares. na o tipo de fibra muscular resultante (fibra muscu-
lar tipo I ou II), além de sua capacidade para produzir
Outros fatores anabólicos força. Recentemente, um número maior de evidên-
cias sustenta que fatores nervosos miotróficos pro-
Progressivamente, aumenta a evidência de que vocam ações de crescimento e de diferenciação mus-
outros fatores potencializam o crescimento muscu- cular sem contato físico direto. A família da neuror-
lar, embora uma quantidade considerável de pesqui- regulina das proteínas neurotróficas é caracterizada
sa nessa área de estudo mantenha-se em curso. Ou- por proteínas glicosiladas transmembranáceas, inclu-
tros hormônios (p. ex., angiotensina II, peptídeo tibial) indo a heregulina, o fator de diferenciação neu e os
e fatores nervosos (p. ex., fator de crescimento glial fatores de crescimento glial (Florini et al., 1996). O
104 PAAVO V. KOMI
fator de crescimento glial 2, diferentemente dos mem- et al., 1998; Sapolsky et al., 2000). A importância dos
bros de sua família, não é uma proteína transmem- glicocorticóides para as adaptações de força e potên-
branácea. Com isso, pode funcionar como um fator cia está relacionada aos seus efeitos catabólicos no
nervoso liberado pela célula. Florini e colaboradores músculo esquelético.
(1996b) demonstraram que o fator de crescimento Embora mecanismos catabólicos específicos ain-
glial 2 representa um potente fator miotrófico (esti- da não sejam completamente compreendidos, as inú-
mula o crescimento e a diferenciação) em mioblastos meras ações catabólicas dos glicocorticóides são re-
em cultura, exibindo estimulação prolongada lenta guladas por uma complexa integração de ações
em seis dias (Florini et al., 1996). No mínimo, nas permissivas, supressoras, estimulatórias e preparati-
células musculares embriônicas, o fator de crescimen- vas. Teoricamente, todas elas trabalham em conjun-
to glial 2 pode ser importante para a regulação ou to para ajudar a preservar (ou restabelecer) um am-
para a manutenção a longo prazo de adição protéica biente celular de homeostase e, finalmente, a prevenir
muscular. Tal efeito miotrófico de longo prazo difere qualquer efeito deletério persistente resultante do es-
do conceito bem aceito de que os impulsos nervosos tresse agudo ao corpo (Sapolsky et al., 2000). Nesse
influenciam o tipo de fibra muscular, o que sugere caso, os exercícios com sobrecarga podem induzir mi-
um mecanismo autócrino/parácrino de ação do fator crotrauma adaptativo que, por sua vez, pode provo-
de crescimento glial 2. car inflamação local aguda, crônica e sistêmica, ati-
vando o eixo hipotalâmico-hipofisial-adrenal e o
subseqüente rápido incremento na concentração de
Hormônios catabólicos cortisol circulante para o reparo e para a remodela-
ção tecidual (Smith, 2000).
Os hormônios esteróides adenocorticóides, en- A secreção de cortisol em geral responde muito
tre eles o cortisol, foram originalmente denomina- rapidamente aos vários estressores (p. ex., exercício,
dos glicocorticóides devido a seus efeitos no meta- hipoglicemia, cirurgia, etc.), dentro de minutos. En-
bolismo intermediário. Tal nomenclatura fundamen- quanto muitas ações inflamatórias e regulatórias da
tava-se no fato de o cortisol, no estado de jejum, aju- glicose sangüínea relacionadas aos glicocorticóides
dar a manter a glicemia através do estímulo da glico- podem ser diretamente associadas com essas rápidas
neogênese e a liberação periférica de substratos, respostas, os desafios no turnover protéico muscular
ambos processos catabólicos. Nos tecidos periféri- são muito bem controlados pelos mecanismos clás-
cos, o cortisol estimula a lipólise nas células adipóci- sicos de ligação do hormônio esteróide. Como a tes-
tas, além de incrementar a degradação e diminuir a tosterona, o cortisol liga-se ao receptor citoplasmá-
síntese protéica nas células musculares, estimulando tico e ativa um complexo de receptores capaz de entrar
maior liberação de lipídeos e de aminoácidos na cir- no núcleo, de ligar elementos de resposta de hormô-
culação, respectivamente (Hickson e Marone, 1993). nios específicos no DNA e de agir diretamente no
Uma ação também importante dos glicocorticóides nível do gene. Ao fazer isso, o cortisol altera a trans-
refere-se aos mecanismos inflamatórios locais e sis- crição e a subseqüente translação de proteínas espe-
têmicos relacionados à secreção de cortisol sob a cíficas, mas esses processos demoram de horas a dias.
mediação de citocinas através do eixo hipotalâmico- Assim como com outros hormônios, a atividade
hipofisial-adrenal (revisão de Smith, 2000). No en- biológica dos glicocorticóides é regulada pela por-
tanto, talvez a função mais notável dos glicocorticói- centagem de hormônio livremente circulante. Cerca
des seja cumprir vários papéis na resposta corporal de 10% do cortisol circulante é livre, enquanto ~ 15%
ao estímulo estressante (p. ex., lesão, cirurgia, ativi- está ligado à albumina e 75% à globulina conectada
dade física, etc.). Embora exista acúmulo de evidên- ao corticoesteróide. A via primária para a secreção
cias sustentando outros conceitos, a síndrome de do cortisol começa com a estimulação do hipotála-
adaptação geral proposta por Hans Selye (a secreção mo pelo sistema nervoso central como resultado de
de glicocorticóides induzida por estresse incrementa hipoglicemia, pequenas alterações fisiológicas ou
e medeia as respostas ao estresse) permanece um tó- exercício. A liberação de cortisol mediada por citoci-
pico extensivamente pesquisado (Selye, 1936; Pacak nas está implicada no exercício de alta intensidade e
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 105
alto volume (especialmente nas ações musculares ex- alterar em resposta às diferentes concentrações cir-
cêntricas). O cortisol libera-se como resultado de le- culantes de determinado hormônio, alterando, por-
são por microtrauma adaptativo ao tecido muscular, tanto, a bioatividade (Hickson e Marone, 1993). Do
causando infiltração de neutrófilos e monócitos nos mesmo modo, o metabolismo, o estado nutricional e
tecidos (Smith, 2000). Os monócitos podem, então, as respostas de outros fatores hormonais influencia-
ser ativados na circulação ou nos tecidos onde per- rão o meio hormonal anabólico/catabólico resultan-
manecem e tornam-se macrófagos. As células imu- te. A hipersecreção crônica de glicocorticóides em es-
neativadas por monócitos circulantes ou macrófagos tados de doença, como a síndrome de Cushing, está
teciduais são capazes de secretar centenas de dife- associada com decréscimo da massa e da força mus-
rentes citocinas. Estas últimas medeiam os proces- culares. Além disso, o delicado equilíbrio entre os fa-
sos inflamatórios local e sistêmico. A interleucina 1 tores anabólicos e catabólicos é crucial para o turno-
(IL-1) e a IL-6 são citocinas pró-inflamatórias secre- ver protéico, e os glicocorticóides representam a
tadas por monócitos (ou macrófagos) ativados que influência catabólica primária no músculo. Foi ob-
são conhecidos por ativar o eixo hipotalâmico-hipo- servada, após sete semanas de treinamento com so-
fisial-adrenal (Kalra et al., 1990; Path et al., 1997). brecarga em ratos, secreção normal de testosterona
Essas citocinas interagem com receptores no hipo- pelos testículos, apesar da elevada concentração de
tálamo e estimulam a secreção seqüencial do hor- corticosterona. As atividades normais de ligação tam-
mônio de liberação da corticotrofina (CRH), do hor- bém podem ocorrer. Isso deve-se aparentemente à
mônio adrenocorticotrófico (ACTH) e do cortisol do “desinibição” dos receptores de testosterona com o
hipotálamo, da hipófise anterior e do córtex adrenal, exercício mediado via mecanismos de óxido nítrico/
respectivamente (Smith, 2000). Todas essas respos- β-endorfina e fluxo de fluidos. A incidência de eleva-
tas podem ser ampliadas de modo considerável, em das concentrações de cortisol pode não significar
cada nível de interação (neutrófilos a monócitos, a necessariamente que o processo catabólico predo-
citocinas, a outras citocinas, ao hipotálamo, etc.). A mina nos níveis celulares. Com o cortisol, o impor-
magnitude depende da gravidade do microtrauma tante papel de preservação do uso da glicose através
adaptativo inicial (p. ex., intensidade do exercício). da inibição dos processos que primariamente utili-
As respostas inflamatórias graves devem ocorrer so- zam glicose para a sua função (p. ex., metabolismo
mente após lesão, trauma ou infecção grave, exercí- celular do sistema imunitário) pode ser parte da sín-
cios com sobrecarga de intensidade muito alta ou trei- drome total de estresse analisada por Selye. Com o
namento de endurance de volume muito alto. Tais treinamento, esses efeitos agudos podem ser biologi-
respostas são implicadas na síndrome do sobretrei- camente supra-ativados.
namento (Stone et al., 1991; Fry e Kraemer, 1997;
Smith, 2000). No entanto, o treinamento diário é tam- Citocinas
bém associado a respostas locais e sistêmicas das ci-
tocinas em diferentes níveis, dependendo da intensi- Progressivamente, evidencia-se que diferentes
dade do exercício (Moldoveanu et al., 2001). citocinas provocam efeitos catabólicos capazes, dire-
Muitos estudos empregam várias relações com- ta ou indiretamente (através da interação com outros
parativas entre as concentrações sangüíneas de cor- fatores de crescimento), de influenciar o crescimen-
tisol e de testosterona para estimar o estado anabóli- to e a diferenciação musculares, embora ainda seja
co do corpo durante treinamento de força prolonga- necessário maior número de pesquisas in vivo. As ci-
do ou no sobretreinamento (Häkkinen et al., 1985; tocinas são substâncias glicoprotéicas solúveis pro-
Stone et al., 1991; Fry e Kraemer, 1997). Provavel- duzidas e secretadas por quase todas as células, se-
mente, isso irá refletir uma simplificação demasiada jam ou não imunológicas. Centenas de diferentes
do estado anabólico muscular, pois muitos outros citocinas já foram identificadas e podem estar envol-
fatores contribuem ao balanço protéico e nitrogena- vidas em funções anti e pró-inflamatórias. A citocina
do. Como ocorre com qualquer hormônio, o con- que parece afetar mais notavelmente a massa mus-
teúdo de receptor tecidual, bem como as concentra- cular é o fator α de necrose tumoral (TNF-α). Verifi-
ções circulantes de proteínas de ligação, podem se ca-se o aumento da concentração dessa citocina pró-
106 PAAVO V. KOMI
inflamatória em patologias que envolvem perda mus- outro trauma ainda tem de ser conclusivamente de-
cular, como a síndrome da imunodeficiência adqui- monstrado. Os novos reguladores de crescimento
rida (AIDS), podendo, de forma direta ou indireta, muscular devem ser estudados em populações de atle-
inibir a síntese protéica muscular. Recentemente, de- tas e de não-atletas para uma melhor compreensão
monstrou-se que o TNF-α diminui as concentrações dos papéis dessas citocinas na mediação das altera-
circulante e intramuscular de IGF-I. Esse decrésci- ções do tamanho e da força musculares.
mo está relacionado à menor síntese protéica mus-
cular em animais sépticos (Lang et al., 1996). Mais
recentemente, o TNF-α demonstrou inibir direta- Resumo
mente a síntese protéica de uma maneira dose-de-
pendente em cultura de células mioblásticas e de mi- Os mecanismos relacionados às interações hor-
otubo humanas (Frost et al., 1997). Então, a monais anabólicas e catabólicas no músculo esque-
hipersecreção de TNF-α, como durante infecção, lético como resultado dos exercícios com sobrecarga
trauma ou exercício intenso que induz lesão, pode começam a ser compreendidos a partir de constata-
influenciar negativamente o turnover protéico mus- ções advindas da pesquisa básica. São muitas as es-
cular, de forma direta pela supressão do sistema IGF. tratégias em nível molecular e celular capazes de in-
Indiretamente, outras citocinas também inibem duzir translação ao aumento da síntese protéica, além
a proliferação da célula muscular através de efeitos de adição e forma estrutural alterada do músculo.
supressores no sistema IGF. McCusker e Clemmons Nesse momento, o desafio é elucidar os mecanismos
(1994) sugerem que, por inibirem a secreção de operacionais conseqüentes aos vários tipos “especí-
IGFBP, algumas citocinas possuem a função de re- ficos” de programas de treinamento com sobrecarga.
gular as concentrações circulantes do complexo Nesse processo, a compreensão da plasticidade do
IGF-IGFBP nos fluidos extracelulares. Especificamen- sistema neuroendócrino e o complexo conceito de
te, a secreção de IGFBP-4, que parece inibir os efei- hipertrofia serão revelados. Esses fatores afetam a ca-
tos proliferativos e de diferenciação dos IGFs na cé- pacidade de um programa de treinamento específico
lula muscular, e de IGFBP-5 (estimulatória ou inibi- produzir melhoria no desempenho da força e da po-
tória) é reduzida pelo fator de crescimento de trans- tência. O clássico princípio biológico de “especifici-
formação β1 (TGF-β1) em culturas de linhas de célu- dade” para o estímulo proporcionado pelo exercício
las musculares de camundongos e ratos (McCusker e para a série de mecanismos biológicos não suscita
e Clemmons, 1994). Dessa maneira, propõe-se que a dúvida sobre a importância de revelar as muitas se-
função de algumas citocinas, como o TGF-β1, está qüências possíveis de estratégias que podem ser usa-
relacionada à limitação da circulação do complexo das para mediar as adaptações musculares que produ-
IGF-IGFBP que exceda uma concentração limiar em zem um incremento na força e na potência musculares.
que o crescimento e a diferenciação da célula mus-
cular são ótimos para a sobrevivência. Outro mem-
bro da superfamília do fator de crescimento de trans- Referências
formação β, a miostatina, também desempenha
importante papel regulador inibitório do crescimen- Adams, G. (1998) Role of insulin-like growth factor-I in
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Capítulo 6
Adaptações teciduais conjuntivas
relacionadas ao exercício
RONALD F. ZERNICKE E BARBARA LOITZ-RAMAGE
(Fig. 6.2), geralmente circundado de osso laminar es- diferença de potencial, o potencial piezoelétrico, para
ponjoso, cobre todas as superfícies ósseas externas. desenvolver entre as extremidades opostas dos cris-
Sua espessura relativa varia desde os corpos verte- tais. O colágeno umedecido e enrijecido pelos mine-
brais finos às diáfises ósseas longas e espessas. Os rais pode reagir como um cristal entrelaçado quando
ossos laminares esponjosos assumem um entrelaça- deformado, além de fornecer potenciais piezoelétri-
do tridimensional contínuo com a superfície endos- cos gerados pelo estresse ósseo (Eriksson, 1976). A
teal do osso cortical. As colunas individuais ou pla- piezoeletricidade é altamente direcional, caracterís-
cas ósseas (trabecular) orientam-se paralelamente ao tica notável que pode explicar as diferentes sensibili-
eixo principal de tensão, fornecendo força máxima dades ósseas aos estresses compressivo e tênsil.
com mínimo material (Clark et al., 1975). Os íons carregados opostamente do fluido mi-
gram em direção à superfície quando esta é sólida e
Remodelação transporta uma carga de superfície que entra em con-
tato com um líquido polar. Se os fluidos fluírem, os
O fenômeno elétrico pode alterar a remodelação íons fracamente ligados se moverão, criando uma si-
e o reparo de fratura, assim como os efeitos elétricos tuação em que a diferença de potencial (potencial de
representam um provável meio de transferência de corrente) desenvolve-se nos locais contra a corrente
informação entre a deformação mecânica e a respos- e em direção à corrente. Quando o osso se deforma,
ta celular. Ainda que os mecanismos que produzem os fluidos polarizados extracelulares tendem a se mo-
potenciais elétricos ainda precisem ser completamen- ver. Os potenciais de corrente resultantes podem for-
te explicados, Currey (1984) cita duas possíveis fon- necer informação referente ao estímulo da tensão.
tes de fenômeno elétrico: piezoeletricidade e poten- Lanyon e Hartman (1977) demonstraram que,
ciais de corrente. Os cristais apresentam estrutura durante o arqueamento, a superfície tênsil de uma
entrelaçada, e nenhuma simetria central desenvolve amostra úmida de osso desenvolve uma carga positi-
uma rede de separação de carga entre ânions e cátions va, o lado compressivo torna-se negativamente car-
diante de deformação. A separação de carga gera uma regado e as diferenças de pico dependem da taxa e da
intensidade da tensão. O potencial decai para zero modelação óssea. A reorientação dos proteoglicanos
em aproximadamente 2 s quando o osso é submeti- pode, portanto, fornecer estímulo induzido pela ten-
do à sobrecarga estática (Cochran et al., 1968). Eri- são aos osteócitos. Tal constituição sinaliza a história
ksson (1976) postulou que tal polarização induzida da tensão dinâmica óssea recente.
pela tensão foi ocasionada por potenciais de corren- Os estudos que mensuraram as concentrações
te gerados por fluxo unidirecional do fluido extrace- de prostaglandina (PG) induziram Yeh e Rodan (1984),
lular carregado positivamente em canais orientados assim como Binderman e colaboradores (1984), a
transversalmente. O arqueamento forçou a diminui- concluir que a PGE2 pode agir como transdutor en-
ção dos diâmetros dos canais na superfície côncava e tre a tensão mecânica e os osteoblastos. Yeh e Rodan
o incremento na convexa, movimentando o fluido em (1984) compararam a síntese de PG entre as células
direção ao lado convexo. Tal movimento cria uma ósseas em cultura com fitas de colágeno deixadas em
voltagem induzida pela tensão. Essa teoria comprova posição normal e células em cultura com fitas alon-
a insensibilidade óssea à sobrecarga estática (Hert et gadas em oito vezes em um período de duas horas. O
al., 1971; Lanyon e Rubin, 1984) e a sensibilidade a estiramento aumentou a síntese de PG em 3,5 vezes,
variações na taxa, assim como na magnitude da ten- comparada às faixas não-estiradas, confirmando o pa-
são (Rubin e Lanyon, 1985). Quando a sobrecarga pel da PG na translação do estímulo mecânico para a
estática é superimposta à atividade normal, resulta atividade celular. Binderman e colaboradores (1984)
em nova aposição de periósteo ósseo (Made et al., concluíram, de modo similar, que a membrana osteo-
1984). De forma não-inesperada, Liskova e Hert (1971) blástica pode apresentar sistema mecanorreceptor
registraram que o osso periósteo e endósteo é deposi- específico capaz de ser estimulado pelas tensões para
tado quando sobrecargas intermitentes de arqueamen- incrementar a síntese de PGE2.
to são aplicadas em diferentes condições fisiológicas. A remodelação se processa quando o osso sofre
O”Connor e colaboradores (1982) sugeriram que a taxa degradação e há novo osso formando-se em seu lu-
de alteração da tensão representa o principal determi- gar. Essa seqüência tem sido referida como ARF —
nante de nova deposição óssea em um osso que trans- ativação, reabsorção e formação (Martin e Burr, 1989).
porta peso, o que substancialmente se assemelha à taxa Portanto, o primeiro passo na remodelação é a ativa-
desenvolvida na locomoção normal. Vários investiga- ção dos osteoclastos para a reabsorção do osso exis-
dores (Carter et al., 1981; Churches e Howlett, 1981) tente. Uma linha de osteoclastos, o fronte osteoclás-
relataram uma resposta diferencial às sobrecargas de tico, promove incisão em um cone longitudinal
arqueamento, indicando maior deposição óssea em áre- através do osso pela secreção das enzimas ácido fos-
as de aumento de estímulos compressivos em compa- fatase, colagenase e outras proteolíticas (Buckwalter
ração às áreas de estímulo tênsil. e Cooper, 1987). A incisão em cone reabsorve aproxi-
Skerry e colaboradores (1988, 1990) propuseram madamente três vezes seu volume e, quando comple-
a reorientação dos proteoglicanos relacionada à so- tada, permite um canal de reabsorção de 1.000 a 10.000
brecarga para representar uma ligação entre a sobre- mm de profundidade (Albright e Skinner, 1987).
carga mecânica e a remodelação. Esses autores men- Os osteoblastos acompanham o fronte de reab-
suraram a reorientação do colágeno e dos proteogli- sorção, primeiramente colocando matriz mineraliza-
canos após aplicações de sobrecarga. A orientação da ao redor das paredes do canal de reabsorção, o
do colágeno não demonstrou diferenças entre os os- que forma uma linha aglutinada. As linhas aglutina-
sos estimulados e os que serviram de controle. Con- das contêm 10 a 15% menos mineral do que o osso
tudo, os proteoglicanos apresentaram diferença sig- circundante, tornando-as menos rígidas e propiciando
nificativa de 36% na orientação entre os ossos-con- caminhos para a propagação de fissuras. Os osteo-
trole e os estimulados. Nenhuma diferença foi deter- blastos produzem nova matriz que preenche o volu-
minada entre os ossos estimulados e os controles 48 me corroído pelos osteoclastos. O repreenchimento
horas após a interrupção dos estímulos. Os autores do cone requer três vezes mais tempo do que a reab-
concluíram que a sobrecarga dinâmica afetou a orien- sorção, apesar de os osteoblastos excederem em nú-
tação dos proteoglicanos em relação à magnitude e à mero os osteoclastos em mais de 200 vezes cada um
distribuição da sobrecarga, de forma similar às des- (Jaworski, 1984). A distância entre os osteoclastos e
crições anteriores em que se associou tensão e re- os osteoblastos representa o tempo necessário para
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 115
reverter o processo de reabsorção no curso da for- tanto objetivas como estimulantes para o processo
mação. Geralmente, esse período latente é de aproxi- de modelação e remodelação adaptativo”. De modo
madamente uma semana (Albright e Skinner, 1987). similar, Rubin e Lanyon (1985) formularam a hipó-
Os osteoblastos tornam-se então osteócitos, quando tese de que, se as tensões funcionais forem altas de-
se capturam em uma nova matriz, alterando seu pa- mais, a incidência de lesão e a probabilidade de inca-
pel de formação para manutenção óssea. pacidade aumentam. Caso as tensões sejam baixas
A análise da secção transversa de ossos longos demais, o osso será desnecessariamente ativado e a
revela que a remodelação ocorre em três áreas ou energia será perdida na síntese e na manutenção de
envelopes separados. No entanto, a seqüência de ati- sua matriz. Então, a tensão funcional parece ser o
vidade dos osteoclastos e dos osteoblastos aplica-se parâmetro de controle mais relevante (Fig. 6.3). Como
a todos os três envelopes. Cada superfície exibe com- notado por Judex e colaboradores (1999), contudo, a
portamento único para determinado estímulo e, por- característica específica da tensão (p. ex., taxa, gradi-
tanto, deve ser considerada de maneira independen- ente ou magnitude) mais osteogênica parece incerta.
te quando se descreve a remodelação. As superfícies Nos últimos 30 anos, dados experimentais des-
ósseas internas e externas são os envelopes endosteal creveram, quantitativamente, a relação entre a estru-
e periosteal; já o osso cortical que está nos intervalos tura óssea e a função. Numerosos estudos correlacio-
dos dois forma o envelope intracortical. A medida nam eventos de sobrecarga conhecidos com altera-
das alterações nos diâmetros periosteal e endosteal e ções na geometria e na força óssea. Entre as aborda-
na densidade cortical é, portanto, importante no es- gens empregadas estão a sobrecarga funcional, a so-
tudo das doenças esqueléticas e dos efeitos do desu- brecarga artificial e as tensões in vivo.
so ou do exercício no osso.
Sobrecarga funcional
Adaptação funcional e alterações
relacionadas ao exercício A adaptação esquelética à sobrecarga tem sido
documentada em cães (Chamay e Tschantz, 1972;
Judex e colaboradores (1999) descreveram as Carter et al., 1980; Meade et al., 1984), carneiros
medidas mecânicas empregadas para quantificar o
ambiente ósseo mecânico como “... forças, estresses
(força normalizada por unidade de área), tensões (de-
formações normalizadas), freqüência de tensão (nú-
mero de ciclos de tensão por unidade de tempo), taxa
de tensão (alteração na tensão por unidade de tem-
po) e gradientes de tensão (alteração na tensão por
unidade de comprimento) em várias direções dentro
do osso”. Em termos de adaptação relacionada ao
exercício, a identificação do estímulo potente é críti-
ca para otimizar os efeitos do exercício. Caso a taxa
de tensão, por exemplo, seja o estímulo mais forte
para a remodelação, o exercício que aplica sobrecar-
gas rápidas deveria ser utilizado. No entanto, é difícil
a identificação do estímulo potente devido ao fato de
a adaptação induzida pelo exercício também poder
ser influenciada por eventos fisiológicos, entre eles
alterações no fluxo sangüíneo ou liberação de fato-
res sistêmicos como as citocinas.
Lanyon (1987) descreve a remodelação como a
Figura 6.3 Relação hipotética entre nível de atividade, tensão
“interpretação e reação objetiva” a um estado de ten- óssea e resposta de remodelação. O equilíbrio entre reabsorção
são óssea, permitindo adaptação ao aumento ou à e deposição óssea parece manter um ambiente ótimo de tensão
diminuição das tensões. “As tensões funcionais são (de Rubin e Lanyon, 1987).
116 PAAVO V. KOMI
(Radin et al., 1982), suínos (Goodship et al., 1979; registraram os efeitos da remodelação de sobrecar-
Woo et al., 1981), ratos (Smith, 1977; Gordon et al., gas dinâmicas versus estáticas. A ulna privada de qual-
1989), camundongos (Saville e Whyte, 1969; Kiiski- quer sobrecarga e as que experimentaram sobrecar-
nen e Heinninen, 1973; Kiiskinen, 1977) e em hu- ga estática apresentaram incremento do diâmetro
manos (Jones et al., 1977; Krolner et al., 1983; Smith endosteal e porosidade intracortical, resultando em
et al., 1984; Simkin et al., 1987). Chamay e Tschantz 13% de decréscimo na secção transversa cortical. A
(1972) realizaram excisões radiais unilaterais em cães, ulna exposta a sobrecarga cíclica de 1 Hz por
colocando sobrecarga em todo o membro anterior e 100 s·dia–1 demonstrou 24% de incremento na sec-
sobrecarregando, dessa forma, a ulna. Em nove me- ção transversa cortical, com nova deposição óssea,
ses, a espessura cortical ulnar aumentou duas vezes. primariamente na superfície periosteal. Rubin (1984)
Após excisões na ulna de suínos, Goodship e colabo- registrou manutenção da massa óssea na ulna de ga-
radores (1979) registraram rápida deposição óssea; los com somente quatro ciclos de arqueamento por
após três meses, a área remodelada do rádio asseme- dia. As magnitudes de tensão geradas pela sobrecar-
lhou-se àquela do rádio e da ulna contralaterais jun- ga em cada um desses experimentos não excederam
tos. As tensões de superfície foram aproximadamen- a tensão mensurada com um leve bater de asas. Des-
te iguais no rádio antes da remoção ulnar e após a ses numerosos estudos, Lanyon e Rubin concluíram
remodelação, apesar de alterações consideráveis na que o osso parece ser sensível à magnitude e à distri-
geometria óssea. Esses estudos com sobrecarga sus- buição de tensões dinâmicas. Além do mais, a insen-
tentam a hipótese de que as sobrecargas mecânicas sibilidade às tensões experimentais estáticas reflete a
estimulam a remodelação óssea e que a remodelação falta de sensibilidade natural do esqueleto para se
continua até as tensões alcançarem um nível prede- adaptar às situações de sobrecarga estática. Lanyon
terminado específico ao local. (1996) também registrou sensibilidade óssea à distri-
buição de tensão. Caso o osso seja estimulado em
determinada tensão, que permaneça a mesma, mas
Sobrecarga artificial
sua distribuição seja alterada ao longo da secção, ocor-
A aplicação de sobrecarga artificial através de pi- re nova formação óssea.
nos corticais facilita a precisa mensuração das sobre-
cargas experimentadas pelo osso e permite correla-
Tensão in vivo
ções entre as alterações na sobrecarga e na remode-
lação. As sobrecargas aplicadas podem produzir me- Evans (1953) foi o primeiro a registrar o uso de
nos, igual ou maior tensão do que a aplicada durante um sensor de tensão composto de um elemento para
atividades normais. Dessa maneira, os efeitos podem mensurar a sobrecarga tensional na tíbia de um cão
ser quantificados tanto de sobrecargas insuficientes durante a caminhada, ainda que os dados tenham
quanto em excesso. Rubin e Lanyon (1985) privaram apresentado valor um tanto limitado devido ao fato
a ulna do peru de sobrecargas normais por meio de de a tensão ter sido mensurada somente ao longo do
osteotomia metafisária e aplicaram sobrecargas co- sensor. Lanyon (1973) aprimorou essa técnica inicial
nhecidas através de pinos nas diáfises. Encontraram ao colocar sensores em “formato de rosa” (três ele-
relação dose-resposta (r = 0,83) com sobrecargas que mentos) no calcâneo do carneiro e calcular os estí-
produziam tensão menor que 1.000 microstrain mulos compressivo, tênsil e de cisalhamento duran-
(μstrain),* resultando em perda óssea; as tensões en- te a caminhada. Os gradientes de tensão longitudinal
tre 1.000 e 2.000 μstrain mantiveram a massa óssea, normal têm sido bem correlacionados com locais es-
enquanto tensões acima de 2.000 μstrain estimula- pecíficos de formação óssea no periósteo (Gross et
ram a osteogênese. Por meio de um delineamento al., 1997). Embora tais dados melhorem nossa com-
experimental similar, Lanyon e Rubin (1984) também preensão da associação entre o ambiente mecânico
ósseo e a resposta adaptativa, as complexas intera-
ções entre variáveis mecânicas relacionadas à tensão
impedem a identificação de um estímulo mecânico
específico responsável pela iniciação da remodelação
*N. de R.T. Relativo à unidade de medida da tensão óssea. óssea.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 117
carga mecânica, comparado com o osso maduro tativas do quanto os diferentes ossos em crescimen-
(Steinberg e Trueta, 1981; Carter, 1984). Já o osso to respondem ao exercício e se tais reações são espe-
trabecular, com seu rápido turnover (Bhasin et al., cíficas a determinados locais em um mesmo osso.
1988), pode ser mais sensível ao estímulo de remo- Keller e Spengler (1989) implantaram, in vivo, sen-
delação do que o osso cortical (Rambaut e Johnson, sores de tensão no fêmur de ratos com 30 semanas
1979). McDonald e colaboradores (1986) registraram de idade. Um dos grupos do experimento caminhou
diferenças relacionadas à idade no que se refere aos em uma tela metálica rolante por 2 min·dia–1, enquan-
padrões de mineralização óssea de ratos após o exer- to o outro foi exercitado durante 45 min·dia–1 na
cício, com os ossos axiais menos mineralizados do mesma velocidade (0,2 m·s–1) e intensidade (25% do
que os ossos que transportam peso. Em resposta a esforço máximo). Nenhuma diferença estatisticamen-
um programa de corrida vigorosa, Hou e colabora- te significativa foi encontrada para quaisquer parâ-
dores (1991) demonstraram efeitos diferenciais que metros de estresse ou tensão in vivo entre os grupos
o exercício vigoroso pode exercer sobre as proprie- de atividade. Os animais submetidos aos exercícios
dades mecânicas no colo femoral do osso trabecular também não demonstraram diferenças significativas
imaturo do rato, ao contrário da coluna vertebral. As quando comparados aos controles sedentários ajus-
propriedades materiais e estruturais do colo femoral tados para a idade. Os autores concluíram que o li-
foram significativa e adversamente afetadas, mas as miar de sobrecarga para a ocorrência de alterações
vértebras lombares não alteraram significativamente ósseas pode ser maior do que o produzido pelo es-
em resposta a 10 semanas de exercício vigoroso. Não forço estimado de 25% do máximo. Biewener e cola-
está claro se um programa de treinamento mais mo- boradores (1986) realizaram estudo similar em pinti-
derado teria o mesmo efeito no osso e em suas pro- nhos com três semanas de idade. Essas cobaias
priedades mecânicas. São necessários estudos cuida- animais correram em esteira rolante a 35% da velo-
dosos e bem controlados para caracterizar a relação cidade máxima por 15 min·dia–1. O protocolo de trei-
dose-resposta do exercício na geometria e nas pro- namento continuou até os animais alcançarem 4 a
priedades mecânicas ósseas. Nesse sentido, Silber- 17 semanas de idade. As medidas de tensão in vivo
mann e colaboradores (1990) examinaram os efeitos foram feitas na região tibiotarsal dos animais a 4, 8,
do exercício físico moderado de longo prazo no vo- 12 e 17 semanas. Esses dados são extremamente se-
lume e na composição do osso trabecular. Os auto- melhantes aos relatados por Keller e Spengler, com
res demonstraram que o exercício influenciou posi- magnitude, orientação e distribuição de tensão per-
tivamente a massa e a mineralização óssea trabecular manecendo consistentes, apesar do estímulo relaci-
quando a atividade física foi iniciada em idade pre- onado ao crescimento e ao exercício. Biewener e co-
coce (antes da meia-idade) e continuou durante o laboradores postularam um ambiente de tensão
envelhecimento. No entanto, os referidos autores não geneticamente predefinido, direcionando a remode-
encontraram os mesmos benefícios quando o pro- lação óssea. Conclusão similar àquela estabelecida por
grama de treinamento foi iniciado após a meia-ida- Keller e Spengler relativa à intensidade de exercício,
de. Silbermann e colaboradores sugeriram que, en- contudo, também deve ser considerada.
quanto os animais jovens (camundongos) responde- Matsuda e colaboradores (1986) analisaram as
ram favoravelmente ao exercício físico moderado, os limitações dos estudos anteriores ao submeter pinti-
animais idosos perderam alguma capacidade de adap- nhos em fase de crescimento a exercício com inten-
tação. sidade entre 70 e 80% da capacidade aeróbia máxi-
ma. Os animais correram em esteira rolante por 35 a
45 min·dia–1, cinco dias por semana, durante 5 ou 9
Interação exercício-crescimento
semanas. A atividade da fumarase muscular do gas-
As alterações nos ossos em crescimento relacio- trocnêmio lateral demonstrou incrementar significa-
nadas ao exercício constituem matéria de análise por tivamente a capacidade aeróbia nos animais exerci-
Keller e Spengler (1989), Biewener e colaboradores tados. Diferenças expressivas foram encontradas nas
(1986), Matsuda e colaboradores (1986) e Judex e propriedades geométricas e estruturais dos ossos tar-
Zernicke (2000b). O interesse na interação exercí- sais e metatarsais entre os que correram e os do gru-
cio-crescimento surge da falta de descrições quanti- po-controle. A rigidez flexural média dos corredores
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 119
foi 40% menor do que aquela dos controles após cin- nas, os animais exercitados apresentaram incremen-
co semanas de exercício e 52% menor do que após to significativo na taxa de formação óssea nas super-
nove semanas de exercício. Os corredores tiveram fícies periosteal (+40%) e endocortical (+370%). A
maior área de secção transversa cortical tanto após taxa de tensão correlacionou-se significativamente
cinco como após nove semanas de exercício. Os re- com a taxa de formação óssea na região endocorti-
sultados da área de secção transversa cortical sus- cal. Esses dados fundamentam a conclusão de que o
tentaram a hipótese de que o exercício estimula a re- osso em fase de crescimento é sensível a elevadas ta-
modelação da superfície óssea nos animais em fase xas de tensão.
de crescimento. Os dados também sugerem, contu-
do, que o exercício de alta intensidade produz de- Fadiga
créscimo na força do material. Os autores teoriza-
ram que o exercício de alta intensidade durante o “A fadiga no osso compacto determina uma fa-
período de crescimento rápido pode ter alterado a lha mecânica gradual por estresse ou por tensão de
calcificação da matriz novamente depositada, tornan- sobrecarga repetida muito menor do que aquela re-
do o osso menos rígido, apesar do aumento da área querida para fraturar o osso em uma única aplicação
cortical. de força” (Schaffler et al., 1989, p.207) (Fig. 6.5). So-
Judex e Zernicke (2000b) investigaram o efeito brecargas múltiplas em um osso podem eventualmen-
de saltos em profundidade de alto impacto sobre a te induzir a um processo de fadiga. Tais sobrecargas
formação óssea da diáfise medial tarsometatarsal de associam-se à fisiologia normal e patológica do osso.
galos. A mensuração da tensão in vivo revelou grande A microlesão relacionada à fadiga durante o exercí-
incremento (+740%) na taxa de tensão com aumen- cio pode estimular a remodelação óssea. No entanto,
to somente moderado na magnitude de tensão pode haver fratura por fadiga caso a sobrecarga seja
(+30%), além de nenhuma diferença na distribuição extensiva demais e a microlesão excessiva demais
da tensão. Após um programa de exercício de 200 (Lafferty e Raju, 1979; Carter e Caler, 1985). O osso
saltos em profundidade por dia, durante três sema- compacto perde progressivamente sua rigidez e for-
ça quando se fadiga, induzindo a falha por fadiga estar associada às sugestões iniciais de que os ten-
(Carter e Caler, 1985). As características exatas de epi- dões e ligamentos eram praticamente inertes (Butler
sódios de múltiplas sobrecargas (p. ex., número, mag- et al., 1978). No entanto, nas últimas duas décadas
nitude e taxa de tensão) permanecem a ser quantifi- ficou claro que esses tecidos fibrosos densos exibem
cadas. O exercício vigoroso gera indubitavelmente metabolismo viável e apresentam características sin-
elevada taxa, bem como magnitude de tensão. Como gulares de adaptação (Vailas et al., 1981).
o osso é viscoelástico (exibe dependência da taxa de
tensão), a sobrecarga em taxas mais elevadas de ten- Estrutura
são pode incrementar a rigidez óssea (Currey, 1988;
Schaffler e Burr, 1988), a qual pode aumentar a resis- O colágeno é a principal fibra nos tendões e nos
tência à fadiga no osso compacto. O comportamento ligamentos. Como descrito anteriormente, a molé-
de fadiga do osso compacto é similar àquele ocorri- cula de tropocolágeno (Viidik, 1973) fornece a estru-
do nos materiais compostos, os quais exibem perda tura molecular fundamental aos tendões e ligamen-
progressiva de rigidez e força (Hahn e Kim, 1980). tos. Geralmente, cinco moléculas paralelas de
No entanto, permanecem a ser quantificados os de- tropocolágeno são escalonadas para formar uma mi-
talhes de como a taxa e a magnitude de tensão asso- crofibrila (Viidik, 1973; Kastelic et al., 1978). Seqüen-
ciadas ao exercício relacionam-se às propriedades de cialmente, as microfibrilas são organizadas em fibri-
fadiga óssea. las e em fibras de colágeno (Viidik, 1973) (Fig. 6.6).
Um feixe de fibras primário representa um grupo de
fibras agrupadas em um endotendão. O grupo des-
Tendões e ligamentos ses feixes primários é denominado fascículo (Kastelic
et al., 1978), sendo circundado por uma bainha de
O movimento normal do esqueleto humano não epitendão. O tendão ou ligamento eventual repre-
poderia ocorrer sem os tendões e os ligamentos. senta um grupo de fascículos de colágeno agrupados
Embora importantes informações tenham sido reve- em uma bainha denominada paratendão (Buttler et
ladas sobre suas propriedades (Booth e Gould, 1975; al., 1978). A disposição e a organização dos fascícu-
Tipton et al., 1975; Butler et al., 1978; Akeson et al., los em tendão ou ligamento parece estar relacionada
1985; Buckwalter et al., 1987; Zernicke e Loitz, 1990), à direção de tração nas fibras de colágeno (Elliott,
há significativas brechas na explicação dos efeitos do 1965). Os tendões são geralmente grossos, formados
treinamento e do condicionamento nesses importan- por bandas brancas de colágeno que conectam o
tes tecidos conjuntivos fibrosos densos. Parte da ca- músculo ao osso e transmitem força tênsil. O con-
rência de informação referente ao treinamento pode teúdo de colágeno do tendão representa 70% de sua
massa seca (Harkness, 1968). Os fascículos de um midade dessa região situa-se, segundo registros, en-
tendão são geralmente paralelos uns aos outros tre 1,5 e 4% (Viidik, 1973; Butler et al., 1978). Isso
(Viidik, 1973), mas a inserção do tendão no osso en- representa uma resposta relativamente linear seguin-
volve uma transição gradual do tendão à fibrocartila- do a região tortuosa. As fibras no tecido tornam-se
gem, à fibrocartilagem mineralizada e ao osso lami- mais paralelas e perdem a sua aparência ondulada
nar (Cooper e Misol, 1970). A fibra colágena de (Viidik, 1973; Butler et al., 1978). Se as fibras de co-
Sharpey conecta o tendão ao osso subcondral e com- lágeno são testadas isoladamente, o limite de tensão
bina-se às fibras colágenas do periósteo. No outro da região linear pode ser de 2 a 5% (Elliott, 1965). A
lado, o tendão fixa-se ao músculo via junção mioten- microincapacidade ocorre na extremidade da região
dínea; as miofibrilas intracelulares articulam-se às fi- de sobrecarga linear; uma vez que a sobrecarga má-
bras de colágeno extracelular. Estudos recentes reve- xima seja alcançada, a completa incapacidade mani-
lam uma interface multicamada relativamente festa-se rapidamente, bem como se perde a capaci-
complexa encontrada na conexão do filamento de dade do ligamento em suportar a sobrecarga (Butler
actina do sarcômero terminal às fibras de colágeno et al., 1978). Assim como o osso, os tecidos conjunti-
do tendão (Trotter et al., 1983; Ovalle, 1987). As mem- vos fibrosos são viscoelásticos e apresentam sensibi-
branas flexíveis na junção miotendínea incrementam lidade a diferentes taxas de tensão (Fung, 1967; Fung,
a área de superfície e reduzem o estresse na junção. 1972; Butler et al., 1978). Noyes e colaboradores
O trabalho realizado por Tidball (1983, 1984) reve- (1974a) demonstraram que a taxa de tensão exerce
lou que a força da junção adesiva entre o músculo e efeito significativo nas sobrecargas máximas que o
o tendão depende das propriedades dos tecidos adja- ligamento pode suportar.
centes e da orientação das forças que cruzam a junção. A junção miotendínea também é viscoelástica e
As junções sobrecarregadas em esforços de cisalha- seu comportamento mecânico depende da duração,
mento são mais fortes do que as compostas de gran- da freqüência e da magnitude das sobrecargas apli-
de componente tênsil perpendicular à membrana. cadas (Tidball e Daniel, 1986). Tidball e Daniel (1986)
Sob a luz do microscópio, o tendão parece enru- sugeriram que a duração das sobrecargas ajuda a es-
gado e em forma de onda, graças ao fenômeno de tabelecer o grau de flexibilidade na junção. Esses au-
encurvamento criado pela matriz intracelular em co- tores registraram que as células musculares de con-
lisão com as fibras colágenas (Butler et al., 1978). Na
matriz intercelular, além do colágeno, o tendão con-
tém pequenas quantidades de mucopolissacarídeos
e de elastina (Hooley et al., 1980).
Os ligamentos articulam-se junto aos ossos ad-
jacentes em suas extremidades e podem sustentar os
órgãos (Butler et al., 1978). Os ligamentos podem ser
internos ou externos à cápsula articular ou, ainda,
combinar-se com a cápsula. A cor dos ligamentos co-
lágenos é branca fosca devido à maior porcentagem
de fibras elásticas e reticulares entre os feixes das fi-
bras colágenas.
Propriedades mecânicas
Os tecidos colágenos, tais como tendões e liga-
mentos, fornecem resistência às sobrecargas de ten-
são. Durante um típico teste de força em condições
de alongamento, a sobrecarga inicial aplicada ao
tecido resulta em uma porção côncava da curva, de- Figura 6.7 Curva estresse-tensão exemplar para o colágeno.
nominada região tortuosa (Elliott, 1965; Viidik, 1973) Cada área da curva reflete o comportamento do colágeno
(Fig. 6.7). O alongamento relativo do tecido na extre- durante a sobrecarga tênsil (de Butler et al., 1978).
122 PAAVO V. KOMI
Efeitos do exercício
Os tecidos fibrosos densos são sensíveis ao de-
suso e ao treinamento (Booth e Gould, 1975; Bu-
ckwalter et al., 1987). No entanto, os mecanismos
responsáveis por essas alterações adaptativas não são
completamente compreendidos. Grande parte da in-
formação referente à resposta dos tecidos fibrosos
densos ao exercício está relacionada aos ligamentos.
Há pouca informação quantitativa sobre as adapta-
ções relacionadas ao exercício no tendão (Woo et al.,
Figura 6.8 Imobilização articular deletéria afeta as
1982; Michna, 1984). Tipton e colaboradores (1975) propriedades estruturais da unidade fêmur-ligamento cruzado
e Viidik (1973) realizaram algumas das investigações anterior-tíbia. Os tecidos imobilizados são menos rígidos e
mais sistemáticas e extensivas a respeito das influên- suportam menos sobrecarga nos pontos máximo e de falha (de
cias do treinamento e da atividade física nos ligamen- Butler et al., 1978).
tos. Em geral, foram observadas notáveis alterações
na substância dos ligamentos decorrentes de imobi-
lização ou desuso significativo (Akeson et al., 1967;
Woo et al., 1975) (Fig. 6.8). A imobilização reduz o Zuckerman e Stull, 1969; Zuckerman e Stull, 1973;
glicosaminoglicano e o conteúdo de água dos liga- Laros et al., 1971). A atividade diária normal (sem
mentos e dos tecidos tendíneos, incrementa a orien- treinamento) parece ser suficiente para manter 80 a
tação não-uniforme das fibrilas colágenas, além de 90% do potencial mecânico do ligamento (Frank,
aumentar a ligação cruzada do colágeno. As taxas de 1966). O exercício pode incrementar a força e a rigi-
síntese e degradação de colágeno aumentam com a dez do ligamento até um adicional de 10 a 20%. No
imobilização. Esse aumento se comprova diante do entanto, uma única sessão de exercício ou treinamen-
fato de a proporção de novos e velhos colágenos au- to com corrida de velocidade (sprint) não produz in-
mentar nos ligamentos não-sobrecarregados (Amiel cremento significativo na força juncional, embora o
et al., 1982). A massa total de colágeno (Amiel et al., treinamento com corrida de velocidade eleve marca-
1982) e a rigidez do ligamento também podem dimi- damente a massa do ligamento (Tipton et al., 1967;
nuir (Noyes et al., 1974b; Tipton et al., 1974). Tipton Tipton et al., 1974). Tipton e colaboradores demons-
e colaboradores (1975) concluíram que a força da jun- traram que, embora os tendões e ligamentos possam
ção entre o osso e o ligamento está extremamente ser influenciados por hormônios (Dougherty e Ber-
relacionada ao tipo e não apenas à duração do exer- liner, 1968), o treinamento de endurance pode incre-
cício. Muitos pesquisadores, investigando os efeitos mentar a força juncional do ligamento do joelho de
do exercício nos ligamentos, relatam incremento na ratos tireoideoctomizados e hipofisectomizados (Tip-
força final da sobrecarga máxima na força separação- ton et al., 1971; Vailas et al., 1978).
junção (Adams, 1966; Tipton et al., 1967; Tipton et Dos estudos disponíveis que quantificaram es-
al., 1970; Tipton et al., 1974; Tipton et al., 1975; pecificamente a resposta do tendão às alterações no
ambiente de sobrecarga, Michna (1984), Woo e cola-
boradores (1980) e Curwin e colaboradores (1988)
forneceram detalhes das alterações ao exercício. Os
*N. de R.T. Relativo à desintegração celular. camundongos exercitados uma semana em esteira
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 123
rolante apresentaram aumento no número e no ta- 1974; Krause et al., 1976). A ausência do menisco do
manho das fibrilas colágenas e maior área de secção joelho pode desenvolver frouxidão articular e pro-
transversa nos tendões dos flexores dos dedos quan- pensão de degeneração da cartilagem articular
do comparados a controles sedentários (Michna, (Slocum e Larson, 1968; Lufti e Sudan, 1975). Há
1984). Após sete semanas de treinamento contínuo, caso de degeneração morfológica e bioquímica da car-
o diâmetro fibrilar médio foi menor do que o do gru- tilagem articular após meniscectomia (Cox et al., 1975;
po-controle. Assim, pareceu que as fibrilas foram frag- Krause et al., 1976).
mentadas. Ao final das 10 semanas, as áreas de sec- Enquanto o menisco deve transmitir uma varie-
ção transversa do tendão flexor foram comparáveis dade de sobrecargas mecânicas (Shrive, 1974; Walker
em ambos os grupos. Woo e colaboradores (1980) e Erkman, 1975; Krause et al., 1976; Uezaki et al.,
exercitaram suínos imaturos durante um ano e ana- 1979; Jaspers et al., 1980), há pouca informação dis-
lisaram as adaptações nos tendões extensores. Após ponível sobre a adaptabilidade da importante fibro-
esse período de exercício moderado, não houve dife- cartilagem meniscal em resposta ao exercício. Alguns
renças nas propriedades mecânicas ou na área de sec- experimentos in vitro envolvendo condrócitos obti-
ção transversa entre os suínos-controle e os exerci- dos de fibrocartilagem indicam que a compressão cí-
tados. Atualmente, não se dispõe de informação clica incrementa a síntese de colágeno, de proteogli-
quantitativa sobre como os tendões extensores que canos e de ácido desoxirribonucléico (Veldhuijzen
transportam peso de animais maduros adaptam-se et al., 1979; De Witt et al., 1984). Além disso, um
ao exercício. Curwin e colaboradores (1988) demons- estudo realizado por Vailas e colaboradores (1986)
traram, no entanto, marcadas alterações bioquími- sugeriu que a fibrocartilagem meniscal também é sen-
cas no tendão imaturo após protocolo de exercício sível à sobrecarga relacionada ao exercício. Após de-
vigoroso. A síntese de colágeno aumentou conside- talhar as diferentes características regionais da com-
ravelmente, mas as concentrações de peso seco e de posição, da morfologia e das propriedades biomecâ-
colágeno do tendão do calcâneo não se alteraram, nicas do menisco do joelho de ratos (Vailas et al.,
sugerindo que a síntese equivaleu à degradação. 1985; Zernicke et al., 1986), Vailas e colaboradores
Por meio de um modelo de sobrecarga compen- treinaram ratos para correr em esteira rolante moto-
satório, Zamora e Marini (1988) relataram nítidas al- rizada, cinco dias por semana, durante 12 semanas.
terações na morfologia do tendão plantar. Os auto- Houve efeito significativo do treinamento, como evi-
res descreveram aumento substancial no número de denciado pelo incremento de 65% na concentração
fibroblastos ativos no tendão. O citoplasma do fibro- de succinato desidrogenase do gastrocnêmio. Além
blasto continha muitos vacúolos, indicando síntese disso, houve incremento significativo nas concentra-
protéica ativa. Zamora e Marini posteriormente des- ções de colágeno, de proteoglicano e de cálcio na re-
creveram as alterações na junção miotendínea após gião do menisco (corno póstero-lateral), que prova-
regime de sobrecarga. As alterações adaptativas à so- velmente recebeu a principal sobrecarga cíclica
brecarga consistiram de incremento na síntese de compressiva.
colágeno, com intensa renovação e reciclagem da Egner (1982) indicou que as fibras longitudinais
membrana. Barfred (1973) resumiu um extensivo do colágeno asseguram resistência de tensão no me-
conjunto de literatura relacionada aos tendões hu- nisco, enquanto os feixes das fibras transversas ligam-
manos, indicando que a atividade física e o treina- se às fibras longitudinais para reter a forma do me-
mento aparentemente mantêm a força e a integrida- nisco. O aumento na concentração de colágeno e de
de do tendão, além de reduzirem a probabilidade de proteoglicano no menisco como resultado da sobre-
ruptura com o avanço da idade. carga induzida pelo exercício deveria desenvolver a
capacidade do tecido para acomodar a sobrecarga
mecânica (Mow et al., 1984). Embora os pesquisa-
Menisco dores tenham duvidado da capacidade da fibrocarti-
lagem meniscal para se adaptar — devido à sua baixa
Os meniscos são estruturas fibrocartilagíneas que atividade metabólica e ao inadequado suprimento
transportam sobrecarga e incrementam a rotação nas sangüíneo (Videman et al., 1979; Danzing et al., 1983;
articulações sinoviais (Slocum e Larson, 1968; Shrive, Amiel et al., 1985) —, os dados sugeriram que a quan-
124 PAAVO V. KOMI
tidade de nutriente fornecida ao tecido é fortemente basis of the literature and rupture experiments on rats.
relacionada ao grau de exposição da superfície teci- Acta Orthopaedica Scandinavica Supplement 152.
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Capítulo 7
Desempenho contrátil das
fibras musculoesqueléticas
K.A. PAUL EDMAN
Figura 7.1 Ilustração esquemática da estrutura muscular. Ver texto para explicação adicional (de di Prampero, 1985).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 131
ordenado fazem o segmento parecer escuro no mi- nem lateralmente, mas permaneçam separados du-
croscópio quando a fibra é iluminada sob condi- rante a contração muscular.
ções padrão. Os sinônimos para esses filamentos são: A miosina, que representa o principal constitu-
filamento grosso, filamento de miosina ou, referin- inte do filamento grosso, é uma estrutura similar a
do-se às suas propriedades óticas (anisotrópicas), um grande cajado, composta de uma haste longa com
filamento A. duas cabeças globulares na extremidade. As molécu-
O segundo conjunto de filamentos é principal- las de miosina são agrupadas de tal maneira que a
mente constituído de uma proteína globular, a acti- haste forma a espinha dorsal do filamento grosso. No
na. Esses filamentos são ancorados no disco-Z, loca- entanto, porção substancial da molécula de miosina,
lizado no centro da banda clara (Fig. 7.1). Eles se as duas cabeças e parte da haste, estende-se a partir
estendem do disco-Z e alcançam a banda-A adjacente, de uma estrutura similar a uma vara para formar pe-
onde se sobrepõem em algum grau aos filamentos daços laterais (ponte cruzada de miosina) em inter-
grossos (Hanson e Huxley, 1953). Os filamentos fi- valos regulares ao longo do filamento. As pontes cru-
nos (actina) apresentam propriedades óticas (isotró- zadas são posicionadas de tal maneira que a cada seis
picas) que diferem daquelas do filamento grosso, ex- de suas unidades, considerando do centro em dire-
plicando a aparência característica do segmento que ção à extremidade do filamento, ficarão a frente de
ocupam. Os filamentos finos são geralmente referi- determinado filamento fino. As duas metades do fi-
dos como filamentos I, e os segmentos que eles pre- lamento refletem as imagens uma da outra (Fig. 7.2).
enchem são geralmente classificados como banda-I. Também existe uma região central, c. 0,15 μm em
A visão transversal das miofibrilas mostra que esses comprimento, livre de pontes cruzadas (a “zona iner-
dois conjuntos de filamentos estão dispostos de ma- te”). O comprimento total do filamento grosso é de
neira altamente ordenada (Fig. 7.1). Cada filamento 1,55 μm.
A é circundado por seis filamentos I em disposição Como demonstrado na Figura 7.3, o monômero
hexagonal. O filamento individual A está, então, em de actina representa a principal estrutura do filamento
uma posição em que interage simultaneamente com fino. As moléculas de actina são polimerizadas para
seis filamentos I adjacentes. Nesse sentido, cada fila- formar dois elementos hélicos envolvidos um ao ou-
mento I é capaz de interagir com três filamentos A tro. Cada molécula de actina constitui um local onde
vizinhos. Tal disposição espacial dos miofilamentos é um filamento grosso adjacente pode interagir para
de grande importância funcional, pois confere esta- formar a conexão de uma ponte cruzada durante a
bilidade ao sistema contrátil durante a atividade. O atividade muscular (ver mais adiante). Outro impor-
fato de qualquer filamento ser capaz de interagir com tante constituinte do filamento fino é o sistema pro-
vários filamentos adjacentes concomitantemente téico que regula o nível de interação entre os fila-
assegura que os filamentos individuais não se agluti- mentos grosso e fino. Esse sistema está localizado no
encaixe entre os dois elementos de actina e a parte protéica, forma um filamento longo que se estende
integral do filamento fino. Tal estrutura é formada do disco-Z ao longo de todo o filamento fino (acti-
pela tropomiosina e pela troponina, das quais as fun- na), formando conexões regulares com as unidades
ções são atualmente muito bem compreendidas de actina. Outra parte do citoesqueleto é constituída
(Ebashi e Endo, 1968; Ebashi, 1980; Gordon et al., pelas proteínas desmina, vimentina e sinemina, que
2000). As moléculas de tropomiosina apresentam a forma um sistema de filamentos envolvidos ao redor
forma de um bastão. Elas são polimerizadas de uma do disco-Z e interconecta-se aos discos-Z vizinhos,
extremidade à outra para formar um cordão que dis- ambos transversalmente pela fibra muscular e longi-
põe cada um dos encaixes entre a actina ao longo de tudinalmente ao longo de cada miofibrila. Esse siste-
todo o filamento I. Cada molécula de tropomiosina ma de filamento de suporte é, em grande parte, res-
contém uma troponina acoplada (Fig. 7.3). A tropo- ponsável pelo registro axial do sarcômero, que fornece
nina, uma complexa proteína, possui alta afinidade ao músculo sua aparência estriada ao microscópio.
com o cálcio. A ligação do cálcio à troponina causa O exercício excessivo que induz lesão nessas estru-
alteração estrutural do complexo troponina-tropo- turas pode produzir desordem do padrão de sarcô-
miosina e induz ativação contrátil conforme descrito mero e distúrbio da função contrátil.
subseqüentemente. Procurar as referências Squire (1981), Squire
Além da actina, da miosina e das proteínas regu- (1997), Woledge e colaboradores (1985) e Gordon e
latórias que constituem os filamentos grossos e fi- colaboradores (2000) para informação mais detalha-
nos, como descrito anteriormente, há uma fina rede da da estrutura do sistema contrátil.
de estruturas filamentosas que formam um citoes-
queleto que serve para manter os filamentos alinha-
dos no sarcômero e para sustentar o registro lateral Eventos moleculares durante a
dos sarcômeros através das fibras musculares (para contração
revisão, ver Waterman-Storer, 1991; Wang, 1996;
Linke, 2000). Parte dessa rede de estruturas elásticas Nosso conhecimento sobre a organização estru-
é constituída por proteínas gigantescas, como a titi- tural do sistema contrátil na forma de dois conjun-
na e a nebulina. Cada molécula de titina forma um tos distintos de filamentos, como descrito anterior-
filamento longo que se estende do disco-Z à metade mente, provém do trabalho pioneiro de H.E. Huxley
da banda-A, acoplada em locais regulares ao longo e J. Hanson realizado no início da década de 1950
do filamento grosso (miosina). Os filamentos de titi- (Hanson e Huxley, 1953; Huxley, 1953; Huxley e
na em ambas as metades do sarcômero, pelo seu ar- Hanson, 1954). A observação de que os filamentos
ranjo, auxiliam na manutenção do alinhamento e do grossos e finos permanecem constantes em compri-
posicionamento dos filamentos de miosina no cen- mento durante a contração muscular, enquanto a
tro do sarcômero. A porção livre do filamento de titi- região de sobreposição entre eles altera com o com-
na, isto é, a parte que se estende da extremidade da primento da fibra, levou esses autores a sugerirem
miosina ao disco-Z, é complacente e responde por que a contração muscular é baseada no movimento
grande parte da elasticidade da fibra muscular em de deslizamento dos dois conjuntos de filamentos en-
repouso. A nebulina, similar a uma grande molécula trelaçados. Uma conclusão similar foi determinada
no mesmo período por A.F. Huxley e Niedergerke experimentais sugerem que as pontes de miosina fa-
(1954). Esses autores foram capazes de demonstrar zem repetidos contatos com os filamentos finos ad-
que o comprimento das bandas-A (ocupadas pelos jacentes e que cada um desses contatos contribui para
filamentos grossos) permanece essencialmente cons- o desenvolvimento de força durante a contração. No
tante quando uma fibra muscular se encurta, enquan- entanto, o mecanismo preciso pelo qual a força é ge-
to o espaçamento da banda-I varia de acordo com o rada pela ponte cruzada ainda deve ser estabelecido.
comprimento da fibra. A idéia de que a contração A Figura 7.4 apresenta uma ilustração esquemá-
muscular envolve um movimento de deslizamento tica do ciclo de pontes cruzadas de acordo com o
dos filamentos grossos e finos, sem nenhuma altera- conhecimento atual. O processo inicia-se com o in-
ção significativa do comprimento, teve aceitação geral. cremento da concentração de cálcio ao redor das
De acordo com essa visão, o controle da força para o miofibrilas. Isso ocorre quando a fibra é estimulada,
movimento de deslizamento é gerado pelas pontes e o cálcio é liberado no mioplasma de seu local de
cruzadas de miosina dentro da região em que os fila- estoque no retículo sarcoplasmático. A ligação do cál-
mentos grossos e finos se sobrepõem. As evidências cio à troponina promove alteração no formato do
complexo troponina-tropomiosina que causa a re- pelo grau de ativação do sistema contrátil (controla-
tração da tropomiosina no encaixe entre os elemen- do pelos íons cálcio, como vimos anteriormente) e
tos da actina do filamento fino (Ebashi e Endo, 1968; pela quantidade de sobreposição entre os filamentos
Squire, 1981; Gordon et al., 2000). Dessa maneira, o grossos e finos. As pontes se acoplam ao filamento
obstáculo estérico para a interação entre os filamen- fino em uma posição em que são capazes de produ-
tos grossos e finos é eliminado, e as pontes cruzadas zir força ativa e, caso os filamentos sejam impedidos
de miosina têm a oportunidade de acoplar-se às mo- de realizar o deslizamento (que pode ser alcançado
léculas de actina ao seu alcance nos filamentos finos pela constante manutenção do comprimento do sar-
vizinhos. cômero através de controle de feedback), as pontes cru-
Não se conhece em detalhes a ação da ponte cru- zadas permanecem em posição de produção de força
zada. Como anteriormente considerado, cada ponte enquanto ficarem acopladas ao filamento fino. No
de miosina possui duas cabeças que trabalham de entanto, se ocorre turnover das pontes, mesmo sob
maneira alternada, isto é, somente uma cabeça pode condições isométricas (comprimento constante), elas
estar em ação em determinado momento. A Figura dissociam-se espontaneamente e são substituídas por
7.4 (a-d) ilustra, esquematicamente, a série de even- novas pontes, mantendo o número total de pontes
tos prováveis durante o ciclo de pontes cruzadas. Uma acopladas em determinado nível. Isso resulta em cer-
conexão é formada entre uma das cabeças globula- to gasto energético mesmo durante ação puramente
res da ponte e o local da actina (b). Isso provoca uma isométrica, em que o músculo não produz trabalho.
alteração no formato na região da cabeça (esquema- A força produzida pelas pontes cruzadas faz com
ticamente ilustrada como a inclinação da cabeça de que os filamentos finos deslizem em direção ao cen-
miosina) que impõe tensão na haste da ponte (c). A tro dos filamentos grossos quando as extremidades
força então produzida tende a mover o filamento fino musculares estão livres para movimentar-se. O mo-
na disposição dos filamentos grossos. Após o golpe vimento de deslizamento diminui a probabilidade de
potente, a cabeça da ponte cruzada é desacoplada do formação das pontes cruzadas desde que as pontes
filamento fino; isso ocorre quando a molécula de de miosina sejam expostas a um potencial local de
adenosina trifosfato (ATP) se liga à cabeça da miosi- ativação por período curto de tempo quando os fila-
na. A ligação da molécula de ATP é rapidamente cli- mentos deslizam entre si. Então, o número de pontes
vada, e a ponte reassume a sua forma original (“rela- acopladas é fortemente reduzido ao permitir-se que
xada”). A ponte está, portanto, pronta para acoplar-se o músculo encurte em velocidades progressivamen-
novamente ao filamento fino para um novo ciclo de te maiores (atingidas pelo decréscimo da sobrecarga
atividade (d). Cada ciclo completo de trabalho das ao músculo). Por esse mecanismo, o músculo é ca-
pontes cruzadas requer a hidrólise de uma molécula paz de ajustar-se ao número de pontes cruzadas ati-
de ATP que serve como fonte imediata de energia vas (e, portanto, ao seu gasto energético) para ade-
para o processo contrátil (ver Woledge et al., 1985). quar precisamente a sobrecarga elevada durante o
A ATP consumida é continuamente reposta. Tal pa- encurtamento.
tamar de reposição é parcialmente atingido através Devido ao movimento de alguns filamentos, cer-
da reutilização dos produtos clivados, a adenosina di- tas pontes acopladas adotam “posição de freio”* e
fosfato (ADP) e o fosfato inorgânico (Pi), para a for- agem contra o movimento de deslizamento. Quando
mação de ATP. No entanto, há acúmulo de ADP, Pi e a sobrecarga no músculo cai a zero, o número de
H+ durante exercício excessivo. A deposição dessas pontes cruzadas em “posição de freio” é exatamente
substâncias prejudica o desempenho das pontes cru- igual ao número de pontes em “posição de produção
zadas, representando uma causa de fadiga muscular de força”.** A distribuição entre as pontes cruzadas
(ver mais adiante). “em posição de produção de força” e em “posição de
De acordo com a hipótese das pontes cruzadas
(Huxley, 1957), as pontes são responsáveis por agi-
rem como geradoras independentes de força. Isso sig- *N. de R.T. Condição na qual a ponte cruzada opõe-se à reali-
nifica assumir que o desempenho de uma ponte não zação do movimento.
é influenciado pela atividade de outras pontes. O nú- **N. de R.T. Condição na qual a ponte cruzada participa ativa-
mero de pontes cruzadas formadas é determinado mente na produção de força pelo sarcômero.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 135
freio” sempre estará configurada de maneira que ne- (Edman e Reggiani, 1984; Edman e Reggiani, 1987)
nhuma força seja criada para o movimento de desli- demonstraram a necessidade de isolar um segmento
zamento (Huxley, 1957). Isso assegura que o múscu- consideravelmente menor de fibra (c. 0,5 mm em com-
lo encurte em velocidade constante. Caso a força para primento) para eliminar o erro na medida compri-
o movimento de deslizamento aumente, devido ao mento-tensão em virtude do comportamento não-
acoplamento inapropriado entre as pontes em “posi- uniforme do sarcômero.
ção de freio” e “em posição de produção de força”, o A Figura 7.5 ilustra o método utilizado para iso-
músculo deve acelerar durante a fase de encurtamen- lar um discreto e curto segmento de uma fibra mus-
to. Esse comportamento tende a tornar os movimen- cular (para mais detalhes, ver Edman e Höglund,
tos corporais “grossos” e menos precisos. 1981; Edman e Reggiani, 1984; Edman e Lou, 1990).
A fibra muscular (A) é posicionada horizontalmente
em solução salina fisiológica (B) entre o transdutor
Desempenho contrátil do músculo de força (C) e a haste (D) de um ativador eletromag-
estriado nético (E). A fibra é estimulada por meio de dois ele-
trodos de placa de platina (não-ilustrado) colocados
Relação comprimento-tensão ao lado da fibra no banho. Segmentos separados, com
aproximadamente 0,5 mm de comprimento, são de-
Há muito tempo sabe-se que a capacidade do finidos por finos marcadores opacos fortemente aco-
músculo de produzir força depende do comprimen- plados à superfície superior da fibra. A posição rela-
to em que ele é mantido. Também está estabelecido tiva de qualquer um dos dois marcadores adjacentes
que a força máxima é produzida próxima do compri- (descrevendo um segmento) pode ser determinada
mento em que o músculo normalmente é acionado com elevado grau de acurácia por meio de um ins-
no corpo.* Esse comprimento dependente do desem- trumento de registro fotoelétrico (I). Para o isolamen-
penho contrátil, tem atraído muita atenção graças à to, determinado segmento do ativador (E) é coman-
clara relação entre força e comprimento do sarcô- dado a fim de ajustar o comprimento total da fibra de
mero e ao fato de essa característica fornecer infor- maneira que o comprimento do segmento seja man-
mação relevante para o esclarecimento dos mecanis- tido constante durante a contração. Para essa mano-
mos de deslizamento dos filamentos da contração bra, o ativador é continuamente guiado pelo sinal for-
muscular. No entanto, o estudo da relação compri- necido pelo instrumento fotoelétrico. É possível,
mento do sarcômero-tensão se torna difícil pelo fato assim, manter o comprimento do sarcômero de um
de o padrão do sarcômero não ser precisamente uni- pequeno segmento da fibra constante (em 0,1%) du-
forme em uma fibra muscular, mas variar em magni- rante o tétano. O segmento isolado não é encurtado e
tude de uma região para outra ao longo da fibra. Na muito menos alongado na contração. A tensão regis-
tentativa de eliminar esse problema, técnicas que pos- trada sob essas condições é, portanto, a força isomé-
sibilitam o registro da força isométrica de somente trica real do segmento isolado. Geralmente, a força
uma parte da fibra intacta têm sido desenvolvidas. produzida permanece estável durante o período da te-
Gordon e colaboradores (1966) foram os primeiros tania, conforme ilustrado na Figura 7.6 (registro b).
a apresentar tal modelo. Com sua técnica de “spot A relação entre a força tetânica máxima e o com-
follower”, esses autores isolaram uma porção de 7 a primento do sarcômero está ilustrada na Figura 7.7.
10 mm de fibra muscular durante a tetania.** Assim, A curva baseia-se nas mensurações dos curtos seg-
excluíram as regiões extremas da fibra em um regis- mentos isolados avaliados, como descrito anterior-
tro da força. No entanto, experimentos posteriores mente, portanto, parecem refletir o desempenho me-
cânico de uma quantidade uniforme de sarcômeros
da fibra. Por vezes observa-se que a força máxima é
atingida próximo ao comprimento do sarcômero de
*N. de R.T. Refere-se à posição do músculo na condição de 2,0 μm. Também constata-se que a força é progressi-
repouso.
**N. de R.T. Relativo ao tétano fisiológico, condição de contra- vamente reduzida acima e abaixo desse comprimen-
ção muscular sustentada sem períodos de relaxamento. Cha- to. A força mensurada aproxima-se de zero quando
mada também de contração tetânica. os sarcômeros são estendidos de 3,6 a 3,7 μm.
136 PAAVO V. KOMI
entre os dois conjuntos de filamentos na secção trans- mento dos filamentos e representa a forma uniforme
versa da fibra varia com desvio padrão de 0,21 μm. da curva comprimento-tensão.
Os comprimentos derivados do filamento estão de É importante considerar a posição relativa dos
acordo com os valores dos comprimentos dos fila- filamentos grosso e fino em algum ponto represen-
mentos A e I (1,55 e 1,92 a 1,96 μm, respectivamen- tativo ao longo da curva comprimento-tensão. Como
te). Tais parâmetros apresentados por Page (1968) e ilustrado na Figura 7.7 (inserido), os filamentos A e I
Huxley (1973) basearam-se na mensuração de mi- localizam-se ao longo das extremidades do compri-
croscopia eletrônica. A variação na sobreposição dos mento do sarcômero (aproximadamente 3,5 μm),
filamentos deve-se parcialmente ao imperfeito alinha- onde a força ativa é próxima de zero. No entanto, no
comprimento do sarcômero a 2,0 μm, as extremida- quena, a força ativa pode tornar-se correspondente-
des do filamento I estão no centro do filamento A. mente pequena pelo aumento apropriado da veloci-
Esse grau de sobreposição poderia, conseqüentemen- dade de encurtamento. Inversamente, diante de alta
te, proporcionar o número máximo de pontes cruza- sobrecarga, o músculo incrementa a força ativa em
das ativas, condição em que se observa a máxima pro- mesmo nível, reduzindo a velocidade de encurtamen-
dução de força. A situação de sobreposição torna mais to de modo suficiente. Fenn e Marsh (1935) foram os
difícil a interpretação quando o comprimento do sar- primeiros a demonstrar a existência de determinada
cômero é inferior a 2,0 μm (fase ascendente da curva relação entre força ativa e velocidade de encurtamen-
comprimento-tensão). Caso os sarcômeros sejam en- to. Hill (1938) posteriormente caracterizou a relação
curtados abaixo do comprimento ótimo, por exem- força-velocidade e enfatizou a importância desse pa-
plo, a 1,8 μm, os filamentos I passarão na metade râmetro no estudo da função muscular. A relação for-
oposta do sarcômero, causando sobreposição de du- ça-velocidade tem sido fonte de muito interesse nos
plo filamento, como demonstrado na Figura 7.7. O últimos anos. Isso se tornou objeto de atenção cres-
significado funcional da dupla sobreposição não pode cente a partir da demonstração (Huxley, 1957) de que
ser avaliado no momento atual. É razoável supor, con- essa relação é consistente com o mecanismo de pon-
tudo, que o fenômeno seja casualmente relacionado tes cruzadas da contração muscular.
ao declínio na força ativa nesses comprimentos (para A Figura 7.9 demonstra a clássica curva sobre-
discussão adicional, ver Edman e Reggiani, 1987). Em carga — ou força-velocidade — publicada por Hill
comprimentos de sarcômero menores que 1,7 μm, (1938). Essa figura comprova a relação inversa entre
os filamentos grossos serão comprimidos quando força e velocidade de encurtamento no músculo sar-
avançarem aos discos-Z (Fig. 7.7). Isso prejudicará tório completamente isolado de uma rã. Hill demons-
posteriormente o deslizamento e reduzirá conside- trou que essa relação apresentava forma hiperbólica
ravelmente a força produzida pela fibra nesses com- e forneceu uma fórmula geral para a sua descrição. A
primentos. equação é amplamente aplicada na fisiologia muscu-
A ativação incompleta da fibra muscular repre- lar. A velocidade máxima de encurtamento (Vmáx) pode
senta, ainda, outra possível causa de declínio na ten- ser atingida com sobrecarga zero. A força máxima (P0),
são em comprimentos muito curtos. Como demons- por sua vez, é produzida quando o músculo está em
trado por Taylor e Rüdel (1970), o interior da fibra repouso, isto é, nem alongado nem encurtado.
pode não estar completamente ativado em compri- Os experimentos com fibras musculares isoladas
mentos mais curtos do que aproximadamente 1,6 μm (Edman et al., 1976; Edman, 1988) demonstraram que
devido à incapacidade de extensão intrínseca do po- a curva força-velocidade possui uma forma mais com-
tencial de ação sob essas condições. No entanto, essa plexa do que a observada no músculo total. Como
complicação não parece ser relevante na variação de ilustrado na Figura 7.10, a relação força-velocidade
comprimentos de sarcômero aqui considerada. Indi- contém duas diferentes curvaturas, cada uma com
cativamente, o incremento na liberação do cálcio ati- concavidade ascendente. As duas curvaturas estão lo-
vador na fibra (pela adição de cafeína) não afeta a calizadas em ambos os lados de um ponto de quebra
curva comprimento-tensão apresentada na Figura 7.7 próximo a 75% da força isométrica máxima, P0.
(Edman e Reggiani, 1987). Quando a sobrecarga excede P0, o músculo co-
meça a alongar-se (ação excêntrica) conforme indi-
Relação força-velocidade cado pelas velocidades negativas na Figura 7.10. No
entanto, a curva força-velocidade parece ser substan-
Conforme mencionado anteriormente, o músculo cialmente plana na variação de força ao redor de P0.
possui a capacidade inerente de ajustar a sua força Por exemplo, quando a sobrecarga é incrementada
de modo que se adapte precisamente à sobrecarga de 0,9 a 1,2 P0, 30% de alteração na sobrecarga, a
durante o encurtamento. Essa importante proprie- velocidade de encurtamento ou de alongamento é
dade, que distingue o músculo de um elemento elás- alterada em pelo menos 2% da Vmáx. A região plana
tico simples, é baseada no fato de a força ativa conti- da relação força-velocidade em torno de P0 é de maior
nuamente se ajustar à velocidade em que o sistema significância para a função muscular, promovendo
contrátil de move. Então, quando a sobrecarga é pe- estabilidade do sistema contrátil. Nesse caso, um mús-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 139
culo estimulado acima de seu próprio valor de P0 (isto mente pequena. O músculo alongará em alta veloci-
pode ocorrer durante saltos ou ao descer escada) não dade somente quando a sobrecarga estiver mais
será, todavia, capaz de suportar a sobrecarga muito de 40 a 50% acima de P0 (Fig. 7.10). A região pla-
bem. Isso quer dizer que o músculo não terá rendi- na da curva da relação força-velocidade pode, então,
mento considerável. Devido à menor velocidade de corresponder a um servomecanismo intracelular efi-
alongamento, a alteração total do comprimento dos caz que ajuda a manter o padrão uniforme do sarcô-
sarcômeros durante a ação excêntrica será relativa- mero quando o músculo trabalha em alta velocidade
e, mais importante, ao prevenir o alongamento ina- ração, uma leve carruagem puxada por somente um
propriado do músculo em situações em que a sobre- ou dois cavalos alcançaria a mesma velocidade máxi-
carga é subitamente elevada acima do nível isomé- ma quando puxada por muitos cavalos. Então, seria
trico. esperado que a velocidade máxima de encurtamento
A relação força-velocidade provavelmente refle- permanecesse constante em diferentes graus de so-
te as propriedades cinéticas das pontes cruzadas. Ela breposição entre os filamentos grossos e finos e tam-
avalia os vários passos do ciclo da ponte cruzada por bém em diferentes estados de ativação do sistema
meio do uso da informação fornecida pela curva for- contrátil. Essas predições foram experimentalmente
ça-velocidade (Huxley, 1957; Eisenberg e Hill, 1978; verificadas, conforme ilustrado na Figura 7.12. A Vmáx
Edman et al., 1997). Há razão para se acreditar que a é comparada à força tetânica quando o comprimen-
Vmáx expressa a taxa máxima cíclica das pontes cru- to do sarcômero é alterado de 1,7 a 2,7 μm. Pode ser
zadas. Em apoio a isso, a Vmáx tem sido bem correla- observado que, enquanto a força tetânica varia con-
cionada com a taxa máxima de hidrólise da ATP no sideravelmente, a velocidade máxima de encurtamen-
sistema contrátil. Isso foi inicialmente demonstrado to permanece constante nessa ampla variedade de
em músculos inteiros (Bárány, 1967) e posteriormen- comprimento do sarcômero. Então, ao contrário da
te, de maneira mais quantitativa (Edman et al., 1988), capacidade da fibra de produzir força, a velocidade
pela comparação entre a Vmáx e a atividade da ATPase máxima de encurtamento não depende do número
miofibrilar em fibras musculares isoladas (Fig. 7.11). de pontes de miosina aptas a interagir com os fila-
Se a Vmáx representa a velocidade máxima em que mentos finos. A Figura 7.13 demonstra que a Vmáx
as pontes cruzadas são capazes de entrar em ciclo, independe do grau de ativação do sistema contrátil.
presume-se que ela independa do número de pontes Essas descobertas fundamentam completamente o
que interagem com os filamentos finos. Por compa- modelo de deslizamento dos filamentos e a teoria dos
geradores de força independentes (Huxley, 1957).
Vários músculos do corpo humano diferem con-
sideravelmente em sua velocidade máxima de encur-
tamento (Buchthal e Schmalbruch, 1980). Há razão
para acreditar que essas diferenças devem-se à hete-
rogeneidade estrutural das proteínas contráteis en-
tre os músculos, resultando em diferentes proprie-
dades cinéticas do sistema de miofilamentos (Edman
et al., 1985; Schiaffino e Reggiani, 1995). Em geral,
as fibras individuais exibem diferenças substanciais
em suas características de encurtamento. Isso é mais
pronunciado nos músculos de mamíferos e de aves,
nos quais diferentes tipos de fibras, de contração rápi-
da e lenta, coexistem regularmente. A predominância
de um tipo particular de fibra determina o quanto um
músculo irá adquirir propriedades rápidas ou lentas.
Estudos recentes demonstraram que a diferen-
ciação das propriedades cinéticas dentro de um mús-
culo estende-se a um nível inferior ao da fibra. A des-
coberta de que tanto a Vmáx como o formato da curva
da relação força-velocidade variam substancialmen-
te de uma parte a outra ao longo da fibra indica o
acerto dessa proposição (Edman et al., 1985). Nor-
malmente, como ilustrado na Figura 7.14, a Vmáx va-
Figura 7.11 Relação entre a atividade da ATPase miofibrilar e ria de 10 a 45% ao longo do comprimento da fibra
a velocidade máxima de encurtamento, Vmáx, registrada em muscular da rã. A variação na Vmáx dentro de determi-
fibras musculares isoladas (de Edman et al., 1988). nada fibra pode, em alguns casos, ser tão grande como
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 141
a registrada entre diferentes fibras de um músculo. isoforma da miosina na fibra (Edman et al., 1988). A
Cada fibra possui um padrão único de diferenças na razão dessa heterogeneidade na função é incerta, mas
Vmáx. No entanto, é interessante notar a existência de pode refletir um mecanismo de adaptação subcelu-
clara tendência da Vmáx diminuir na extremidade dis- lar. A fibra muscular geralmente se estende pelo com-
tal da fibra no corpo (Fig. 7.15). primento total do músculo, e as várias partes da fibra
As evidências experimentais sugerem que as di- podem representar diferentes condições de trabalho
ferenças segmentares na velocidade de encurtamen- quando o músculo funciona in situ. Nesse caso, a re-
to refletem diferenças regionais na composição da sistência passiva ao encurtamento pode variar ao lon-
go da fibra devido às diferenças na quantidade de te-
cido conjuntivo que mantém as fibras juntas. Além
disso, a parte distal de um músculo sofre maior trans-
lação durante o encurtamento quando comparada à
parte proximal. Ao ajustar apropriadamente a com-
posição da isoforma da miosina em várias regiões, a
fibra pode ser capaz de compensar qualquer diferen-
ça local na resistência passiva ao encurtamento que
pode ocorrer in situ no corpo.
(Edman e Kiessling, 1971; Edman, 1975; Edman, tração. Como pode ser observado claramente na Fi-
1980). gura 7.16, a força ativa é muito reduzida após o en-
A Figura 7.16 ilustra o efeito depressor do en- curtamento. O pico de força da segunda contração
curtamento ativo na fibra muscular isolada de uma no miograma B é, então, consideravelmente menor
rã. Os dois miogramas superpostos, A e B, demons- do que o da primeira contração do miograma A. Isso
tram o desenvolvimento da força durante a tetania é significativo, pois a tensão começa do ponto zero
parcialmente fundida no comprimento de sarcôme- em ambos os casos. A menor tensão na segunda con-
ro de 2,05 μm, isto é, próximo ao comprimento óti- tração do miograma B expõe uma redução real da
mo. As respostas aos respectivos estímulos são ca- habilidade da fibra em produzir força devido ao en-
racterizadas como arqueadas no registro e referidas curtamento precedente. Mesmo a terceira contração
como contrações. No miograma A, a contração total do miograma B é menor do que a primeira no mio-
é realizada no espaçamento de sarcômero de 2,05 μm. grama A. No entanto, deveria ser notado que o efeito
No miograma B, a contração é iniciada em maior depressor do encurtamento diminui gradualmente
comprimento de sarcômero, 2,55 μm. Nesse caso, é diante da contração; os efeitos praticamente desapa-
permitido à fibra encurtar a 2,05 μm na primeira con- receram ao final do período de tetania.
O tempo necessário para o efeito do movimento sob condições em que o sistema contrátil não é com-
desaparecer é substancialmente constante de fibra pletamente ativado (Fig. 7.16). No entanto, o efeito é
para fibra, como demonstrado na Figura 7.17. Em- muito pequeno quando o movimento ocorre duran-
bora a depressão inicial da força varie em diferentes te a tetania completamente fundida (Edman, 1980).
fibras, dependendo da quantidade de encurtamento, É razoável supor que a depressão da força pelo en-
um período de tempo de aproximadamente 1 s é ne- curtamento exerce papel importante na vida diária
cessário para o efeito desaparecer em cada caso. devido à atividade muscular in vivo basear-se em te-
A magnitude da depressão da força depende do tania parcialmente fundida. É provável que o efeito
grau de ativação do sistema contrátil ao movimento. também influencie os resultados em certos esportes.
O efeito do movimento é maior durante uma contra- No levantamento de peso, por exemplo, presume-se
ção simples ou em tetania parcialmente fundida, isto é, que a capacidade muscular para levantar a sobrecar-
Figura 7.17 Período de tempo de desaparecimento do efeito depressivo do encurtamento ativo durante tetania incompletamente
fundida. Resultados de cinco experimentos (indicados por diferentes símbolos), com vários graus de depressão da força após
encurtamento.
144 PAAVO V. KOMI
Figura 7.18 Efeitos da fadiga na produção de força durante tetania em uma fibra muscular de rã. O miograma A demonstra
tetania durante período de controle, quando os intervalos entre a tetania foram de 15 min; o miograma B apresenta tetania após
estimulação que induz fadiga, quando os intervalos entre a tetania foram de 15 s; o miograma C descreve o retorno ao protocolo de
estimulação-controle, quando os intervalos entre a tetania foram de 15 minutos (de Edman e Mattiazzi, 1981).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 145
de repouso entre as contrações (de 15 min a 15 s) tinuamente reduzida (ordenada) quando a fadiga se
diminui a força durante a tetania. A amplitude total desenvolve (indicado pelo decréscimo da força tetâ-
da tetania é, então, substancialmente reduzida pela nica [abscissa]). Essa descoberta é relevante por su-
fadiga. Além disso, a força desenvolve-se menos ra- gerir que a fadiga envolve alteração das propriedades
pidamente no estado fatigado, e a fibra requer maior cinéticas das pontes cruzadas.
tempo de relaxamento. Essas alterações no desem- Informação adicional sobre o mecanismo mole-
penho contrátil são completamente revertidas após cular da fadiga surge do estudo da rigidez muscular.
retornar ao protocolo de estimulação-controle (mio- Essa medida fornece um índice relativo ao número
grama C; Fig. 7.18). de pontes cruzadas de miosina acopladas aos filamen-
A fadiga não afeta apenas a capacidade muscular tos finos (Ford et al., 1977). A rigidez muscular é
de produzir força, mas também diminui a velocidade mensurada pela aplicação de uma alteração rápida e
de encurtamento muscular (Edman e Mattiazzi, de comprimento muito pequeno a uma fibra isolada
1981). O último efeito está ilustrado na Figura 7.19. durante a atividade, enquanto se registra a alteração
O gráfico demonstra a alteração simultânea na força correspondente na força. Em princípio, a abordagem
tetânica e na velocidade máxima de encurtamento, é a mesma para testar a rigidez de uma banda elásti-
Vmáx, em diferentes graus de fadiga de fibras muscu- ca; há grande aumento na tensão quando a rigidez é
lares. A velocidade máxima de encurtamento é con- elevada em decorrência do estiramento da banda elás-
tica; a resposta ao estiramento é correspondentemente
pequena quando a rigidez é igualmente pequena. Ver
Edman e Lou (1990) para informações referentes às
técnicas utilizadas para a mensuração da rigidez atra-
vés do curso da contração.
A rigidez muscular parece ser apenas ligeiramente
alterada durante a fadiga moderada, como demons-
trado na Figura 7.20. Por exemplo, 25% de decrésci-
mo na capacidade muscular em produzir força são
associados com somente 9% de diminuição na rigi-
dez da fibra muscular. Essas descobertas sugerem que
o déficit de força durante a fadiga é somente parcial
devido às poucas pontes cruzadas acopladas. A prin-
cipal porção do declínio da força é atribuída à menor
força da ponte individual.
Em resumo, as seguintes alterações na função das
pontes cruzadas são prováveis durante a fadiga mus-
cular: (I) ligeiro decréscimo no número de pontes
cruzadas em interação; (II) menor produção de força
de uma única ponte cruzada; e (III) menor velocida-
de cíclica das pontes durante o encurtamento mus-
cular. Há razão para acreditar que todas as três alte-
rações são causadas pelo acúmulo dos produtos da
hidrólise de ATP dentro da fibra. A atividade muscu-
lar mantida aumenta a concentração de ADP, Pi e H+
(Edwards et al., 1975; Dawson et al., 1978; Dawson
et al., 1980). Esses produtos afetam a produção de
Figura 7.19 Decréscimo na velocidade máxima de força e a velocidade de encurtamento de forma com-
encurtamento (ordenada) em relação à depressão da força patível com as alterações observadas na fadiga
(abscissa) durante fadiga de fibras musculares isoladas. Cada
conjunto de dados conectados por uma linha sólida representa (Edman e Lou, 1990). Dos três produtos, o aumento
uma fibra isolada. A linha pontilhada constitui a média de todos da concentração de H+ parece ser de particular im-
os pontos (de Edman e Mattiazzi, 1981). portância para o desenvolvimento da fadiga muscu-
146 PAAVO V. KOMI
Figura 7.20 Relação entre força (abscissa) e rigidez (ordenada) registrada durante platô tetânico quando houve desenvolvimento
de fadiga em seis fibras musculares isoladas. Dados normalizados de acordo com a força e a rigidez máximas registradas sob
condições de repouso nas respectivas fibras. O valor-controle (indicado pelo grande círculo aberto) representa a média calculada
para todas as fibras em repouso. Os dados de determinada fibra são indicados pelo mesmo símbolo. A linha reta representa a
regressão da força sobre a rigidez baseada em todos os pontos. As inserções mostram exemplos de registros de força (a) e rigidez
tetânicas (b) sob condições-controle (traço 1) e, sobrepostas, após estimulação que induz fadiga (traço 2) (de Edman e Lou, 1990).
lar. Isso é sugerido devido à descoberta de que as al- e Edman, 1990). A quantidade de cálcio liberada no
terações contráteis observadas durante a fadiga (de- mioplasma dos locais de estoque do retículo sarco-
créscimo na força ativa, na velocidade de encurta- plasmático é reduzida sob essas condições extremas
mento e na potência) podem ser substancialmente (Allen et al., 1995), resultando em pequeno número
simuladas pela diminuição do pH intracelular (Ed- de pontes cruzadas ativas conforme indicado pela
man e Mattiazzi, 1981; Curtin e Edman, 1989; Ed- redução progressiva na rigidez da fibra (Edman e Lou,
man e Lou, 1990). No entanto, o papel relativo de 1992). Contudo, ainda permanece incerto se o inten-
vários produtos da hidrólise de ATP durante o de- so programa de estimulação, suficiente para provocar
senvolvimento da fadiga pode variar em diferentes incapacidade de ativação, pode mesmo ser alcançado
tipos de músculos (Fitts, 1994; Allen et al., 1995). sob condições in vivo antes que outros mecanismos de
Pode-se dizer que as alterações recém-descritas no fadiga mais centrais imponham um limite na estimu-
desempenho mecânico, durante a fadiga, referem-se lação do músculo (Gandevia et al., 1995).
a condições experimentais livres de incapacidade de
ativação do sistema contrátil (Edman e Lou, 1990).
Há incapacidade do acoplamento excitação-contra- Referências
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tido a um programa extremo de fadiga, por exemplo, Allen, D.G., Westerblad, H. & Lännergren, J. (1995) The
quando as contrações são induzidas em intervalos role of intracellular acidosis in muscle fatigue. In: Fati-
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haverá incapacidade de dispersão interna do poten- 57-68.
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terior da fibra muscular torna-se, portanto, inadequa- speed of muscle shortening. Journal of General Physiology
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Capítulo 8
Arquitetura musculoesquelética
e unidade motora:
efeitos no desempenho
ROLAND R. ROY, RYAN J. MONTI, ALEX LAI E V. REGGIE EDGERTON
ampliar qualitativamente a investigação antes de qual- motoras no músculo de mamíferos são consistentes
quer inter-relação estrutura-função definitiva ser com essas descobertas (Monti et al., 2001).
completamente demonstrada.
Na presente revisão, os dois principais tópicos Distribuição espacial das fibras das
considerados na edição anterior (Roy e Edgerton, unidades motoras
1992) serão enfatizados: (I) papel da arquitetura na
determinação da relação estrutura-função entre as Uma característica comum de todas as unidades
unidades motoras e as subdivisões do músculo; e (II) motoras no controle de animais adultos diz respeito
papel da arquitetura na determinação das lesões ao fato de as fibras inervadas por um motoneurônio
musculoesqueléticas em humanos por estresse-ten- serem intermescladas com fibras inervadas por ou-
são. A ênfase será dada a como as características ar- tros motoneurônios. Essa disposição é claramente
quiteturais das fibras individuais, as unidades moto- demonstrada nas unidades motoras depletadas em
ras e o músculo como um todo afetam a transmissão glicogênio (Fig. 8.1 [Bodine et al., 1988; Bodine-Fo-
de força durante as contrações. wler et al., 1990; Ounjian et al., 1991; Bodine-Fowler
et al., 1993]). Inúmeras análises de distribuição espa-
cial indicam que: (I) há pouca tendência de as fibras
Inter-relações estrutura-função na individuais, em uma unidade motora, agruparem-se
unidade motora ou dispersarem-se, isto é, a distribuição não é dife-
rente de uma aleatória; e (II) as fibras pertencentes à
Uma unidade motora inclui um motoneurônio e unidade motora são dispostas em pequenos suba-
todas as fibras por ele inervadas. Ela também é desig- grupamentos, que, provavelmente, refletem as fibras
nada como a unidade funcional básica do sistema inervadas por uma ramificação primária da árvore
neuromotor (Henneman e Olson, 1965). Embora axonal.* Essas propriedades espaciais parecem ter sido
muito se conheça sobre as propriedades fisiológicas estabelecidas no processo de inervação durante o
das unidades motoras e as características bioquími- desenvolvimento (Pfeiffer e Friede, 1985; Dahm e
cas de suas fibras constituintes (Burke e Edgerton, Landmesser, 1988). Com base em técnicas de mape-
1975; Burke, 1981; Enoka, 1995), relativamente pou- amento eletromiográfico, a disposição das unidades
cos dados estão disponíveis a respeito das proprieda- motoras no músculo humano assemelha-se à des-
des arquiteturais desses elementos neuromusculares. crita anteriormente (Stalberg, 1980; Stalberg e Anto-
Recentemente, publicamos uma revisão descreven- ni, 1980). No entanto, é importante salientar que a
do algumas das características das unidades motoras distribuição espacial das unidades motoras em algu-
e das fibras (Monti et al., 2001). Os pontos-chave são mas espécies é completamente diferente, por exem-
resumidos a seguir. plo, músculos das asas de aves, e pode ter significân-
cia funcional única (Sokoloff et al., 1998; Sokoloff e
Características regionais das Goslow, 1999).
unidades motoras
Forma e localização das fibras
As fibras que pertencem a uma unidade motora musculares da unidade motora em
estão localizadas em uma região da secção transversa um músculo
muscular. Além disso, a magnitude de dispersão das
fibras parece específica ao tipo de unidade motora e O uso de técnicas de maceração para isolar, bem
ao músculo. Por exemplo, a região das unidades mo- como a depleção de glicogênio e a microinjeção de
toras no músculo tibial anterior do gato varia de 8 a corante para reconstruir fibras individuais em um
24%: unidades motoras lentas geralmente possuem músculo, fornecem as seguintes informações: (I) existe
pequenas regiões quando comparadas às rápidas (Bo- ampla variedade de comprimentos de fibras, assim
dine et al., 1988). No músculo sóleo do gato, exclusi-
vamente lento, as regiões são maiores, variando de
41 a 76% da secção transversa. Em geral, outros da-
dos referentes ao tamanho regional das unidades *N. de R.T. Relativo a um conjunto de axônios.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 151
Figura 8.1 Fotomicrografia ilustrando o contraste entre fibras depletadas e não-depletadas de unidades motoras rápidas fatigáveis
em três níveis ao longo do músculo, isto é, 17(a), 28(b) e 37(c) mm da extensão mais proximal da unidade motora. A plotagem dos
movimentos da fibra baseou-se na análise das posições da fibra observadas em 27 secções selecionadas ao longo do comprimento
do fascículo. As secções histológicas foram marcadas para glicogênio por reação periódica do ácido Schiff, e a micrografia extraída
de uma imagem de nível cinzento no terminal de vídeo de um sistema de processamento de imagens. A barra representa 50 μm. As
alterações na posição relativa de várias fibras nas três secções são ilustradas em (d). O revestimento das micrografias foi aproximado
por ajustar os ângulos descritos pelas linhas tangenciais (não-demonstrado) extraídas ao longo das margens do fascículo. Os
números identificam as fibras e as letras da secção histológica (extraída de Ounjian et al., 1991).
como alta porcentagem de fibras, que se inserem in- Trotter, 1991; Eldered et al., 1993a; Eldered et al.,
trafascicularmente no músculo (Loeb et al., 1987; 1993b; Trotter et al., 1995; Sheard et al., 1999; Sheard,
Chanaud et al., 1991; Ounjian et al., 1991; Trotter et 2000; Young et al., 2000). Embora dados limitados
al., 1995; Young et al., 2000); e (II) as fibras muscula- estejam disponíveis, com base na depleção de glico-
res podem apresentar grande variedade de formas: gênio de unidades motoras e na secção serial do mús-
por exemplo, a área de secção transversa de uma fi- culo ao longo de seu comprimento, a região das uni-
bra pode ser relativamente constante ao longo de seu dades motoras (a forma e a localização da fibra) em
comprimento total ou ser cônica, isto é, demonstrar todo o comprimento do músculo pode ser recons-
decréscimo na área de secção transversa em uma truída (Burke e Tsairis, 1973; Burke et al., 1974; Kanda
ou em ambas as extremidades (Ounjian et al., 1991; e Hashizume, 1992; Roy et al., 1995). Esses dados
152 PAAVO V. KOMI
demonstram que a região de uma unidade motora (I) tina e a célula e a rede de proteínas fibrilares na ma-
varia em porção, mas não no comprimento total do triz extracelular (Fig. 8.3) (para revisão detalhada des-
músculo e (II) está restrita a uma porção da secção sas proteínas e de suas funções potenciais, Monti et
transversa muscular. Essa disposição está esquema- al., 1999; Patel e Lieber, 1997). Essas proteínas são
ticamente demonstrada na Figura 8.2. organizadas em uma série de bandas, os costâmeros,
ao longo da membrana celular (Pardo et al., 1983). O
Interface fibra muscular-tecido espaçamento dos costâmeros corresponde quase que
conjuntivo completamente ao da linha-Z nos sarcômeros, for-
necendo evidência anatômica para o papel dessas
As fibras musculoesqueléticas são conectadas ao proteínas na transmissão de força através da mem-
longo de seu comprimento à matriz extracelular. Um brana celular. As proteínas costaméricas podem ser
sistema extensivo de proteínas é responsável pela for- divididas em dois grupos. No primeiro, a actina liga-
mação de uma associação entre os filamentos de ac- se à distrofina, ligada à laminina-2 (merosina) na
matriz extracelular por um complexo protéico que
atravessa a membrana. No segundo grupo de prote-
ínas costaméricas, a actina liga-se à talina, que se liga,
via vinculina, aos membros da família integrina de
proteínas transmembranáceas* ligadas ao colágeno e
à laminina-1 na matriz extracelular. A recente des-
crição de grupos de proteínas associadas à membra-
na com conexões à matriz extracelular e às fibras ad-
jacentes é consistente com uma função para essas
proteínas de membrana periódicas na transmissão da
força (Young et al., 2000). Além disso, as especializa-
ções morfológicas das membranas celulares das fi-
bras com terminação intrafascicular poderiam redu-
zir as tensões na membrana relativas aos sarcômeros
nos locais de transmissão de força. A discussão da
interface fibra-tecido conjuntivo continua na próxi-
ma seção.
Tecido conjuntivo
musculoesquelético e elementos
elásticos
geram tipos únicos de distrofia muscular (Wewer e Em comprimentos musculares curtos, a disposição
Engvall, 1996). Os demais elementos da matriz ex- do colágeno está propensa a ser circunferencial;
tracelular são divididos em três níveis de organização quando o comprimento muscular aumenta, as fibri-
de acordo com sua relação com as fibras musculares. las se tornam progressivamente orientadas ao longo
O endomísio é adjacente à lâmina basal das células do eixo do músculo (Tidball e Daniel, 1986; Purslow
musculares. O perimísio é um endomísio mais es- e Trotter, 1994). Uma ilustração da estrutura tridi-
pesso que limita os fascículos das fibras musculares. mensional do tecido conjuntivo intramuscular pode
O epimísio circunda a superfície externa do múscu- ser encontrada na Figura 8.4. Caso o leitor imagine
lo. Esses níveis de organização são mais distinguíveis essa estrutura de tecido conjuntivo se estendendo de
pela sua morfologia (Borg e Caulfield, 1980) do que cada extremidade do músculo, é possível conceber o
pela sua composição (Light e Champion, 1984). To- músculo como um tendão contínuo com as fibras
dos os três são primariamente compostos de coláge- incrustadas no seu interior.
no tipo I e III. O endomísio e o perimísio serão re-
feridos até o final deste capítulo como tecidos con- O que é o componente elástico em
juntivos intramusculares. Embora originalmente des- série (CES)?
crito como uma malha de fibrilas de colágeno alea-
toriamente orientadas quando analisado por micros- No modelo elementar do músculo esquelético
copia eletrônica (Borg e Caulfield, 1980; Rowe, 1981), estabelecido por Hill, a unidade musculotendínea é
análises mais recentes determinaram que esse tecido representada por uma estrutura contrátil com ele-
conjuntivo intramuscular está em algum grau dis- mentos elásticos em paralelo e em série (Hill, 1938).
posto de forma ordenada (Purslow e Trotter, 1994). Devido ao potencial elástico em série, junto com os
154 PAAVO V. KOMI
tes, incluindo quadrúpedes de tamanhos distintos, suem propriedades mecânicas similares. Trestik e Li-
canguru e golfinho. Todos tiveram módulos de Young eber (1993) registraram 2% de tensão no tendão e na
aproximados (1,2 a 1,6 GPa) e falharam em estresses aponeurose do gastrocnêmio da rã estimulado passi-
similares. Além disso, todos demonstraram capaci- vamente a P0. A aponeurose e o tendão também pos-
dade similar para estocar e retornar a energia. Essa suem rigidez similar no sóleo do gato em contrações
uniformidade das propriedades mecânicas do tendão tetânicas (Scott e Loeb, 1995). Deve-se observar que
nas diferentes espécies foi confirmada por Pollock e os métodos empregados no estudo do registro de pro-
Shadwick (1994), demonstrando que o módulo elás- priedades similares são diferentes para o tendão e para
tico do tendão não se associou à massa corporal, mas a aponeurose, incluindo sobrecargas ativa e passiva;
permaneceu constante em ~1,2 GPa para 18 espé- com isso, os resultados não podem ser atribuídos às
cies com massa corporal variando de 0,5 a 500 kg. diferenças no método utilizado para estimular o teci-
Adicionalmente, não houve diferença nas proprieda- do.
des mecânicas dos tendões dos flexores e extensores Temos estudado o sóleo do rato em um esforço
do tornozelo, indicando que as propriedades mecâ- para compreender as propriedades mecânicas de sua
nicas dos tecidos tendíneos não são especializadas aponeurose e do tendão em sobrecargas que se apro-
de acordo com a função do músculo fixado. O pu- ximam em padrão e em magnitude daquelas encon-
nho e a mão dos seres humanos constituem um sis- tradas na condição in vivo. O músculo foi contraído
tema especializado em que esse padrão geral pode através da estimulação dos filamentos da raiz ven-
não se manter real (Loren e Lieber, 1995). tral, permitindo o recrutamento de diferentes frações
Os módulos reportados anteriormente, contudo, da população de fibras do músculo. As tensões fo-
representam módulos tangentes retirados da porção ram mensuradas por meio de videografia de raio X
linear das curvas estresse-tensão desses tendões. Ao para visualizar pequenas partículas de metal incrus-
contrário, o sóleo do gato (Proske e Morgan, 1984; tadas no tecido de interesse. A Figura 8.5 mostra os
Scott e Loeb, 1995) e o semitendíneo da rã (Lieber et resultados dessas medidas para o tendão livre e para
al., 1991) permanecem dentro da região não-linear as metades proximais e distais da aponeurose. As
inicial da curva estresse-tensão em uma ampla varie- curvas dessas linhas, enquanto não caracterizam a
dade de forças até o máximo que o músculo pode pro- rigidez no sentido mais puro, representam a relação
duzir. Portanto, o uso do módulo de Young da porção sobrecarga-deformação das diferentes áreas de inte-
linear da curva estresse-tensão pode fazer com que se resse. Nenhuma diferença significativa foi encontra-
subestime a extensão do tendão em um movimento, da nas curvas dessas linhas nas várias regiões. Então,
particularmente em baixos níveis de recrutamento. no sóleo do rato, as propriedades da aponeurose e do
Não há consenso claro referente às propriedades tendão são similares.
da aponeurose ou sobre a relação entre tendão e pro- Em alguns músculos, a rigidez da aponeurose
priedades da aponeurose. Rack e Westbury (1984) pode também não ser uniforme ao longo de seu com-
notaram que a rigidez total do tecido conjuntivo do primento. Em eventos de sobrecargas únicas, a ten-
sóleo do gato foi 3 a 5 vezes menor que a do tendão são na porção da aponeurose bem mais distante do
livre mensurado em isolamento, indicando que o ten- tendão é cinco vezes maior do que na porção próxi-
dão estava muito mais rígido do que outros elemen- ma ao tendão no gastrocnêmio medial do rato (Zuur-
tos do tecido conjuntivo (i. e., aponeurose). Outros bier et al., 1994). A tensão relativa da extremidade
registros em várias espécies também indicam dife- muscular da aponeurose também é três vezes maior
renças nas propriedades mecânicas do tendão e da do que aquela da extremidade tendínea no semiten-
aponeurose. No músculo tibial anterior de seres hu- díneo da rã (Trestik e Lieber, 1993) e no tibial ante-
manos, a tensão no tendão é aproximadamente três rior de seres humanos (Maganaris e Paul, 2000). En-
vezes à tensão na aponeurose durante contração vo- tão, não somente as propriedades do tendão e da apo-
luntária máxima (Maganaris e Paul, 2000); no mús- neurose parecem variar uma em relação à outra, mas
culo semitendíneo da rã, é cerca de quatro vezes maior as propriedades mecânicas da aponeurose podem
em uma sobrecarga passiva igual a tensão tetânica também variar ao longo de seu comprimento.
máxima (P0) (Lieber et al., 1991). No entanto, alguns Pode-se observar novamente na Figura 8.5 que
registros indicam que o tendão e a aponeurose pos- as duas regiões da aponeurose exibem rigidez apro-
156 PAAVO V. KOMI
ximadamente idêntica. Então, na variedade de ani- importante na definição das demandas funcionais
mais discutidos, as propriedades mecânicas do sóleo impostas no sistema nervoso para controlar o mús-
do rato parecem altamente uniformes. Essa varieda- culo esquelético.
de de propriedades inter-espécies, da uniformidade Uma característica comum da interação entre as
para uma variação cinco vezes maior, enfatiza a im- unidades motoras e os compartimentos neuromus-
portância de se caracterizar precisamente as unida- culares é que eles interagem não-linearmente. Ou
des musculotendíneas mais do que aplicar proprie- seja, a soma das forças individuais de duas subuni-
dades médias derivadas de inúmeros músculos e dades ativadas separadamente é, em geral, diferente
espécies. Isso é especialmente verdadeiro quando se da força observada quando são ativadas simultanea-
tenta desenvolver modelos matemáticos precisos da mente. Tanto somações de força menos do que linea-
função in vivo de determinados músculos. res [(A + B) < (A) + (B)], como mais do que lineares
[(A + B) > (A) + (B)] entre as unidades motoras têm
sido observadas.
Fisiologia e função As observações inicias de somação menos que
musculoesqueléticas linear durante a estimulação das raízes ventrais evi-
denciam que algumas fibras musculoesqueléticas são
Transmissão de força inervadas por mais de um neurônio (polinervação).
Assim, funcionalmente, são parte de mais de uma uni-
dade motora (Hunt e Kuffler, 1954). A partir dessa
Integração das fibras e forças das unida-
explicação, o déficit de força na estimulação simultâ-
des motoras
nea deve-se à sobreposição nas populações de fibras
A organização do músculo esquelético em uni- musculares inervadas por raiz. Embora isso repre-
dades motoras e em compartimentos neuromuscu- sente um mecanismo aceito nos músculos de anfí-
lares parte da questão de como essas várias unidades bios, estudos subseqüentes indicaram que provavel-
interagem no músculo. Se o músculo é completa- mente não tem importância nos músculos esque-
mente ativado, a importância das interações mecâni- léticos de mamíferos adultos, particularmente nas ex-
cas entre essas unidades não pode ser definida. No tremidades (Brown e Matthews, 1960). A principal
entanto, muitos movimentos envolvem o recrutamen- explicação para a não-linearidade nos músculos de
to dos músculos em níveis submáximos. Então, a clara mamíferos é a interação dos elementos contráteis das
compreensão da interação entre essas unidades or- fibras musculares com a elasticidade em série do
ganizacionais, se estão em modo ativo ou passivo, é músculo, particularmente aquela porção do CES for-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 157
mada por muitas ou por todas as fibras (i. e., tendão e Até recentemente, não havia informação dispo-
aponeurose). A força aplicada a esses elementos elás- nível sobre como a unidade motora poderia afetar a
ticos aumenta quando mais fibras musculares se con- interação de múltiplas unidades motoras. Exceto para
traem, induzindo maior encurtamento interno das o sóleo do gato, predominantemente lento, essa vari-
fibras musculares. Então, para movimentos que ini- ável pode ter papel importante em todos os múscu-
ciam em comprimento ótimo, como é o caso dos tes- los anteriormente mencionados. Troiani e colabora-
tes in situ, as fibras musculares encurtam em direção dores (1999) estudaram os tipos de unidades motoras
ao membro ascendente da sua relação comprimen- no fibular longo do gato. A ativação de pares de uni-
to-tensão, reduzindo a produção de força. Em estu- dades motoras lentas e/ou rápidas resistentes à fadi-
do recente, Sandercock (2000) ilustrou o papel desse ga (FR) produziu excesso de força total na soma al-
mecanismo em somações não-lineares. O autor esti- gébrica das forças das unidades individuais para 75%
mulou dois feixes de raízes ventrais, cada um iner- das lentas e FR e pares lentas + FR testados. Ao con-
vando metade do músculo sóleo do gato. Durante as trário, a ativação de diferentes pares de unidades
contrações em que o comprimento muscular foi man- motoras rápidas fatigáveis (FF) produziu aproxima-
tido constante, foi observado algo semelhante a uma damente a mesma força do que a predita em iguais
somação linear dependente do comprimento mus- proporções. A razão força-medida para o valor predi-
cular. Sandercock, então, calculou a extensão do CES to (desvio da linearidade) para os pares FF dependeu
esperada durante a contração de metade do múscu- da freqüência de estimulação e foi reduzida de ± 60%
lo. Ele usou um servomotor para equilibrar o encur- para ± 12% com o aumento da freqüência de esti-
tamento interno das fibras através do alongamento mulação (24 Hz versus 72 Hz). Também registrou-se
da unidade musculotendínea pela quantidade calcu- que a adição de unidades motoras FF às unidades
lada. Esse movimento produziu redução marcada na lentas + FR sempre resultou em menos força do que
magnitude da somação não-linear. a adição linear da força. Para os pares FF, as contra-
A somação não-linear também foi observada no ções em maiores freqüências produzirão mais força.
nível das unidades motoras. Os estudos geralmente Com isso, as unidades motoras estarão ativadas em
incluem os músculos sóleo e gastrocnêmio (Clamann uma região mais alta da curva estresse-tensão do CES.
e Schellorn, 1988), o fibular longo (Emonet-Denand Para pares mistos, a diferença pode dever-se às dife-
et al., 1990), o tibial posterior (Powers e Binder, 1991) renças nas propriedades força-comprimento dos di-
e o reto lateral de gatos (Goldberg et al., 1997). No- versos tipos de fibras, promovendo complexas inte-
vamente, as evidências referem que essas não-linea- rações entre as fibras em muitas partes das curvas
ridades podem ser explicadas pela resposta do CES. força-comprimento. Alternativamente, isso pode ser
Powers e Binder (1991) aplicaram pequenas altera- resultado de diferenças na produção de força por di-
ções de comprimento ao tibial posterior durante es- ferentes unidades. Por exemplo, Stephens e colabo-
timulação tetânica de pares de unidades motoras. Eles radores (1975) demonstraram que diferenças aparen-
detectaram que alterações tão pequenas como 50 μm tes no comprimento ótimo entre as unidades motoras
diminuíram significativamente a não-linearidade da rápidas e lentas não foram significativas quando as
interação. Quando um único elemento se contrai primeiras foram agrupadas com grandes unidades
(i. e., uma unidade ou compartimento motor), ele se motoras lentas.
encurta às custas do CES. A contração de dois ele- A arquitetura das fibras e as unidades motoras
mentos em série incrementa a quantidade de encur- individuais dificultam a interpretação das interações
tamento interno. Como resultado desse encurtamento entre as múltiplas unidades motoras. Nas ações sub-
adicional, os dois elementos estão em um compri- máximas, as fibras em muitas unidades motoras es-
mento menos curto quando se contraem juntos do tarão em contato com fibras passivas de outras uni-
que quando se contraem isoladamente, o que os po- dades (Bodine et al., 1988). Essas fibras inativas,
siciona em diferentes regiões da relação força-com- particularmente as dispostas em série, funcionarão
primento. Ao eliminar o encurtamento adicional, é como um componente da elasticidade experimenta-
possível reduzir ou diminuir a linearidade da intera- da pelas unidades motoras ativas. Conforme mencio-
ção (Powers e Binder, 1991; Sandercock, 2000). nado anteriormente, as fibras musculares têm um sis-
158 PAAVO V. KOMI
tema de proteína transmembranácea ao longo de seu motoras, demonstrou-se que a fração de força trans-
comprimento, conectando-as à matriz extracelular ou mitida em cada metade do tendão permaneceu qua-
diretamente às fibras musculares adjacentes. Essas se que constante quando a força muscular total foi
conexões, segundo estudos, respondem pela trans- maior que ~20% da Po. Por exemplo, se o músculo
missão lateral de forças dentro do músculo. Revisões foi estimulado a produzir 50% da Po, ambas as meta-
mais detalhadas sobre esse conceito de transmissão des do tendão produziram 25% da Po.
lateral das forças dos sarcômeros e sobre as estrutu- A base teórica dessas observações está ilustrada
ras celulares envolvidas podem ser encontradas na na Figura 8.6, que ilustra a porcentagem da secção
literatura (Trotter, 1993; Patel e Lieber, 1997; Monti transversa muscular ligada às fibras musculares ati-
et al., 1999). vas em função do recrutamento. O modelo assume
As evidências diretas que fundamentam a exis- unidades motoras aleatoriamente distribuídas com
tência de uma via lateral para a transmissão da força tamanho regional uniforme. As unidades motoras
são limitadas, mas consistentes. Street (1983) demons- foram recrutadas aleatoriamente, e calculou-se a área
trou que as forças passiva e ativa poderiam ser trans- de secção transversa total da região descrita pelas fi-
mitidas das fibras via ligações entre os sarcômeros e bras mais amplamente distribuídas. Em 20% de re-
as membranas celulares nos feixes das fibras muscu- crutamento, 93% da secção transversa muscular es-
lares. Alguns estudos estendem seus resultados ao taria contida na periferia descrita pelas fibras
nível muscular total. Goldberg e colaboradores (1997) musculares amplamente distribuídas. O músculo
extirparam parte do músculo reto lateral do gato em misto, contendo gradação de unidades motoras len-
uma profundidade de aproximadamente um terço do tas com pequenas regiões para unidades motoras rá-
diâmetro muscular. Apesar dessa grande interrupção pidas com grandes regiões, exibiria elevação gradati-
das fibras musculares, a tensão contrátil muscular va na porcentagem da secção transversa com fibras
total caiu somente 5%. Então, embora 33% das fi- ativas. Então, é possível que a matriz do tecido con-
bras do músculo não pudessem transmitir força ao juntivo do músculo filtre as interações mecânicas das
longo de seu comprimento, quase nenhuma redução unidades motoras.
na produção de força foi observada. Huijing e cola-
boradores (1998) utilizaram tenotomia* para inter-
Direção da aplicação de força
romper a transmissão de força das fibras musculares
à inserção tendínea. O músculo extensor longo dos As variações na anatomia da fibra e da unidade
dedos de ratos consiste de quatro compartimentos motora possibilitam às unidades motoras também
neuromusculares, cada um inserido em um tendão variar no eixo principal ao longo do qual elas produ-
distal separado. Após o corte de três dos quatro ten- zem força. Tal variabilidade somente se dá com as
dões, a transmissão de força pelo único tendão res- unidades motoras ativadas isoladamente. Isso pode-
tante foi mais do que 80% daquela produzida pelo ria causar variação no torque aplicado em uma arti-
músculo intacto, indicando um mecanismo interno culação por diferentes unidades motoras do mes-
bem desenvolvido para a transmissão de força atra- mo músculo. De modo não surpreendente, o grau
vés do tecido conjuntivo intramuscular ao tendão res- em que as unidades motoras variam o torque de-
tante. pende da morfologia do músculo. Sokoloff e cola-
As conseqüências funcionais da integração das boradores (1997) examinaram 158 unidades moto-
forças no músculo foram claramente ilustradas por ras do gastrocnêmio medial do gato. Observou-se
Proske e Morgan (1984). Esses autores dividiram lon- variabilidade no torque das unidades motoras indi-
gitudinalmente o tendão do músculo sóleo do gato, viduais quando estimuladas experimentalmente. No
fixando cada metade a um transdutor de força sepa- entanto, quando o músculo foi ativado de forma
rado. Ao estimular várias combinações das unidades reflexa em animais descerebrados, o torque do mús-
culo não variou com o nível de ativação. Portanto,
diante do recrutamento realizado pela ativação do
sistema nervoso central, não houve recrutamento
sistêmico das unidades motoras em relação ao tor-
*N. de R.T. Relativo ao corte de um tendão. que. Esse resultado indica que, enquanto existir al-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 159
guma variabilidade sutil entre o torque das unida- Interação entre elementos
des motoras no gastrocnêmio medial do gato, essa contráteis e elásticos
variabilidade não representa um fator importante
na determinação da ordem de recrutamento das Comprimento da fibra versus comprimen-
unidades motoras. to do tecido conjuntivo
Por sua vez, as medidas da linha de ação de uni-
dades motoras do masseter do coelho demonstraram Como mencionado anteriormente, o comprimen-
ampla variação, correlacionada com as propriedades to do tendão varia amplamente de proximal a distal
das unidades motoras (Turkawski et al., 1998). O nos membros. Há benefícios e custos referentes ao
agrupamento de unidades motoras de acordo com a aumento do comprimento do tendão. Essas caracte-
função ajustou-se bem à compartimentalização ana- rísticas são importantes na definição da função de de-
tômica do masseter. Então, a correlação entre a fun- terminado músculo na condição in vivo. Nos músculos
ção e a fisiologia foi aparentemente o resultado do proximais, a relação comprimento do tendão-compri-
agrupamento das fibras de tipos similares em com- mento da fibra muscular tende a ser relativamente pe-
partimentos. No entanto, a função das unidades mo- quena. Sendo assim, qualquer deslocamento articular
toras em cada compartimento estava de acordo com controlado por esses músculos deve ser primaria-
a função teórica daqueles compartimentos no movi- mente produzido pelas fibras musculares. No entanto,
mento do maxilar. Assim, em alguns músculos (p. ex., o encurtamento das fibras musculares é reproduzido
no gastrocnêmio medial do gato) o torque aplicado com um movimento articular. O elemento elástico em
parece ser constante quando a atividade aumenta, série desses músculos é muito curto e, conseqüente-
enquanto em outros (p. ex., no masseter do coelho) o mente, tem muito pouca capacidade para participar
sistema nervoso pode recrutar subgrupos de unida- na recuperação elástica da energia mecânica. Na mus-
des motoras para produzir diferentes movimentos. A culatura mais distal, a relação comprimento do ten-
potencial significância funcional dos vetores de for- dão-comprimento da fibra tende a aumentar. Esses
ça de unidades motoras simples, isoladamente ou em tendões são candidatos primários a estocar energia
combinação, necessita de análise adicional em estu- mecânica; sugere-se inclusive que desempenham fun-
dos futuros. ções em inúmeras espécies (Alexander, 1984; Gregor
160 PAAVO V. KOMI
et al., 1988; Griffiths, 1989; Biewener e Baudinette, contração muscular humana normal in vivo. As ques-
1995; Roberts et al., 1997; Biewener, 1998). Essa elas- tões fundamentais referem que os tecidos são ten-
ticidade poderia constituir-se às custas da precisão no sionados durante movimentos normais, isto é, con-
controle da posição articular devido, em grande parte, tração muscular; qual a magnitude de tensão, ou seja,
à força gerada pelas fibras musculares para alongar os a amplitude de valores normais? Muitos trabalhos,
tendões como resultado do encurtamento da fibra tentando determinar o local de lesão muscular por
muscular. A potência desses músculos será sensível de tensão, utilizam modelos animais in situ. Nesses ex-
acordo com a sua posição na curva comprimento-ten- perimentos, a unidade musculotendínea foi isolada e
são. Postula-se que o comprimento das unidades mus- alongada ao ponto de falência, definido como a rup-
culotendíneas com essa arquitetura permanece cons- tura da unidade musculotendínea identificável por
tante, enquanto o tendão realiza grande parte do tra- análise rudimentar. Usando um modelo de coelho,
balho mecânico derivado da energia estocada quando Garrett e colaboradores registraram que o local da
os elementos ativos se encurtam (Roberts et al., 1997; lesão estava quase sempre dentro das fibras muscu-
Biewener, 1998). Uma descoberta interessante na arti- lares, imediatamente proximal à junção miotendínea
culação do punho determinou a relação entre a arqui- (JMT) (para revisão, ver Garrett, 1996). A falência
tetura da fibra muscular e as dimensões do tendão nunca se processou no tendão. Tal afirmação se con-
como altamente especializada. Essa perspectiva se ma- firma como verdadeira diante da imposição de alon-
terializa mais consistentemente diante da existência de gamento passivo ou ativo nos músculos com carac-
distinção entre as unidades musculotendíneas relati- terísticas arquiteturais muito diferentes, por exemplo,
vamente rígidas e complacentes (Loren e Lieber, 1995). os músculos tibial e fibular longo (fusiforme), o ex-
Isso permite às unidades rígidas controlarem ativamen- tensor longo dos dedos (unipeniforme), assim como
te a posição articular, enquanto mais unidades com- o reto femoral (bipeniforme) (Garrett et al., 1988).
placentes resistem às perturbações na posição por Tidball e colaboradores (1993) estimularam uma pre-
atuarem, em parte, no amortecimento do impacto. paração muscular da unidade musculotendínea do
semitendíneo da rã com junções osteotendíneas in-
tactas. Tanto nos músculos estimulados como nos
Relação entre a arquitetura não-estimulados, a lesão ocorreu na JMT proximal,
muscular e a função in vivo não na distal. Com o auxílio de microscopia eletrô-
nica, os autores identificaram diferença no local de
As interações estrutura-função musculoesquelé- lesão de acordo com o estado de ativação do múscu-
tica descritas nas seções anteriores respondem por lo. Quando o músculo não foi estimulado, o local de
inúmeras implicações clínicas óbvias associadas às lesão estava dentro do músculo na JMT proximal. Já
lesões musculares. Uma questão fundamental refe- no músculo estimulado, a lesão ocorreu na lâmina
re-se ao fato de os elementos teciduais da arquitetu- lúcida da JMT proximal.
ra da unidade musculotendínea serem “tensionados” Garrett e colaboradores também avaliaram, por
a ponto de produzir lesão por exceder seus limites tomografia computadorizada e/ou ressonância mag-
elásticos. Há duas abordagens principais para soluci- nética (RM), as lesões provocadas por tensão aguda
onar esse problema: (I) os estudos em modelos ani- em universitários (Garrett et al., 1989; Speer et al.,
mais in situ com sobrecarga passiva e ativa da unida- 1993). As lesões estavam localizadas nos grupos mus-
de musculotendínea até a fadiga; e (II) estudos em culares quadríceps, isquiotibiais, adutores e tríceps
modelos humanos e animais in vivo, analisando a dis- sural e eram associadas com ações excêntricas. Em
tribuição da tensão na unidade musculotendínea todos os casos, esses estudos de imagens localizaram
durante movimentos de rotina. o rompimento próximo ao JMT. Como nos estudos
em modelos animais in situ, o rompimento nunca afe-
Localização das lesões por tensão tou áreas médias das fibras musculares. Além disso,
as lesões foram mais prevalentes em músculos biar-
O principal passo em direção à compreensão das ticulares (p. ex., bíceps femoral, reto femoral e gas-
lesões musculares por tensão diz respeito à determi- trocnêmio medial) ou em músculos com arquitetura
nação dos eventos biomecânicos que constituem a e função complexas (p. ex., adutor longo). Combina-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 161
dos, todos esses dados identificaram claramente a resultado ajusta-se às expectativas para um músculo
JMT como o local de lesão por tensão, além de indi- com muito pouco tendão e com fascículos longos
carem que o risco de o músculo se lesionar por ten- (ver “Comprimento da fibra versus comprimento do
são aumenta com a complexidade da sua arquitetura. tecido conjuntivo” anteriormente). Biewener e Gillis
(1999) também analisaram o músculo gastrocnêmio
Padrões de tensão in vivo de patos selvagens e encontraram encurtamento sig-
nificativo dos fascículos durante o nado (24%) e na
caminhada (37%). Enquanto esses músculos são ho-
Sonomicrometria e tensão tecidual em
mólogos aos do gato e do peru discutidos anterior-
animais
mente, por possuírem tendões livres relativamente
A sonomicrometria consiste de método experi- longos, a morfologia dos membros e as taxas cíclicas
mental que ajuda os investigadores a caracterizar as encontradas no nado e na caminhada podem reque-
tensões relativas nas fibras musculares e nas estrutu- rer às fibras musculares encurtamento ativo para ge-
ras tendíneas sem fundamentar-se nas estimativas da rar deslocamento.
complacência tecidual in vivo. Os cristais piezoelétri- Considerados juntos, esses resultados indicam
cos são implantados na unidade musculotendínea ao que a função muscular é correlacionada à arquitetu-
longo do eixo do fascículo, e a distância entre os dois ra musculotendínea. Como predito das relações ar-
cristais é determinada pelo uso do tempo de trânsito quiteturais gerais, as unidades musculotendíneas com
de um pulso ultra-sônico. Griffiths (1991) aplicou essa fascículos longos e tendões curtos experimentam
técnica para mensurar a tensão fascicular muscular maiores tensões nas fibras musculares. As unidades
in situ no gastrocnêmio medial do gato e contrações musculotendíneas com tendões longos podem tole-
de comprimento constante e in vivo durante a cami- rar maior tensão total em seus tendões do que os
nhada. O autor observou 28% de encurtamento com músculos com tendões curtos.
alongamento associado dos elementos passivos du-
rante as contrações in situ, mas que, durante a loco-
Ultra-sonografia e tensão tecidual em
moção, as fibras musculares somente se encurtaram
humanos
~7%. O gastrocnêmio lateral de perus que correram
livremente se encurtou menos de 6% na fase de apoio A característica invasiva da técnica de sonomi-
da passada (Roberts et al., 1997). Biewener e colabo- crometria constitui uma limitação inerente: os cris-
radores (1998b) estudaram a tensão nos músculos tais devem ser implantados no músculo. Em vista dis-
plantar e gastrocnêmio lateral de cangurus e deter- so, os investigadores desenvolveram outras técnicas
minara que, durante o movimento normal, esses ele- menos invasivas para estudar a tensão nos músculos
mentos alongaram-se e encurtaram-se aproximada- humanos. Fukunaga e colaboradores (Fukashiro et
mente 2 e 6%, respectivamente, o que representou 7 al., 1995; Fukunaga et al., 1996; Fukunaga et al.,
e 34% de tensão nos tendões de cada um desses 1997a; Ito et al., 1998) empregaram técnicas de ul-
músculos. A tensão no tendão pode ser 3 a 10 vezes tra-som para estudar o movimento do fascículo e da
maior do que a tensão fascicular muscular em inú- aponeurose muscular durante uma contração isomé-
meros animais (incluindo caminhada de mamíferos trica. Esse grupo registrou encurtamento do fascícu-
quadrúpedes, saltos de mamíferos e aves bípedes). Isso lo muscular de ~17% no tibial anterior com alonga-
pode implicar que, na articulação do tornozelo, onde mento tendíneo associado de ~7%. No gastrocnêmio,
os músculos tendem a ter relação relativamente cur- as contrações com comprimento fixo ou com movi-
ta entre fascículo e comprimento do tendão, os ten- mento livre têm sido estudadas. O tendão e a apo-
dões e as aponeuroses associadas fornecem grande neurose do gastrocnêmio alongaram-se de 5 a 6%
parte do deslocamento na locomoção. Contudo, nem durante as contrações em ângulo articular constante
todos os músculos são delineados para utilizar a ten- (Muramatsu et al., 2001). Recentemente, esses inves-
são do tendão para gerar deslocamento. Durante o tigadores extrapolaram seus resultados para o com-
vôo, os fascículos dos músculos peitorais de pombos portamento fascicular e tendíneo no salto vertical
são alongados 30 a 40% além do comprimento do (Kurokawa et al., 2001). Os autores observaram que
fascículo em repouso (Biewener et al., 1998a). Esse o fascículo encurtou em 26%, incluindo 6% de alon-
162 PAAVO V. KOMI
gamento nas estruturas tendíneas, na parte inicial de modo que o movimento tecidual nas três dimensões
um salto (350 a 100 ms antes dos dedos dos pés per- possa ser determinado. Essa técnica consiste de pro-
derem o contato com o solo). Nos últimos 100 ms, cedimento não-invasivo muito eficaz para mensurar
os fascículos permaneceram quase que isométricos, a dinâmica muscular e esquelética in vivo. Por exem-
enquanto o tendão recolheu-se ao seu comprimento plo, Drace e Pelc (1994) utilizam o contraste de se-
inicial, resultando em 5% de encurtamento da uni- qüência cinematográfica de RM de pulso codificada
dade musculotendínea. Dessa forma, em um salto a pela velocidade para traçar o movimento dos mús-
partir da situação de repouso, a tensão nos fascículos culos do antebraço durante a flexão e a extensão dos
do músculo gastrocnêmio medial humano foi de dedos. No caso dos músculos dos compartimentos
aproximadamente 6%, similar à observada em estu- anterior e posterior das extremidades inferiores, o
dos com animais discutidos anteriormente. contraste de seqüência é aplicado durante a flexão e
a dorsiflexão plantar em humanos. As imagens iden-
tificaram os grupos musculares mais ativos e demons-
RM* e tensão tecidual em humanos
traram movimentos recíprocos de extensão e flexão.
Um tipo particular de RM emprega contraste de Utilizando as mesmas técnicas, Sheehan e colabora-
seqüência de pulso cinematográfica codificada pela dores (1998) determinaram os perfis de velocidade
velocidade e pode oferecer outro método de imagem da patela, do fêmur e da tíbia em extensões do joe-
das alterações arquiteturais que a unidade musculo- lho. Seus dados indicaram que a flexão patelar atrasa
tendínea experimenta in vivo, além de algumas res- depois da flexão do joelho e que a patela inclina-se
postas referentes à variação fisiológica da tensão te- lateralmente e, então, medialmente quando os joe-
cidual nos movimentos normais. Nesse método, os lhos se estendem.
prótons em determinado volume tecidual são codifi- Atualmente, nosso laboratório utiliza técnica de
cados pela velocidade, tanto que sua intensidade de codificação da velocidade para investigar a dinâmica
sinal (densidade ótica) na imagem resultante repre- mecânica in vivo de ações isométricas do tríceps su-
senta uma medida de velocidade daquele volume de ral em múltiplas localizações dentro e entre os fascí-
tecido. Os deslocamentos e a tensão do tecido po- culos, aponeuroses e tendões em vários níveis de re-
dem ser rastreados através da multiplicação de um crutamento. A extremidade inferior do sujeito é
tempo constante conhecido entre as imagens com a imobilizada com gesso de fibra de vidro para manter
velocidade conhecida da densidade ótica. Sucessivas o joelho em extensão total e o tornozelo em 90°. So-
repetições desses cálculos podem ser realizadas para licita-se ao sujeito uma contração isométrica submá-
cada imagem tomada em diferentes fases da contra- xima dos flexores plantares em sincronia com me-
ção muscular a fim de traçar o volume tecidual atra- trônomo luminoso a uma freqüência de 49 bpm. O
vés da contração. torque gerado é mensurado pela contração via sen-
A técnica de codificação da velocidade apresenta sores de tensão fixados à superfície plantar do gesso.
várias vantagens sobre outras imagens técnicas: (I) as Antes de iniciar as contrações, é realizado um con-
medidas de tensão podem ser feitas em regiões que junto de imagens morfológicas por ressonância das
não possuem diferentes características anatômicas re- extremidades inferiores. Essas imagens são recons-
queridas para mensurar tensões por meio de ultra- truídas em três dimensões de modo que os dados
som; (II) o rastreamento da tensão em várias fases da referentes à velocidade e à tensão, obtidos da fase das
ação isométrica é possível, permitindo a determina- imagens de contraste, possam ser sobrepostos com
ção de distintos níveis de recrutamento das unidades base na arquitetura detalhada das extremidades infe-
motoras; e (III) as imagens nos três planos anatômi- riores. Exemplos da fase de imagens em contraste da
cos, isto é, sagital, axial e coronal, são fornecidas de mesma secção digital em fases distintas (Fig. 8.7) e
em planos sagitais diferentes (Fig. 8.8) são demons-
trados para uma contração isométrica. A informação
sobre a tensão obtida da fase de imagens em con-
traste na forma de marcas de grade sobrepostas na
imagem anatômica (magnitude) concomitante ilus-
*N. de R.T. Ressonância magnética. tra a capacidade para identificar áreas de elevada ten-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 163
Figura 8.7 Exemplos de imagem de contraste obtidos a partir do uso da seqüência de pulso de RM codificados pela velocidade. A
densidade ótica de cada ponto é proporcional à velocidade do volume do tecido representado pelo ponto. Cada imagem representa a
mesma secção sagital da perna de um sujeito normal durante a flexão plantar isométrica. O lado esquerdo da imagem é anterior, e o
lado direito, posterior. As velocidades e direção do movimento de determinado ponto são refletidas nas densidades óticas, com a
escala inferior das densidades óticas representando o movimento em uma direção, enquanto a escala superior representa
movimentos na direção oposta. Observe a diferença nas velocidades dentro e entre os músculos dos compartimentos anterior e
posterior (A. Lai, S. Sinha, J. Hodgson e V.R. Edgerton, observações não-publicadas).
Figura 8.8 Exemplos de imagem de contraste obtidos a partir do uso da seqüência de pulso de RM codificado pela velocidade em
diferentes planos sagitais da perna de um sujeito normal durante uma ação isométrica. O lado esquerdo da imagem é anterior,
enquanto o direito é posterior (A. Lai, S. Sinha, J. Hodgson e V.R. Edgerton, observações não-publicadas).
são durante a contração está apresentada na Figura truir as propriedades dinâmicas de tensão de estru-
8.9 (indicado pela seta branca). turas selecionadas dentro e entre os músculos. Por
exemplo, um dos objetivos iniciais é definir o nível e
a taxa de tensão na aponeurose para os músculos do
Arquitetura muscular, lesão por tríceps sural durante contrações normais.
tensão e recuperação da lesão A compreensão da dinâmica estresse-tensão de
por tensão encurtamento e de alongamento em um complexo
muscular durante o movimento normal representa o
O uso da RM por codificação de velocidade e o primeiro estágio nos esforços referentes ao esclare-
ultra-som parecem possíveis, embora muito difíceis, cimento da etiologia das lesões musculares induzi-
para principiar a compreensão de algumas das inte- das por tensão. A habilidade de mensurar a lesão por
rações mecânicas de múltiplos músculos em um gru- tensão é um prelúdio para (I) a identificação dos lo-
po de músculos sinergistas durante a função normal. cais de lesão por tensão; (II) a determinação de quais
Além disso, parece que seremos capazes de recons- propriedades de tensão dos movimentos normais
164 PAAVO V. KOMI
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Capítulo 9
Modelos mecânicos musculares e
suas aplicações na produção de
força e de potência
WALTER HERZOG E RACHID AIT-HADDOU
Introdução
co-denominada região “da extremidade do remo”* das (Finer et al., 1994; Kojima et al., 1994; Block, 1995;
pontes cruzadas (Fig. 9.2). Embora existam paradig- Funatsu et al., 1995; Molloy et al., 1995; Nishizaka et
mas conflitantes referentes à contração (Iwazumi, al., 1995), tornou-se possível estudar as interações
1979; Pollack, 1995), nenhum deles atingiu aceita- de uma única ponte cruzada com um único filamen-
ção geral. to de actina. Com essas técnicas, experimentos que
Com o surgimento dos métodos de pinça óptica pareciam impossíveis há uma década agora podem
e do refinamento do microscópio de força atômica ser realizados. A força e o tamanho do deslocamento
potente de uma única ponte cruzada têm sido deter-
minados por meio de pinças laser e de microscópio
de força atômica. Com base no modelo tradicional
de rotação das pontes cruzadas, bem como da geo-
metria das cabeças das pontes cruzadas e da “extre-
midade do remo” (a parte tida como responsável pelo
“golpe potente”), é possível determinar um movimen-
to da miosina musculoesquelética de aproximada-
mente 10 nm. Também, deslocamentos de 11 a 30
nm têm sido registrados (Yanagida, 1999). Além dis-
so, a redução do comprimento da “extremidade do
remo” na miosina musculoesquelética por mutação
não diminui o tamanho do deslocamento, como se
poderia esperar com base na teoria de rotação da
ponte cruzada (Yanagida, 1999). Resultados simila-
res obtidos em outros motores moleculares que não
o musculoesquelético sugerem que a contração pode
ocorrer, no mínimo em parte, através da propensão
ao movimento browniano, geralmente referido como
roquete* molecular (Feynman et al., 1966).
Os roquetes moleculares funcionam de diversas
formas; todas elas contêm o elemento que torna o
movimento browniano das moléculas direcionalmen-
te propenso a promover o transporte de uma molé-
cula relativamente à outra. Tal propensão pode ser
produzida, por exemplo, por potenciais locais assi-
métricos, em que a molécula se isola (Julicher, 1999).
A tarefa de descrição de modelos mecânicos da pro-
dução de força/potência é difícil neste momento, pois
Figura 9.2 Representação esquemática e mecânica do ciclo os eventos moleculares da produção de força não
das pontes cruzadas de acordo com o pressuposto de Rayment foram completamente compreendidos. No entanto,
e colaboradores (1993). Observe que se admite que o golpe
potente ocorre em um ponto na região da extremidade do remo essa tarefa também é excitante por permitir a com-
da ponte cruzada. Além disso, observe como um ciclo de ponte paração de teorias tradicionais com teorias baseadas
cruzada é associado com um ciclo de hidrólise de ATP. em novas idéias.
A partir dos comentários anteriores, o presente
capítulo iniciará com considerações de vários mode-
los: (I) os modelos de Hill, baseados no trabalho clás-
*N. de R.T. No presente texto, esta estrutura da ponte cruzada, sico de A.V. Hill (1938) sobre a termodinâmica da
mais especificamente localizada na miosina, será tratada “re-
gião da extremidade do remo” em virtude da ligeira semelhan-
ça que apresenta com a extremidade inferior de um remo, a
qual entra em contato com a água. Relativo à expressão ingle-
sa “neck region”. *N. de R.T. Semelhante a uma engrenagem dentada.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 171
contração muscular e que, mais do que quaisquer a taxa de produção de calor é menor do que durante
outros modelos teóricos em biomecânica, ainda são uma contração isométrica (Hill, 1938). Além disso, a
extensivamente utilizados; (II) os modelos das pon- taxa total de liberação de energia é extremamente
tes cruzadas, fundamentados nos embriônicos tra- maior e menor nas contrações concêntrica e excên-
balhos de A.F. Huxley (1957), Huxley (1969) e Hux- trica, respectivamente, quando comparadas à contra-
ley e Simmons (1971); e, finalmente, os modelos tipo ção isométrica. As decrições anteriores não poderi-
roquete, que adquiriram notoriedade recente através am ser feitas caso a liberação de energia bioquímica
da apresentação de um mecanismo físico atual, no durante a contração fosse uma “constante muscu-
qual a contração poderia ocorrer, algo que nem o lar” e o fluxo de fluido viscoso em uma rede elástica
modelo de Hill, nem o das pontes cruzadas faz. representasse as alterações na força com a velocida-
Após descrição conceitual e matemática desses de de contração (Gasser e Hill, 1924). Portanto, o
modelos, consideraremos como os mecanismos mo- modelo viscoelástico proposto por Gasser e Hill
leculares da contração podem transferir-se em pro- (1924) (um fluido viscoso em uma rede elástica) não
priedades musculares. Finalmente, consideraremos poderia explicar as observações energéticas realiza-
como as propriedades mecânicas musculares podem das durante o encurtamento e o alongamento do
servir para analisar e otimizar o desempenho espor- músculo ativo e, então, deveriam ser refutadas como
tivo. um mecanismo primário para a relação força-veloci-
dade. No entanto, essa descoberta não significa que
os músculos não possuem elementos e propriedades
Modelos musculares viscosas ou viscoelásticas.
No seu mais famoso experimento em relação ao
Modelo de Hill calor do encurtamento do músculo esquelético, que
proporcionou a formulação do modelo que leva seu
“É estranho como o cérebro de uns falha em tra- nome, Hill (1938) demonstrou que o músculo pro-
balhar adequadamente quando teorias animais estão duziu calor durante contrações isométricas. Quando
envolvidas.” Esta citação de Hill (1970) descreve seus o músculo se contraiu de forma isométrica e foi su-
próprios sentimentos quando as evidências científi- bitamente liberado de uma sobrecarga, que permitiu
cas sugeriram que sua teoria viscoelástica da contra- o seu encurtamento, houve incremento na taxa de
ção muscular estava errada. Gasser e Hill (1924) ad- produção de calor proporcional à velocidade de en-
mitiram que o efeito da velocidade de contração sobre curtamento. A produção parou quando a velocidade
a força exercida por um músculo foi causado por uma de encurtamento foi interrompida (Fig. 9.3a). O ca-
rede elástica contendo um fluido viscoso. A contra- lor total extra produzido durante o encurtamento foi
ção muscular, com sua correspondente alteração da proporcional ao comprimento (distância) do encur-
forma, requereria que o fluido viscoso derivasse rela- tamento (Fig. 9.3b).
tivamente do tecido sólido. Um incremento da velo- Quando o tamanho do músculo é considerado e
cidade de contração e, portanto, da taxa de alteração a estimulação é constante (normalmente supramáxi-
na forma muscular aumentaria a força viscosa e pro- ma), o calor do encurtamento (H) pode ser expresso
vocaria um decréscimo na força produzida externa- como H = ax, onde x é o comprimento do encurta-
mente pelo músculo para o trabalho mecânico. mento durante a contração, e a, um fator constante
Gasser e Hill (1924) acreditaram que esse modelo vis- de proporcionalidade relacionando o calor de encur-
coso representava grande parte da relação força-ve- tamento e a distância encurtada; a assume as unida-
locidade observada no músculo esquelético em con- des de força.
tração. Caso essa alusão fosse correta, era de se esperar O valor da constante a depende do tamanho, ou,
que a quantidade de energia perdida como forma de mais precisamente, da área de secção transversa fi-
calor durante a contração seria proporcional à velo- siológica do músculo, além do nível de ativação. Hill
cidade de encurtamento ou de alongamento quando (1938) demonstrou que o valor de a/P0 (onde P0 re-
isso representasse a alteração na força viscosa com a presenta a força isométrica máxima) é razoavelmente
velocidade. No entanto, quando o músculo é alonga- constante (≈ 0,25). Esse resultado pode ser compre-
do em velocidade lenta (de modo que não “deslize”), endido ao perceber-se que P0 (como a) depende da
172 PAAVO V. KOMI
(3)
Com base no trabalho experimental disponível segue. Podendo a relação força-velocidade experimen-
em 1938, Hill (1938) concluiu que o músculo esque- tal ser expressa, simbolicamente, como:
lético pode ser observado como um “sistema de dois
componentes, consistindo de um elemento firme (5)
puramente elástico em série com um elemento con-
trátil, controlado pela equação característica (P + a) onde Fmáx representa a força isométrica máxima no
(v + b) = constante”. Uma modificação subseqüente platô da relação força-velocidade. Para outros com-
dessa idéia é a introdução de um elemento elástico primentos, que não o ótimo, a fórmula deveria ser
extra em paralelo com a combinação de dois elemen- decomposta por meio da relação F(l0)/ Fmáx, onde F(l0)
tos de Hill (Fig. 9.5). O elemento contrátil (CE) é um é a relação força-comprimento ativa avaliada em l0.
instrumento que introduz a relação força-velocidade Essa decomposição pode ser representada, no míni-
“pela porta dos fundos”, mais do que a sua obtenção mo, de duas maneiras:
como uma conseqüência do comportamento com-
binado de elementos simples. Através da mesma téc- fCE ( w , l0 ) = fexp ( w , F (l0 )) (6)
nica da porta dos fundos, o CE de Hill (originalmen-
te concebido para operar no platô da relação força- ou:
velocidade) pode ser generalizado por incluir a res-
posta força-comprimento total. O CE generalizado,
(7)
para ser empregado no seguinte modelo, é controla-
do por um parâmetro de ativação de tudo-ou-nada.
No estado inativo, o CE não pode manter qualquer Pode-se sugerir a seguinte fórmula de acordo com
força, e seu comprimento pode ser ajustado. No es- um exemplo da primeira opção:
tado ativo, o comportamento do CE pode ser descri-
to pela equação: b
0 para w ≤ − F ( l0 )
a
F ( l0 ) b + aw
(4) b
−w + b para − F ( l0 ) < w ≤ 0
a
fornecendo a força do elemento contrátil, fCE, como
F ( l0 ) b′ + a′w
função da velocidade de contração, w·, e o compri- fCE = 1,5 F ( l0 ) − 0, 5
mento, l0, do CE no momento da ativação. Essa função w + b′
b′
pode estar relacionada aos dados empíricos como
para 0 < w ≤ F ( l0 )
a′
1,5 F l b′
( 0) para F ( l0 ) < w
a′
(8)
ção permitiu que a ponte cruzada saísse do estado de elástico na ponte cruzada e, então, incrementando
um acoplamento estável para o próximo sem deslo- sua força (Fig. 9.16c). A superioridade do modelo de
camento relativo correspondente dos filamentos gros- 1971, quando comparado ao de 1957, não se mani-
sos e finos. A representação diagramática do modelo festa apenas em experimentos laboratoriais básicos,
de pontes cruzadas de 1971 é demonstrada na Figu- mas parece possuir muitas implicações práticas em
ra 9.15. atividades esportivas. Imagine um esporte como o
Os transientes de força durante a alteração rápi- esqui alpino, em que os principais grupamentos mus-
da do comprimento são explicados a seguir. Caso um culares da perna em trabalho são continuamente sub-
músculo seja liberado de forma extremamente rápi- metidos a pequenas alterações de comprimento de-
da, não haverá nenhuma rotação da cabeça da ponte vido às vibrações geradas pelo solo no esqui. A força
cruzada (Fig. 9.16a,b). Portanto, a queda observada muscular seria perdida em grande escala caso tais al-
na força durante o grau de comprimento (T1) corres- terações vibratórias de comprimento fossem associ-
ponde à propriedade de força-alongamento do ele- adas à liberação contínua e ao acoplamento das pon-
mento elástico não-amortecido* dentro da ponte cru- tes cruzadas (modelo de 1957). No entanto, se tais
zada. Em virtude do argumento de que a relação entre
o valor de T1 e a distância do grau de comprimento
era praticamente linear (a não-linearidade observada
experimentalmente foi associada com o início da re-
cuperação rápida nos maiores graus de comprimen-
to), a elasticidade da ponte cruzada também foi line-
ar (2,3 × 10–4 Nm–1 [Huxley e Simmons, 1971]). Uma
vez que o grau de comprimento extremamente rápi-
do foi completo, a rápida recuperação da força tor-
nou-se possível graças à rotação da cabeça da ponte
cruzada de energia potencial baixa, alongando o link
Figura 9.15 Representação diagramática do modelo de Figura 9.16 Explanação esquemática da perda e rápida
pontes cruzadas de múltiplo estado, de acordo com a proposta recuperação da força durante e após rápido passo de
inicial de Huxley e Simmons (1971). comprimento (ver texto para explicação detalhada).
180 PAAVO V. KOMI
alterações pudessem ocorrer sem a liberação das pon- de tempo) de que a conexão das pontes cruzadas seja
tes cruzadas (modelo de 1971), as forças tenderiam a clivada é dada pela função g(x) (Fig. 9.9).
flutuar com as vibrações musculares ao redor de um Se considerarmos um grande número de pares
valor de equilíbrio. idênticos M-A (i. e., pares tendo em cada instante
Huxley e Simmons (1971) discutiram o modelo um e o mesmo valor de x), a proporção n(t) dos pares
de pontes cruzadas com três estados acoplados está- acoplados será tão-somente uma função do tempo.
veis e derivaram equações para um sistema conten- Estamos interessados na obtenção de uma fórmula
do dois estados estáveis. Muitos modelos adicionais, para a taxa de alteração n(t). Por definição de f(x) e
com uma variedade de estados estáveis, são propos- g(x), podemos escrever:
tos (Eisenberg e Greene, 1980; Eisenberg et al., 1980),
mas a idéia básica de todos eles pode ser traçada no dn
= (1 − n ) f ( x ) − ng ( x ) (15)
contorno de modelo de pontes cruzadas de 1971 dt
(Huxley e Simmons, 1971).
O modelo de pontes cruzadas, como discutido A equação (15) é mais adiante referida como a equa-
aqui, dominou nosso pensamento no que se refere à ção de Huxley. Note que para o estado de equilíbrio
contração muscular nas últimas quatro décadas. Isso dinâmico, quando dn/dt = 0, devemos ter, de acordo
não equivale ao fenômeno amplamente observado; com a equação de Huxley, o seguinte valor para a
na realidade, argumenta-se que ele negligencia alguns proporção dos pares acoplados:
fenômenos muito básicos, tais como a produção de
força história-dependente de longa duração do mús- f (x)
neq = (16)
culo durante alongamento ou encurtamento (Abbott f (x) + g (x)
e Aubert, 1952; Edman et al., 1978; Maréchal e Pla-
ghki, 1979; Sugi e Tsuchiya, 1988; Granzier e Polla-
como esperado em bases intuitivas; a proporção de
ck, 1989; Edman et al., 1993). Portanto, o modelo de
pontes cruzadas acopladas em equilíbrio é controla-
pontes cruzadas poderia ser revisado ou substituído
da pela probabilidade de acoplamento.
em um futuro próximo. Atualmente, ele representa o
Para solucionar a equação (15) para n(t), deve-
paradigma de escolha e demanda forte evidência e
mos especificar o movimento relativo global x = x(t) e
teoria convincente para ser substituído.
a condição inicial n0 = n(0). Isso é algumas vezes con-
veniente para fornecer, em vez de x(t), a velocidade
Formulação teórica relativa de deslizamento global v = v(t), em que o caso
x(t) pode ser obtido por integração como:
Na versão original do modelo, Huxley (1957)
postulou que o filamento de miosina é dotado de t
“pedaços laterais que podem deslizar ao longo da es-
trutura do filamento, sendo a magnitude do movi- ∫
x ( t ) = x ( 0 ) + v (T ) dT
0
(17)
mento limitada por uma conexão elástica”. Na Figu-
ra 9.8, esses movimentos de acoplamento são repre- onde o v negativo significa encurtamento do sarcô-
sentados pelo M. Admitimos que o “salto” constante mero.
total é k. Os pedaços M acoplam-se aos locais espe- Até agora, determinamos que todos os pares M-
cíficos A fixados ao longo dos filamentos finos adja- A têm a mesma distância x(t). Na realidade, x(t) deve-
centes (Fig. 9.8). Esses acoplamentos são clivados por ria claramente ser distribuído quase que randomica-
reação química que requer ATP. Há oscilação do ele- mente (i. e., uniformemente) na variação [-0,5la,0,5la],
mento de deslizamento desacoplado, M, devido à agi- onde la representa a distância típica entre os locais de
tação térmica. No entanto, a probabilidade do aco- actina. Nesse caso, devemos falar da distribuição da
plamento por unidade de tempo é controlada pela função n(x,t) “por unidade de comprimento” tal que
distância x entre a posição (média) de equilíbrio O e o produto n(x,t) dx represente, no momento t, a pro-
o local de acoplamento potencial A no filamento fino. porção de pontes cruzadas acopladas naquela distân-
Essa distribuição de probabilidade para o acoplamen- cia do local de actina (mais próximo), entre x e x + dx.
to é f(x). Inversamente, a probabilidade (por unidade Pelo pressuposto de uniformidade, a proporção de
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 181
(18)
(19)
po t a inclinação v(t) depende de x. A observação cui-
onde v é negativo para o encurtamento do sarcôme- dadosa da equação (20) revela que seu primeiro mem-
ro. A análise cuidadosa, em que admitimos miofila- bro representa a derivação de tempo da função
mentos rígidos, confirma que a equação diferencial n(γp(t),t), onde γp(t) representa a curva característica
agora é: única passando através do ponto (x,t). Em outras pa-
lavras, a integração do diferencial parcial da equação
(20) reduz à expressão mais simples para a integra-
(20)
ção da equação comum diferencial de Huxley ao lon-
go da curva característica por meio de cada ponto P
O movimento global da velocidade relativa de deslo- do múltiplo inicial, nomeadamente:
camento v(t) é admitido para ser fornecido.
Para solucionar uma equação desse tipo (equa-
dnp ( t ) ⎛1 ⎞
ção diferencial parcial de primeira ordem), deve-se
dt
( ) (
= ⎜ − np ( t ) ⎟ f γ p ( t ) − np ( t ) g γ p ( t ) )
especificar os valores de n0 da variável desconhecida ⎝ la ⎠
n em uma curva inicial (ou múltiplo inicial), muito (23)
comumente a linha t = 0. Em determinado ponto de
P do múltiplo inicial (Fig. 9.17), passa uma curva ca- com a condição inicial:
racterística única, x = γp(t), obtida como a solução da
equação ordinária diferencial: (24)
desacoplamento dos pares M-A, respectivamente. Aqui a função de magnitude é a proporção n(x,t) das
Elas são expressas em unidades de tempo recíproco. pontes cruzadas acopladas por unidade de compri-
Para o modelo fornecer os resultados desejados, su- mento. A força total é:
põe-se que f(x) desaparece caso A esteja à esquerda
de M (para a metade direita do sarcômero, como de-
monstrado na Fig. 9.8), enquanto para a mesma con- (26)
dição, g(x) alcança um valor constante maior. Quan-
do A está à direita de M, f(x) e g(x) desenvolvem-se
linearmente, sendo f(x) truncado a um valor de x = h obtida ao se multiplicar a força média por local pelo
(muito menor que 0,5la) representando a amplitude número de locais envolvidos na secção transversa.
da capacidade de união (Fig. 9.9). Uma explicação Ao fornecer ao músculo uma velocidade negati-
para tal comportamento de chance das distribuições va (i. e., encurtamento) constante V, isso resulta em
de probabilidade pode ser encontrada em uma des- velocidade de deslocamento do sarcômero:
crição geométrica mais detalhada das pontes cruza-
das e das estruturas moleculares, que não estavam
disponíveis para Huxley em 1957. Uma possível ex- (27)
plicação é fornecida neste capítulo sob o tópico “Mo-
delos de roquete”, em que uma solução fisicamente onde ns é o número de metades de sarcômero em um
possível é fornecida ao problema das funções. No comprimento muscular. Já que v, nesse caso, é uma
entanto, deve-se considerar que, do ponto de vista constante, a integração da equação (21) fornece as
mecânico, a idéia de um mecanismo de roquete da curvas características como as linhas retas:
contração muscular não é compatível com a idéia do
“golpe potente” dos modelos de pontes cruzadas, γ p ( t ) = xp + vt , ( v < 0 ) (28)
embora o comportamento bruto da produção de for-
ça muscular possa parecer o mesmo em ambos os
modelos. Estrutural e filosoficamente, os modelos Um ponto crucial nesta junção é que em vez de
roquete e das pontes cruzadas não são compatíveis. supor as condições iniciais em t = 0 Huxley efetiva-
mente mudou o múltiplo inicial para a linha x = h e
especificou n = 0 sobre essa linha. Na primeira im-
Quantidades macroscópicas do mode- pressão, pode parecer surpreendente que as condi-
lo das pontes cruzadas ções iniciais possam ser especificadas em uma outra
A força total de um músculo pode ser calculada linha que não t = constante. Mas a linha x = h repre-
pela teoria das pontes cruzadas. Ao assumir que am- senta um múltiplo inicial perfeitamente válido, já que
bas as metades do sarcômero devem produzir a mes- satisfaz a restrição matemática de não estar em qual-
ma força, deve-se somente considerar a soma de quer ponto tangente à linha característica.
ambas as metades do sarcômero em uma secção O tempo de intersecção da curva característi-
transversa fisiológica. A representa a área dessa sec- ca através de P com o múltiplo inicial é calculado
ção transversa, m o número de locais M por unidade como:
de volume e s o comprimento médio instantâneo do
sarcômero. Então, o número de locais contidos em
(29)
todas as metades do sarcômero afetadas pela secção
transversa é igual a mAs/2. A força média por local é
obtida ao calcular a magnitude média das forças nas A solução da equação (20) deve ser contínua. Consi-
molas individuais, que é: derando as retas características, as condições especi-
ficadas no múltiplo inicial, na continuidade e nas
dadas distribuições de probabilidade, a solução da
(25) característica equação diferencial (23) é obtida por
integração direta como (ver também Fig. 9.9):
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 183
lingüeta discutidos por Feynman: uma partícula tema. Para procedimentos posteriores, admitimos que
browniana em formato dentado, submetida a flutua- importantes movimentos do sistema (filamento mi-
ções externas ou forças externas periódicas, é capaz osina-actina) podem ser descritos com algumas vari-
de movimento vetorial (Magnasco, 1993). O autor áveis conformacionais caracterizadas pelo grande
também discutiu uma possível associação entre esse tempo de relaxamento para o equilíbrio, comparadas
fenômeno e o transporte e a geração de força nos a outras variáveis conformacionais não-consideradas.
sistemas biológicos, tais como a contração muscular As variáveis conformacionais com tempo de relaxa-
e o movimento celular. A partícula browniana foi re- mento rápido podem ser ignoradas, já que são consi-
ferida como “motor molecular”, e o sistema, como deradas em equilíbrio na escala de tempo de relaxa-
“modelo roquete”. Desde o trabalho de Magnasco mento das flutuações “calor-banho”. As variáveis
(1993), são inúmeras as contribuições com o objeti- conformacionais com grande tempo de relaxamento,
vo de caracterizar os diferentes sistemas pelos quais isto é, dinâmica lenta, são indicadas por x1, x2,..., xn.
o movimento unidirecional de uma partícula brow- Como o sistema é controlado por energia química,
niana pode ser induzida sem uma força de gradiente no mínimo uma dessas variáveis conformacionais
macroscópico (Astumian e Bier, 1996; Julicher et al., deve refletir o progresso das reações químicas. Ela
1997). Especificamente, a idéia de roquete tem sido será tomada como variável química, e indicada por
incorporada na descrição de associação mecanoquí- x1. As demais, do tipo conformacional, serão variá-
mica da geração de força na contração muscular veis mecânicas. No mínimo uma dessas variáveis me-
(Zhou e Chen, 1996; Derenyi e Vicsek, 1998) ou no cânicas deve refletir a posição da miosina em relação
movimento direcionado da cinesina e da dineína ao ao filamento de actina durante a contração muscu-
longo dos microtúbulos (Derenyi e Vicsek, 1996). Um lar. Essa variável será indicada por x2. Todas as de-
tema comum nessas investigações é que as proteínas mais variáveis mecânicas representarão uma alte-
motoras podem gerar força e direcionar o movimen- ração conformacional significativa do motor de mio-
to ao retificar reações térmicas. Nesse modelo de ro- sina, como a rotação da cabeça de miosina, o movi-
quete, a energia química não é diretamente utilizada mento do “pescoço” da miosina, etc. Cada confor-
para produzir força. Mais do que isso, o motor mole- mação x1, x2,..., xn é associada com uma energia livre
cular difunde-se ao longo de seu espaço em movi- V(x1, x2,... xn), cuja propriedade é garantir que seus
mento aleatório, e a reação química simplesmente derivados referentes a x1, x2,... xn determinem a força
influencia o movimento de modo que os passos sejam média ao longo dessas variáveis. Em princípio, a ener-
mais prováveis em uma direção do que em outra. No gia livre de cada conformação pode ser calculada pela
caso da contração muscular, é mais provável que a ca- mecânica estatística de Boltzmann, uma vez que o
beça de miosina produza força positiva do que negati- hamiltoniano do sistema de banho é conhecido
va. Essas investigações teóricas são respaldadas pelos (Mcquarrie, 1976; Keller e Bustamante, 2000). Para
resultados de interações isoladas miosina-actina simplificar a descrição da operação do motor mole-
(Svoboda et al., 1993; Finer et al., 1994; Spudich, 1994). cular, consideremos o caso de uma variável química,
No “modelo de roquete”, acredita-se que o siste- x1, descrevendo o passo da reação da hidrólise de ATP,
ma consista de um par de filamentos miosina-actina e uma variável mecânica, x2, descrevendo a posição
como uma pequena máquina operando em banho do centro de massa da cabeça de miosina. Nesse caso,
térmico, sujeito a grandes flutuações no estado con- a energia livre V(x1, x2) define uma superfície de po-
formacional e químico. Em princípio, todas as con- tencial energético bidimensional em que a cabeça de
formações podem ser descritas por um conjunto de miosina se movimenta. Em qualquer posição fixa x2,
variáveis conformacionais, x1, x2,..., que poderiam a curva espacial V(.,x2) será observada como uma re-
incluir todos os graus de liberdade das moléculas ação típica livre de energia do diagrama, em que o
motoras (posições do átomo, ângulo e distância de mínimo representa o estado bioquímico estável, se-
união, etc.). No entanto, essa descrição detalhada de parado pelas barreiras de energia livre que represen-
todas as variáveis conformacionais apresenta um de- tam a ativação energética para o progresso das rea-
safio computacional irreal e, em muitos casos, não é ções químicas. As constantes das taxas de reações
necessária na descrição dos fatores genéricos do sis- químicas podem ser calculadas como o inverso do
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 185
primeiro tempo médio de passagem da transição en- O movimento estocástico do motor mo-
tre o mínimo do potencial energético livre através do lecular
uso do formalismo de Langevin (Kramers, 1940).
Na ausência de flutuações térmicas, o sistema
Observe que as constantes das taxas nessa descrição
deveria ser localizado em um mínimo do potencial
dependem da posição da cabeça de miosina, um fato
de energia livre, V(x1, x2). No entanto, em determina-
reconhecido por Huxley (1957). Uma vez que, após
da temperatura T, cada uma das variáveis de banho
cada hidrólise de ATP, a miosina deve retornar ao
possui energia da ordem kT, onde k é a constante
seu estado inicial, e a energia livre deve ter diminuí-
Boltzmann. As barreiras do potencial de energia li-
do em quantidade fixa, a curva espacial V(., x2) repre-
vre, V(x1, x2), são apenas poucas vezes maiores que o
senta uma curva periódica inclinada em relação à
valor kT. Portanto, as flutuações térmicas teriam gran-
variável química, isto é,
de efeito no movimento do sistema e seriam respon-
sáveis pela hidrólise de ATP e pela geração de força.
V(x1 + C,x2) = V(x1,x2) + V0 (33)
Uma abordagem comum na descrição desse sistema
é o formalismo Langevin. Nele, uma força aleatória
onde V0 é a constante e C representa o período da
(descrevendo o banho térmico) é adicionada à equa-
reação química.
ção determinista do movimento do sistema:
Em qualquer posição fixa na coordenada quími-
ca x1, a curva espacial, V(x1,.), representa a alteração
na energia livre associada com o movimento da ca- dxi ∂V ( x1 , x2 )
γi = + Fi ( t ) + ξi ( t ) , i = 1, 2 (34)
beça de miosina ao longo do filamento de actina. dt ∂xi
Considerando a estrutura periódica do filamento de
actina, com período de d = 38,5 nm, a alteração total onde γi representa as constantes de umidade; Fit são
na energia livre entre dois locais na distância d no as forças externas, em que se pode incluir a força em
filamento de actina tem de ser zero. Portanto, a curva oposição ao movimento da cabeça de miosina, (F2(t)),
espacial, V(x1,.), é periódica com o período d, e seu e a sobrecarga afetando o progresso temporal da rea-
mínimo representa locais de ligação estável da mio- ção química, (F1(t)), e ξi(t) os ruídos brancos Gaussia-
sina ao longo do filamento de actina. Para implemen- nos com pequena variação de correlação, isto é,
tar a idéia de roquete, a curva espacial, V(x1,.), deve
ser assimétrica para alguns valores específicos da va-
riável química x1. A assimetria estrutural dos monô- < ξi ( t ) , ξi ( s ) ≥ 2γ i kT δ ( t − s ) , i = 1, 2 (35)
meros de actina e a cabeça de miosina em certas con-
formações, tais como na ligação da ATP à cabeça de onde δ(x) representa a função Dirac. A clássica força
miosina ou no passo da hidrólise de ATP, seriam pos- de inércia, mẍi, foi negligenciada, assumindo-se que
síveis explanações para essa assimetria. Devido à ge- todos os movimentos são completamente amorteci-
ração de força no músculo representar o resultado dos. Observe que, adicionando uma força, F1(t), ao
do movimento da cabeça de miosina ao longo do fi- movimento da coordenada química x1, uma constante
lamento de actina, devemos especificar regiões na de taxa dependente de carga é fornecida para as rea-
superfície bidimensional V(x1, x2) quando as regiões ções químicas. As flutuações aleatórias do banho tér-
produzem força. A força gerada em qualquer ponto mico tornam também aleatória a trajetória do ponto
nessas regiões pode ser calculada como a derivação do sistema (x1(t), x2(t)). A escolha da dinâmica de ru-
de V(x1, x2) em relação a x2. Observe que essa força ído branco para o banho térmico destrói todas as
pode ser negativa ou positiva (característica ausente correlações de forças térmicas após um tempo infi-
na teoria de Huxley imediatamente sobre o acopla- nitesimal. Portanto, o sistema não possui memória,
mento ou em situações isométricas), mas o mecanis- e a trajetória (x1(t), x2(t)) representa um processo
mo de roquete fornece uma força positiva total (em Markoviano. No entanto, é bem aceito que a produ-
que o positivo é definido como a força que tenderia a ção de força muscular dispõe de memória. Ou seja, a
encurtar o sarcômero). força depende da história das condições contráteis. O
186 PAAVO V. KOMI
modelo de roquete poderia considerar esses efeitos de- processos estocásticos no espaço multidimensional
pendentes de história qualitativamente, por substituir não podem ser empregadas para solucionar tais pro-
o ruído branco pelo colorido, que contém correlações blemas. Uma abordagem comum para esse tipo de
específicas. problema é a conversão da dinâmica bidimensional
Temos analisado a estatística da trajetória a fim para unidimensional às custas do descrédito da co-
de caracterizar os fatores do sistema (x1(t), x2(t)). Isso ordenada química. Ao usar esse procedimento, a
pode ser feito pela definição da densidade de proba- constante da taxa de reação química deve ser forne-
bilidade para o sistema, p(x1,x2,t), para estar em con- cida. A cabeça de miosina flutuará em diferentes po-
formação (x1,x2) no tempo t. Essa densidade de pro- tenciais associados a diferentes estados de reações
babilidade acompanha as equações de Fokker-Planck químicas. A taxa de mudança entre os potenciais é
(Chandrasekhar, 1943): coordenada pelas constantes das taxas de reações
químicas. Esse tipo de roquete é referido como “ro-
∂p ( x1 , x2 , t ) ∂J1 ( x1 , x2 , t ) ∂J 2 ( x1 , x2 , t ) quete brilhante” (Astumian, 1997). Utilizaremos um
+ + =0 modelo de dois estados, equivalente à teoria das pon-
∂t ∂x1 ∂x2
tes cruzadas da contração muscular proposta por
(36) Huxley (1957), para derivar a equação estocástica de
movimentos. Uma generalização ao modelo multies-
onde J1(x1,x2,t) representam a probabilidade da den- tado é fornecida a seguir.
sidade atual definida por Indique por x a posição do centro de massa da
cabeça de miosina. Admita que a variável química
kT ∂p ( x1 , x2 , t ) possui dois estados discretos: A (acoplada) e D (não-
J i ( x1 , x2 , t ) = − +
γi ∂xi acoplada). As reações químicas produzem mudanças
da cabeça de miosina do estado acoplado para o não-
1 ⎛ ∂V ( x1 , x2 ) ⎞
⎜⎜ − + Fi ( t ) ⎟ p ( x1 , x2 , t ) acoplado na taxa g(x), e do estado não-acoplado para
γi ∂xi ⎟
⎝ ⎠ o acoplado na taxa f(x). As duas constantes da taxa
(37) dependem da posição da cabeça de miosina. Ao con-
trário da teoria de Huxley (1957), as constantes de
A equação (37) fornece a equação original da densi- taxa f(x) e g(x) não precisam ser assimétricas para con-
dade atual. O primeiro termo na equação (37) repre- siderar a geração de força positiva na contração mus-
senta um difusivo atual com constante de difusão cular. Uma prática comum é assumir que a constan-
Di = kT/γi, de acordo com a relação flutuação-dissi- te de taxa g(x) está localizada em um local de ligação
pação de Einstein. O segundo termo representa um hipotético no filamento de actina. A constante de taxa
impulso atual causado pela ação da força no sistema. f(x) é independente de x desde que, no estado não-
Ao substituir a equação (37) pela (36), é fornecido acoplado, a cabeça de miosina movimente-se livre-
um sistema de segunda ordem de equações parciais mente e para longe do filamento de actina. Portanto,
diferenciais que podem ser solucionadas para p(x1,x2,t) a reação química provavelmente seria independente
em qualquer determinado tempo t, dada uma distri- da posição da cabeça de miosina. No estado não-aco-
buição conhecida p0(x1,x2) no tempo t = 0. Uma vez plado (D), o potencial de energia livre VD(x) da variá-
que p é conhecido, a probabilidade atual J (compor- vel mecânica x pode ser tido como constante, refle-
tamento de transporte do sistema) pode ser encon- tindo o fato de que as diferentes conformações da
trada por meio da equação (37). cabeça de miosina possuem a mesma energia livre e
são independentes da posição da cabeça de miosina
em relação ao filamento de actina. No estado acopla-
Modelo de roquete multiestado
do (A), o potencial de energia livre VA(x) é periódico e
As características gerais da equação (37) ainda aceito como assimétrico em determinado período
são de difícil solução mesmo com todas as simplifi- devido à assimetria do filamento de actina. O funcio-
cações fornecidas anteriormente (eliminação de va- namento do motor de miosina pode ser compreen-
riáveis conformacionais rápidas, química e mecâni- dido como segue. No estado não-acoplado, a cabeça
ca). As técnicas disponíveis referentes à teoria dos de miosina está em posição x e realiza um movimen-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 187
to browniano livre. A probabilidade de distribuição Fext(t) representa a sobrecarga externa aplicada pela
da posição da cabeça de miosina segue uma função cabeça de miosina. A sobrecarga externa pode ser
gaussiana que se estende no tempo. Uma vez que a compreendida como a força aplicada ao filamento de
reação química avançou, a cabeça de miosina volta actina. Caso a força externa independa do tempo, é
ao estado acoplado; devido à assimetria do potencial possível obter uma solução estacionária. Nessa situa-
nesse estado, é mais provável que a cabeça de miosi- ção, a velocidade do motor de miosina é dada por:
na esteja localizada na região do potencial com incli-
nação positiva do que na região com inclinação ne-
gativa (Fig. 9.18). Portanto, é mais provável que a (40)
cabeça de miosina esteja em posição de exercer força
positiva (que tenderia a encurtar o sarcômero) do que
em posição de exercer força negativa. A probabilida- onde d representa a periodicidade do filamento de
de a densidade descobrir a cabeça de miosina no es- actina. A equação (40) fornece a relação sobrecarga-
tado D ou A no tempo t é, respectivamente, indicada velocidade do motor molecular. Em situação experi-
por pD(x,t) e pA(x,t). Essa probabilidade de densidade mental, a relação sobrecarga-velocidade tem de ser
satisfaz as equações de Fokker-Planck: compreendida como segue. Para determinada sobre-
carga aplicada à fibra muscular, a equação (40) for-
nece a velocidade em estado de equilíbrio do encur-
tamento da fibra. No entanto, na biomecânica
muscular, os experimentos são tipicamente realiza-
dos de outra forma: a fibra é encurtada em velocida-
de constante, e a força em estado de equilíbrio (está-
(38)
vel) é calculada. Para considerar o encurtamento do
filamento de actina em relação ao de miosina, temos
onde a probabilidade da densidade atual é fornecida
de incorporar o deslocamento x sobre o tempo na
por:
equação (38). Nesse caso, as equações tornam-se:
⎧ dpA ( x ( t ) , t ) ∂J A ( x ( t ) , t )
⎪ +
⎪ dt ∂t
⎪⎪= f ( x ) pD ( x , t ) − g ( x ) pA ( x , t )
⎨
(39) ⎪ dpD ( x ( t ) , t ) ∂J D ( x ( t ) , t )
⎪ +
⎪ dt ∂t
⎪⎩ = g ( ) A ( ) ( x ) pD ( x, t )
x p x , t − f
(41)
Por diferenciação, isso induz a:
(42)
lidades atuais precisam ser alteradas de modo ade- mento fino por um filamento grosso para o motor
quado, isto é, actina-miosina. Desse ponto, a força-velocidade e a
força da fibra isolada ou do músculo ativo poderiam
ser obtidos por extensões apropriadas. Além disso, a
relação força-comprimento seria uma propriedade
básica do modelo proposto (no mínimo, para as re-
giões de platô e “braços” descendentes) quando a for-
ça é diretamente proporcional ao número de cabeças
de miosina acopladas aos filamentos finos (actina).
(43) Portanto, embora o formalismo a respeito da contra-
ção muscular consista de algo um tanto novo e, des-
Marcamos a cabeça de miosina em seqüência por i = se modo, suspeito, representa, no momento, o único
1, 2,..., n, para derivar a força contrátil de um fila- mecanismo possível de explicar fisicamente a produ-
mento fino em metade de um sarcômero. Cada vez ção de força e de movimento. A teoria das pontes
que a cabeça de miosina está no estado acoplado na cruzadas é incapaz de explicar a assimetria das cons-
posição x, isso transmite a força F(x) = –δVA(x)/δx. Essa tantes de taxas necessárias para a produção de força
força é positiva ou negativa dependendo da posição e para a contração muscular.
x. Indica-se por xi(t) a posição da cabeça de miosina,
marcada i, ao local de ligação à actina mais próximo;
isto é, a distância da posição da cabeça de miosina ao Do mecanismo molecular à
mínimo mais próximo do potencial VA(x). A força no produção de força e potência
filamento em função do tempo é então fornecida por:
A contração musculoesquelética tem sido estu-
dada em ampla variedade de níveis estruturais: do
(44) voluntário, contração muscular in vivo, à interação da
cabeça de pontes cruzadas isoladas com o filamento
de actina. Naturalmente, surge a questão sobre quais
As cabeças de miosina com a mesma orientação e, as propriedades observadas em nível estrutural (p. ex.,
portanto, interagindo com o mesmo filamento de nível molecular) que se transferem para outros ní-
actina ocorrem em cada a = 42,9 nm. A distância re- veis (p. ex., músculo humano in vivo)? Provavelmen-
produzida do local de ligação no filamento de actina te, as propriedades em nível molecular não podem
é d = 38,5 nm. Portanto, não há nenhuma periodici- ser reconhecidas no músculo como um todo e as
dade quando o número de cabeças de miosina de um propriedades do músculo como um todo não são
filamento grosso para um filamento fino é de aproxi- capazes de favorecer a compreensão dos mecanismos
madamente 16 (no músculo esquelético de mamífe- moleculares relacionados à contração e à produção
ros). Portanto, o espaçamento médio entre os valores de força.
adjacentes de xi pode ser aproximado por uma distri- Os modelos de pontes cruzadas e o tipo roquete
buição uniformemente densa no intervalo [–b/2,b/2]. já apresentados são baseados em nível molecular,
Como conseqüência, a expressão para a força na enquanto o modelo de Hill deriva de preparação iso-
equação (44) pode ser aproximada por uma média lada de músculo de anfíbios. Portanto, a aplicação
integral: desses modelos para as propriedades do músculo
humano in vivo deve ser feita com extrema cautela.
Nesse caso, pode-se fornecer dezenas de exemplos
(45) ilustrando a dificuldade do emprego desses modelos
na biomecânica do corpo humano. No entanto, para
ser breve, serão dados exemplos específicos, que se
Ao usar as equações (40) e (45), temos formulado a relacionam às propriedades força-comprimento e
força-velocidade e a produção de força em um fila- força-velocidade do músculo esquelético.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 189
maior variação no “braço” descendente do que a re- atividades esportivas, essa relação pode afetar grave-
lação força-comprimento do “sarcômero”. mente o desempenho. Parece que as relações força-
Finalmente, as relações força-comprimento do comprimento em atletas de competição de diferen-
músculo total são diferentes daquelas de fibras isola- tes esportes, os quais requerem uma função muscular
das e de sarcômeros “clampeados”. Em geral, as rela- distinta, podem adaptar-se às exigências funcionais.
ções força muscular-comprimento são maiores do Em estudo com corredores e ciclistas de elite, en-
que as correspondentes propriedades das fibras, pre- contramos que o reto femoral desses dois grupos de
sumivelmente, devido à variedade de comprimentos atletas demonstrava características força-comprimen-
de fibra e à não-uniformidade do comprimento mé- to completamente distintas (Herzog et al., 1991a).
dio do sarcômero. Além disso, a força passiva no Além disso, essas diferentes características foram
músculo total começa a agir em diferentes compri- adaptadas aos requerimentos funcionais de corredo-
mentos musculares (Fig. 9.21). Em alguns músculos, res e de ciclistas, respectivamente (Fig. 9.22). Portan-
a força passiva exerce grande influência em compri- to, concluiu-se que as propriedades força-compri-
mentos de curta extensão, como a região de platô; mento do músculo esquelético humano podem se
em outros, a força passiva substancial manifesta-se adaptar às exigências funcionais crônicas, como as
somente na amplitude média ou final do “braço” des- de atletas de elite.
cendente da curva de relação força-comprimento.
Por último, e possivelmente mais importante, as Relação força-velocidade
propriedades força-comprimento de músculos in situ
são reprimidas pela geometria musculoesquelética, e Do mesmo modo que para a relação força-com-
em geral, a variação total da relação força-compri- primento discutida anteriormente, as propriedades da
mento não é representada. Por exemplo, no tríceps relação força-velocidade do músculo esquelético po-
sural de humanos e de gatos, a relação força-compri- deriam ser descritas e explicadas a partir de uma ampla
mento utilizada para as atividades normais diárias está variedade de níveis estruturais. No entanto, não exis-
no “braço” ascendente e na região de platô da curva tem propriedades força-velocidade para as interações
de relação força-comprimento (Herzog et al., 1991b; de pontes cruzadas isoladas com a actina. Além dis-
Herzog et al., 1992). Outros músculos, como o semi- so, as propriedades força-velocidade de fibras isola-
membranáceo da rã, trabalham predominantemente das estão em boa concordância, assim aparenta, com
no platô (Lutz e Rome, 1993), enquanto outros pare- as do músculo. Contudo, há uma diferença mais im-
cem ocupar o “braço” descendente da relação força- portante entre propriedades força-velocidade de fi-
comprimento, como, por exemplo, o semitendíneo bras isoladas ou de preparações musculares e rela-
da rã (Mai e Lieber, 1990). ção àquelas da contração muscular voluntária em
A relação força-comprimento representa uma humanos. Enfatizaremos essa diferença de forma
importante propriedade do músculo esquelético. Para breve.
fortalecer certos argumentos, admitiremos que as pro- tantes músculos para o salto) da rã foi maximizada
priedades musculares requeridas são conhecidas de ao se trabalhar na região de platô da relação força-
acordo com o seguinte: tem-se consciência que elas comprimento e pelo encurtamento do músculo em
não são totalmente compreendidas. uma velocidade que permite a produção de potência
Para muitas atividades esportivas, a produção de máxima (Fig. 9.24). A produção de potência máxima
potência de músculos específicos é de extrema im- para um encurtamento muscular pode ser diretamen-
portância para o desempenho. O sucesso em eventos te calculada de acordo com o modelo de Hill, intro-
como o lançamento de peso, disco ou dardo, a corri- duzido no início deste capítulo.
da de velocidade, o ciclismo ou a patinação depende A potência muscular (P) é definida como o pro-
da produção de potência muscular. Como a produ- duto da força pela velocidade (F·v). Portanto, para
ção de potência de um músculo ou grupamento determinada relação força-velocidade de um músculo,
muscular é maximizada? sua potência instantânea como função da velocidade
Em estudo sobre o salto das rãs (as rãs são exce- de ação, P(v), pode ser determinada pela ampla varie-
lentes saltadoras, definitivamente muito melhores que dade de velocidades de encurtamento (Fig. 9.24). Para
os humanos), Lutz e Rome (1993) referiram que, com muitas aplicações práticas, é interessante calcular em
exceção da coordenação e da ativação máxima, a pro- que velocidade de encurtamento a potência máxima
dução de potência nos semimembranáceos (impor- absoluta, P0, é alcançada.
ocorre sem dificuldades em sua aplicação. Por exem- tração, tais modelos não são normalmente emprega-
plo, a postura ótima para a produção de potência dos na análise do movimento humano, mas servem
máxima (pelas regras da Federação Internacional de como uma necessidade básica, como a identificação
Ciclismo, por exemplo, bicicletas reclinadas não são do encurtamento da fibra durante contração muscu-
permitidas) não é ideal em termos de resistência do lar. Nem mesmo foram considerados os modelos mus-
ar (Yoshihuku e Herzog, 1990). Além disso, as pro- culares relacionados à EMG, visto que estes são tipi-
priedades força-comprimento de músculos específi- camente baseados no modelo muscular de Hill
cos dos membros inferiores em ciclistas bem-treina- (discutido anteriormente) e na tentativa de relação
dos parecem diferir daquelas de pessoas “normais” entre EMG, condições contráteis e força. Infelizmen-
(não-ciclistas) (Herzog et al., 1991a), fato que deve te, a relação entre EMG e força no músculo em con-
ser considerado ao se especificar a postura do atleta tração dinâmica não tem sido modelada de forma bem-
na competição. O raio da engrenagem e, portanto, a sucedida, exceto quando se utiliza abordagens numé-
velocidade de encurtamento muscular também de- ricas de grande escala, tais como filtros adaptados
penderão da distribuição do tipo de fibra específico ou abordagem neural artificial (Savelberg e Herzog,
do atleta. Tudo isso leva à teoria de que o atleta com 1997; Liu et al., 1999).
maior quantidade de fibras de contração rápida nos São encontrados, no mínimo, dois problemas
principais músculos exigidos no ciclismo irá alcançar básicos quando se tenta aplicar modelos musculares
a produção de potência máxima em maior velocida- ao movimento humano.
de absoluta de encurtamento muscular do que o atle-
1 Muitas das propriedades musculares são conhe-
ta com predominância de fibras de contração lenta;
cidas apenas para condições experimentais específi-
logo, o raio da engrenagem deve ser menor para o pri-
cas. Por exemplo, a relação força-comprimento para
meiro, a fim de que a freqüência da pedalada, em pro-
um músculo isolado é facilmente derivada de uma
dução de potência máxima, seja maior no atleta com
sucessão de ações isométricas máximas em diferen-
maior predominância de fibras de contração rápida.
tes comprimentos. No entanto, não sabemos como
essa relação se altera para as contrações submáxi-
mas, na fadiga, após potencialização, em ações dinâ-
Comentários finais
micas, etc.
2 Normalmente, as propriedades musculares indi-
Inúmeros modelos musculares têm sido empre-
viduais são conhecidas por preparações musculares
gados em biomecânica para predizer a força e a pro-
isoladas e estimuladas de maneira artificial. As pro-
dução de potência dos músculos durante o movimen-
priedades atuais in vivo podem diferir consideravel-
to e em atividades esportivas. O modelo mais comum
mente daquelas determinadas artificialmente. Por
é o de Hill, tipicamente uma adaptação do trabalho
exemplo, a parte excêntrica da relação força-veloci-
clássico de Hill (1938) sobre relação força-velocida-
dade apresenta uma elevação abrupta da parte iso-
de do músculo em contração tetânica. No entanto,
métrica (i. e., velocidade de alongamento lenta) e al-
os modelos tipo Huxley e pontes cruzadas também
cança uma força pico de aproximadamente 1,5 a 2
têm sido utilizados, embora tipicamente quando co-
vezes a força isométrica máxima. No entanto, in vivo,
denominados de modelos de dois estágios, modelos
tal incremento da elevação abrupta da força excêntri-
em que as pontes cruzadas estão acopladas ou não-
ca desaparece, e os valores de 1,5 e 2 vezes a força
acopladas (Huxley, 1957). Os diferentes estados de
isométrica não têm sido observados. Mais do que isso,
acoplamento, como introduzido por Huxley e Sim-
a relação força excêntrica-velocidade parece ser plana
mons (1971), não têm sido considerados para a mo-
e alcança valores próximos às forças isométricas (Wes-
delação musculoesquelética, pois são entendidos
ting et al., 1990).
como matematicamente muito complexos (embora,
com a capacidade dos computadores atuais, as com- No entanto, com exceção desses problemas,
plexidades matemáticas não representem problemas pode-se referir que esses modelos e as propriedades
adicionais). Não consideramos qualquer modelo musculares individuais não são tão importantes para
muscular baseado na morfologia atual do músculo; a predição do desempenho esportivo, para a reco-
por sua deformação tridimensional durante a con- mendação do treinamento como um todo e para as
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 195
mesma quantidade, mas enfatiza somente a corrida que, durante esforço máximo e atividade de alta ve-
(ou ciclismo), pois os músculos do triatleta não são locidade, alguns músculos podem não ser recruta-
capazes de se adaptar de forma tão eficiente à tarefa, dos de modo máximo. Assim deixam de contribuir
como os do especialista; (II) o cross-trainig* pode ser para a tarefa. Por exemplo, durante a corrida de velo-
positivo para os atletas de elite por inúmeras razões cidade, é provável que nem todos os músculos da
(prevenção de lesões, reabilitação, condicionamento perna contribuam de modo máximo. Portanto, pode
geral, relaxamento mental, etc.); no entanto, prova- ser útil enfatizar o treinamento dos músculos que não
velmente não seja bom para a adaptação muscular são recrutados ao máximo. A corrida a 80% da velo-
ótima a uma tarefa específica. cidade máxima pode ser muito boa para a capacida-
de de resistência e de condicionamento total de um
velocista, mas ser pouco efetiva para melhorar o tem-
Como funciona a divisão de forças** en-
po nos 100 m. No entanto, o treinamento em altas
tre os músculos sinergistas?
velocidades, ou próximo disso, ou mesmo acima da
As pesquisas experimentais realizadas em animais velocidade de corrida, pode somente ser feito em pe-
demonstram que a divisão de forças entre os múscu- ríodos muito curtos de tempo e limita a quantidade
los sinergistas não é sempre o que se pode suspeitar total de corrida. Uma pergunta de um treinador de
intuitivamente. Por exemplo, o princípio de tamanho velocidade seria: “Como posso estimular os múscu-
de recrutamento das unidades motoras pode ser man- los relevantes para a velocidade e como posso recru-
tido para músculos isolados como inicialmente de- tar as unidades motoras rápidas nesses músculos com
monstrado por Henneman e colaboradores (1965). esforço relativamente pequeno, de modo que eles e
No entanto, o princípio do tamanho não se mantém suas respectivas unidades motoras possam ser sub-
em músculos sinergistas. Por exemplo, no membro metidos a maiores cargas de trabalho?”. Sugere-se
traseiro do gato, o sóleo produz força durante postu- que movimentos rápidos com pouca resistência po-
ra em repouso, enquanto o gastrocnêmio medial pode dem precisamente realizar essa tarefa. Além disso, a
não estar ativado (Hodgson, 1983). Para o movimen- ação muscular excêntrica tem sido implicada no re-
to repetido de escavar ou raspar o solo, o contrário é crutamento de unidades motoras grandes e muito
correto: o gastrocnêmio medial produz maiores for- rápidas em intensidades de trabalho relativamente
ças, enquanto o sóleo não está ativado (Smith et al., baixas. Portanto, o treinamento excêntrico pode ser
1980; Abraham e Loeb, 1985). Isso representa rever- uma forma de fornecer maior carga de trabalho às
são completa da produção de força desses dois mús- unidades motoras e aos músculos que podem ser re-
culos e contradiz a idéia do recrutamento das unida- crutados apenas em velocidades ou esforços extre-
des motoras nos músculos de acordo com o princípio mos de contração (concêntrica). No entanto, fortes
do tamanho. Além disso, do ponto de vista funcio- evidências científicas demonstram que tal padrão de
nal, o sóleo do gato não produz trabalho durante a recrutamento inconfundível não é válido.
locomoção, enquanto o gastrocnêmio medial produz Uma maneira segura de recrutar grandes unida-
(Herzog e Leonard, 2001). Daí surgem as seguintes des motoras das fibras de contração rápida é pela ele-
questões: O que esses dois músculos fazem? Como troestimulação do nervo muscular correspondente.
eles respondem às exigências funcionais? E como Está bem estabelecido que as unidades motoras gran-
podem ser efetivamente treinados? des dispõem de axônios de maior diâmetro do que as
Os resultados desses experimentos com gatos, unidades motoras lentas (pequenas). O maior diâ-
quando transferidos para o atleta humano, implicam metro do axônio das unidades motoras rápidas, com-
parado ao das lentas, reduz a resistência elétrica. Por-
tanto, quando o nervo muscular é eletricamente
estimulado, os axônios motores maiores, pertencen-
*N.
tes às unidades motoras grandes e rápidas, tendem a
de R.T. Relativo ao treino concorrente.
**N. de R.T. Relativo à distribuição das forças, requeridas em ser recrutados preferencialmente em baixa corrente
determinada tarefa motora, entre os músculos sinergistas seja de estimulação. A eletroestimulação muscular pode
a tarefa funcional ou esportiva. representar uma maneira fácil de “treinar” as unida-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 197
des motoras rápidas sem grande esforço muscular tetanic contractions of vertebrate skeletal muscle fibres.
total. Journal of Physiology 281, 139-155.
Resumindo, existem inúmeras possibilidades de Edman, K.A.P., Elzinga, G. & Noble, M.I.M. (1982) Resi-
aplicação da pesquisa muscular, das propriedades dual force enhancement after stretch of contracting frog
single muscle fibers. Journal of General Physiology 80,
musculares, bem como da adaptação muscular rela-
769-784.
cionada ao treinamento e ao desempenho esportivo. Edman, K.A.P., Caputo, C. & Lou, F. (1993) Depression of
No entanto, pouca pesquisa sistemática tem sido de- tetanic force induced by loaded shortening of frog
senvolvida na área. Parece que a pesquisa muscular e muscle fibres. Journal of Physiology 466, 535-552.
a ciência do esporte são separadas uma da outra. Eisenberg, E. & Greene, L.E. (1980) The relation of muscle
Qualquer reconciliação parece difícil. O motivo pelo biochemistry to muscle physiology. Annual Review of
qual a ciência do esporte evoluiu sem muita consi- Physiology 42, 293-309.
deração em relação à mecânica muscular não está Eisenberg, E., Hill, T.L. & Chen, Y.D. (1980) Crossbridge
claro. Há uma ampla variedade de possibilidades de model of muscle biochemistry to muscle contraction:
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pesquisa conectando a ciência do esporte com a pes-
Feynman, R.P., Leis, A.A. & Sands, M. (1966) The Feynman
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possibilidades aqui mencionadas sejam sistematica- Finer, J.T., Simmons, R.M. & Spudich, J.A. (1994) Single
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Capítulo 10
Ciclo alongamento-encurtamento
PAAVO V. KOMI
Ingen-Schenau et al., 1997). No entanto, nenhuma A apresentação esquemática da Figura 10.1 con-
evidência convincente que refute a elasticidade como sidera o pressuposto comum de que, no CAE, os ele-
um importante elemento na potencialização da força mentos contráteis e tênsis são alongados na fase ex-
durante o CAE foi apresentada. cêntrica. No entanto, argumentos sugerem que o
Figura 10.2 A demonstração da importância do tempo de transição reduzido entre as fases excêntrica e concêntrica para a
potencialização do desempenho na fase concêntrica do CAE. Direito, ação concêntrica pura de extensão do joelho de 100° até 175°.
Centro, a ação concêntrica é precedida por uma ação excêntrica (–), mas nenhum atraso é permitido quando o tipo de ação é
alterado do estiramento para o encurtamento. A fase excêntrica (estiramento) inicia-se na metade do movimento de 175° (o joelho
em posição estendida) para 90°. Observe a clara potencialização da força na fase concêntrica (+) quando comparada à condição na
figura da direita. Esquerdo, um atraso mais longo (0,9 s) foi permitido entre as fases excêntrica e concêntrica. O efeito de
potencialização na fase concêntrica foi reduzido. A ativação EMG máxima foi mantida em todas as condições (de Komi, 1983).
202 PAAVO V. KOMI
componente contrátil pode manter um comprimen- tância máximo foi realizado sem nenhum tipo de des-
to constante (Hoff et al., 1983; Belli e Bosco, 1992) conforto (Kyröläinen et al., 1989). A Figura 10.3 apre-
ou mesmo reduzido (Griffiths, 1991) durante a im- senta um registro típico obtido durante a corrida em
portante fase inicial de contato com o solo. Todavia, velocidade moderada. Existem várias características
como demonstrado na Figura 10.12, os fascículos que importantes a serem observadas nessa situação. Pri-
primariamente representam o tecido contrátil podem meiro, as alterações no comprimento musculotendí-
alongar e encurtar, respectivamente, nas fases de alon- neo são muito pequenas (6 a 7%) na fase de alonga-
gamento e de encurtamento do CAE. mento. Isso sugere que as condições favorecem a
Este capítulo revisa trabalhos referentes às ações potencial utilização da rigidez elástica de curta varia-
musculares do CAE especialmente realizados em ção (SRES) no músculo (Rack e Westbury, 1974).
modelos humanos. Também, compreensivelmente, Várias alterações de comprimento são registradas na
grande parte dos trabalhos referidos são de nosso literatura, demonstrando que a variação do SRES em
próprio laboratório. Com a limitação de viés e abor- preparações in vivo é de 1 a 4% (Huxley e Simmons,
dagem parcialmente subjetivas, o capítulo enfatiza a 1971; Ford et al., 1978). No tendão muscular intacto,
demonstração — com técnicas de mensuração in vivo in vivo, esse valor aumenta devido à elasticidade serial
— da natureza de recuo do CAE e como os reflexos e à geometria da fibra serem consideradas. Tal situa-
de estiramento desempenham importante papel na ção poderia, então, aumentar o comprimento mus-
potencialização da força. O material apresentado culotendíneo em 6 a 8%. Os valores podem ser na-
constitui uma extensão de nossos trabalhos anterio- turalmente menores quando as medidas são feitas no
res relacionados ao tópico (Komi, 1990; Komi, 1992; nível da fibra muscular, como demonstrado por Ro-
Komi, 2000; Komi e Gollhofer, 1997; Komi e Nicol, berts e colaboradores (1997) em perus correndo no
2000). plano.
Verificam-se alterações de comprimento do seg-
mento nos músculos gastrocnêmio e sóleo nas fases
Uso de medidas de força in vivo de alongamento e de encurtamento do CAE, as quais
para caracterizar o CAE na representam uma segunda característica importante
locomoção humana apresentada na Figura 10.3. Isso é típico para a corri-
da e para o salto e tem importância considerável em
Duas técnicas podem ser aplicadas para registrar virtude das medidas de força tomadas no transdutor
diretamente e in vivo as forças dos tendões em mode- de deformação inserido no tendão comum dos dois
los humanos: método transdutor de deformação e músculos. A situação não é tão simples em algumas
técnica de fibra ótica. outras atividades, como pedalar em bicicleta (Gregor
et al., 1991), nas quais as alterações de comprimento
Método transdutor de deformação estão fora da fase nos dois músculos. Uma terceira
característica importante do exemplo apresentado na
Desses métodos, a técnica de deformação é mais Figura 10.3 é o fato de a forma da curva de força do
invasiva e tem sido aplicada exclusivamente para o TC assemelhar-se àquela do quique da bola, impli-
registro da força do tendão do calcâneo (TC) (Komi cando eficiente potencialização da força.
et al., 1987b; Komi, 1990; Fukashiro et al., 1993; A técnica de deformação introduziu o compor-
Fukashiro et al., 1995). O transdutor de deformação tamento básico do complexo TC-tríceps sural hu-
é cirurgicamente implantado ao redor do TC sob mano em atividades caracterizadas pelo CAE (Komi,
anestesia local, e o sujeito é capaz de realizar 2 a 3 1990; Fukashiro et al., 1993). Surpreendentemente,
horas de locomoção irrestrita que inclui caminhada, a técnica revelou pequena, mas significativa, ação do
corrida (em diferentes velocidades), salto e salto em CAE dos músculos gastrocnêmio e sóleo ao pedalar
profundidade.* Em alguns casos, até o salto em dis- a bicicleta (Gregor et al., 1991). Os métodos também
forneceram a base da análise instantânea da curva
força-velocidade em atividades do CAE em animais
*N. de R.T. Relativo ao salto com queda, no qual o CAE é (Gregor et al., 1998) e em humanos (ver exemplo na
intensificado. Fig. 10.7).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 203
pode ser muito bem aplicado ao estudo das ativida- A Figura 10.5 demonstra como a fibra ótica é in-
des do CAE, é apropriado explicá-lo em detalhes neste serida no tendão. Uma agulha calibre 19 é inicial-
capítulo. mente passada através do tendão (a). A fibra ótica
Da mesma forma que para o método de defor- estéril passa então pela agulha; a agulha é removida,
mação, essa nova técnica de fibra ótica foi inicialmente e a fibra permanece in situ (b). Ambas as extremida-
aplicada aos tendões em modelos animais (Komi des da fibra são fixadas à unidade de transmissão-
et al., 1996). A diferença refere-se ao fato de ter sido recebimento, e o sistema fica pronto para a medida.
anteriormente aplicada com sucesso como transdu- Em geral, o procedimento de calibração apresenta uma
tor de pressão em aplicações sensíveis à pele (Boc- boa relação linear entre a força externa e o sinal da
quet e Noel, 1987) e para mensurar a pressão plantar fibra ótica. A Figura 10.6 traz um exemplo representa-
em diferentes fases do esqui cross-country (Candau et tivo de tal relação para as medidas do tendão patelar.
al., 1993). Esse foi o último trabalho que teve a cola- O método de fibra ótica tem várias vantagens sin-
boração do Dr. Alain Belli, da França, no desenvolvi- gulares, embora não pareça mais preciso que o trans-
mento do método como um transdutor de força do dutor de deformação. Primeiramente, é muito me-
tendão (Komi et al., 1996). A mensuração é baseada nos invasivo e pode ser reaplicado ao mesmo tendão
na modulação da intensidade de luz pela modifica- após poucos dias de repouso. Além disso, quase to-
ção mecânica das propriedades geométricas da fibra dos os tendões podem ser estudados desde que o raio
plástica. A estrutura das fibras óticas utilizadas em crítico de encurvamento não seja excedido. A técnica
experimentos animais e humanos (Komi et al., 1996; de fibra ótica pode ser aplicada para medir a sobre-
Arndt et al., 1998; Finni et al., 1998; Finni et al., 2000) carga de vários ligamentos. Nas mãos de um cirur-
consiste de duas camadas de cilindros de polímeros gião experiente, a fibra ótica pode ser inserida em li-
com pequenos diâmetros. Diante de encurvamento gamentos profundos, como o talofibular anterior (Alt
ou compressão da fibra, a luz pode ser reduzida li- et al., 2002). Nesse caso, no entanto, deve-se ter cui-
nearmente com a pressão. Assim, a sensibilidade dado especial para assegurar que a fibra ótica esteja
passa a depender do índice da fibra, da sua rigidez e/ somente em contato com o ligamento e preservada
ou das características de encurvamento do raio. A da interação com outras estruturas teciduais moles
Figura 10.4 caracteriza o princípio da modulação da por cateteres.
luz na fibra de duas camadas (central e periférica)
quando o diâmetro da fibra é comprimido por força
externa. As camadas central e externa são deforma- A mecânica muscular e a
das. Com isso, determinada quantidade de luz é trans- potencialização do desempenho
ferida por meio da interface central e periférica. Para no CAE
evitar o efeito puro do encurvamento da fibra, esta,
quando inserida ao tendão (Fig. 10.5), deve ter curva A natureza real da potencialização da força du-
grande o suficiente para exceder o raio crítico de en- rante o CAE pode ser observada pela computação
curvamento. das curvas instantâneas força-comprimento e força-
Figura 10.5 Demonstração da inserção de fibra ótica no tendão. (a) Após a agulha de calibre 19 ter sido inserida no tendão, a
fibra ótica de 5 mm de espessura é colocada na agulha. A agulha é, então, removida, a fibra ótica permanece in situ no tendão (b) e
ambas as extremidades da fibra são conectadas à unidade de transmissão-recebimento. (c) Em situações reais de mensuração, essa
unidade é muito pequena e pode ser fixada na pele sobre os músculos da perna.
206 PAAVO V. KOMI
Figura 10.7 Curvas força-comprimento e força-velocidade instantâneas do músculo gastrocnêmio para o ciclo alongamento-
encurtamento quando o sujeito corre em alta velocidade (9 m·s–1). A deflexão superior significa estiramento (ação excêntrica),
enquanto a inferior, encurtamento (ação concêntrica) dos músculos durante o contato com o solo. O eixo horizontal derivou das
alterações segmentares de comprimento de acordo com Grieve e colaboradores (1978) (de Komi, 1992).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 207
Figura 10.8 Curvas instantâneas EMG-comprimento e EMG-velocidade do músculo sóleo para o ciclo alongamento-encurtamento
quando o sujeito corre em velocidade moderada. A seta indica a maneira como os eventos passam do alongamento para o
encurtamento na fase de contato. Observe que a atividade EMG é primariamente concentrada na fase excêntrica do ciclo. Compare
esses padrões EMG aos da EMG retificada da Figura 10.3.
vivo durante o CAE (Fig. 10.7), observou-se uma cla- Fukashiro et al., 1993). Quando a intensidade do salto
ra demonstração de que as curvas são muito pouco aumenta ou este é alterado para um salto do tipo con-
similares às curvas clássicas obtidas em uma ação tramovimento, a força do tendão patelar aumenta, e
concêntrica pura com preparações musculares isola- a força do TC pode diminuir (Finni et al., 2001a). O
das (Hill, 1938) ou com os flexores do antebraço em tipo clássico de curva obtido com ativação máxima
humanos (Wilkie, 1950; Komi, 1973). A Figura 10.7 constante para determinada ação concêntrica isola-
sugere considerável potencialização da força, embo- da é também sobreposto no mesmo gráfico com a
ra não apresente diretamente a comparação da curva força do TC (Fig. 10.9a). A área sombreada entre as
força-velocidade para a fase concêntrica final (fase duas curvas do TC sugere potencialização remarca-
final do apoio) com a curva clássica. Infelizmente, o da da força para esse esforço submáximo. Deve-se
experimento humano demonstrado na Figura 10.7 enfatizar que essas comparações de desempenho têm
não inclui registros comparativos obtidos de manei- de ser feitas entre o CAE submáximo e a ação con-
ra clássica. Todavia, nosso recente desenvolvimento cêntrica máxima isolada.
de medidas in vivo com a técnica de fibra ótica (Komi A técnica de medida in vivo para os humanos tem
et al., 1995) serve, agora, para obter essas compara- de ser desenvolvida após experimentos com animais
ções (Finni et al., 1998; Fig. 10.9). (Sherif et al., 1983). Grande parte dos estudos com
Esses experimentos recentes com a técnica de fi- modelos animais inclui parâmetros similares aos uti-
bra ótica, embora ainda não realizados em altas velo- lizados em nossos estudos com humanos, tais como
cidades de corrida, sugerem potencialização similar. comprimento muscular, força e EMG. Os registros
O lado esquerdo da Figura 10.9 apresenta curvas si- mais relevantes para comparação com nossos expe-
multâneas para as forças patelares e para as forças rimentos com humanos são os de Gregor e colabo-
atuantes no TC durante o salto. Os registros signifi- radores (1988), que mediram a carga mecânica no
cam que no salto de contato curto,* o músculo trí- músculo sóleo do gato durante a locomoção em es-
ceps sural comporta-se com uma ação do tipo qui- teira rolante. Nesse estudo, os resultados indicaram
que da bola (ver também Fukashiro e Komi, 1987; que a força gerada em determinada velocidade de en-
curtamento na fase final do apoio foi maior, especial-
mente em maiores velocidades de locomoção, do que
*N. de R.T. Ocorrido, por exemplo, no salto em profundidade. a gerada na mesma velocidade de encurtamento in
208 PAAVO V. KOMI
Figura 10.9 Exemplos de curva força-velocidade instantânea mensurada no salto e nos saltos com contramovimento em humanos.
(a) Os registros (salto submáximo) apresentam maior sobrecarga ao tendão do calcâneo (FTC) quando comparado ao tendão patelar
(FTP). (b) A situação é revertida no caso dos saltos com contramovimento. Os registros significam as fases funcionais de contato
com o solo. O lado esquerdo de ambas as figuras representa a ação excêntrica, enquanto o direito, a ação concêntrica. A linha
pontilhada mostra a curva força-velocidade para os flexores plantares mensurados de forma clássica (de Finni et al., 1998 [a] e
2001a [b]).
situ. Sendo assim, os experimentos de força in vivo monstram que os músculos gastrocnêmio e sóleo
realizados tanto em modelos humanos como em ani- também funcionam no CAE, embora as fases de alon-
mais parecem fornecer resultados similares para a gamento ativo não sejam tão aparentes como na cor-
relação força-velocidade durante o CAE. rida ou no salto (Gregor et al., 1988; Gregor et al.,
A diferença entre a curva força-velocidade e a 1991).
curva clássica em preparações musculares isoladas Importantes características adicionais podem ser
(Hill, 1938) ou em experimentos humanos (Wilkie, observadas na Figura 10.9. Os padrões entre os re-
1950; Komi, 1973) pode dever-se parcialmente às di- gistros do TC e do tendão patelar diferem considera-
ferenças naturais nos níveis de ativação muscular velmente quando o movimento é alterado de um sal-
entre os dois tipos de atividades. Enquanto as prepa- to com contramovimento para um salto em profundi-
rações in situ podem primariamente mensurar as pro- dade. No primeiro — caracterizado por uma fase ex-
priedades de encurtamento dos elementos contráteis cêntrica mais curta —, o tendão patelar é muito mais
no músculo, a locomoção natural sob ação CAE en- sobrecarregado quando comparado ao TC que, por
volve a liberação controlada de forças elevadas, espe- sua vez, é mais fortemente sobrecarregado no salto
cialmente pela ação excêntrica. Essa força elevada comum. Sendo assim, as mecânicas musculares não
favorece o estoque de energia tensional elástica no são similares em todas as atividades relacionadas ao
complexo musculotendíneo. Uma porção dessa ener- CAE. Isso significa que generalizações não deveriam
gia estocada pode ser recuperada na fase subseqüen- ser feitas apenas a partir de uma condição e de um
te de encurtamento e empregada para a potencializa- músculo específico. Por exemplo, ao contrário do
ção do desempenho. Portanto, os experimentos com ocorrido no salto, o recuo elástico do músculo trí-
modelos animais e humanos parecem estar de acor- ceps sural desempenha papel pequeno nos saltos com
do em relação ao fato de a locomoção natural com contramovimento (CMJs)* (Fukashiro et al., 1993;
ação muscular essencialmente CAE produziu respos- Finni et al., 1998). Isso é esperado devido ao fato de,
ta muscular muito diferente das condições de prepa- no CMJ, a fase de alongamento ser lenta e a contri-
rações isoladas, em que os níveis de ativação são man- buição reflexa da potencialização do CAE ser prova-
tidos constantes e o estoque da energia tensional é velmente muito menor do que no salto.
limitado. O CAE possibilita ao músculo tríceps sural
realizar, de forma muito eficiente, atividades como
caminhada, corrida e saltos. Evidências recentes de- *N. de R.T. Sigla inglesa para countermovement jumps.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 209
Uma importante nota de cuidado deve ser consi- mesmo encurtar (Griffiths, 1991) enquanto o com-
derada ao se interpretar a mecânica muscular basea- plexo total musculotendíneo alonga-se.
da nos métodos anteriormente descritos. Em experi- Após o trabalho pioneiro de Ikai e Fukanaga
mentos com modelos animais e humanos — quando (1968), que determinaram a força muscular por área
os transdutores de deformação e as fibras óticas são de secção transversa por meio da técnica ultra-sôni-
aplicados aos tendões —, a força mensurada não pode ca, várias décadas se passaram antes de essa técnica
isolar as forças ou os movimentos do tecido contrátil avançar o suficiente para caracterizar a arquitetura
daqueles do tecido do tendão. Os métodos podem, muscular in vivo. No entanto, trabalhos realizados na
portanto, servir para determinar somente as caracte- década de 1990, no laboratório de Fukunaga, produ-
rísticas da sobrecarga do complexo total musculo- ziram informações relevantes a respeito da arquite-
tendíneo. No entanto, deve-se mencionar que recen- tura dos músculos humanos em contração (ver a re-
temente demonstramos em nosso laboratório (Finni visão de Kawakami et al., 2000). A técnica passou,
et al., 2001b) que as curvas fasciculares força-veloci- então, a ser estendida à locomoção natural e às alte-
dade em formas isoladas de ações excêntricas e con- rações do comprimento no fascículo e nos tendões,
cêntricas máximas assemelham-se muito às relações que podem ser mensurados in vivo (Fukunaga et
clássicas força-velocidade. Também determinamos que al.,1996; Fukunaga et al.,1997). Dois problemas fun-
a curva força-velocidade instantânea no CAE parece damentais podem surgir nessas mensurações: o com-
com aquelas da unidade musculotendínea, mas com portamento de todo o complexo musculotendíneo
uma forma mais irregular. não pode ser o mesmo que o das fibras musculares; e
a velocidade do fascículo pode não estar necessaria-
mente na fase com a velocidade isocinética aplicada
Alterações no comprimento do externamente.
fascículo durante o CAE A definição básica de ação muscular excêntrica
(ver Capítulo 1) refere-se ao alongamento do mús-
Os transdutores do tendão não fornecem regis- culo enquanto é ativado. Como a aplicação desse
tros simultâneos das alterações de comprimento no conceito em relação ao tecido contrátil é questioná-
complexo musculotendíneo, embora seja evidente que vel (Griffiths, 1991; Belli e Bosco, 1992), decidimos
mensurem fidedigna e diretamente a força no ten- analisar as alterações do comprimento do fascículo
dão. Isso deve ser estimado através do uso de vídeo nas ações concêntricas e excêntricas isoladas, assim
de alta velocidade e de modelos anatômicos apropria- como nos exercícios em que se manifesta o CAE
dos (Frigo e Pedotti, 1978; Grieve et al., 1978). Esses (Finni et al., 2000; Finni et al., 2001c). A Figura 10.10
cálculos precisam ser sincronizados com os dados apresenta um exemplo típico dos registros obtidos
de força do tendão, como nas Figuras 10.3, 10.7, 10.8 para as ações concêntricas e excêntricas máximas. O
e 10.9. Os resultados e relações obtidos não servem, esquema claramente demonstra que na extensão do
no entanto, para gerar simultaneamente informações joelho, o fascículo do músculo vasto lateral (VL) é
sobre: (I) alteração no comprimento das fibras mus- encurtado na fase concêntrica e alongado na excên-
culares; (II) alteração na orientação da fibra com a trica (Finni et al., 2001c). A magnitude do encurta-
linha de aplicação da força; e (III) alteração no com- mento do fascículo na fase concêntrica foi menor
primento do compartimento tendíneo. Os registros (2,9 ± 1,4 cm) do que o do alongamento na excêntri-
bem-sucedidos in vivo de alterações no comprimen- ca (5,1 ± 1,6 cm). Essas alterações de compri-
to da fibra muscular englobam modelos animais, mento parecem não depender da velocidade de en-
como o gato durante a caminhada (Griffiths, 1991) e curtamento ou de alongamento. Deve ser enfatizado,
o peru durante a corrida na esteira rolante (Roberts nessa conexão, que as ações de alongamento e de
et al., 1997). O pressuposto comum é que, nas ativi- encurtamento foram precedidas por pré-ativação iso-
dades do CAE, o compartimento da fibra muscular e métrica, similar ao método aplicado nos sarcômeros
o tendão poderiam alterar seu comprimento na fase. e nas fibras musculares isolados (ver Capítulo 9). Isso
Esse pressuposto foi recentemente desafiado, pois fornece uma boa comparação com a fase de pré-ati-
as fibras musculares podem permanecer em um vação tão típica nos exercícios do CAE (Melvill Jones
comprimento constante (Belli e Bosco, 1992) ou e Watt, 1971; Komi et al., 1987a; Horita et al., 1999).
210 PAAVO V. KOMI
Figura 10.10 Alterações do comprimento do fascículo e do tendão durante ações concêntrica (esquerda) e excêntrica (direita)
máximas. Essas contrações foram produzidas pela pré-ativação máxima (fase isométrica). Observe o claro encurtamento do fascículo
na ação concêntrica quando comparado ao estiramento na ação excêntrica (de Finni et al., 2001a).
No CAE de ação lenta, como no CMJ, o fascícu- o importante trabalho de Finni e colaboradores
lo do VL demonstra primeiro um incremento no (2001b) nesses tipos de função muscular.
comprimento durante a ação excêntrica, seguido por Essas observações sugerem que o alongamento
encurtamento na concêntrica. No entanto, quando o e o comprimento muscular, respectivamente, para as
CMJ foi substituído por uma atividade com o CAE ações excêntricas e concêntricas do CAE represen-
do tipo rápida (salto em profundidade), o fascículo tam eventos que ocorrem naturalmente no CAE. No
demonstrou um incremento muito menor no com- entanto, a situação não é sempre constante. Especi-
primento na fase excêntrica. A Figura 10.11 resume almente nas ações multiarticulares, podem existir
condições em que alguns músculos apresentem di-
ferentes padrões dessa regra “geral”. Por exemplo, caso
o fascículo do VL esteja sendo alongado na fase ex-
cêntrica do CMJ, o músculo gastrocnêmio pode não
apresentar qualquer alteração no alongamento ou no
comprimento do fascículo.
Exemplos de comportamento do fascículo dos
músculos vasto lateral e gastrocnêmio durante o
salto com agachamento,* o salto com contramovi-
mento e o salto em profundidade estão ilustrados
na Figura 10.12. Enquanto os dados nessa figura
demonstram claramente que o alongamento/encur-
tamento do fascículo do CAE não ocorre na mesma
Figura 10.11 O músculo esquelético humano pode utilizar fase para os dois músculos mensurados (VL e gas-
diferentes porções da curva força-comprimento do sarcômero,
dependendo do tipo de ação do ciclo alongamento-
encurtamento. Nesta figura de Finni e colaboradores (2001b), a
relação força do fascículo-comprimento é demonstrada nos
saltos com contramovimento (CMJ) e saltos em profundidade *N. de R.T. Salto em que a posição inicial é a de meio-agacha-
(DJ). Observe a pequena alteração no comprimento do fascículo mento; serve para avaliar a potência muscular dos membros in-
no DJ durante toda a fase de contato com o solo. feriores. Na expressão inglesa, squat jump (SJ).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 211
Figura 10.12 Exemplos de alteração do comprimento do fascículo nos músculos vasto lateral (VL) e gastrocnêmio (G) nos saltos
com agachamento (esquerda), nos saltos com contramovimento (centro) e nos saltos em profundidade (direita). A figura também
ilustra as respectivas atividades EMG, assim como a força do tendão patelar (técnica de fibra ótica) e a força da placa de força no
trenó. A segunda linha pontilhada refere-se ao final da fase contato com o solo nas condições de contramovimento e em
profundidade (de Ishikawa et al., em desenvolvimento).
Demonstração dos reflexos de vendo saltos com ambas as pernas e com tempos de
estiramento de curta latência no contato curtos. Voigt e colaboradores (1998), em es-
CAE tudo similar, mensuraram o comprimento muscular
e o da fibra muscular através da origem e da inser-
A regulação da rigidez constitui importante con- ção. Ambas as medidas demonstraram elevada velo-
ceito na parte excêntrica do CAE. Os reflexos de es- cidade de alongamento na fase inicial de contato, in-
tiramento desempenham papel igualmente importan- duzindo os autores a concluir que as condições foram
te na tarefa. Hoffer e Andreassen (1981) demonstra- suficientes para a ativação aferente do fuso muscu-
ram, de maneira convincente, que, quando os refle- lar. O SLC é sensível às condições de sobrecarga,
xos estão intactos, a rigidez muscular é maior para a como demonstrado na Figura 10.14, em que as so-
mesma força do que em um músculo arreflexivo. brecargas de alongamento variam desde um deter-
Dessa forma, os reflexos de estiramento podem con- minado salto submáximo (os registros no alto) aos
tribuir para a rigidez muscular na parte excêntrica do saltos em profundidade. Na maior altura de queda
CAE. do salto em profundidade (80 cm) o componente SLC
No salto e na corrida, o componente do reflexo tornou-se menos claro, sugerindo decréscimo da fa-
de estiramento de curta latência (SLC) pode ser ob- cilitação dos fusos musculares e/ou incremento do
servado muito facilmente, especialmente no múscu- impulso inibidor de várias fontes (p. ex., órgão tendi-
lo sóleo. A Figura 10.13 ilustra estudos em que esse noso de Golgi, mecanismos voluntários de proteção,
componente aparece, de forma clara, nos padrões etc.). Nos casos em que os saltos em profundidade
EMG quando analisado em várias tentativas envol- são realizados em profundidades excessivas, por
exemplo, 140 cm (Kyröläinen e Komi, 1995), os su-
jeitos sustentam sobrecargas extremas ao contato.
Nessas situações, a menor ativação reflexa pode fun-
cionalmente servir como estratégia de proteção para
a prevenção muscular e/ou para a lesão tendínea.
que em movimentos normais com elevada atividade fase excêntrica do ciclo (Nicol et al., 1991). Como a
EMG a magnitude e a contribuição da regulação re- duração da fase de contato com o solo (início e final
flexa da força muscular são, metodologicamente, de do contato) decresce em função da velocidade da
difícil mensuração. A tarefa fica muito mais fácil quan- corrida (Luhtanen e Komi, 1978), a contribuição re-
do dorsiflexões passivas relativamente lentas (1,2 a flexa materializa-se no final da fase excêntrica em
1,9 rad·s–1) são estudadas; nelas, o EMG reflexo in- velocidades rápidas e pode ser parcialmente estendi-
duzido pelo estiramento registrou incremento na for- da até o final da fase de contato com o solo* nas velo-
ça no TC em 200 a 500% sob estiramento puramen- cidades máximas, nas quais o tempo total de contato
te passivo, sem resposta EMG reflexa (Nicol e Komi, é de aproximadamente 90 a 100 ms (Mero e Komi,
1998). A Figura 10.16 representa um exemplo dessas 1985). Esses cálculos de tempo certamente confir-
medidas, que demonstra um atraso típico de 12 a 13 mam que os reflexos de estiramento possuem um
ms entre o início do sinal EMG reflexo e o da poten- amplo tempo para ativar a otimização da força e da
cialização da força. potência no CAE; em muitos casos, isso ocorre na
Tal retardo de tempo é similar aos encontrados fase excêntrica do ciclo. Então, não existem restri-
em medidas de estimulação elétrica realizadas em ções de tempo para os reflexos serem ativos na regu-
conjunto com os registros da força no TC a partir da lação da rigidez durante o CAE. O importante com-
utilização da fibra ótica (Komi et al., em preparação). ponente EMG induzido por reflexo (ver Fig. 10.15)
Considerando a duração do simples reflexo de esti- deve ser, portanto, considerado como uma contribui-
ramento de 40 ms, o atraso máximo entre o início do ção essencial para a otimização da força no CAE.
estiramento e a potencialização subseqüente da for-
ça seria ao redor de 50 a 55 ms. Em referência à cor-
rida, o primeiro contato com o solo indicaria o ponto
inicial do estiramento. Na maratona, a fase de conta-
to geralmente dura em torno de 250 ms, implicando *N. de R.T. Fase final da flexão plantar durante a corrida, na
que essa otimização da força induzida pelo reflexo qual os músculos gastrocnêmio e sóleo exercem força signifi-
poderia prontamente ter significância funcional na cativa contra o solo. Da expressão inglesa push-off.
Figura 10.16 Demonstração dos reflexos de estiramento induzidos passivamente na força do tendão do calcâneo (FTC). Esquerda,
dorsiflexão passiva no estiramento lento não produz resposta EMG reflexa e induz pequeno e linear incremento da FTC (resposta
passiva pura). Direita, no caso dos estiramentos rápidos e grandes, a contribuição reflexa da FTC corresponde à resposta FTC
adicional acima da influência passiva pura representada pela linha pontilhada (de Nicol e Komi, 1998).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 215
nuir a força podem variar consideravelmente. No en- spinal and transcortical reflexes. Neuroscience Letters 44,
tanto, a combinação da ativação “pré-reflexa” e a pos- 131-135.
terior ativação reflexa podem materializar um cená- Fellows, S., Dömges, F., Töpper, R., Thilmann, A. & Noth.
rio que suporta o rendimento compensatório e a J. (1993) Changes in the short and long latency stretch
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Esse cenário pode ser especialmente eficaz em uma Finni, T., Komi, P.V. & Lepola, V. (1998) In vivo muscle dy-
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cargas de estiramento (ver Fig. 10.14) e da fadiga pro- chester, UK.
gressiva induzida pelo CAE. O claro acoplamento Finni, T., Komi, P.V. & Lepola, V. (2000) In vivo triceps su-
entre atividades reflexas e a redução do desempenho rae and quadriceps femoris muscle function in a squat
mecânico durante a fadiga no CAE constituem um jump and counter movement jump. European Journal of
bom indicador desse cenário. A fadiga induzida pelo Applied Physiology 83, 416-426.
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CAE será discutida em detalhes no Capítulo 11.
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Capítulo 11
Ciclo alongamento-encurtamento
e sua influência na produção
de força e potência
CAROLINE NICOL E PAAVO V. KOMI
No capítulo anterior, demonstrou-se que a locomo- tópico (Komi e Nicol, 2000a; Komi e Nicol, 2000b),
ção natural do tipo CAE estimula o sistema neuro- com ênfase especial nos ajustes neurais que depen-
muscular de maneira mais complexa do que qual- dem do nível de incapacidade contrátil e da tarefa
quer outra forma isolada de ação muscular. Todos os imposta.
principais componentes das “fontes” de desempenho
(mecânica, neural e metabólica) são estimulados no
Modelos de sobrecarga e de teste
CAE de tal forma que a fadiga induzida difere da ob-
no CAE
servada, por exemplo, após exercício excêntrico puro.
Os exercícios de CAE têm muitas possibilidades de
O material apresentado baseia-se em vários es-
ajuste para o desenvolvimento progressivo da inca-
tudos realizados em humanos nos últimos 10 anos e
pacidade contrátil. No entanto, a deterioração da
relaciona-se a uma ampla variedade de exercícios do
eficácia do CAE com a fadiga induz o incremento
tipo CAE que induzem fadiga. Nos experimentos a
necessário do trabalho concêntrico, o que causa difi-
serem revisados nos parágrafos seguintes, as sobre-
culdades agudas na manutenção do nível de desem-
cargas de impacto dos exercícios CAE foram cuida-
penho necessário. Além disso, a fadiga induzida pelo
dosamente controladas, mas diversificadas em termos
CAE é claramente retardada em natureza. As altera-
de intensidade e duração. Na maioria desses estudos,
ções imediatas pós-exercício estão relacionadas pri-
as técnicas cinemáticas e cinéticas foram combina-
mariamente aos distúrbios metabólicos. Já a recupe-
das com registros EMG de superfície para analisar as
ração retardada deve ser associada com processos
alterações durante o exercício, bem como nos dias
inflamatórios bem conhecidos relacionados à micro-
subseqüentes de recuperação.
lesão muscular (Faulkner et al., 1993).
O presente capítulo busca caracterizar a atual
Exercícios de CAE de curto e longo
compreensão a respeito da fadiga do CAE. A demons-
prazo que induzem fadiga
tração parte de suas consideráveis influências bimo-
dais na mecânica e na ativação muscular responsá- Os exercícios do tipo CAE de curto prazo con-
veis pelas conseqüências principais na regulação da sistem de séries intensas e exaustivas de ressaltos em
rigidez articular e muscular, especialmente nos de- um equipamento específico do tipo trenó* (Horita et
sempenhos tipo CAE. Como a função muscular do
CAE é essencial em muitas atividades esportivas, é
*N. de R.T. Equipamento do tipo trenó utilizado na supra-
importante analisar essa forma fatigante de exercício
ativação do ciclo alongamento-encurtamento (CAE). Ampla-
e descrever seu efeito na produção de força e potên- mente empregado em estudos orientados pelo Prof. Paavo V.
cia. O capítulo representa um seguimento e uma ver- Komi, no Neuromuscular Research Center, da Universidade
são atualizada de nossas revisões anteriores sobre o de Jyväskylä, Finlândia.
220 PAAVO V. KOMI
al., 1996, 1999; Nicol et al. 1996a,b). Ao ajustar a corrida de 85 km de esqui cross-country (Viitasalo et
posição do sujeito no trenó deslizante, a fadiga pode al., 1982) e semana de lazer de esqui alpino (Strojnik
ser induzida seletivamente nos músculos dos mem- et al., 2001a; Strojnik et al., 2001b). Esses modelos
bros superiores (Fig. 11.1a) ou inferiores (Fig. 11.1b). de longa distância caracterizam mais especificamen-
O protocolo referente aos membros superiores (Go- te os efeitos de grande número de ações musculares
llhofer et al., 1987a) incluiu 100 CAEs submáximos excêntricas repetidas em vários aspectos da função
com ambos os braços. No protocolo básico de fadiga neuromuscular.
dos músculos extensores do joelho, o exercício é re-
alizado na posição sentada, com tantos ressaltos Protocolos de teste
quanto possível a uma determinada altura submáxi-
ma (70 a 80% da altura máxima de ressalto). Em ge- Em muitos estudos, a resposta à fadiga é analisa-
ral, a exaustão é alcançada após 100 a 400 repetições da durante a realização do exercício, assim como em
(Horita et al., 1996; Horita et al., 1999; Nicol et al., testes de força estáticos e dinâmicos imediatamente
1996a; Nicol et al., 1996b), correspondendo de 2 a 5 antes e após o exercício do tipo CAE. Os testes são
minutos de exercício intenso. repetidos várias vezes no período de recuperação
Os exercícios do tipo CAE prolongado incluem dife- (após 2 h e 2 dias, assim como 4 a 5 e 7 a 10 dias
rentes combinações de duração-intensidade de cor- após).
rida de endurance e esqui como corrida de 10 km por Para isolar os vários componentes da fadiga in-
não-especialistas em endurance (Nicol et al. [submeti- duzida pelo CAE, comparações avaliam as alterações
do]), corridas experimentais de maratona (Komi et EMG de superfície, cinéticas e cinemáticas em CAEs
al., 1986; Nicol et al., 1991a; Nicol et al., 1991b; máximos e submáximos, assim como em tipos mais
Nicol et al., 1991c; Pullinen et al., 1997; Avela e Komi, isolados de condições ativas e passivas de teste. Os
1998a; Avela et al., 1999; Kyröläinen et al., 2000), níveis séricos de atividade da creatina cinase (CK), de
mioglobina esquelética (Mb), de troponina I (TnI) e trabalho na fase final de contato com o solo (Fig.
de anidrase carbônica (CAIII) atuam como indicado- 11.2b). Esses resultados ainda enfatizam que os tes-
res indiretos de microlesão muscular induzida pelo tes com elevada intensidade de sobrecarga/velocida-
exercício. A concentração de lactato sangüíneo serve de poderiam ser empregados para revelar a real fra-
como indicador de fadiga metabólica. queza da função neuromuscular enquanto se realiza
exercícios do tipo CAE de longa duração, em vez dos
testes convencionais de corrida submáxima. O estu-
Alterações durante o exercício em do da maratona de Avela e Komi (1998b) confirma
condições de fadiga essa observação.
Exercícios do tipo CAE mais curtos, porém com
O desenvolvimento progressivo da fadiga duran- ressaltos mais intensos, geralmente induzem incre-
te a realização de exercícios do tipo CAE prolongado mento de quase 30% no tempo de contato em exer-
é claramente individual e dependente do exercício, cícios de braço (Gollhofer et al., 1987a) e de pernas
tanto do seu timing como da sua amplitude. Os resul- (Horita, 2000) (Fig. 11.1c,d). Similar ao observado em
tados de estudos em corrida de 10 km (Ftaiti et al., exercícios do tipo CAE prolongado, o fator associa-
2000) e em maratona (Nicol et al., 1991c; Kyröläinen se com uma clara queda na resistência ao alonga-
et al., 2000) demonstram que a cinemática em corri- mento. Como demonstrado na Figura 11.1c, muitos
da submáxima e a economia de corrida não se inter- sujeitos apresentaram um claro e progressivo incre-
relacionam diante do progresso da fadiga. Isso suge- mento no pico de impacto (Gollhofer et al., 1987a).
re que as alterações no padrão de corrida refletem Isso faz com que o desenvolvimento da incapacidade
ajustes à fadiga, em vez de qualquer incapacidade real contrátil devido a sobrecargas repetidas de alonga-
para compensá-la. No entanto, testes com maior ní- mento e fadiga metabólica combinadas eventualmen-
vel de sobrecarga (salto em profundidade e corrida te se torne tão fatigante que o sistema neuromuscu-
de velocidade) podem revelar deterioração mais ho- lar precisa alterar a regulação da “rigidez” muscu-
mogênea da função muscular (Nicol et al., 1991a). lotendínea pelo incremento do nível de pré-ativação.
Tal efeito caracteriza-se pelo decréscimo parabólico A partir daí, espera-se que o incremento resultante
da velocidade da corrida após os primeiros 20 km do pico de impacto induza um ciclo vicioso pela me-
(Fig. 11.2a), com diminuição associada na resistência nor tolerância ao estiramento, produzindo uma per-
à sobrecarga de impacto e subseqüente aumento do da no recuo elástico e subseqüente necessidade de
Figura 11.2 (a) Alteração relativa da velocidade máxima de sprint a cada 10 km durante maratona (100% = antes do valor da
maratona). (b) Duração (média ± desvio padrão) da fase inicial de contato com o solo nos sprints ao longo da maratona. Adaptada,
com permissão, de Nicol e colaboradores (1991a).
222 PAAVO V. KOMI
aumento do trabalho na fase final de apoio. A desco- xima de ressalto, o aumento do tempo de contato
berta de Horita (2000) de um claro desvio de ponto compensa eficazmente a menor produção de força,
no ajuste à fadiga após o estágio médio de um exer- contribuindo para manter o trabalho externo. No
cício de ressalto de perna até a exaustão traça um entanto, as tendências opostas de alterações na am-
paralelo a essa concepção. Os primeiros dois terços plitude de movimento (AM) do joelho e do tornoze-
do exercício apresentam limitada alteração cinética e lo sugerem a tentativa de compensação entre os dife-
cinemática na fase de contato (Fig. 11.3b,c), mas gran- rentes segmentos que pode não ser suficiente, como
de alteração cinemática na fase de vôo (Fig. 11.3a), indicado pelo incremento considerável do tempo de
acompanhada por ajuste claro no sinal EMG duran- contato ao final do exercício.
te a respectiva pré-ativação (Fig. 11.4a) e nas fases de Esses resultados demonstram que o processo de
contato com o solo (Fig. 11.4b). Após tendência ini- adaptação neuromuscular pode ser claramente mo-
cial de efeito de aprendizagem no primeiro terço do dificado durante exercício do tipo CAE exaustivo.
exercício de ressalto, a ativação dos músculos exten- Preconiza-se que, no estado não-fatigado, os mús-
sores do joelho demonstra incremento linear na fase culos amortecem o impacto no CAE pelo suave in-
de contato com o solo (Fig. 11.4b). Os valores está- cremento da força e do movimento articular. Duran-
veis associados de amplitude de movimento da arti- te o desenvolvimento progressivo da fadiga, a questão
culação do joelho (AM) e de tempo de contato de- da rigidez de tempo variado demonstra significativa
monstram a eficácia dessa adaptação para contraba- interação entre a cinemática pré-aterrissagem e a re-
lançar a perda de força dos extensores do joelho (Fig. gulação da rigidez pós-aterrissagem. Esses resulta-
11.3b,c). Então, a parte excêntrica do CAE parece agir dos demonstram, ainda, a plasticidade e a eficácia dos
eficazmente até o estágio médio do exercício. Na se- ajustes neuromusculares para o incremento da fadi-
gunda metade das séries de ressalto, no entanto, a ga durante exercícios do tipo CAE submáximos. Es-
cinemática articular pré-aterrissagem altera de ma- ses ajustes nas fases iniciais do exercício fatigante
neira considerável (Fig. 11.3a) e influencia significa- podem explicar por que alguns estudos com exercí-
tivamente a regulação subseqüente da rigidez pós- cios do tipo CAE muito moderados apresentam efei-
aterrissagem (Fig. 11.3b) e o tempo de contato (Fig. tos da fadiga mínimos, ou em alguns casos, até me-
11.3c). No exercício do tipo trenó em altura submá- lhoram o desempenho (Hortobágyi et al., 1991).
Figura 11.3 Alteração relativa na cinemática (a,b) e cinética (c) no período de exercício do tipo CAE. AM: amplitude de movimento
(ref. 0 = primeiros 10% do exercício) (Horita, 2000).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 223
Figura 11.4 Alteração relativa na atividade EMG dos músculos vasto lateral (VL), vasto medial (VM), gastrocnêmio (G) e sóleo
(SOL) nas fases de pré-ativação, início* e final** de contato com o solo no exercício do tipo CAE. As alterações são expressas como
porcentagem dos níveis EMGs iniciais registrados nos primeiros 10% do exercício (dados de Horita, 2000).
*N. de R.T. Relativo à “braking fase”.
**N. de R.T. Relativo à “push-off fase”.
sistema nervoso de compensar a perda da força con- induzir a um declínio de atraso de dois dias no de-
trátil para resistir a repetidas sobrecargas de impacto sempenho do CAE (salto em profundidade*), sem
em virtude do aumento da ativação. decréscimo associado no desempenho concêntrico
puro (salto em agachamento**) (Horita, 2000).
A evidência é suficiente para sugerir uma relação
Testes de esforço máximo
entre a modulação do input neural aos músculos e as
Os testes de força dinâmica máxima também ca- respectivas alterações na resposta do reflexo de esti-
racterizam a recuperação bimodal do desempenho. ramento ao se considerar as alterações EMG obser-
A tendência bimodal refere-se ao considerável declí- vadas. A Figura 11.8 demonstra paralelismo do de-
nio funcional imediatamente após o exercício do tipo créscimo bimodal das respostas EMG ativas do reflexo
CAE exaustivo, seguido pela recuperação de curto de estiramento (Fig. 11.8a,b) e a regulação da rigidez
prazo (durante as poucas horas pós-exercício). Tam- de aterrissagem (Fig. 11.8a-c), sendo que o último
bém verifica-se uma subseqüente queda secundária parâmetro reflete uma evidente perda de tolerância
próxima do 2º- ou 3º- dia após o exercício (Horita et ao impacto (Avela et al., 1999). As alterações retarda-
al., 1999; Horita, 2000). As reduções paralelas agu- das induzidas pela fadiga ocorrem concomitantemen-
das e retardadas afetam a rigidez articular pré-ativa- te ao incremento retardado na atividade da CK que é
ção e pré e pós-aterrissagem. Elas também modifi- esperado como resultado da microlesão muscular e
cam o desempenho no CAE, independentemente da do subseqüente processo inflamatório. Essas obser-
natureza do exercício tipo CAE em condições de fa- vações confirmam descobertas anteriores
diga (Avela e Komi, 1998a; Avela e Komi, 1998b; (Horita et al., 1996; Avela e Komi, 1998a; Avela e
Horita et al., 1999). Várias estratégias compensatóri- Komi, 1998b).
as para a incapacidade contrátil aguda e retardada
podem ser observadas em testes que apresentam Respostas reflexas específicas
menor demanda para os sujeitos, apoiando o concei-
to de “efeito tarefa-dependente”. A maratona pode Em virtude de não ser sempre fácil isolar a res-
não produzir alterações agudas no salto com contra- posta EMG reflexa de estiramento dos registros EMG
movimento (CMJ) máximo, mas promove um claro globais, o potencial efeito da fadiga induzida pelo CAE
declínio no desempenho isométrico, assim como em também pode ser analisada de forma indireta em tes-
situações do tipo CAE mais estressantes (testes má-
ximos de salto em profundidade, salto quíntuplo e
corrida de velocidade) (Nicol et al., 1991a; Nicol et *N. de R.T. Relativo ao “drop-jump” (DJ).
al., 1991b). O exercício exaustivo de ressalto pode **N. de R.T. Relativo ao “squat-jump” (SJ).
226 PAAVO V. KOMI
Figura 11.8 Tendência bimodal de recuperação observada em sete sujeitos após maratona: padrões EMGs retificados e médios
dos músculos sóleo (SOL) e vasto lateral (VL), assim como a curva da força vertical de reação do solo (Fz) tempo em 10 ressaltos
sucessivos no trenó antes e após corrida (a). Corresponde ao componente ativo do reflexo de curta latência (EMGa M1) dos
músculos SOL e VL (b) e regulação da rigidez pós-aterrissagem como determinado pelo decréscimo da força pico (DFP) mensurada
no registro Fz (c). Adaptada, com permissão, de Avela e colaboradores (1999b).
tes reflexos passivos (Fig. 11.9). Nesse caso, um po- na, no entanto, Avela e colaboradores (1999) obser-
tente instrumento induz alongamento passivo dos varam redução aguda na taxa da onda H/M, mas sem
músculos da perna em velocidades angulares baixas declínio secundário.
e intermediárias (60 a 180°·s–1). O teste de reflexo de A Figura 11.10 combina as descobertas de dois
Hoffmann (reflexo H) do músculo sóleo também de- estudos recentes (Nicol et al., submetido; Kuitunen
tecta potenciais alterações no nível de excitabilidade et al., 2002). Nessas abordagens, a fadiga foi induzida
espinal. Exercícios de ressaltos, do tipo CAE intensi- pela realização de corrida de 10 km em velocidade
vo, fortalecem uma tendência bimodal ao declínio na predeterminada ou em exercício curto, mas intenso,
resposta EMG reflexa pico a pico nos alongamentos de ressalto no ergômetro trenó. A principal influên-
passivos após maratona (Avela et al., 1999). Esse sis- cia da inibição reflexa retardada no decréscimo do
tema pode ser assim configurado também após exer- torque é demonstrada por relações positivas, ambas
cício de ressaltos muito intenso no trenó (Nicol et nos dias 2 (Fig. 11.10) e 7, entre as respectivas altera-
al., 1996a). No último caso, isso foi associado com ções na EMG e nas respostas reflexas de torque.
decréscimo bimodal da resposta do reflexo H, ten- A Figura 11.11 fornece suporte adicional ao pa-
dência observada após um de três sucessivos exercí- ralelismo entre diferentes parâmetros na recupera-
cios exaustivos de ressalto no trenó (Nicol et al., ção bimodal após o exercício do tipo CAE. Na recu-
1996b), assim como após 75 minutos de estimulação peração da corrida de 10 km, as alterações retardadas
elétrica combinada com alongamento passivo repe- de dois dias na resposta reflexa mecânica do tríceps
tido (Ogiso et al., em desenvolvimento). Na marato- sural ao alongamento passivo são significativamente
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 227
Figura 11.9 Representação esquemática do teste reflexo de estiramento com análise EMG associada (esquerda) e resposta reflexa
mecânica (direita).
*N. de R.T. Gastrocnêmio lateral.
Figura 11.12 Efeitos do exercício CAE em condições de fadiga na resposta reflexa passiva mecânica (resposta de torque) (duas
linhas superiores do gráfico) com as respectivas alterações na concentração sérica de lactato e na atividade da creatina cinase (CK).
Os dados são apresentados para 12 sujeitos divididos em três subgrupos de acordo com as respostas reflexas do torque de pico e
médio (T): G1 com somente alterações agudas (a); G2 com tendência bimodal (b); G3 com taxa adicional mais lenta de relaxamento
nos dias 2 e 7 pós-exercício (c) (dados de Nicol et al., submetido).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 229
Esses resultados demonstram que a função mus- tes cruzadas acopladas, provavelmente em combi-
cular e a regulação da rigidez podem ser prejudica- nação com leve aumento em seu número (Sugi e
das em um atraso, mas de maneira individual após Tsuchiya, 1988; Lombardi e Piazzesi, 1990), e a força
exercícios CAE exaustivos. No entanto, há um claro resistiva passiva das proteínas citoesqueléticas encon-
paralelismo entre as respectivas alterações no desem- tradas na região intra-sarcomérica, tal como a titina
penho, na ativação neural (central e periférica) e nos (Edman e Tsuchyia, 1996), a desmina (Lieber et al.,
indicadores indiretos de fontes metabólicas ou es- 1996) e a nebulina (Patel e Lieber, 1997). Os exercí-
truturais de fadiga. Isso implica a existência de po- cios excêntricos também apresentam a vantagem do
tencial ligação entre o tipo contrátil de incapacidade menor custo energético (Asmussen, 1956) que po-
e os ajustes centrais e periféricos durante a recupe- deria resultar de menor recrutamento das unidades
ração. motoras em determinado nível de força (Komi, 1973)
e do desacoplamento mecânico das pontes cruzadas
pela aplicação de força externa (Morgan, 1990).
Mecanismos potenciais No entanto, parece evidente que os exercícios
intensos e prolongados envolvendo ações muscula-
O capítulo anterior enfatizou a demonstração do res excêntricas induzem ajustes neuromusculares
papel dominante da fase excêntrica no CAE em con- agudos e retardados à fadiga. Na análise da fadiga
dições de fadiga. Exercícios intensos ou prolonga- induzida por exercício do tipo CAE, também deve-se
dos, especialmente envolvendo ações musculares ex- considerar as ações musculares concêntricas envol-
cêntricas incomuns, são tipicamente associados com vidas, estímulo que aumenta consideravelmente no
dor muscular tardia — DMT (DOMS*). Já em 1902, exercício padrão no período da fadiga (Fig. 11.2b)
suspeitava-se que essa dor era causada por microle- (Nicol et al., 1991c; Horita, 2000). O aumento do tra-
são muscular induzida por exercício (Hough, 1902). balho concêntrico observado em paralelo com a di-
Desde essas tentativas iniciais, os exercícios excên- minuição da eficácia do CAE com a fadiga é espera-
tricos passaram a ser estudados muito amplamente do para induzir um tipo metabólico potencial de
em modelos humanos e animais. A literatura atual fadiga que varia de acordo com a intensidade e com a
oferece muitos artigos e revisões abrangentes sobre duração do exercício do tipo CAE. Esse componente
as características da fadiga excêntrica. Isso inclui le- de fadiga deveria, então, ser considerado no estudo
são muscular e DMT, mas também distensão e rigi- da tendência bimodal dos distúrbios funcionais. Após
dez muscular, além de reduções associadas da ampli- exercícios do tipo CAE exaustivos, a freqüente ob-
tude de movimento e força muscular, como percepção servação de rápida recuperação parcial dos parâme-
alterada de força e posição (Komi e Viitasalo, 1977; tros funcionais, na segunda hora após o exercício, su-
Waterman-Storer, 1991; Kuipers, 1994; Clarkson e gere que a fraqueza muscular aguda pode resultar
Newham, 1995; MacIntyre et al., 1995; Brockett et dos efeitos combinados das alterações metabólicas
al., 1997; Lieber e Fridén, 1999; Grabiner, 2000). O induzidas pelo exercício e pela lesão ultra-estrutural.
incremento retardado na amplitude de tremor mani- Já a recuperação prolongada poderia resultar de pro-
festa-se após exercício excêntrico intenso do braço cesso inflamatório alguns dias após a lesão. A inten-
(Saxton et al., 1995). Os mecanismos referentes a le- sidade e a duração do exercício que induz fadiga na-
são e dor musculares são muito bem estudados, em- turalmente dependem do exercício do tipo CAE,
bora as respostas finais ainda não tenham sido en- assim como da familiaridade (adaptação) dos sujei-
contradas. tos à tarefa.
Está bem documentado o fato de o aumento da A primeira parte deste capítulo descreveu em
força decorrente do alongamento ativo (ação excên- detalhes como os ajustes neuromusculares ocorrem
trica) resultar da combinação de vários fatores (Ca- em tendência bimodal durante a incapacidade con-
pítulo 9). Isso inclui incremento da tensão das pon- trátil induzida pelo exercício. A principal questão, no
entanto, situa-se na identificação dos mecanismos
capazes de explicar os ajustes observados na indução
*N. de R.T. Sigla originada da expressão inglesa “delayed-onset da incapacidade muscular, especialmente relaciona-
muscle soreness”. dos aos exercícios do tipo CAE.
230 PAAVO V. KOMI
Koskinen et al., 2001), também têm sido registrados. músculos de ratos 1 a 2 horas após corrida em decli-
Elevadas tensões podem ser geradas por determina- ve (McBride et al., 2000). Foi sugerido que esse re-
do número de fibras recrutadas sob condições ex- sultado seria conseqüência do aumento da permea-
cêntricas (Bigland-Ritchie e Woods, 1976; Faulkner bilidade do Na + no músculo devido à lesão do
et al., 1993). Porém, isso parece não representar um sarcolema, assim como pela ativação dos canais de
alto estresse que, per se, seja a causa primária da lesão íons ativados por estiramento. A magnitude e a dura-
muscular, e sim a magnitude da tensão ativa (Lieber ção da despolarização pós-exercício estão relaciona-
e Fridén, 1993) ou a combinação da tensão e da força das à intensidade (número de contrações excêntri-
média (Brooks et al., 1995). É esperado que a tensão cas) e ao número de exposições anteriores ao
excessiva induza o rompimento da membrana intra exercício. As diferenças entre os protocolos parecem
e/ou extracelular que pode permitir hidrólise das pro- explicar parcialmente os resultados opostos registra-
teínas estruturais, provocando desorganização mio- dos por Warren e colaboradores (1993b e 1999) após
fibrilar (Lieber e Fridén, 1999). O rompimento resul- exercício excêntrico intenso em ratos. De modo si-
tante do sarcômero e da fibra muscular poderia milar, a revisão de Warren e colaboradores (2001)
contribuir para a alteração comum da relação com- baseou-se em estudos do músculo do camundongo
primento-tensão ao longo do comprimento muscu- submetido à estimulação elétrica máxima, modelo que
lar após exercício excêntrico (Katz, 1993; Wood et claramente difere do exercício excêntrico voluntário.
al., 1993; Jones et al., 1997). É interessante notar que Nos exercícios voluntários do tipo CAE, a hipótese
as atividades físicas envolvendo um número elevado de uma dissociação da excitação-contração devido à
e repetido de contrações com alongamentos relati- lesão do sarcolema induzida pelo exercício também
vamente pequenos provocam lesão muscular grave é improvável, pois a recuperação parcial é observada
(Fridén et al., 1983b; Newham et al., 1983b; Lieber e total e sistematicamente quando testada cerca de 2
Fridén, 1993). Há, também, evidência de que o exer- horas pós-exercício (Figs. 11.10 a 11.12).
cício excêntrico representa diferentes gravidades em A literatura apresenta resultados equivocados no
músculos com diferentes arquiteturas (Lieber e que diz respeito aos efeitos desses mecanismos po-
Fridén, 2000; Fridén e Lieber, 2001b) e que as fibras tenciais na queda inicial da força após exercícios ex-
de contração rápida são mais suscetíveis que as de cêntricos e do tipo CAE. De acordo com Morgan e
contração lenta à lesão muscular (Fridén et al., 1983b; Allen (1999), as instabilidades no comprimento do
Fridén et al., 1988; Fridén e Lieber, 2001b; Vijayan et sarcômero explicam mais claramente a queda inicial
al., 2001). Além de suas diferenças estruturais, as fi- na tensão. O estudo de Lieber e colaboradores (1996)
bras de contração rápida apresentam menor capaci- sustenta essa hipótese ao demonstrar a relação sig-
dade oxidativa, que poderia resultar em incapacida- nificativa entre o rompimento citoesquelético indu-
de de desacoplamento das pontes cruzadas durante zido pelo exercício e a respectiva perda na força.
exercícios intensos, provocando uma resistência de- Nossas próprias descobertas empregando diferentes
sigual ao alongamento entre os sarcômeros e as fi- protocolos de fadiga enfatizam a influência adicional
bras musculares (Fridén e Lieber, 1992). da incapacidade metabólica. Considerando a simila-
No entanto, registros apontam que o desacopla- ridade das incapacidades funcionais induzidas por três
mento excitação-contração exerce influência princi- minutos de exercício intenso de ressaltos ou mara-
palmente na incapacidade funcional induzida pelo tona (Fig. 11.10), é sugerido que a acidose induzida
exercício excêntrico (Warren et al., 2001). Entre ou- pelo exercício intenso (refletido por 10 e 4 mmol·L–1
tros parâmetros, distúrbios de condução do poten- de concentração de lactato sangüíneo, respectivamen-
cial de ação do plasmolema* foram registrados nos te) pode ter favorecido o rápido desenvolvimento de
resistência desigual ao alongamento e lesão muscu-
lar em conexão com o exercício mais intenso. Tal re-
lação estaria relacionada ao incremento do efeito le-
sivo das sobrecargas de alto impacto realizadas
durante o exercício de ressaltos. No entanto, supõe-
*N. de R.T. Membrana plasmática. se a ocorrência de desacoplamento excitação-con-
232 PAAVO V. KOMI
tração, mas com aumento do efeito nas fases subse- Horita et al., 1999) e na Figura 11.12, sugere-se que
qüentes do processo de degradação. Finalmente, nos- as alterações relativas na CK podem ser de alguma
sos resultados enfatizam o papel da menor ativação relevância para a detecção de inflamação tecidual e
máxima na queda da força voluntária máxima após de defeitos funcionais associados com a fadiga pe-
exercícios do tipo CAE em condições de fadiga lo CAE. Outros indicadores de inflamação incluem
(Nicol et al., 1991b; Pullinen et al., 1997). A desco- rubor, calor e intumescimento, assim como dor e ri-
berta de grande decréscimo imediato na amplitude gidez.
das respostas de estiramento e do reflexo H (Nicol et O “estágio autogenético” corresponde às primeiras
al., 1996b; Avela et al., 1999) tende a fundamentar a 3 a 4 horas após a lesão e marca o início do processo
hipótese de inibição reflexa da ativação do músculo de degradação das estruturas da membrana. O mo-
lesionado capaz de contribuir para a fragilidade fun- delo prediz que a lesão induzida pelo exercício no
cional (Fig. 11.14). sarcolema, no sistema túbulo-T e no retículo sarco-
plasmático (RS) poderia elevar a perda da homeosta-
Efeitos retardados se do Ca2+. Após o exercício vigoroso, registra-se di-
latação focal extrema do RS acompanhada por
Armstrong (1990) dividiu esse período inflama- depressão na taxa de consumo e diminuição da libe-
tório em dois estágios: autogenético e fagocítico. Am- ração de Ca2+. Com isso, há aumento da concentra-
bos os estágios são associados com a presença san- ção intracelular livre de cálcio [Ca2+]i (Byrd, 1992).
güínea de indicadores indiretos de lesão muscular, De acordo com as revisões de Ebbeling e Clarkson
tais como metabólitos protéicos musculares (p. ex., (1989) e Armstrong (1990), a alteração da [Ca2+]i em
troponina I, miosina de cadeia pesada) e aumento da repouso nas fibras lesionadas poderia aumentar a
atividade de enzimas musculares específicas (p. ex., protease endógena ativada pelo cálcio (p. ex., calpaí-
creatina cinase [CK], lactato desidrogenase) (para re- na), causando lesão muscular adicional. A calpaina
visão, ver Noakes, 1987). A atividade da CK é o sina- induz hidrólise específica de proteínas citoesqueléti-
lizador de lesão muscular mais freqüentemente utili- cas, como a desmina, mas não a actina e a miosina,
zado. No entanto, deveria ser notado que, devido à enquanto outras proteases estimuladas pelo cálcio
considerável variabilidade na magnitude da resposta agem diretamente nas linhas-Z (Reddy et al., 1975).
das enzimas séricas, o valor de pico não reflete a Belcastro (1993) demonstrou incremento da afinida-
quantidade de lesão muscular, sendo considerado um de da calpaína com o cálcio após o exercício. Isso
preditor ruim de alterações funcionais (Ebbeling e sugere que determinada quantidade de lesão poderia
Clarkson, 1989; Mair et al., 1995; Fridén e Lieber, ocorrer em menor concentração de cálcio. Medidas
2001a). Todavia, com base nos resultados de vários quantitativas agudas, assim como retardadas, da
estudos que induziram fadiga pelo CAE (Nicol et [Ca2+]i nos músculos em repouso após corrida em
al.,1996b; Kyröläinen et al., 1998; Avela et al., 1999; declive têm sido recentemente realizadas em ratos
(Lynch et al., 1997). Os resultados indicaram aumento ciam com alterações na estrutura da parede vascular,
significativo na [Ca2+]i em repouso coincidente a de- provocando alterações estruturais e funcionais na
créscimo funcional. No entanto, deve ser menciona- membrana basal, além de migração de neutrófilos e
do que Lowe e colaboradores (1994) não registraram monócitos ao local da lesão (Evans e Cannon, 1991;
alteração imediata na [Ca2+]i. Sob o mesmo prisma, Fantone, 1993). A mobilização de neutrófilos é mai-
Lynch e colaboradores (1997) observaram alterações or após exercício excêntrico do que após exercício
na [Ca2+]i e na função muscular em 48 horas, mas concêntrico realizado pelos mesmos sujeitos em ní-
não em 24 horas pós-exercício. De acordo com Lyn- veis similares de consumo máximo de oxigênio (Smith
ch e colaboradores (1997), esses resultados combi- et al., 1989). Durante a inflamação, os monócitos acu-
nados sustentam a hipótese de que os músculos sub- mulam-se no local da lesão por quimiotaxia e sofrem
metidos ao exercício envolvendo ações musculares diferenciação morfológica e funcional, tornando-se
excêntricas mantêm as alterações na [Ca2+]i até a fase macrófagos. Uma vez ativados, os neutrófilos, monó-
inflamatória. citos e macrófagos são capazes de induzir fagocitose
Em relação aos efeitos funcionais relevantes, os (Faulkner et al., 1993) e de fornecer um suprimento
exercícios excêntricos e do tipo CAE são geralmen- fresco de mediadores de citocinas e de fatores citotó-
te associados com grande redução da força em esti- xicos que respondem em parte pela amplificação
mulação de baixa freqüência, mais do que em alta e pelo prolongamento da inflamação (Adams e
(Edwards et al., 1977; Newham et al., 1983a; Hamilton, 1988). Além disso, os macrófagos repre-
Strojnik e Komi, 2000). A menor liberação de Ca2+ sentam a fonte primária de citocinas, tais como a in-
pelo retículo sarcoplasmático serve como explicação terleucina-1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral
para as maiores reduções da força em baixas freqüên- (TNF). Ambos alteram a permeabilidade do endoté-
cias de estimulação mais do que em altas (Davies e lio, provocando infiltração de leucócitos e edema.
White, 1981; Newham et al., 1983b; Westerblad et Como revisado por Evans e Cannon (1991), os ma-
al., 1993). De acordo com Allen (2001), a fadiga de crófagos secretam fibronectina e proteoglicanos. Es-
baixa freqüência também poderia ser causada pela ses ajudam a estabilizar a matriz extracelular, pro-
menor taxa de elevação na força dos sarcômeros su- movem adesão celular e estimulam a proliferação de
peralongados enfraquecidos. No presente estágio, não fibroblasto, além de ajudar na síntese de colágeno por
é possível concluir se um desses mecanismos contri- meio da IL-1. Há forte evidência de que a regenera-
bui para a menor taxa de relaxamento de contração ção da lesão muscular induzida pelo exercício não se
observada no 2º- e no 7º- dias após exercício do tipo processa na ausência dos macrófagos (para revisão,
CAE (Fig. 11.12). Maior número de investigações é ver Carlson e Faulkner, 1983 e MacIntyre et al., 1995).
necessário para esclarecer os mecanismos referentes Em 1902, Hough sugeriu que a dor muscular indu-
ao aumento da concentração intracelular de Ca2+ e zida pelo exercício é produzida em sua fase prolongada
para identificar a magnitude em que o incremento por “algum tipo de ruptura dentro do músculo”. Hill
da [Ca2+]i em repouso contribui para as fases subse- (1951) sugere que a dor está relacionada à lesão me-
qüentes de proteólise, inflamação e regeneração. cânica, distribuída microscopicamente ao longo do
O “estágio fagocítico” é caracterizado pela típica músculo. A referência de Asmussen (1956) levou Boje
resposta inflamatória nos tecidos e pode durar de 2 a (1955) a acreditar que as dores são localizadas nos
4 dias ou mais, com um pico por volta do terceiro dia tecidos conjuntivos intramusculares. No entanto,
pós-exercício (Kihlstrom et al., 1984). Vários estu- sabe-se, atualmente, que nem o grau e muito menos
dos relatam maior lesão miofibrilar dois dias após o tempo de lesão estrutural se correlacionam bem
exercício excêntrico do que imediatamente após o com as respectivas alterações na DMT (Newham et
exercício (Fridén et al., 1981; Newham et al., 1983a). al., 1983b; Howell et al., 1993). Nessa direção, a dor
Hikida e colaboradores (1983) demonstraram a pre- muscular experimental induzida por injeções intra-
sença de alterações ultra-estruturais significativas, que musculares de substâncias algogênicas, como a bra-
alcançaram um pico nos dias 1 e 3, algumas das quais diquinina, a serotonina e a substância P, não revela
persistindo no sétimo dia após a maratona. Mais pre- qualquer relação dose-resposta com a intensi-
cisamente, o processo inflamatório pode ser subclas- dade de dor induzida (Babenko et al., 1999). Parte
sificado em agudo e crônico. As respostas agudas ini- dessa discrepância pode ser explicada pelo aumento
234 PAAVO V. KOMI
da sensação de dor em resposta a determinado estí- dade EMG à contração constante submáxima (Komi
mulo quando os tecidos periféricos são lesionados. e Viitasalo, 1977).
Esse fenômeno, denominado de “hiperalgesia”, pode As alterações de rigidez são freqüentemente ob-
envolver a diminuição do limiar de nociceptores* pela jeto de estudo no caso de lesão dos flexores da arti-
presença de agentes químicos liberados localmente culação do cotovelo. Alterações na rigidez têm sido
(para revisão, ver Jessel e Kelly, 1991; Mizumura, 1998; estudadas no caso da dor muscular dos músculos fle-
Millan, 1999). A hiperalgesia ocorre primeiramente xores do cotovelo, a qual é tipicamente associada com
no local da lesão tecidual antes de se propagar por uma capacidade reduzida de flexionar completamente
outros compartimentos (Bobbert et al., 1986; Fields, a articulação (Clarkson et al., 1992) e com uma posi-
1987; Howell et al., 1993). Além disso, a dor não é ção mais flexionada da articulação quando o braço
constante durante todo o tempo, sendo mais intensa está suspenso e em uma posição relaxada (Howell et
quando os membros exercitados são completamente al., 1985; Cleak e Eston, 1992; Saxton e Donnelly,
estendidos ou flexionados ou quando os músculos 1995). Suspeita-se que essa flexão relativa seja
são profundamente palpados (Howell et al., 1993). fruto do aumento da rigidez passiva induzida pelo
Nenhuma relação (Cleak e Eston, 1992) ou rela- edema nos músculos lesionados (Howeel et al., 1985;
ção moderada (Talag, 1973) tem sido relatada ao se Jones et al., 1987; Murayama et al., 2000). Há, tam-
comparar a recuperação da dor muscular com a da bém, registros de outras explicações. De acordo com
força muscular. Além disso, a perda de força e as per- Whitehead e colaboradores (2001), a elevação na ten-
turbações neuromusculares são bem conhecidas por são passiva em músculos humanos e de animais após
iniciarem antes da dor ser percebida e por durarem exercício excêntrico estaria relacionada ao desenvol-
alguns dias após a dor se dissipar (Nicol et al., 1996a; vimento de contraturas no músculo lesionado.
Deschesnes et al., 2000). Sugere-se, portanto, que esse Ebbeling e Clarkson (1989) sugeriram efeito poten-
retardo reflete o curso natural da resposta inflama- cial do acúmulo anormal de cálcio dentro da célula
tória (Hikida et al., 1983; Evans e Cannon, 1991; muscular devido à perda da integridade do sarcolema
MacIntyre et al., 2001) e de intumescimento do mús- e à disfunção do retículo sarcoplasmático. No entan-
culo lesionado. Em relação ao efeito potencial da dor to, a “teoria de espasmo reflexo” (De Vries, 1966),
muscular na atividade EMG, o estudo de dor mus- segundo a qual a rigidez e a dor musculares resultam
cular experimental realizado por Graven-Nielsen e de atividade elétrica nos músculos lesionados, é tida
colaboradores (1997) não revelou aumento no nível como improvável nessa situação de fadiga (Howell et
EMG em repouso, mas reduzida atividade na contra- al., 1985; Bobbert et al., 1986; Jones et al., 1987).
ção voluntária máxima e alterações na coordenação O “estágio regenerativo” inicia nos dias 4 a 6 e re-
ao exercício dinâmico. De acordo com o modelo de flete a regeneração das fibras musculares. A recupe-
adaptação e dor de Lund e colaboradores (1991), vá- ração da força ocorre mesmo diante da diminuição
rios outros estudos registraram aumento da ativida- do conteúdo de proteína contrátil (Lowe et al., 1995;
de dos músculos antagonistas (Arendt-Nielsen et al., Ingalls et al., 1998). No estudo de Lowe e colabora-
1996; Matre et al., 1998; Sohn et al., 2000). No en- dores (1995) com animais, as taxas de síntese protéi-
tanto, ao considerar o atraso na recuperação do sinal ca aumentaram aproximadamente 48 horas após a
EMG após a dissipação da dor, sugere-se que a DMT lesão, permanecendo elevadas em 83% por cinco dias.
contribui primariamente, nos primeiros 2 a 3 dias pós- Nos dias 10 a 14, a degradação e a síntese protéica
exercício, para a redução da atividade EMG observa- muscular retornaram ao normal; não foi detectada
da em esforço máximo e para o incremento da ativi- infiltração fagocítica. No entanto, a massa muscular,
o conteúdo de proteína e a produção de força abso-
luta foram menores. Com base na revisão de Warren
e colaboradores (2001), o conteúdo de proteína con-
*N. de R.T. Um tipo de receptor corporal sensível à dor causa-
trátil e a força muscular deveriam voltar aos valores
da por lesão nos tecidos corporais, a qual pode ser originada
por estímulos físicos (mecânicos, térmicos e elétricos), bem normais em paralelo ao final do período de recupe-
como por substâncias químicas secretadas. São normalmente ração (14 a 28 dias). Retardo similar na recuperação
localizados na pele ou nas paredes viscerais. (Hikida et al., 1983), mas também de maior duração
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 235
(Warhol et al., 1985; Howell et al., 1993) foram regis- registrada por Svensson e colaboradores (1998) e por
trados em humanos após lesão muscular induzida Matre e colaboradores (1998). No entanto, deve-se
por exercício excêntrico. mencionar que Matre e colaboradores (1998) obser-
varam uma depressão retardada (mais do que 40 mi-
Mecanismos de adaptação neural nutos após o final da dor) em alguns registros do re-
à fadiga flexo-H. Atribuiu-se tal situação ao potencial efeito
inibitório produzido pelos aferentes musculares do
As adaptações neuromusculares provavelmente grupo III.
variam de compensações neurais referentes à inca-
pacidade contrátil até mecanismos protetores neu- Ajustes reflexos da ativação neural
rais dos músculos lesionados durante o desenvolvi-
mento progressivo da fadiga induzida pelo exercício Na fase retardada de recuperação, as alterações
excêntrico e pelo CAE (Figs. 11.3 e 11.4) (Horita, estruturais e químicas associadas com a lesão e a in-
2000; Strojnik et al., 2000; Strojnik et al., 2001a; Stro- flamação induzida teriam conseqüências lógicas nas
jnik et al., 2001b). Durante e após exercício do tipo vias sensoriais aferentes. Logo, exerceriam influência
CAE com indução de fadiga, a incapacidade e/ou os nas atividades eferentes. Essas alterações na ativação
ajustes neurais podem afetar diferentes partes das vias (ambas, inibição ou facilitação) induziriam alterações
de ativação. Esses locais potenciais foram divididos ou dificuldades na verdadeira função do sistema neu-
por Bigland-Ritchie e Woods (1984) em três catego- romuscular.
rias gerais: (I) aqueles que dissimulam no SNC; (II)
referentes à transmissão neural do SNC ao músculo;
Ativação dos aferentes musculares de
e (III) dentro das fibras musculares individuais.
pequeno diâmetro
cias químicas como a bradiquinina (Kranz e Mense, A hipótese oposta, mas atualmente mais convin-
1975; Mense e Meyer, 1988) e produtos da ativação cente, refere-se aos efeitos de economia e proteção
da ciclooxigenase (Herbaczynska-Cedro et al., 1976; do músculo fatigado (Bigland-Ritchie et al., 1986;
Kniffiki et al., 1978; Rotto e Kaufman, 1988). Uma Garland, 1991; Enoka e Stuart, 1992; Jammes e
vez ativados, os nociceptores liberam neuropeptí- Balzamo, 1992; Garland e Kaufman, 1995). Parece que
deos. Estes últimos causam vasodilatação, edema e efeitos protetores agem em paralelo com a redução
liberação de histamina. Os processos descritos indu- da sensibilidade do fuso muscular registrada em con-
zem a ativação adicional e de longo prazo em algu- dições de estresse metabólico (Fukami, 1988; Lagier-
mas extremidades sensoriais (Fields, 1987). No caso Tessonier et al., 1993) bem como mecânico (Avela
do exercício intenso, o incremento no potássio, no et al., 2001). O reduzido input do fuso ao conjunto de
fosfato e no ácido láctico extracelular pode consti- motoneurônios também pode ser atribuído aos efei-
tuir estímulo agudo, mas adicional dos metabocep- tos indiretos dos pequenos aferentes musculares via
tores musculares (Mense, 1977; Rybicki et al., 1985; inibição pré-sináptica dos terminais Ia (Duchetau e
Kaufman e Rybicki, 1987; Synoway et al., 1993; Hainaut, 1993). Tal efeito pode, ainda, estar ligado à
Darques e Jammes, 1997; Darques et al., 1998; ativação dos interneurônios espinais inibidores
Decherchi et al., 1998). Os neurônios sensoriais pri- envolvidos nas vias oligossinápticas (Duchateau e
mários desmielinizados são particularmente respon- Haianut, 1993; Rossi et al., 1999). A partir dos estu-
sivos às alterações de longo prazo. Tais alterações po- dos com modelos animais, determinou-se que os afe-
dem processar-se com distúrbios teciduais lentos, rentes musculares dos grupos III e IV possuem po-
como a inflamação (McMahon e Koltzenburg, 1990). deroso input aos interneurônios inibidores (Cleland
et al., 1982). No caso da fadiga induzida pelo estímu-
lo excêntrico, existe evidência mais convincente de
A ativação dos aferentes de pequeno
que a inibição pré-sináptica é sustentada pela ausên-
diâmetro pode ter alguma influência?
cia de recuperação da amplitude do reflexo-H, en-
A influência exata dos aferentes musculares de quanto o acúmulo metabólico induzido pelo exercí-
pequeno diâmetro na ativação neural nas condições cio é retido através de isquemia (Avela et al., 1999).
de fadiga não está claramente estabelecida. A litera- Demonstrou-se claramente uma tendência bimodal
tura apresenta duas tendências principais. Ambas são de recuperação do reflexo-H após 75 minutos de es-
contraditórias no que diz respeito à dor e à lesão. timulação elétrica, combinada com estiramentos me-
Em 1942, Travell e colaboradores (Travell et al., canicamente induzidos (Ogiso et al., em desenvolvi-
1942) propuseram a hipótese de “ciclo vicioso”. Se- mento) (Fig. 11.15), assim como após exercício
gundo essa perspectiva, os aferentes musculares dos exaustivo de ressaltos no trenó (Nicol et al., 1996b).
grupos III e IV ativariam os motoneurônios γ, provo- No último estudo, a resposta do reflexo-H permane-
cando subseqüente elevação na sensibilidade do fuso ceu deprimida durante 15 dias. Nesse período, os
muscular, na atividade do motoneurônio α e no de- sujeitos realizaram três exercícios exaustivos de res-
senvolvimento de fadiga. Essa hipótese tem como base saltos nos dias 0, 5 e 10. O declínio secundário sus-
vários trabalhos em que o incremento na atividade tenta a hipótese de efeito potencial da ativação pro-
fusimotora foi observado após injeção intra-arterial longada dos aferentes dos grupos III e IV pelo
de substâncias pró-inflamatórias (Ellaway et al., 1982; processo inflamatório induzido pelo exercício. No que
Jovanovic et al., 1990; Ljubisavljević et al., 1992). Ten- se refere à baixa velocidade de condução dos peque-
dência similar foi registrada após injeção de KCl e de nos aferentes musculares, sua ativação contínua fun-
ácido láctico (Johansson et al., 1993). Além disso, damenta seu papel potencial na inibição do compo-
sugeriu-se que o aumento da atividade fusimotora nente reflexo de curta latência registrado no CAE
induzida pelos aferentes nociceptivos de determina- (Avela e Komi, 1998b; Avela et al., 1999) e nas situa-
do músculo pode incrementar a ativação dos fusos ções reflexas de alongamento passivo (Nicol et al.,
musculares aferentes (Djupsjöbacka et al., 1995) e/ 1996a; Nicol et al., 1996b). No entanto, além das vias
ou a atividade do motoneurônio α (Appelberg et al., periféricas, há evidência de influência descendente
1983) de músculos homônimos e heterônimos. na transmissão da informação sensorial (Hong et al.,
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 237
Figura 11.15 Alterações relativas no reflexo-H (parte superior) após 75 minutos de estimulação elétrica, associada com
estiramentos mecanicamente induzidos, e a razão onda H/M (parte inferior) durante 15 dias de acompanhamento em que um
exercício do tipo CAE exaustivo de curto prazo foi repetido nos dias 0, 5 e 10. Em ambos os experimentos, as alterações são
expressas como porcentagem do valor pré-fadiga (d0b: dia 0 antes) (dados de Ogiso et al., em desenvolvimento, [esquerda] e de
Nicol et al., 1996b [direita]).
aspectos precisam ser explorados para compreensão Avela, J. & Komi, P.V. (1998b) Reduced stretch reflex sensi-
adicional da natureza e dos mecanismos do exercício tivity and muscle stiffness after long-lasting stretch-
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Parte III
Mecanismos de adaptação
no treinamento de
força e potência
Capítulo 12
Aspectos celulares e
moleculares da adaptação
do músculo esquelético
GEOFFREY GOLDSPINK E STEPHEN HARRIDGE
O músculo esquelético é um tecido que possui a ca- O músculo é constituído de unidades celulares
pacidade intrínseca de adaptar-se ao tipo de ativida- chamadas fibras, que apresentam de 20 a 100 µm de
de física que é solicitado a desempenhar. A adapta- diâmetro. As fibras musculares contêm estruturas
ção acontece durante o crescimento normal e como contráteis, as miofibrilas, com 1 µm de diâmetro. Es-
resposta ao treinamento. Este capítulo refere-se aos tas, por sua vez, são constituídas por filamentos pro-
mecanismos celulares e moleculares envolvidos na téicos, os sarcômeros (Fig. 12.1). O sarcômero é cons-
adaptação relacionada ao aumento da produção de tituído por inúmeras proteínas envolvidas direta-
potência. Com o surgimento de métodos que permi- mente no processo contrátil ou no desempenho de
tem o estudo de mudanças na expressão gênica, hoje função estrutural. As duas proteínas mais importan-
podemos começar a compreender adaptações nos ní- tes envolvidas no processo contrátil são os filamen-
veis de transcrição e na tradução de genes e de suas tos de actina e miosina. O processo contrátil envolve
subpopulações. Dessa forma, será possível compreen- o deslizamento desses dois filamentos, um sobre o
der desde o tecido como um todo até o nível genéti- outro, um processo coordenado por motores mole-
co, sendo possível delinear o treinamento e a reabili- culares. Esses filamentos são partes de pontes cruza-
tação mais apropriados. Com a recente descoberta das que se estendem do filamento de miosina. Cada
da seqüência do genoma, será possível, muito em ponte cruzada é um gerador independente de força
breve, predizer quais indivíduos apresentam potencial que interage com o filamento fino e o desloca na di-
genético para se tornar atletas de nível internacional. reção do centro do sarcômero. Estudos recentes de
cristalografia de raio X demonstraram a estrutura des-
sa molécula, identificando a região que se liga ao fi-
Bases celulares e moleculares da lamento grosso e que se associa e hidroliza ATP no
potência muscular processo contrátil (Rayment et al., 1993a,b). Está claro
que as pontes cruzadas podem se ligar fraca ou for-
Meios pelos quais o músculo se temente aos filamentos de actina em mais de uma
encurta e produz força situação, dependendo da ligação do fosfato inorgâni-
co. A ponte cruzada deve ser inibida pela adenosina
O processo pelo qual o músculo converte ener- trifosfato (ATP) quando for desaclopada do filamen-
gia química em trabalho mecânico chama a atenção to fino antes de iniciar outro ciclo de geração de força.
de muitos fisiologistas, bioquímicos e especialistas em Durante a contração, os filamentos finos desli-
exercício físico. Este capítulo representa uma breve zam sobre os filamentos grossos, encurtando cada
revisão de muitos tópicos. Maiores detalhes podem sarcômero. Isso ocorre ao longo de todo o compri-
ser encontrados em livros-textos de biologia celular mento das miofibrilas; então o músculo se encurta
e fisiologia. completamente. A bioquímica da contração muscu-
248 PAAVO V. KOMI
Figura 12.1 Estrutura muscular do tecido total em nível molecular. As unidades celulares ou fibras musculares contêm elementos
contráteis denominados miofibrilas. Nos músculos esquelético e cardíaco as miofibrilas são estriadas. A característica estriada deve-
se à presença de filamentos grossos (miosina) e finos (actina). Esses filamentos protéicos são dispostos em unidades denominadas
sarcômeros, que se encurtam durante a contração, pelo deslizamento dos filamentos finos sobre os grossos. Esse movimento de
deslizamento é induzido pelas pontes cruzadas de miosina que agem como geradores de força independentes. O movimento dos
filamentos finos inicia quando o cálcio liga-se ao complexo troponina (TnI, TnT, TnC) que parece puxar a tropomiosina para o lado,
de modo que os locais ativos fiquem expostos sobre o filamento de actina. Outra condição é que as pontes cruzadas de miosina são
carregadas com ATP. A ponte cruzada representa a parte da molécula de cadeia pesada de miosina que se projeta do filamento
grosso. A extremidade da ponte cruzada termina em duas cabeças globulares (fragmento S1) que contêm ATPase e locais de ligação
da actina. A taxa em que as pontes cruzadas funcionam é principalmente determinada pela atividade da ATPase do tipo de cadeia
pesada de miosina que constitui a ponte cruzada. As duas cadeias leves de miosina, também associadas com S1, parecem
modificar o tempo de ciclo da ponte cruzada em alguma magnitude.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 249
lar é complexa. Isso significa que o sistema não dis- filamentos de actina. Como mencionado anterior-
põe de um único meio de geração de força, mas tam- mente, cada ponte cruzada de miosina é um gerador
bém de um mecanismo para “acoplar” e “desacoplar” de força independente; o número de pontes cruza-
o aparato contrátil. Os filamentos de actina são simi- das acopladas dependerá da concentração de Ca2+ no
lares a um duplo colar de pérolas que se entrelaça sarcoplasma. Quando estimuladas pelo ATP e ativa-
em forma de espiral ou hélice. Esses filamentos finos das pelo Ca2+, essas pontes cruzadas se movimentam
são complexos regulatórios constituídos de proteí- de acordo com o ciclo de acoplamento do filamento
na, tropomiosina e troponina I, T e C. Quando os fino, geração de força e, então, uma fase de desaco-
íons cálcio (Ca2+) se ligam ao complexo troponina, plamento. Recentes avanços empregando sistemas de
há mudança conformacional que resulta no desliza- isolamento a lazer (pinças ópticas) permitem medir
mento da tropomiosina. Procura-se, então, a exposi- diretamente a força e o deslocamento, resultado da
ção dos locais ativos que permitem, às pontes cruza- interação de uma única molécula de miosina com
das da miosina, interagir com os filamentos finos um único filamento de actina. Forças transitórias de
quando a posição da tropomiosina é alterada. As pon- 3 a 4 pN têm sido medidas sob condições isométri-
tes cruzadas se movimentam em ciclos repitidos ou cas que são consistentes com as previsões do mode-
de atividade até o Ca2+ ser retirado. lo de contração do movimento das pontes cruzadas
O Ca2+ é estocado em sacos intracelulares locali- (Finer et al., 1994).
zados ao redor das miofibrilas (retículo sarcoplasmá- Convém relacionar a força máxima desenvolvida
tico [RS]). O potencial de ação resulta na despolari- com a área de secção transversa da fibra muscular,
zação do sarcolema e na liberação do Ca2+ do RS para pois a força muscular é um reflexo puro do número
o sarcoplasma. Acredita-se resultar de um movimento de pontes cruzadas trabalhando em paralelo. A área
de carga na junção do RS com o sistema de túbulos de secção transversa da fibra representa uma manei-
transversos. Essa voltagem é sensível a receptores ra razoavelmente precisa de predizer a força que de-
dihidropirodina, que ativam os canais de ligação da terminada fibra pode desenvolver. No entanto, isso é
rianodina no RS, que, por sua vez, abrem-se e permi- mais complicado na perspectiva de todo o músculo.
tem a rápida difusão externa do Ca2+. O relaxamento O grau em que o músculo é ativado e as dificuldades
muscular ocorre a partir do seqüestro do Ca2+ de volta na determinação precisa da área de secção transver-
ao RS através de vesículas longitudinais, por um pro- sa fisiológica são fatores que tornam impossível de-
cesso de transporte ativo catalisado pela Ca2+-ATPa- terminar com exatidão a geração específica de força.
se em que duas moléculas de ATP são hidrolisadas O problema é composto pela falta de métodos para a
para cada Ca2+ seqüestrado. determinação da porcentagem de espaço extracelu-
lar dentro do músculo. Na realidade, é possível que
Determinantes ultra-estruturais e uma das respostas iniciais ao treinamento de força
moleculares da força muscular seja a consolidação tecidual quando as fibras mus-
culares aumentam em circunferência em relação aos
A força pode ser definida como a máxima força custos dos espaços extracelulares. Isso quer dizer que
que determinado músculo pode desenvolver duran- a resposta inicial constitui o aumento da área de sec-
te uma única contração. Fisiologicamente, isso em ção transversa das fibras musculares sem aumento
geral é definido quando o músculo é submetido a paralelo da área de secção transversa muscular, re-
testes sob condições isométricas ou estáticas, ou sultando em um músculo mais forte e compacto.
quando ocorre encurtamento do sarcômero, embora Além disso, a disposição das fibras nos diferentes
deva ser considerado que, no início de contrações músculos difere de acordo com a capacidade do mús-
isométricas, o sarcômero encurta em oposição à culo em gerar elevados níveis de força ou produzir
“frouxidão” das estruturas elásticas internas do mús- alta velocidade de encurtamento. As fibras muscula-
culo e do tendão. Portanto, a contração não é com- res são dispostas de modo que aumentem a área de
pletamente isométrica. Em nível ultra-estrutural, a secção transversa efetiva ou “fisiológica” dos mús-
força capaz de ser gerada está intimamente relacio- culos, tais como os da perna. Esses são referidos
nada ao número de pontes cruzadas de miosina tra- como músculos peniformes ou multipeniformes e
balhando em paralelo e que podem interagir com os servem para maximizar a área de secção transversa
250 PAAVO V. KOMI
fisiológica em determinada área anatômica do mús- (Schiaffino e Reggiani, 1996). Diferentemente dos
culo. Uma conseqüência inevitável desse tipo de dis- roedores, nos quais existem quatro, no músculo es-
posição é o fato de que as fibras musculares serão quelético do humano adulto há somente três isofor-
relativamente mais curtas, fazendo com que o mús- mas de MyHC. Elas podem ser expressas como:
culo tenha menor taxa de encurtamento. MyHC-I, MyHC-IIA e MyHC-IIX (Smerdu et al.,
1994; Ennion et al., 1995). A transcrição gênica da
Determinantes ultra-estruturais e última é homóloga à MyHC-IIX encontrada no mús-
moleculares da velocidade de culo do rato e não à MyHC-IIB mais rápida, não ex-
encurtamento pressa nos músculos de locomoção humana. Isso faz
sentido em uma escala perspectiva na qual velocida-
A taxa total de encurtamento de um músculo é, des apropriadas de encurtamento nos humanos e em
ao contrário da força isométrica, determinada em outros mamíferos podem ser atingidas através dos
parte pelo número de sarcômeros em séries, e não grandes membros, das fibras longas e, portanto, de
em paralelo. Quando ativados, os sarcômeros se con- mais sarcômeros em série. Existe confusão referente
traem e têm um efeito aditivo — quanto mais deles à nomenclatura: o termo “tipo IIb” é usado por algu-
estão em série, mais rápida é a taxa de encurtamento mas pessoas para a classificação de fibras, quando as
total da fibra. Então, devido à taxa total de encurta- estão identificando por meio de ATPase histoquími-
mento ser parcialmente determinada pelo compri- ca. Essas fibras expressam apenas a isoforma MyHC-
mento, é necessário expressar a máxima velocidade IIX, ou está em combinação com as isoformas MyHC-
de encurtamento (Vmáx) como a taxa de encurtamen- IIA (Sant’ana Pereira et al., 1994). Essa multiplicidade
to por sarcômero ou por comprimento muscular. de expressão de isoforma ilustra os riscos de extra-
Além do comprimento, a Vmáx também depende da polar dados obtidos diretamente de roedores para
velocidade intrínseca de encurtamento de cada sar- humanos.
cômero, que, por sua vez, depende do tipo predomi- A razão para essa diversidade de miosinas (mo-
nante de ponte cruzada de miosina expressa. tores moleculares) talvez possa ser mais bem com-
A molécula de miosina consiste de duas cadeias preendida pela análise das propriedades mecânicas
pesadas (peso molecular ~ 220 kDa) espiraladas en- das fibras musculares. Isso envolve uma técnica de
tre si, exceto para suas cabeças globulares ou regiões remoção dos sistemas de membrana pelo processo
S1. Parte da região duplamente trançada forma a es- de skinning químico, enquanto preserva o aparato
pinha, a meromiosina leve (LMM), que é encaixada contrátil intacto. Essas fibras permeabilizadas são,
no filamento de miosina. A meromiosina pesada então, imersas em uma solução de concentração de
(HMM) forma a ponte cruzada e termina na região ATP rica em Ca2+ para induzir contração. Os estudos
S1. A parte S1 da cadeia pesada de miosina contém o de fibras individuais realizados no músculo humano
local de acoplamento da actina e o local da ATPase. (Fig. 12.2) confirmaram inicialmente em modelos ani-
Ambos os locais são elementos importantes do me- mais, que as fibras expressando isoformas MyHC-I
canismo contrátil e determinam o ciclo de pontes são mais lentas quando comparadas às fibras
cruzadas, assim como a Vmáx. A parte HMM da mio- MyHC-IIA, que podem ser três vezes mais rápidas,
sina de cadeia pesada (MyHC) que se projeta do fila- enquanto as fibras que expressam a isoforma MyHC-
mento é articulada. Por isso, pode se soltar e permitir IIX são mais rápidas e mais poderosas (Larsson e
à cabeça S1 acoplar-se ao local ativo do filamento Moss, 1993; Bottinelli et al., 1996; Harridge et al.,
fino. As cabeças S1 aparentemente movimentam o fi- 1996; Widrick et al., 1999).
lamento fino, encurtando o sarcômero. O encurtamen- Há também expressão de inúmeras isoformas de
to de cada sarcômero depende do número de pontes miosina de cadeia leve com ~ 20 kDa em adição à
cruzadas que podem alcançar os filamentos de actina. multiplicidade de isoformas MyHC. Há duas cadeias
Isso significa que a sobreposição inicial dos filamen- de miosina leve associadas com cada cabeça S1 e, cer-
tos (comprimento do sarcômero) é importante. tamente nos músculos dos roedores, diferentes iso-
As pontes cruzadas não são proteínas homo- formas dessas proteínas modificam ou ajustam a taxa
gêneas, mas existem como isoformas múltiplas de encurtamento nas fibras que expressam a mesma
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 251
ção de um nível baixo de potência, mas em um perí- aqueles que podem afetar a potência por alterar a
odo prolongado de tempo. Como já mencionado, di- velocidade de encurtamento.
ferentes tipos de fibras musculares sugerem o desem-
penho de papéis específicos. Por exemplo, as fibras Geração de força e hipertrofia
que expressam a isoforma MyHC-IIX são adaptadas muscular
para alta potência em curto período de tempo, pois
apresentam elevada taxa de ciclos de pontes cruza- Devido à força muscular ser extremamente rela-
das e limitado sistema energético (glicolítico). As fi- cionada à sua área de secção transversa, o aumento
bras MyHC-IIA podem ser consideradas com desen- do tamanho da fibra é a principal adaptação para in-
volvimento suficiente para gerarem alta potência crementar a produção de potência muscular. O nú-
muscular por conta de sua elevada taxa de pontes mero de fibras musculares aparentemente não au-
cruzadas cíclicas (no entanto, menor do que a isofor- menta durante o crescimento pós-natal ou como
ma MyHC-IIX), mas durante período prolongado de resultado de treinamento físico em intensidades ra-
tempo. Tal efeito se processa na presença de potencial zoáveis. No entanto, a área média de secção transver-
não somente glicolítico, mas também oxidativo. Am- sa das fibras aumenta consideravelmente durante o
bas as fibras possuem um tipo de miosina e outras crescimento e no músculo adulto em resposta ao
proteínas contráteis, como a isoforma rápida do RS, aumento da sobrecarga mecânica. Estudos realiza-
que produz rápida ativação e elevada taxa de turnover dos com animais de laboratório indicam que o nú-
das pontes cruzadas. No entanto, como as fibras tipo mero total de fibras é geneticamente determinado.
MyHC-IIA têm mais mitocôndria e um metabolis- Essa proposição é a mesma para homens e mulheres,
mo oxidativo mais desenvolvido, são capazes de man- mas o tamanho alcançado pela fibra muscular é maior
ter uma alta potência durante um período mais pro- neles do que nelas. Isso se deve à influência da tes-
longado do que as fibras MyHC-IIX. tosterona e de outros hormônios.
O tipo MyHC-I de miosina é homólogo à isofor- O incremento na área de secção transversa da
ma cardíaca β expressa no músculo cardíaco e tem fibra é associado com um grande aumento no con-
taxa de ciclo lento das pontes cruzadas, tornando es- teúdo miofibrilar das fibras. Isso envolve um proces-
sas fibras mais eficientes e mais econômicas para a so em que uma miofibrila é submetida à divisão lon-
produção de movimentos repetitivos lentos (He et gitudinal em duas ou mais miofibrilas-filhas. Dessa
al., 2000) e para a manutençaõ da força isométrica maneira, a massa miofibrilar torna-se subdividida
(Stienen et al., 1996), mas não para a geração alta de quando aumenta em volume, permitindo ao retículo
potência. As fibras MyHC-I são particularmente nu- sarcoplasmático e aos sistemas tubulares transversos
merosas nos músculos posturais como o sóleo, ati- invadirem a massa e aproximarem-se em justaposi-
vado virtualmente durante todo o tempo na situação ção com os filamentos de actina e miosina. Provavel-
em pé, na caminhada e na corrida, enquanto há bai- mente, a divisão longitudinal das miofibrilas ocorre
xa expressão nos músculos sem funções posturais ou devido ao erro incorporado no entrelaçamento da
locomotoras, como o tríceps braquial (Harridge et al., actina com a miosina assim que os filamentos de ac-
1996). tina são ligeiramente deslocados quando se movimen-
tam do disco-Z (entrelaçamento quadrado) para a
banda-A (entrelaçamento hexagonal). Esse desloca-
Adaptação para o aumento da mento ou tração oblíqua dos filamentos de actina causa
potência estresse mecânico no centro de cada disco-Z, causan-
do a divisão da miofibrila (Goldspink, 1971) (Fig. 12.3).
Qualquer parâmetro capaz de modificar a força e A divisão tende a ser mais completa nas fibras de con-
a velocidade pode alterar a potência. Isso porque esta tração rápida, e, portanto, as miofibrilas nessas fibras
última pode ser determinada pela interação entre for- são pequenas e pontilhadas. A divisão das fibras de
ça e velocidade de contração. Para facilitar a compre- contração lenta geralmente é incompleta. As miofibri-
ensão, os seguintes tópicos foram divididos em me- las parecem ramificadas em secção longitudinal. O
canismos que podem produzir adaptação da força e aumento no número total de miofibrilas em fibras exis-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 253
tentes ocorre durante o crescimento e na hipertrofia ao freqüente recrutamento, mas em menor magnitu-
em resposta à sobrecarga. A produção de força máxi- de do que as fibras rápidas. As fibras rápidas de alguns
ma de um músculo é relacionada à área de secção trans- músculos podem ser maximamente recrutadas em
versa da miofibrila na medida em que a significância exercício repetido de baixa intensidade e em ativida-
fisiológica desse tipo de adaptação é aparente. des posturais. Sob outras condições, as fibras rápidas
entram em processo de atrofia ao mesmo tempo em
Hipertrofia, síntese protéica e a que as fibras lentas estão sendo induzidas a determi-
importância do alongamento nado nível de hipertrofia, como, por exemplo, durante
corridas de longa distância. Portanto, a resposta é se-
Há duas maneiras de acumular proteínas duran- letiva de acordo com o tipo de treinamento.
te o crescimento ou treinamento. Uma delas é carac- A dúvida que permanece refere-se à ocorrência
terizada pelo incremento na síntese protéica. A outra de hiperplasia (aumento no número de células),
representa o decréscimo na degradação protéica. assim como de hipertrofia (aumento no tamanho da
Mesmo no músculo adulto, as proteínas são cons- célula) como efeito induzido pelo treinamento vigo-
tantemente sintetizadas e degradadas; é provável que, roso. Em geral, modelos animais submetidos a tipos
o turnover, ou meia-vida, das proteínas contráteis seja normais de exercícios não demonstraram qualquer
de 7 a 15 dias. As proteínas sarcoplasmáticas solú- alteração no número total de fibras (Goldspink e
veis possuem meia-vida curta. Nesse processo, mais Ward, 1979; McCall et al., 1996). No entanto, obser-
da metade das proteínas contráteis são degradadas e va-se divisão parcial das fibras musculares em mús-
substituídas a cada sete dias. Esse ciclo pode parecer culos cirurgicamente sobrecarregados (Vaughan e
mais do que devastador. No entanto, o processo ca- Goldspink, 1979); não confundir esse processo com
pacita o músculo a substituir proteínas lesionadas e divisão de miofibrilas. Portanto, é possível que a divi-
confere uma certa adaptabilidade para alterar o tipo são da fibra muscular induza hiperplasia, por exem-
de proteína em determinados estágios de desenvol- plo, sob condições de exercício progressivo com gran-
vimento e sob certas condições fisiológicas. Paralela- de número de repetições. Mas essa divisão deveria
mente, os aminoácidos são reutilizados, o que torna ser completa e produzir fibras inervadas para ser con-
o processo dispendioso em energia, mas não no su- siderada um fenômeno adaptativo, mais do que uma
primento de aminoácidos. alteração patológica.
Todos os tipos de fibras musculares são capazes O nível de atrofia nos músculos em desuso é afe-
de submeter-se à hipertrofia. Esta última, no entan- tado pelo grau de alongamento muscular. O alonga-
to, em geral não ocorre na mesma magnitude nas mento do músculo sóleo de coelhos durante 3 a 5
diferentes fibras. Além disso, parece que as fibras uti- dias produz alterações substanciais no turnover pro-
lizam diferentes estratégias para a secreção protéica. téico. Verifica-se incremento na síntese protéica em
A taxa de síntese protéica é incrementada nas fibras músculos alongados e imobilizados quando mensu-
rápidas de modelos animais, enquanto a taxa de de- rados in vivo (Booth e Seider, 1979; Goldspink et al.,
gradação protéica diminui nas fibras lentas. Os da- 1983; Goldspink e Goldspink, 1986) ou in vitro
dos disponíveis em modelos humanos, embora mui- (Goldspink, 1977). Tais alterações foram detectadas
to limitados, sugerem que não há diferença no turnover até 6 horas após a imposição de alongamento em
protéico entre os tipos de fibras (Rennie e Tipton, músculos normalmente inervados e denervados; esta
2000). As fibras de contração rápida são recrutadas última situação apontando para uma resposta mio-
com pouca freqüência (para movimentos de potên- gênica passiva mais do que qualquer componente
cia rápidos ou contrações isométricas de alta inten- ativo disparado por receptores sensoriais no múscu-
sidade). Mas quando são recrutadas e “sobrecarrega- lo alongado. Sendo assim, o alongamento induz in-
das”, tendem a hipertrofiar muito rapidamente. A cremento significativo na taxa de síntese protéica
hipertrofia seletiva das fibras rápidas pode ser consi- muscular, tal como no número de sarcômeros em
derada uma adaptação para aumentar a produção de série. As aplicações terapêuticas desse alongamento
potência em situações em que todas ou a maio- poderiam, portanto, ser empregadas no delineamen-
ria das fibras estão sendo recrutadas. As fibras lentas to de programas de reabilitação ou na melhoria do
também podem aumentar em tamanho como resposta desempenho esportivo.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 255
muscular. Poderia ser esperado para localizar sua ação lar geral (Mathews et al., 1988; Musaro et al., 2001).
quando estivesse instável na forma não-ligada, que é Recentemente, Yang e Goldspink (2001) introduzi-
importante em sua produção por não perturbar ex- ram o cDNA do MGF em um vetor plasmídeo por
cessivamente a homeostase da glicose. Anticorpos injeção intramuscular direta no músculo do camun-
específicos têm sido gerados para essas isoformas dongo. No último caso, foi encontrado que uma úni-
IGF-I musculares e, por meio do emprego de abor- ca injeção de cDNA do MGF aumentou em 25% a
dagem proteômica envolvendo filtragem bidimen- massa muscular com elevação coincidente no tama-
sional de Western e espectrometria de massa, a pro- nho da fibra muscular em duas semanas. Portanto,
teína de ligação específica para o MGF parece ser a parece haver pouca dúvida de que o MGF seja muito
creatina cinase (tipo MM no músculo esquelético e potente. A clonagem e o seqüenciamento dos
BB no sistema nervoso central). A creatina cinase (CK) cDNAs das variantes de encaixe musculares autócri-
liga-se às miofibrilas, mas se desacopla quando o pH nas e sistêmicas do IGF-I (Yang et al., 1996) torna-
cai abaixo de 7 e quando as miofibrilas estão alonga- ram possível desenvolver provas para mensurar as al-
das (Kraft et al., 2000). O MGF se liga fortemente à terações na expressão por meio de ensaios de proteção
CK, que, diante de músculo lesionado, sai das fibras RNase (McKoy et al., 1999) e, mais recentemente,
através da membrana. Isso indica que o MGF pode PCR quantitativo em tempo real. Esta última abor-
ser considerado como fator de reparo e que é supra- dagem pode determinar os níveis de RNAm de dife-
expresso quando o músculo é estimulado, produzin- rentes isoformas de IGF-I em pequenas amostras de
do hipertrofia. Trabalho recente demonstrou que os biópsia muscular. Certamente, os fatores de cresci-
músculos de ratos idosos não respondem ao estímu- mento local e sistêmico precisam ser foco de mais
lo mecânico por não expressar tanto MGF como os trabalhos para que seja definido o mecanismo de me-
animais jovens. Tal estudo propõe que o MGF e o canotransdução e a sinalização oposta envolvida na
IGF-IEa são regulados de forma diferente, mesmo que produção desses e de outros fatores de crescimento.
derivem do mesmo gene (Owino et al., 2001). Esses O mecanismo de mecanotransdução não é co-
dois fatores de crescimento apresentam diferentes ci- nhecido, mas indícios surgiram com a descoberta de
néticas de expressão quando submetidos à lesão por que os músculos distróficos aparentemente não po-
alongamento associada com estimulação elétrica do dem responder ao estímulo mecânico através da pro-
músculo tibial anterior do rato; determinou-se que a dução de MGF. O reparo local é importante no teci-
expressão de MGF alcançou pico de liberação em um do pós-mitótico, e tanto o tecido muscular como o
dia, enquanto a do IGF-IEa ocorreu cinco dias após neuronal possuem um sistema citoesquelético com-
lesão local induzida (Hill e Goldspink, dados não- plexo que envolve o complexo distrofina. A função
publicados). Os experimentos em que as células mus- da distrofina não é conhecida, embora evidências
culares em cultura foram submetidas a diferentes ti- apontem para a função de enrijecimento da mem-
pos de alongamento revelaram que o MGF é expresso brana. Devido à sua estrutura e à sua conexão como
em resposta a um único alongamento progressivo. Já matriz extracelular, e em virtude de existência de uma
o IGF-I responde a alongamentos cíclicos de menor tirosina cinase e da síntese de ácido nítrico neuronal
amplitude (Chema et al., dados não-publicados). A (nNOS) como parte do complexo distrofina, sugere-
dependência de diferentes tipos de sinais mecânicos se que tem maior número de funções do que somen-
pode ajudar a explicar o motivo de alguns programas te estabilizar a membrana. Na realidade, parece que
de treinamento, tais como contração excêntrica, re- o complexo distrofina pode agir como um mecano-
sultarem em aumento na massa muscular enquanto transdutor. O citoesqueleto é defeituoso na distrofia
outros não. muscular de Duchenne relacionada ao gênero, em
A transferência gênica de IGF-I tem sido empre- que não há distrofia; e em distrofias autossômicas é
gada, mas envolvendo o tipo Ea sistêmico do IGF-I também uma de outras matrizes protéicas extracelu-
(Mathews et al., 1988; Barton-Davies et al., 1998). lares-citoesqueléticas que está defeituosa ou ausen-
Um camundongo transgênico supra-expressa essa te. Isso parece causar incapacidade de produzir MGF
forma (Ea) do IGF-I (denominada m.IGF-I). Tal pro- e, portanto, de realizar o processo de reparo tecidual
cessamento gênico também está em desenvolvimen- local nesses músculos, que são mais suscetíveis a le-
tos, demonstrando considerável hipertrofia muscu- sionar-se por indução de morte de células muscula-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 257
res. Essa lesão celular resulta na supra-expressão de rem regularmente a programa de exercícios com pe-
genes de colágeno I e III e em fibrose que, por sua sos quando comparados a indivíduos destreinados
vez, produz mais lesão. O desenvolvimento de colá- (Kadi e Thornell, 2000). Uma vez que a célula-satéli-
geno inextensível vigoroso induz maior quantidade te foi dividida, cada célula-filha pode ser submetida à
de lesão à fibra muscular, o que ajuda a explicar a diferenciação terminal em um mioblasto ou perma-
natureza progressiva dessa doença. O desafio está em necer uma célula progenitora para fornecer novo mi-
frear esse ciclo vicioso de lesão e fibrose, promoven- onúcleo ao próximo ciclo de divisão e diferenciação.
do o reparo tecidual. Atletas usuários de esteróides anabólicos e treinados
com exercícios com pesos exibem fibras musculares
Células-satélite maiores, assim como maior número de mionúcleos
com fibras (Kadi et al., 1999). Essa é a evidência de
O mecanismo que incrementa a expressão de fa- que a manutenção de uma relação núcleo-citoplas-
tores de crescimento e promove o disparo da hiper- ma constante representa um mecanismo fundamen-
trofia é incerto. Provavelmente está envolvido de al- tal para o crescimento da fibra muscular.
guma maneira na diferenciação e na proliferação das As células-satélite também têm recebido consi-
células-satélite (células progenitoras musculares). As derável atenção não somente pelas razões mencio-
fibras musculares são células pós-mitóticas; uma vez nadas, mas também porque representam uma ma-
que a diferenciação embriônica esteja completa, não neira de transferência de genes. Os mioblastos e as
ocorre divisão celular posterior. Em camundongos, células-satélite transferem o gene distrofina (Partridge,
as células-satélite representam aproximadamente 1993). No entanto, a concepção de células progeni-
30% do núcleo muscular no nascimento, caindo para toras pluripotentes que podem se desenvolver nos
5% em animais adultos. As células-satélite fornecem tecidos muscular, hepático ou neuronal, apresenta a
o núcleo para o crescimento pós-natal e também es- possibilidade não apenas de transferir genes, mas de
tão envolvidas no reparo e na regeneração induzidos reconstruir o tecido in situ. Isso, portanto, nos traz à
por lesão local das fibras musculares. No músculo era da engenharia tecidual, sendo altamente prová-
saudável (não-lesionado), essas células permanecem vel que na próxima década, ou antes, os músculos
em estado quiescente e são geralmente detectadas serão reconstituídos após trauma físico e nas crian-
abaixo da lâmina basal, expressando m-caderina. As ças com problemas hereditários e congênitos de cres-
células-satélite expressam m-caderina, c-met, MyoD, cimento muscular.
myf-5 e, posteriormente, miogenina (Cornelison e
Wold, 1997). É provável que elas permaneçam mito- Otimização do comprimento do
ticamente inativas, mas são mobilizadas pelo aumento sarcômero para a produção de
do estímulo mecânico ou por lesão, atuando na adap- força
tação e no reparo do músculo. Recente trabalho de
Yand e Goldspink (2002) demonstrou que o MGF O considerável aumento no comprimento dos
quando adicionado às células musculares em cultu- músculos durante o desenvolvimento pós-natal re-
ra induz os mioblastos mononucleados (células-sa- sulta de fibras constituintes adicionadas aos sarcô-
télite) a se proliferarem, enquanto o IGF-I Ea produz meros em série. Os estudos com precursores radioa-
fusão para formar miotubos. Como as células-satéli- tivos demonstram que os novos sarcômeros são
te são derivadas de resíduos de mioblastos e também adicionados nas extremidades das miofibrilas exis-
de células progenitoras pluripotentes que se diferen- tentes (Williams e Goldspink, 1971). A significância
ciam em mioblastos, parece que um dos papéis do funcional da adição de sarcômeros é aparente, visto
MGF é ativá-las seguindo estímulo mecânico e lesão que a velocidade de contração e a força desenvolvida
local. Hipoteticamente, essas células se proliferam e por determinado músculo dependem do número de
se fundem a fibras, fornecendo novo núcleo para pontes cruzadas que podem se engajar entre os fila-
manter o DNA para as proteínas das fibras submeti- mentos de actina e miosina. Como aludido, isso de-
das à hipertrofia. Nesse caso, recentemente se de- pende da sobreposição desses filamentos no sarcô-
monstrou que o número de mionúcleos e o número mero. A única maneira inicial de o sarcômero ser
de células-satélite é maior em indivíduos que ade- ajustado é alterar o número de sarcômeros em série
258 PAAVO V. KOMI
(Fig. 12.4). Quando os ossos dos membros crescem, que os filamentos finos e grossos são unidos e, em
as fibras estão aparentemente alongadas ao ponto em particular, a proteína titina, que parece transmitir for-
que não haveria sobreposição dos filamentos finos e ça através do sarcômero. Isso tem sido associado a uma
grossos se não fosse a adição de novos sarcômeros. “corda elástica”. Tal propriedade diminui acentuada-
O número de sarcômeros em série é importante para mente com o alongamento. Sua elasticidade pode sig-
determinar não somente a distância através da qual nificar que os sarcômeros retornam à sua posição óti-
o músculo pode se encurtar, mas também o compri- ma de sobreposição, deixando um espaço nas
mento do sarcômero para a produção máxima de extremidades onde os novos sarcômeros são adicio-
potência. O número de sarcômeros não é fixo, mes- nados. As funções musculares normais em muitos
mo no músculo adulto, e pode aumentar ou dimi- comprimentos e, obviamente, em determinados com-
nuir (Tabaru et al., 1972; Williams e Goldspink, 1973) primentos do sarcômero, podem ser ótimas para a pro-
(Fig. 12.4). A regulação do número de sarcômeros é dução de força, mas somente em um ângulo articular.
considerada uma adaptação às alterações no com- Parece provável que o número de sarcômeros seja re-
primento funcional do músculo. Essas alterações as- gulado para alcançar um comprimento ótimo de sar-
sociadas ao comprimento podem ser induzidas quan- cômero no comprimento muscular em que muita for-
do o comprimento do músculo em atividade é ça (ativa e passiva) é normalmente exercida.
experimentalmente alterado (Oudet e Petrovic, 1981)
ou diante de distúrbio do alinhamento postural (Ken-
dall et al., 1952). Efeitos similares são observados na Adaptação ao aumento da
imobilização. No músculo imobilizado em posição velocidade ou economia
encurtada, ocorre perda de sarcômeros. Os sarcôme-
ros restantes são alterados a um comprimento que Ajuste ao comprimento ótimo do
capacita o músculo a desenvolver sua tensão máxi- sarcômero
ma no comprimento que corresponde à posição imo-
bilizada (Williams e Goldspink, 1978). No músculo A velocidade de contração de um músculo de-
imobilizado em posição alongada, sarcômeros são pende do comprimento ou da fibra muscular, da tem-
adicionados, o que reduz o comprimento do sarcô- peratura ou do tipo de ponte cruzada de miosina ex-
mero quando comparado ao músculo fixado não- pressa no músculo. Além disso, também podem existir
adaptado em posição similar. Novamente, a tensão mecanismos de curto prazo para ajuste da velocida-
máxima é encontrada para ser desenvolvida em um de em que o músculo pode encurtar; entre os meca-
maior comprimento funcional, que corresponde à nismos inclui-se a função do óxido nítrico (Maréchel
posição imobilizada. Quando o gesso é removido, o e Gailly, 1999). A maneira como o comprimento e o
número de sarcômeros volta ao normal em alguns número de sarcômeros são ajustados durante o cres-
dias. cimento foi descrita anteriormente. Esses ajustes es-
A regulação do número de sarcômeros para per- tão todos em escala com as alterações nas dimensões
mitir o ajuste do seu comprimento implica que a fibra do esqueleto. No adulto, parece existir pouco inte-
muscular monitorize esse comprimento de alguma resse no ajuste durante o treinamento esportivo nor-
maneira, em um ou vários ângulos. O comprimento mal. No entanto, podem surgir problemas caso o
do sarcômero deveria, então, ser ajustado pela adição músculo não seja habitualmente exposto à sua am-
ou subtração de sarcômeros, respectivamente, aumen- plitude normal de movimento. Por exemplo, a fadiga
tando ou diminuindo o comprimento do sarcômero. causada por calçado de salto alto pode induzir en-
Um fator significativo para a monitorização do com- curtamento do gastrocnêmio, assim como do sóleo,
primento do sarcômero pode ser a quantidade de ten- devido à perda de sarcômeros e à remodelação do
são ao longo da miofibrila e/ou a junção mioneural, seu tecido conjuntivo. Tal efeito pode tracionar o osso
com alta tensão induzindo adição de sarcômeros e baixa pelo tendão do calcâneo quando o músculo, já adap-
tensão, subtração de sarcômeros (Herring et al., 1984). tado às condições de encurtamento, é solicitado a
A sensação de tensão interna pode envolver os ele- contrair em ações de alongamento (excêntricas) sob
mentos do citoesqueleto que formam a estrutura em amplitude normal.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 259
Figura 12.4 (a) Resume dados para a adição de sarcômeros ao longo da miofibrila existente durante o crescimento normal de um
músculo (sóleo do camundongo). São também fornecidos dados de imobilização do músculo em animais jovens em que a produção
de sarcômeros foi suprimida. No entanto, quando o gesso é removido, os sarcômeros são produzidos muito rapidamente até
atingirem sua quantidade normal, o que pode levar uma semana ou mais tempo. No animal adulto, a imobilização do músculo em
sua posição alongada gera 20% de decréscimo de sarcômeros em série. Essa adaptação ao novo comprimento funcional é reversível.
Quando o gesso é removido, o número de sarcômeros em série retorna rapidamente ao normal. (b) Incorporação de adenosina
marcada radioativamente em filamentos de actina novamente formados em um músculo jovem em ativo crescimento, em um
músculo adulto que não está crescendo em comprimento e em diâmetro e em músculo adulto em recuperação de um período de
imobilização na posição encurtada. Os dados foram obtidos através de seccionamento do músculo de uma extremidade a outra e
colocando porções de secções em um contador de cintilação. Algumas secções foram montadas em lâminas de microscópio e
utilizadas para estimar o volume de tecido em cada porção de modo que a radioatividade pudesse ser expressa como desintegrações
por minuto (dpm) por mm3 de tecido. Observe que as extremidades das fibras são as mais marcadas no músculo jovem e adulto
recuperando-se em posição encurtada. Essa e outra evidência indicam que novos sarcômeros são adicionados nas extremidades das
miofibrilas existentes.
260 PAAVO V. KOMI
de um padrão de input neural normalmente forneci- do que da transcrição (embora o último seja impor-
do a um músculo lento. Suspeita-se que a freqüência tante para a produção de mais RNA ribossômico e
de liberação (p. ex., baixa, como 10 Hz) é o fator pre- proteína). A indução de hipertrofia parece ter uma
ponderante na determinação da transição do tipo de janela de tempo mais curta do que a indução dos
fibra. No entanto, foi demonstrado que maiores fre- genes tipo I lentos. Portanto, é necessário aumentar a
qüências de estimulação foram eficazes apenas na massa sem supra-regulação da miosina lenta para ocor-
produção de alterações nas fibras de contração rápi- rer adaptação às sessões vigorosas de sprint.
da para lenta (Streter et al., 1982). Determinou-se, Outras subpopulações de genes também estão
também, por meio da imobilização com moldes de envolvidas na interconversão dos tipos de fibras, in-
gesso em posição alongada e sem qualquer tipo cluindo genes de enzimas mitocondriais e citoplas-
de estimulação, que a indução dos sarcômeros das máticas, assim como os que induzem alterações na
fibras rápidas leva à conversão para o tipo lento vascularidade do tecido. Esses aparentemente não são
(Williams et al., 1986a). Sob essas condições, prati- coordenados; na realidade, os sinais envolvidos na
camente nenhum sinal eletromiográfico (EMG) foi alteração da expressão gênica da isoforma da miosi-
detectado (Hnik et al., 1985). Portanto, não é possí- na são provavelmente diferentes daqueles que indu-
vel que a freqüência de estimulação per se represente zem expressão enzimática mitocondrial ou sarcoplas-
a causa única ou primária da determinação do fenó- mática. As direções, no entanto, coincidem sob muitas
tipo muscular. Como mencionado anteriormente, a condições de treinamento. Sanders Williams e cola-
reprogramação mais completa do músculo foi obtida boradores (1986b) registraram que 10 Hz de estimu-
em virtude da combinação de alongamento e esti- lação crônica no músculo tibial anterior do rato du-
mulação elétrica independentemente da freqüência. rante 21 dias incrementaram a expressão de miosina
Isso sugere que o sinal para a alteração de rápido para tipo I, elevaram cinco vezes a presença de RNAm no
lento é mais mecânico do que a freqüência de esti- citocromo b, mas levaram a decréscimo de quatro ve-
mulação per se. Numa perspectiva fisiológica, pode zes na aldolase RNAm. Esses três subgrupos de ge-
ser argumentado que as células musculares, em res- nes possuem diferentes cursos de tempo de expres-
posta à sobrecarga isométrica, estão em processo de são, ilustrando que a duração, assim como a
adaptação para aumentar o papel postural. intensidade dos sinais mecânicos, é importante. Sabe-
Quando um músculo é submetido ao alongamen- se, por estudos de eletromiografia, que as fibras mus-
to e/ou estimulação elétrica, não somente a miosina culares posturais, tais como aquelas do sóleo, são ati-
tipo I é expressa, mas os genes da miosina rápida são vadas em 90% do tempo na posição em pé ou durante
inibidos, isso demonstra uma reprogramação com- caminhada, enquanto as fibras de outros músculos
pleta (Goldspink et al., 1992). Na realidade, parece voluntários são ativadas em somente 5% do tempo
que todas as fibras musculares permanecem fenoti- (Hnik et al., 1985). Portanto, os músculos posturais
picamente rápidas, exceto quando submetidas ao lentos são submetidos a longo período de alonga-
alongamento repetido e à produção de força isomé- mento e estimulação, suficiente para a transição com-
trica. Isso é demonstrado pelo músculo sóleo que, pleta ao fenótipo tipo I ser alcançada.
quando imobilizado na posição encurtada (Loughna
et al., 1990), submetido à sobrecarga cirúrgica Estudos em humanos
(Gregory et al., 1990) ou à hipogravidade (Oganov e
Popatov, 1976), reverte a expressão dos genes de mio- Os estudos transversais desenvolvidos com atle-
sina rápida. Trabalhos recentes desenvolvidos com tas oferecem evidências claras de que os indivíduos
coelhos indicam que a determinação do fenótipo com excelência nos eventos de potência têm múscu-
muscular é controlada no nível da transcrição gêni- los com elevada prevalência de fibras rápidas, enquan-
ca e inicialmente envolve alteração relativamente to atletas de endurance de elite apresentam maior dis-
rápida do MyHC-IIX para o MyHC-IIA RNAm tribuição de fibras lentas em seus músculos (Costill
(Goldspink et al., 1992). No entanto, a hipertrofia da et al., 1976). Até que ponto isso representa um pro-
fibra muscular, que também está relacionada a sinais duto da predisposição genética ou do resultado de
mecânicos, aparentemente envolve um mecanismo anos de treinamento específico ainda é desconheci-
diferente, com a regulação no nível da tradução mais do. Um estudo realizado por Andersen e Henriksson
262 PAAVO V. KOMI
(1975) registrou que o treinamento de endurance em 12 semanas) são incapazes de aumentar a proporção
ciclismo por oito semanas reduziu progressivamente de fibras tipo I.
a proporção de fibras tipo IIb (expressando a miosi- Então, enquanto a conversão do MyHC-IIX para
na MyHC-IIX), aumentou a proporção relativa de fi- o MyHC-IIA ocorre muito rapidamente, parece que
bras tipo IIa, mas não exerceu efeito na proporção a alteração das fibras tipo II para as fibras tipo I é
relativa de fibras tipo I. Nas últimas três décadas, muito mais difícil. Os genes MyHC-I e MyHC-II es-
numerosos estudos delineados com intervenção físi- tão em diferentes cromossomos, e é claro que uma
ca foram desenvolvidos e demonstraram essencial- janela muito maior de tempo é necessária para essa
mente descobertas similares independentemente do conversão. No entanto, evidências recentes sugerem
objetivo (força, potência ou endurance), embora com que a lesão das fibras musculares resulta na expres-
técnicas mais sofisticadas (Harridge, 1996). Por exem- são da miosina tipo lenta (Yang et al., 1997). Isso pode
plo, foi verificado, por eletroforese, que 12 semanas ser um pré-requisito para uma conversão relativa-
de treinamento de força reduziram a proporção de mente rápida para as fibras tipo I, por exemplo, vári-
isoformas MyHC-IIX. A proporção de isoformas as horas de corrida por dia em superfícies duras. Pa-
MyHC-IIA aumentou, mas não houve alteração na rece existir uma janela mínima de tempo necessária
proporção de isoformas MyHC-I (Adams et al., 1993). para a alteração dos genes lentos, tanto que eles so-
Agora, parece claro que o desuso ou a inatividade do mente são alterados em períodos prolongados de tem-
músculo humano sub-regula os genes das fibras len- po. Os sinais celulares para a alteração dos genes
tas e que os genes das fibras rápidas são supra-regu- musculares não são compreendidos. Evidências re-
lados como no caso dos experimentos em animais. centes sugerem que o aumento da concentração ce-
Por exemplo, 80% das fibras do músculo vasto late- lular de cálcio possa servir como mensageiro para a
ral de indivíduos com lesão espinal podem expressar via de sinalização que envolve a ativação da calcineu-
isoformas MyHC-IIX somente ou em combinação rina, uma serina-treonina fosfatase regulada pelo cál-
com o MyHC-IIA (Andersen et al., 1996). Em con- cio e sensível à ciclosporina que supra-regula pro-
cordância com os estudos desenvolvidos com indiví- motores específicos das fibras de contração lenta em
duos sem deficiência física, o treinamento estimula- um mecanismo envolvendo as proteínas das famílias
do eletricamente (3 vezes na semana durante um ano) NFAT e MEF2 (Chin et al., 1998).
reduziu consideravelmente o número de fibras ex-
pressando MyHC-IIX nessas pessoas, mas não
aumentou a proporção de fibras MyHC-I. Então, a Alteração contrátil sem alteração
maioria das fibras após treinamento foi MyHC-IIA. da fibra
Andersen e Schaiffino (1997) demonstraram, por
meio de técnica de hibridização in situ, desacopla- A técnica de fibra quimicamente “manipulada”
mento ou incompatibilidade entre as proteínas MyHC tem permitido o estudo das propriedades mecânicas
e a predominância da transcrição gênica da miosina de fibras musculares humanas isoladas, antes e após
em uma mesma fibra muscular. Essas fibras estão pro- a realização do treinamento. Harridge e colaborado-
vavelmente em um estado de transição. Através des- res (1998) não registraram diferença no Vmáx das fi-
sa técnica, foi demonstrado que o gene MyHC-IIX bras MyHC-I e MyHC-IIA após seis semanas de trei-
pode ser sub-regulado após poucos dias depois de namento de sprint, sugerindo estreita associação entre
uma sessão de exercícios. Esse contraste com uma a expressão de miosina e a função contrátil. No en-
abordagem similar realizada por Harridge e colabo- tanto, mais recentemente estudos longitudinais em
radores (2002), que estimularam cronicamente o que homens idosos foram submetidos ao treino de
músculo tibial anterior de indivíduos com lesão es- força (Trappe et al., 2000) e astronautas acompanha-
pinal, demonstrou decorrer um período de tempo dos durante 17 dias em vôo espacial (Widrick et al.,
consideravelmente maior para o gene MyHC-I ser 1999) demonstram aumento da velocidade do encur-
supra-regulado nas fibras de contração rápida (ver tamento das fibras musculares nas fibras que expres-
Fig. 12.6). Na realidade, essa longa escala de tempo sam a mesma isoforma MyHC. Nenhuma alteração
pode explicar por que tradicionalmente os estudos foi observada na composição da cadeia leve nesses
com exercício (em geral realizados até um período de estudos. A partir disso, postulou-se que uma altera-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 263
Figura 12.6 Secções de músculo humano processadas por hibridização in situ. As secções foram hibridizadas com provas
marcadas para 35S especificamente para a transcrição de RNAm para as isoformas MyHC-I (a) e MyHC-IIX (b) processados para
auto-radiografia e visualizados por microscópio de campo escuro. (a) Secções do músculo tibial anterior de um sujeito com lesão da
coluna espinal submetido a programa diário de condicionamento muscular envolvendo eletroestimulação crônica de baixa freqüência
por nove semanas. (b) Secções extraídas do músculo vasto lateral de um homem jovem em intervalos de até 96 horas após sessão
única de exercícios. Os dados dos dois estudos separados indicam a rápida (horas e dias) sub-regulação do gene de MyHC-IIX após
uma única sessão de exercício (Andersen, observação não-publicada) que contraria a supra-regulação lenta (semanas e meses) do
gene MyHC-I como resultado de estímulo prolongado (Harridge et al., 2002).
ção geométrica no espaçamento do miofilamento potência muscular pode ser influenciada muito sig-
pode ser parcialmente responsável pelas alterações nificativamente pela manipulação do tamanho mus-
nas propriedades mecânicas da fibra. cular. Além disso, uma hipertrofia seletiva das fibras
rápidas resultará em relativamente mais de um mús-
culo sendo ocupado pelas miosinas rápidas. No en-
Mecanismos de incremento da tanto, é mais provável que esses constituam o fenóti-
potência po MyHC-IIX do que o mais rápido e mais potente
MyHC-IIX. Tal perspectiva torna-se consistentemen-
É evidente, a partir da análise dos fatores que in- te clara diante do fato de que os genes para essas
fluenciam a força e a velocidade de contração, que a isoformas rápidas são, infelizmente para atletas de
264 PAAVO V. KOMI
potência, rapidamente reprimidos com o exercício. cias gênicas. Com o desenvolvimento paralelo de tec-
Um estudo interessante sobre esse tópico demons- nologia automatizada, existe atualmente a possibili-
trou que, após um período de destreinamento, a pro- dade da análise de atletas para a diferenciação de se-
porção relativa das isoformas MyHC-IIX tornou-se qüências local-específica em certas sinalizações,
maior do que a observada antes do treinamento assim como na estrutura dos genes. Uma vez identi-
(Andersen e Aargaard, 2000). Tal excesso pode for- ficados como relacionados ao desempenho esporti-
necer um fundamento fisiológico para a utilização vo, é provável que os dados sirvam para selecionar
de exercícios relativamente leves antes da competi- potenciais atletas, e a proibição desse tipo de ativida-
ção no período de “afunilamento”* do treinamento de provavelmente será difícil em nível mundial.
de atletas velocistas. Surpreendentemente, o genoma humano possui
No entanto, o principal mecanismo de adapta- menos genes do que previamente esperado. Há cerca
ção para preservar a potência é o incremento do po- de seis vezes mais proteína do que genes. Portanto, a
tencial metabólico do músculo (aumento do núme- complexidade da expressão da informação hereditá-
ro e do volume de mitocôndrias, aumento da atividade ria parece ser controlada pelas vias de sinalização.
enzimática mitocondrial, aumento da densidade ca- Visto que as células musculares, como vários outros
pilar, etc.), sendo que o desenvolvimento de motores tipos de células, respondem aos sinais mecânicos as-
moleculares mais econômicos, por exemplo, as iso- sim como aos químicos, é provável que os progra-
formas MyHC-I, permanece uma possível resposta mas de treinamento tornem-se mais fundamentados
adaptativa de longo prazo (meses e anos) ao treina- cientificamente através do uso de métodos genômi-
mento de resistência aeróbia. cos e proteômicos. Esses otimizarão a massa muscu-
lar e o fenótipo apropriados alcançados para deter-
minada atividade. Mas provavelmente irão apenas se
O futuro ajustar e não substituir os procedimentos de treina-
mento derivados de maneira ad hoc de muitas déca-
É provável que a esfera de abuso do uso de pep- das. Essa nova tecnologia biomédica, no entanto, será
tídeos e proteínas baseado em aplicações médicas progressivamente empregada na melhoria do desem-
legítimas tenda a aumentar. Na realidade, certos es- penho esportivo quando 1 ou 2% fizerem diferença
teróides e, mais recentemente, certos peptídeos, quan- entre a medalha olímpica e a derrota.
do combinados com o treinamento, são conhecidos
por ser muito eficazes quando utilizados para alterar
a massa e o fenótipo do músculo no intuito de me- Agradecimentos
lhorar o desempenho. Não há dúvida sobre a exten-
são do dopping genético e, quando forem introduzidos O Professor Goldspink recebia fomentos do EU
genes manipulados pela engenharia genética conten- para o estudo da função dos músculos respiratórios
do DNAc humano, os efeitos serão de longo prazo e e do Wellcome Trust para a expressão de fatores de
de difícil detecção. Esperançosamente, os métodos uti- crescimento locais quando este capítulo estava sen-
lizados para a detecção de produtos de gene estranhos do escrito. O Dr. Harridge recebia auxílio à pesquisa
ou vetores empregados para introduzir o DNAsc exó- do Wellcome Trust Fellowship.
genos estarão na dianteira dos “genes impostores”.
Novas questões éticas relacionadas ao seqüencia-
mento do genoma humano surgirão, fornecendo uma Referências
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Capítulo 13
Hipertrofia e hiperplasia
J. DUNCAN MACDOUGALL
Hipertrofia das fibras musculares maiores miofibrilas sem alterar a densidade do con-
em resposta ao treinamento de junto de filamentos ou o espaçamento das pontes
força cruzadas (MacDougall, 1986b). Uma vez que o
aumento na área total da fibra exceda proporcional-
Uma sessão de treinamento de força de alta in- mente o incremento médio na área miofibrilar, pare-
tensidade produz rápido aumento na síntese protéi- ce evidente que deve também ocorrer um aumento
ca miofibrilar dos músculos exercitados (Chesley et no número de miofibrilas. O aumento no número
al., 1992). A resposta parece alcançar um pico apro- miofibrilar parece resultar da “divisão” longitudinal,
ximadamente 24 horas após a sessão de treinamento, conforme demonstrado com o crescimento normal
mas permanece elevada por 36 a 48 horas (MacDou- pós-natal em animais jovens (Goldspink, 1970;
gall et al., 1995; Phillips et al., 1997). O aumento da Goldspink, 1974). Tal divisão pode ser um processo
síntese protéica é acompanhado por aumento pro- mecânico causado pelas discrepâncias entre os espa-
porcionalmente menor na degradação protéica (Bio- çamentos das bandas A e I. Quando a miofibrila al-
lo et al., 1995; Phillips et al., 1997). Isso reflete em cança tamanho e capacidade de geração de força crí-
um incremento do balanço protéico. A elevação da ticos, as contrações vigorosas parecem rasgar ou
síntese protéica é aparentemente mediada pela tra- romper o tecido conjuntivo no disco-Z. A força, en-
dução mais eficiente do RNAm, pois ocorre na tão, é transmitida ao longo da miofibrila e forma duas
ausência de qualquer alteração no RNA total ou ou mais “miofibrilas-filhas” de mesmo comprimento
RNAm da proteína contrátil (Chesley et al., 1992; (Goldspink, 1992) (Fig. 13.1).
Welle et al., 1999).
O incremento da síntese protéica manifesta-se Alteração na área da fibra
pelo aumento tanto da área como do número miofi-
brilar, sem alteração da densidade do conjunto mio- A área da fibra aumenta em proporção direta à
fibrilar com sessões repetidas de treinamento de for- elevação no tamanho e no número miofibrilar. A
ça (Fig. 13.1). Os filamentos de actina e miosina são magnitude desse aumento varia consideravelmente
adicionados à periferia de cada miofibrila, criando dependendo de inúmeros fatores, que incluem a ca-
pacidade de resposta do indivíduo ao treinamento al., 1990; Staron et al., 1994) ou em relação ao con-
(MacDougall, 1986a), a intensidade e a duração do teúdo da cadeia pesada de miosina (Adams et al.,
programa de treinamento, assim como o nível de 1993; Carroll et al., 1998; Andersen e Aagard, 2000).
aptidão física inicial do indivíduo. Os estudos sobre Em humanos, parece que essas conversões nos tipos
treinamento de força conduzidos em nosso labora- de fibras estão restritas aos subtipos do tipo II, sendo
tório demonstram alterações na área da fibra. Tais improvável que o treinamento de força afete a pro-
variações são consideradas não-significativas inde- porção de fibras do tipo I. Essa conclusão é baseada
pendentemente do tipo de fibra no músculo vasto em nossa descoberta de que nenhuma alteração ocor-
lateral de homens e mulheres jovens ativos após seis reu na porcentagem das fibras tipo I em um grupo de
meses de treinamento (Sale et al., 1990). O aumento homens jovens submetidos ao treinamento de força
pode chegar a 33% na área da fibra tipo II e 27% na de alta intensidade durante seis meses (MacDougall
de tipo I de homens jovens fisicamente inativos que et al., 1980), assim como no fato de a porcentagem
treinaram o tríceps braquial durante seis meses de fibras tipo I do tríceps e do bíceps de fisiculturis-
(MacDougall et al., 1979). Em um estudo em que 14 tas de elite ser similar à de sujeitos destreinados, ape-
homens idosos (60 a 70 anos) foram submetidos a sar de os fisiculturistas possuírem cerca de 6 a 8 anos
programa de treinamento de força por três meses, de- de treinamento (MacDougall et al., 1982; MacDou-
tectou-se aumento de 30% na área da fibra tipo II do gall et al.,1984) (ver Fig. 13.2). O tópico referente à
bíceps braquial, e de 14% na de tipo I, (Brown et al., alteração dos tipos de fibras como resultado do trei-
1988). Em estudo de comparação cruzada, observou- namento será apresentado com mais detalhes no
se que a área das fibras do bíceps braquial de um Capítulo 14 (Tesch e Alkner).
grupo de fisiculturistas de elite eram aproximadamen- A significância funcional da redução das fibras
te 58% (tipo II) e 39% (tipo I) maiores do que as de IIB e da sub-regulação da cadeia pesada de miosina
voluntários destreinados ajustados à idade (MacDou- IIX (Baldwin e Haddad, 2001) não é prontamente
gall et al., 1984). óbvia, pois não há “lentidão” das propriedades con-
tráteis após determinado período de treinamento de
força de alta intensidade (Alway et al., 1989a). Uma
Alterações na área da fibra de acordo
possível explicação para isso é que a hipertrofia sele-
com o tipo de fibra
tiva resultante nos subtipos da fibra tipo II sirva para
O treinamento de força aumenta a área de sec- contrabalançar o efeito. Parece também que, quando
ção transversa de todos os tipos de fibras; no entan- os sujeitos interrompem o treinamento, há uma re-
to, muitos estudos indicam que uma maior hipertro- versão da conversão dos subtipos do tipo II, poden-
fia relativa ocorre nas unidades tipo II (Thorstensson, do mesmo ultrapassar, após poucos meses, a propor-
1976; MacDougall et al., 1979; Tesch et al., 1985; ção de fibras IIB (IIX) dos níveis pré-treinamento
Staron et al., 1990). Na medida em que todos os ti- (Andersen e Aagaard, 2000).
pos de fibras parecem ser ativados durante o desem-
penho de contrações máximas ou próximas do má- Outras alterações
ximo, a maior hipertrofia das fibras do tipo II pode
refletir maior envolvimento relativo dessas unidades A proporção de tecido conjuntivo intersticial per-
de limiar elevado do que normalmente ocorreria nas manece constante em uma ampla variedade de ta-
atividades da vida diária. manhos musculares, como indicado pelas biópsias
do bíceps de fisiculturistas, tanto iniciantes como de
elite, e em controles destreinados. Estimamos que o
Conversão dos tipos de fibra como efei-
volume de tecido não-contrátil representa aproxima-
to induzido pelo treinamento
damente 13% do volume muscular total, sendo que
Notadamente, o treinamento de força eleva a cerca de 6% é constituído de colágeno, enquanto 7%
porcentagem das fibras do tipo IIA e reduz proporcio- por outros tecidos (MacDougall et al., 1984). Esses
nalmente a porcentagem das fibras do tipo IIB (ou dados indicam que o maior tamanho da fibra induzi-
IIX), quando as fibras são classificadas de acordo com do pelo treinamento de força é acompanhado pelo
as suas características da miosina ATPase (Staron et aumento proporcional no tecido conjuntivo intersti-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 271
incremento na área e no comprimento da fibra é do pelo treinamento em várias espécies animais ocor-
acompanhado pelo aumento proporcional no número reu tanto como resultado de hipertrofia das fibras
de mionúcleos. Esses núcleos parecem ser derivados existentes como da adição de novas fibras (Reitsma,
das células-satélite (progenitoras) (Moss e LeBlond, 1969; Hall-Craggs, 1970; Gonyea et al., 1977; Sola et
1971; Goldspink, 1974; Malina, 1986), consideradas al., 1973; Gonyea et al., 1980).
por derivarem das populações de mioblastos que não Em 1981, Gollnick e colaboradores desafiaram
se fundem para formar miotubos durante o desen- esses últimos estudos e sugeriram que erros meto-
volvimento (White e Esser, 1989). dológicos associados aos métodos de estimativa do
Vários investigadores registraram aumento numé- número de fibras por meio de secções histológicas
rico nas fibras musculares no período inicial do cres- poderiam ter sido mal interpretados. Pelo uso de uma
cimento neonatal em determinadas espécies, tais como técnica em que todas as fibras de um músculo foram
no rato (Chiakulus e Pauly, 1965; Rayne e Crawford, isoladas e contadas, esses autores (Gollnick et al.,
1975). Em razão desses achados, vários mecanismos 1981) concluíram que, em ratos, o aumento do diâ-
têm sido sugeridos para respaldar a hiperplasia. metro muscular pela ablação de um sinergista e pela
corrida em esteira rolante poderia ser completamen-
1 Formação de novo das fibras dos mioblastos resi-
te explicado pela hipertrofia das fibras existentes, sem
duais.
a adição de mais fibras. Isso foi posteriormente cor-
2 Divisão longitudinal ou brotamento* das fibras
roborado por um estudo que usou camundongos
existentes.
(Timson et al., 1985). No entanto, a aplicação da cor-
3 Aumento do comprimento das fibras curtas que
rida como um programa de treinamento diferiu con-
previamente não atravessam o comprimento total do
sideravelmente dos programas de exercícios de força
músculo.
de alta intensidade empregados em muitos dos estu-
4 Separação e posterior crescimento de fibras ima-
dos que registraram hiperplasia. Na realidade, atra-
turas, previamente incluídas na membrana basal das
vés do uso da mesma técnica de contagem de fibras
fibras em estágio mais avançado de desenvolvimen-
de Gollnick e colaboradores, foi observado 9% de
to (Mastaglia, 1981).
aumento no número de fibras de gatos, como efeito
As evidências de microscopia eletrônica no mús- induzido por um programa de levantamento de peso
culo neonatal em desenvolvimento de ratos indicam progressivo, por meio do qual os animais foram ensi-
que provavelmente os dois primeiros mecanismos não nados a realizar contrações voluntárias próximas à
ocorram. Também apontam para uma adição no nú- máxima, recebendo alimento como recompensa
mero de fibras devido aos últimos dois processos (Gonyea et al., 1986). Além disso, houve vários estu-
(Ontell e Dunn, 1978; Mastaglia, 1981). dos subseqüentes oferecendo evidências indiretas de
hiperplasia da fibra após treinamento de força em
gatos (Giddings e Gonyea, 1992) e em ratos (Tamaki
Hiperplasia no músculo adulto? et al., 1997).
É bem conhecido que a aplicação de alongamento
Desde o trabalho de Morpurgo (1897), em que crônico representa um modelo muito potente para
foram treinados cachorros em uma esteira rolante, induzir aumento do diâmetro muscular. O alonga-
aceita-se geralmente que o conteúdo de fibra do mento é geralmente imposto pela suspensão de uma
músculo mamífero adulto não sofre incremento e que sobrecarga intensa em uma das asas de uma ave, tal
o crescimento muscular ocorre exclusivamente atra- como codorna ou galo, enquanto os músculos da asa
vés do aumento do diâmetro das fibras existentes. No oposta servem como controle. Nesses estudos, após
entanto, na década de 1970, inúmeros estudos suge- várias semanas, o aumento na massa muscular re-
riram que um crescimento compensatório e induzi- presenta claramente o resultado do incremento da
área da fibra e do número de fibras (Sola et al., 1973;
Alway et al., 1989b; Alway et al., 1990; Antonio e
Gonyea, 1993a). Um estudo registrou 82% de au-
*N. de R.T. Processo pelo qual uma estrutura origina-se de mento no número de fibras em 37 dias de alonga-
outra preexistente. mento progressivo (Antonio e Gonyea, 1993a). Com
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 273
base na metanálise dos estudos que investigam a hi- mero de fibras, o bíceps desses indivíduos demons-
perplasia da fibra em animais submetidos à sobre- traria evidência de hiperplasia em comparação aos
carga mecânica, Kelley (1996) concluiu que a sobre- controles.
carga de alongamento foi a intervenção mais eficaz, Os dados indicaram que, enquanto o número
sendo que a hiperplasia foi mais provável em aves do total de fibras no bíceps braquial variou de aproxi-
que em mamíferos. Sugere-se aos leitores consultar madamente 172.000 a 419.000, o número médio foi
a revisão de Antonio e Gonyea (1993b) para maior o mesmo para cada grupo (Fig. 13.3). Como ambos
aprofundamento no que se relaciona aos efeitos do os grupos de fisiculturistas treinaram durante pelo
alongamento crônico sobre a hiperplasia da fibra menos seis anos o músculo bíceps para alcançar hi-
muscular. pertrofia e ainda possuíam o mesmo número de fi-
bras que sujeitos-controle, concluiu-se que esse tipo
Hiperplasia da fibra muscular em de treinamento não produz aumento significativo no
humanos número de fibras. Detectou-se também uma tendên-
cia de os sujeitos com maiores músculos possuírem
A magnitude da hiperplasia na fibra dos múscu- maior número de fibras quando comparados aos va-
los de humanos que aderem a programas de treina- lores médios independentemente do grupo. Então,
mento de força de alta intensidade permanece con- embora o tamanho muscular seja primariamente de-
troversa. Evidências indiretas baseadas na medida do terminado pelo tamanho das fibras musculares indi-
tamanho da fibra (MacDougall et al., 1982; Tesch e viduais, também existe influência do número de fi-
Larsson, 1982) e em estimativas do número de fibras bras geneticamente determinado.
por unidade motora (Larsson e Tesch, 1986) suge- Na única investigação longitudinal relacionada à
rem que alguns fisiculturistas possuem mais fibras hiperplasia em humanos, McCall e colaboradores
musculares, quando comparados a sujeitos destrei- (1996) não observaram alteração no número de fi-
nados. No entanto, nessas situações, deve ser reco- bras do bíceps braquial em homens jovens após 12
nhecido que o maior número de fibras musculares semanas de treinamento de força de alta intensidade.
pode ter sido herdado mais do que resultado de hi- Nesse estudo, o método para a estimativa do número
perplasia induzida pelo treinamento. Não é fácil che- de fibras foi o mesmo utilizado por MacDougall e
gar a uma conclusão devido às dificuldades meto- colaboradores (1984); sua validade é baseada no pres-
dológicas na determinação do número de fibras mus- suposto de que a área média da fibra em amostras de
culares.
Examinaram-se os bíceps braquiais de 25 homens
jovens, por um método in vivo, para estimar o núme-
ro de fibras. De todos os modelos, cinco eram fisicul-
turistas de elite, sete fisiculturistas intermediários e
13 controles destreinados ajustados à idade (Ma-
cDougall et al., 1984). O número de fibras muscula-
res foi determinado por medidas da área muscular
total (tomografia computadorizada) e da área da fi-
bra (biópsia), a partir do pressuposto de que, devido
a muitas das fibras do bíceps se estenderem da ori-
gem à inserção, a medida da área de secção transver-
sa no ventre do músculo incluiu todas as fibras. O
bíceps é particularmente apropriado para o estudo
de possível hiperplasia pois os fisiculturistas treinam
para alcançar sua hipertrofia máxima (a área do bí-
Figura 13.3 Número estimado de fibras no bíceps braquial de
ceps em alguns fisiculturistas foi mais do que três
um grupo-controle de 13 indivíduos não-treinados, de um grupo
vezes maior quando comparada a de alguns contro- de sete fisiculturistas de nível intermediário e de um grupo de
les). A hipótese do estudo era que, se o treinamento cinco fisiculturistas de elite. Os valores representam média ±
de força de alta intensidade induz aumento no nú- desvio padrão (de MacDougall, 1986a).
274 PAAVO V. KOMI
biópsia é representativa do músculo total. Examina- et al., 1985; Snow e Chortkoff, 1987; Yarasheski et
mos a precisão dessa técnica comparando as estima- al., 1990). No entanto, muitos investigadores que têm
tivas intra-individuais do número de fibras no bíceps utilizado alongamento crônico das asas dos múscu-
de um braço com as do outro braço. A conclusão los em aves registram maior aumento no número to-
apontou a existência de erro padrão de estimativa de tal de fibras (Alway et al., 1989b; Sola et al., 1973;
aproximadamente 11% (MacDougall et al., 1984). Antonio e Gonyea, 1993a). Além disso, a magnitude
Portanto, é razoável aceitar que esse método não é do aumento no número de fibras parece estar relacio-
tão preciso como, por exemplo, a contagem direta nada à magnitude, bem como à duração do estímulo
das fibras por meio de digestão* do músculo inteiro de alongamento (Antonio e Gonyea, 1993a). Diferen-
utilizando ácido nítrico, e que pequenas alterações temente das aves, é difícil impor um alongamento crô-
no número total de fibras podem não ser detectadas. nico ao músculo de um quadrúpede. Assim, a tendên-
Sjöstrom e colaboradores (1991) realizaram uma cia a hiperplasia de maior magnitude em aves, quando
investigação de autópsia dos músculos tibial anterior comparadas a mamíferos, pode estar relacionada à efi-
direito e esquerdo de homens jovens com predomi- cácia do modelo experimental, mais do que às dife-
nância manual direita e detectaram maior área de renças entre as espécies per se.
secção transversa muscular no lado esquerdo, mas Também suscita dúvidas a questão de o treina-
nenhuma diferença na área da fibra entre os dois la- mento de força convencional submeter o músculo a
dos. Eles concluíram que os maiores músculos da elevado nível de alongamento. Muitos movimentos
perna esquerda deviam-se à hipertrofia compensa- do levantamento de peso iniciam com o músculo em
tória associada ao uso assimétrico de longo prazo (ou ligeiramente além de) seu comprimento em re-
daquela perna por indivíduos com predominância pouso, seguido pelo encurtamento dos sarcômeros
manual direita. Além disso, os autores indicaram que na fase concêntrica do levantamento. Embora algum
o maior diâmetro muscular devia-se ao aumento alongamento dos sarcômeros ocorra ao final da fase
aproximado de 9,8% no número de fibras (Sjöstrom excêntrica, a estrutura de muitas articulações huma-
et al., 1991). nas permite somente um comprimento moderado dos
Então, parece não haver aumento no número de sarcômeros. Uma possível exceção refere-se à arti-
fibras no músculo adulto humano em decorrência culação do tornozelo, em que uma amplitude consi-
do treinamento de força; ou, caso ocorra, é de pouca derável de dorsiflexão pode ser alcançada, impondo,
significância numérica. Como, então, explicar a clara dessa forma, alongamento dos músculos da perna.
evidência de abundante hiperplasia em certos mode- Em um estudo recente (Fowles et al., 2000), foram
los animais, mas ausência em humanos? Uma possí- examinados os efeitos de uma sessão de alongamen-
vel explicação sugere a ocorrência de hiperplasia so- to passivo tolerado sobre a síntese protéica muscular
mente em resposta a uma sobrecarga de alongamento do sóleo. Por meio do uso de um instrumento equi-
significativa que também aumenta o comprimento pado com sensores de força, em que o pé e a perna
muscular. Isso significa que o treinamento de força correspondente ficam fixos (descrito por Sale et al.,
convencional não impõe tal estímulo. Examinemos 1982), oito homens jovens permaneceram por apro-
o fundamento dessa explanação. ximadamente 30 minutos em alongamento passivo
Alguns investigadores relataram pequeno aumen- dos músculos de uma das pernas, servindo a outra
to no número de fibras em mamíferos após treina- como controle. O procedimento iniciou com o pé do
mento com levantamento de pesos** ou ablação si- sujeito bloqueado em dorsiflexão máxima tolerável
nergista (Ho et al., 1980; Gonyea et al., 1986). Outros sem dor e, posteriormente, a cada 2 minutos, a mag-
tantos não relataram (Gollnick et al., 1981; Timson nitude do alongamento foi aumentada. Assim, um
novo ângulo articular máximo foi estabelecido, de
acordo com a tolerância do sujeito. Em média, esse
protocolo resultou em 6° a 7° de aumento no ângulo
*N.
articular, acima do alongamento máximo tolerável ini-
de R.T. Ato de desintegração do músculo, neste caso, uti-
lizando ácido nítrico. cial. A taxa de síntese protéica fracional foi, então,
**N. de R.T. O autor refere-se, neste tópico, à modalidade es- mensurada no sóleo de ambas as pernas, por meio da
portiva levantamento de peso ou “weightlifting”. quantificação da taxa de incorporação de leucina
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 275
Células-satélite musculares e o
processo de hipertrofia
células-satélite da fibra lesionada são ativadas para mais de 40% com rompimento extremo (Gibala et
realizar proliferação mitótica e para migrar ao longo al., 1995). Nos sujeitos treinados, aproximadamente
do comprimento da fibra no local da lesão. Então, 45% das fibras apresentaram algum grau de rompi-
elas entram na célula e se diferenciam para reparar a mento, das quais somente 3% foram classificadas
lesão por meio da formação de novas miofibrilas na como tendo rompimento grave (Gibala et al., 2000).
fibra existente, enquanto os detritos são removidos Além disso, em ambas as investigações, ficou claro
pelos macrófagos (Chambers e McDermott, 1996). que maiores níveis de lesão ocorreram durante a fase
Em caso de lesão grave na fibra, as células-satélite se excêntrica do levantamento. Então, é aparente que
fundem entre si para formar um miotubo multinu- vários graus de lesão na proteína contrátil ocorrem
cleado. Existe maturação do miotubo em uma nova como conseqüência inevitável do treinamento de for-
fibra muscular por meio de um processo similar ao ça de alta intensidade. Essa lesão pode resultar na
que ocorre durante o desenvolvimento fetal e substi- ativação e na proliferação das células-satélite após tal
tui a fibra necrosada (Bischoff, 1989; Schultz, 1989). treinamento (Kadi e Thornell, 2000) com o propósi-
Também parece que, quando uma fibra é lesionada, to de reparo ou substituição de fibras. Kadi e colabo-
a ativação das células-satélite é confinada àquelas da radores (1999) observaram que aproximadamente 3%
fibra lesionada, com pouco ou nenhum recrutamen- das fibras em biópsias do músculo trapézio de levan-
to das células-satélite das fibras não-lesionadas tadores de peso de elite eram anormalmente peque-
(Schultz et al., 1986). Nesse caso, e se somente um nas em diâmetro e expressaram marcadores para mio-
miotubo se desenvolve por fibra necrosada, o pro- gênese inicial. Isso sugere que um ciclo constante de
cesso é caracterizado por substituição sem aumento lesão e reparo muscular ocorre em atletas submeti-
no número de fibras. dos a treinamento de força de alta intensidade. As
lesões relativamente leves são reparadas por meio da
Ativação das células-satélite com o incorporação das células-satélite em fibras existen-
exercício e o treinamento tes, enquanto o reparo de fibras gravemente lesiona-
das ocorre por meio de fusão de células-satélite para
Tem sido observado que a ativação das células- formar novas fibras. Além disso, é provável que o pro-
satélite ocorre em animais após uma sessão aguda de cesso seja de substituição, sem adição de número de
corrida em esteira rolante com característica excên- fibras se, em qualquer momento, 3% das fibras em
trica (Darr e Schultz, 1987) ou em nível plano (Jacobs atletas de força representam fibras “novas” em de-
et al., 1995), assim como no treinamento de força senvolvimento (Kadi et al., 1999). Se não fosse esse o
crônico (Giddings et al., 1985; Tamaki et al., 1997). caso, então, após vários anos de treinamento de for-
Nesses estudos, os protocolos de exercícios também ça, haveria um aumento massivo e evidente no nú-
foram associados com vários graus de lesão na fibra. mero de fibras.
A partir dessa perspectiva, os investigadores levanta- É também possível que as células-satélite pos-
ram a hipótese de que esse pode ter sido o mecanis- sam ser ativadas por outros processos que não a le-
mo para a ativação. Em humanos, a ativação das cé- são (Irintchev e Wernig, 1987; Yan, 2000) e que de-
lulas-satélite tem sido documentada após um período sempenhem um papel importante na adaptação
de ciclismo (Appell et al., 1988) e de treinamento de muscular e na transformação do tipo de fibra com o
força (Kadi e Thornell, 1988). Embora não tenha sido exercício de resistência aeróbia (Yan, 2000). Reforçan-
avaliada a lesão do tecido muscular em nenhum dos do essa idéia, existe evidência de que as células-satéli-
dois estudos, é provável que ela tenha ocorrido, es- te respondem a vários fatores de crescimento que não
pecialmente com o treinamento de força. Tem sido estão necessariamente relacionados à lesão muscular
quantificada a evidência em microscopia eletrônica (Chambers e McDermott, 1996; Miller et al., 2000).
de lesão de proteína contrátil após uma sessão típica
de treinamento de força, tanto em homens jovens
destreinados como em sujeitos treinados em força. Resumo
Imediatamente após o exercício, cerca de 80% das
fibras examinadas nos sujeitos destreinados demons- Os exercícios de força de alta intensidade esti-
traram algum grau de rompimento miofibrilar, com mulam a síntese da proteína contrátil muscular. Isso
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 277
se manifesta per se por meio do aumento da área de fore hyperplasia. Journal of Applied Physiology 75,
secção transversa da fibra e da área do músculo pela 1263-1271.
execução de sessões repetidas de exercício (treina- Antonio, J. & Gonyea, W.J. (1993b) Skeletal muscle fiber
mento). O aumento da área da fibra é o resultado do hyperplasia. Medicine and Science in Sports and Exercise
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incremento na área e no número miofibrilar. Há tam-
Appell, H.J., Forsberg, S. & Hollmann, W. (1988) Satellite
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que é proporcional ao da área da fibra. evidence for muscle fiber neoformation. International
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Capítulo 14
Adaptações metabólicas
musculares agudas e crônicas
ao treinamento de força
PER A. TESCH E BJÖRN A. ALKNER
cícios de força, normalmente realizados por fisicul- lar de glicose, de glicose-6-fosfato e de glicerol-3-
turistas, a adenosina trifosfato (ATP), a fosfocreatina fosfato. Tais concentrações indicam elevada glicólise
(CP) e o glicogênio são reduzidos em resposta a anaeróbia (Tab. 14.1; Tesch et al., 1986). Embora as
30 minutos de exercício realizado em aproximada- fontes energéticas anaeróbias não-glicolíticas e gli-
mente 200 W. Há também um marcado incremento colíticas sejam utilizadas, evidências determinam que
na concentração de lactato sangüíneo e intramuscu- os lipídeos também são mobilizados como substrato
Tabela 14.1 Conteúdo de metabólito muscular (mmol·kg–1) e concentração plasmática de metabólitos (mmol·L–1) antes (após aquecimento)
e ao final de 30 minutos de exercício de força, constituído de quatro séries (6 a 12 repetições por série) para o agachamento frontal e dorsal leg
press e extensão de joelhos. Os sujeitos eram fisiculturistas (n = 9). As diferenças (p < 0,05) entre os valores médios são indicadas pelo
asterisco* (de Tesch et al., 1986 e Essén-Gustavsson e Tesch, 1990)
Músculo
ATP 24,8 19,7 *
Fosfocreatina 89,5 45,8 *
Creatina 50,8 100,0 *
Glicose 1,5 8,2 *
Glicose-6-fosfato 1,8 16,7 *
Glicerol-3-fosfato 5,7 14,1 *
Lactato 22,7 79,5 *
Glicogênio 690 495 *
Triglicerídeo 23,9 16,7 P > 0,05
Plasma
Ácidos graxos livres 0,22 0,22 P > 0,05
Glicerol 0,02 0,1 *
Glicose 4,2 5,5 *
Lactato 3,8 11,7 *
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 283
energético. Isso ficou evidente no aumento da con- ciam que o estoque de glicogênio intramuscular é a
centração de glicerol plasmático, e, surpreendente- fonte energética mais importante nos exercícios de
mente, muitos indivíduos demonstraram menor con- força. Poder-se-ia esperar que os programas realiza-
teúdo de triglicerídeo muscular após o exercício (Tab. dos com pouca sobrecarga, com maior número de
14.1; Essén-Gustavsson e Tesch, 1990). repetições e curto período de recuperação estimu-
Parece plausível imaginar que os exercícios de lassem a glicólise anaeróbia, assim como o metabo-
força, simulando uma competição, possam somente lismo oxidativo (Fig. 14.2; Tesch et al., 1986). Por
ser executados de acordo com a disponibilidade dos conseguinte, os níveis de lactato plasmático são mai-
estoques de ATP e CP (Keul et al., 1978). Tal pers- ores durante esse programa de exercícios do que com
pectiva desmorona diante da possibilidade de reali- elevada sobrecarga e menor número de repetições
zar muito poucas ações musculares seqüenciadas e (Kraemer et al., 1987). O glicogênio, entretanto, di-
do amplo tempo permitido para a recuperação pos- minui, e o lactato aumenta em taxas similares duran-
terior. Verifica-se queda substancial na CP após so- te uma série de trabalho programado, mas sob dife-
mente uma série de 12 repetições até a falha durante rentes repetições e sobrecarga, por exemplo, 35 ou
o exercício de flexão de cotovelo (MacDougall et al., 70% de uma repetição máxima (1-RM) (Robergs et
1999), sem nenhum decréscimo mensurável no con- al., 1991).
teúdo de ATP. No entanto, uma única série também Deve-se reconsiderar o desconhecimento sobre
é suficiente para estimular a glicogenólise devido ao o fato de o estresse metabólico per se influenciar o
glicogênio reduzir 12 e 24% após duas séries adicio- aumento da massa muscular, da força máxima ou da
nais. Há uma queda de 25% no conteúdo de glicogê- potência. Os estudos clássicos sobre o padrão de de-
nio muscular 6 horas após a realização de exercícios pleção seletiva de glicogênio por histoquímica semi-
vigorosos de força, sendo esses constituídos de apro- quantitativa (ácido-Schiff periódico [PAS]) com pro-
ximadamente nove séries de seis repetições até a fa- cedimentos staining * parecem demonstrar que
lha muscular no exercício de extensão do joelho estímulos abaixo de 20% da contração isométrica vo-
(Pascoe et al., 1993); e quatro séries de 8 a 12 repeti- luntária máxima são mantidos pelo recrutamento iso-
ções até a falha em quatro exercícios consecutivos de lado das fibras musculares do tipo I (Gollnick et al.,
extensão do cotovelo reduziram os estoques de gli-
cogênio da cabeça longa do tríceps braquial aproxi-
madamente 25% (Yström e Tesch, 1996 [dados não- *N. de R.T. Técnica baseada na coloração artificial de uma subs-
Figura 14.2 Concentração plasmática de lactato antes e durante exercício de força e subseqüente recuperação. Os valores
representam média ± desvio padrão (de Tesch et al., 1986).
284 PAAVO V. KOMI
1974). Como evidenciado pela taxa progressivamen- disso, deve-se considerar que a magnitude, bem como
te maior de utilização de glicogênio quando o nível as características específicas das adaptações aos exer-
de tensão sustentada é mantido, as fibras tipo II de- cícios de força, ou qualquer outro tipo de exercício, é
vem ser recrutadas para produzir maiores níveis de influenciada por fatores como a idade, o nível de ap-
força. As fibras tipo I e IIa são depletadas, embora tidão física inicial e o histórico retrospectivo de trei-
não completamente, após cinco séries de 10 repeti- namento.
ções de extensão do joelho a 30% e a 45% de 1-RM
(Tesch et al., 1998). A análise da densidade ótica das Composição do tipo de fibra
fibras com coloração-PAS demonstra maior deple-
ção e queda dos níveis de glicogênio nas fibras tipo O treinamento de endurance induz ao ajuste na
IIb e IIab a 60% de 1-RM. Inversamente ao que se composição do tipo de fibra, no mínimo temporaria-
imagina, essas fibras, por inferência, estão envolvidas mente, convertendo fibras rápidas em lentas (cf. Sal-
em menores intensidades. tin e Gollnick, 1983). Parece que os músculos treina-
Como conseqüência, as fibras tipo II demons- dos de levantadores de peso, de levantadores de
tram maior depleção que as fibras tipo I em virtude potência e de outros atletas de potência de nível olím-
dos exercícios com sobrecarga de intensidade ≥ 70% pico não possuem necessariamente predominância
de 1-RM. Na realidade, as fibras do tipo II tiveram de fibras de contração rápida (Tab. 14.2 [Gollnick et
maior depleção que as fibras tipo I após a realização al., 1972; Prince et al., 1976; Staron et al., 1984;
de 20 séries de 6 a 12 repetições em quatro diferen- Tesch et al., 1984; Tesch e Karlsson, 1985; Kadi et al.,
tes exercícios para o quadríceps (ver Tesch et al., 1999]). No caso de ocorrência, é improvável que isso
1986). Na interrupção do exercício, nenhuma fibra seja resultado de treinamento específico realizado por
do tipo I, mas 15% das fibras tipo II examinadas es- esses atletas. Muito provavelmente, isso reflete a pre-
tavam sem glicogênio. Embora o treinamento de for- disposição genotípica dos atletas para o desenvolvi-
ça vigoroso pareça não eliminar os estoques de gli- mento muscular, bem como da velocidade, da po-
cogênio, a elevada taxa de utilização dessa substância tência e da força. Uma característica típica desses
pode ser suficiente para depletar certas fibras mus- atletas é que talvez 80 a 90% dos músculos treinados
culares. Isso, em princípio, pode limitar a capacidade contenham proteína contrátil rápida, pois os exercí-
de realizar uma ou múltiplas sessões diárias de exer- cios de força claramente promovem hipertrofia pre-
cício. ferencial das fibras de contração rápida. Em fisicul-
turistas de vários níveis, uma ampla variedade de
composição do tipo de fibra dos músculos vasto la-
Adaptações crônicas aos teral, deltóide, bíceps e tríceps braquiais tem sido re-
exercícios de força latada (MacDougall et al., 1982; Schantz, 1982;
Tesch e Larsson, 1982; Dudley et al., 1986; Larsson
Muitos programas eficazes de treinamento de e Tesch, 1986; Éssen-Gustavsson e Tesch, 1990;
força produzem maior área de secção transversa Klitgaard et al., 1990). Demonstrou-se repetidamen-
muscular. Isso significa, portanto, produzir maior te em inúmeros estudos desenvolvidos com voluntá-
massa muscular, principalmente devido ao aumento rios de ambos os gêneros (Tab. 14.3) que os progra-
no conteúdo de proteína miofibrilar (ver Capítulo 13). mas de treinamento de força não induzem alteração
No entanto, incremento apreciável na força muscu- na porcentagem das fibras tipo I (Frontera et al., 1988;
lar, assim como nos desempenhos força-dependen- Brown et al., 1990; Staron et al., 1990; Alway, 1991;
tes, é possível com hipertrofia muscular concomitante Charette et al., 1991; Hather et al., 1991; Staron et
nula ou mínima, em resposta aos programas de trei- al., 1991; Adams et al., 1993; Fry et al., 1994; Ploutz
namento de curto prazo (ver Capítulo 15). Eis uma et al., 1994; Kraemer et al., 1995; Lexell et al., 1995;
consideração importante na discussão que envolve Jürimäe et al., 1996; McCall et al., 1996; Hepple et
as adaptações metabólicas específicas em resposta ao al., 1997; Carroll et al., 1998; Bishop et al., 1999;
treinamento de força, pois algumas das alterações Green et al., 1999; King et al., 1999; Masuda et al.,
descritas a seguir acontecem secundariamente à hi- 1999; Andersen e Aagaard, 2000; Hikida et al., 2000).
pertrofia muscular induzida pelo treinamento. Além A descoberta de decréscimo na porcentagem dessas
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 285
Tabela 14.2 Composição do tipo de fibra mensurada por meio de marcação de ATPase histoquímica nas diferentes categorias de atletas
treinados em força. O conteúdo de miosina de cadeia pesada (MHC*) foi analisado em fibras isoladas† ou em homogeneizado muscular total††.
Alguns estudos também incorporaram sujeitos-controle. Os músculos estudados são demonstrados como: VL: vasto lateral; D: deltóide; GL:
gastrocnêmio lateral; GM: gastrocnêmio medial; SOL: sóleo; BB: bíceps braquial; T: trapézio
Autor Ano Sujeitos: n; gênero; categoria; idade Músculo I I/IIa IIa IIa/b IIb/x
Prince et al. 1976 4; M; levantadores de potência VL 45 11 33
5; controle (sem treinamento) VL 36 38 26
Tesch et al. 1984 8; M; levantadores de potência e levantadores VL 59
de peso; 27 anos
8; M; controle (pilotos); 26 anos VL 61
Staron et al. 1984 7; M; levantadores de peso; 24 anos, > 3 anos VL 38 0,3 40 22
treinamento; 4-6 dias/sem
5; M; controle não-treinado; 29 anos VL 23 0 34 43
Larsson e 1986 4; M; fisiculturistas; 30 anos VL 48
Tesch 8; M; controle; 26 anos VL 51
Gollnick et al. 1972 4; M; levantadores de peso; 25 anos VL 46
12; M; não-treinados; 27 anos VL 36
Tesch e 1982 5; M; fisiculturistas; 25 anos VL 40 4
Larsson 50; controle (estudantes); 23 anos VL 53
Tesch e 1985 7; M; levantadores de potência e levantadores VL 44
Karlsson de peso
12; M; estudantes de EF; 22 anos VL 43
Gollnick et al. 1972 4; M; levantadores de peso; 25 anos D 53
12; M; não-treinados; 27 anos D 46
Tesch e 1982 5; M; fisiculturistas; 25 anos D 33 3
Larsson 12; controle (estudantes de EF); 23 anos D 50
Tesch e 1985 7; M; levantadores de potência e levantadores D 54
Karlsson de peso
12; M; estudantes de EF; 22 anos D 50
Schantz e 1989 12; M; treinados em força; 25 anos D 67 21 12
Källman 12; M; não-treinados; 26 anos D 59 23 18
Alway 1991 6; M; fisiculturistas; 27 anos GL 53 47
6; M; ativos; 28 anos GL 53 47
6; M; sedentários; 25 anos GL 51 49
Alway 1991 6; M; fisiculturistas; 27 anos GM 56 44
6; M; ativos; 28 anos GM 65 35
6; M; sedentários; 25 anos GM 57 43
Alway 1991 6; M; fisiculturistas; 27 anos Sol 74 27
6; M; ativos; 28 anos Sol 73 27
6; M; sedentários; 25 anos Sol 80 19
Klitgaard 1990 4; M; fisiculturistas; 25 anos BB 51 0 31 18
et al. > 6 anos de treinamento
4; M; controles sedentários; 28 anos BB 48 0 25 26
4; M; fisiculturistas; 25 anos, BB 41 6 36 16 1
† > 6 anos de treinamento
4; M; controles sedentários; 28 anos BB 36 6 12 34 12
Kadi et al. 1999 10; M; levantadores de potência; 28 anos T 55 2 39 4 0
6; M; controle; 23 anos T 64 0,2 26 10 0,2
†† 10; M; levantadores de potência; 28 anos T 47 44 9
6; M; controle; 23 anos T 54 27 19
Tabela 14.3 (a) Estudos relacionados ao treinamento de força, nos quais foi registrada a composição do tipo de fibra no músculo vasto lateral,
mensurada por coloração da ATPase ou conteúdo de miosina de cadeia pesada (MHC) em fibras isoladas. Somente foram listados os estudos
que analisaram os subgrupos das fibras tipo II. ↑ aumento na porcentagem do tipo de fibra; ↓ decréscimo na porcentagem do tipo de fibra;
→ porcentagem do tipo de fibra inalterada; ⇑ aumento na área da fibra; ⇓ decréscimo na área da fibra; ⇒ área da fibra inalterada; > aumento
na área relativa ocupada pelo tipo de fibra; < decréscimo na área relativa ocupada pelo tipo de fibra; = nenhuma alteração na área relativa
ocupada pelo tipo de fibra; CON: concêntrico; EXC: excêntrico
Tabela 14.3 (b) Estudos relacionados ao treinamento de força, nos quais foi registrado o conteúdo de isoforma de miosina de cadeia pesada
(MHC). O músculo vasto lateral foi analisado, exceto quando indicado. ↑ aumento na porcentagem; ↓ decréscimo na porcentagem; → porcen-
tagem inalterada
Isoformas MHC
Sujeitos; n; Duração, freqüência e
Autor Ano gênero; idade séries/repetições I Ia IIa/x Comentário
Adams et al. 1993 17 (13 + 4 controle); 19 semanas, 2/semana, 3-5 × 6-12 → ↑ ↓ “Saudável”
M; 36 anos
Fry et al. 1994 21 + 14 (1/2 8 semanas, 2/semana, 3 × 6-12 → ↑ ↓ Não treinado;
controle); M + F; Não demonstrou ↑
21 anos
Carroll et al. 1998 8 + 9 (11 + 6 6 semanas, 3/semana, 3 × 10, → ↑ → Estudantes
controle); M + F; 9 semanas, 2/semanas, 3 × ca 10 → → →
18 anos
Welle et al. 1999 5 + 3; M + F; Dia 1 e 4: 4 × 10, → → → RNAm;
62-75 anos dia 6: 5 × 10 biópsia dia 7
Andersen 2000 9; M; 27 anos 3 meses, 3/semana, 4-5 × 6-15 → ↑ ↓ Sedentário
e Aagaard
Hortobágyi et al. 2000 24 + 24 (12 + 12 12 semanas, 3/semana, 4-6 × ↑ → ↓ Após ausência
+12 + 6 + 6); M 8-12 (1 con, 2 con/ecc, 3 ecc) de sobrecarga
+ F; 22 anos no membro
Hikida et al. 2000 9 + 9 controle; M; 16 semanas, 2/semana, 3 × 6-8 → ↑ ↓
65 anos
Jürimäe et al. 1996 15 (11 + 4 controle); 12 semanas, 3/semana, 4 × 12 → → ↓ Tríceps braquial;
22 anos estudantes
Kadi e Thornell 1999 30; F; 39 anos 10 semanas, 3/semana, 3 × 10-12 ↓ ↑ ↓ Trapézio;
trabalhadores
sociais e de
cuidados à
saúde
1991; Hather et al., 1991; Staron et al., 1991; Wang Thornell, 1999). O decréscimo na MHC das fibras
et al., 1993; Hickson et al., 1994; Kraemer et al., 1995; IIb/IIx, seja com o treinamento de força ou de endu-
Lexell et al., 1995; Hepple et al., 1997; Green et al., rance, pode simplesmente ser explicado pelo “gene
1999; Masuda et al., 1999; Andersen e Aagaard, 2000; ausente” de MHC IIb/IIx expressado sem treinamento
Hikida et al., 2000), com exceção de um trabalho (Adams et al., 1993; Andersen et al., 1994). Então, os
(Trappe et al., 2000). Nos estudos em que foi detec- sujeitos que adotaram um estilo de vida sedentário
tada hipertrofia significativa, a porcentagem das fi- após um programa de treinamento de força demons-
bras IIb/IIx diminuiu (Staron et al., 1990; Hather et traram aumento no conteúdo de MHC IIx acima dos
al., 1991; Staron et al., 1991; Wang et al., 1993; níveis “normais” (Andersen e Aagaard, 2000), suge-
Kraemer et al., 1995; Green et al., 1999; Andersen e rindo potencialização na expressão dessa isoforma,
Aagaard, 2000; Hikida et al., 2000). Dois estudos fo- disparada pela abrupta interrupção do treinamento
ram incapazes de identificar tal resposta (Masuda et de força (Fig. 14.3).
al., 1999; Trappe et al., 2000). A descoberta de um aumento na porcentagem
Em fisiculturistas, os músculos vasto lateral (Es- das fibras tipo I como efeito induzido por treinamento
sén-Gustavsson e Tesch, 1990) e deltóide (Schantz e de força em homens idosos não é consistente (como
Källman, 1989) apresentam muito poucas fibras do vimos anteriormente; Williamson et al., 2000). Por
tipo IIb/IIx. Na realidade, os fisiculturistas e os le- isso, em sustentação aos estudos que examinaram po-
vantadores de potência demonstram maior porcen- pulações jovens e mais ativas, os resultados de vários
tagem de fibras do tipo IIa e menor do tipo IIb/IIx, registros não sugerem aumento ou decréscimo na
quando comparados aos grupos-controle (Klitgaard porcentagem das fibras tipo I em pessoas idosas sub-
et al., 1990; Kadi et al., 1999). Além disso, o número metidas ao treinamento de força (Frontera et al., 1988;
relativo de fibras classificadas como do tipo IIb por Brown et al., 1990; Charette et al., 1991; Lexell et al.,
meio da coloração da ATPase e expressando isofor- 1995). De modo similar ao registrado em populações
mas de cadeia pesada de miosina (MHC) tanto IIb jovens, há decréscimo da proporção relativa de fibras
como IIa diminuiu após o treinamento de força (Wi- IIb e aumento das fibras IIa (Hikida et al., 2000). À
lliamson et al., 2000). Do mesmo modo, o conteúdo luz dessas descobertas, o aumento na porcentagem
muscular total de MHC IIb/IIx também apresentou das fibras tipo I, sem nenhuma alteração na porcen-
redução (Adams et al., 1993; Fry et al., 1994; Kadi e tagem das fibras tipo IIa e IIb, ainda que se verifique
um decréscimo nas fibras híbridas (Williamson et al., capilares por fibra do que nos músculos de sujeitos-
2000), não está completamente compreendido. Tam- controle (Kadi et al., 1999). Essa resposta, raramente
bém parece que a resposta ao treinamento de força examinada no músculo trapézio, poderia muito bem
não varia entre homens e mulheres independente- refletir diferentes respostas adaptativas entre os mús-
mente da idade (Staron et al., 1991; Staron et al., 1994; culos que transportam e não transportam peso. Os
Lexell et al., 1995; Kadi e Thornell, 1999). fisiculturistas contam com diferentes programas de
Em resumo, todas as evidências sugerem que os treinamento, mesmo assim, demonstram maior nú-
exercícios de força não produzem alteração das fi- mero de capilares por fibra e similar número de capi-
bras do tipo I para fibras do tipo II, embora os mús- lares por unidade de área quando comparados aos
culos de atletas de elite de potência e de força pos- não-atletas (Schantz, 1982; Tesch et al., 1984; Schantz
sam demonstrar preponderância de fibras tipo II e, e Källman, 1989; Essén-Gustavsson e Tesch, 1990).
certamente, elevado conteúdo de proteína rápida de- Então, à luz de maiores capilares por fibra, uma certa
vido à hipertrofia preferencial das fibras tipo II. Na proliferação capilar do músculo quadríceps femoral
realidade, similar ao exercício de endurance, os exercí- pode ocorrer nesses atletas. No entanto, no músculo
cios de força promovem aumento na proporção rela- tríceps braquial de fisiculturistas, um padrão similar
tiva das fibras tipo IIa às custas das fibras tipo IIb/IIx. àquele observado no músculo vasto lateral de levan-
A significância e as implicações funcionais dessas al- tadores tem sido demonstrado (Tesch et al., 1984).
terações ainda têm de ser demonstradas no desem- Compara-se o suprimento capilar dos músculos vas-
penho de força e de potência. to lateral e tríceps braquial de levantadores de peso e
fisiculturistas (Dudley et al., 1986). Em ambos os
Suprimento capilar músculos, os fisiculturistas demonstraram maior
número de capilares por fibra quando comparados
Inúmeros estudos demonstram que o suprimen- aos levantadores, indicando a proliferação capilar em
to capilar, expresso como capilares por fibra ou capi- músculos posturais e em não-posturais como efeito
lares por mm2, aumenta em resposta ao treinamento induzido pelo treinamento de força que enfatiza ele-
de endurance. Do mesmo modo, atletas treinados em vado número de repetições. Nenhuma alteração na
endurance demonstram maior densidade capilar que densidade capilar foi observada após um programa
indivíduos sedentários (ver Saltin e Gollnick, 1983). de treinamento de força de 6 a 12 semanas (Tesch et
Ao contrário do treinamento de força, o treinamento al., 1983; Lüthi et al., 1986; Tesch et al., 1990; Mc-
de endurance não induz hipertrofia muscular. O au- Call et al., 1996; Hepple et al., 1997; Green et al.,
mento no tamanho da fibra muscular per se diminui 1999).
a densidade capilar. Muitos programas eficazes de trei- Os programas de treinamento com duração en-
namento de força são associados com aumento na tre 16 e 24 semanas produziu nenhum (Wang et al.,
área de secção transversa muscular como resultado 1993; Hagerman et al., 2000) ou pequeno aumento
do aumento do tamanho da fibra muscular. Admi- na densidade capilar (Hather et al., 1991). No entan-
tindo que não há neoformação capilar, pode-se es- to, há muitas evidências sugerindo que o treinamen-
perar um decréscimo da densidade capilar proporcio- to de força de alta intensidade entre 16 e 24 semanas
nal ao aumento no tamanho da fibra muscular em promove proliferação capilar. O aumento no núme-
reposta ao treinamento de força. De acordo com isso, ro de capilares por fibra é menor do que o aumento
os levantadores de peso, assim como os levantadores no tamanho da fibra muscular (Frontera et al., 1990;
de potência olímpicos bem-sucedidos, demonstram Hather et al., 1991; Wang et al., 1993; McCall et al.,
menor densidade capilar do que sujeitos não-treina- 1996; Hepple et al., 1997; Green et al., 1999). Isso
dos (Tesch et al., 1984; Kadi et al., 1999). Então, en- pode sugerir que as adaptações de natureza, mas não
quanto o número de capilares por fibra do músculo de magnitude similar àquelas alcançadas pelo trei-
vasto lateral é similar em levantadores e em não-atle- namento de endurance, são possíveis com o treinamen-
tas, o número de capilares por unidade de área mus- to de força.
cular é significativamente menor em atletas (Fig. 14.4). Conjuntamente, parece que o treinamento de
No músculo trapézio de levantadores de potência, as força constituído de exercícios com elevada sobre-
fibras tipo I, mas não as do tipo II, apresentam mais carga e baixo número de repetições não produz neo-
290 PAAVO V. KOMI
tração lenta como das fibras de contração rápida No entanto, três meses de treinamento do quadrí-
(Apple e Tesch, 1989). Do mesmo modo, a atividade ceps femoral realizado três vezes por semana e cons-
da fosfofrutocinase de amostras teciduais mistas de tituído de 48 a 60 ações musculares voluntárias máxi-
um músculo não-postural, por exemplo, o deltóide, mas não alteraram os estoques de ATP e fosfocreatina
foi similar entre fisiculturistas, nadadores e estudan- (Tesch et al., 1990). Resultados que corroboram essa
tes fisicamente ativos (Schantz e Källman, 1989). informação foram subseqüentemente registrados
após programas de treinamento de duração e inten-
Níveis de substrato muscular sidade similares (Goreham et al., 1999; Volek et al.,
1999). Parece que essa ausência de aumento no con-
teúdo de fosfagênios independe da hipertrofia (Tes-
Conteúdo de glicogênio
ch et al., 1990; Goreham et al., 1999; Volek et al.,
A concentração de glicogênio muscular em re- 1999). Além disso, níveis normais de ATP e fosfocrea-
pouso aumenta em resposta ao treinamento de endu- tina foram observados em atletas com hipertrofia
rance. Essa adaptação também parece ocorrer como muscular significativa no músculo vasto lateral
efeito induzido pelo treinamento de força. O con- (Tesch et al., 1986). Pode-se somente especular se
teúdo de glicogênio aumentou em 35% no músculo essas descobertas conflitantes refletem respostas di-
tríceps braquial de indivíduos que treinaram por cinco retas entre os músculos posturais (Goreham et al.,
meses usando sobrecarga variável (MacDougall et al., 1999) e não-posturais (MacDougall et al., 1977; Ma-
1977). De modo similar, o músculo vasto lateral de- cDougall et al., 1979). No entanto, diante das adap-
monstrou um aumento maior que 50% no conteúdo tações no conteúdo de ATP e de fosfocreatina essas
de glicogênio muscular do que aquele geralmente alterações são sutis conseqüências do treinamento
observado em não-atletas (Tesch et al., 1986). Ao con- de força, .
trário dessas observações, o conteúdo de glicogênio
não aumentou em resposta a três meses de treina-
Conteúdo de lipídeos
mento do quadríceps femoral (Tesch et al., 1990;
Goreham et al., 1999). Embora possa requerer um Não está claro se o treinamento de endurance au-
programa de exercícios de maior intensidade e dura- menta o conteúdo de lipídeos estocados no músculo
ção para promover o aumento no conteúdo de glico- (ver Saltin e Gollnick, 1983). De modo similar, tam-
gênio no estado de repouso, a economia de glicogê- bém não está claro se o treinamento de força estimu-
nio, como resultado do treinamento de força, tem sido la aumento no conteúdo lipídico global. O conteúdo
registrada (Goreham et al., 1999). Então, menos glico- de triglicerídeos do músculo quadríceps femoral de
gênio foi utilizado durante uma sessão padrão de exer- fisiculturistas e de indivíduos não-treinados não é di-
cício aeróbio após três meses de treinamento de força. ferente (Essén-Gustavsson e Tesch, 1990). Os fisi-
culturistas mostraram fração de volume lipídico si-
milar à de sedentários ou controles ativos (Alway
Conteúdo de ATP e de fosfocreatina
et al., 1988). As descobertas de menor conteúdo lipí-
As sessões de exercícios de força diminuem os dico no quadríceps femoral de levantadores (Staron
estoques de ATP e de fosfocreatina (como vimos an- et al., 1988) e um aumento na densidade lipídica do
teriormente) com ressíntese parcial ou total entre as músculo tríceps (MacDougall et al., 1979), mas não
sessões (Tesch et al., 1989b). Ainda carece de demons- do músculo quadríceps (Lüthi et al., 1986; Wang
tração o fato de essa resposta metabólica aguda for- et al., 1993), em resposta ao treinamento de força po-
necer o estímulo adaptativo para o aumento da ca- dem implicar respostas diferentes entre os músculos.
pacidade de estocagem de compostos fosfato de alta Por sua vez, o tipo de treinamento de força pode afe-
energia. Incremento substancial nos níveis de fosfa- tar as adaptações subseqüentes.
gênio em repouso do músculo tríceps braquial tem
sido demonstrado após cinco meses de treinamento Conteúdo de mioglobina
de força que produziu marcado aumento na força e
no tamanho das fibras dos extensores do cotovelo A mioglobina desempenha um papel importante
(MacDougall et al., 1977; MacDougall et al., 1979). no transporte de oxigênio no músculo esquelético.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 293
Ela atua com um elemento facilitador da extração de os resultados obtidos em estudos que examinam, por
oxigênio. Embora as fibras de contração lenta tipica- exemplo, crianças pré-púberes, mulheres não-treina-
mente contenham mais mioglobina do que as fibras das ou populações idosas deveriam ser interpretados
de contração rápida, o treinamento de endurance não com cuidado e não ser considerados como refletindo
promove aumento do conteúdo de mioglobina no respostas “clássicas” ao treinamento de força de alta
músculo esquelético humano (ver Saltin e Gollnick, intensidade. De modo similar, as adaptações em atle-
1983). Como o conteúdo de mioglobina aumenta tas treinados com exercícios de força podem não ser
paralelamente ao decréscimo no conteúdo enzimáti- necessariamente aplicáveis aos programas de treina-
co oxidativo, secundário à atrofia muscular induzida mento de força de curto prazo.
pela imobilização (Jansson et al., 1988), parece que o Algumas das conclusões referentes às adaptações
conteúdo de mioglobina diminui com o treinamento musculoesqueléticas em resposta ao treinamento de
de força. Por isso, há uma tendência de atenuação do força originam-se do fato de que os resultados têm
conteúdo de mioglobina nos programas de curto pra- sido reportados de estudos nos quais o treinamento
zo que utilizam estratégias de sobrecarga de fisicul- realizado é denominado como “força”, “peso” ou “re-
turistas e de levantadores de peso em indivíduos se- sistência de alta intensidade”, embora não tenha in-
dentários por oito semanas (Masuda et al., 1999). Em duzido aumento significativo na força ou na massa
outro estudo, o conteúdo de mioglobina foi mensu- muscular. As prescrições de exercício para atletas,
rado no músculo vasto lateral antes e após 16 sema- indivíduos fisicamente ativos ou inativos, populações
nas de treinamento de força que induziu 20% de idosas ou ainda para aqueles indivíduos submetidos
aumento no tamanho da fibra muscular (Tesch et al., à reabilitação devem considerar tais informações.
dados não-publicados). Os dados sugerem que a hi-
pertrofia muscular ocorreu proporcionalmente ao de-
créscimo correspondente no conteúdo de mioglobi- Referências
na. O tamanho da fibra muscular diminuiu após um
período de destreinamento, sendo esse efeito acom-
Adams, G.R., Hather, B.M., Baldwin, K.M. & Dudley, G.A.
panhado de aumento no conteúdo de mioglobina.
(1993) Skeletal muscle myosin heavy chain compositi-
Esses resultados sugerem que a adesão a um progra- on and resistance training. Journal of Applied Physiology
ma de exercícios de força a longo prazo pode reduzir 74(2), 911-915.
o potencial do músculo esquelético em extrair oxi- Alway, S.E. (1991) Is fiber mitochondrial volume density a
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co. A ocorrência e a magnitude desses efeitos são heavy chain isoforms in single fibres from m. vastus
influenciadas pelo tipo, pela intensidade e pela dura- lateralis of sprinters: influence of training. Acta Physio-
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adaptações metabólicas são diferentes quando se Apple, F.S. & Tesch, P.A. (1989) CK and LD isozymes in
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Capítulo 15
Adaptação neural ao
treinamento de força
DIGBY G. SALE
Estudos eletromiográficos
Muitas das evidências disponíveis referentes ao
aumento da ativação agonista foram possíveis devi-
do aos estudos eletromiográficos. A eletromiografia
constitui método de registro e de quantificação da
atividade elétrica (potenciais de ação da fibra muscu-
lar) produzida pelas fibras musculares das unidades
motoras ativadas. Em um típico estudo de treinamen-
to, os registros eletromiográficos (EMG) são desen-
volvidos por músculos agonistas selecionados durante
contrações voluntárias máximas antes e após o trei-
namento. Muito comumente, os registros EMG são
feitos com uso de eletrodos de superfície aplicados à
pele sobre o músculo ou músculos de interesse. O
registro EMG pode ser quantificado de diferentes
maneiras e reflete a combinação do recrutamento e
da freqüência de disparo de inúmeras unidades mo-
toras. A combinação entre o recrutamento da unida-
de motora e a freqüência de disparo é geralmente re-
Figura 15.3 Demonstração esquemática de como o ferida como ativação da unidade motora. Quando o
incremento da ativação agonista induzida pelo treinamento de treinamento induz um aumento na quantificação do
força aumenta o desempenho em força. No gráfico superior
sinal EMG durante uma contração voluntária máxi-
(ação isométrica máxima antes e após treinamento), é
demonstrado aumento do recrutamento de unidades motoras de ma, pode-se concluir que houve um aumento na ati-
alto limiar. Como essas unidades contêm um número vação da unidade motora (e, portanto, adaptação neu-
relativamente grande de fibras musculares de contração rápida, ral). A EMG de superfície não permite distinguir o
há uma grande vantagem obtida a partir da capacidade de aumento do recrutamento e das freqüências de dis-
recrutar consistentemente essas unidades. O gráfico
paro, embora uma técnica EMG denominada “power
intermediário demonstra como o aumento na freqüência de
disparo máxima das unidades motoras aumentaria a força density spectral analysis” promova essa distinção (So-
produzida pela unidade motora. A maior freqüência de disparo lomonow et al., 1990). Menos comumente, os regis-
após o treinamento permite às fibras musculares operar mais tros EMG têm sido desenvolvidos com eletrodos de
adiante na sua relação força-freqüência. O gráfico inferior ilustra agulha ou cordões metálicos finos inseridos no mús-
o efeito do aumento da freqüência de disparo das unidades
culo. A vantagem desta técnica é permitir a monito-
motoras no início de uma ação isométrica com o objetivo de
produzir força o mais rápido possível. Uma maior freqüência de rização dos padrões de recrutamento e da freqüência
disparo inicial pode não aumentar o pico de força, mas pode de disparo de unidades motoras individuais. Sua di-
permitir que o pico de força seja alcançado mais rapidamente. ficuldade reside na identificação e no registro das
300 PAAVO V. KOMI
mesmas unidades motoras antes e após a interven- Häkkinen e Häkkinen, 1995; Narici et al., 1996;
ção, assim como no registro de grande número de Hortobágyi e DeVita, 2000), assim como exercício
unidades motoras. Ao contrário, o comportamento concêntrico ou excêntrico isocinético (Higbie et al.,
das amostras de populações de unidades motoras é 1996; Narici et al., 1989; Hortobágyi et al., 1996ab;
comparado nas situações pré e pós-treinamento. As Hortobágyi et al., 1997; Aagaard et al., 2000; Ruther-
técnicas de superfície e intramuscular podem ser ford et al., 2001). Os estudos variam de uma (Horto-
comparadas por meio da seguinte analogia: o eletro- bágyi e DeVita, 2000) a 48 semanas de duração
do de superfície é como um microfone colocado no (Häkkinen et al., 2000). Alguns, como o apresentado
centro de um campo de futebol. Pode registrar e quan- na Figura 15.4, controlaram estritamente a “especifi-
tificar o barulho da multidão, mas não o que cada cidade” em que os tipos de ação (isométrica, concên-
membro (unidades motoras) está dizendo. O eletro- trica ou excêntrica), padrão de movimento e equipa-
do intramuscular pode ser associado a um microfo- mentos foram os mesmos para o treinamento e para
ne colocado na boca de um único membro. Embora os testes. Outros estudos envolveram ações distintas
ainda possa ser ouvido barulho, é possível ouvir ape- no treinamento e nos testes; por exemplo, treinamen-
nas o que um único membro está dizendo (p. ex., to com levantamento de pesos e teste com ações iso-
registro da unidade motora individual). cinéticas (velocidade controlada) concêntricas e ex-
cêntricas (Aagaard et al., 2000) ou ações isométricas
(Häkkinen e Komi, 1983). Alguns estudos utilizam
Estudos EMG de superfície
testes EMG específicos e não-específicos (Häkkinen
Um exemplo de técnica EMG de superfície é et al., 1998a).
apresentado na Figura 15.4. Nesse estudo, um pro- Algumas observações gerais podem ser tecidas
grama de treinamento isométrico para os músculos em relação ao efeito do treinamento na ativação das
extensores do joelho foi realizado durante quatro se- unidades motoras no quadríceps femoral. Primeiro,
manas (Rabita et al., 2000). A EMG foi registrada em a maioria dos estudos demonstra aumento da ativi-
3 das 4 cabeças do quadríceps, enquanto os voluntá- dade EMG com o treinamento. Segundo, não se pode
rios realizavam uma ação isométrica máxima breve.
Após o treinamento, somente uma cabeça, o reto fe-
moral, apresentou aumento significativo na EMG,
proporcional ao aumento da força isométrica. Esse
estudo representa apenas um de muitos que mensu-
ram o efeito do treinamento de força sobre o possí-
vel aumento na ativação das unidades motoras (p. ex.,
aumento na EMG integrada [iEMG] ou medida si-
milar) do músculo quadríceps, que se caracteriza por
ser o grupo muscular mais freqüentemente estuda-
do. Os tipos de treinamento incluem exercício iso-
métrico (Komi et al., 1978; Carolan e Cafarelli, 1992;
Garfinkel e Cafarelli, 1992; Bandy e Hanten, 1993;
Weir et al., 1994; Weir et al., 1995; Rabita et al., 2000),
treinamento com sobrecarga* (Thorstensson et al.,
1976; Häkkinen e Komi, 1983; Häkkinen et al.,
1985ab; Häkkinen et al., 1996; Häkkinen et al.,
1998ab; Häkkinen et al., 2000; Häkkinen et al., 2001;
Figura 15.4 Efeito do treinamento isométrico dos músculos
extensores do joelho na força isométrica máxima e na ativação
de 3 das 4 cabeças do quadríceps femoral. Quatro semanas
de treinamento aumentaram a força, mas o aumento da
*N. de R.T. O autor refere-se a exercícios de força realizados ativação (mensurado por EMG) ocorreu somente em 1 dos 3
em condições dinâmicas, em equipamentos com resistência músculos monitorizados (reto femoral) (baseada em Rabita
dinâmica variável e invariável. et al., 2000).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 301
Cole, 1992). A presença de um mecanismo supra-es- revisão, ver Zhou, 2000) após o treinamento (Mori-
pinal foi posteriormente fundamentada pela imagem tani e deVries, 1979; Yue e Cole, 1992; Hortobágyi et
de ressonância magnética funcional, que demonstrou al., 1997; Hortobágyi et al., 1999) ou o aumento da
ativação do córtex de associação pré-frontal durante atividade EMG pós-treinamento imaginário (Yue e
as contrações musculares imaginárias (Yue et al., 1995). Cole, 1992), não poderiam ser atribuídos às altera-
Muitos estudos têm focalizado a relação entre o ções no músculo. Finalmente, os efeitos específicos
aumento da atividade EMG máxima e o incremento do treinamento, tais como o maior aumento da ativi-
da força máxima. Em dois estudos, o treinamento dade EMG nas ações bilaterais do que nas unilate-
enfatizou o desenvolvimento da força na maior velo- rais após treinamento bilateral (Häkkinen et al., 1996),
cidade possível. A elevação da atividade EMG ocor- apontam para maior ativação das unidades motoras.
reu concomitantemente ao desenvolvimento da for- A potencialização reflexa representa outro método
ça (Häkkinen et al., 1985b; Van Cutsem et al., 1998; de EMG de superfície aplicado nos estudos de trei-
ver também Fig. 15.6). Em um estudo no qual o trei- namento de força. Nele, as respostas EMG reflexas
namento não enfatizou o rápido desenvolvimento da são inferidas durante contrações voluntárias máxi-
força, a taxa de elevação na atividade EMG em uma mas. Existe relação proporcionalmente direta entre
cabeça do quadríceps monitorizada (vasto lateral) não aumento do esforço voluntário — e, portanto, da ati-
foi alterada pelo treinamento, embora a taxa de pro- vação das unidades motoras — e potencialização das
dução de força em condição isométrica tenha aumen- respostas reflexas. Estudos sobre treinamento de força
tado (Narici et al., 1996). demonstram aumento na potencialização reflexa pós-
A conclusão de que o aumento da atividade EMG treinamento (Milner-Brown et al., 1975; Sale et al.,
de superfície representa aumento da ativação das 1983a). Estudos transversais apontam para o fato de
unidades motoras requer a proposição de que o trei- a potencialização reflexa estar aumentada em levan-
namento não produz outras alterações capazes de tadores de peso (Milner-Brown et al., 1975; Sale
modificar a quantidade da atividade registrada das et al., 1983b) e em velocistas (Upton e Radford, 1975).
unidades motoras. As alterações na gordura subcu- O método de potencialização reflexa não pode dis-
tânea, assim como no ângulo peniforme da fibra ou tinguir entre as contribuições relativas do aumento
na amplitude dos potenciais de ação das fibras mus- do recrutamento e do aumento da freqüência de dis-
culares, poderiam aumentar a atividade EMG, inde- paro das unidades motoras relacionadas ao aumento
pendentemente de qualquer alteração na ativação das da ativação das unidades motoras.
unidades motoras. O registro EMG (p. ex., onda-M)
induzido por potencial evocado (estimulação elétri-
EMG intramuscular
ca) em uma sessão de teste máximo, bem como o
registro durante uma contração voluntária, pode- O incremento na atividade EMG de superfície
riam representar algumas das melhores possibilida- induzido pelo treinamento, revisado na seção anterior,
des de controle. Caso a atividade EMG eletricamente poderia resultar de alguma combinação do aumento
estimulada permaneça inalterada, mas verifique-se do recrutamento e da freqüência de disparo das uni-
aumento na atividade EMG voluntária (Van Cutsem dades motoras. Poucos estudos empregam eletrodos
et al., 1998), ou caso a atividade EMG voluntária seja intramusculares para monitorizar o recrutamento e
normalizada pela EMG eletricamente estimulada (Yue a freqüência de disparo das unidades motoras pré e
e Cole, 1992; Keen et al., 1994) e ocorram aumentos pós-treinamento. Esses estudos demonstraram
dos valores normalizados, então pode ser razoavel- aumento da freqüência de disparo das unidades mo-
mente concluído que houve aumento na ativação das toras durante contrações máximas após o treinamento
unidades motoras. Além disso, o aumento da ativida- (Kamen et al., 1998; Van Cutsem et al., 1998; Patten
de EMG de superfície dos membros contralaterais et al., 2001). O treinamento isométrico do abdutor
não-treinados (efeito “treinamento-cruzado”;* para do dedo mínimo da mão resultou em um aumento
na freqüência máxima de disparo das unidades mo-
toras durante contrações máximas após somente dois
dias de treinamento; curiosamente, as freqüências de
*N. de R.T. Relativo ao “cross-training” effect. disparo retornaram aos valores pré-treinamento
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 303
Figura 15.6 Esquerdo, efeito do treinamento explosivo relacionado ao salto na força isométrica e na ativação das unidades
motoras (EMG de superfície quantificada como EMG integrada [IEMG]). O painel superior demonstra que a taxa de produção de
força (TPF máxima) aumentou mais (24%) do que o pico de força (PF, 11%). De modo similar, o painel inferior demonstra que a
taxa máxima de início da atividade EMG aumentou mais (38%) do que o pico EMG (8%). O maior aumento relacionado à taxa de
produção de força pode refletir adaptações neurais específicas ao treinamento explosivo. Direito, pela comparação com o
treinamento de força de alta intensidade, produziu resultados com padrão oposto (baseada em Häkkinen et al., 1985a,b e
reproduzida com permissão de Sale, 1988).
quando o treinamento progrediu (Patten et al., 2001). treinamento “balístico” dos dorsiflexores do torno-
O treinamento isométrico e dinâmico dos músculos zelo, o qual aumentou a força isométrica de pico e a
extensores do joelho elevou a freqüência máxima de atividade EMG de superfície, foi também associado
disparo das unidades motoras do vasto lateral em com aumento da taxa de produção de força e da fre-
ações isométricas máximas (Kamen et al., 1998). O qüência de disparo das unidades motoras (no tibial
304 PAAVO V. KOMI
anterior) no início das ações isométricas, em que o cando o envolvimento tanto de unidades motoras de
objetivo foi induzir a maior taxa de produção de for- baixo como de alto limiar na adaptação ao treina-
ça possível (Fig. 15.7; Van Cutsem et al., 1998). O mento.
treinamento também reduziu a taxa de declínio na Embora não se caracterize estritamente como um
freqüência de disparo durante as contrações balísti- estudo de treinamento, em um estudo relacionado à
cas (contrações isométricas com rápida taxa de pro- fadiga (Grymby et al., 1981), alguns sujeitos foram
dução de força). O treinamento aumentou a porcen- incapazes de disparar unidades motoras de alto limiar
tagem das unidades motoras que exibiam “doublets” nos músculos extensores curtos dos dedos do pé em
nessas ações isométricas (Van Cutsem et al., 1998). freqüências necessárias para a máxima produção de
(Doublets são intervalos de interpicos [potencial de força. Após repetidos experimentos, esses sujeitos
interação] muito curtos [2 a 5 ms] que correspon- foram capazes de alcançar maiores freqüências de
dem a freqüências de disparo instantâneas muito al- disparo; nesse ponto, a força voluntária ajustou-se à
tas [200 a 500 Hz].) A magnitude das alterações no força produzida por estimulação tetânica (alta fre-
comportamento de descarga não foi associada ao li- qüência). Os experimentos repetidos, que consisti-
miar de recrutamento das unidades motoras, indi- ram de contrações máximas sustentadas, poderiam
Figura 15.7 Efeito do treinamento “balístico” na taxa de produção de força e na freqüência de disparo das unidades motoras. Os
músculos dorsiflexores do tornozelo foram treinados com ações balísticas de esforço máximo (em velocidade) com sobrecarga
correspondendo a 30 e 40% do teste de uma repetição máxima (1-RM). As ações do teste foram isométricas com o objetivo de
desenvolver força o mais rapidamente possível. A parte superior direita demonstra esquematicamente o aumento de cerca de 80%
na taxa de produção de força (TPF) que ocorreu com o treinamento. Os picos de força foram estabelecidos no mesmo nível. O
restante da figura demonstra o aumento na freqüência de disparo das unidades motoras induzido pelo treinamento. A partir de uma
amostra de unidades motoras monitoradas antes e após o treino, são ilustradas as taxas de disparo médias (mensuradas como
descargas por segundo, isto é hertz, Hz) nas primeiras quatro descargas no início da contração balística (isométrica) são ilustradas.
Então, houve decréscimo da freqüência de disparo (em média) de 98 para 58 Hz antes do treinamento, mas de 182 para 130 após
o treinamento nos primeiros três intervalos interdescarga. O aumento da freqüência de disparo após o treinamento deveria ter
contribuído para o aumento na taxa de produção de força (ver gráfico inferior da Fig. 15.3). Ver texto para discussão adicional
(baseada em Van Cutsem et al., 1998).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 305
ser considerados uma forma de treinamento. Esse com corredores de longa distância. Os velocistas tam-
treinamento também aumentou o tempo (de poucos bém exibiram maior incidência de recrutamento re-
a cerca de 20 s) em que as unidades motoras de limiar verso nessas ações rápidas; ou seja, as unidades mo-
mais elevado mantinham-se ativas (recrutadas) em toras com menores limiares em ações lentas têm
contrações máximas sustentadas. A “saída” (interrup- maiores limiares em ações rápidas (Saplinskas et al.,
ção no disparo) das unidades motoras durante con- 1980).
trações máximas sustentadas tem sido confirmada Os papéis relativos do aumento do recrutamen-
(Peters e Fuglevand, 1999). O atraso na saída das to e da freqüência de disparo das unidades motoras
unidades motoras contribuiria para o aumento da como adaptação ao treinamento dependem de seus
“resistência de força” após o treinamento. papéis relativos na gradação da força de contração
Além desses estudos longitudinais, um estudo (Fig. 15.8). Nos pequenos músculos das mãos, muito
transversal determinou que levantadores de peso, poucas unidades motoras são recrutadas além de
quando comparados a sujeitos não-treinados, apre- aproximadamente 50% da força máxima (Milner-
sentavam maior freqüência de disparo das unidades Brown et al., 1973; Kurulka e Clamann, 1981; De-
motoras em ações isométricas máximas do quadrí- Luca et al., 1982). As pessoas não-treinadas deveriam
ceps (Leong et al.,1999). Uma comparação entre su- ser capazes de recrutar todas as unidades motoras
jeitos não-treinados, velocistas e corredores de longa em um esforço voluntário máximo, mas elas podem
distância indicou que os velocistas apresentavam não ser capazes de produzir freqüência máxima de
maior freqüência de disparo das unidades motoras disparo dessas unidades; por isso, a elevação da fre-
no tibial anterior (um dorsiflexor do tornozelo) no qüência de disparo das unidades motoras seria uma
início das ações isométricas rapidamente desenvol- possível adaptação ao treinamento. Em músculos
vidas (Saplinskas et al., 1980). Na Figura 15.3 (parte grandes, como o tibial anterior (Hannerz, 1974; Van
intermediária e inferior), observa-se que o incremen- Cutsem et al., 1998), o bíceps (Kukulka e Clamann,
to na freqüência de disparo das unidades motoras 1981) e o deltóide (DeLuca et al., 1982), as unidades
aumenta a força máxima e a taxa de produção de motoras são recrutadas até cerca de 80 a 90% da for-
força. ça máxima, embora a maioria das unidades motoras
A EMG intramuscular registra somente uma seja recrutada em 50% da força máxima (Fig. 15.8).
amostra de unidades motoras dentro do músculo; Isso também pode ser verdadeiro para outros gran-
portanto, é difícil estimar se o treinamento incrementa des músculos associados ao treinamento de força (p.
o recrutamento das unidades motoras. No entanto, ex., grande dorsal, peitoral maior, glúteo máximo).
Patten e colaboradores (2001) encontraram tendên- Em tais músculos, as pessoas não-treinadas podem
cia de aumento no número de unidades motoras ati- ter dificuldade em recrutar unidades motoras de alto
vas no adutor do dedo mínimo da mão durante ações limiar e em produzir freqüência máxima de disparo
isométricas máximas após treinamento isométrico. O dessas unidades. Isso pode ser especialmente verda-
treinamento balístico causa um deslocamento para a deiro quando o treinamento requer coordenação.
esquerda no limiar de recrutamento das unidades Deve-se notar que, para determinado músculo, a
motoras em contrações lentas desenvolvidas em amplitude de contração, na qual ocorre recrutamen-
“rampa”; ou seja, o limiar médio expresso como uma to das unidades motoras, pode ser influenciada pela
porcentagem da força máxima (CVM) diminuída (Van tarefa realizada e pela taxa em que a força é produzi-
Cutsem et al., 1998). Não houve alteração na ordem da (Bernardi et al., 1995; Bernardi et al., 1996; Ber-
de recrutamento das unidades motoras nas contra- nardi et al., 1997).
ções em rampa após o treinamento; então, o princí-
pio do tamanho foi preservado. Os limiares durante
Sincronização das unidades motoras
as contrações balísticas não foram mensurados (Van
Cutsem et al., 1998). Um estudo transversal indicou A sincronização das unidades motoras represen-
que velocistas recrutaram unidades motoras do tibi- ta um aspecto especial da alteração da ativação ago-
al anterior em limiares menores de força em ações nista. Registros longitudinais (Milner-Brown et al.,
isométricas, com rápida taxa de produção de força 1975) e transversais (Milner-Brown et al., 1975;
quando comparados com sujeitos não-treinados e Semmler e Nordstrom, 1998; Felici et al., 2001) com
306 PAAVO V. KOMI
tração interpolada, foi 81 e 85% pré e pós-treina- cotovelo. A ativação baseada no método de contra-
mento, respectivamente (alteração não-significativa). ção interpolada estava próxima ao máximo antes do
No entanto, a ativação foi mensurada em um teste de treinamento (96%) e permaneceu inalterada em oito
força (extensão isométrica do joelho no ângulo arti- semanas de treinamento isométrico. Somente o trei-
cular de 90°) que também não demonstrou aumento namento real induziu aumento significativo na força
significativo na força. Talvez um aumento significati- (Herbert et al., 1998). (Esse estudo contraria o que
vo na ativação pudesse ter sido encontrado caso a foi revisado anteriormente [Yue e Cole, 1992]). No
ativação tivesse sido mensurada em um dos testes caso, o treinamento imaginário de um pequeno mús-
que demonstrou aumento significativo na força (Fig. culo da mão aumentou a força e a atividade EMG em
15.11). De modo similar, o treinamento com sobre- níveis similares aos alcançados com o treinamento
carga dos flexores do cotovelo (Brown et al., 1990) e real.) Vinte dias de repouso na cama diminuíram a
dos extensores do joelho (Sale et al., 1992) aumen- ativação dos extensores do joelho de 86 para 80%,
tou a sobrecarga levantada, mas não a força isomé- enquanto o treinamento específico de extensão iso-
trica. Correspondentemente, não houve alteração na métrica do joelho durante o repouso na cama preve-
ativação das unidades motoras quando mensurada niu a perda da ativação (Kawakami et al., 2001). Um
com técnica de contração interpolada no teste iso- estudo transversal indicou que jogadores de vôlei ti-
métrico. Um estudo comparou os efeitos dos treina- veram menor inibição (maior ativação quando men-
mentos real e imaginário nos músculos flexores do surado por contração interpolada) quando submeti-
dos a um treinamento vigoroso de extensão do joelho
(reabilitação) após lesão (Huber et al., 1998). A redu-
ção na inibição foi maior no ângulo articular em que
maior torque poderia ser gerado. O ângulo articular
foi o mesmo no qual a inibição foi maior em atletas
não-lesionados. Um estudo determinou que a esti-
mulação tetânica superimposta aumentou o torque
concêntrico dos extensores do joelho em sujeitos se-
dentários, mas não em atletas saltadores, sugerindo
que o treinamento incrementou a ativação alcança-
da nessas ações (Amiridis et al., 1996).
Portanto, alguns estudos demonstram aumento
induzido pelo treinamento na ativação por meio do
uso das técnicas de estimulação. A ausência de resul-
tados consistentes pode ser atribuída aos mesmos
fatores provavelmente responsáveis pelos diferentes
resultados dos estudos EMG (especificidade, grupo
muscular, natureza do programa de treinamento, etc.).
Figura 15.11 Especificidade na resposta ao treinamento de
força. Os músculos extensores do joelho foram treinados com
exercícios de força. A força específica, determinada pelo 1-RM, Decréscimo da ativação dos
aumentou significativamente. No entanto, a força isométrica agonistas?
(ISO) mensurada no ângulo articular de 60° aumentou em
muito menor grau, e a força isométrica em 90° não aumentou
Com a atenção focada no aumento da ativação
significativamente. Nesse ângulo, a ativação das unidades
motoras (AUM) também foi mensurada com método de agonista como uma adaptação neural ao treinamen-
contração interpolada e não foi encontrado aumento. Talvez to, pode-se observar decréscimo da ativação dos ago-
pudesse ter sido observado um aumento na AUM caso o nistas após treinamento de força. Essa observação é
método tivesse sido aplicado em um teste isométrico a 60° ou feita quando os indivíduos treinam em uma mesma
em um teste de levantamento de peso. Houve aumento
intensidade absoluta (p. ex., 10 repetições com 50 kg),
significativo na área de secção transversa muscular (ASTm),
mas a quantidade de aumento foi incapaz de contemplar todo o antes e após o treinamento. Determinada sobrecarga
aumento na força específica e em uma força não-específica absoluta pode representar uma intensidade relativa
(baseada em Harridge et al., 1999). máxima (p. ex., 100% de 10-RM) antes do treina-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 311
mento, mas uma intensidade submáxima (p. ex., 75% EMG realizado por Moritani e deVries, 1979, foi en-
de 10-RM) após o treinamento. Uma linha de evi- contrada menor curva EMG-força somente no mem-
dência relacionada ao decréscimo da ativação ago- bro treinado).
nista é a diminuição da atividade EMG observada Outra interpretação para o decréscimo na ativa-
quando se exercita na mesma sobrecarga ou força ção absoluta do agonista em determinada intensida-
absoluta após o treinamento, induzindo decréscimo de absoluta é a de que uma adaptação neural, na qual
na relação EMG-força (Komi et al., 1978; Moritani e os sinergistas ficam relativamente mais ativos após o
deVries, 1979; Häkkinen et al., 1985a; Garfinkel e treinamento, permite ao agonista primário se tornar
Cafarelli, 1992). Uma segunda linha de evidência sur- menos ativo. No entanto, os estudos que mensura-
ge dos estudos de RM, que demonstram uma redu- ram a ativação de todo o quadríceps (Ploutz et al.,
zida ativação da área de secção transversa muscular 1994) e o complexo extensor do pescoço (Conley et
(ASTm) após o treinamento (Ploutz et al., 1994; al., 1997a) encontraram menor ativação ou nenhu-
Conley et al., 1997a). ma alteração na ativação em todos os músculos que
Segundo a interpretação tradicional dos estudos poderiam ter contribuído para a ação.
EMG, a hipertrofia das fibras musculares resulta em Outra adaptação neural considerada é a menor
menor número de fibras (unidades motoras) do que co-ativação antagonista após o treinamento, que de-
as necessárias para produzir determinada força. Por veria também reduzir o nível de ativação agonista para
isso, ocorre uma ativação reduzida das unidades mo- determinada força absoluta (Carolan e Cafarelli,
toras (EMG). Um pressuposto básico é que a mesma 1992). Os estudos de RM dos extensores do joelho e
massa muscular ou área de secção transversa (AST) do pescoço não relataram especificamente alterações
absoluta está ativa após o treinamento, enquanto a AST na ativação dos antagonistas; no entanto, a alteração
relativa está reduzida. No entanto, uma importante da atividade dos antagonistas poderia dar somente
observação dos estudos de RM é de que tanto a AST uma pequena, caso houvesse alguma, contribuição
relativa como a absoluta necessárias para determinada para a menor ativação agonista por unidade de força
força absoluta diminuem com o treinamento. Isso muscular (Ploutz et al., 1994; Conley et al., 1997a).
implica que a força gerada por unidade de AST é
maior para um menor número de fibras musculares
ativas. Uma explicação para tal observaçãop poderia Ativação dos sinergistas
ser a de que a tensão específica (força por unidade de
AST) das fibras musculares treinadas aumentou, per- Os músculos que contribuem para um movimen-
mitindo que poucas sejam ativadas; no entanto, exis- to são sinergistas (Jamison e Caldwell, 1993). Essa
te pouca evidência de que o treinamento específico definição abrangente implica que os agonistas “fixa-
aumenta a tensão específica (mensurada com con- dores” e mesmo os antagonistas (Basmajian et al.,
trações eletricamente estimuladas). Outra possível ex- 1974) sejam qualificados como sinergistas. Logo, to-
plicação é a de que, com o treinamento, o sistema dos os músculos engajados no desempenho de de-
nervoso induz pequeno número de fibras a produzir terminada tarefa de força agem como sinergistas. A
maior força por operá-las na relação força-velocida- seção anterior considerou o incremento da ativação
de; ou seja, os motoneurônios inervando as fibras agonista, enquanto a subseqüente considera a co-ati-
musculares deveriam ser requisitados para descargas vação antagonista. Portanto, esta seção se focalizará
em altas freqüências. Ainda outra possível explicação em uma definição mais estreita de sinergistas — gru-
é a alteração da sincronização das unidades motoras po separado de músculos agonistas, compartimento
ativas (para discussão, ver Ploutz et al., 1994). A evi- dentro de um músculo ou subpopulações de unida-
dência de que um mecanismo neural está envolvido des motoras em um músculo que agem conjunta-
surge da observação de menor ativação muscular mente para realizar determinada função. Por exem-
absoluta nos membros contralaterais treinados e nos plo, o bíceps, os braquiais e os braquiorradiais são
não-treinados (Ploutz et al., 1994). As adaptações agonistas para a flexão do cotovelo. Cada um é con-
musculares não poderiam representar a menor ati- siderado como sinergista para os outros dois; no en-
vação por unidade de força no membro não-treina- tanto, sua ativação relativa pode variar dependendo
do (no entanto, deve-se lembrar, que, no estudo de da ação realizada. As cabeças longa e curta do bíceps
312 PAAVO V. KOMI
exercício de extensão do joelho, a ativação relativa do A ativação relativa dos componentes do tríceps
vasto lateral, do vasto medial e do reto femoral é simi- sural (sóleo e gastrocnêmios medial e lateral) é afeta-
lar na fase concêntrica de cada repetição, mas na fase da pelo padrão de movimento, pelo tipo de ação
excêntrica o reto femoral demonstra a maior ativação muscular e pela velocidade. Nas ações concêntricas
(Narici et al., 1996). No mesmo exercício, o reto femo- de flexão plantar em baixas velocidades (esforços sub-
ral é mais ativo com a tíbia lateralmente rotada do que máximos), o sóleo é relativamente mais ativo do que
na posição neutra ou rotada internamente (Signorile o gastrocnêmio na posição flexionada do joelho em
et al., 1995). O racio da ativação vasto medial-vasto relação à posição estendida. Em velocidades maiores
lateral é maior quando a extensão do joelho é combi- (esforços máximos), o racio da ativação sóleo-gas-
nada com rotação medial da tíbia do que quando com- trocnêmio não é afetado pela posição da articulação
binada com adução do quadril (Laprade et al., 1998). do joelho. Na posição flexionada, o gastrocnêmio é
314 PAAVO V. KOMI
relativamente mais ativo quando comparado ao só- nêmio é relativamente mais ativo em ações excêntri-
leo em maiores velocidades, enquanto o oposto é ver- cas (Nardone e Schieppati, 1988; ver Fig. 15.13). No
dadeiro com o joelho estendido. Uma observação gastrocnêmio, as unidades motoras de contração lenta
geral é o início precoce da atividade do gastrocnêmio são preferencialmente ativadas na fase concêntrica,
quando comparado ao sóleo em ações rápidas enquanto as unidades de contração rápida são mais
(Carpentier et al., 1996). O sóleo é relativamente mais ativas na fase excêntrica (Nardone et al., 1989; ver
ativo do que o gastrocnêmio em ações concêntricas também Fig. 15.14). No ciclismo estacionário, o gas-
submáximas contra-resistência, enquanto o gastroc- trocnêmio é preferencialmente ativado sobre o sóleo
Figura 15.13 Efeito do tipo de ação na ativação muscular. Os registros são feitos nos músculos sóleo (SOL) e gastrocnêmio lateral
(GL) quando estes estão agindo como agonistas na ação de encurtamento para elevar um peso, em uma contração isométrica para
manter o peso ainda brevemente e em uma ação de alongamento (excêntrica) para baixar o peso novamente. Esse padrão de
movimento é típico em programas de treinamento de força. Observe que o sóleo foi preferencialmente ativado nas fases concêntrica
e isométrica, enquanto o gastrocnêmio lateral foi preferencialmente ativado na fase excêntrica. A ativação seletiva do GL foi mais
pronunciada quando a ação excêntrica foi realizada de modo relativamente rápido (baseada em Nardone e Schieppati, 1988).
Figura 15.14 Efeito do tipo de ação no padrão de recrutamento das unidades motoras. Os registros são feitos de unidades motoras
de fibras de contração lenta de baixo limiar (ST) e de contração rápida de alto limiar (FT) do músculo gastrocnêmio quando está
agindo como agonista na ação de encurtamento (concêntrica) para elevar um peso, em uma contração isométrica para manter o
peso ainda brevemente e em uma ação de alongamento (excêntrica) para baixar o peso novamente. Esse padrão de movimento é
típico em programas de treinamento de força. Observe que as unidades motoras de baixo limiar são preferencialmente ativadas nas
fases concêntrica e isométrica, enquanto as unidades motoras de alto limiar são preferencialmente ativadas na fase excêntrica. A
ativação seletiva das unidades de alto limiar foi mais pronunciada quando a ação excêntrica foi realizada de modo relativamente
rápido (baseada em Nardone et al., 1989).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 315
em maiores velocidades (Duchateau et al., 1986; ver orientação do tronco se altera da posição declinada
Fig. 15.15). O mesmo ocorre no salto (Moritani et (cabeça para baixo) para a inclinada (cabeça para cima)
al., 1990). (Barnett et al., 1995). A ativação dos músculos nos
Em geral, os exercícios de “pressão” são aplica- exercícios de pressão é também influenciada pela dis-
dos em programas de treinamento de força. A ativa- tância das mãos na barra; por exemplo, a ativação da
ção relativa de vários músculos é influenciada pela cabeça esternocostal do peitoral maior, mas não a
orien-tação do tronco durante a realização desses clavicular, foi afetada pela distância das mãos em al-
exercícios (Barnett et al., 1995; ver Fig. 15.16). Por guns exercícios (100% versus 200% do diâmetro bia-
exemplo, a cabeça esternocostal do peitoral maior é cromial; Barnett et al., 1995).
altamente ativada quando o tronco está na posição
horizontal (supino reto), mas muito pouco quando o
Estudos com treinamento
tronco está na posição vertical (exercício desenvolvi-
mento ou “military press”). A cabeça anterior do del- Ao contrário de muitos estudos relacionados à
tóide se torna progressivamente mais ativa quando a EMG, que indicam variação da ativação sinergista
Figura 15.15 Efeito da velocidade de ativação muscular. A Figura 15.16 Ativação de alguns músculos agindo na
EMG foi registrada em dois músculos da perna enquanto articulação do ombro em quatro versões do exercício de
pedalava com sobrecarga constante, mas em diferentes “pressão”: supino declinado (cabeça para baixo), supino reto ou
velocidades. O gastrocnêmio medial aumentou sua atividade de plano, supino inclinado (cabeça para cima) e supino vertical. A
acordo com o aumento da velocidade. Ao contrário, o sóleo EMG de superfície das cabeças esternal e clavicular do peitoral
tornou-se ligeiramente menos ativo quando a velocidade maior (PM), do deltóide anterior e da cabeça longa do tríceps
aumentou. A partir desses resultados pode-se supor que o (CLT) foi monitorizada. Na demonstração, a EMG de cada
sistema nervoso ativou preferencialmente o gastrocnêmio em músculo foi normalizada de acordo com o valor obtido no
altas velocidades devido a esse músculo apresentar maior exercício em que foi mais ativo. Pode ser observado que esses
porcentagem de fibras de contração rápida do que o sóleo. Essa músculos são muito mais ativos em alguns exercícios do que
ativação seletiva dos músculos em determinadas velocidades de em outros (ver texto para detalhes). O treinamento com
movimento pode explicar parcialmente a especificidade de determinado exercício provavelmente evoca adaptações neurais
velocidade no treinamento (baseada em Duchateau et al., e musculares específicas relacionadas ao padrão de uso
1986). muscular (baseada em Barnett et al., 1995).
316 PAAVO V. KOMI
tarefa-dependente, poucos trabalhos monitorizam terações nos padrões de ativação como efeito induzi-
possíveis alterações na ativação relativa dos sinergis- do pelo treinamento.
tas após o treinamento.
As observações mais relevantes são as previamen-
Evidência de coordenação sinergista ta-
te discutidas referentes ao aumento na atividade EMG
refa-dependente
observado pós-treinamento (Fig. 15.4). Esses estu-
dos demonstram que o aumento na atividade EMG No exercício comum de flexão do cotovelo com
pode ser restrito a uma cabeça do quadríceps após halteres e antebraço supinado em determinada in-
treinamento de extensão de joelho. Não se sabe ao tensidade, poucas repetições foram necessárias para
certo se essas descobertas indicam que o aumento demonstrar ativação na cabeça curta do bíceps quan-
na EMG foi restrito a um determinado sinergista de- do comparada à longa. Isso indica que a cabeça curta
vido ao fato de este ter sido mais extensivamente ati- é mais ativa no exercício (Yue et al., 1994). Esses re-
vado no treinamento ou se ele não era adequadade- sultados estão de acordo com as descobertas que, com
mente ativado antes do treinamento e, portanto, o uso da EMG, demonstraram uma ativação relati-
apresentava maior capacidade de adaptação* (maior vamente maior da cabeça curta em várias tarefas de
ativação). Por exemplo, na flexão do cotovelo em con- flexão (Jamison e Caldwell, 1993). As ações concên-
dições isométrica e máxima, a ativação do braquiorra- tricas isocinéticas de extensão do joelho envolveram
dial é menor do que a do bíceps braquial (Allen et al., ativação das quatro cabeças do quadríceps, com o reto
1998); portanto, maior aumento na ativação (EMG) femoral parecendo mais ativo (Akima et al., 1999).
induzido pelo treinamento pode ser esperado nos bra- Seis músculos ou pares de músculos podem agir na
quiorradiais. extensão do pescoço; porém, somente três músculos
Um estudo transversal demonstrou que sujeitos são intensamente ativados até mesmo nos exercícios
treinados (que executam corretamente os exercícios) de força de alta intensidade (Conley et al., 1995). O
ativam os músculos abdominais diferentemente dos método de RM tem sido utilizado para mensurar a
sujeitos não-treinados. Nos treinados, o exercício ativação relativa dos músculos dos membros inferio-
abdominal com flexão total** produziu maior ativi- res e superiores nos programas de treinamento de
dade na porção superior do reto abdominal, enquan- força (Tesch et al., 1999). Uma limitação do méto-
to no exercício abdominal com inclinação da pel- do é que não pode ser facilmente aplicado aos mús-
ve,*** a porção inferior foi relativamente mais ativa. culos do tronco (peitoral maior, latíssimo do dorso).
As porções superior e inferior foram menos distin-
tamente ativadas nos sujeitos não-treinados (Sarti
Estudos com treinamento
et al., 1996).
O treinamento pode acentuar, atenuar ou rever-
Ressonância magnética ter o padrão de ativação sinergista em relação à ati-
vação dos músculos extensores do pescoço citada
Conforme discutido anteriormente, a ressonân- anteriormente. Um estudo indicou que os músculos
cia magnética pode indicar a atividade, assim como a mais ativos na extensão do pescoço antes do treina-
magnitude da atividade dos músculos em determi- mento demonstraram maior ativação relativa (com-
nado exercício. Então, esse método pode mensurar a parados aos músculos menos ativos) após o treina-
ativação aguda dos sinergistas, além das possíveis al- mento com a mesma sobrecarga absoluta (intensidade
máxima antes do treinamento, mas submáxima após)
(Conley et al., 1997a; ver Fig. 15.17). Além disso, os
músculos que demonstraram maior ativação relativa
no exercício submáximo sofreram maior aumento
*N. de R.T. O autor refere-se ao que, no treino esportivo, de- na ativação no exercício máximo pós-treinamento
nomina-se “janela de adaptação”.
**N. de R.T. Exercício abdominal em que se realiza inicial-
(Fig. 15.9). O aumento na ativação foi significativa-
mente a flexão da coluna, a qual é seguida pela flexão dos mente marcado nos músculos vasto lateral e inter-
quadris. Em inglês, também denominado “curl-up”. médio em resposta ao treinamento isocinético con-
***N. de R.T. Relativo ao exercício de retroversão da pelve.
cêntrico dos extensores do joelho. Foi também
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 317
Hipertrofia preferencial regional intramus- trofia por “atingir” os músculos geralmente mais ati-
cular vos, simplesmente por ativá-los com mais regulari-
dade. O mesmo argumento poderia ser aplicado a de-
Alguns programas de treinamento podem pro- terminada região de um músculo que pela primeira
vocar hipertrofia não-uniforme ao longo do compri- vez torna-se regularmente ativo como resultado do
mento dos músculos. Um grupo de pesquisa obser- treinamento. Nenhuma adaptação neural profunda
vou que a hipertrofia relativa (porcentagem de está em ação. O sistema nervoso tem sido estimula-
aumento na ASTm) no quadríceps geralmente maior do para realizar tarefas neuromusculares incomuns.
na região proximal do que na distal após treinamen-
to isocinético (Narici et al., 1989), porém mais uni-
forme em todo o comprimento muscular (fêmur) após Co-ativação de antagonistas
treinamento de força convencional (Narici et al.,
1996). No entanto, outros grupos encontraram ten-
Prevalência e funções
dência de maior hipertrofia distal com o treinamento
isocinético (Housh et al., 1992) e maior hipertrofia A contração dos agonistas (motores primários de
proximal com o treinamento de força convencional determinada tarefa) pode ser associada às contrações
(Smith e Rutherford, 1995). simultâneas de seus antagonistas (músculos que pro-
A hipertrofia proximal quando comparada à dis- duzem força e movimento em direção oposta), refe-
tal pode ser específica à cabeça do músculo quadrí- ridas como contração antagonista ou co-ativação.
ceps. Por exemplo, o treinamento de força produziu Geralmente, os músculos agonistas e antagonistas são
hipertrofia proximal preferencial do vasto medial, mas diferentes (p. ex., flexores e extensores do cotovelo),
hipertrofia distal no reto femoral e no vasto lateral mas podem envolver diferentes porções do mesmo
(Narici et al., 1996). Os resultados com treinamento músculo (p. ex., porções anterior e posterior do del-
isocinético não têm sido consistentes (Narici et al., tóide). Vários fatores afetam a presença e a magnitu-
1989; Housh et al., 1992). de da co-ativação antagonista; além de seus efeitos
A hipertrofia regional nos músculos dos mem- opostos (aos agonistas), tais como grupo muscular
bros superiores desperta pouca atenção. Um estudo (área de secção transversa fisiológica, assim como
indicou que o treinamento com extensão de cotove- braço-momento), velocidade e tipo de ação muscu-
lo causou aumento relativo (porcentagem) uniforme lar, intensidade de esforço, posição articular e nível
na ASTm em todo o comprimento da cabeça longa de lesão (Osternig et al., 1986; Osternig et al.,1995;
do tríceps, exceto para as extremidades proximais e Carpentier et al., 1996; Kellis e Baltzopoulos, 1997;
distais no tendão (Kawakami et al., 1995). Kellis e Baltzopoulos, 1998; Kellis, 1998). A estraté-
gia de recrutamento das unidades motoras pode va-
Adaptações neurais comparadas às riar dependendo de a ação ser agonista ou antago-
musculares? nista (Bernardi et al., 1997; Carpentier et al., 1999).
A co-ativação dos antagonistas poderia parecer
A hipertrofia preferencial dos sinergistas em um contraprodutiva, particularmente em uma tarefa de
grupo ou sub-regiões dentro do músculo encoraja a força, pois o torque oposto desenvolvido pelos anta-
interpretação de que as adaptações neurais, na forma gonistas diminui o torque na direção do movimento.
de ativação preferencial dos sinergistas ou sub-regiões Por exemplo, nas extensões do joelho concêntricas
musculares no treinamento, são responsáveis por essa máximas, os flexores do joelho — antagonistas — irão
hipertrofia. Em algumas situações, há evidências em gerar torque (oposto) variando de 10 a 75% do tor-
sinais EMGs (Narici et al., 1996) ou de RM que cor- que extensor total, dependendo do ponto na ampli-
roboram essa interpretação. No entanto, outras in- tude de movimento (Baratta et al., 1988; Kellis e Balt-
terpretações são possíveis. Por exemplo, alguns mús- zopoulos, 1997; Aagaard et al., 2000). Essas
culos dentro de um grupo de sinergistas podem ser estimativas de torque oposto ocorrerão no nível de
menos ativos em um estilo de vida sedentário. Um ativação dos flexores do joelho associadas com o tipo
programa de treinamento poderia estimular a hiper- de ação muscular (excêntrica para os flexores do joe-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 319
Figura 15.19 Representação esquemática da EMG dos flexores do joelho durante extensão e flexão de joelhos rápidas e alternadas
(ações concêntricas) em dinamômetro isocinético. Na fase de extensão, quando os flexores estavam agindo como antagonistas, a
atividade do flexor foi maior em velocistas do que em corredores. A diferença na atividade dos flexores pode refletir adaptação neural
específica ao treinamento (baseada em Osternig et al., 1986 e reproduzida com permissão de Sale, 1988).
nho muscular (Häkkinen et al., 1991; Gibala et al., não o aumento da força, é retardada em grupos mus-
1994; Trappe et al., 2000). culares que participam de exercícios multiarticulares
O período e a magnitude de tempo das contri- mais complexos, como o supino reto e o leg press,
buições neurais e musculares podem ser afetados quando comparados a exercícios uniarticulares mais
pelos estímulos neuromusculares impostos pelo trei- simples, como a flexão do cotovelo (Chilibeck et al.,
namento. Tem sido observado que a hipertrofia, mas 1998). A hipertrofia também é retardada quando o
estudo empregou esse método para mensurar possí- bilidade é a do aumento induzido pelo treinamento
vel hipertrofia após somente duas semanas (nove ses- na força gerada por cada cabeça de miosina na sua
sões de treinamento) de extensão do joelho concên- interação com a actina; todavia, tal adaptação não tem
trica isocinética. O pico de torque voluntário na sido demonstrada.
velocidade de treinamento e a ativação muscular, Em resumo, é ainda razoável concluir que as
mensurados pela alteração no contraste das imagens adaptações neurais possuem papel importante no
de ressonância magnética (RM) induzida pelo exer- aumento da força nas primeiras semanas de treino
cício, aumentou significativamente. O pequeno au- em muitos programas de treinamento de força. A
mento (cerca de 3%) na área de secção transversa magnitude e a extensão em que as alterações neurais
total do quadríceps não foi significativo. No entanto, são os contribuidores exclusivos para o aumento da
um estudo anterior que empregou o mesmo tipo de força são questões que aguardam medidas mais pre-
treinamento demonstrou hipertrofia preferencial de cisas referentes às mudanças no tamanho da fibra
2 das 4 cabeças do quadríceps (Narici et al., 1989). muscular (área de secção transversa e/ou comprimen-
Portanto, é possível que 1 ou 2 cabeças sofram hiper- to) e na força. Algumas adaptações musculares (hi-
trofia maior que aproximadamente 3%. pertrofia) são claramente evidentes e têm papel do-
Uma consideração final é a proposição, apresen- minante após aproximadamente um mês ou mais de
tada na Figura 15.20, de que a hipertrofia (aumento treinamento. Poderia ser reconhecido, no entanto, que
da fibra muscular ou área de secção transversa mus- se o treinamento é alterado, mesmo envolvendo os
cular total) representa a única adaptação muscular mesmos músculos, as adaptações neurais surgiriam
capaz de contribuir para o aumento da força. Poderia novamente em resposta ao novo estímulo neuromus-
ocorrer aumento da força sem hipertrofia caso o trei- cular.
namento pudesse aumentar a força ou a tensão es-
pecífica (força por unidade de área de secção trans-
versa) das fibras musculares em curto período de Considerações futuras
tempo. Um esquema proposto é o aumento no nú-
mero e no tamanho das miofibrilas em uma fibra mus- A aceitação, assim como a evidência das adapta-
cular sem aumento na área da fibra (Phillips, 2000). ções neurais ao treinamento de força avança em es-
No entanto, as miofibrilas representam 80 a 85% do tágios. Primeiro, as adaptações neurais foram sim-
volume das fibras, e isso pode ser um fator limitante plesmente inferidas devido à ausência de adaptações
para a expansão miofibrilar à custa de outros com- musculares que explicassem o aumento da força.
ponentes celulares, tais como o retículo sarcoplas- Segundo, o acúmulo de inúmeros estudos eletromio-
mático. A longo prazo, o treinamento pode diminuir gráficos indicou aumento da ativação muscular. Mui-
a densidade miofibrilar (MacDougall et al., 1982). Ou- tos dos estudos EMG utilizam eletrodos de superfí-
tra possibilidade diz respeito ao fato de o conteúdo cie para o registro do “ruído” total das unidades mo-
da densidade dos miofilamentos ser rapidamente al- toras; em alguns casos, distinguem entre aumento no
terado para aumentar a tensão específica das miofi- recrutamento da unidade motora e na freqüência de
brilas e pela extensão das fibras musculares. Contu- disparo. Ultimamente, os estudos empregando téc-
do, enquanto o desuso é associado com decréscimo nicas de registro intramuscular de uma única unida-
no espaçamento dos filamentos entrelaçados, como de motora começaram a descrever as alterações no
com diminuição na tensão específica (Widrick et al., comportamento da unidade motora em resposta ao
1999), o treinamento a longo prazo não altera a den- treinamento. Esse tipo de pesquisa deve aumentar
sidade do miofilamento (MacDougall et al., 1986; ver no futuro. Além disso, o desenvolvimento da técnica
também Capítulo 13). O treinamento em determina- de imagem de ressonância magnética para monitori-
do comprimento muscular/ângulo articular poderia zar a ativação muscular permite o estudo de múscu-
aumentar (ou diminuir) a força nesta amplitude arti- los inacessíveis pela EMG. Esses estudos, que têm
cular pela alteração do comprimento da fibra mus- produzido novas descobertas, podem estimular a con-
cular (adição ou subtração de sarcômeros) em maior tinuidade da pesquisa com essa técnica.
extensão do que a área da fibra ou a ativação neural O próximo estágio será descobrir os mecanismos
(Koh, 1995; Rassier et al., 1999). Uma última possi- responsáveis pelas alterações observadas na ativação
324 PAAVO V. KOMI
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trica representa um exemplo (Zhou, 2000; cf. Lyle electromyographic activity of the quadriceps femoris
and Rutherford, 1998). Outro desafio de pesquisa muscles following isometric training. Physical Therapy
futura é relacionar as alterações no comportamento 73, 455-467.
da unidade motora aos efeitos mecânicos das suas Baratta, R., Solomonow, M., Zhou, B.H., Letson, D., Chui-
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dessas fibras vizinhas poderia significativa- Barnett, C., Kippers, V. & Turner, P. (1995) Effects of varia-
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Capítulo 16
Mecanismos de adaptação
muscular e da unidade motora ao
treinamento de potência explosiva
JACQUES DUCHATEAU E KARL HAINAUT
Adaptações musculares
Propriedades contráteis
Força muscular. Os registros têm relatado não so-
mente que o treinamento de força de alta intensi-
dade de longo prazo aumenta a força voluntária má-
xima do músculo (Thorstensson et al., 1976;
MacDougall et al., 1980; McDonagh e Davies, 1984),
mas também que mesmo programas de treinamento
moderado induzem aumento significativo na força
durante contração muscular estimulada eletricamente
(Duchateau e Hainaut, 1984). No último trabalho, o
adutor do polegar de seres humanos foi treinado por
contrações voluntárias. A força máxima foi testada
por estimulação elétrica supramáxima (100 Hz) do
nervo motor no punho, de modo que fosse possível
distinguir as adaptações contráteis das neurais. O
estudo indicou que o exercício isométrico e dinâmi-
co voluntário induz diferentes efeitos na força mus-
cular máxima e na velocidade de contração. Em ses-
sões dinâmicas de treinamento, 10 séries de 15
contrações rápidas foram realizadas, com um con-
trapeso que representava cerca de 30 a 40% da força
muscular máxima. Em um segundo grupo, 10 con-
trações isométricas máximas foram desenvolvidas
contra uma correia e mantidas durante 5 s. Após três
meses de treinamento diário, a força muscular máxi-
ma nos sujeitos que realizaram contrações isométri-
cas aumentou em 20%. Já nos sujeitos que treina-
ram usando contrações dinâmicas, a força muscular
máxima aumentou somente 11% (Fig. 16.1a). A di-
ferença não surpreende, pois sabe-se que o ganho
em força é positivamente correlacionado à intensi-
dade da contração. Nesse estudo, a força muscular
esteve próxima à máxima nas contrações isométri-
cas, mas não nas dinâmicas.
Figura 16.1 Efeito de três meses de treinamento dinâmico
Cinética da contração e potência muscular. Em ani- diário nas propriedades contráteis do músculo adutor do polegar
mais, os estudos demonstraram que a cinética con- humano. (a) Tetania isométrica (A) registrada em uma
freqüência de estimulação de 100 Hz antes (seta) e após o
trátil muscular pode especificamente se adaptar às treinamento. Os traços em (B) representam os registros
diferentes freqüências de estimulação elétrica. Foi ob- correspondentes às taxas de produção de tensão e de
servado que um músculo lento cronicamente esti- relaxamento determinada por diferenciação eletrônica dos
mulado em elevada freqüência tornou-se rápido mecanogramas. (b) Contração mecânica obtida em resposta a
(Gorza et al., 1988), enquanto o músculo rápido esti- uma única estimulação elétrica supramáxima (A) e a primeiras
derivações correspondentes (B) antes e após (seta) o
mulado em baixa freqüência tornou-se lento (Pette e treinamento. Observe que o incremento na taxa máxima de
Vrbova, 1992). Esses resultados, registrados em con- produção de tensão é associado com tempo reduzido para o
dições mais do que extremas, são diferentes daqueles pico (dados de Duchateau e Hainaut, 1984).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 333
prevalentes no treinamento esportivo. Eles sugerem, tam a potência muscular em diferentes sobrecar-
contudo, que a cinética da contração muscular adap- gas, mas o aumento no pico de potência é menor
ta-se especificamente à freqüência de ativação, inde- após treinamento dinâmico quando comparado aos
pendentemente das alterações na inervação (Buller e exercícios isométricos (19% versus 51% [Duchateau
Lewis, 1965; Barany e Close, 1971). Nos experimen- e Hainaut, 1984]). No entanto, quando expresso em
tos realizados em condições fisiológicas compará- valores normalizados, apenas o treinamento dinâ-
veis ao treinamento físico de atletas (Duchateau e mico altera o pico de potência em pequenas sobre-
Hainaut, 1984), foi observado que o treinamento di- cargas (Fig. 16.2d). Essa observação ocorre parale-
nâmico aumentou a taxa de elevação da contração lamente ao fato de que a cinética contrátil foi
tetânica em maior magnitude do que o treinamento intrinsecamente modificada pelos exercícios dinâ-
isométrico (31% versus 18%). Tal observação está ilus- micos.
trada na Figura 16.1(a) pelas primeiras derivações das
respostas tetânicas, registradas antes e depois do trei- Acoplamento excitação-contração
namento dinâmico. É interessante que a velocidade (E-C)
máxima do encurtamento muscular, estimulada ele-
tricamente sem sobrecarga adicional, aumentou após O acoplamento E-C inclui a seqüência de even-
o treinamento dinâmico (21%), mas não após exer- tos disparada pelo potencial de ação de membrana e
cício isométrico. controla a interação das proteínas contráteis (San-
A análise da forma da relação força-velocidade, dow, 1995). As evidências documentadas anterior-
ilustrada na Figura 16.2, e a correspondente curva de mente referentes à adaptação específica das proprie-
potência, antes e após o treinamento, é de importân- dades contráteis musculares aos diferentes programas
cia prática em esportes. Na realidade, não apenas a de treinamento levantam a questão de seus efeitos
força muscular máxima poderia ser considerada, mas, no acoplamento E-C. O acoplamento pode ser abor-
antes de tudo, a relação força-velocidade ótima e, en- dado indiretamente em músculos humanos intactos
tão, a potência, referente aos diferentes esportes. A pela análise do curso de tempo de contração mecâ-
relação entre força e velocidade demonstrou que a nica e o correspondente potencial de ação compos-
velocidade do movimento em pequenas sobrecargas to, ou onda-M (Desmedt e Hainaut, 1968). Nos pro-
é essencialmente relacionada à velocidade máxima gramas diários de treinamento de três meses de
da tensão desenvolvida e, no caso das sobrecargas duração considerados, não foi observada nenhuma
elevadas, a velocidade máxima é mais relacionada à alteração significativa na onda-M, mas a atividade
força muscular máxima. As descobertas de que o trei- mecânica muscular correspondente demonstrou ace-
namento dinâmico aumenta a velocidade de encur- leração do curso de tempo. A velocidade máxima de
tamento para pequenas sobrecargas (Fig. 16.2a) e de contração foi aumentada em 20 e 25%, respectiva-
que os exercícios isométricos predominantemente au- mente, após treinamento isométrico e com exercíci-
mentam essa velocidade para altas resistências me- os dinâmicos. A velocidade máxima de relaxamento
cânicas (não-ilustrado, mas ver Duchateau e Hainaut, aumentou em 12 e 16% após treinamento isométri-
1984) representam outras indicações de efeitos es- co e dinâmico, respectivamente. No entanto, somen-
pecíficos de dois diferentes tipos de programas de te os exercícios dinâmicos reduziram o tempo do pico
treinamento. Tal referência é também sustentada pela de contração (11%), reduzindo, então, o tempo for-
comparação das relações força-velocidade, normali- necido para o componente contrátil alongar os ele-
zadas pela força muscular máxima, antes e após trei- mentos musculares elásticos que conseqüentemente
namento dinâmico (Fig. 16.2b). As duas curvas são reduziram a amplitude de contração em 10% (Fig.
significativamente diferentes somente em forças abai- 16.1b). Após treinamento isométrico, essa amplitude
xo de 50% do máximo. Além disso, tais resultados aumentou (19%), embora o tempo do pico não te-
sugerem que a cinética contrátil muscular foi intrin- nha se alterado, mesmo diante de maior velocidade
secamente modificada pelo treinamento dinâmico. A de contração. A relação contração-tetania (Pt/P0) caiu
análise das curvas de potência muscular (Fig. 16.2c,d) em 18% após treinamento dinâmico, uma observa-
indica que ambos os tipos de treinamento aumen- ção paralela às características de cinética contrátil ace-
334 PAAVO V. KOMI
Figura 16.2 Efeito do treinamento dinâmico na relação força (sobrecarga)-velocidade ((a) e (b)) e curva de potência ((c) e (d)) do
músculo adutor do polegar humano. A contração muscular foi induzida por estimulação elétrica tetânica máxima em freqüência de
100 Hz e pelos dados plotados pela equação de Hill. As sobrecargas são expressas em valor absoluto ((a) e (c)) ou como
porcentagem da força tetânica máxima ((b) e (d)) (dados de Duchateau e Hainaut, 1984).
lerada (Close, 1972) ou à intensificação do acopla- capacidade contrátil dos diferentes tipos de unida-
mento muscular E-C (Desmedt e Hainaut, 1968). des motoras (Burke e Edgerton, 1975). As unidades
motoras de limiares normalizados similares (referen-
Propriedades mecânicas das te à força muscular máxima) são comparadas em ra-
unidades motoras isoladas zão da óbvia impossibilidade de testar as mesmas
unidades antes e após o treinamento (Hainaut et al.,
Devido à cinética contrátil muscular adaptar-se 1981). Após treinamento isométrico, todas as unida-
especificamente ao tipo de contração durante o trei- des motoras demonstraram aumento na força pro-
namento, a próxima questão refere-se ao tipo de pro- porcionalmente idêntico, sem alteração no tempo do
grama de treinamento que exerce influência sobre a pico de contração e de relaxamento. Após treinamento
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 335
Mecanismos relacionados às
adaptações musculares
As propriedades contráteis do músculo humano
parecem adaptar-se especificamente ao tipo de trei-
namento. O aumento da força máxima de contração
está relacionado ao aumento nas proteínas contrá-
teis e na massa muscular (Goldspink, 1977; McDou-
gall e Davies, 1984; Narici et al., 1996; ver Capítulo
13). A observação de que, em condições de treina- Figura 16.3 Efeitos do treinamento dinâmico nas propriedades
mento similares àquelas prevalentes em esportes, a mecânicas de unidades motoras isoladas registradas pelo método
“média do pico disparado” (cf. Milner-Brown et al., 1973). (a) Os
onda-M não é alterada, sugerindo que o número de histogramas demonstram a distribuição do tempo para o pico de
células musculares não aumenta (Duchateau e Hai- 112 e 132 unidades motoras antes e após o treinamento,
naut, 1984). No entanto, deve-se considerar que a respectivamente. Observe a alteração da distribuição em direção
hiperplasia tem sido registrada após treinamento, mas aos curtos valores de tempo para o pico após o treinamento. (b)
é de significância limitada no que diz respeito ao nú- Força da unidade motora plotada em função do limiar de
recrutamento (expressa como a porcentagem de CVM) durante
mero total de fibras musculares em adultos (cf. Fawzi, contração em rampa, antes e após treinamento dinâmico. As
2000; ver Capítulo 13). O menor aumento na força linhas de regressão são estatisticamente diferentes antes e após o
máxima após exercício dinâmico é consistente com treinamento (p < 0,05).
o fato de que a duração da ativação de unidades mo-
toras diferentes limiares de recrutamento não foi idên-
tico. Isso ocorre devido ao fato de as grandes unida- consistente com a observação de que as pequenas
des motoras serem desativadas após a inércia do início unidades motoras, ativadas até o final das contrações,
do movimento e, dessa forma, não treinarem duran- demonstram maior aumento da força comparadas
te todo o período da contração. Tal ponto de vista é com as grandes unidades motoras durante treinamen-
336 PAAVO V. KOMI
to dinâmico. Não ocorre o mesmo após treinamento duz maior aumento na atividade ATPase da miosina
isométrico, pois quase todas as unidades motoras são e nos movimentos fásicos do cálcio quando compa-
ativadas durante as contrações (Hainaut et al., 1981). rado ao exercício isométrico.
O aumento na taxa máxima de produção de ten- A adaptação da cinética contrátil muscular ao trei-
são e a aceleração durante a contração, maiores após namento poderia também estar relacionada às alte-
treinamento dinâmico, poderiam estar relacionados rações na rigidez muscular. Na verdade, tem sido ob-
ao aumento da atividade ATPase da miosina. É bem servada menor complacência no componente elástico
conhecido que a velocidade máxima de encurtamen- em série após exercício excêntrico (Pousson et al.,
to está intimamente relacionada à atividade ATPase 1990). A menor inclinação da relação rigidez-torque
da miosina (Barany, 1967) e que o treinamento de foi relatada após treinamento “pliométrico” (Cornu
alta velocidade (ou sprint) é responsável por aumen- et al., 1997). É possível que o treinamento também
tar a atividade ATPase máxima da miosina das miofi- aumente a transmissão lateral de força aos sarcôme-
brilas (Bell et al., 1992) e promover a conversão da ros adjacentes via sistema de filamentos intermediá-
miosina muscular da forma lenta para a rápida rios e a matriz extracelular através de conexões late-
(Jansson et al., 1990; Andersen et al., 1993). O au- rais ao tecido conjuntivo do endomísio (Patel e Lieber,
mento fásico do movimento do cálcio ionizado re- 1997). Essas alterações facilitariam a transmissão de
presenta um mecanismo adicional que poderia ex- força ao esqueleto. Independentemente dos mecanis-
plicar o aumento da velocidade de encurtamento mos, as adaptações relatadas anteriormente derivam
muscular. Foi demonstrado nas fibras musculares de alterações musculares.
gigantes associadas, através da técnica aequorina,*
que as alterações do tempo de contração são contro-
ladas pelas alterações no movimento do cálcio Adaptações neurais
(Hainaut e Desmedt, 1974a,b; Duchateau e Hainaut,
1986b). A descoberta de que somente o treinamento Além das propriedades musculares relacionadas
dinâmico reduz o tempo de contração sugere que al- à velocidade intrínseca, a magnitude do input neural
guns fatores, tais como a quantidade e/ou qualidade ao músculo é de importância funcional no desempe-
do retículo sarcoplasmático, podem ser especifica- nho de contrações ou movimentos rápidos. Essa as-
mente aumentados por esse tipo de exercício. O retí- sociação é clara quando se compara a atividade EMG,
culo sarcoplasmático é a organela que controla prin- que representa o input neural ao músculo, e a taxa de
cipalmente os movimentos fásicos do cálcio ionizado. produção de força durante contrações isométricas
Evidência experimental comprova que as fibras rápi- máximas rápidas. Os sujeitos que apresentam eleva-
das contêm mais retículo sarcoplasmático do que as da atividade EMG no início da contração são tam-
lentas (Brody, 1976). Registros também confirmam bém aqueles que demonstram maior taxa de produ-
que o retículo sarcoplasmático pode ser qualitativa- ção de força (ver Fig. 3 em Komi, 1986).
mente transformado por repetida ativação elétrica Uma questão de importância nos esportes está
(Ramirez e Pette, 1974). A hipótese de que especifi- relacionada à capacidade de o atleta aumentar o input
camente o treinamento dinâmico altera o movimen- neural durante contrações rápidas por meio de trei-
to do cálcio é consistente com a observação de que o namento específico. Alguns estudos demonstram que
tempo de contração pode ser mais dependente da o programa de treinamento com contrações dinâmi-
qualidade do retículo do que da atividade ATPase da cas eleva a taxa de produção de força pela inten-
miosina (Brody, 1976). Especulações não menos in- sificação do input neural ao músculo (Häkkinen et
teressantes sugerem que o treinamento dinâmico in- al., 1985b; Behm e Sale, 1993; Moritani, 1993; Van
Cutsem et al., 1998). A Figura 16.4(a) representa um
exemplo dessa adaptação, em que a força e a ativida-
de EMG de superfície do tibial anterior durante con-
*N.
trações isométricas balísticas do músculo dorsiflexor
de R.T. Um tipo de proteína isolada de uma espécie de
medusa, bioluminescente em proporção à quantidade de cál- do tornozelo são comparadas antes e após 12 sema-
cio iônico; injetada em células vivas para testar a presença de nas de treinamento (Van Cutsem et al., 1998). Nesse
íons cálcio (Dorlan, Dicionário médico ilustrado, 1999). estudo, o programa de treinamento foi constituído
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 337
unidades motoras são ativadas em baixos limiares de Milner-Brown e colaboradores (1973), a sincroniza-
força mais do que as grandes (rápidas) unidades. Pri- ção do impulso das unidades motoras foi definida
meiramente descrito em animais, esse princípio tem como o tempo coincidente de impulsos de duas ou
sido válido em músculos humanos durante contra- mais unidades motoras. Determinou-se que levanta-
ções isométricas (Milner-Brown et al., 1973) ou em dores de peso possuem maior sincronização quando
encurtamento (Desmedt e Godaux, 1979). Tem tam- comparados a sujeitos-controle (Milner-Brown et al.,
bém sido demonstrado que o princípio do tamanho 1975; Semmler e Nordstrom, 1998) e que o treina-
é uma regra geral nas contrações balísticas (Desmedt mento de força aumenta a sincronização entre as
e Godaux, 1977; Garland et al., 1996). No entanto, o unidades motoras (Milner-Brown et al., 1975). Em-
limiar de recrutamento das unidades motoras foi bora seja difícil explicar como a sincronização au-
menor quando comparado ao das contrações lentas mentaria a força máxima (ver Sale, 1988; Yao et al.,
nas últimas condições (Desmedt e Godaux, 1977). 2000), é possível que esse mecanismo contribua para
Essas pequenas diferenças no tempo de ativação en- o aumento na taxa de produção de tensão (Semmler
tre os motoneurônios podem, às vezes, ser suprimi- e Enoka, 2000). A observação de um aspecto mais
das pelas diferenças na velocidade de condução en- segmentado da atividade EMG em contrações balís-
tre pequenos e grandes axônios. Isso porque há forte ticas após o treinamento (Fig. 16.4) poderia estar re-
impulso excitatório durante as contrações balísticas lacionada tanto a maior sincronização entre as uni-
para ativar todo o conjunto de motoneurônios em dades motoras (Komi, 1986), como a tendência de as
alguns milissegundos. Na realidade, foi observada unidades motoras pulsarem em freqüência similar
maior velocidade de condução nas unidades de alto (Fuglevand et al., 1993). De modo interessante, tal
limiar quando comparadas com as de baixo limiar. aumento da segmentação da atividade EMG foi tam-
Apesar dessa contra-ação periférica, a ordem normal bém relatada em exercícios envolvendo o ciclo alon-
é preservada em um músculo durante as contrações gamento-encurtamento (CAE), após treinamento
balísticas (Büdingen e Freund, 1976; Desmedt e pliométrico (Schmidtbleicher, 1992). Embora a sin-
Godaux, 1977; Desmedt e Godaux, 1979; Garland et cronização entre as unidades motoras seja indubita-
al., 1996). Para nosso conhecimento, apenas um es- velmente influenciada por alterações nos níveis da
tudo analisou a possibilidade de alteração na ordem atividade física crônica, isso ainda tem de ser demons-
de recrutamento das unidades motoras após progra- trado de maneira convincente (Enoka, 1997).
ma de treinamento com contrações dinâmicas, mas
não foi observado nenhum recrutamento seletivo das Aumento da freqüência de disparo
unidades motoras de alto limiar (Van Cutsem et al., das unidades motoras
1998). Esses resultados, registrados em um único
músculo, não excluem a possibilidade de alterações Em geral, o aumento da freqüência de disparo
na ordem de ativação da unidade motora nos mús- das unidades motoras tem sido proposto como pos-
culos sinergistas (Duchateau et al., 1986; Nardone e sível mecanismo responsável pelo aumento da taxa
Schieppati, 1988; Moritani et al., 1990). Tais exce- de produção de força (Cracraft e Petajan, 1977; Jans-
ções têm sido relatadas durante movimentos estere- son et al., 1990). Essa hipótese, no entanto, foi testa-
otipados muito rápidos no gato (Smith et al., 1980) e da, de forma experimental, recentemente, através do
durante contrações excêntricas ou eletricamente es- registro do comportamento de uma única unidade
timuladas em humanos (Feiereisen et al., 1997). motora do tibial anterior no início das contrações iso-
métricas balísticas, por meio de eletrodo de fio intra-
Sincronização entre as unidades muscular (Van Cutsem et al., 1998). Para estimar a
motoras contribuição do padrão de disparo das unidades mo-
toras para o aumento na taxa de produção de força, a
A sincronização das unidades motoras é outro taxa instantânea para os primeiros quatro potenciais
mecanismo freqüentemente proposto para explicar de ação foi determinada em unidades motoras isola-
o aumento na força máxima e a taxa de produção das antes (n = 475) e após treinamento (n = 633).
de tensão (Milner-Brown et al., 1975; Komi, 1986; Essa análise limitou-se aos quatro primeiros poten-
Schmidtbleicher, 1992). No estudo conduzido por ciais de ação, pois: (I) poucas unidades estimularam-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 339
se mais do que quatro vezes antes do treinamento; Houve alteração no padrão de disparo da unida-
(II) no momento da medida, o registro não foi influ- de motora após três meses de treinamento dinâmico.
enciado por possíveis movimentos do eletrodo; e (III) Como ilustrado na Figura 16.5(b), o declínio na fre-
a taxa máxima de produção de tensão foi alcançada. qüência de disparo instantânea das unidades moto-
No músculo não-treinado, a freqüência de dis- ras não estava mais presente no músculo treinado.
paro de unidades motoras isoladas seguiu o compor- Sem considerar freqüências superiores a 200 Hz (ver
tamento clássico descrito na literatura durante as motivo a seguir), no conjunto total das unidades, a
contrações balísticas (Desmedt e Goudax, 1977; freqüência média de disparo para o primeiro, segun-
Desmedt e Goudax, 1979; Bawa e Calancie, 1983). do e terceiro intervalo foi 84,6, 64,8 e 59,2 Hz, res-
Como ilustrado na Figura 16.5(a), a unidade come- pectivamente, após o treinamento. O ganho na taxa
çou a disparar em curtos intervalos interpicos, acom- de disparo foi muito maior para o terceiro do que
panhado pelo aumento progressivo do intervalo, in- para o segundo e o primeiro intervalos interpicos.
dicando que a taxa instantânea de disparo declinou A Figura 16.6 ilustra o efeito do treinamento na taxa
progressivamente. instantânea de disparo quando os primeiros três in-
Figura 16.5 Comportamento de unidades motoras isoladas do tibial anterior durante contração balística de níveis de força
similares (41% versus 44% da CVM) antes (a) e após treinamento dinâmico (b). Os traços correspondem à força mecânica (A) e à
atividade eletromiográfica intramuscular plotada em velocidades lenta (B) e rápida (C). (a) Exemplo típico de padrão de disparo de
uma unidade motora isolada no músculo não-treinado demonstrando lapso de curto tempo entre os primeiros dois picos seguidos
por longos períodos interpicos. Os primeiros três intervalos interpicos são 8, 23 e 36 ms, respectivamente. (b) Ilustra o
comportamento comum das unidades motoras no músculo treinado demonstrando que a elevada freqüência instantânea de disparo
inicial é mantida durante picos subseqüentes. Os primeiros três intervalos interpicos são 11,8, 10 e 11 ms, respectivamente. Os
asteriscos indicam descarga da mesma unidade motora e seus traços são sobrepostos com demonstração prolongada (B) (de Van
Cutsem et al., 1998, com permissão).
340 PAAVO V. KOMI
Figura 16.6 Histogramas demonstrando a distribuição da taxa média de descarga registrada nos primeiros três intervalos
interpicos de contrações balísticas para o conjunto total de unidades motoras estudadas antes e após treinamento dinâmico. As
descargas duplas de intervalos menores que 5 ms não são incluídas na distribuição. A comparação das distribuições, antes e após
treinamento, são significativamente diferentes (p < 0,001). Na inserção, os histogramas ilustram a porcentagem de dupla descarga
com intervalo menor que 5 ms para a população total de unidades motoras antes e após treinamento dinâmico. Observe que, entre
as unidades motoras registradas antes do treinamento, somente 5,2% da população testada demonstrou presença de descarga dupla
no início do aumento súbito do sinal EMG, enquanto após o treinamento 32,7% das unidades começaram a disparar com intervalos
interpicos entre 2 e 5 ms.
tervalos interpicos são considerados. Está claro nes- et al., 1996; Van Cutsem et al., 1998). Como é objeti-
sa figura que o treinamento aumentou a freqüência vamente impossível determinar a transição entre o
de disparo do conjunto total das unidades motoras. disparo simples e o duplo, decidimos considerar o
intervalo igual ou menor que 5 ms como duplo. En-
Duplo disparo tre as unidades motoras registradas antes do treina-
mento, somente 5,2% demonstram duplo disparo no
Em algumas circunstâncias, o duplo disparo das início do aumento súbito no sinal EMG (Fig. 16.6).
unidades motoras representa uma comum observa- Nos músculos treinados, 32,7% das unidades moto-
ção nos registros EMG intramusculares (Denslow, ras registradas começaram a disparar em intervalos
1948; Bawa e Calancie, 1983; Kudina e Churikova, interpico entre 2 e 5 ms. Em alguns casos, ocorreu
1990; Garland e Griffin, 1999). Considera-se, em ge- duplo disparo repetido das unidades motoras como
ral, que dois disparos consecutivos com intervalos ilustrado na Figura 16.7(a). Sob essas condições, o
menores que 20 ms são “duplicados” (Simpson, 1969). intervalo interpico do duplo disparo aumentou du-
Tal duplo disparo tem sido observado em contração rante a seqüência de disparo. Algumas unidades mo-
submáxima progressiva ou estável, assim como em toras não demonstraram esse duplo disparo no iní-
contração balística e em rampa rápida (Bawa e cio da contração, mas posteriormente, durante a
Calancie, 1983; Kudina e Churikova, 1990; Garland contração (Fig. 16.7b).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 341
Figura 16.7 Exemplos de dupla descarga de unidades motoras isoladas do tibial anterior durante contração balística após
treinamento dinâmico. Os traços correspondem à força mecânica (A) e à atividade EMG intramuscular plotada em velocidades lentas
(B) e rápidas (C). (a) Ilustra duas diferentes unidades motoras que produzem duplo disparo. A unidade motora 1 promove dois
disparos (2,4 e 4,8 ms, respectivamente), enquanto a unidade motora 2 produz um duplo pico de intervalo de 4,2 ms. (b) Ilustra
um duplo disparo que apareceu posteriormente. A unidade motora ilustrada demonstrou três disparos simples em intervalos de,
respectivamente, 14, 12,5 e 6 ms, seguidos por um duplo de 3,4 ms. Os asteriscos indicam duplos disparos e seus traços são
sobrepostos de forma prolongada. Observe que em (b) D: a dupla descarga foi sobreposta nos três primeiros picos isolados (de Van
Cutsem et al., 1998, com permissão).
das (Marsden et al., 1971) e a presença de duplas res- ção nas propriedades intrínsecas da membrana do
postas de curtos intervalos (3,2 a 4 ms) durante esti- motoneurônio. Isso está em paralelo ao aumento na
mulação magnética cortical (Gandevia e Rothwell, excitabilidade do motoneurônio observado por Sale
1987; Day et al., 1989; Bawa e Lemon, 1993) consti- e colaboradores, após o treinamento (Sale et al., 1983;
tuem objeto de registro. Essas freqüências instantâ- ver Capítulo 15).
neas elevadas que também foram observadas no iní-
cio do disparo das unidades motoras induzido pela Significância funcional dos duplos
injeção rápida em rampa (Baldissera et al., 1987) cor- disparos
respondem à variação “secundária” do disparo dos
motoneurônios descrito por Kernell (1965). O au- A partir da discussão anterior, pode-se concluir
mento de curtos intervalos interpico observados após que esses duplos disparos contribuem para o aumento
treinamento poderia estar relacionado ao massivo na taxa máxima de produção de tensão e/ou para a
aumento do input sináptico, devido ao fato de a fre- execução de taxas submáximas, dependendo do mo-
qüência de disparo das unidades motoras estar rela- mento em que aparecem no aumento súbito de sinal
cionada à intensidade da “corrente injetada”.* Uma EMG. Tal perspectiva desperta interesse, pois a taxa
explicação alternativa é a de que a freqüência de dis- máxima de produção de tensão ocorre na segunda
paro das unidades motoras e os duplos disparos ocor- ou terceira contração tetânica (ver Stein e Parmiggiani,
rem devido às alterações nas propriedades intrínse- 1979; Duchateau e Hainaut, 1986a) e é controlada
cas da membrana do motoneurônio. Sabe-se que o minuciosamente pelos movimentos fásicos intrace-
motoneurônio capaz de produzir duplo disparo pode lulares do cálcio ionizado (Duchateau e Hainaut,
sofrer um estado de aumento da despolarização, que 1986b). No entanto, foi previamente registrado que,
ocorre durante a fase de queda do potencial de ação. em intervalos muito curtos (1 ms), o potencial de ação
A despolarização retardada parece resultar de inva- muscular (onda-M), causado por dois pulsos, foi idên-
são antidrômica dos dendritos após o potencial de tico àquele provocado por um único pulso no adutor
ação inicial, que causa pequena inflexão na fase de do polegar (Desmedt e Hainaut, 1968). Então, a ten-
queda do potencial de ação inicial (Granit et al., 1963; dência de o motoneurônio lançar duplos disparos em
Nelson e Burke, 1967). Nesse período, o motoneu- curtos intervalos durante contrações voluntárias de-
rônio seria mais suscetível ao aumento do input si- veria ser ignorada pela membrana devido a seu esta-
náptico, que pode alcançar o nível limiar e produzir do refratário. Visto que os duplos disparos observa-
um segundo potencial de ação em intervalo muito dos nos experimentos atuais incluíram um maior
curto. intervalo interpulso (variando de 2 a 5 ms) do que o
Nossas observações de que a presença de duplos período refratário (1,5 ms), a significância funcional
disparos após o treinamento não está relacionada ao dos duplos disparos no aumento da taxa de produ-
limiar de recrutamento das unidades motoras não ção de tensão claramente aparece. Além disso, um
sustenta a idéia de que o maior input sináptico possui estudo recente de estimulação computadorizada
papel importante no maior número de duplos dispa- (Van Cutsem et al., dados não-publicados) indicou
ros registrados. Na verdade, as unidades motoras de que os duplos disparos de alta freqüência contribuem
baixo limiar, com maior input de resistência, deveriam efetivamente para o aumento na taxa de produção de
demonstrar maior tendência em direção aos duplos tensão.
disparos, mas esse não foi o caso nos experimentos
atuais. A observação, em algumas unidades, de que
os duplos disparos não aparecem no início do dispa- Conclusão
ro, mas posteriormente na seqüência de disparo, é
outro argumento que sustenta a hipótese de altera- O treinamento dinâmico empregando pequenas
sobrecargas aumenta a taxa máxima de produção de
tensão. Da mesma forma que para a força máxima,
essas adaptações ocorrem devido não somente às al-
*N. de R.T. Relativo ao aumento (adicional) da descarga total terações musculares, mas também às neurais e são
das unidades motoras. específicas ao tipo de contração realizada durante o
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 343
treinamento. Em nível muscular, essas adaptações pa- Brody, I.A. (1976) Regulation of isometric contraction in
recem ser principalmente controladas por mecanis- skeletal muscle. Experimental Neurology 50, 673-683.
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Archiv 362, 61-67.
muscular. Em nível neural, a ativação inicial da uni- Buller, A.J. & Lewis, D.M. (1965) The rate of tension deve-
dade motora, os duplos disparos extras e o aumento lopment in isometric tetanic contractions of mammali-
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Capítulo 17
Treinamento proprioceptivo:
considerações relativas à
produção de força e potência
ALBERT GOLLHOFER
tante papel dos reflexos de estiramento para a regu- Para diferenciar as várias fontes de contribuição
lação da rigidez do sistema musculotendíneo. Nichols de feedback, há três tipos específicos de “recepção”:
(1987) demonstrou que um músculo estimulado ele- exterocepção, interocepção e propriocepção.
tricamente responde aos estiramentos em rampa com A contribuição exteroceptiva é organizada pelos
aumento linear da tensão do tipo mola apenas se o receptores que transmitem informação ambiental (vi-
músculo mantiver seu sistema de reflexo aferente sual, auditiva, etc.) ao sistema nervoso. A interocep-
intacto. Hoffer e Andreassen (1981) revelaram que a ção descreve a quantidade de informação processada
contribuição da ativação sensível ao estiramento sob no corpo. Enquanto a propriocepção permite a per-
condições excêntricas é consideravelmente importan- cepção da posição e do movimento dos membros com
te entre uma ampla variedade de forças operantes. referência ao corpo e aos membros.
Apesar da importância aparente da ativação neu- Portanto, a propriocepção representa uma fon-
romuscular aferente, muitos estudos de treinamento te básica de informação para o controle dos movi-
de força e potência geralmente não focalizam a ques- mentos corporais, especialmente no contexto da re-
tão de como as contribuições sensoriais, fornecidas gulação do equilíbrio. Em relação aos membros,
por mecanismos proprioceptivos, podem influenciar a propriocepção fornece grande parte da informa-
a produção de força e de potência. Portanto, o prin- ção necessária referente aos estados ativo e passivo
cipal propósito deste capítulo é descrever as adapta- da estabilização do complexo articular. Ambos os
ções do sistema neuromuscular após programas de componentes, controle do equilíbrio e estabilização
treinamento proprioceptivo. As considerações fun- articular, interagem em tarefas teoricamente sim-
cionais serão elaboradas para revelar mecanismos ples como manter a postura em pé (Gruber et al.,
relevantes, indicando que as melhorias na sensibili- 2000).
dade proprioceptiva aparentemente também podem A propriocepção pode ser subdividida em três
ser benéficas para os processos de ativação muscular modalidades: sentido de posição — representa a
normal. consciência das posições articulares estáticas, torna
possível a impressão do espaço tridimensional; senti-
do de movimento (cinestesia) — organiza a percepção
Propriocepção das alterações dinâmicas das posições articulares uma
em relação à outra; sentido de força — fornece infor-
A postura e o movimento humano são controla- mação referente ao estado de equilíbrio entre forças
dos pela complexa interação de redes neuronais cen- internamente geradas e os movimentos externamen-
tral e perifericamente organizadas. O movimento vo- te aplicados aos sistemas articulares.
luntário dependente da tarefa está permanentemente O conceito de propriocepção simplesmente des-
sob a influência da informação de feedback de várias creve a recepção sensorial do estímulo, assim como a
fontes de receptores proprioceptivos. Esse sistema de codificação desses sinais neurológicos em associa-
controle é altamente eficaz caso o feedback seja orga- ção com o feedback aferente ao sistema nervoso cen-
nizado “em tempo real” e até mais eficaz se os meca- tral (SNC) (Lephart et al., 2000).
nismos antecipatórios estão precipitando os requeri- Inúmeros receptores diferentemente especializa-
mentos motores. É conhecido, a partir dos meca- dos e que podem ser identificados nas extremidades
norreceptores da ponta dos dedos, que, para uma garantem densas redes e elevada eficiência desse sis-
preensão com precisão, as forças devem ser ligeira- tema de informação. Esses receptores são conecta-
mente maiores do que as necessárias para manter o dos à medula espinal via fibras nervosas aferentes. O
objeto (Johansson e Westling, 1984; Johansson e conjunto interneuronal de células nervosas representa
Westling, 1987), assim como é bem conhecido que o principal sistema de controle em que toda essa in-
um distúrbio de sobrecarga resultará em uma força formação aferente converge (Fig. 17.1). Como con-
compensatória com latência de 40 ms (Eliasson et seqüência do input central e da convergência perifé-
al., 1995). Essa reação parece ser organizada pelos rica, os motoneurônios dos músculos sinergistas e
mecanorreceptores e é funcionalmente importante antagonistas podem ser inibidos ou facilitados de
para os ajustes rápidos devido às variações na sobre- acordo com os requerimentos de determinado mo-
carga externa. vimento.
348 PAAVO V. KOMI
Com base na Figura 17.3, percebe-se que os re- para restaurar a função neuromuscular. Os vários
flexos induzidos pelo alongamento não aumentam receptores nos complexos articulares, nos tendões,
necessariamente se a sobrecarga de estiramento, isto nos ligamentos e nas estruturas musculares e cutâ-
é, a altura de queda, aumenta. Funcionalmente, de- neas parecem ser treinados para aumentar as contri-
veria ser mais desejável que o alto reflexo de estira- buições proprioceptivas nas situações funcionais. De
mento estivesse ativado quando o complexo muscu- modo similar ao raciocínio para os movimentos rea-
lotendíneo estivesse mecanicamente envolvido. No tivos, o treinamento proprioceptivo tem como obje-
entanto, a menor amplitude do componente de re- tivo melhorar a eficácia do feedback aferente para atin-
flexo observada nos saltos em profundidade com alta gir o controle funcional do membro, assim como o
sobrecarga de estiramento sugere diminuição da fa- acesso neuromuscular apropriado aos músculo que
cilitação reflexa, servindo funcionalmente como es- compõem os complexos articulares. A função pro-
tratégia de proteção para prevenir sobrecarga exces- prioceptiva do complexo articular do tornozelo foi
siva ao complexo tendão-músculo (ver Capítulo 10 investigada por Konradsen e colaboradores (1993) e
para mais detalhes). por Tropp (1986). Esses autores compararam a esta-
Como conclusão, os componentes do reflexo de bilidade postural de sujeitos saudáveis com aqueles
estiramento provavelmente contribuem para a rigi- portadores de instabilidade crônica do tornozelo. Ou-
dez muscular em movimentos de reação, como o ci- tras abordagens investigaram a reprodução angular
clo alongamento-encurtamento, especialmente na sensorial de diferentes dinâmicas articulares sob con-
parte excêntrica do movimento. dições ativas ou passivas (Freeman et al., 1965; Glick
et al., 1976; Tropp, 1986; Lövenberg et al., 1995). Esses
estudos demonstraram déficit proprioceptivo na re-
Treinamento proprioceptivo e as produção de diferentes dinâmicas articulares no caso
contribuições da ativação da instabilidade crônica do tornozelo.
aferente relacionada ao exercício Verifica-se aumento da ativação muscular gera-
da pelo treinamento proprioceptivo em experimen-
Na reabilitação de lesões do sistema locomotor, tos do joelho (Perlau et al., 1995) e da articulação do
o treinamento proprioceptivo é amplamente aceito tornozelo (Jerosch e Bischof, 1994). No entanto, so-
mente poucos estudos controlados estão disponíveis, ativação proprioceptiva dos grupos musculares trei-
os quais demonstraram, em nível eletromiográfico, nados. Sessenta e cinco voluntários praticaram exer-
que o treinamento proprioceptivo melhora o supri- cícios posturais em plataformas instáveis, em “estru-
mento aferente. turas almofadadas” sob os tornozelos e em superfícies
Em uma série de experimentos, Gollhofer (2000) desniveladas. O clássico treinamento de força não foi
investigou as adaptações neuromusculares como re- permitido.
sultado de intervenções com treinamento proprio- As mensurações pré e pós consistiram de (a) aná-
ceptivo. Com base em estudos longitudinais, o autor lise da força de extensão do joelho, (b) estabilização
apresenta dados experimentais demonstrando a adap- postural em plataforma bidimensional (POSTURO-
tabilidade das contribuições aferentes e eferentes. MED®) e (c) determinação da rigidez articular fun-
Observações indicam que o treinamento desen- cional do joelho (Fig. 17.4). A rigidez articular fun-
volvido para melhorar o equilíbrio postural em qua- cional do joelho foi analisada por um aparato especi-
tro semanas, com freqüência de quatro vezes por se- ficamente desenvolvido que criou um deslocamento
mana, causa impacto substancial não somente nas mecânico na tíbia em relação à coxa. Os sujeitos per-
características de ativação voluntária, analisada por maneciam em posição em pé e estimulavam igual-
testes de força isométrica (CVM), mas também na mente as pernas. Esse estresse mecânico produziu
uma “gaveta anterior”* na articulação do joelho sob cular total. Além disso, as respostas neuromuscula-
condições funcionais, isto é, sobrecarga axial. A quan- res após a translação mecânica foram potencializa-
tificação dos parâmetros mecânicos da “gaveta ante- das após o treinamento.
rior” e a determinação da resposta neuronal permi- Nossos recentes dados sobre a adaptação de longo
tem uma ampla análise do estado funcional do prazo ao treinamento proprioceptivo (Bruhn et al.,
complexo articular do joelho (Bruhn, 1999). 2001) estão em boa concordância com o conceito de
O programa de treinamento de quatro semanas que o aumento da rigidez dos complexos articulares
induziu melhoria significativa na taxa máxima de pro- após o treinamento está basicamente relacionado às
dução de força (TPF) (Tab. 17.1). Além disso, o tem- adaptações neuromusculares. A adaptação geralmente
po absoluto para alcançar a TPF foi diminuído. Os observada nas ativações voluntárias isométricas pode
sujeitos apresentaram potência explosiva máxima em indicar melhoria da função neuromuscular através
menor período de tempo após o treinamento. A esta- do aumento da potência muscular.
bilização postural foi drasticamente reduzida, o que
explica a melhoria na capacidade dos sujeitos para
controlar o equilíbrio. No entanto, calculando o “ra- Estabilização articular dinâmica
cio de propriocepção”, expresso como o racio da ati- ativa: uma estratégia de reflexo
vidade neuromuscular por unidade de deslocamento controlado de coordenação
da EMG integrada (atividade por deslocamento intermuscular de alta freqüência
[IEMG]), um aumento significativo pós-treinamento
poderia ser estabelecido tanto para os músculos da Um amplo debate na literatura referente aos pa-
coxa como para os da perna. Os testes biomecânicos râmetros neuromusculares gira em torno da explica-
de translação da tíbia revelaram uma redução signifi- ção para a disfunção na instabilidade articular. No
cativa na quantidade de translação e na rigidez arti- entanto, a determinação da latência de reflexo após
perturbação mecânica é geralmente utilizada para
separar sistema articular estável e instável. Karlsson
e Andreasson (1992) observaram latências de reflexo
significativamente prolongadas nos músculos da fí-
*N de R.T. Relativo ao deslocamento anterior da tíbia em rela- bula de sujeitos com instabilidade unilateral do lado
ção ao fêmur. Expressão muito usada na ortopedia clínica. afetado após 30° de movimento de inclinação em in-
Tabela 17.1 Valores pré e pós-treinamento, diferenças percentuais e significâncias dos parâmetros básicos mensurados em quatro semanas
de programa de treinamento
Estabilização postural
Deslocamento postural (m) 1,49 0,72 –48 ***
IEMG deslocamento da coxa (mV·s·m–1) 8,5 15,0 76,5 ***
IEMG deslocamento da perna (mV·s·m–1) 10,7 15,5 44,9 ***
versão. Ao contrário, vários estudos relatam o aumen- 8,2 Hz. É muito provável que esses aumentos súbi-
to do reflexo de ativação, determinado como a IEMG tos não sejam organizados por programas centrais,
após perturbação bem definida em sujeitos com e sem mas por circuitos espinais processando feedback pro-
sistemas de proteção articular (Lohrer et al., 1999). prioceptivo aferente no sistema do motoneurônio α
Assim como as respostas observadas na postura, as devido ao tipo fásico de ativação neuronal e à alta
latências de reflexo dos músculos da fíbula estão den- freqüência.
tro de 60 e 90 ms após o estímulo mecânico. Há con-
cordância geral em relação ao fato de que essas res-
postas são polissinápticas (Johnson e Johnson, 1993; Papel funcional do input
Konradsen et al., 1993; Scheuffelen et al., 1993). Da proprioceptivo na produção de
perspectiva funcional, as latências de reflexo prolon- força isométrica
gadas podem basicamente explicar que, em desloca-
mentos muito rápidos, os sistemas reflexos podem É bem conhecido dos registros de unidades mo-
contribuir também para o atraso na estabilização ar- toras isoladas que, em condições isométricas, a taxa
ticular ativa. Do ponto de vista fisiológico, a melho- de descarga é reduzida quando as contribuições afe-
ria das latências de reflexo nos pacientes pode refe- rentes são “cortadas” (Fig. 17.6). Com base nos da-
rir-se à incapacidade das estruturas de resposta rápida dos de sete unidades motoras, a taxa de descarga é
no arco reflexo. No entanto, essas vias podem não mais afetada pela contração isométrica fatigante aci-
ser necessariamente as mais importantes para uma ma de 30 s. De acordo com a análise de freqüência,
efetiva função de estabilização articular. Então, a se- os autores concluíram que a aferenciação intacta for-
gurança na determinação das latências de reflexo pode nece impulso fusimotor adequado, o que aumenta a
não considerar todos os aspectos da disposição arti- sensibilidade do sistema de fuso muscular. No en-
cular funcional. tanto, maiores freqüências de descarga são respon-
Scheuffelen e colaboradores (1993) demonstra- sáveis pelas rápidas taxas de produção de força dos
ram que é funcionalmente mais importante o acesso motoneurônios (Desmedt e Godaux, 1977; Grimby
rápido e vigoroso à musculatura que constitui a arti- et al., 1981). Com base no reflexo-H de dados obti-
culação estimulada em situações nas quais grandes dos durante contração em rampa, várias observações
amplitudes mecânicas são aplicadas ao sistema arti- favorecem a hipótese de que a contribuição do refle-
cular do tornozelo. Os músculos necessitam ser su- xo aferente também exerce efeito na produção de for-
pridos com uma quantidade adequada de atividade ça isométrica (Meunier e Pierrot-Deseilliigny, 1989).
neuromuscular de modo a resistir a perturbação me- Os autores compararam o impulso extra-facilitató-
cânica e estabilizar o complexo articular e, dessa for- rio dirigido aos motoneurônios durante as contra-
ma, evitar rupturas ligamentares ou das estruturas ções em rampa sob diferentes velocidades e sob vários
capsulares. Conseqüentemente, os programas de trei- níveis de contração voluntária máxima (CVM) (Fig.
namento proprioceptivo são empregados na reabili- 17.7). Os dados demonstram que a facilitação suple-
tação para “ensinar” os músculos agonistas e anta- mentar do conjunto de motoneurônios é ótima na
gonistas a estabilizar um complexo articular ativo. fase inicial de velocidades em rampa tipicamente rá-
Para analisar essa hipótese, Gollhofer e colabo- pidas realizada em alta porcentagem da CVM. Os
radores (2000) investigaram, por meio de análise ele- autores interpretaram suas descobertas com inibição
trofisiológica, os perfis EMG do controle de estabili- pré-sináptica tônica nos terminais Ia, basicamente sob
zação dinâmica. Os padrões EMG de um sujeito são o controle centralmente programado.
apresentados na Figura 17.5(a,b). Obviamente, a ta- Geralmente, em estudos de adaptação proprio-
refa dinâmica de estabilização postural requer rápida ceptiva, observa-se que o ganho proprioceptivo in-
regulação da ativação dos músculos envolvidos. O duzido pelo treinamento no comportamento do re-
controle é alcançado parcialmente pelas rápidas in- flexo monossináptico está correlacionado à melhoria
terações neuronais entre a ativação agonista e anta- na elevação da produção de força: sujeitos que reali-
gonista com alta freqüência intermuscular. O padrão zaram programa de treinamento de quatro semanas
dessa “comunicação neuronal” consiste de aumen- desenvolvido para a estabilização articular proprio-
tos súbitos fásicos interagindo com freqüência de até ceptiva melhoraram significativamente a capacidade
354 PAAVO V. KOMI
Figura 17.5 (a) Padrões EMG retificados dos músculos gastrocnêmio (G) (superior) e tibial anterior (TA) (inferior) e traço de
aceleração na direção médio-lateral (acML) durante estabilização postural em plataforma instável bidimensional. Os padrões EMG
são obviamente sincronizados de acordo com uma freqüência interpicos de 8 Hz. (b) Padrões EMG retificados dos músculos fibular
(FIB) e gastrocnêmio (G) (inferior) e traço de aceleração na direção médio-lateral (acML) durante estabilização postural em
plataforma instável bidimensional. Os padrões EMG demonstram padrão de ativação antagonista de acordo com a freqüência
interpicos de 8 Hz.
nais entre a ativação agonista e a antagonista com lação central. Portanto, admite-se que os mecanis-
alta freqüência intermuscular (ver Fig. 17.5a,b). O mos de controle estão em nível espinal.
padrão dessa comunicação neuronal consiste de au-
mentos súbitos fásicos interagindo com altas freqüên-
cias. Conclusão
Com base nessa alta freqüência e na coordena-
ção intermuscular altamente específica, muito pro- A importância mecânica do aumento dos
vavelmente a ativação neuromuscular observada em ganhos aferentes no controle neuromuscular parece
tarefas de estabilização articular é gerada pela ativa- refletir capacidade alterada do sistema neuromuscu-
ção reflexa, controlada em nível espinal. Os gerado- lar para ativar os músculos mais eficientemente no
res centrais ou mesmo supra-espinais são imprová- início da produção de força. Especialmente em con-
veis quando a freqüência do padrão intermuscular dições de distúrbio, o acesso rápido aos músculos
observada é alta demais para assumir as vias de regu- pode ser de vital importância para enrijecer os com-
plexos articulares. Os programas de treinamento pro- Ford, L.E., Huxley, A.F. & Simmons, R.M. (1978) Tension
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Capítulo 18
Tecido conjuntivo e resposta
óssea ao treinamento de força
MICHAEL H. STONE E CHRISTINA KARATZAFERI
posições X ou Y. Os genes específicos codificam a aos aldeídos e pela eventual formação de pontes al-
estrutura básica das cadeias de colágeno (Schultz, dol entre as fibrilas colágenas (Viidik, 1968). Existe
1982). No mínimo, existem cinco diferentes tipos de aumento da ligação cruzada com a idade, induzindo
colágeno, com diferente distribuição de órgão (Tab. aumento da estabilidade e da força tênsil (Viidik,
18.1). 1968), o que pode ser parcialmente responsável pe-
A estabilização adicional pode ser alcançada pela las diferenças observadas nas propriedades elásticas
ligação cruzada pós-translacional. As ligações cruza- dos tendões in vivo com o envelhecimento (Shadwick,
das são formadas pela oxidação da cadeia lateral lisil 1990; Kubo et al., 2001a). Além disso, a concentra-
I Osso, tendão, pele, dentina, [a1(I)]2a2 Composto híbrido de duas cadeias baixas
ligamento, fáscia, artérias, útero na hidroxilisina e na hidroxilisina glicosilada
II Cartilagem [a1(II)]3 Alta na hidroxilisina
III Pele, artéria e útero [a1(III)]3 Alta na hidroxilisina, baixa nas ligações
dissulfeto de hidroxilisina
IV Membrana basal [a1(IV)]3 Grande região globular, alta em hidroxilisina, hidroxilisina
glicosilada
V Membrana basal, cápsula cristalina aA e aB Similar ao IV
360 PAAVO V. KOMI
Propriedades mecânicas do
tecido conjuntivo
sugerindo regeneração do tecido conjuntivo lesionado dem ser o resultado de perda ou de ganho de hidro-
(Fritz e Stauber, 1988; Stauber et al., 1988). A produ- xiprolina no tecido conjuntivo ou, ainda, representar
ção repetida de força, particularmente aquela associ- alterações (perda ou ganho) em outros componentes
ada com o ciclo alongamento-encurtamento, mes- teciduais. Portanto, as alterações na concentração de
mo em níveis de força relativamente baixos, também hidroxiprolina representariam alterações no estado
pode gerar marcadores de lesão e de regeneração. Por tecidual, mas não necessariamente a natureza dessas
exemplo, o exercício de endurance prolongado (corri- alterações (Viiduk, 1986). Em um estudo em que tanto
da de 24 horas) aumenta a concentração sérica de a rigidez passiva como os níveis de hidroxiprolina
enzimas associadas com a síntese de colágeno tipo foram mensurados em ratos jovens e idosos, 10 se-
III (Takala et al., 1976). manas de treinamento de endurance pareceram ate-
Grande parte dos estudos de treinamento que nuar o aumento associado à idade na rigidez muscu-
consideram os efeitos do treinamento nos tendões e lar passiva (Gosselin et al., 1998). Isso pode ter
ligamentos emprega exercício de endurance em mo- implicações para a redução das lesões induzidas pelo
delos animais. O treinamento de endurance produz exercício no músculo idoso, especialmente em con-
aumento no número nuclear e no peso do tendão trações excêntricas. Curiosamente, o alongamento es-
em camundongos jovens, mas não altera o peso do tático pareceu aumentar agudamente a elasticidade
tendão de camundongos adultos (Ingelmark, 1948). das estruturas do tendão do gastrocnêmio medial
O peso dos ligamentos demonstra aumento em ratos humano (Kubo et al., 2001b), que poderiam poste-
adultos masculinos, mas não em femininos (Tipton riormente contribuir para a diminuição da lesão te-
et al., 1975b). O treinamento de endurance também cidual conjuntiva.
pode aumentar a atividade de enzimas aeróbias, as- Outro marcador de biossíntese de colágeno é a
sim como a taxa de síntese de colágeno nos tendões atividade da prolil-4-hidroxilase (PH) e da galactosil-
dos animais (Tipton et al., 1974). Oito semanas de hidroxilsil glicosiltransferase (GGT), enzimas que
treinamento de endurance elevaram em 46% o con- catalisam modificações nas cadeias polipeptídicas de
teúdo de colágeno do tendão do calcâneo de galos, colágeno. O treinamento de endurance aumenta as ati-
mas não afetaram o DNA, o peso seco do tendão ou vidades da PH, assim como da GGT, indicando au-
a concentração de proteoglicano (Curwin et al., 1988). mento da síntese de colágeno. No diabete induzido
Além disso, somente 50% de ligações cruzadas de pela estreptozotocina, a atividade total de PH e de
piridinolina estavam presentes nos tendões treina- GGT estava reduzida e os níveis de hidroxiprolina
dos comparados aos controles. Esses resultados su- aumentados nos músculos vasto lateral, reto femoral
gerem que o treinamento causou maior turnover da e gastrocnêmio de ratos. No entanto, o treinamento
matriz de colágeno nos galos em crescimento, resul- físico foi incapaz de atenuar os efeitos do diabete na
tando em menor maturação do colágeno do tendão síntese de colágeno (Han et al., 1995).
(Curwin et al., 1988) e, então, em reduzida rigidez. A Os modelos de hipertrofia compensatória ou
hidroxiprolina é encontrada como uma fração cons- alongamento crônico não refletem as mesmas adap-
tante de colágeno (Van Pilsum, 1982). Devido à hi- tações crônicas que o treinamento de força. Os efei-
droxiprolina ser encontrada em poucos tecidos (elas- tos diferenciais no tecido conjuntivo são possíveis de-
tina e complemento), não associados com tendões vido às diferenças na intensidade de exercício entre o
ou ligamentos, sua medida pode refletir alterações treinamento de endurance e os modelos de hipertrofia
no conteúdo de colágeno do tecido conjuntivo compensatória ou estiramento crônico. Os invólu-
(Viiduk, 1986). A concentração de hidroxiprolina fi- cros do tecido conjuntivo muscular (epimísio, peri-
cou inalterada nos tendões de camundongos jovens mísio, endomísio) representam um componente pri-
(Kiiskinen e Heikkinen, 1976) ou nos ligamentos de mário, equivalendo à força tênsil muscular, às
ratos adultos (Tipton et al., 1970), mas foi aumenta- propriedades viscoelásticas do músculo, assim como
da em cachorros adultos (Tipton et al., 1975a). As à estrutura de transmissão de força muscular aos ten-
alterações induzidas pelo treinamento na concentra- dões e ossos (Fleck e Falkel, 1986). O treinamento de
ção de hidroxiprolina devem ser analisadas com cau- endurance é associado com aumento da atividade da
tela. As alterações aparentes na hidroxiprolina po- prolil-4-hidroxilase no músculo esquelético; por sua
362 PAAVO V. KOMI
vez, a ausência de aumento no conteúdo total de co- sico pode aumentar a força tênsil máxima e a quanti-
lágeno sugere maior taxa de turnover (Kovanen et al., dade de energia absorvida antes da fadiga (Stone,
1980; Kovanen et al., 1984; Kovanen e Suominen, 1988). A atividade física possibilita o retorno mais
1989). No entanto, a hipertrofia compensatória do rápido dos tendões e ligamentos lesionados à força
músculo plantar do rato (Turto et al., 1974) demons- tênsil normal quando comparada ao repouso com-
trou aumentar o conteúdo de colágeno, bem como a pleto (Tipton et al., 1975b). O treinamento de endu-
asa intacta da galinha quando foi sobrecarregada rance induz aumento da força tênsil máxima em ten-
(Laurent et al., 1978). dões isolados, assim como em preparações de
As ações musculares excêntricas podem ser par- osso-tendão e de osso-ligamento (Elliot e Crawford,
te integral do treinamento de força e de esportes ex- 1965; Viiduk, 1968; Tipton et al., 1974).
plosivos. Uma única sessão de exercício físico resul- Deve-se ter cuidado ao interpretar os dados re-
tando em lesão muscular elevou agudamente a ferentes à força do tecido conjuntivo em animais. Os
capacidade da prolil-4-hidroxilação dos músculos da animais treinados são tipicamente comparados a ani-
pata traseira de camundongos (Myllylä et al., 1986). mais não-treinados confinados em gaiolas. O confi-
Esses dados sugerem que o treinamento de força pode namento pode reduzir o tamanho do tecido conjun-
lesionar o tecido conjuntivo, assim como o muscu- tivo, assim como a força tênsil máxima; portanto, o
lar, e que esses tecidos podem ser importantes na re- treinamento pode simplesmente recuperar as propri-
generação (ver Capítulo 6). edades teciduais (Butler et al., 1978; Stone, 1988).
MacDougall e colaboradores (1984) estimaram Além disso, as taxas de tensões nesses estudos esta-
o conteúdo total de colágeno e de outras proteínas vam abaixo de taxas fisiológicas normais, dificultan-
não-contráteis do bíceps entre sujeitos não-treina- do as generalizações referentes ao animal intacto não-
dos e dois grupos de fisiculturistas. A proporção de confinado (Butler et al., 1978).
colágeno foi similar nos grupos não-treinados, no- Os músculos flexores de muitos animais adultos
vatos e elite, com o colágeno representando 69%, produzem maior força máxima do que os extensores
enquanto 7% foram identificados com outros com- (Elliot e Crawford, 1965). Os tendões flexores de por-
ponentes. Essa descoberta indica um conteúdo de co- cos adultos possuem maior força tênsil máxima e
lágeno estável, em termos relativos, mas um aumen- contêm mais colágeno do que os tendões dos mús-
to do conteúdo total de colágeno como resultado do culos extensores e podem estocar mais energia elás-
fisiculturismo. O aumento do conteúdo de colágeno tica (Woo et al., 1982; Shadwick, 1990). Na perspec-
total provavelmente representa aumento na força dos tiva do desenvolvimento, isso sugere que a força
invólucros musculares. apresentada por esses tendões influencia, no míni-
A possibilidade de uma resposta sistêmica geral mo parcialmente, o conteúdo de colágeno, assim
do tecido conjuntivo é respaldada por várias obser- como a força tênsil máxima na maturação. Após o
vações, tanto em animais como em humanos. A con- treinamento físico, os tendões dos músculos exten-
centração de hidroxiprolina aumentou na pele de sores aumentam o conteúdo de colágeno e a rigidez,
camundongos imaturos e adultos como resultado do alcançando valores similares aos tendões dos flexo-
treinamento de endurance (Kiiskinen e Heikkinen, res (Woo et al., 1982). Isso sugere que o fortaleci-
1976; Suominen et al., 1978). A elasticidade da pele mento do músculo pode afetar os ganhos na força
foi melhorada após oito semanas de treinamento fí- tênsil máxima do tecido conjuntivo, assim como na
sico em indivíduos de 69 anos de ambos os gêneros capacidade de estocar energia elástica.
(Suominen et al., 1977; Suominen et al., 1978), e o Estima-se que o estresse imposto aos tendões
treinamento de força demonstrou estimular o tecido como resultado da contração muscular voluntária
conjuntivo do endomísio em homens jovens (Brzank representa 30% da força tênsil máxima (Hirsch, 1974).
e Peiper, 1986). Isso possibilita 200% de margem de segurança. No
funcionamento intacto normal em que ocorrem ações
Alterações mecânicas concêntricas, assim como excêntricas, cerca de 50%
da margem de segurança é utilizada (Alexander, 1981).
Enquanto o desuso e a inatividade atrofiam e A margem de segurança pode ser aumentada em ta-
enfraquecem o tecido conjuntivo, o treinamento fí- xas rápidas de sobrecarga como resultado da obstru-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 363
ção dos componentes viscosos teciduais (Noyes, também sugeriram que a maior elasticidade (maior
1977). A natureza dessa fadiga tecidual também é uma alongamento) das estruturas do tendão do VL entre
função da taxa de tensão (Noyes, 1977). Em taxas de os velocistas poderia agir como adaptação protetora
tensão muito lentas, a fadiga ocorre na junção osso- contra lesões.
tendão ou osso-ligamento. Em taxas de tensão rápi- A força muscular também pode ser importante
das, a fadiga incide sobre o tendão ou ligamento. Caso no aumento da margem de segurança antes da fadiga
a junção não cumpra sua função, o tendão ou o liga- da junção musculotendínea. Maior força na fadiga e
mento não está sendo testado. Quando as prepara- maior absorção de energia antes da fadiga da junção
ções musculotendíneas estão sendo testadas, a fadi- musculotendínea (JMT) produzem ação muscular te-
ga atinge o ventre do músculo ou, mais geralmente, a tânica e somação de ondas em várias preparações
junção musculotendínea, independentemente da taxa musculotendíneas de coelhos (Garret et al., 1987).
de tensão (Garret et al., 1987; Safran et al., 1988). Os autores sugeriram que a energia elástica estoca-
O tecido conjuntivo submetido a um estresse da, assim como a força da ação excêntrica, foram fa-
constante alonga-se com o tempo (estresse-relaxa- tores importantes no aumento da quantidade de ener-
mento), resultando em queda na tensão abaixo dos gia absorvida antes da fadiga. É possível que o
valores iniciais (Laban, 1962). Um fenômeno similar aumento da força de ação muscular excêntrica resul-
ocorre nas preparações musculotendíneas (Safran et tante do treinamento de força possa posteriormente
al., 1988). O aquecimento proporcionado pela ação melhorar a absorção de energia e reduzir o potencial
isométrica antes do alongamento (em taxas de ten- para lesão.
são fisiológica) alonga a unidade musculotendínea em Esses dados sugerem que o treinamento físico,
um maior comprimento e requer mais força na falha incluindo o treinamento de força, pode alterar as pro-
do que os músculos não-aquecidos (Safran et al., priedades dos tendões e ligamentos de modo que se-
1988). O aquecimento alonga a unidade musculo- jam maiores, mais fortes e mais resistentes à fadiga.
tendínea, resultando aumento em determinada so- Nessa perspectiva, o treinamento de força poderia
brecarga; isso impõe menos tensão na junção mus- acionar eventos que alteram as características de ge-
culotendínea e reduz o potencial para lesão. Tem sido ração de força e potencializam os mecanismos pro-
demonstrado aumento similar no relaxamento por tetores. Por exemplo, as contrações excêntricas de-
estresse nos tendões de coelhos como um resultado monstram acionar intensa síntese protéica na JMT.
do exercício (Viiduk, 1968). Essencialmente, a mar- Isso provoca o remodelamento da JMT (Frenette e
gem de segurança é aumentada pelo aquecimento. Cote, 2000), o que poderia potencialmente aumen-
No entanto, nas situações da “vida real”, o alonga- tar a força dessa área.
mento como parte do procedimento de aquecimen- Deve-se notar que certas drogas comumente uti-
to pode produzir incapacidade. Enquanto o alonga- lizadas em medicina ou em esportes podem exercer
mento pode reduzir as lesões, pode, também, profundos efeitos na força do tendão e do ligamento.
prejudicar os desempenhos em força e potência de- Essas drogas incluem certos antibióticos, tais como
vido ao fato de diminuir a complacência ou alterar a as fluorquinolonas e os corticosteróides. Os corticos-
rigidez muscular ou, ainda, por meio de uma via de teróides tratam inúmeros problemas inflamatórios
inibição neural (Folwes et al., 2000; Schilling e Sto- como tendinites e bursites. Os corticosteróides são
ne, 2000). catabólicos por natureza e podem causar atrofia, perda
O treinamento de sprint consiste principalmente gradual de massa e enfraquecimento do tecido con-
de corridas em sprint e de treinamento de força e pro- juntivo, especialmente quando injetados diretamen-
vavelmente afetará as propriedades viscoelásticas do te no tendão ou ligamento. Pode haver ruptura de
tendão. Registros dão conta de que a complacência tendão como resultado do uso dessas drogas (Che-
das estruturas do tendão do vasto lateral (VL) pode chick et al., 1982; Stannard e Bucknell, 1993). Os es-
estar diretamente relacionada com o tempo de corri- teróides anabólicos podem ser utilizados por atletas
da em 100 metros (Kubo et al., 2000). No entanto, de força e potência para melhorar o desempenho. No
nenhuma diferença significativa na complacência do entanto, algumas evidências sugerem que os esterói-
VL, assim como do gastrocnêmio medial, foi encon- des anabólicos (andrógenos) alteram a biomecânica
trada entre os velocistas e os controles. Os autores do tecido conjuntivo de modo que o tendão ou o
364 PAAVO V. KOMI
ligamento tenham força tênsil reduzida (Wood et al., fortalecer a cartilagem. No entanto, pode ocorrer en-
1988) ou aumento da rigidez (Inhofe et al., 1995) in- fraquecimento da cartilagem caso o volume de exer-
dependentemente do treinamento, aumentando, en- cício seja muito elevado.
tão, o risco potencial de lesão. Esses efeitos no ten-
dão de animais e de humanos têm sido observados Os efeitos exatos do treinamento de força na so-
sem qualquer alteração discernível na bioquímica ou brecarga mecânica da cartilagem não estão claros. Por
na estrutura (Inhofe et al., 1995; Evans et al., 1998). exemplo, não é incomum, especialmente entre os atle-
Todavia, entre humanos do sexo masculino, elevadas tas, utilizam o agachamento como componente pri-
doses de andrógenos têm sido associadas com alte- mário do programa de treinamento de força. As for-
rações bioquímicas na urina e no soro, consistentes ças compressivas de pico no joelho durante o
com aumento da síntese tipo I e III em humanos agachamento podem variar de aproximadamente 550
(Parssinen et al., 2000). a 8.000 N. Sabe-se que a sobrecarga excessiva do
Os exercícios e o treinamento também podem afe- menisco e da cartilagem articular pode provocar al-
tar a força da cartilagem. Por exemplo, a rigidez da car- terações degenerativas, mas não em que magnitude
tilagem articular dos joelhos e dos tornozelos é apa- as forças compressivas tornam-se lesivas à cartila-
rentemente relacionada ao grau de estresse funcional gem (Escamilla, 2001). Deveria ser notado, também,
imposto durante o exercício (Yao e Seedhom, 1993). que as forças compressivas são importantes para a
Enquanto baixos volumes de exercício, incluindo o estabilização do joelho pela oposição às forças de ci-
exercício de força de alta intensidade, podem estimu- salhamento* e redução da translação tibial. Esse au-
lar o crescimento da cartilagem (van de Lest et al., 2000; mento da estabilização deveria oferecer proteção à
Lapvetelainen et al., 2001), elevados volumes de exer- laceração traumática da cartilagem, bem como dos
cício vigoroso (de alta produção de força) podem di- ligamentos cruzados.
minuir a integridade da cartilagem e aumentar o risco Embora os dados de estudos biomecânicos de-
potencial para lesão, induzindo fadiga mecânica senvolvidos com modelos humanos e animais sugi-
(Brama et al., 2000; Barneveld e van Weeren, 1999). ram que longos períodos de treinamento de força
Então, o treinamento com diferentes volumes ou in- muito vigorosos aumentem o risco potencial de le-
tensidades de exercício pode produzir diferentes efei- são à cartilagem, no momento atual há pouca evi-
tos, como demonstrado nos exemplos a seguir. dência de aumento da incidência de lesões traumáti-
cas ou doença degenerativa entre atletas de força e
Efeitos positivos. Algumas evidências sugerem que potência bem-treinados ou em ex-atletas. Na reali-
o aumento observado na atividade dos condrócitos, dade, os estudos originais e as revisões que conside-
resultando de volume apropriado de exercícios, é ram o potencial lesivo não demonstram taxa excessi-
mediado pelo aumento da concentração do fator de va de lesão entre atletas de força altamente treinados,
crescimento insulina-símile (IGF-I) no fluido sinovi- incluindo lesões relacionadas à cartilagem ou dege-
al. Assim, o exercício pode alterar o fluido sinovial de neração (Kuland et al., 1978; Fitzgerald e McLatchie,
maneira que produza efeito “favorável” no conteúdo 1980; Chandler et al., 1989; Hamill, 1994; Stone et
de proteoglicano (PG) da cartilagem por potencializar al., 1994).
a síntese de PG e reduzir a degradação (van de Lest
et al., 2000). Densidade mineral óssea e massa
óssea
Efeitos negativos. Enquanto a fadiga mecânica de-
sempenha papel importante em doenças cartilagíne- O osso age como suporte estrutural e como um
as degenerativas, é difícil estabelecer sua causa exata. sistema de alavanca na transferência da força mus-
No caso da condromalacia patelar, a gravidade da le- cular para a locomoção e outras atividades. É um
são provavelmente não está relacionada ao conteúdo
de colágeno ou de ligações cruzadas, mas parece de-
pender da concentração de proteoglicano (Väätäinen
et al., 1998). Essas observações diferenciais indicam
um nível ótimo (volume) de treinamento capaz de *N. de R.T. Relativo à expressão inglesa “shear forces”.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 365
1980). Rresultados similares têm sido registrados para treinamento que não incluem exercícios de força de-
jogadores de beisebol (Watson, 1974). Entre vários monstram normalizar a densidade mineral óssea do
atletas, o fêmur da perna dominante demonstra maior osso degenerado (Goodship et al., 1979; Chien et al.,
densidade óssea que o da perna não-dominante 2000). No entanto, Dalen e Olsen (1974) não cons-
(Nilsson e Westlin, 1971). tataram que o treinamento aeróbio tenha afetado o
conteúdo mineral ósseo de trabalhadores de escritó-
rio em três meses. Marguiles e colaboradores (1986)
Treinamento aeróbio
analisaram os efeitos do treinamento militar na densi-
Estudos transversais de atletas altamente treina- dade óssea tibial de 259 recrutas de infantaria durante
dos em atividades aeróbias demonstram resultados 14 semanas. O aumento médio na densidade mineral
mistos, particularmente o jogging, na densidade óssea foi de 5,2% para a perna direita e de 11,1% para
óssea. Corredores de longa distância ( > 64 km por a esquerda. No entanto, 41% dos 268 recrutas origi-
semana) apresentam densidade mineral óssea tibial e nais não completaram o período de treinamento, e o
radial similares, mas significativamente menor den- aumento na densidade mineral óssea foi relacionado
sidade mineral óssea vertebral quando comparados a ao tempo de treinamento realizado. Muitos recrutas
indivíduos sedentários ou corredores moderadamente desistiram do estudo devido a fraturas por estresse.
treinados ( < 64 km por semana). Jovens (13,1 anos) Williams e colaboradores (1984) constataram que cor-
corredores de distância de ambos os gêneros compa- redores que percorriam em média 141 km por semana
rados a controles não-treinados ajustados à idade, à possuíam maior densidade mineral óssea de calcâneo
altura e ao peso, demonstraram menor comprimen- quando comparados àqueles que corriam ≤ 65 km
to ulnar significativo (15,9 versus 17,0 cm), densidade por semana, sugerindo limiar para o volume de trei-
mineral óssea (0,67 versus 0,76 g·cm–1) e mineral/lar- namento.
gura (0,57 versus 0,62 g·cm–2). A densidade mineral Entre as mulheres pós-menopausa, a dança aeró-
óssea foi mais afetada em corredores do que em cor- bica foi mais eficiente na redução da perda óssea em
redoras. Buchanan e colaboradores (1988) estudaram um período de seis meses do que a caminhada (White
30 mulheres na faixa etária de 18 a 22 anos. Foram et al., 1984). Chow e colaboradores (1986) dividiram
analizadas sedentárias, atletas eumenorréicas e atle- 58 mulheres em três grupos: controle, dança aeróbi-
tas amenorréicas/oligomenorréicas. Nenhuma das vo- ca e dança aeróbica associada com treinamento de
luntárias realizava treinamento de força. Nenhuma força de baixa intensidade, caracterizado por sobre-
diferença significativa na densidade mineral óssea da carga manual. Após um ano, os resultados sugeriram
coluna lombar foi encontrada entre elas. No entanto, que a densidade mineral óssea aumentou no grupo
as atletas amenorréicas/oligomenorréicas possuíam de exercícios combinados, demonstrou pouca alte-
menor densidade mineral óssea. Os autores conclu- ração no grupo de dança aeróbica e pequena redu-
íram que o perfil hormonal representou importante ção no controle. Esse resultado indica que o treina-
fator no estado mineral ósseo. Descobertas similares mento aeróbio combinado com o de força pode ser
foram reportadas por Moen e colaboradores (1990) mais eficiente na remodelação óssea do que o treina-
para a densidade mineral óssea da coluna lombar mento aeróbio isolado. Essa descoberta está de acor-
entre corredoras de distância (15 a 18 anos). A densi- do com McDermott e colaboradores (2001). As dife-
dade mineral, assim como a massa óssea, pode ser renças no efeito do treinamento aeróbio na densidade
adversamente afetada pela amenorréia independen- mineral óssea podem ser influenciadas pelo grau de
temente do volume, da intensidade e do tipo de exer- transporte de peso, de taxa de tensão, assim como de
cício (Olsen, 1989). Um problema com os estudos volume e de intensidade do treinamento.
transversais de atletas, especialmente nos últimos 10
a 12 anos, é a proliferação dos programas de treina-
Treinamento de força
mento de força em todos os tipos de esportes, o que
torna difícil a interpretação dos dados. As atividades de alto impacto e elevada exigência
Geralmente, os estudos longitudinais refletem os de força, tais como o salto e o treinamento de força
resultados de estudos transversais. Entre os grupos parecem estar associadas com modificações na geo-
com baixa densidade mineral óssea, os programas de metria óssea nos locais estimulados (Notomi et al.,
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 367
2000; Petterson et al., 2000) e podem induzir altera- kN. O conteúdo mineral ósseo foi altamente correla-
ções axiais (comprimento do osso), desde que um cionado à sobrecarga de treinamento (r=0,82).
estímulo apropriado esteja envolvido. Portanto, atle- Tsuzuku e colaboradores (1998) encontraram que le-
tas engajados em atividades de alto impacto e eleva- vantadores de potência jovens apresentavam maior
da força demonstram maior densidade mineral ós- densidade mineral óssea na coluna lombar, assim
sea. Conseqüentemente, quando se analisa vários como no corpo total, quando comparados a indiví-
esportes, a densidade mineral óssea está relacionada duos normais. Um recente estudo de caso realizado
às demandas da atividade realizada (Bennell et al., por Dickerman e colaboradores (2000) registrou os
1997; Matsumoto et al., 1997; Calbert et al., 1999; maiores valores de densidade mineral óssea na colu-
Pettersson et al., 2000). na lombar em recordistas mundiais no agachamen-
Nilsson e Westlin (1971) estão entre os primei- to (1,859 g·cm–2 comparado ao controle que foi de
ros a analisar a densidade mineral óssea de acordo 1,197 g·cm–2). A força compressiva crítica lombar es-
com as demandas do esporte. Esses autores consta- timada em um agachamento de 469 kg foi duas vezes
taram maior densidade mineral óssea nos membros maior que aquela de valor crítico anteriormente re-
inferiores de atletas internacionais do que nos de gistrado de 18.000 N (Dickerman et al., 2000). Além
menor nível, que, por sua vez, apresentavam maior disso, esses resultados enfatizam a relação entre a
densidade mineral óssea do que controles não-trei- força muscular máxima e a densidade mineral óssea
nados. Além disso, foi demonstrado que nos espor- (Tsuzuku et al., 1998; Rhodes et al., 2000).
tes que requerem movimentos repetidos com eleva- O treinamento de força também tem sido asso-
da exigência de força, tais como o levantamento de ciado com aumento da densidade mineral óssea em
peso e eventos de lançamento, os atletas apresenta- indivíduos que não são atletas. Doze homens enga-
vam maior densidade mineral óssea quando compa- jados regularmente no treinamento de força durante
rados a corredores e a jogadores de futebol. Os na- um ano foram comparados a 50 controles ajustados
dadores (exercício que não requer transporte do peso à idade (19 a 50 anos). Foi observado um aumento da
corporal) possuem menor densidade mineral óssea densidade mineral óssea na coluna lombar (1,35 g·cm–2
(Nilsson e Westlin, 1971). Na realidade, consistente- versus 1,22 g·cm–2), no trocanter (0,99 g·cm–2 versus
mente tem sido demonstrado que os levantadores 0,96 g·cm–2) e no colo do fêmur (1,18 g·cm–2 versus
de peso possuem maior densidade mineral óssea 1,02 g·cm–2), mas não no rádio medial (0,77 g·cm–2
(Suominen, 1993; Klesges et al., 1996). Isso é eviden- versus 0,77 g·cm–2), sugerindo que o treinamento de
te mesmo em jovens levantadores de peso. Conroy e força é associado com um aumento da densidade
colaboradores (1990), ao estudar levantadores de peso mineral óssea em locais que transportam peso, mas
de elite da categoria júnior (17,4 anos), demonstra- não em locais que não o transportam (Colletti et al.,
ram que a densidade mineral óssea foi 113% (LII- 1989).
LIV) e 134% (colo do fêmur proximal) maior quan- Os estudos longitudinais também demonstram
do comparados a valores de referência (20 a 39 anos). que o treinamento de força pode alterar beneficamen-
Além disso, relações significativas foram encontra- te a deposição mineral óssea. Os efeitos do treina-
das entre a densidade mineral óssea na coluna, no mento de força têm sido de particular interesse às
colo do fêmur, no trocanter e no triângulo de Ward mulheres pós-menopáusicas, devido à osteoporose
com a capacidade máxima de levantamento no ar- associada particularmente com o efeito produzido na
ranque, no arremesso desenvolvido e total (arranque coluna lombar. Por exemplo, sobre um período de
mais arremesso desenvolvido). cinco meses, o treinamento de força corporal e auxi-
Observa-se também maior densidade mineral liado por um parceiro em mulheres pós-menopáusi-
óssea entre levantadores de potência. Granhed e co- cas elevou em 3,8% a deposição mineral óssea no
laboradores (1987) demonstraram que, entre oito le- rádio distal, com o grupo-controle demonstrando
vantadores de potência, a força calculada aplicada na decréscimo de 1,9% (Simkin et al., 1987). Dois dias
LIII (terceira vértebra lombar) e a sobrecarga total por semana de treinamento de força durante um ano
levantada no treinamento durante o ano anterior re- aumentaram significativamente a densidade mineral
lacionou-se ao conteúdo mineral ósseo da coluna. óssea da coluna lombar em mulheres pós-menopáu-
As forças compressivas em LIII variaram de 18 a 36,4 sicas (Nelson et al., 1994).
368 PAAVO V. KOMI
Mulheres jovens também podem demonstrar óssea tibial foi aumentada quando comparada aos
melhoria da densidade mineral óssea (DMO). Doze controles sedentários. Não foi demonstrado efeito na
meses de treinamento de força produziram aumento densidade mineral óssea ou na taxa de incorporação
significativo na densidade óssea da coluna lombar de mineral em protocolos de estudos anteriores, nos
mulheres pré-menopáusicas comparadas a contro- quais não foi utilizado o colete (Martin et al., 1981).
les (Gleeson et al., 1990). A densidade óssea da colu- Em humanos, as comparações entre atletas compe-
na lombar (e de outros locais) também foi melhorada tindo em esportes distintos com diferentes caracte-
em 1,9% em mulheres pré-menopáusicas (28 a 39 rísticas de transporte de peso, assim como de impac-
anos) após 18 meses de treinamento de força (Loh- to (taxa de tensão), indicam a importância desses dois
man et al., 1995). componentes na otimização das alterações da DMO.
Homens idosos também se beneficiam do trei- Os atletas envolvidos em atividades de alto impacto,
namento de força. Dezesseis semanas de treinamen- como o basquete e o vôlei, quando comparados a
to de força de característica progressiva (75 a 90% de atletas de esportes de impacto ausente (natação) ou
1-RM) produziram aumento significativo na DMO moderado (pista e futebol), tendem a apresentar va-
do triângulo de Ward em homens idosos (67 ± 1 anos). lores significativamente maiores de densidade mine-
Foi observado aumento da densidade mineral óssea ral óssea (Creighton et al., 2001). Estudos longitudi-
em vários locais em homens jovens (54,6 ± 3,2 anos) nais corroboram as descobertas entre atletas. Por
comparados aos controles após 24 semanas de trei- exemplo, Maddalozzo e Snow (2000) compararam os
namento de força. efeitos de 24 semanas de um programa de treinamen-
Deve-se notar que as alterações na massa corpo- to de força de intensidade moderada realizado em
ral magra, na porcentagem de gordura e na força equipamentos a um programa realizado com peso li-
máxima tipicamente acompanham as alterações na vre (i. e., transporte de peso). Os autores concluíram
DMO. Os dados de estudos desenvolvidos com ho- que o programa com pesos livres foi mais eficaz na
mens e mulheres idosos indicam que o treinamento melhora da DMO da coluna em mulheres (52,8 ±
de força pode melhorar a DMO, assim como outras 3,3 anos) e em homens idosos (54,6 ± 3,2 anos). Es-
variáveis físicas e de desempenho. ses dados novamente indicam que o treinamento de
força, particularmente com maiores taxas de tensão
e com um componente de transporte de peso, pode
Considerações sobre intensidade e trans-
substancialmente alterar a DMO.
porte de peso
Lane e colaboradores (1988) compararam o trei-
namento aeróbio (jogging) com o treinamento de for- Mecanismos que promovem a
ça, ambos realizados durante um período de cinco remodelação do tecido conjuntivo
meses. O treinamento de força produziu um aumen-
to mais significativo na densidade mineral óssea da Lesão tecidual
coluna lombar do que o treinamento aeróbio, quan-
do a adesão ao programa foi considerada uma desco- O exercício, especialmente com grande compo-
berta respaldada por experimentos realizados em ani- nente de ação excêntrica, pode resultar em lesão mus-
mais (Notomi et al., 2000). cular (Ebbling e Clarkson, 1989). Corrida com dis-
A importância da intensidade do exercício e do tância muito longa (24 horas) afeta as alterações
transporte de peso foi considerada por Martin e co- teciduais, provavelmente por lesionar as células que
laboradores (1981). Foram exercitados cães da raça sintetizam colágeno, elevando a concentração sérica
beagle em uma esteira rolante durante 75 minutos a de galactosilhidroxilisil-glicosiltransferase (S-GGT),
3,3 km·h–1, cinco dias por semana, durante 71 sema- assim como de pró-peptídeo aminoterminal pró-co-
nas. Colocou-se um colete com sobrecarga nos cães, lágeno tipo III sérico (S-PRO-(III)-N-P) (Takala et al.,
de modo que a sobrecarga pudesse ser aumentada 1976). A alteração na concentração do S-GGT como
até 130% da massa corporal do animal durante 23 do S-PRO-(III)-N-P correspondeu às alterações na
semanas, permanecendo constante nas últimas 48 fosfocreatina (CPK) ou no lactato desidrogenase
semanas restantes. A taxa de incorporação mineral (LDH). Após o exercício, o S-GGT retornou ao nor-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 369
mal, mas o S-PRO-(III)-N-P continuou a aumentar um fator que contribui para a tensão funcional, que é
(40%). Isso provavelmente estimularia a síntese de o estímulo para a remodelação óssea. Os três fatores
colágeno tipo III. principais que modificam o osso são (Lanyon, 1987):
As elevadas forças associadas às ações excêntri-
1 a magnitude da tensão;
cas causam considerável estresse ao músculo e ao
2 a taxa de tensão;
tecido conjuntivo. Os produtos da lesão de colágeno
3 a distribuição da tensão.
como resultado do exercício podem agir como agen-
tes quimiotáticos para que os monócitos se transfi- Baixas tensões não contribuem para a remodela-
ram do sangue ao músculo (Armstrong et al., 1983). ção eficaz óssea independentemente da distribuição
Os monócitos transformam-se em macrófagos. A fun- (Lanyon, 1987). Esses fatores podem explicar as alte-
ção destes últimos é fagocítica, após se infiltrarem na rações ósseas relativamente pequenas associadas ao
área lesada. As células invasoras podem ser uma con- típico treinamento aeróbio (Notomi et al., 2000). Além
seqüência e não uma causa da lesão e agir para re- disso, mulheres amenorréicas com baixa concentra-
mover componentes celulares lesionados (Jones et al., ção de estrógeno e que realizam treinamento aeró-
1986). As células invasoras podem possuir atividade bio podem experimentar dois problemas: o treina-
miogênica (Stauber et al., 1988). Os proteoglicanos, mento aeróbio pode não ser de intensidade suficiente
componentes do tecido conjuntivo influenciados pe- para afetar adequadamente a remodelação óssea, e a
los processos de lesão muscular, são importantes na baixa concentração de estrógeno pode reduzir a rea-
regulação do processo miogênico (Fritz e Stauber, bsorção do cálcio.
1988). Então, o tecido conjuntivo pode exercer papel O treinamento de força pode satisfazer mais ade-
regulador, assim como estrutural na lesão e no pro- quadamente o critério para a remodelação óssea (No-
cesso de reparo (Ebbling e Clarkson, 1989). tomi et al., 2000). Além disso, a taxa de tensão pode
Os peptídeos que promovem crescimento, tais ser particularmente importante na remodelação ós-
como o fator de crescimento insulina-símile (IGF-I) sea. O exercício desenvolvido para elevar o pico de
e o fator de crescimento de tecido conjuntivo (CTGF), massa óssea, bem como a sua densidade, ou, ainda,
também podem exercer papel na regeneração e no para prevenir o seu decréscimo, tal como o causado
crescimento do tecido conjuntivo (Parkhouse et al., pelo avanço decorrente da idade, deve envolver altas
2000). Muitos desses fatores que promovem o cres- taxas de tensão, mas necessita de duração relativa-
cimento são ativados por respostas autócrinas e pa- mente curta. Certos tipos de treinamento de força/
rácrinas à lesão tecidual, ao estiramento repetitivo ou potência, como o treinamento de levantamento de
à ativação hormonal (Bishoff, 1984; Perrone et al., pesos, que incluem vários movimentos rápidos e ele-
1995; Yarasheki et al., 1997). O treinamento de força vada taxa de produção de força, assim como os exer-
que apresenta um elevado componente excêntrico ou cício com o peso do próprio corpo, provavelmente
um volume suficientemente alto, os quais causam fornecem alta magnitude de tensão, distribuição de
lesão muscular, poderia estimular a produção de tais tensão variada e elevada taxa de tensão.
fatores responsáveis pelo crescimento.
Influências hormonais
Estímulo para incorporação mineral
óssea O exercício e o treinamento podem alterar subs-
tancialmente a concentração hormonal (Terjung,
A remodelação é uma função do estresse e da ten- 1980; Stone, 1990). Os hormônios anabólicos, entre
são experimentada pelo osso. A adaptação óssea é eles a testosterona e o hormônio do crescimento,
modificada por vários fatores, incluindo o nutricional, podem aumentar como resultado do exercício (in-
o hormonal e a tensão funcional. Tem sido sugerido cluindo exercícios de força) de adequada intensidade
que existe uma “tensão efetiva mínima”, que repre- (Terjung, 1980; Stone et al., 1991; Häkkinen et al.,
senta a menor tensão necessária para manter a remo- 2000). A razão testosterona/cortisol pode refletir o
delação equilibrada, assim como para a preservação estado anabólico relativo (Häkkinen et al., 1985). O
óssea em valores relativamente constantes (Frost, treinamento de força adequado pode aumentar essa
1986). No entanto, a magnitude representa somente razão, o que pode induzir aumentos na massa corpo-
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Capítulo 19
Respostas endócrinas e adaptações
ao treinamento de força e potência
WILLIAM J. KRAEMER E NICHOLAS A. RATAMESS
expressão aguda da força, da potência e da resistên- gramas de treinamento de força elaborados de forma
cia musculares, e nas adaptações crônicas subseqüen- inadequada (destreinamento e/ou sobretreinamento*)
tes. Uma seqüência esquemática geral de eventos é podem limitar os benefícios potenciais e as adapta-
apresentada na Figura 19.1. ções fisiológicas ótimas. Desse modo, os mecanismos
Um programa de treinamento de força adequa- hormonais afetam adversamente o desenvolvimento
do deve incorporar três conceitos fundamentais de tecidual e ativam minimamente os mecanismos que
progressão: sobrecarga progressiva, variação e espe- aumentam os processos de adaptação. Então, o pro-
cificidade. Tais especificações tentam maximizar as grama de treinamento, assim como a predisposição
adaptações do sistema neuromuscular (Kraemer e genética, o gênero, o nível de aptidão física e o po-
Ratamess, 2000). Por exemplo, haverá maior recruta- tencial para adaptação desempenham papel signifi-
mento das unidades motoras com sobrecarga pro- cativo nas respostas hormonais aos exercícios com
gressiva (Sale, 1988). O recrutamento de maior nú- sobrecarga.
mero de fibras musculares capacita a interação O aumento agudo nas concentrações sangüíneas
hormônio-tecido com maior porcentagem de massa hormonais é fruto de vários mecanismos, que incluem
muscular total. Dessa forma, o potencial para me- ajuste no volume de fluido, alteração nas taxas de
lhorar aumenta significativamente. depuração extra-hepática, alterações na depuração
Os mecanismos de interação hormonal com o hepática secundárias ao fluxo sangüíneo hepático,
tecido muscular são baseados em vários fatores (ver degradação hormonal, conjunto venoso de interações
Capítulo 5). O aumento agudo na concentração san- sangue e receptor (Jezova e Vigas, 1981; Kraemer et
güínea de hormônios observado durante e imediata- al., 1992; Schwab et al., 1993). Um ou mais desses
mente após a realização de um protocolo de exercí- fatores podem estar envolvidos na exposição dos re-
cios de força aumenta a probabilidade de interação ceptores celulares a maior concentração de hormô-
destes hormônios com os receptores. O número de nios, o que aumenta a probabilidade de interação dos
receptores disponíveis para a ligação e as subseqüen- receptores, induzindo remodelação tecidual. Além
tes alterações celulares coincide com as concentra- disso, a interação desses hormônios (ações estimu-
ções hormonais sangüíneas. Além disso, consideran- lantes, inibitórias ou permissivas) é de grande impor-
do que as adaptações aos exercícios com sobrecarga tância durante o treinamento de força. Isso porque
intensa são “anabólicas” por natureza, os mecanis-
mos de recuperação envolvidos são relacionados à
remodelação e ao reparo teciduais. Por último, os pro- *N. de R.T. Relativo à expressão inglesa “overtraining”.
Figura 19.3 Características circulatórias do transporte de hormônios desde a síntese e da secreção para receptores-alvo até suas
interações com a célula.
teroidogênese) e meia-vida para a degradação depen- • Taxas de depuração. As taxas de depuração tecidu-
dendo da sua forma — livre ou ligada. al (especialmente hepática) de um hormônio; ou seja,
• Interações com as proteínas de ligação no sangue. Os o tempo que um hormônio percorre da circulação
hormônios ligam-se com proteínas especializadas no ao tecido. Os hormônios circulam através de vários
sangue, que auxiliam no transporte. Os hormônios tecidos e órgãos, sendo o fígado um dos principais
livres e ligados interagem de maneira diferente com locais de processamento no corpo. É observado re-
o tecido; finalmente, é o hormônio livre que interage tardo de tempo quando o hormônio percorre da cir-
com a membrana ou outros receptores celulares. culação ao fígado e outros tecidos (p. ex., pulmões).
• Alterações no volume do fluido. O fluido corporal ten- O tempo de depuração de um tecido mantém o hor-
de a alterar do sangue para as células como resulta- mônio fora da circulação e distante do contato com
do do exercício. Essa alteração pode elevar a con- receptores-alvo em outras partes do corpo ou pode
centração sangüínea hormonal sem qualquer degradá-lo e torná-lo não-funcional.
alteração da secreção das glândulas endócrinas. Tem • Volume sangüíneo venoso. O fluxo sangüíneo que
sido sugerido que tais alterações na concentração retorna ao coração torna-se lento pelo volume de
aumentam a probabilidade de interação com os re- sangue nas veias; o sangue é retardado na circulação
ceptores. A interação, nesse caso, independe do me- periférica pela atividade muscular intensa (ações
canismo de aumento. musculares maiores que 45% do máximo). Então, o
380 PAAVO V. KOMI
fluxo sangüíneo deve ser recuperado durante os in- riférica de testosterona total em homens (Weiss et
tervalos em que a atividade muscular é reduzida. O al., 1983; Chandler et al., 1994; Hickson et al., 1994;
volume de sangue pode aumentar as concentrações Häkkinen e Pakarinen, 1995; Kraemer et al., 1998b;
de hormônios no sangue venoso e também o tempo Kraemer et al., 1999), enquanto em mulheres jovens
de exposição aos tecidos-alvo. nenhuma alteração (Häkkinen e Pakarinen, 1995) ou
• Interações entre os receptores. Todos esses mecanis- aumento pode ocorrer (Cumming et al., 1987; Nindl
mos interagem para produzir determinada concen- et al., 2001d). Inúmeras respostas a vários protoco-
tração de hormônio no sangue, que influencia o po- los de exercícios com sobrecarga têm sido observa-
tencial para interação com os receptores no tecido das e algumas das variações são demonstradas na Fi-
alvo e seus efeitos secundários subseqüentes, cau- gura 19.4. Além disso, atribui-se o aumento na
sando o efeito final do hormônio na célula. testosterona durante os exercícios com sobrecarga à
estimulação adrenérgica (Jezova e Vigas, 1981) e à
Também existem muitas adaptações no sistema
secreção estimulada pelo lactato (Lu et al., 1997). As
endócrino, enquanto os tecidos muscular e conjun-
possíveis ações da testosterona foram previamente
tivo representam os alvos finais de muitos progra-
revisadas (ver Capítulo 5). Foi sugerido que as adap-
mas de treinamento de força. Essas alterações são
tações na síntese de testosterona e/ou na capacidade
temporariamente relacionadas às mudanças nos ór-
de secreção das células de Leydig nos testículos po-
gãos-alvo e à tolerância do estresse ao exercício. O
dem representar uma importante causa da elevação
potencial para adaptação no sistema endócrino é
sangüínea deste hormônio (Fry e Kraemer, 1997). Seu
maior na medida em que muitos locais e mecanis-
papel no aumento de outros mecanismos hormonais
mos diferentes podem ser afetados. Os exemplos a
anabólicos parece ser de interesse primário. Em adi-
seguir representam tipos potenciais de adaptações.
ção, os efeitos da testosterona no tecido neuronal pe-
• Quantidade de síntese e estoque hormonal. riférico estão começando a ser apreciados (Nagaya e
• Transporte hormonal através de proteínas de li- Herrera, 1995). Uma vez que aumento na concen-
gação. tração de testosterona tem sido observado durante
• Tempo necessário para a depuração dos hormô- exercícios de endurance, variações em suas ações po-
nios através dos tecidos hepáticos e extra-hepáticos. dem ocorrer pelas diferenças no ambiente celular
• Quantidade de degradação hormonal em deter- como conseqüência do treinamento de força.
minado período de tempo. É a fração livre, ou não ligada, da testosterona
• O quanto de sangue flui ao tecido com o estresse que é biologicamente ativa, de modo que as altera-
provocado pelo exercício. ções no conjunto de testosterona livre têm papel crí-
• Força com a qual o hormônio liga-se ao seu re- tico na ligação do receptor e subseqüente aumento
ceptor (afinidade com o receptor), que não ocorre na síntese protéica. Dessa maneira, a ausência de al-
com o treinamento. teração na concentração total de testosterona nem
• Quantidade de receptores teciduais. sempre é reflexo da sua biodisponibilidade. Então, o
• Magnitude do sinal enviado ao núcleo celular pelo decréscimo da globulina ligada ao hormônio sexual
complexo hormônio-receptor ou segundo mensageiro. (SHBG), associado a nenhuma alteração na concen-
• Grau de interação com o núcleo celular (que de- tração total, indica adaptação potencial benéfica ao
veria controlar a quantidade de proteína muscular treinamento de força.
produzida). Dados insuficientes estão disponíveis em relação
à resposta aguda da testosterona livre aos exercícios
com sobrecarga. Häkkinen e colaboradores (1987,
Testosterona 1988a,b) observaram que a testosterona livre perma-
nece inalterada ou diminui após sessões de exercícios
Respostas agudas aos protocolos com sobrecarga. Recentemente, Kraemer e colabo-
de exercícios com sobrecarga radores (1999b) registraram elevação significativa na
testosterona livre sérica durante sessão aguda de exer-
Em muitos estudos, o treinamento de força cícios com sobrecarga, tanto em homens jovens como
aumenta agudamente a concentração sangüínea pe- em idosos. É interessante observar que a magnitude
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 381
Figura 19.4 Resposta aguda da testosterona a vários protocolos de exercício com sobrecarga em homens. * P < 0,05 corresponde
ao valor de repouso ou pré-exercício; ↑ ou ↓ significativa direção da alteração; NC significa nenhuma alteração em relação aos níveis
de repouso. A: uma série de supino plano, número máximo de repetições a 70% de 1-RM (Guezennec et al., 1986); B: seis séries
de oito repetições a 70% de 1-RM (Guezennec et al., 1986); C: sessão completa de exercício olímpico (segundo dia) (Häkkinen et
al., 1988a); D: sessão completa de exercício olímpico (primeira sessão) (Häkkinen et al., 1988a); E: três séries de quatro exercícios
a 80% de 1-RM (Weiss et al., 1983); F: cinco séries de levantamento-terra com 5-RM – participantes inexperientes (Fahey et al.,
1976); G: cinco séries de levantamento-terra com 5-RM — participantes experientes (Fahey et al., 1976); H: quatro séries de
agachamento com seis repetições a 90 e 95% de 6-RM (Schwab et al., 1993); I e J: três séries de 10-RM com intervalo de
repouso de 1 minuto realizados em oito exercícios (Kraemer et al., 1990; Kraemer et al., 1991); K: cinco séries de 10-RM com
intervalo de repouso de 3 minutos, realizadas no supino plano, abdominal e leg press (Häkkinen e Pakarinen, 1995).
de aumento foi ligeramente maior após 10 semanas nen e Pakarinen, 1993; Schwab et al., 1993; Bosco et
de treinamento de força periodizado quando compa- al., 2000; Raastad et al., 2000), pela ingestão nutricio-
rada à resposta pré-treinamento. Além disso, houve nal (Kraemer et al., 1998b) e pela experiência com
aumento significativo na concentração sérica de tes- treinamento (Kraemer et al., 1998a), porém independe
tosterona livre em repouso em homens jovens. Têm do nível absoluto individual de força muscular
sido relatadas correlações positivas entre a taxa de (Kraemer e Fleck, 1988).
testosterona sérica/SHBG e as alterações na força Os exercícios selecionados e a quantidade de
muscular durante o treinamento de força de longo massa muscular envolvida podem afetar a resposta
prazo (Häkkinen et al., 1985), sugerindo que o nível aguda da testosterona total aos exercícios com so-
de testosterona não-ligada biologicamente ativa pode brecarga. Exercícios que envolvem grande massa
ser de grande importância para a treinabilidade du- muscular, como os levantamentos olímpicos (Krae-
rante o treinamento de força prolongado (Häkkinen, mer et al., 1992) e o levantamento-terra (Fahey et al.,
1989). No entanto, é necessária pesquisa adicional 1976), produzem elevação significativa na concen-
nessa área, pois parece que o hormônio ligado pode- tração de testosterona. Volek e colaboradores (1997)
ria influenciar significativamente a taxa de liberação relataram aumento agudo de aproximadamente 15%
hormonal (Elkins, 1990). na concentração de testosterona após um protocolo
Nos homens, vários fatores parecem influenciar que consistia de saltos com agachamento em com-
as concentrações séricas agudas de testosterona to- paração a 7% de aumento segundo o protocolo cons-
tal. Tem-se observado que a magnitude de aumento tituído inteiramente pelo supino reto. Tais exercícios
durante os exercícios com sobrecarga afetada pela para grandes grupos musculares têm demonstrado
massa muscular envolvida, pela seleção de exercício ser potentes estressores metabólicos (Ballor et al.,
(Volek et al., 1997), pela intensidade e pelo volume 1987); então, um forte componente metabólico tem
(Kraemer et al., 1990; Kraemer et al., 1991; Häkki- sido sugerido como estímulo para a liberação de tes-
382 PAAVO V. KOMI
tosterona (Lu et al., 1997). Com base em dados limi- colos de alta e moderada intensidade). No entanto, a
tados, parece que os programas delineados para esti- concentração de testosterona não aumentou signifi-
mular a secreção de testosterona deveriam consistir cativamente até o final da quarta série. Os autores
de exercícios para os grandes grupos musculares. concluíram que um determinado limiar de volume
Além disso, a seqüência dos exercícios não tem rece- pode ser necessário para induzir aumento significa-
bido atenção na literatura referente à resposta aguda tivo na concentração de testosterona. Bosco e cola-
da testosterona. Foi sugerido que os exercícios para boradores (2000) fizeram observações similares. Eles
os grandes grupos musculares devem ser realizados registraram aumento significativo na concentração
antes daqueles para os pequenos grupos (Kraemer e de testosterona com o treinamento de força de alto
Ratamess, 2000). À luz dessa informação, o desem- volume, sem alteração durante o treinamento de for-
penho de exercícios para os grandes grupos muscu- ça de baixo volume (20 séries de 2 a 4 repetições do
lares (agachamento, levantamento-terra, “metida ao meio agachamento vs. 10 séries de 2 a 3 repetições)
peito”*) no início da sessão de treinamento pode pro- em levantadores de peso. Entretanto, nesse estudo,
duzir elevação significativa na testosterona que pode, as concentrações de testosterona reduziram em um
por sua vez, potencialmente expor os pequenos mús- grupo de fisiculturistas que realizaram um protocolo
culos a uma maior resposta do que aqueles resultan- de baixa intensidade com maior volume do que os
tes do desempenho de exercícios apenas para peque- levantadores de peso, demonstrando a interação en-
nos grupos musculares. No entanto, é necessária a tre volume e intensidade dos exercícios com sobre-
realização de pesquisa adicional para analisar essa hi- carga para estimular a secreção de testosterona.
pótese relacionada à ordem dos exercícios. Häkkinen e Pakarinen (1993) compararam dois pro-
A interação da intensidade e do volume do pro- gramas de treinamento consistindo do agachamen-
grama de treinamento de força afeta a resposta agu- to: (I) 20 séries de 1-RM; e (II) 10 séries de 10 repeti-
da da testosterona. Gotshalk e colaboradores (1997) ções com 70% de 1-RM; houve aumento significativo
demonstraram que três séries de 10-RM com perío- somente na testosterona total e livre na sessão de
do de recuperação de 1 minuto produziram maiores maior volume. Guezennec e colaboradores (1986)
concentrações que uma série de 10-RM. Weiss e co- registraram somente um pequeno aumento na con-
laboradores (1983) registram aumento significativo centração de testosterona durante o treinamento de
na testosterona sérica após três séries de quatro exer- força convencional (i. e., 3 a 4 séries de 3 a 10 repeti-
cícios realizados até a fadiga voluntária usando 80% ções entre 70 e 95% de 1-RM, com 2,5 minutos de
de 1-RM com intervalos de 2 minutos de repouso. recuperação). Todavia, foi observada resposta limita-
Raastad e colaboradores (2000) empregaram dois da na concentração de testosterona quando a sobre-
protocolos similares, exceto por um grupo ter utili- carga foi posteriormente aumentada e as repetições
zado 70% de 3 a 6-RM, e o outro ter utilizado 100% reduzidas para três. Os resultados também demons-
de 3 a 6-RM, registrando resposta significativamente tram um possível componente glicolítico na estimu-
maior da testosterona e do cortisol após um proto- lação da concentração de testosterona. Esses resul-
colo de alta intensidade até 1 hora pós-exercício. tados foram posteriormente fundamentados por uma
Schwab e colaboradores (1993) compararam um pro- série de estudos desenvolvidos por Kraemer e cola-
tocolo de 4 × 6 (90 a 95% de 6-RM) a um de 4 × 9 –10 boradores (1990, 1991). Um programa típico de fisi-
(60 a 65% da sobrecarga empregada para a alta in- culturista (moderada sobrecarga e elevado volume)
tensidade) no agachamento, registrando aumento si- com curto período de recuperação produziu maior
milar na testosterona após ambos os protocolos (31 resposta da testosterona quando comparado a outro
e 27% de aumento, respectivamente, para os proto- com elevada sobrecarga e baixo volume de treina-
mento, com longo período de recuperação (3 minu-
tos). Bosco e colaboradores (2000) registraram de-
créscimo na concentração de testosterona com um
*N. de R.T. Relativo ao exercício “power clean”, no qual a barra
com anilhas é levantada do solo e levada aos ombros em um programa constituído de baixo volume (seis séries
único e potente movimento. É caracterizado como um exercí- de 16 repetições) e de intervalos de repouso de 8
cio de potência muscular. minutos.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 383
resposta da testosterona em sessões vespertinas, do quando ratos foram estimulados durante 16 dias
que em matutinas em levantadores de peso de elite (Crowley e Matt, 1996). McCall e colaboradores
em múltiplas sessões de treinamento por dia. As (1999) e Hickson e colaboradores (1994) não regis-
múltiplas sessões de treinamento por dia têm o in- traram alteração na concentração de testosterona em
tuito de maximizar o desempenho. No entanto, é di- repouso durante 9 a 12 semanas de treinamento de
fícil interpretar os dados hormonais em diferentes força. Staron e colaboradores (1994) relataram uma
períodos do treinamento quando as variações diur- elevação significativa na concentração de testostero-
nas são muito influentes; o mesmo ocorre em rela- na em repouso, após 4 de 8 semanas de programa de
ção ao volume total de treinamento, sendo que a con- treinamento de força. As alterações nas fibras do tipo
centração sérica de testosterona voltou ao normal II foram relacionadas à alteração na concentração de
quando a freqüência do treinamento foi reduzida a testosterona em repouso. Häkkinen e colaboradores
uma sessão por dia (Häkkinen et al., 1987). (1988c) relataram aumento na concentração de tes-
tosterona em repouso em levantadores de peso de
Alterações crônicas na elite em um período de dois anos (19,8 ± 5,3 a 25,1 ±
concentração de testosterona em 5,2 nmol·L–1), mas não em um ano (Häkkinen et al.,
repouso 1987). Reaburn e colaboradores (1997) não registra-
ram alteração significativa na concentração sérica de
As alterações na concentração de testosterona em testosterona em repouso após 24 semanas de treina-
repouso durante o treinamento de força têm sido in- mento periodizado em atletas de força dos gêneros
consistentes. Parece não haver aumento gradual ou masculino e feminino. Em mulheres, nenhuma alte-
padrão consistente na concentração de testosterona ração tem sido observada em 3 e 16 semanas de trei-
em repouso com o treinamento de força, tanto em namento de força e potência (Häkkinen et al., 1990;
homens como em mulheres (Alen et al., 1988; Häkkinen et al., 1992). No entanto, um recente estu-
Potteiger et al., 1995), embora uma elevação signifi- do desenvolvido por Marx e colaboradores (2001) do-
cativa tenha sido registrada em meninos pré-púbe- cumentou uma elevação significativa na concentra-
res e púberes (Tsolakis et al., 2000). Mais do que isso, ção sérica de testosterona em repouso com a maior
parece que as concentrações em repouso refletem um resposta no treinamento periodizado de maior vo-
estado do tecido muscular tal que o aumento ou di- lume, múltiplas séries, quando comparado a um pro-
minuição podem ocorrer em vários estágios, depen- grama de uma série única durante seis meses de trei-
dendo do volume e da intensidade do estímulo do namento.
treinamento (Häkkinen et al., 1987), assim como da Talvez o número de receptores de andrógenos
experiência individual no treinamento de força (Kra- (p. ex., através de sub e supra-regulação) que poten-
emer et al., 1992). Esses dados demonstram o estado cialmente interage com a testosterona livre biologi-
de constante alteração do tecido muscular e a im- camente ativa seja mais importante para as adapta-
portância da variação do treinamento durante o de- ções ao treinamento de força. Muito poucos estudos
senvolvimento do programa. analisam as alterações no nível do receptor. O trei-
Há registros de aumento na concentração de tes- namento de força parece supra-regular os receptores
tosterona em repouso em alguns estudos (Häkkinen de andrógenos em ratos (Inoue et al., 1993). Além
et al., 1988c; Staron et al., 1994; Kraemer et al., 1999b; disso, Deschenes e colaboradores (1994) demonstra-
Marx et al., 2001). Vários outros estudos não têm ram que a resposta do receptor é diferente nas fibras
demonstrado diferenças (Häkkinen et al., 1985; musculares dos tipos I e II como efeito induzido pe-
Häkkinen et al., 1987; Alen et al., 1988; Reaburn et los exercícios com sobrecarga quando comparados
al., 1997). É interessante observar que a concentra- aos de endurance. Recentemente, Bamman e colabo-
ção média de testosterona livre e total tem sido alta- radores (2001) compararam a sobrecarga concêntri-
mente correlacionada com a produção de força ca e excêntrica (oito séries de agachamento) e regis-
(r = 0,81 a 0,83) (Häkkinen et al., 1990). No entanto, traram que o RNAm dos receptores de andrógenos
não foi observada alta correlação entre a concentra- aumentou 63% após sobrecarga excêntrica e 102%
ção de testosterona e a alteração na massa muscular após sobrecarga concêntrica sem aumento concomi-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 385
tante na concentração sérica de testosterona. Esses estudos têm examinado a resposta aguda aos exercí-
resultados indicam adaptação positiva em nível celu- cios com sobrecarga. Weiss e colaboradores (1983)
lar, sem alteração significativa nos hormônios circu- registraram aumento de 8 a 11% na androstenedio-
lantes. Parece que a contratilidade muscular e/ou a na circulante em homens e em mulheres em respos-
lesão mecânica exercem um efeito potente na regu- ta a uma sessão aguda de exercícios com sobrecarga,
lação do número de receptores de andrógenos, o que que consistiu de três séries com repetições até a fadi-
aumenta a probabilidade de interação hormonal e ga voluntária a 80% de 1-RM para quatro exercícios,
subseqüente síntese protéica. com dois minutos de intervalo (repouso). No entan-
to, pouco é conhecido sobre o impacto do aumento
Precursores andrógenos agudo na androstenediona no aumento da força e
hipertrofia muscular.
A via biossintética da testosterona contém mui- O treinamento de força crônico (24 semanas de
tos passos. Algumas dessas moléculas precursoras têm treinamento de força e potência) diminui a concentra-
sido investigadas durante o treinamento de força. A ção sérica dos precursores de testosterona 17-OH-pro-
alteração nos precursores pode afetar a concentra- gesterona, androstenediona e DHEA (Alen et al., 1988).
ção circulante de testosterona e potencialmente o O impacto dessas descobertas é incerto, mas pode su-
estado anabólico do tecido muscular. A androstene- gerir maior potencial de turnover dos andrógenos em
diona e a desidroepiandrosterona (DHEA) são an- resposta ao treinamento de força. Então, a influência
drógenos adrenais precursores da testosterona (Long- desses precursores no treinamento de força de longo
cope, 1996). Esses dois compostos despertaram prazo também necessita de ampla investigação.
recentemente muita atenção devido à sua populari-
dade como suplemento nutricional e a seu uso em Resposta do hormônio luteinizante
esportes (Pecci e Lombardo, 2000). Os estudos de-
monstram que doses recomendadas (100 a 300 O hormônio luteinizante (LH) é um hormônio
mg·dia–1) desses compostos não aumentam a con- protéico pulsátil secretado pelas células basofílicas
centração circulante de testosterona em homens sau- da hipófise anterior, que representa o regulador pri-
dáveis (King et al., 1999; Wallace et al., 1999; Ballan- mário da secreção de testosterona das células de
tyne et al., 2000), embora as concentrações de DHEA, Leydig dos testículos (Fry e Kraemer, 1997). A con-
androstenediona e de hormônio luteinizante (LH) centração de LH é positivamente relacionada à in-
estejam significativamente elevadas. Portanto, o po- tensidade e ao volume do treinamento de força
tencial efeito ergogênico dos hormônios precursores (Häkkinen et al., 1987; Busso et al., 1992). A concen-
na hipertrofia muscular, no desempenho, na força e tração de LH em repouso pode não se alterar signifi-
na potência associados ainda deve ser observado e cativamente em homens e em mulheres no treina-
requer análise adicional, particularmente devido ao mento de força e potência de 16 a 24 semanas
fato de muitos indivíduos consumirem uma dose (Häkkinen et al., 1985; Häkkinen et al., 1990), mas
maior do que a recomendada. O método de adminis- um sutil aumento tem sido demonstrado em atletas
tração (oral versus sublingual versus injeção) também de força durante períodos intensos de treinamento
pode ser importante na utilização de hormônios pre- (Häkkinen et al., 1988c; Häkkinen e Pakarinen, 1991),
cursores da testosterona. com as concentrações de LH retornando aos valores
Os andrógenos adrenais exercem papel impor- basais no treinamento normal (Häkkinen e Pakari-
tante em mulheres, considerando os baixos níveis de nen, 1991). Parece que a interação do volume e in-
testosterona. Além disso, as variações nas concen- tensidade é um importante estimulador. Busso e co-
trações de andrógenos adrenais entre mulheres po- laboradores (1992) compararam um programa de
dem afetar sua treinabilidade. Em repouso, as mu- treinamento vigoroso de quatro semanas em levan-
lheres normalmente apresentam maior concentração tadores de peso de elite com um reduzido programa
de androstenediona do que os homens (Weiss et al., de treinamento de duas semanas e relataram decrés-
1983). No entanto, a androstenediona é significati- cimo na concentração sérica de testosterona com
vamente menos potente que a testosterona. Poucos aumento no LH sérico na fase intensa do treinamen-
386 PAAVO V. KOMI
to. Foi assumida a hipótese de que o decréscimo na de SHBG (Häkkinen et al., 1987). Häkkinen e colabo-
testosterona contribuiu para o aumento no LH, sen- radores (1988b) não documentaram aumento agudo
do que as concentrações de testosterona não retor- na concentração de SHBG em sessão matutina em le-
naram ao normal até a redução da fase de treinamento. vantadores de peso olímpico de elite, mas relataram
De modo interessante, a concentração sérica de LH aumento na sessão verpertina do mesmo dia (i. e., duas
se correlacionou altamente com o nível de aptidão sessões em um mesmo dia).
física. Além disso, uma sessão aguda de exercícios
com sobrecarga não induziu secreção de LH (Häkki-
nen et al., 1988a), sugerindo, portanto, que o aumento Hormônio do crescimento
agudo na concentração sérica de testosterona deveu-
se a outros mecanismos reguladores. Nindl e cola- Resposta aguda aos exercícios com
boradores (2001b) documentaram declínio na con- sobrecarga
centração noturna de testosterona em 10 homens
analisados por 13 horas após treinamento de força. O hormônio do crescimento (GH) é um hormô-
Esses dados demonstram que o declínio na concen- nio peptídico (cadeia polipeptídica simples de 22 kDa,
tração noturna de testosterona após sessão aguda de com 191 aminoácidos e duas ligações cruzadas dis-
exercícios com sobrecarga é acompanhado pela ele- sulfeto) secretado pelas células acidofílicas da hipó-
vação da concentração de cortisol e pela neutraliza- fise anterior (Fry e Kraemer, 1997). Recentes evidên-
ção da produção de LH. Essas alterações no eixo hi- cias demonstram que o GH possui variantes de pesos
pófise-adrenal-testicular são centralmente mediadas moleculares da forma de 22 kDa, muitos com poten-
e presumivelmente refletem a grande quantidade de cial atividade biológica (McCall et al., 1999). Além
processos metabólicos. disso, a diversidade em eventos pós-transcricionais e
pós-translacionais, assim como os tipos somatótro-
Globulina ligada ao hormônio fos, resulta em uma situação muito mais complicada.
sexual O resultado é um amplo número de variantes mono-
méricas e polímeros de maior nível. A maioria dessas
A testosterona circulante é predominantemente variantes plasmáticas de GH pode ser mais bem re-
ligada à proteína de transporte SHBG, que preserva sumida pela sua divisão em três grandes categorias
a integridade do hormônio. A alteração da concen- baseadas no peso molecular. Cerca de 31,5% repre-
tração de SHBG pode influenciar a capacidade de li- sentam formas monoméricas não-ligadas do GH
gação da testosterona e a magnitude de testosterona (22 kDa, 20 kDa e acídica). Vários homo e heterodí-
livre disponível para a difusão através da membrana meros covalente e não-covalentemente ligados das
da célula para interagir com os receptores esteróides três formas monoméricas representam 29% (40 a
ligados à membrana. Há respostas diferenciais no trei- 50kDa). Os polímeros de maior peso molecular (tri a
namento de força. Nenhuma alteração na concen- pentaméricos) agregados (14%) e ligados a comple-
tração aguda ou em repouso do SHBG foi registrada xos de proteína-monômero (24,5%) são todos maio-
após 12 e 24 semanas de treinamento de força (Häkki- res que 60 kDa. A pequena porcentagem restante é
nen et al., 1985; McCall et al., 1999), uma semana constituída de várias quantidades de fragmentos de
vigorosa de levantamento de peso olímpico (Häkiki- peptídeo GH que parecem originar-se da hipófise,
nen et al., 1988a), período de dois anos em homens assim como resultam de degradação parcial nos teci-
levantadores olímpicos de elite (Häkkinen et al., dos periféricos e subseqüente recirculação ou peque-
1988c) e seguindo 3 e 16 semanas de treinamento de nos novos peptídeos ainda não determinados. Os
força e potência em mulheres (Häkkinen et al., 1990; pesquisadores têm caracterizado três variações de
Häkkinen et al., 1992). No entanto, um estudo rela- peso molecular para geralmente classificar os varian-
tou aumento agudo após oito semanas de treinamen- tes GH como “pequeno” (20 a 22 kDa), “grande” (40
to de força em mulheres previamente não-treinadas a 50 kDa) e “muito grande” ( > 60 kDa). O peso mo-
(Kraemer et al., 1988). O treinamento de força de longo lecular baseado no gene do típico monômero de GH
prazo pode resultar em concentração sérica reduzida é a molécula GH de 22 kDa.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 387
Embora tenha se observado consumo de GH du- Häkkinen e Pakarinen, 1993; Bosco et al., 2000;
rante exercício dinâmico em humanos (Brahm et al., Williams et al., 2002), do intervalo de repouso entre
1997), alguns dos efeitos do GH são mediados pelos as séries (Kraemer et al., 1990; Kraemer et al., 1991;
fatores de crescimento insulina-símile (IGFs), prima- Kraemer et al., 1995a) e da suplementação de car-
riamente IGF-I (ver Capítulo 5). Pouco se sabe a res- boidrato/proteína (Chandler et al., 1994) independen-
peito das respostas agudas e crônicas das variantes temente da força muscular (Kraemer, 1988), da ex-
de pesos moleculares da molécula de GH ao treina- periência de treinamento em homens (Kraemer et al.,
mento de força, pois as metodologias imunorreati- 1992), mas não em mulheres (Taylor et al., 2000) e
vas empregadas não são sensíveis a todas as formas pode ser um tanto atenuado com o destreinamento
do GH. Então, a parte seguinte deste capítulo (e to- de curta duração (Kraemer et al., 2002). Ao mensu-
das as respostas e adaptações subseqüentes) referem- rar a concentração venosa e arterial de GH durante e
se à forma bem conhecida 22 kDa do GH (ver Capí- após sessão aguda de exercícios com sobrecarga, foi
tulo 5 para análise geral de outras respostas do GH). demonstrado que o consumo de GH no músculo es-
A variedade das respostas 22 kDa do GH no san- quelético (quadríceps) aumentou significativamente
gue aos exercícios com sobrecarga pode variar de (Brahm et al., 1997). Esses dados demonstram que o
acordo com o programa empregado (ver Fig. 19.5). GH pode agir diretamente ou através do sistema IGF.
Tem sido demonstrado que o GH humano aumenta Além disso, registros apontam alta correlação entre
durante e 30 minutos após os exercícios com sobre- lactato sangüíneo e concentração sérica de GH
carga, com a magnitude dependendo da seleção do (Häkkinen e Pakarinen, 1993). Postula-se que o acú-
exercício (Häkkinen et al., 1988a,b; Kraemer et al., mulo de H+ produzido pela acidose láctica pode ser
1992), da intensidade (Van Helder et al., 1984; Pyka o fator primário que influencia a liberação de GH
et al., 1992), do volume (Häkkinen et al., 1988a, b; (Kraemer et al., 1993). Essa descoberta foi respalda-
Figura 19.5 Resposta aguda do hormônio do crescimento a vários protocolos de exercício com sobrecarga em homens. *P < 0,05
corresponde ao valor de repouso ou pré-exercício; ↑ ou ↓ direção significativa da alteração; A: sete séries de sete repetições a 85%
de 7-RM (Van Helder et al., 1984); B: sessão de treinamento de levantamento olímpico (primeiro dia) entre 70 e 100% de 1-RM
(Häkkinen et al., 1988c); C: oito exercícios para três séries de 10-RM com intervalo de repouso de 1 minuto (McCall et al., 1999);
D: quatro exercícios para duas séries de 8 a 10 repetições a 75% de 1-RM com intervalo de repouso de 90 s (Chandler et al.,
1994); E: sessão de levantamento olímpico (Kraemer et al., 1992); F e H: oito exercícios para três séries de 10-RM com intervalo
de repouso de 1 minuto (Kraemer et al., 1990; Kraemer et al., 1991); G e I: oito exercícios para 3 a 5 séries de 5-RM com
intervalo de repouso de 3 minutos (Kraemer et al., 1990; Kraemer et al., 1991); J: supino reto, abdominal, leg press para cinco
séries de 10-RM com intervalo de repouso de 3 minutos (Häkkinen e Pakarinen, 1995).
388 PAAVO V. KOMI
da pela atenuação da resposta do GH após alcalose so seja significativamente maior na mulher no início
induzida durante ciclismo em alta intensidade (Gor- da fase folicular do ciclo menstrual (Kraemer et al.,
don et al., 1994). Hipoxia, apnéia, ajuste ácido-base e 1993b). Häkkinen e Pakarinen (1993) relataram que
catabolismo protéico influenciam a liberação de GH 20 séries de 1-RM no exercício agachamento produ-
(Kraemer et al., 1993b). Assim, a demanda metabóli- ziram um leve aumento na concentração de GH, en-
ca dos exercícios com sobrecarga tem importante quanto 10 séries de 10 repetições a 70% de 1-RM
papel nas concentrações de GH. induziram um aumento substancial. Os protocolos
Nem todos os programas de treinamento de for- de múltiplas séries induzem maior resposta do GH
ça irão elevar significativamente a concentração séri- que os protocolos de séries únicas (Craig e Kang,
ca de GH; então, pode ser necessário um limiar de 1994; Mulligan et al., 1996; Gotshalk et al., 1997),
volume e intensidade (i. e., nível de esforço). Van Hel- demonstrando a importância do volume de treina-
der e colaboradores (1984) não relataram aumento mento. Esses dados indicam que os programas de
significativo na concentração de GH pelo uso de so- intensidade moderada, mas com alto volume total de
brecargas muito leves e grande número de repetições. trabalho e curtos intervalos de repouso (fisiculturis-
Taylor e colaboradores (2000) registraram maior au- ta ou programas em que o objetivo é a resistência
mento agudo em mulheres treinadas com exercícios muscular localizada), podem produzir maior aumento
com sobrecarga quando comparadas a mulheres não- na concentração de GH. Provavelmente tal elevação
treinadas ao mesmo protocolo glicolítico. No entan- seja devida à elevada demanda metabólica.
to, as mulheres treinadas foram capazes de levantar Recentemente, demonstrou-se que o tipo de ação
maiores sobrecargas e talvez isso tenha afetado a mag- muscular pode afetar a resposta aguda do GH aos
nitude total de esforço. Estudos registram uma res- exercícios com sobrecarga. Kraemer e colaboradores
posta aguda limitada do GH em indivíduos idosos (2001b) treinaram três grupos de sujeitos durante 19
(Craig et al., 1989; Pyka et al., 1992; Kraemer et al., semanas, sendo que um grupo realizou todas as re-
1999b). No entanto, o principal fator que contribui petições de forma concêntrica, o segundo realizou
para essa resposta limitada do GH pode ser a magni- repetições concêntricas com duplo volume e o ter-
tude de esforço exigido. Pyka e colaboradores (1992) ceiro realizou repetições concêntricas e excêntricas.
também relataram menor concentração de lactato em Também foi avaliada a resposta aguda do GH a um
sujeitos idosos, respaldando, portanto, a hipótese de protocolo de exercícios de força que consistiu de
que o esforço máximo é necessário para otimizar a ações musculares concêntricas ou excêntricas, a qual
secreção de GH induzida pelo exercício. Todavia, 12 foi mensurada antes e imediatamente após a realiza-
semanas de um protocolo de treinamento de força ção do protocolo. A resposta do GH foi alta nos gru-
em idosos promoveram maior resposta aguda do GH pos de treinamento concêntrico para o protocolo con-
(Craig et al., 1989), sugerindo que a maior resposta cêntrico; no entanto, a resposta aguda foi maior no
deveu-se ao aumento da capacidade de exercer es- protocolo excêntrico para o grupo de treinamento
forço. concêntrico/excêntrico. Os dados indicam que o GH
Os programas de treinamento de força podem é sensível às ações musculares durante o treinamen-
variar diametralmente em um contínuo de sobrecar- to de força. A hipófise anterior pode ser diretamente
ga e número de repetições para vários exercícios, ve- inervada por muitas fibras nervosas com sinapse nas
locidade de levantamento e intervalo de repouso, de- células corticotróficas e somatotróficas (Ju, 1999).
pendendo do objetivo do indivíduo (Fleck e Kraemer, Também tem sido sugerido que a regulação “neuro-
1997). Programas de treinamento com elevado volu- humoral” da secreção de GH pode ocorrer de tal for-
me e intensidade de moderada a alta, usando curtos ma, que uma rápida resposta neural seja observada
períodos de recuperação, têm induzido maior resposta durante o estresse inicial com a ocorrência subse-
aguda no GH que treinamentos de força ou potência qüente da fase humoral (Ju, 1999). Se for esse o caso,
convencional, que empregam alta sobrecarga, baixo os centros cerebrais superiores (córtex motor) teriam
número de repetições e longos intervalos de recupe- um papel ativo na regulação da secreção de GH du-
ração em homens (Kraemer et al., 1990; Kraemer et rante o estresse. Tal mecanismo regulador adicional-
al., 1991). Resultados similares são documentados em mente parece ser sensível às ações musculares espe-
mulheres, embora a concentração de GH em repou- cíficas utilizadas durante o treinamento de força.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 389
Em uma rara observação dos efeitos dos exercí- al., 1999; Marx et al., 2001). Essa controvérsia é tam-
cios de força no GH e em algumas das variantes bém sustentada pelos dados que demonstram con-
moleculares durante a noite, Nindl e colaboradores centração normal de GH em repouso em levantado-
(2001c) examinaram a hipótese de que os exercícios res de peso olímpico de elite (Häkkinen et al.,
com sobrecarga aguda aumentariam a concentração 1988a,b). Os dados são consistentes com os meca-
circulante noturna de GH. Dez homens jovens fo- nismos dinâmicos de feedback do GH envolvidos e seu
ram submetidos a duas coletas sangüíneas serial no- papel no controle homeostático de muitas variáveis,
turna a cada 10 minutos das 17h às 6h: um grupo- por exemplo, a glicose. Isso pode ocorrer devido aos
controle e outro grupo experimental. O protocolo de efeitos interativos de diferentes moléculas, agregados
exercícios com sobrecarga de alto volume e intensi- e variantes de GH com o treinamento. Além disso, os
dade (i. e., alto volume, sessão de exercício de múlti- dados sugerem que a resposta aguda do GH aos exer-
plas séries, com total de 50 séries: agachamento, su- cícios com sobrecarga pode ser o mecanismo mais
pino reto, leg press e puxada lateral que alternaram proeminente para interagir de forma aguda com os
com séries entre 10 e 5-RM, com intervalo de repou- receptores-alvo teciduais que induzem remodelação.
so de 90s entre as séries) foi conduzido das 15h às O aumento induzido pelo exercício tem sido signifi-
17h. Três diferentes imunoensaios serviram para cativamente correlacionado à magnitude da hipertro-
mensurar a concentração de GH, incluindo ensaios fia das fibras musculares tipo I e II (r = 0,62 a 0,74)
policlonal, monoclonal e imunofuncional, cada um (McCall et al., 1999). Essas correlações poderiam in-
descrevendo diferentes aspectos da molécula de GH dicar função da elevação do GH induzida pelos exer-
(o ensaio imunofuncional mensura aquelas molécu- cícios com sobrecarga aguda sobre as adaptações ce-
las que possuem tanto epitopos disponíveis para a lulares no músculo. As alterações na sensibilidade do
dimerização como para a transdução de sinal). Em receptor, outros tamanhos moleculares da molécula
geral, a concentração de GH foi menor sobre o tem- de GH, diferenças nos mecanismos de feedback, po-
po quando comparada à condição controle sem exer- tencialização do IGF-I e variações diurnas podem ser
cício. Quando foram utilizadas análises através de en- de importância significativa com o treinamento de
saios, foi observada uma menor amplitude média de força.
pulso em resposta ao exercício quando comparada à
condição de controle, bem como um diferente pa-
drão de liberação (i. e., menor GH das 21h às 3h, Cortisol
porém maior das 3h às 6h para o exercício do que
para o controle). A menor resposta após o exercício Resposta aguda aos exercícios com
pode implicar maior consumo pelos receptores ou sobrecarga
uso alternado de outras formas da molécula de GH.
Os efeitos do ensaio foram observados ao demons- Os glicocorticóides são liberados do córtex adre-
trar que o GH era dependente do sistema de detec- nal em resposta ao exercício. Desses, o cortisol re-
ção empregado. Pode-se concluir que a prática de presenta aproximadamente 95% de toda a atividade
exercícios com sobrecarga durante o dia pode influ- do glicocorticóide (Guyton, 1991). O cortisol tem fun-
enciar o padrão temporal de pulsabilidade noturna ções catabólicas que exercem maior efeito nas fibras
do GH, e isso pode ser de relevância biológica, uma musculares tipo II (Kraemer, 2000). Os estudos de-
vez que diferentes tipos de moléculas de GH tam- monstram elevação significativa na concentração de
bém foram diferentemente afetadas. cortisol e de adrenocorticotrópico (ACTH) durante
sessão aguda de exercícios com sobrecarga (Guezen-
Alteração crônica na concentração nec et al., 1986; Kraemer et al., 1987; Kraemer et al.,
de GH em repouso 1992; Kraemer et al., 1993b; Kraemer et al., 1996;
Kraemer et al., 1999b; Häkkinen et al., 1988), com
O treinamento de força não parece afetar a con- resposta similar entre homens e mulheres (Kraemer
centração de GH em repouso. Nenhuma alteração et al., 1993b). Outro estudo relatou aumento na con-
na concentração de GH em repouso foi observada centração de cortisol em homens, mas não em mu-
em vários estudos (Kraemer et al., 1999b; McCall et lheres que realizaram o mesmo protocolo (Häkkinen
390 PAAVO V. KOMI
e Pakarinen, 1995). A resposta aguda do cortisol pa- longo prazo. O treinamento de força crônico não pa-
rece independer do estado de treinamento, pelo me- rece produzir padrão consistente de secreção do cor-
nos, em levantadores de peso adolescentes (Kraemer tisol, bem como ausência de alteração (Häkkinen et
et al., 1992). O aumento agudo na secreção de corti- al., 1987; Häkkinen et al., 1988c; Häkkinen et al.,
sol durante os exercícios com sobrecarga pode ser 1990; Häkkinen et al., 1992; Fry et al., 1994; Pottei-
atenuado em usuários de esteróide anabólico (Boone ger et al., 1995), decréscimo (Häkkinen et al., 1985;
et al., 1990). Embora um investigador tenha sugeri- Alen et al., 1988; Kraemer et al., 1998a; McCall et al.,
do que a elevação na concentração do cortisol possa 1999; Marx et al., 2001) e aumento (Häkkinen e Paka-
atenuar os efeitos da testosterona (Cumming et al., rinen, 1991) durante treinamento de força e potên-
1989), não se relatou nenhuma relação com o au- cia normal em homens e mulheres durante treina-
mento induzido pelos exercícios com sobrecarga. mento do tipo overreaching.* Häkkinen e colaboradores
É interessante notar que os programas que in- (1985) relataram maior redução na concentração de
duzem maior resposta do cortisol também provocam cortisol sérico em repouso após 24 semanas de trei-
maior resposta aguda do GH e do lactato. Correla- namento de força comparado ao treinamento de po-
ções significativas entre lactato sangüíneo e cortisol tência. Marx e colaboradores (2001) registraram que
sérico (r = 0,64) (Kraemer et al., 1989) têm sido rela- somente o grupo de maior volume experimentou re-
tadas. Além disso, a elevação aguda no cortisol tem dução significativa no cortisol sérico em repouso
sido altamente correlacionada (r = 0,84) à concen- quando compararam o treinamento com sobrecarga
tração de creatina cinase sérica 24h pós-exercício periodizado de múltiplas séries com o treinamento
(Kraemer et al., 1993b). Os protocolos de elevada de- de série única por seis meses. Recentemente, Kraemer
manda metabólica (i. e., alto volume, intensidade mo- e colaboradores (1999b) relataram que, em indivíduos
derada a alta, com períodos curtos de repouso, de- idosos, a concentração sérica de cortisol em repouso
monstram maior resposta aguda do cortisol (Kraemer foi reduzida na terceira semana de um programa de
et al., 1987; Kraemer et al., 1993b; Häkkinen e Paka- treino de 10 semanas. Um estudo recente desenvol-
rinen, 1993), com pequena alteração durante o trei- vido com modelo animal demonstrou que a concen-
namento de força/potência convencional. A duração tração de cortisol pode explicar grande parte da vari-
do período de repouso representa importante variá- ância (~ 60%) das alterações da massa muscular
vel para induzir resposta significativa do cortisol (Crowley e Matt, 1996). Sendo assim, parece que a
(Kraemer et al., 1987; Kraemer et al., 1993b). Isso resposta aguda do cortisol reflete estresse metabóli-
pode dever-se à maior dependência das fontes glico- co, enquanto a adaptação crônica pode estar envol-
líticas e do impacto no metabolismo da glicose. vida com a homeostase tecidual, integrando o meta-
Kraemer e colaboradores (1996) relataram um au- bolismo protéico (Florini, 1987). Novamente, como
mento significativo na resposta do cortisol sob oito apontado nos capítulos iniciais referentes aos meca-
séries de 10-RM no exercício leg press, com um perío- nismos hormonais, há indicações de que, com o trei-
do de repouso de 1 minuto, em relação ao mesmo namento de força, os receptores de testosterona po-
protocolo com 3 minutos de repouso. Portanto, en- dem adaptar-se aos maiores níveis de cortisol (i. e.,
quanto elevados níveis crônicos podem exercer efei- corticosterona em ratos) produzidos com o estresse
tos adversos em alguns sistemas e inibir os processos do exercício agudo e tornar-se “desinibidos”. Assim,
celulares (inibir a ativação das células-T), o aumento as moléculas de cortisol não afetam a produção de
agudo pode ser parte de um conjunto agudo de me- testosterona ou as características de ligação no nível
canismos de sinalização e processos de remodelação dos testículos (observações não-publicadas). Aqui,
no tecido muscular.
Adaptações crônicas na
concentração de cortisol em *N. de R.T. Estado de pré-exaustão fisiológica temporário in-
repouso duzido pelo treino intenso, o qual pode ser conduzido ao so-
bretreinamento, também conhecido como overtraining. Cons-
Em geral, tem-se considerado que a concentra- titui-se em um importante “indicador” da queda do
ção de cortisol reflete o estresse de treinamento de desempenho físico.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 391
novamente, o aumento na concentração de cortisol namento. No entanto, permanece incerto que o sis-
apenas pode não refletir a natureza adaptativa do pró- tema biológico é responsável por refletir este estado,
prio músculo, mas outros alvos celulares podem ain- que pode não ser decorrente do estresse muscular.
da ser negativamente afetados pelo aumento agudo
no cortisol (células imunológicas). Tais efeitos dife-
renciais relacionados às células-alvo requerem aná- Fatores de crescimento insulina-
lise adicional no contexto do exercício agudo e do símile
treinamento de força crônico.
Resposta aguda aos exercícios com
Rácio* testosterona/cortisol sobrecarga
O rácio testosterona/cortisol (rácio T/C) e/ou o Muitas das ações do GH são reguladas pelos pe-
rácio testosterona livre/cortisol têm sido sugeridos quenos polipeptídeos, os fatores de crescimento in-
como indicadores do estado anabólico/catabólico sulina-símile (IGF-I e IGF-II). Os IGFs são secreta-
durante o treinamento de força (Häkkinen, 1989). dos pelo fígado em resposta à síntese de DNA
Sendo assim, tanto um aumento na testosterona estimulada pelo GH. A resposta aguda do IGF-I aos
como um decréscimo no cortisol ou em ambos pode- exercícios com sobrecarga permanece incerta. Mui-
riam indicar anabolismo tecidual. No entanto, pare- tos estudos não têm demonstrado alteração no IGF-
ce haver uma simplificação excessiva, o que, na me- I durante ou imediatamente após sessão aguda de
lhor das hipóteses, seria somente uma medida indi- exercícios com sobrecarga (Chandler et al., 1994;
reta das propriedades anabólicas/catabólicas do Kraemer et al., 1995a; Kraemer et al., 1998b). No
músculo esquelético (Fry e Kraemer, 1997). Vários entanto, há estudos que demonstraram aumento agu-
estudos demonstraram alteração no rácio T/C du- do durante e após os exercícios com sobrecarga
rante o treinamento de força e potência. Esse rácio (Kraemer et al., 1990; Kraemer et al., 1991). A ausên-
tem sido positivamente associado ao desempenho cia de alteração tem sido atribuída ao atraso na se-
(Häkkinen et al., 1985; Alen et al., 1988). O treina- creção de IGF-I, isto é, 3 a 9 horas, seguida da síntese
mento estressante (overreaching) em levantadores de de RNAm estimulada pelo GH (Kraemer et al.,
peso de elite diminui o rácio T/C (Häkkinen et al., 1993b), visto que os valores de pico podem não ser
1987). Os programas periodizados de alto volume alcançados até 16 a 28 horas após a liberação de GH
induzem aumento significativamente maior no rácio (Chandler et al., 1994). Então, a maioria das pesqui-
T/C do que programas de baixo volume e série única sas indica que a resposta do IGF-I é retardada. Além
(Marx et al., 2001). No entanto, registros dão conta disso, demonstrações sugerem que uma sessão agu-
de que o rácio T/C não consiste de indicador útil de da de exercícios com sobrecarga não influenciou es-
anabolismo tecidual quando manipulado para in- pecificamente o IGF-I, mas afetou significativamen-
vestigar a hipertrofia muscular em animais (Crowley te a maneira pela qual o IGF-I foi dividido entre sua
e Matt, 1996). Então, o uso popular do rácio T/C** família de proteínas ligantes (Nindl et al., 2001). Por-
na monitorização do estado anabólico e catabólico tanto, uma sessão aguda de exercícios com sobrecar-
do corpo humano tem sido mostrado como forma ga pode ou não aumentar a concentração de IGF-I
de refletir o estado biológico geral resultante do trei- circulante, mas parece afetar sua atividade ao modi-
ficar sua afinidade às proteí-nas ligantes.
O IGF-I tem funções autócrinas/parácrinas na
célula muscular (Adams, 1998; Goldspink, 1999). Essa
isoforma de IGF-I no músculo recebe o nome de fa-
*N. de R.T. Relativo à expressão inglesa “ratio”, que significa
tor de mecanocrescimento (MGF) (Goldspink, 1999),
razão, relação ou proporção de uma determinada variável em que parece ser produzido pelo músculo estimulado e
relação à outra. No caso, a proporção da testosterona sobre o
pela subseqüente lesão mecânica, por exemplo, pelo
cortisol.
**N. de R.T. Relativo à relação entre a concentração sérica de treinamento de força, constituindo-se como um re-
testosterona e cortisol. Rácio, relação e razão devem ser inter- gulador proeminente do reparo tecidual (Goldspink,
pretados como sinônimos. 1999; Bamman et al., 2001). Bamman e colaborado-
392 PAAVO V. KOMI
res (2001) registraram elevação significativa no RNAm de IGF-I em mulheres previamente não-treinadas
do IGF-I muscular após exercícios com sobrecarga, após seis meses de treinamento. Ademais, a magni-
particularmente durante o exercício excêntrico. tude foi maior quando um programa de alto volume
Brahm e colaboradores (1997) demonstraram que a e múltiplas séries foi realizado. E maior, também, se
concentração arterial de IGF-I permanece constante comparado a um programa de circuito de uma série.
ao exercício vigoroso. No entanto, foi observado um Então, parece que o volume e a intensidade de trei-
aumento da concentração venosa de IGF-I, o que namento são importantes para as adaptações crôni-
pode indicar uma maior liberação pelo músculo. Al- cas do IGF-I.
guns investigadores sugeriram que esse aumento na
concentração sérica de IGF-I na sessão aguda de exer-
cícios com sobrecarga resulta do rompimento celu- Insulina
lar e do maior fluxo sangüíneo (Brahm et al., 1997;
Kraemer, 2000), o que libera IGF-I dos locais estoca- Estudos demonstram que a insulina afeta signi-
dos. Embora pesquisa adicional seja necessária, pa- ficativamente a síntese de proteína muscular quando
rece que a isoforma muscular do IGF-I possui papel a concentração adequada de aminoácidos está dis-
proeminente na remodelação tecidual. Além disso, a ponível (Wolfe, 2000). A concentração sérica de in-
concentração absoluta de IGF-I pré-exercício pode sulina paralelamente altera a glicose sangüínea (Chan-
influenciar a responsividade ao estresse do exercício, dler et al., 1994). A concentração sérica de insulina
com poucas alterações sendo produzidas nos sujei- diminui durante a sessão aguda de exercícios com
tos com concentrações mais elevadas em repouso. sobrecarga (Raastad et al., 2000), possivelmente de-
vido à inibição α-adrenérgica da secreção de insulina
Adaptações crônicas ao (Galbo et al., 1977). Além disso, os exercícios com
treinamento de força sobrecarga não parecem afetar diretamente a secre-
ção de insulina independentemente da concentração
Nenhuma alteração na concentração de IGF-I em de glicose sangüínea, exceto quando suplementação
repouso foi registrada durante o treinamento de for- com carboidratos, proteínas ou a combinação de
ça de curto prazo (Kraemer et al., 1999b; McCall et ambos é fornecida durante a sessão de treinamento
al., 1999), exceto com suplementação concorrente de em que tem sido documentada uma elevação signifi-
carboidratos/proteína (Kraemer et al., 1998b). No en- cativa (Chandler et al., 1994; Kraemer et al., 1998b).
tanto, os estudos de longo prazo em mulheres de- Além disso, o treinamento de força não parece afetar
monstram elevação no IGF-I em repouso, particular- significativamente a sensibilidade da insulina. Os le-
mente durante treinamento de alto volume (Koziris vantadores de potência demonstram taxas de consu-
et al., 1999; Marx et al., 2001). Recentemente, Borst mo de glicose corporal total e do músculo femoral
e colaboradores (2001) relataram elevação significa- similares às de homens sedentários, mas muito me-
tiva na concentração sérica de IGF-I em repouso em nores que as de atletas treinados em endurance (Takala
somente 13 semanas de um programa de treinamen- et al., 1999). Embora seja um potente hormônio ana-
to de 25 semanas. O aumento documentado por Borst bólico, a insulina parece ser mais afetada pela con-
e colaboradores (2001) foi similar para os grupos de centração de glicose sangüínea e/ou ingestão dietética.
uma única ou múltiplas séries, apesar de um aumen-
to significativamente maior na força ter sido obser-
vado para o grupo de múltiplas séries. Além disso, Catecolaminas
um decréscimo significativo na proteína-3 de ligação
do IGF (IGFBP-3) foi observado entre as semanas 13 As catecolaminas parecem repercutir as deman-
e 25, o qual os autores sugeriram poder representar das agudas e o estresse físico do protocolo de exercí-
uma adaptação positiva ao incremento da força cau- cios com sobrecarga. As catecolaminas são impor-
sado a partir do aumento da concentração de IGF-I tantes para aumentar a produção de força, a taxa de
livre. Marx e colaboradores (2001) relataram aumen- ação muscular e a disponibilidade energética, assim
to significativo na concentração sérica em repouso como para várias outras funções, incluindo aumento
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 393
mo significativo no TSH, T3 e T4 em uma semana sobrecarga aguda. No entanto, deve ser analisada a
de treinamento com sobrecarga vigorosa (duas ses- extensa curva de recuperação.
sões por dia) em levantadores de peso de elite. No
entanto, durante um ano de treinamento, os levanta-
dores de peso de elite não produziram nenhuma al- Hormônios reguladores de fluidos
teração para qualquer hormônio tireóideo até o perío-
do pré-competição (i. e., menor volume de treina- A homeostase de fluidos é crítica para o desem-
mento), em que um aumento significativo em T4 li- penho agudo em geral, ainda que a maior parte da
vre e em T3 foi relatado (Alen et al., 1993). A altera- literatura tenha analisado modalidades aeróbias de
ção nesses hormônios tireóideos retornou aos valo- exercício. Os hormônios reguladores de fluido, tais
res iniciais quando a intensidade aumentou na como a vasopressina arginina, o peptídeo atrial, a re-
próxima fase de treinamento. Parece que o treina- nina, a aldosterona e a angiotensina II, demonstram
mento com sobrecarga pode alterar potencialmente aumentar em resposta ao exercício, com a magnitu-
a função da tireóide pela inibição do eixo hipotalâ- de dependendo da intensidade e da duração do exer-
mico-hipofisário, diminuindo a liberação de TSH e, cício, assim como do estado de hidratação (Conver-
subseqüentemente, a concentração de T3 e T4. To- tino et al., 1981; Mannix et al., 1990; Mandroukas et
davia, neste momento, o impacto dessas alterações al., 1995; Grant et al., 1996). Os exercícios com so-
ainda permanece especulativo. Não se espera aumen- brecarga reduzem o volume plasmático (Gordon et
to circulante na concentração em repouso devido ao al., 1985), de modo similar à corrida e/ou ao ciclis-
rígido controle homeostático dos hormônios tireói- mo, entre 80 e 95% do VO2máx (Collins et al., 1986).
deos (Kraemer, 2000). Recentemente, Kraemer e colaboradores (1999a) ana-
lisaram a resposta dos hormônios reguladores do flui-
do aos exercícios com sobrecarga. Os levantadores
Leptina de peso de nível competitivo realizaram uma série do
exercício leg press até exaustão, usando 80% de seu
A leptina, um produto do gene ob, é um hormô- respectivo 1-RM. Em 5 minutos de recuperação, hou-
nio protéico que parece retransmitir o sinal de sacie- ve elevação da osmolalidade plasmática, do peptídeo
dade ao hipotálamo para regular o equilíbrio energé- atrial, da atividade da renina e da angiotensina II (sen-
tico e o apetite (Kalra et al., 1999). A concentração de do que a elevação na atividade da renina plasmática e
leptina sérica parece ser proporcional à quantidade na angiotensina II foi maior nos levantadores de peso
de tecido adiposo no corpo humano. Tal volume pode do que nos controles). A concentração de vasopres-
ser influenciado pelo gênero, pelos hormônios me- sina arginina plasmática também foi elevada, mas não
tabólicos (estimulado pela insulina e cortisol, e inibi- houve significância estatística. Os dados foram os
do pelos agonistas α-adrenérgicos) e pelas necessi- primeiros a demonstrar que o equilíbrio de fluido e a
dades energéticas (Considine, 1997). Muitos estudos subseqüente resposta hormonal podem ser afetados
não demonstraram impacto direto do exercício na por tão pouco exercício como a primeira série de uma
concentração de leptina, independentemente de seu sessão de treinamento de força.
efeito no tecido adiposo (Considine, 1997). Desco-
bertas similares têm sido relatadas com o treinamento
de força. Gippini e colaboradores (1999) registraram Peptídeo F
que a leptina não se correlacionou com o índice de
massa corporal (IMC) em fisiculturistas e que o trei- O peptídeo F é um fragmento de pró-encenfali-
namento de força não influenciou sua produção, sem na secretado pelas células cromafim da medula adre-
levar em conta as alterações na composição corporal. nal em conjunto com a epinefrina (Fry e Kraemer,
Nindl e colaboradores (2002) demonstraram que a lep- 1997). A função fisiológica do peptídeo não é com-
tina pode ser reduzida com uma sessão aguda de trei- pletamente conhecida, embora evidências sugiram
namento de força de alto volume na fase final da curva melhora na ativação das células B e na função de pro-
de resposta noturna. Esse foi o primeiro estudo a de- teção dos linfócitos T (Triplett-McBride et al., 1998).
monstrar que a leptina é responsiva aos exercícios com O exercício tem demonstrado aumentar a concen-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 395
tração do peptídeo F (Kraemer et al., 1985). Bush e pouso de LH, testosterona total e livre. A forma livre
colaboradores (1999) demonstraram que o peptídeo da testosterona é mais sensível ao estímulo do so-
F interagiu com as respostas da epinefrina na recu- bretreinamento (Häkkinen e Pakarinen, 1991; Fry e
peração aguda e crônica de 240 minutos, sugerindo Kraemer, 1997). Além disso, o aumento induzido pelo
o efeito co-regulatório. Muito pouco é conhecido so- exercício na testosterona total é atenuado durante o
bre o treinamento de força. O sobretreinamento in- supertreinamento relacionado ao volume (Häkkinen
duzido pelos exercícios com sobrecarga de intensi- et al., 1987). No entanto, o sobretreinamento relacio-
dade máxima não altera a concentração circulante nado à intensidade não parece alterar a concentra-
do peptídeo F em repouso ou após o exercício (Fry et ção hormonal em repouso, demonstrando, assim, uma
al., 1998). Foi observada alteração no rácio de peptí- resposta diferencial em comparação ao grande au-
deo F para epinefrina, sugerindo que o sobretreina- mento no volume de treinamento (Fry e Kraemer,
mento pode alterar o padrão secretório das células 1997). Fry e colaboradores (1998) não registraram al-
cromafim. teração na concentração circulante de testosterona, de
testosterona livre, de cortisol, de GH ou de peptídeo F
durante o sobretreinamento de alta intensidade — 10
Sobretreinamento* séries de 1-RM para o exercício de agachamento to-
dos os dias durante duas semanas. Portanto, parece
O sobretreinamento é definido como qualquer que o sobretreinamento relacionado à intensidade não
aumento no volume e/ou na intensidade de treina- altera significativamente a concentração hormonal em
mento reduzindo o desempenho a longo prazo (Fry e repouso com decréscimo correspondente no desem-
Kraemer, 1997). Por sua vez, overreaching representa penho, enquanto o sobretreinamento relacionado ao
um aumento a curto prazo no volume e/ou na inten- volume parece alterar significativamente a concentra-
sidade de treinamento, geralmente planejado, em pro- ção hormonal circulante.
gramas de treinamento de força. O sobretreinamen-
to pode melhorar o desempenho quando empregado
corretamente (Fry e Kraemer, 1997). O overreaching Destreinamento
repetido pode induzir o sobretreinamento e subse-
qüente decréscimo do desempenho, além de produ- O destreinamento representa a interrupção do
zir alterações neuroendócrinas. Duas semanas de over- treinamento ou a redução significativa do volume,
reaching diminuem a concentração de testosterona e da intensidade ou da freqüência de treinamento. Isso
de IGF-I em repouso (Raastad et al., 2001). Esse de- causa o decréscimo do desempenho, por exemplo,
créscimo foi significativamente correlacionado à di- redução da força muscular, da potência, da hipertro-
minuição da força (r = 0,69) (Raastad et al., 2001). fia e da resistência muscular localizada (Fleck e Kra-
Há diminuição da concentração de testosterona em emer, 1997). A alteração na atividade hormonal pode
repouso durante o overreaching agudo (Häkkinen et associar-se com mudanças na função neural e mus-
al., 1988a). No entanto, o overreaching de curto prazo cular. Presumivelmente, a duração do período de des-
pode não resultar em decréscimo do desempenho ou treinamento é importante para a magnitude da alte-
em elevação do cortisol em repouso. Ademais, pode ração, assim como o estado de treinamento e o
aumentar a resposta aguda da testosterona aos exer- histórico individual (Fleck e Kraemer, 1997). Horto-
cícios com sobrecarga quando o indivíduo tem, no bágyi e colaboradores (1993) registraram aumentos
mínimo, um ano de treinamento em levantamento significativos na concentração de GH, testosterona e
de pesos e exposição anterior ao estímulo do overrea- no rácio T/C em repouso, com decréscimo significa-
ching (Fry et al., 1994). tivo no cortisol após duas semanas de destreinamen-
O sobretreinamento relacionado ao volume au- to em levantadores de potência e jogadores de fute-
menta o cortisol e diminui a concentração em re- bol americano altamente treinados. Os autores
supunham que esse aumento na concentração de
hormônios anabólicos estava relacionado à capaci-
dade do corpo de combater os processos catabólicos
*N. de R.T. Relativo à expressão inglesa “overtraining”. associados ao destreinamento e sugeriram que o des-
396 PAAVO V. KOMI
treinamento de curto prazo pode representar maior hora após o exercício. Isso indica que interações ce-
estímulo para a remodelação e o reparo tecidual. No lulares agudas no período de recuperação imediato
entanto, esse aumento somente tem sido observado após sessão de treinamento de força podem ser mais
no destreinamento de curto prazo. Kraemer e cola- importantes do que anteriormente referido, em vir-
boradores (2002) não relataram alteração significati- tude de incapacidade de afetar o padrão de vigília cir-
va em testosterona, GH, LH, SVG, cortisol ou ACTH cadiano durante o dia.
após seis semanas de destreinamento. Nenhuma al- A resposta hormonal noturna tem sido investi-
teração foi observada para cortisol, SHBG e LH após gada. McMurray e colaboradores (1995) treinaram
oito semanas de destreinamento em mulheres (Häkki- levantadores que realizaram três séries de seis exer-
nen et al., 1990). Todavia, períodos de destreinamento cícios entre as 19h e 20h até a exaustão; as amostras
maiores que oito semanas parecem alterá-los signifi- de sangue foram coletadas antes e em intervalos de
cativamente. Häkkinen e colaboradores (1985) e Alen 20 minutos posteriormente, das 21h às 7h. Os exer-
e colaboradores (1988) treinaram sujeitos por 24 se- cícios com sobrecarga não alteraram o padrão notur-
manas e os acompanharam por mais 12 semanas de no de secreção de GH e cortisol. No entanto, a se-
destreinamento; os autores registraram um decrésci- creção de testosterona foi maior entre 5h e 7h no
mo no rácio T/C, o qual foi altamente correlaciona- grupo que realizou exercícios com sobrecarga. Já a
do à diminuição da força. Aumentos na concentra- secreção noturna de T4 diminuiu. Sugeriu-se que as
ção de T4 foram relatados (Pakarinen et al., 1988). alterações noturnas nesses hormônios podem ter im-
Essas alterações hormonais coincidem com períodos plicações para o anabolismo tecidual. Os estudos re-
de atrofia muscular (Hortobágyi et al., 1993) e indi- alizados por Nindl e colaboradores (2001a, b, c, 2002)
cam que a alteração hormonal desempenha papel im- demonstraram que exercícios com sobrecarga de alto
portante na redução do tamanho e na força muscu- volume realizados por homens treinados durante o
lares observados nos períodos de destreinamento. dia suprimem várias das respostas hormonais notur-
nas (i. e., testosterona, GH, IGF-I, cortisol, leptina).
Ainda deve ser analisada a influência desses hormô-
Padrões circadianos nios em tecidos específicos. Além disso, os aconteci-
mentos no nível do receptor e subseqüentes efeitos
Inúmeros hormônios são secretados em várias moleculares nas células-alvo serão de grande inte-
concentrações durante o dia em um padrão circadia- resse quando as alterações nas concentrações circu-
no. A secreção de testosterona salivar parece ocorrer lantes indicarem diferentes e inúmeros resultados
de maneira circadiana com maior aumento no início para os hormônios.
da manhã e menor no resto do dia (Kraemer et al.,
2001a). Considerando que os exercícios com sobre-
carga estimulam o aumento agudo na concentração Compatibilidade entre o
de testosterona, é interessante analisar a influência treinamento de força e o de
dos exercícios com sobrecarga no padrão circadiano. endurance
Recentemente, Kraemer e colaboradores (2001a) ve-
rificaram que os exercícios com sobrecarga não afe- Vários estudos indicam a incompatibilidade en-
taram o padrão circadiano de secreção de testostero- tre o treinamento de força e o de endurance de alta
na salivar em um período de 16 horas de vigília em intensidade, pois a força e a potência máximas pare-
homens treinados em exercícios com sobrecarga. De- cerem limitadas (Kraemer et al., 1995b; Bell et al.,
monstrações sustentam que o aumento na concen- 2000). Entre as possíveis razões estão as diferenças
tração sérica de testosterona induzido pelo treina- no padrão de recrutamento neural e/ou uma atenua-
mento de força no período da tarde é maior do que o ção da hipertrofia muscular (Kraemer et al., 1995b).
observado durante a manhã (Häkkinen e Pakarinen, Além disso, é provável que haja alteração do sistema
1991), repercutindo, então, na variação diurna. Pare- neuroendócrino. Bell e colaboradores (2000) não re-
ce que os mecanismos reguladores são rapidamente gistraram alteração na concentração sérica de testos-
reengajados após uma sessão de exercícios com so- terona, GH ou SHBG em repouso após 12 semanas
brecarga, de modo que a homeostase seja mantida 1 de treinamentos de força e endurance combinados. No
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 397
entanto, foi observado maior cortisol urinário em Ballor, D.L., Becque, M.D. & Katch, V.L. (1987) Metabolic
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mana, ambos durante 12 semanas. Os autores rela- Bell, G.J., Syrotuik, D., Martin, T.P., Burnham, R. & Quin-
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cortisol induzida pelo exercício. Esses dados indicam durance training on skeletal muscle properties and hor-
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ça, potência e hipertrofia muscular ainda não estão A. (2000) Monitoring strength training: neuromuscu-
claros. Também não há dúvida de que os mecanis- lar and hormonal profile. Medicine and Science in Sports
and Exercise 32, 202-208.
mos homeostáticos e regulatórios parecem estar in-
Brahm, H., Piehl-Aulin, K., Saltin, B. & Ljunghall, S. (1997)
timamente envolvidos tanto com a resposta aguda Net fluxes over working thigh of hormones, growth fac-
como com as adaptações crônicas ao treinamento tors and biomarkers of bone metabolism during short
com sobrecarga. As alterações nas concentrações cir- lasting dynamic exercise. Calcified Tissue International 60,
culantes fornecem uma breve “janela de observação” 175-180.
para a plasticidade potencial do sistema neuroendó- Bush, J.A., Kraemer, W.J., Mastro, A.M. et al. (1999) Exerci-
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Capítulo 20
Respostas cardiovasculares ao
treinamento de força
STEVEN J. FLECK
o aumento e o decréscimo na pressão arterial em re- suem maior volume sistólico relativo à área de su-
pouso, a maioria dos estudos transversais e longitu- perfície corporal registram essa diferença como não-
dinais indica que o treinamento de força não produz significativa quando o volume sistólico é corrigido
alteração ou pequeno decréscimo na pressão arterial pela massa corporal magra (Fleck et al., 1989a). A
na situação de repouso. metanálise referente ao volume sistólico em relação
à área de superfície corporal não demonstra diferen-
Duplo produto ça dependente do nível do atleta (Fleck, 1988). En-
tão, o maior volume sistólico absoluto em alguns atle-
O duplo produto (freqüência cardíaca × pressão tas altamente treinados em força de nível nacional/
arterial sistólica) representa uma estimativa do tra- internacional pode parcialmente ser explicado pelo
balho do miocárdio, e é proporcional ao consumo de tamanho corporal.
oxigênio do miocárdio. O duplo produto em repou- Nenhuma alteração no volume sistólico absolu-
so apresenta decréscimo após oito semanas de pro- to em repouso tem sido relatada em resposta a um
grama de treinamento de força estilo olímpico (Sto- programa de treinamento de força de curta duração
ne et al., 1983b). Embora não seja relatado em muitos (Lusiani et al., 1986). A preponderância de evidênci-
estudos, qualquer estudo que demonstre um decrés- as indica que o treinamento de força exerce nenhum
cimo na freqüência cardíaca ou na pressão arterial ou pouco efeito sobre o volume sistólico absoluto
sistólica deveria resultar em um decréscimo no du- ou sobre o volume sistólico corrigido pela área de
plo produto. Assim, o treinamento de força pode di- superfície corporal ou pela massa corporal magra.
minuir o duplo produto, sugerindo que o ventrículo
esquerdo esteja realizando menos trabalho com me- Perfil lipídico
nor consumo de oxigênio em repouso.
Os estudos transversais e longitudinais que ana-
Volume sistólico lisam o efeito do treinamento de força no perfil lipí-
dico sangüíneo são inconclusivos. As revisões de li-
As comparações entre homens altamente treina- teratura relatam que atletas masculinos treinados em
dos em força e sujeitos normais para o volume sistó- força apresentam concentração normal, alta e baixa
lico absoluto em repouso fornecem resultados con- de HDL-C (colesterol lipoprotéico de alta densida-
fusos. Não há informes sobre diferença entre esses de), LDL-C (colesterol lipoprotéico de baixa densi-
dois grupos (Dickhuth et al., 1979; Brown et al., 1983) dade), colesterol total e do rácio colesterol total:
no volume sistólico absoluto, assim como em maior HDL-C (Kraemer et al., 1988; Hurley, 1989; Stone et
valor em indivíduos altamente treinados em força al., 1991). Também tem sido relatado que mulheres
(Pearson et al., 1986; Fleck et al., 1989a). O aumento altamente treinadas em exercícios com sobrecarga de-
do volume sistólico absoluto, quando presente, pa- monstram alteração positiva (Elliot et al., 1987;
rece dever-se à dimensão interna ventricular esquer- Moffatt et al., 1990) ou nenhuma diferença no perfil
da diastólica final significativamente maior e à fração lipídico quando comparadas a controles (Morgan et
de ejeção normal (Fleck, 1988). Uma metanálise in- al., 1986). Dados transversais obtidos de atletas de
dicou que o nível dos atletas pode influenciar o volu- força/potência também demonstram perfil lipídico
me sistólico absoluto. Atletas de nível nacional/inter- indicativo de aumento do risco cardiovascular (Berg
nacional têm maior volume sistólico absoluto do que et al., 1980). Os estudos com treinamento longitudi-
atletas de nível inferior (Fleck, 1988). Somente em nal que submeteram homens e mulheres demons-
um estudo atletas altamente treinados em força mos- tram resultados inconclusivos. O aumento de apro-
traram valores significativamente maiores do que os ximadamente 10 a 15% no HDL-C e o decréscimo
indivíduos do grupo-controle quando a área de su- de cerca de 5 a 39% no LDL-C, além de 3 a 16% no
perfície corporal foi analisada (Fleck et al., 1989a). colesterol total, como resultado do treinamento de
Outras cinco comparações não demonstraram dife- força de curto prazo têm sido demonstrados em in-
renças entre esses dois grupos (Longhurst et al., divíduos normolipidêmicos (Hurley, 1989). No en-
1980a; Pearson et al., 1986). Os estudos demonstran- tanto, outros estudos longitudinais não demonstram
do que indivíduos altamente treinados em força pos- alteração significativa no perfil lipídico devido aos
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 405
programas de treinamento de força de curto prazo fibras mais oxidativas tipo IIA (Staron et al., 1994) e
(Kraemer et al., 1988; Hurley, 1989; Stone et al., 1991; ao aumento nos capilares por fibra muscular (Mc-
LeMura et al., 2000; Staron et al., 2000). Call et al., 1996). Existem também possíveis efeitos
Todos os delineamentos transversais e longitu- negativos do treinamento de força no perfil lipídico.
dinais empregados para analisar o efeito do treina- Os indivíduos com maior porcentagem de fibras mus-
mento de força no perfil lipídico podem ser critica- culares tipo I demonstram maior concentração de
dos. As limitações dos estudos incluem: controle HDL-C (Tikkanen et al., 1996). Alguns programas
inadequado da idade, dieta e programa de treinamen- de treinamento de força induzem maior efeito hiper-
to, assim como possível uso de andrógenos; uso de trófico nas fibras tipo II (Tesch, 1987). O decréscimo
somente uma amostra sangüínea na determinação do resultante na área percentual das fibras tipo I pode
perfil lipídico; ausência de grupo-controle; incapaci- afetar desfavoravelmente o perfil lipídico. Deve exis-
dade para controlar alterações na composição cor- tir equilíbrio entre os fatores com potencial para afe-
poral; e estudos longitudinais de curta duração. Além tar favoravelmente o perfil lipídico e aqueles capazes
disso, o aumento agudo no HDL-C e o decréscimo de exercer efeitos deletérios para que efeito positivo
no colesterol total ocorrem 24 horas após uma ses- seja produzido.
são de exercícios com sobrecarga de 90 minutos, os O treinamento de força pode exercer efeito posi-
quais não retornam aos valores do baseline em 48 horas tivo no perfil lipídico. No entanto, pesquisa adicional
após a sessão de exercício (Wallace et al., 1991). Al- é necessária antes dessa conclusão ser considerada
guns estudos não descartam o possível efeito agudo com segurança. Os programas caracterizados por ele-
da última sessão de treinamento. Sendo assim, as vado volume total de treinamento podem oferecer a
conclusões extraídas desses estudos devem ser con- melhor possibilidade para o efeito positivo. Registros
sideradas com cautela. relatam que uma aptidão para eventos esportivos de
O volume do treinamento de força pode exercer potência/força, incluindo o levantamento de peso, não
algum impacto no perfil lipídico. Informes indicam oferece proteção contra risco cardiovascular em ex-
que os fisiculturistas têm perfil lipídico similar ao de atletas. Já uma aptidão alcançada em eventos espor-
corredores, enquanto os levantadores de potência tivos de endurance e atividade física vigorosa contínua
apresentam menor concentração de HDL-C e maior após a “aposentadoria esportiva” oferecem essa pro-
de LDL-C do que corredores quando a gordura cor- teção. Portanto, uma conclusão prudente pode ser
poral, a idade e o uso de andrógeno (que demonstra encorajar atletas de força/potência a realizar algum
deprimir a concentração de LDL-C) são controlados treinamento de endurance e a seguir práticas dietéti-
(Hurley et al., 1984; Hurley et al., 1987). Há também cas apropriadas após o encerramento da carreira des-
evidências de que ocorrem alterações positivas no portiva, com o objetivo de proporcionar uma reper-
perfil lipídico em homens de meia-idade após 12 se- cussão positiva sobre o perfil lipídico.
manas de treinamento de força (Johnson et al., 1982;
Blessing et al., 1987). Nesse caso, as maiores altera- Espessura da parede ventricular
ções se processam nas fases de maior volume do pro- esquerda
grama de treinamento.
Não está completamente claro o motivo pelo qual A morfologia cardíaca, assim como a espessura
o treinamento de força pode afetar positivamente o da parede ventricular (Tab. 20.2), é freqüentemente
perfil lipídico. O decréscimo na porcentagem de gor- determinada por técnicas ecocardiográficas. No en-
dura corporal afeta positivamente o perfil lipídico tanto, a imagem de ressonância magnética (RM) tam-
(Williams et al., 1994; Twisk et al., 2000). Segundo bém determina a morfologia cardíaca (Fleck et al.,
demonstram alguns estudos, o treinamento de força 1989b). As revisões de literatura concluem que indi-
induz decréscimo da porcentagem de gordura cor- víduos altamente treinados em força apresentam
poral. O treinamento de força pode melhorar a capa- maior espessura média da parede ventricular esquer-
cidade oxidativa do músculo esquelético devido ao da posterior diastólica absoluta (PWTd) (Fleck, 1988;
aumento na atividade de enzimas oxidativas aeróbias Urhausen e Kindermann, 1992) e espessura da pare-
específicas (Wang et al., 1993). Tal alteração pode de do septo intraventricular diastólico (IVSd) (Wolfe
ocorrer devido à conversão de fibras de tipo IIB para et al., 1986; Fleck, 1988; Urhausen e Kindermann,
406 PAAVO V. KOMI
Relativo à
Absoluta ASC MM
Espessura da parede ↑↑
Ventrículo esquerdo ↑ ou nenhuma alteração Nenhuma alteração Nenhuma alteração
Septo ↑ ou nenhuma alteração Nenhuma alteração Nenhuma alteração
Ventrículo direito Nenhuma alteração Nenhuma alteração Nenhuma alteração
Volume da câmara
Ventrículo esquerdo Nenhuma alteração ou leve ↑ Nenhuma alteração ou leve ↑ Nenhuma alteração ou leve ↑
Ventrículo direito Nenhuma alteração ou leve ↑ (?) Nenhuma alteração ou leve ↑ (?) Nenhuma alteração ou leve ↑ (?)
Massa ventricular esquerda ↑ ou nenhuma alteração Nenhuma alteração Nenhuma alteração
ASC, área de superfície corporal (m2); MM, massa magra (kg); ?, dados mínimos.
1992; Perrault e Turcotte, 1994). No entanto, a es- foi afetada de acordo com o nível do atleta, sendo
pessura da parede em indivíduos altamente treina- que os atletas de nível regional, nacional e interna-
dos em força raramente excede o limite superior de cional possuíam maior espessura de IVSd do que atle-
normalidade (Wolfe et al., 1986; Urhausen e Kinder- tas que treinam de forma recreativa (Fleck, 1988). Maior
mann, 1992). Em geral, a expessura é significativa- quantidade de pesquisa é necessária para esclarecer a
mente menor do que em estados de doença, como a existência de espessura desproporcional das paredes
estenose aórtica, a cardiomiopatia obstrutiva e a hi- dos ventrículos e seus efeitos na função cardíaca.
pertensão extrema (Wolfe et al., 1986). É também im- Estudos longitudinais de curto prazo embasam
portante notar que o aumento da espessura da pare- o conceito de que o treinamento de força pode au-
de ventricular é aparente em outros tipos de atletas. mentar a PWTd e a IVSd. Isso, porém, não represen-
Um estudo que analisou atletas de ranking nacional ta um resultado necessário do programa de treina-
de 27 diferentes esportes classificou o levantamento mento (Fleck, 1988; Effron, 1989; Perrault e Turcotte,
de peso como o número oito em termos de impacto 1994). A conclusão de que o treinamento de força
na espessura da parede ventricular esquerda (Spataro não tem de produzir aumento na PWTd e na IVSd é
et al., 1994). O aumento na espessura da parede, sustentada pelos estudos transversais que não de-
quando aparente em levantadores de peso, é normal- monstram diferença significativa dos controles na
mente atribuído à elevação intermitente da pressão espessura da parede ventricular em atletas femininas
arterial encontrada durante treinamento de força universitárias treinadas em força/potência (George et
(Effron, 1989). al., 1995) e em levantadores de potência juniores e
Raramente existe diferença do normal quando a seniores de nível nacional (Haykowsky et al., 2000).
PWTd e a IVSd de atletas altamente treinados em As alterações na espessura da parede ventricular es-
força são expressas de acordo com a área de superfí- querda provavelmente decorrem das diferenças do
cie corporal ou com a massa corporal magra (Fleck, programa de treinamento utilizado. O maior valor da
1988; Fleck et al., 1989a; Urhausen e Kindermann, pressão arterial é alcançado durante as últimas repe-
1992; Perrault e Turcotte, 1994). Isso indica adapta- tições de séries até a fadiga voluntária (MacDougall
ção fisiológica mais do que estado patológico de do- et al., 1985; Fleck e Dean, 1987; Sale et al., 1994). Os
ença. Tal perspectiva suscita interesse, pois alguns exercícios que envolvem um grande grupo muscular,
estudos encontraram uma espessura desproporcio- como o leg press, aumentam mais a pressão arterial
nal da IVSd quando comparada à PWTd, possivel- do que exercícios para os pequenos grupos muscu-
mente indicando uma adaptação deletéria, enquanto lares (MacDougall et al., 1985). Portanto, o número
outros estudos encontram que essa relação está den- de repetições até a fadiga voluntária, assim como os
tro dos limites de normalidade (Urhausen e Kinder- tipos de exercícios podem influenciar a espessura da
mann, 1992). De modo interessante, uma metanálise parede ventricular. Outros fatores que podem afetar
concluiu que a espessura de IVSd, e não a de PWTd, a espessura da parede ventricular incluem a intensi-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 407
dade, o volume e a duração do treinamento, bem do expressa em relação à área de superfície corporal
como o intervalo de repouso entre as séries. ou à massa corporal magra (Wolfe et al., 1986; Fleck,
A espessura da parede ventricular direita tem re- 1988; Urhausen e Kindermann, 1992). A LVIDd em
cebido bem menos atenção do que a da esquerda. indivíduos altamente treinados em força também
No entanto, um estudo que empregou RM não rela- pode ser ligeira e significativamente maior que o nor-
tou diferença na espessura da parede ventricular di- mal quando expressa de acordo com a área de super-
reita sistólica e diastólica entre levantadores olímpi- fície corporal (Perrault e Turcotte, 1994). Os estudos
co masculinos juniores quando comparados a con- com treinamento longitudinal de curto prazo sus-
troles ajustados a idade e peso (Fleck et al., 1989b). tentam a conclusão de que o efeito do treinamento
O mesmo estudo determinou que os levantadores de de força na LVIDd é mínimo (Wolfe et al., 1986; Fle-
peso apresentavam significativamente maior espes- ck, 1988; Perrault e Turcotte, 1994).
sura da parede ventricular esquerda. Então, esses re- Em uma comparação de atletas de ranking nacio-
sultados indicam que o ventrículo direito não é ex- nal em 27 diferentes modalidades esportivas, os le-
posto à pressão arterial suficientemente elevada para vantadores de peso foram classificados em 22º lugar
induzir hipertrofia da parede ventricular direita du- em termos do efeito da modalidade esportiva na
rante o treinamento de força. LVIDd (Spataro et al., 1994). Embora o treinamento
O treinamento de força pode aumentar, de modo de força exerça efeito mínimo na LVIDd, é impor-
absoluto, a espessura da parede ventricular esquer- tante que esta variável não seja reduzida em resposta
da. Isso não representa uma conseqüência necessá- ao treinamento de força, como é o caso da sobrecar-
ria de todos os programas de treinamento. O aumento ga pressórica patológica causada pela hipertensão ou
da espessura da parede ventricular esquerda, quan- das várias formas de cardiomiopatia (Urhausen e Kin-
do aparente, é causado pela elevação intermitente da dermann, 1992). O sutil aumento ou a ausência de
pressão arterial durante treinamento de força. Geral- alteração na LVIDd associado com nenhuma altera-
mente, não há aumento na espessura da parede ven- ção ou pequeno aumento na espessura da parede ven-
tricular esquerda quando expressa de acordo com a tricular esquerda representa importante diferença
área de superfície corporal ou a massa corporal ma- entre o treinamento de força e a hipertrofia cardíaca
gra. Além disso, o aumento na espessura da parede patológica, em que o grande aumento na espessura
ventricular esquerda raramente excede o limite su- da parede não é acompanhado por aumento na LVI-
perior de normalidade e está abaixo do aumento na Dd (Urhausen e Kindermann, 1992).
espessura da parede decorrente de condições pato- Dados de uma metanálise indicam que o nível
lógicas. do atleta não influencia significativamente a LVIDd
quando comparado a indivíduos-controle (Fleck,
Tamanho da câmara 1988). Essa conclusão é respaldada por registros de
levantadores de potência juniores e seniores de nível
A dimensão interna ventricular esquerda tem sido nacional com LVIDd normal (Haykowsky et al., 2000)
freqüentemente determinada por ecocardiografia; a e por outros registros de atletas treinados em força
RM também é utilizada (Fleck et al., 1989b). Indiví- do mesmo nível que não possuem LVIDd significati-
duos altamente treinados em força podem ter uma vamente diferente do normal (Dickhuth et al., 1979;
dimensão interna ventricular esquerda diastólica ab- Fleck et al., 1989a). As alterações do volume ventri-
soluta (LVIDd) normal ou significativamente maior cular são normalmente associadas com sobrecarga
do que o normal (Fleck, 1988; Fleck et al., 1989b; de volume; pode-se, portanto, propor que o tipo de
Urhausen e Kindermann, 1992; Perrault e Turcotte, programa de treinamento de força afeta a LVIDd. Isso
1994; George et al., 1995). Assim como a espessura é respaldado por um registro de fisiculturistas com
da parede ventricular esquerda, a LVIDd em indiví- maior LVIDd absoluta em repouso (Deligiannis et
duos altamente treinados em força normalmente não al., 1988). No entanto, a LVIDd não foi significativa-
excede os limites superiores de normalidade (Wolfe mente diferente do normal quando expressa de acor-
et al., 1986; Fleck, 1988; Urhausen e Kindermann, do com a área de superfície corporal ou com a massa
1992; Perrault e Turcotte, 1994). Em muitos casos, corporal magra, tanto para fisiculturistas como para
não é significativamente diferente do normal quan- levantadores de peso.
408 PAAVO V. KOMI
As dimensões internas atrial e ventricular direita rentes à MVE devem ser analisados com cuidado, pois
também são analisadas em indivíduos altamente trei- foram obtidos por meio de cálculos. Por exemplo, 1
nados em força. Os fisiculturistas tipicamente trei- mm de alteração na espessura da parede ventricular
nam com maior número de repetições por série (6 a esquerda pode resultar em aumento significativo de
12 repetições por série) comparados aos levantado- 15% na MVE estimada (Perrault e Turcotte, 1994).
res de peso, que tipicamente realizam pequenos nú- Os estudos transversais (Fleck, 1988; Effron, 1989;
meros de repetições por série (três ou menos) em boa George et al., 1995; Haykowsky et al., 2000) e os lon-
parte do programa de treinamento. Então, os fisicul- gitudinais de curto prazo (Wolfe et al., 1986; Fleck,
turistas geralmente realizam programa de treinamento 1988; Effron, 1989) obtidos em atletas altamente trei-
de maior volume quando comparados aos levanta- nados em força indicam que a MVE absoluta pode
dores de peso. Então, tem sido reportado que os fisi- aumentar significativamente como efeito induzido
culturistas, que geralmente realizam programa de trei- pelo treinamento de força, mas não representa ne-
namento de maior volume quando comparados aos cessariamente um resultado usual de todos os pro-
levantadores de peso, apresentam maior dimensão gramas de treinamento de força. Qualquer diferença
interna ventricular direita diastólica em repouso, tanto dos valores-controle em estudos transversais ou au-
em termos absolutos como relativos à área de super- mento nos estudos longitudinais, todavia, é muito
fície corporal e massa corporal magra (Deligiannis et reduzida ou inexistente quando a MVE é expressa de
al., 1988). Um estudo transversal de levantadores de acordo com a área de superfície corporal ou massa
peso de elite estilo olímpico da categoria júnior rela- corporal magra.
tou que esses sujeitos não possuíam dimensão inter- O tipo de programa de treinamento não pode
na ventricular direita diastólica e sistólica absoluta influenciar a alteração na MVE. Os fisiculturistas,
ou quando corrigida pela área de superfície corporal assim como os levantadores de peso, possuem MVE
ou pela massa corporal magra significativamente di- absoluta significativamente maior que o normal. Não
ferente do normal (Fleck et al., 1989b). Similar à di- há diferenças para esses dois grupos de atletas (Deli-
mensão interna ventricular direita, registros apontam giannis et al., 1988). Nesse estudo, ambos os grupos
que a dimensão interna atrial de ambos, fisiculturis- apresentaram maior espessura da parede ventricular
tas e levantadores de peso, é maior do que o normal esquerda quando comparada ao normal. No entan-
em termos absolutos ou quando corrigida pela área to, somente os fisiculturistas tinham dimensão dias-
de superfície corporal ou pela massa corporal magra. tólica final ventricular esquerda significativamente
Os fisiculturistas apresentam significativamente mai- maior do que o normal. Então, a MVE é aumentada
or dimensão interna atrial esquerda do que os levan- nos fisiculturistas devido à maior espessura da pare-
tadores de peso (Deligiannis et al., 1988). Isso nova- de ventricular esquerda e ao aumento no tamanho
mente indica que o tipo de programa de treinamento da câmara. Já nos levantadores de peso, o aumento é
com sobrecarga pode afetar o tamanho da câmara principalmente causado pelo aumento na espessura
cardíaca. da parede ventricular esquerda. Seria possível suge-
Geralmente o treinamento de força exerce um rir que um programa de treinamento de força que
pequeno ou nenhum efeito na LVIDd. Isso é verda- induz aumento na espessura da parede, assim como
deiro quando a LVIDd é expressa em termos absolu- na dimensão interna ventricular esquerda, deveria re-
tos ou quando corrigida pela área de superfície cor- sultar em maior aumento na massa ventricular es-
poral ou pela massa corporal magra. Os programas querda estimada. Tal programa de treino de força pode
de treinamento de força de alto volume apresentam ser caracterizado pelo elevado volume.
maior potencial para afetar o tamanho das câmaras A MVE absoluta pode aumentar em decorrência
cardíacas. de um programa de treinamento de força; no entan-
to, tal aumento não ocorre como efeito induzido por
Massa ventricular esquerda todos os programas de treinamento de força. O tipo
de programa de treinamento realizado pode influen-
A massa ventricular esquerda (MVE) pode au- ciar a magnitude de aumento na MVE, assim como
mentar devido à elevação na espessura da parede ven- o meio em que esse aumento ocorre, com os progra-
tricular e às dimensões internas. Os resultados refe- mas de maior volume resultando em aumento na es-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 409
pessura da parede ventricular esquerda e no tama- et al., 1986). Essa informação indica que a função
nho da câmara; e os programas de menor volume diastólica não é afetada, ou talvez pouco, apesar do
induzindo aumento na massa ventricular esquerda, aumento na MVE absoluta e relativa à área de super-
principalmente devido ao aumento na espessura da fície corporal em indivíduos altamente treinados em
parede. força.
Função cardíaca
Resposta aguda
Anormalidades na função sistólica e diastólica são
associadas com hipertrofia cardíaca causada por con- A adaptação aguda refere-se à resposta cardio-
dições patológicas, como hipertensão e doença car- vascular durante uma ou várias séries de um treina-
díaca valvular. Considera-se que a hipertrofia cardía- mento de força. A resposta aguda atrai menos aten-
ca induzida pelo treinamento de força prejudica a ção na comunidade científica do que a resposta
função cardíaca. No entanto, a maioria dos estudos crônica ao treinamento de longo prazo. Talvez esse
transversais demonstra que as medidas comuns da menor interesse esteja relacionado à necessidade do
função sistólica, como a porcentagem de encurtamen- uso de técnica intra-arterial para determinar a pres-
to fracional, a fração de ejeção e a velocidade de en- são, pois a esfigmomanometria auscultatória tem li-
curtamento circunferencial, não são alteradas em in- mitações, por exemplo, não ser capaz de mensurar
divíduos treinados com sobrecarga (Fleck, 1988; precisamente a pressão sangüínea nas fases concên-
Effron, 1989; Ellias et al., 1991; Urhausen e Kinder- trica e excêntrica das repetições. Ultimamente, a ple-
mann, 1992; George et al., 1995; Haykowsky et al., tismografia de dedo determina, de maneira contínua,
2000). Em apenas um estudo transversal, a porcen- a pressão sangüínea durante o treinamento de força.
tagem de encurtamento fracional foi significativamen- É também difícil determinar precisamente o débito
te maior que o normal (32% versus 37%) (Colan et cardíaco, o volume sistólico, assim como o volume
al., 1987). Estudos longitudinais de curto prazo com sistólico e diastólico finais no ventrículo esquerdo,
treinamento de força apresentam resultados ambí- através de impedância cardíaca ou de técnicas eco-
guos, sem alteração (Lusiani et al., 1986), e aumento cardiográficas durante o treinamento de força. Por-
significativo na porcentagem de encurtamento fra- tanto, em algumas situações, as conclusões extraídas
cional (Kanakis e Hickson, 1980). A maioria das evi- referentes à resposta cardiovascular aguda ao treina-
dências indica que o treinamento de força não exer- mento de força devem ser analisadas com cuidado
ce efeito na função sistólica, com evidência mínima (Tab. 20.3).
indicando seu aumento.
A função diastólica suscita muito menos aten- Freqüência cardíaca e pressão
ção do que a função sistólica. No entanto, a maioria arterial
dos estudos transversais não relata alteração signifi-
cativa na função diastólica quando comparada à nor- A freqüência cardíaca, assim como a pressão ar-
mal em indivíduos altamente treinados em força terial sistólica e diastólica, aumenta substancialmen-
(Urhausen e Kindermann, 1992). Todavia, em levan- te durante a realização de exercícios com sobrecarga
tadores de potência com MVE absoluta e relativa à de característica dinâmica (Fleck, 1988; Hill e Butler,
área de superfície corporal significativamente maior, 1991). Tem sido registradas pressões arteriais sistóli-
sugere-se alguma indicação de aumento da função ca e diastólica de pico médias de 320 mmHg por 250
diastólica. Os levantadores de potência que compe- mmHg, respectivamente, e freqüência cardíaca de 170
tem em nível nacional demonstram significativamente bpm durante a realização de leg press bilateral a 95%
maior taxa de expansão da câmara, assim como taxa de 1-RM até a fadiga voluntária, em que uma mano-
de alargamento das paredes do ventrículo esquerdo bra de Valsalva foi permitida (MacDougall et al.,
quando comparados ao grupo-controle (Colan et al., 1985). Outros valores médios de pico representati-
1985). A taxa de enchimento atrial de pico também vos incluem 198/160 mmHg e 135 bpm na extensão
demonstra ser maior em levantadores de potência de joelho unilateral realizada a 80% de 1-RM até a
quando comparados a indivíduos-controle (Pearson fadiga voluntária, quando a manobra de Valsalva foi
410 PAAVO V. KOMI
Fase da repetição
Concêntrica Excêntrica
?: dados mínimos.
cardíaca de pico. Todos os exercícios foram realiza- No exercício dinâmico, uma pressão arterial sis-
dos até a fadiga voluntária a 60°·s–1. No entanto, a tólica e diastólica mais elevada, mas não a freqüência
duração da série isocinética foi significativamente cardíaca, têm sido observadas na fase concêntrica
maior quando comparada à de sobrecarga variável quando comparada à fase excêntrica das repetições
(48 s) ou constante (67 s). Então, a maior resposta da (MacDougall et al., 1985; Miles et al., 1987; Falkel et
pressão arterial sistólica no exercício isocinético pode al., 1992). No entanto, a pressão arterial altera nas
dever-se à maior duração da série. fases concêntrica e excêntrica de uma repetição. Por-
O aumento substancial na pressão intra-arterial tanto, o valor da pressão arterial será afetado de acor-
de pico (348/157 mmHg) e na freqüência cardíaca do com o ponto em que sua determinação ocorre na
(157 bpm) é aparente durante séries de exercício iso- amplitude de movimento das fases concêntrica e ex-
cinético até a fadiga voluntária realizado a 50°·s–1 cêntrica. Ultimamente, os registros feitos pela pletis-
(Kleiner et al., 1999). No entanto, a freqüência car- mografia de dedo (Fig. 20.2) indicam que os maiores
díaca e a pressão arterial de pico mostraram pouca valores de pressão arterial sistólica e diastólica são
alteração quando a velocidade de ação isocinética va- verificados no início da fase concêntrica no leg press,
riou de 30 a 200°·s–1 (Haennel et al., 1989; Kleiner et com um decréscimo da pressão arterial à medida que
al., 1999). a fase concêntrica da repetição progride, alcançando
A resposta da pressão arterial é maior durante seu menor valor quando a perna é estendida (Gotshall
séries realizadas até a fadiga voluntária a 95% de et al., 1999). A pressão arterial então aumenta à me-
1-RM do que a 100% de 1-RM quando a manobra dida que as pernas são flexionadas na fase excêntrica
de Valsalva é permitida (MacDougall et al., 1985). A de uma repetição e novamente alcança o seu valor
freqüência cardíaca de pico e a pressão arterial au- mais alto quando as pernas são flexionadas o máxi-
mentam de acordo com o aumento da porcentagem mo possível. Isso indica que a resposta da pressão
do 1-RM empregada (50, 70, 80, 85 e 87,5%) em sé- arterial é maior no ponto de maior dificuldade* de
ries com a manobra de Valsalva (Sale et al., 1994). A um exercício, quando a contração muscular é próxi-
resposta pressórica é maior, mas não de forma signi- ma da produção máxima de força.
ficativa, quando a manobra de Valsalva é desencora-
jada em séries de 90, 80 e 70% de 1-RM quando com- Volume sistólico e débito cardíaco
paradas às séries realizadas a 100 e 50% de 1-RM até
a fadiga voluntária (Fleck e Dean, 1987). Por sua vez, O volume sistólico e o débito cardíaco têm sido
a resposta da freqüência cardíaca de pico em séries determinados durante o treinamento de força por
até a fadiga voluntária realizadas com 90, 80, 70 e meio de técnicas de impedância elétrica. O volume
50% de 1-RM é significativamente maior do que a sistólico e o débito cardíaco não são significativamen-
freqüência cardíaca de pico a 100% de 1-RM, com te maiores do que os valores em repouso durante a
valores ligeiramente maiores nas séries com menor fase concêntrica da extensão de joelho em 12 repeti-
porcentagem de 1-RM (Fleck et al., 1987; Falkel et ções com sobrecarga equivalente a 12-RM quando
al., 1992). Então, a resposta da pressão arterial, assim são feitas tentativas para limitar o uso da manobra de
como da freqüência cardíaca, é menor durante uma Valsalva (Miles et al., 1987). No entanto, o volume
repetição a 100% de 1-RM quando comparada às sistólico, assim como o débito cardíaco, aumenta
séries realizadas até a fadiga voluntária com menores muito em relação aos valores em repouso na fase ex-
porcentagens de 1-RM. A resposta da pressão arteri- cêntrica da extensão de joelho e é significativamente
al e da freqüência cardíaca no treinamento de força maior quando comparado à fase concêntrica. Na ex-
dinâmico parece similar à de ações isométricas — há tensão de joelho até a fadiga voluntária a 50, 80 e
aumento da resposta da freqüência cardíaca e da pres- 100% de 1-RM, o volume sistólico e o débito cardí-
são arterial quando a duração da atividade aumenta aco demonstram diferentes padrões de alteração
(Ludbrook et al., 1978; Kahn et al., 1985). Já a dura- quando a manobra de Valsalva é aplicada (Falkel et
ção da atividade não é suficiente para produzir res-
posta máxima da pressão arterial e da freqüência car-
díaca durante uma repetição realizada a 100% de
1-RM. *N. de R.T. Relativo à expressão inglesa “sticking point”.
412 PAAVO V. KOMI
al., 1992). O volume sistólico na fase excêntrica está lume sistólico, assim como o débito cardíaco, são
significativamente acima ou não é consideravelmen- maiores na fase excêntrica do que na fase concêntri-
te diferente dos valores em repouso. Na fase concên- ca da repetição. O volume sistólico, para ambos os
trica, o volume sistólico está significativamente abai- grupos musculares (pequenos e grandes), está geral-
xo ou não é consideravelmente diferente dos valores mente abaixo dos valores de repouso durante a fase
em repouso. O débito cardíaco na fase excêntrica da concêntrica e normalmente acima, mas nem sempre
extensão de joelho estava, em todas as séries, acima de forma estatisticamente significativo, na fase excên-
dos valores de repouso, enquanto, na fase concêntri- trica. Em geral, o débito cardíaco está acima dos va-
ca, estava acima dos valores em repouso, mas nem lores em repouso durante a fase excêntrica de exercí-
sempre significativamente. No exercício agachamento cios para os grandes e pequenos grupos musculares.
até a fadiga voluntária a 50, 80 e 100% de 1-RM, o O mesmo ocorre na fase concêntrica, mas, nos exer-
volume sistólico e o débito cardíaco também demons- cícios para pequenos grupos musculares, pode estar
tram variar entre as fases excêntrica e concêntrica do tanto acima como abaixo.
movimento (Falkel et al., 1992). Na fase excêntrica, o A freqüência cardíaca não é significativamente
volume sistólico estava acima dos valores em repou- diferente entre as fases concêntrica e excêntrica de
so, mas nem sempre significativamente, nas séries a uma repetição (MacDougall et al., 1985; Miles et al.,
50 e 100% de 1-RM. Na fase excêntrica a 80% de 1987; Falkel et al., 1992). Conforme já discutido, o
1-RM, estava significativamente abaixo dos valores volume sistólico é significativamente maior na fase
em repouso. O volume sistólico estava consideravel- excêntrica. Então, o maior débito cardíaco nessa fase
mente abaixo dos valores em repouso na fase con- deve-se somente ao seu maior volume sistólico.
cêntrica, independentemente da intensidade. O dé- O volume sistólico e o débito cardíaco durante
bito cardíaco estava expressivamente acima dos as fases excêntrica e concêntrica dos exercícios de
valores em repouso na fase excêntrica do agachamen- extensão de joelho e agachamento realizados a 50,
to em todas as intensidades, enquanto, na fase con- 80 e 100% de 1-RM até a fadiga voluntária têm sido
cêntrica, estava acima, mas novamente nem sempre comparados (Falkel et al., 1992). Geralmente o volu-
significativamente. Tanto na extensão do joelho como me sistólico e o débito cardíaco em ambas as fases,
no agachamento, o volume sistólico e o débito cardí- concêntrica e excêntrica, na mesma porcentagem de
aco foram significativamente maiores na fase excên- 1-RM são maiores no exercício de extensão de joe-
trica do que na fase concêntrica em todas as intensi- lho do que no agachamento. O maior débito cardía-
dades. Um padrão geral para os exercícios com co durante o exercício de extensão de joelho deve-se
grandes e pequenos grupos musculares é que o vo- ao maior volume sistólico. Isso porque, em geral, a
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 413
são de perfusão ao músculo. É incerta a aplicabilida- 1-RM), mas também em maior sobrecarga absoluta.
de ou a magnitude desse mecanismo em relação aos Os fisiculturistas possuem menor freqüência cardía-
grandes grupos musculares. ca e duplo produto, mas não pressão arterial, duran-
te exercício em ergômetro de braço na mesma sobre-
carga absoluta quando comparados a sujeitos seden-
Adaptações crônicas durante a tários (Colliander e Tesch, 1988). Também apresen-
atividade tam menor freqüência cardíaca na mesma sobrecar-
ga relativa durante o treinamento de força do que os
A redução na freqüência cardíaca e na pressão levantadores de potência (Falkel et al., 1992). Esses
arterial sob determinada sobrecarga específica repre- estudos transversais indicam que o treinamento de
senta uma clássica adaptação cardiovascular ao trei- força pode resultar em menor resposta pressórica
namento. Relativamente poucos estudos analisam o durante o trabalho físico, incluindo o próprio treina-
efeito do treinamento crônico sobre as alterações mento de força. A menor resposta pressórica demons-
cardiovasculares durante a atividade física. trada pelos fisiculturistas, quando comparados aos
levantadores de potência, pode, em parte, dever-se à
Freqüência cardíaca, pressão menor utilização da manobra de Valsalva nos exercí-
arterial e duplo produto cios com sobrecarga (Falkel et al., 1992).
Os estudos longitudinais de curto prazo também
Estudos transversais de atletas altamente treina- indicam que o treinamento de força pode induzir
dos em força indicam que esse treinamento reduz o menor resposta pressórica em outras atividades físi-
estresse cardiovascular durante a execução de exer- cas. A freqüência cardíaca, a pressão arterial e o du-
cícios com sobrecarga e em outras tarefas (Tab. 20.4). plo produto diminuem durante a caminhada em es-
Os fisiculturistas demonstram menor pressão intra- teira rolante, caminhada em esteira rolante segurando
arterial sistólica e diastólica, assim como menor fre- pesos leves nas mãos e em cicloergômetro após 12 a
qüência cardíaca máxima durante séries a 50, 70, 80, 16 semanas de treinamento de força (Blessing et al.,
90 e 100% de 1-RM até a fadiga voluntária, do que 1987; Goldberg et al., 1988; Goldberg et al., 1994).
indivíduos sedentários e iniciantes com somente 6 a Os estudos de treinamento de curto prazo também
9 meses de experiência no treinamento de força. E, demonstram decréscimo significativo na resposta da
nessas situações, a manobra de Valsalva foi desenco- freqüência cardíaca e da pressão arterial em ações
rajada (Fleck e Dean, 1987). Os fisiculturistas eram isométricas (Goldberg et al., 1994), em idosos
mais fortes do que os outros sujeitos; então, demons- (McCartney et al., 1993) e em adultos jovens (Sale et
traram menor pressão arterial e freqüência cardía- al., 1993) durante o treinamento de força dinâmico
ca na mesma sobrecarga relativa (porcentagem de na mesma sobrecarga absoluta. Essa informação lon-
gitudinal indica claramente que o treinamento de for- ma seria necessária para desenvolver uma força ab-
ça pode diminuir a resposta pressórica em inúmeras soluta submáxima. Isso resultaria em menor oclusão
outras atividades físicas. e, portanto, em decréscimo na resistência periférica
No entanto, a resposta da pressão arterial na total. Esse mecanismo pode ser responsável pelo au-
mesma sobrecarga relativa pode ser inalterada ou mento no tempo até a exaustão em cicloergômetro,
mesmo ficar maior por conta de programa de treina- sem aumento no consumo máximo de oxigênio, após
mento de força de curto prazo (Sale et al., 1994). É o programa de treinamento de força, pois permite
importante notar que a mesma sobrecarga relativa maior fluxo sangüíneo aos músculos em trabalho
(porcentagem de 1-RM) após o treinamento repre- (Marcinik et al., 1991).
senta maior sobrecarga absoluta. Após 19 semanas A lei de Laplace também oferece uma possível
de treinamento de força, a pressão sistólica de pico explicação para a redução no duplo produto. A lei
aumenta durante uma série concêntrica a 85% de pode ser representada pela fórmula T = P × R/Wt, em
1-RM até a fadiga voluntária, mas é inalterada em que T representa a tensão da parede do miocárdio, P
séries a 50, 70, 80 e 87,5% de 1-RM. A pressão di- é a pressão, R é o raio da câmara e Wt a espessura da
astólica de pico foi significativamente maior nas séries parede. Em alguns casos, o treinamento de força au-
a 50, 70 e 80% de 1-RM, mas ficou inalterada a 87,5% menta a espessura da parede ventricular esquerda com
de 1-RM. A pressão esofágica de pico aumentou sig- pouca ou nenhuma alteração no tamanho da câmara
nificativamente na série a 80% de 1-RM, mas per- ventricular esquerda. Tais alterações resultariam em
maneceu inalterada nas outras intensidades. Isso in- decréscimo na tensão da parede do miocárdio de acor-
dica o emprego mais vigoroso da manobra de Valsalva do com a lei de Laplace. A diminuição na tensão da
na série a 80% de 1-RM, enquanto a freqüência car- parede pode, simultaneamente, resultar em redução
díaca durante todas as séries tendeu a ser maior na no consumo de oxigênio do miocárdio. Embora os
mesma sobrecarga relativa e menor na mesma so- mecanismos não estejam completamente elucidados,
brecarga absoluta, mas não significativa, após as 19 parece que o treinamento de força pode reduzir o
semanas de treinamento. A informação desse estudo duplo produto e, portanto, o consumo de oxigênio
longitudinal não é consistente com a menor resposta do miocárdio.
da pressão arterial demonstrada por fisiculturistas nas
séries até a fadiga voluntária quando a manobra de Volume sistólico e débito cardíaco
Valsalva é desencorajada (Fleck e Dean, 1987). A di-
ferença entre esses dois estudos pode estar parcial- O volume sistólico e o débito cardíaco de pico de
mente relacionada à aplicação da manobra de Valsal- fisiculturistas são maiores que os de levantadores de
va durante o treinamento de força. potência durante séries de agachamento dorsal e ex-
tensão de joelho a 50, 80 e 100% de 1-RM até a fadi-
Consumo de oxigênio do miocárdio ga voluntária quando a manobra de Valsalva é per-
mitida (Falkel et al., 1992). O maior volume sistólico
O decréscimo no duplo produto indica diminui- e débito cardíaco dos fisiculturistas foi evidente nas
ção no trabalho do miocárdio e no consumo de oxi- fases de repetições concêntrica e excêntrica. Os fisi-
gênio. A redução na resistência periférica total em culturistas também demonstraram indicação de me-
repouso e durante o exercício pode explicar os resul- nor magnitude da manobra de Valsalva (pressão bu-
tados de alguns dos estudos anteriores. A diminui- cal). Então, a diferença observada entre fisiculturistas
ção na resistência periférica total durante o exercício e levantadores de potência no volume sistólico e no
na mesma sobrecarga absoluta pode parcialmente ex- débito cardíaco pode relacionar-se à magnitude da
plicar o decréscimo no duplo produto durante o exer- manobra de Valsalva realizada e, desse modo, às dife-
cício. Após um programa de treinamento de força, a renças no efeito da pressão intratorácica no retorno
sobrecarga absoluta submáxima seria realizada em venoso e na pressão arterial. Em muitas das séries
menor contração voluntária máxima relativa. Isso dos exercícios agachamento e extensão de joelho, os
seria possível após um programa de treinamento de fisiculturistas demonstraram maior freqüência car-
força devido ao aumento na força máxima; então, uma díaca máxima do que os levantadores de potência,
menor porcentagem da contração voluntária máxi- indicando que o débito cardíaco é maior nos fisicul-
416 PAAVO V. KOMI
turistas devido ao aumento no volume sistólico e na é muito pouco afetado pelo treinamento de força. Os
freqüência cardíaca. Os levantadores de potência dados transversais demonstram que o VO2máx rela-
apresentam significativamente maior 1-RM do que tivo de levantadores de peso olímpico, de levantado-
os fisiculturistas, tanto no exercício de agachamento res de potência e de fisiculturistas competitivos varia
como no de extensão de joelho, indicando que o le- de 41 a 55 mL·kg–1·min–1 (Saltin e Åstrand, 1967; Kra-
vantamento de uma sobrecarga absoluta maior pode emer et al., 1988; Stone et al., 1991; George et al.,
resultar em menor volume sistólico e débito cardía- 1995). Esses valores podem ser classificados como
co. As diferenças entre fisiculturistas e levantadores médios ou moderadamente acima da média para o
de potência indicam que o tipo de programa de trei- VO2máx relativo. A ampla variação indica que o trei-
namento pode afetar o volume sistólico e o débito namento de força pode aumentar o VO2máx, mas nem
cardíaco ao treinamento de força. todos os programas apresentam essa possibilidade.
Um estudo longitudinal de curto prazo indica que Os dados longitudinais demonstram que o trei-
o treinamento de força pode afetar a magnitude da namento de força no qual são realizadas poucas re-
manobra de Valsalva (Sale et al., 1994). Após 19 se- petições por série com alta sobrecarga e longos perío-
manas de treinamento de força, a pressão esofágica dos de recuperação promove pequeno aumento ou
durante uma série na mesma sobrecarga relativa (por- nenhuma alteração no VO2máx relativo (Fahey e
centagem de 1-RM) permanece inalterada. No en- Brown, 1973; Hickson et al., 1980; Gettman e Pollock,
tanto, na mesma sobrecarga absoluta, que represen- 1981; Lee et al., 1990). Sete semanas de programa de
ta menor porcentagem de 1-RM após o treinamento, levantamento (estilo olímpico) pode gerar ganhos
a pressão esofágica pode ser diminuída nas primeiras moderados no VO2máx absoluto (9%) e no VO2máx
repetições de uma série. Isso indica uma manobra de relativo (8%) (Stone et al., 1983b). As primeiras cin-
Valsalva menos vigorosa nas primeiras repetições na co semanas do treinamento nesse estudo consisti-
mesma sobrecarga absoluta após o treinamento de ram de 3 a 5 séries de 10 repetições para cada exercí-
força. Essa redução pode permitir que o volume sis- cio, com intervalo de 3,5 a 4 minutos entre as séries e
tólico e o débito cardíaco aumentem quando com- os exercícios, em duas sessões diárias, três dias por
parados ao pré-treinamento. A pressão esofágica nas semana. O treinamento de impulsão vertical foi rea-
últimas repetições não é afetada pelo treinamento e, lizado três dias por semana durante as cinco semanas
portanto, não alteraria o volume sistólico ou o débito iniciais de treinamento. O treinamento durante as duas
cardíaco em relação aos valores pré-treinamento. semanas seguintes foi idêntico ao das primeiras cinco
Imediatamente após o treinamento de força, o semanas nas três séries de cinco repetições foram rea-
débito cardíaco (30 L·min–1) e o volume sistólico (150 lizadas e o treinamento de impulsão vertical foi feito
a 200 mL) dos levantadores de peso estão significati- somente um dia por semana. A maioria do ganho no
vamente elevados acima dos valores em repouso (Vo- VO2máx ocorreu nas primeiras cinco semanas de trei-
robyev, 1988). Em indivíduos não-treinados, a alte- namento, sem nenhum ganho significativo adicional
ração não é significativa. Esses estudos indicam que nas últimas duas. Os resultados indicam que um trei-
o volume sistólico e o débito cardíaco podem ser namento de força de alto volume pode ser necessário
maiores durante o treinamento de força em indiví- para induzir um ganho significativo no VO2máx. No
duos treinados em força quando comparados aos in- entanto, essa conclusão deve ser considerada com cau-
divíduos não-treinados. Qualquer alteração crônica tela devido à inclusão do treinamento de impulsão
no volume sistólico e no débito cardíaco como re- vertical no programa total de treinamento.
sultado do treinamento de força pode estar relacio- O treinamento em circuito consiste de 12 a 15 re-
nada à qualidade de aplicação da manobra de Valsalva petições por série usando de 40 a 60% de 1-RM e
após o treinamento e ao tipo de treinamento realizado. com um pequeno intervalo de recuperação, de 15 a 30
s, entre as séries e os exercícios. Com esse tipo de trei-
Consumo de oxigênio máximo namento, o VO2máx relativo aumenta aproximada-
mente 4% em homens e 8% em mulheres durante 8 a
O consumo de oxigênio de pico (VO2máx) em 20 semanas de treinamento (Gettman e Pollock, 1981).
uma esteira rolante ou cicloergômetro é considerado A freqüência cardíaca durante o condicionamento
um indicador de aptidão cardiovascular. O VO2máx físico deve ser mantida a 60% do máximo por, no
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 417
mínimo, 20 minutos a fim de induzir ganho signifi- nitivamente necessária em relação à resposta e às adap-
cativo no VO2máx (American College of Sports Me- tações cardiovasculares ao treinamento de força. Em
dicine, 1990). A freqüência cardíaca em exercício e o particular, é necessária pesquisa referente ao efeito da
custo metabólico total de uma sessão de treinamen- intensidade e do volume de treinamento na resposta
to em circuito são significativamente maiores do que cardiovascular aguda e sobre os efeitos do treinamen-
em uma sessão tradicional de treinamento de força to de longo prazo sobre a resposta cardiovascular em
(Pichon et al., 1996). Isso pode ocorrer, em parte, por- repouso e durante a atividade física.
que o treinamento em circuito produz aumento signi-
ficativo no VO2máx, enquanto o treinamento mais tra-
dicional e de alta intensidade induz pouca ou nenhuma Referências
alteração. Os períodos de recuperação relativamente
longos, utilizados pelo programa de treinamento de American College of Sports Medicine (1990) The recom-
força tradicional, permitem a redução da freqüência mended quantity and quality of exercise for developing
cardíaca abaixo do nível recomendado (60% do máxi- and maintaining cardiorespiratory and muscular fitness
mo) necessário para aumentar significativamente o in healthy adults. Medicine and Science in Sports and Exer-
VO2máx. Logo, os programas de treinamento de força cise 22, 265-274.
devem utilizar curto período de recuperação quando Berg, A., Ringwald, G. & Keul, J. (1980) Lipoprotein-cho-
o objetivo é o aumento do VO2máx. lesterol in well-trained athletes. A preliminary commu-
Mesmo quando o aumento no VO2máx é produ- nication: reduced HDL-cholesterol in power athletes.
zido pelo treinamento de força, esse aumento é subs- International Journal of Sports Medicine 1, 137-138.
Blessing, D., Stone, M., Byrd, R. et al. (1987) Blood lipid
tancialmente menor que aquele associado ao treina-
and hormonal changes from jogging and weight trai-
mento tradicional de endurance com cicloergômetro,
ning in middle-aged men. Journal of Applied Sports Scien-
corrida e natação (15 a 25%). Portanto, se o aumento ce Research 1, 25-29.
significativo do VO2máx representa o principal obje- Blumenthal, J.A., Fredrikson, M., Khun, C.M., Ulmer, R.L.,
tivo do programa de treinamento, então alguma Walsh-Riddle, M. & Appelbaum, M. (1990) Aerobic
forma de treinamento aeróbio deve ser incluída. O exercise reduces level of cardiovascular and sympatho-
volume de treinamento aeróbio necessário para pre- adrenal responses to mental stress in subjects without
servar ou aumentar significativamente o VO2máx prior evidence of myocardial ischemia. American Journal
pode ser mínimo diante do treinamento de força of Cardiology 65, 93-98.
(Nakao et al., 1995). Sujeitos treinados moderada- Bonde-Petersen, F., Mork, A.L. & Nielsen, E. (1975) Local
mente incrementam pouco, mas significativamente, muscle blood flow and sustained contractions of hu-
man arms and back muscles. European Journal of Applied
o VO2máx relativo (3 a 4 mL·kg–1·min–1) durante 1 a
Physiology and Occupational Physiology 34, 43-50.
2 anos de treinamento de força, com apenas uma ses-
Brown, S., Byrd, R., Jayasinghe, M.D. & Jones, D. (1983)
são de treinamento aeróbio por semana (3,2 km de Echocardiographic characteristics of competitive and
corrida por sessão). Os indivíduos que realizaram so- recreational weight lifters. Journal of Cardiovascular Ul-
mente treinamento de força durante o mesmo perío- trasonography 2, 163-165.
do de tempo demonstraram um decréscimo pequeno, Byrne, H.K. & Wilmore, J.H. (2000) The effects of resistan-
mas significativo, no VO2máx relativo. Nenhuma dife- ce training on resting blood pressure in women. Journal
rença no ganho de força máxima entre os corredores e of Strength and Conditioning Research 14, 411-418.
não-corredores foi demonstrada. Colan, S., Sanders, S.P., McPherson, D. & Borrow, K.M.
Para concluir, a adesão a um programa de treina- (1985) Left ventricular diastolic function in elite athle-
mento de força resulta em uma resposta pressórica tes with physiologic cardiac hypertrophy. Journal of the
American College of Cardiology 6, 545-549.
que afeta o sistema cardiovascular. Informações até
Colan, S., Sanders, S.P. & Borrow, K.M. (1987) Physiologic
o presente momento indicam que o treinamento de
hypertrophy: effects on left ventricular systolic mecha-
força pode produzir adaptações positivas no sistema nisms in athletes. Journal of the American College of Car-
cardiovascular em repouso e durante atividades físi- diology 9, 776-783.
cas. Fatores como volume e intensidade do programa Colliander, E.B. & Tesch, P. (1988) Blood pressure in
de treinamento de força influenciam a magnitude com resistance-trained athletes. Canadian Journal of Sports
que as adaptações ocorrem. Pesquisa adicional é defi- Science 13, 31-34.
418 PAAVO V. KOMI
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Parte IV
Considerações especiais
no treinamento de
força e potência
Capítulo 21
Envelhecimento e adaptação
neuromuscular ao
treinamento de força
KEIJO HÄKKINEN
70 anos foram comparados com indivíduos na faixa algumas fibras musculares são permanentemente
de 50 anos, atrofia está relacionada principalmente à desnervadas e perdidas. O processo de desnervação e
atrofia das fibras tipo II. Lexell e colaboradores (1988) o de inatividade parecem ser responsáveis pela alte-
demonstraram que a atrofia muscular do envelheci- ração no tamanho da fibra com o avanço da idade
mento, pelo menos no músculo vasto lateral, é cau- (Lexell et al., 1988). O nível de alteração da propor-
sada principalmente pela perda de fibras e, em me- ção dos diferentes tipos de fibras durante o envelhe-
nor magnitude, pelo decréscimo do tamanho da fibra, cimento representa uma questão muito difícil de ser
especialmente do tipo II. A redução do número de respondida. De acordo com Lexell e colaboradores
fibras pode ser causada pela lesão irreparável das fi- (1988), podem existir vários processos que afetam as
bras ou pela perda permanente do contato entre os propriedades das fibras. As alterações provocadas pela
nervos das fibras musculares. Parte da população das perda específica de um tipo de unidade motora tal-
fibras parece ser submetida a um processo de des- vez não possam ser detectadas.
nervação, embora a reinervação também seja possí- Como a proporção de tecido muscular diminuir
vel com o avanço da idade. Contudo, segue-se sub- com o avanço da idade, o declínio na área de secção
seqüentemente um processo de substituição por transversa muscular total associado à idade também
gordura e tecido fibroso que induz à menor propor- pode ser “facilmente” demonstrado, conforme a Fi-
ção de tecido muscular no envelhecimento, quando gura 21.4, para o músculo quadríceps femoral em
ção entre os diferentes músculos e grupos muscula- ção, pois as pessoas idosas podem envolver-se pri-
res, de acordo com a sua menor utilização em ativi- mariamente, em atividades de endurance, aeróbias ou
dades físicas diárias normais. de alongamento, realizadas com baixa sobrecarga.
Contudo, as informações disponíveis sugerem No movimento humano normal, o tempo neces-
que, para minimizar a atrofia muscular e o decrésci- sário para produzir determinado nível de força sub-
mo da força muscular associados à idade, o treina- máxima pode, algumas vezes, ser tão importante como
mento de força deve ser parte de um programa geral o próprio nível de força absoluta. O envelhecimento
de treinamento físico para homens e mulheres em induz declínio na massa muscular e na força máxi-
processo de envelhecimento. Isso merece maior aten- ma. No entanto, estudos demonstram que o prejuízo
na produção de força explosiva é maior (Bosco e Komi,
1980; Clarkson et al., 1981; Häkkinen e Häkkinen,
1991; Häkkinen et al., 1998a; Izquierdo et al., 1991).
Os resultados apresentados na Figura 21.8 respal-
dam essa referência, demonstrando que a impulsão
vertical máxima diminui com o avanço da idade em
homens e em mulheres. No entanto, deve-se consi-
derar que a impulsão vertical, especialmente em ido-
sos, não é influenciada somente pela produção de
força explosiva, mas também pelo nível de força má-
xima absoluta que contribui para essa capacidade
de desempenho neuromuscular. Por sua vez, o de-
créscimo da força explosiva também pode ser ob-
servado pelas diferenças drásticas no formato da cur-
va força-tempo observadas entre sujeitos jovens, de
meia-idade e idosos de ambos os sexos (Häkkinen e
Figura 21.7 IEMG (em valores relativos [%]) média (± desvio Häkkinen, 1991; Häkkinen et al., 1995; Häkkinen
padrão) para o bíceps femoral nas fases isométrica máxima e et al., 1996b; Häkkinen et al., 1998a), conforme mos-
inicial (500 ms) (rapidamente produzida), 1-RM concêntrico e
ações explosivas (com a sobrecarga de 50% de 1-RM) dos trado na Figura 21.9 para os músculos extenso-
extensores do joelho em indivíduos de meia-idade e idosos res do joelho em homens de três diferentes grupos
(modificada de Häkkinen et al., 1998a). etários.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 429
Tabela 21.1 Ganhos de força induzidos pelo treinamento de força em homens e mulheres idosos
Duração
Autor Gênero Idade (anos) n Ação (semanas) Ganho de força (%)
Frontera et al. (1988) M 60-72 12 Extensão de joelho 12 1-RM (107)
Hagberg et al. (1989) M/F 70-79 23 Supino reto 26 1-RM (18)
Brown et al. (1990) M 60-70 14 Flexão de cotovelo 12 1-RM (48)
Fiatarone et al. (1990) M/F 86-96 10 Extensão de joelho 8 1-RM (174)
Charette et al. (1991) F 64-86 13 Leg press 12 1-RM (28)
Hicks et al. (1991) M/F 66,3 11 Dorsiflexão 12 1-RM (48)
Judge et al. (1993) M/F 71-97 18 Flexão de joelho 12 1-RM (32)
Nichols et al. (1993) F 67,8 18 Superior/inferior 24 1-RM (18-71)
Rice et al. (1993) M 65-78 10 Extensão de cotovelo 26 1-RM (30)
Pyka et al. (1994) M/F 61-78 25 Superior/inferior 30 1-RM (23-62)
Fiatarone et al. (1994) M/F 72-98 100 Extensão de quadril/joelho 10 1-RM (113)
Häkkinen et al. (1994) M/F 64-73 11 Extensão de joelho 12 CVM (20-37)
Häkkinen et al. (1996a) M/F 60-75 12 Extensão de joelho 12 1-RM (18-21)
Häkkinen et al. (1998) M/F 62-78 11 Extensão de joelho 24 CVM (36-57)
Harridge et al. (1999) M/F 85-97 11 Extensão de joelho 12 MVT (37)
Tracy et al. (1999) M/F 65-75 12 Extensão de joelho 9 1-RM (27-29)
Hagerman et al. (2000) M 60-75 10 Leg press 16 1-RM (72)
Häkkinen et al. (2000) M/F 62-78 11 Extensão de joelho 24 1-RM (16-24)
Roth et al. (2000) F 65-75 6 Extensão de joelho 9 1-RM (25)
Häkkinen et al. (2001) F 60-68 10 Extensão de perna 21 CVM (37)
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 431
ção dos músculos antagonistas podem exercer papel Tabela 21.2 Aumento no tamanho da fibra muscular durante trei-
namento de força (12 a 30 semanas) em pessoas idosas (60 a 84
importante no aumento da produção de força dos anos)
músculos agonistas. É difícil interpretar a magnitude
em que esse tipo de menor co-ativação dos antago- Aumento no
nistas é mediada por mecanismos do sistema nervo- tamanho da
so central ou associada com o controle neural peri- fibra muscular (%)
férico, especialmente durante várias ações dinâmicas. Autor Gênero Tipo I Tipo II
Também é possível que a magnitude e o período de
Frontera et al. (1988) M 34 28
tempo da alteração na co-ativação antagonista pos- Brown et al. (1990) M 14 30
sam estar relacionados à ação empregada no treina- Charette et al. (1991) F 7 20
mento e ao estado físico inicial do sujeito em termos Grimby et al. (1992) M 8 5
de experiência e de habilidade no treinamento. Roman et al. (1993) M 24 37
Pyka et al. (1994)
(a) 15 semanas M/F 25 20
(b) 30 semanas M/F 48 62
Hipertrofia muscular induzida pelo Häkkinen et al. (1998) M 31 42
Hikida et al. (2000) M 46 43
treinamento de força em pessoas Häkkinen et al. (2001) F 22 36
de meia-idade e idosas
Figura 21.16 Área de secção transversa média (± desvio padrão) dos músculos que compõem o quadríceps femoral, antes e após
período de 10 semanas de treinamento de força, em homens jovens e idosos. (a) Vasto medial; (b) vasto lateral; (c) vasto
intermédio; (d) reto femoral (modificada de Häkkinen et al., 1998c).
muscular apresentou-se progressivamente menor em ção transversa ao longo do ventre desses músculos.
direção às extremidades distal e proximal do quadrí- É interessante notar que nossos resultados demons-
ceps femoral. Os autores concluíram que o método traram que o aumento na área de secção transversa
de somente uma única secção muscular pode supe- do quadríceps femoral ocorreu ao longo do compri-
restimar a verdadeira alteração da área de secção mento do fêmur (Fig. 21.17), enquanto a magnitude
transversa muscular em outras regiões do quadríceps de aumento da área de secção transversa ao longo do
femoral e estar propensa a erro. Todavia, sabe-se que comprimento do fêmur diferiu especificamente en-
os diferentes músculos do quadríceps femoral po- tre cada músculo do quadríceps femoral (Häkkinen
dem diferir não somente em relação às suas áreas de et al., 2001b). Então, o aumento na área de secção
secção transversa, mas também devido à área de sec- transversa nas 21 semanas de treinamento foi maior
nas regiões de maior área de secção transversa, nas seletiva dos músculos treinados. Ainda é possível que,
porções proximal do vasto lateral (VL) e distal do vasto além do aumento da ativação muscular voluntária,
medial (VM) (Fig. 21.18). Esse não foi o caso para o alterações de arquitetura, por exemplo, alteração no
aumento registrado nos músculos vasto intermédio ângulo peniforme das fibras musculares, possa ter
ou reto femoral (o que também é interessante). Em- ocorrido durante o treinamento, contribuindo para
bora o grande aumento induzido pelo treinamento o desenvolvimento da força (Kawakami et al., 1993).
observado em termos globais na IEMG máxima do Nossos dados obtidos em mulheres idosas demons-
VL e do VM não tenha sido diferenciado entre os tram, adicionalmente, que o aumento na área de sec-
dois músculos, as diferenças no grau de hipertrofia ção transversa muscular mensurado por meio de
entre eles poderiam ser explicadas por diferenças es- biópsia muscular foi significativo para os músculos
pecíficas na ativação muscular (e tensão) e/ou dife- VL e VM e para o quadríceps femoral como um todo.
renças na síntese de proteína contrátil ao longo do Então, esse local de biópsia (terceira porção inferior
ventre de cada músculo (Narici et al., 1996). Deveria da coxa) para o VL, como comumente utilizado para
também ser considerado que nosso estudo empre- determinar o grau de hipertrofia de cada fibra mus-
gou um programa de treinamento típico com dois cular, pode ser razoável. Em conclusão, o aumento
exercícios comuns (leg press e extensão de joelhos) da área de secção transversa muscular pode diferir
para a musculatura da coxa. A seleção dos exercícios muito entre cada músculo do quadríceps femoral
também pode contribuir para o grau de hipertrofia quando mensurado no mesmo comprimento do
fêmur, sugerindo as vantagens do método de uma al., 2000b; Häkkinen et al., 2001b). Além disso, mu-
única secção muscular para indicar o “real” cresci- lheres idosas parecem ser capazes de adquirir força
mento do tecido muscular decorrente do treinamen- em nível próximo ao de mulheres ou homens jovens
to de força. ou de meia-idade quando submetidos a um tipo si-
O possível papel da distribuição da fibra muscu- milar de protocolo de treinamento de força de baixo
lar (porcentagem de fibras tipo IIb) no aumento da volume e para todo o corpo durante seis meses, mes-
força ou da magnitude de hipertrofia muscular du- mo que os dados disponíveis indiquem menor nível
rante o treinamento de força ainda não foi conclusi- basal do hormônio anabólico testosterona em mu-
vamente determinado. Descobertas recentes obtidas lheres idosas. Todavia, nessas mulheres com nível
em um grupo de homens jovens e idosos indicaram basal de testosterona muito baixo, o ganho na força
que aqueles com maior proporção relativa de fibras máxima e na área de secção transversa dos músculos
tipo II demonstram maior aumento na área de sec- treinados durante o treinamento de força pode ser
ção transversa do músculo treinado do que os com pequeno em comparação ao daquelas com maior con-
menor proporção de fibras tipo II em seus músculos centração de testosterona (Häkkinen et al., 2000b;
(Häkkinen et al., 1998c). Caso isso seja confirmado, Häkkinen et al., 2001b). Portanto, tem sido sugerido
pode ser de alguma importância, especialmente em que a concentração basal de testosterona sangüínea
idosos, pois o envelhecimento está associado não ape- pode ser de grande importância e, os baixos níveis de
nas com a atrofia muscular, mas também com a per- testosterona observados por mulheres idosas em res-
da de fibras musculares, especialmente do tipo II. No posta ao treino de força de alta intensidade típico,
entanto, pesquisas adicionais precisam ser conduzi- parecem ser um fator limitante do desenvolvimento
das empregando um delineamento experimental com da força e hipertrofia musculares. Contudo, é possí-
maior duração de treinamento, com maior número vel que, mesmo que os níveis sangüíneos de testos-
de voluntários, assim como com maior variabilidade terona permaneçam inalterados, o treinamento de
na idade dos voluntários. Depois dessas providências, força possa induzir alterações, por exemplo, no nível
a conclusão poderá ratificar se a magnitude final de dos receptores (Kraemer et al., 1999).
hipertrofia muscular e/ou o desenvolvimento de for- Outra característica singular é a descoberta de
ça depende da distribuição da fibra nos músculos trei- que a resposta aguda do GH ao treinamento de força
nados. diminui em decorrência do envelhecimento em ho-
mens, mas especialmente em mulheres com aproxi-
madamente 70 anos de idade (Häkkinen e Pakari-
Fatores hormonais relacionados nen, 1995). No entanto, pode haver um aumento
ao ganho em massa e força significativo na concentração sérica de GH em mu-
musculares lheres de 64 anos após um período de treinamento
de 21 semanas, não somente imediatamente após o
O quanto a hipertrofia e o desenvolvimento de exercício, mas também permanecendo elevado até 30
força induzidos pelo treinamento podem ser limita- minutos depois (Häkkinen et al., 2001b). A interpre-
dos por fatores hormonais, como os níveis séricos de tação de medidas isoladas deve ser cautelosa devido
hormônios anabólicos e os fatores de crescimento, à natureza pulsátil da secreção de GH. No entanto, a
em sujeitos de meia-idade e idosos de ambos os se- observação pode ser considerada como indicador de
xos carece de análise futura mais detalhada (Krae- uma adaptação do sistema endócrino induzida pelo
mer et al., 1998; Häkkinen et al., 2001b). No entan- treinamento, demonstrando que a resposta aguda do
to, parece que a força máxima pode ser gradualmente hormônio do crescimento pode se tornar mais siste-
aumentada, ao longo do período total de seis meses mática após o treinamento de força, mesmo em mu-
de treinamento, sem alteração sistemática na concen- lheres idosas. É possível que a magnitude da respos-
tração de hormônios anabólicos e catabólicos, quan- ta aguda do GH e o seu tempo de duração sejam
do o volume e a sobrecarga total do treinamento de importantes indicadores fisiológicos de adaptações
força (2 ou 3 sessões por semana) permanece dentro anabólicas durante o treinamento prolongado em
de uma amplitude fisiológica normal (Häkkinen et mulheres idosas.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 437
Figura 21.19 Curva força-tempo média da ação isométrica de extensão bilateral do joelho em mulheres de meia-idade e idosas,
antes e após treinamento de força associado com exercícios do tipo explosivo (modificada de Häkkinen e Häkkinen, 1995).
438 PAAVO V. KOMI
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Capítulo 22
Utilização da estimulação elétrica
no treinamento de força e potência
GARY A. DUDLEY E SCOTT W. STEVENSON
outros são mantidos em determinado valor, desperta cessário para induzir aumento modesto na força, su-
atenção. O aumento da duração do pulso de 200 a gerindo que grande parte da corrente adicional não
500 μs durante o estímulo a 20 Hz aumenta a força está ativando os músculos; pelo contrário, está fluin-
(Hultman et al., 1983) (Fig. 22.1). O aumento adicio- do por outras estruturas. Portanto, a força aumenta
nal da duração do pulso para 1.000 μs exerce somente abruptamente com o aumento da amplitude até um
efeito modesto. Os autores recomendam que dura- platô ser alcançado (Fig. 22.2a). O platô não é sem-
ção do pulso entre 500 e 1.000 μs seja utilizada du- pre alcançado em forças maiores que a força isomé-
rante a EMS para o ótimo desenvolvimento da força, trica voluntária máxima (FIVM). No entanto, vários
embora nem sempre isso seja observado (Enoka, estudos têm relatado forças maiores que a FIVM
1988). A relação entre freqüência de pulso e força durante a estimulação (Hultman et al., 1983; Delitto
isométrica é sigmoidal em natureza, com a força te- et al., 1989).
tânica ocorrendo em aproximadamente 50 Hz no
músculo esquelético humano (Davies et al., 1985)
(Fig. 22.2b). De modo similar, a relação entre força
isométrica e amplitude de estimulação (corrente) é
sigmoidal (Davies et al., 1985) (Fig. 22.2a). Quando a
amplitude é aumentada acima do limiar da força iso-
métrica, mais do que um aumento substancial é ne-
Figura 22.1 Relação entre a duração do pulso e a força Figura 22.2 Relação entre a amplitude da estimulação e a
relativa na eletroestimulação transcutânea dos músculos força tetânica (a) e entre freqüência de pulso e força (b) durante
extensores do joelho. A duração do pulso aumentou de 200 μs a eletroestimulação transcutânea dos músculos interósseos
para 1 ms. As janelas de pulsos foram fornecidas a 20 Hz, e a dorsais. As janelas de pulsos de 100 ms foram empregadas
amplitude foi mantida constante em um valor que poderia para duração de 500 ms. A freqüência de pulsos foi de 40 Hz
estimular a força até 70% da ação isométrica voluntária em (a). A amplitude de estimulação foi supramáxima em (b)
máxima sob condições ótimas (de Hultman et al., 1983). (de Davies et al., 1985).
444 PAAVO V. KOMI
O principal obstáculo para o desenvolvimento da do, geralmente em configuração bipolar, para a apli-
força durante a EMS parece ser a intolerância do su- cação da EMS. O eletrodo negativo é geralmente po-
jeito à dor. Em paralelo, a estimulação de alta fre- sicionado no ponto motor de determinado músculo
qüência parece mais tolerável (Moreno-Aranda e ou grupo muscular, enquanto o positivo é posicio-
Seireg, 1981a,b). Uma freqüência de 10.000 Hz de nado distalmente. No caso dos extensores do joelho,
um sinal sinoidal é utilizada e modulada em 100 Hz. maior força é desenvolvida quando o tamanho do ele-
Além disso, a estimulação é aplicada com um ciclo trodo aumenta (Alon, 1985). Demonstrou-se tam-
de 20%. Os 10.000 Hz indicam que a duração do bém que ambos os eletrodos precisam ser posiciona-
pulso é de 100 μs. A modulação de 100 Hz indica dos superficialmente a este grupamento muscular
que o sinal é fornecido em blocos de 10 ms. Final- (Ferguson et al., 1989).
mente, o ciclo de 20% indica que a estimulação está As sensações de dor associadas à EMS surgem
nos primeiros 2 ms do bloco de 10 ms. Então, 20 devido à não-homogeneidade da interface eletrodo-
pulsos sinoidais de 100 μs são enviados continua- pele (Mason e Mackay, 1976). Isso resulta em áreas
mente para os primeiros 2 ms de cada bloco de 10 localizadas de baixa resistência, nas quais as densi-
ms. A duração da estimulação tetânica é de aproxi- dades de corrente podem se tornar grandes o sufici-
madamente 1 a 2 s, com repouso de 4 a 5 s. Enquan- ente para exceder o limiar da lesão. O umedecimento
to esse tipo de estimulação parece ser mais tolerável, dos eletrodos antes da aplicação fornece uma resis-
o desenvolvimento de força não é ótimo, provavel- tência mais uniforme e diminui a ocorrência de “pon-
mente devido à curta duração do pulso. No entanto, tos quentes” (Mason e Mackay, 1976). De modo al-
nossa experiência sugere que muitos indivíduos po- ternativo, a colocação dos eletrodos 30 minutos antes
dem desenvolver tolerância à EMS de alta amplitude da estimulação permite o acúmulo de transpiração
( > 70% FIVM) após vários dias de familiarização (Ste- insensível, que cria uma interface eletrodo-pele mais
venson e Dudley, 2001). homogênea. O uso de grandes eletrodos também
Em um esforço para refutar ou fundamentar o pode reduzir as sensações de dor por diminuir a den-
trabalho de Kots e Chwilon (1971), vários investiga- sidade da corrente, assim como distribuir a corrente
dores empregam estimulação de freqüência média. através de um grande volume de músculo.
O sinal sinoidal em 2.500 Hz é modulado em 50 Hz.
O que não fica óbvio é que os sinais são providos em
ciclos de 50%. Então, pulsos de 400 μs são enviados Fundamentos para o uso da EMS
continuamente nos primeiros 10 ms de cada período no condicionamento de atletas
de tempo de 20 ms. A duração da estimulação ocorre
geralmente em alguns segundos. Devido ao período O uso prático da EMS obviamente requer que
refratário dos motoneurônios estar por volta de 3 ms forneça alguma vantagem quando comparada à ati-
(Miller et al., 1981), eles são ativados três vezes mais vação muscular voluntária. Nesse caso, duas linhas
em cada período de 10 ms ou 150 vezes por segundo de raciocínio são propostas. Primeiro, é sugerido que
para cada 50 blocos de 10 ms. Em essência, sinais de fatores neurais limitam a força em esforços voluntá-
400 μs excitam os motoneurônios 150 vezes por se- rios máximos. Então, a EMS pode permitir uma con-
gundo. Do mesmo modo, na estimulação de alta fre- tração mais intensa do músculo estimulado e, por-
qüência, os motoneurônios são essencialmente ati- tanto, induzir maior resposta adaptativa (Delitto e
vados por pulsos de duração de 100 ms, 100 vezes Snyder-Mackler, 1990). Não está claro como o mús-
por segundo. culo treinado por EMS, que previamente não pode-
Em poucos estudos em que o interesse foi au- ria ser voluntariamente ativado, adquire a capacida-
mentar a capacidade de endurance do músculo esque- de de ativação voluntária após a EMS (McDonagh e
lético, um protocolo de estimulação substancialmente Davies, 1984).
diferente foi utilizado (Scott et al., 1985). Ondas qua- É geralmente aceito que a intensidade do treina-
dradas de pulsos de 50 μs são enviadas a 5 e 10 Hz mento, determinada pela magnitude da sobrecarga
por uma hora, três vezes ao dia. do treinamento, representa o fator mais importante
Utilizam-se eletrodos de diferentes materiais, tais para induzir respostas adaptativas em atletas de for-
como lâmina de alumínio ou carbono-condiciona- ça/potência (Häkkinen e Keskinen, 1989). Não é tão
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 445
óbvio como a EMS poderia fornecer maior estímulo Então, não é óbvio como a EMS poderia incremen-
de treinamento para esses indivíduos. O aumento na tar a intensidade de treinamento e, portanto, induzir
habilidade para ativar o músculo ao máximo consti- maior força. No entanto, devido ao fato de que du-
tui resposta adaptativa fundamental ao treinamento rante a EMS são estimulados os axônios distais dos
de força (Komi, 1986). Além disso, esse treinamento motoneurônios em relação à medula espinal, estão
aumenta a taxa de ativação e, portanto, a velocidade ausentes as influências inibitórias que ocorrem du-
com que determinada força pode ser desenvolvida rante as contrações voluntárias. Isso pode ser especi-
(Fig. 22.3) (Ryushi et al., 1988). Finalmente, a FIVM almente favorável caso a EMS seja aplicada nas con-
por unidade de área de secção transversa muscular é trações excêntricas, durante as quais a tensão
substancialmente maior em atletas treinados em for- específica do músculo parece ser maior que nos es-
ça/potência do que em indivíduos ativos (Ryushi et forços voluntários (Dudley et al., 1990). A EMS que
al., 1988; Häkkinen e Keskinen, 1989). Isso tem sido evoca cerca de 80 a 90% da FIVM resultará em uma
parcialmente atribuído à maior ativação nos atletas força 20 a 30% maior que a FIVM nas ações excên-
treinados. Ainda que atletas de força/potência tenham tricas. Temos aplicado a EMS de maneira a produzir
desenvolvido tal impressionante habilidade para ati- crescimento muscular superior ao observado no trei-
var seus músculos treinados, não está claro como a namento de força voluntário, pelo menos em indiví-
EMS poderia potencializar essa resposta adaptativa. duos previamente inativos (Ruther et al., 1995). Ain-
da deve ser demonstrado se tal efeito pode ocorrer
em atletas de elite com significativa hipertrofia mus-
cular.
Secundariamente, a eficácia da EMS para poten-
cializar as adaptações do treinamento de força é ba-
seada no conceito de que as fibras rápidas, difíceis de
ser ativadas em esforços isométricos voluntários má-
ximos, são preferencialmente estimuladas pela EMS
(Delitto e Snyder-Mackler, 1990). É bem conhecido
que as unidades motoras são recrutadas de maneira
ordenadamente precisa quando a força produzida por
um esforço isométrico voluntário é progressivamen-
te aumentada (Henneman et al., 1965). Há conside-
rável evidência sugerindo que a diferença no tama-
nho do motoneurônio representa o fundamento
fisiológico para o recrutamento ordenado (para revi-
são, ver Burke, 1981). O input de resistência e, então,
a suscetibilidade para a descarga são inversamente
relacionados ao tamanho do motoneurônio de acor-
do com o “princípio do tamanho” de Henneman. As
unidades motoras inervadas por pequenos motoneu-
rônios α são constituídas de fibras de contração len-
ta, pequenas em número e em diâmetro. Por sua vez,
grandes motoneurônios inervam grandes unidades
Figura 22.3 Força plotada em função do tempo na extensão
isométrica bilateral similar ao leg press. A força é desenvolvida motoras, as quais contêm fibras musculares rápidas.
na maior velocidade possível sob comando por áudio. Sete Tal disposição assegura que, para exercícios de baixa
fisiculturistas e levantadores de potência (). Os homens () e intensidade, pequenas unidades motoras resistentes
mulheres () fisicamente ativos não eram treinados, mas à fadiga são preferencialmente recrutadas.
engajados em diferentes tipos de atividade física (jogging ou Hultman e colaboradores (1983) demonstraram
levantamento de peso) de uma a três vezes por semana. O
símbolo indica diferença significativa entre os grupos no tempo que a EMS dos músculos da coxa de pacientes para-
necessário para desenvolver determinada força. *P < 0,05; lisados são incapazes de produzir uma contração,
**P < 0,01; ***P < 0,001 (de Ryushi et al., 1988). mesmo quando a voltagem é maior do que aquela
446 PAAVO V. KOMI
para produzir força antes da paralisia. É, portanto, são de EMS. É difícil interpretar essa observação, pois
aparente que a EMS não ativa diretamente o múscu- o conteúdo de glicogênio de amostras de biópsias de
lo. Em vez disso, a corrente de estimulação é propa- fibras mistas foi o mesmo antes e após a estimulação.
gada ao longo das ramificações nervosas terminais Além disso, é esperado maior uso do glicogênio nas
mais excitáveis do músculo. fibras tipo II, que geralmente possuem maior ativi-
Como a ativação muscular através da EMS en- dade glicogenolítica.
volve a excitação de nervos periféricos e não a esti- A evidência de que a EMS não ativa preferen-
mulação direta do músculo (Hultman et al., 1983), cialmente as fibras de contração rápida foi apresen-
questiona-se se as unidades motoras são ativadas em tada por Knaflitz e colaboradores (1990) e por Kim e
ordem específica. Foi demonstrado que os grandes colaboradores (1995). A ordem de recrutamento das
motoneurônios possuem um baixo limiar de excita- unidades motoras foi analisada pela mensuração da
bilidade elétrica (Solomonow et al., 1986). Isso apa- velocidade de condução, assim como da freqüência
rentemente ocorre como resultado da menor resis- de potência média e mediana em diferentes níveis re-
tência oferecida aos grandes motoneurônios. Pode-se lativos de força voluntária ou de força induzida por
esperar que o uso da EMS através de eletrodos de EMS em Knaflitz e colaboradores (1990). A veloci-
superfície ative as grandes unidades motoras em dade de condução, assim como a freqüência de po-
menor nível de estimulação. Na realidade, duas re- tência média e mediana aumentaram com o aumen-
centes revisões concluíram que a EMS ativa prefe- to da força durante os esforços voluntários, indicando
rencialmente as unidades motoras de contração rá- recrutamento progressivamente maior de fibras com
pida e, então, ocorre o reverso da ordem normal de maior velocidade de condução. Foi demonstrado que
recrutamento (Enoka, 1988; Delitto e Snyder-Mack- a velocidade de condução, assim como a freqüência
ler, 1990). Essa ativação preferencial das unidades de potência média e mediana, foi inferior em meno-
motoras rápidas parece (Enoka, 1988; Delitto e Sny- res níveis de força para as ações musculares voluntá-
der-Mackler, 1990) ser facilitada pelo input aferente rias e para as induzidas pela EMS, sugerindo a ativa-
da estimulação dos aferentes cutâneos, que inibem ção de unidades motoras lentas. Conclusivamente, a
os motoneurônios das unidades motoras lentas e ex- ativação das unidades motoras através da EMS não
citam os das unidades motoras rápidas (Garnett e Ste- ocorre no sentido inverso da ordem normal de re-
phens, 1981). No entanto, devido à EMS ativar as crutamento. Isso pode dever-se ao fato de os grandes
ramificações dos motoneurônios distais (Hultman et axônios motores não possuírem necessariamente
al., 1983), não está claro como a inibição reflexa dos grandes ramificações e/ou por conta de suas ramifi-
motoneurônios lentos através de estimulação cutâ- cações motoras não terem sido orientadas no campo
nea aferente poderia sobrepor essa ativação do mo- de corrente para favorecer a ativação (Feiereisen et
toneurônio distal. al., 1997). Isso pode explicar por que Kim e colabo-
Cabric e colaboradores (1988) forneceram evi- radores (1995) encontraram perda substancial de gli-
dência indireta dessa idéia ao demonstrar que 19 dias cogênio quando utilizaram coloração do ácido-Schiff
de EMS do tríceps sural por 10 minutos a cada dia nas fibras lentas e rápidas após 60 minutos de exer-
resultaram em aumento no tamanho do mionúcleo e cício dinâmico de extensão de joelho induzido pela
da fração mitocondrial. Foi sugerido que as maiores EMS.
respostas aconteceram nas fibras rápidas. Infelizmen- Portanto, não existe evidência de que a EMS ati-
te, os tipos de fibras musculares foram diferenciados ve preferencialmente as fibras de contração rápida.
por medidas morfométricas indiretas. Foi indicado Se esse for o caso, seria uma significativa vantagem,
recentemente, em um estudo de caso, que a EMS cau- uma vez que tem sido sugerido que a composição de
sa depleção preferencial de glicogênio nas fibras de fibras de contração rápida de determinado músculo
contração rápida (Sinacore et al., 1990), sugerindo, pode determinar a magnitude das respostas adapta-
assim, que esse tipo de fibra foi preferencialmente tivas ao treino de força (Häkkinen et al., 1985). No
estimulado. Essa constatação baseou-se na observa- entanto, é também óbvio que os atletas treinados em
ção de que as fibras tipo IIa demonstravam qualitati- força/potência possuem fibras de contração rápida
vamente menor marcação de glicogênio após a ses- (Tesch, 1987). Na realidade, a hipertrofia preferenci-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 447
al das fibras de contração rápida representa uma res- Dados que respaldam a eficácia
posta adaptativa comum ao treinamento de força da EMS no condicionamento de
(Tesch, 1987). Isso deveria indicar que essas fibras atletas
são recrutadas durante o treinamento e respondem
conforme o estímulo. Enquanto, em esforços isomé- Existem poucos registros dos efeitos da EMS na
tricos, as unidades motoras rápidas podem ser de di- força e no tamanho muscular em atletas. O trabalho
fícil ativação parecem ser preferencialmente recruta- de Kots e Chwilon (1971) parece ter gerado interesse
das durante ações excêntricas voluntárias (Romano nessa área. Kots sugere que atletas podem experimen-
e Schieppati, 1987; Nardone e Schieppati, 1988; Nar- tar melhorias de 30 a 40% na força como resultado
done et al., 1989). Então, não é difícil imaginar seu de somente 4 a 5 semanas de EMS. O protocolo de
uso em repetições de alta força, em que ações mus- estimulação utiliza EMS de freqüência média como
culares concêntricas e excêntricas são realizadas. No aquela descrita anteriormente. Um sinal sinoidal de
entanto, parece possível que uma resposta (hipertró- 2.500 Hz modulado em 50 Hz é aplicado por 10 ms
fica) adaptativa nessas unidades motoras potencialize com intervalos de 10 ms entre as séries. Dez contra-
o desempenho caso a EMS ative as unidades moto- ções de 10 s são realizadas por dia, cinco dias por
ras lentas que normalmente não são submetidas à semana, durante 4 a 5 semanas, com um intervalo de
sobrecarga excêntrica. 50 s entre as contrações. Refere-se que a freqüência
Parece que a EMS de baixa freqüência pode ser nesse nível minimiza a sensação de dor, enquanto
utilizada, a longo prazo, para aumentar a resistência maximiza o desenvolvimento da força durante as
à fadiga em atletas treinados em endurance. Esse tipo ações isométricas (Kots e Chwilon, 1971). No entan-
de estimulação em pequenos mamíferos induz várias to, foi sugerido que a EMS é muito dolorosa nessa
alterações bem-documentadas, incluindo conversão freqüência (Moreno-Aranda e Seireg, 1981a,b).
quase que completa das fibras rápidas em lentas, as- Indicações fornecem evidências, sem que os dados
sim como aumento e decréscimo nas enzimas oxida- atuais tenham sido reportados, de que tal EMS per-
tivas e glicolíticas, respectivamente (Pette e Vrbovä, mite de 10 a 30% mais desenvolvimento de força do
1985), embora degeneração das fibras rápidas e atro- que na FIVM.
fia de fibras também possam ocorrer (Maier et al., Infelizmente, Kots e colaboradores não foram
1986). Enquanto as últimas duas respostas não são capazes de replicar esses resultados. A força e o ta-
especialmente atrativas, o músculo esquelético com- manho musculares não foram alterados ou diminuí-
posto principalmente de fibras lentas com alta capa- ram em 10 atletas após sete sessões de EMS (St Pier-
cidade aeróbia é característico do tecido muscular em re et al., 1986). O protocolo de EMS recém-descrito
atletas treinados em endurance. A utilização da EMS foi aplicado para os extensores do joelho durante sete
para esse intuito desperta pouca atenção. Três horas dias de um experimento de oito dias. Os autores in-
por dia de EMS entre 5 e 10 Hz demonstram aumen- dicaram que a força isométrica foi de 80 a 100%
to na resistência à fadiga no músculo tibial anterior FIVM, mas novamente os dados atuais para qual-
de mulheres não-treinadas (Scott et al., 1985). Deve- quer variável não foram registrados. O torque de pico
se notar que os efeitos bem documentados da esti- das ações musculares concêntricas isocinéticas di-
mulação de baixa freqüência de longo prazo do mús- minuiu em média 10%. É interessante o fato de o
culo esquelético de pequenos mamíferos têm sido tamanho das fibras de contração rápida diminuir sig-
erroneamente citados para corroborar a utilização nificativamente em homens e não se alterar em mu-
da estimulação artificial nos estudos de EMS de- lheres. O tamanho das fibras de contração lenta não
senvolvidos para aumentar a força e o tamanho mus- alterou-se em nenhum dos grupos. Esses dados não
culares (ver, por exemplo, Delitto et al., 1989). No parecem respaldar a utilização da EMS no condicio-
entanto, temos observado que ações de alta intensi- namento de atletas. Sugerem, no entanto, que o em-
dade induzidas por EMS, associadas com ações con- prego liberal da EMS pode até provocar sobretreina-
cêntricas-excêntricas, podem induzir simultanea- mento.
mente melhorias no tamanho muscular e na Outros estudos, desenvolvidos com nadadores de
resistência à fadiga (Stevenson e Dudley, 2001). competição (Pichon et al., 1995) e com jogadores de
448 PAAVO V. KOMI
basquete (Maffiuletti et al., 2000), indicam que a apli- do sinais enviados a 150 Hz. A amplitude da EMS foi
cação da EMS durante ações isométricas dos mús- estabelecida para induzir força isométrica em média
culos latíssimo do dorso e quadríceps femoral, res- igual a 112% FIVM. Como normalmente acontece,
pectivamente, aumenta as ações isocinéticas con- os valores isométricos voluntários, inclusive os esti-
cêntricas e excêntricas voluntárias máximas desses mulados, não foram registrados.
músculos. Pichon e colaboradores (1995) constata- Mais notável foi o fato de o 1-RM aumentar cer-
ram que nadadores submetidos à EMS reduziram o ca de 20 kg para o exercício de agachamento durante
tempo nos 25 e 50 metros nado livre, enquanto ne- os períodos de EMS. O 1-RM para o arremesso de-
nhuma melhoria foi notada para o grupo-controle senvolvido e para o arranque também aumentou com
de nadadores. De modo similar, Maffiuletti e colabo- a EMS. A magnitude dessas respostas é impressio-
radores (2000) verificaram que quatro semanas de nante, especialmente no agachamento, consideran-
EMS aumentaram a altura do salto vertical com aga- do o nível do atleta. Atletas de elite treinados com
chamento* 14% e que os jogadores de basquete sub- sobrecarga não demonstram tais aumentos em dois
metidos à EMS melhoraram 17% o salto vertical com anos de treinamento (Häkkinen et al., 1988). É difícil
contra-movimento** quatro semanas após a EMS ter determinar os mecanismos responsáveis pelo desen-
sido interrompida. Infelizmente, nenhum dos estu- volvimento da habilidade no levantamento de peso.
dos controlou o potencial efeito placebo da EMS ou Tanto as fibras de contração rápida como as de con-
a comparou a um programa de treinamento voluntá- tração lenta diminuíram significativamente, levando
rio. Wolf e colaboradores (1986), por sua vez, obser- a uma redução de cerca de 16% na área relativa da
varam que a EMS aplicada bilateralmente ao quadrí- fibra. Os autores sugeriram hiperplasia e, portanto,
ceps femoral de tenistas competitivos durante a aumento da massa muscular. Hiperplasia de tal mag-
segunda metade de um programa de treinamento de nitude não tem sido relatada em outros modelos de
força de seis semanas, baseado em exercícios de aga- hipertrofia muscular (Gollnick et al., 1981; ver tam-
chamento, não teve resultados superiores ao treina- bém Capítulo 13). Não foi conduzida eletromiogra-
mento voluntário somente na potencialização do de- fia; então, não se sabe se houve aumento da ativação
sempenho no agachamento, na velocidade em 25 m neural.
ou na impulsão vertical.
Os dados mais convincentes que respaldam o
emprego da EMS no condicionamento de atletas fo- Direções para pesquisas futuras
ram relatados em estudo de caso (Delitto et al., 1989).
Um levantador de peso que competiu nos Jogos Olím- No momento atual do conhecimento, não exis-
picos de 1984 foi estudado durante 3,5 meses. A ele- tem dados convincentes de que a EMS deveria ser
troestimulação dos extensores do joelho em ações empregada por atletas de força/potência ou de endu-
isométricas foi realizada três dias por semana em con- rance para a melhoria do desempenho. É necessário
junto com o treinamento normal nas semanas 5 a 8 e um estudo bem-controlado para determinar se a EMS
13 a 14. Uma onda triangular de 2.500 Hz interrom- pode potencializar o desempenho em força/potên-
pida em 75 pulsos·s–1 induziu 10 ações musculares cia. Um número suficiente de sujeitos deve ser sub-
de 11 s por dia. Três minutos de repouso separaram metido ao experimento para assegurar validade cien-
as ações isométricas. Em essência, sinais de 400 μs tífica. Sujeitos-controle devem ser utilizados, e um
foram enviados continuamente para cerca dos pri- esforço deve ser feito para delinear o efeito placebo
meiros 7 ms de cada período de tempo de 14 ms. potencial per se da EMS. Além disso o desempenho
Devido ao período refratário dos motoneurônios ser muscular e esportivo precisam ser medidos durante
de aproximadamente 3 ms (Miller et al., 1981), cada a EMS. Finalmente, a mensuração do tamanho mus-
ação muscular isométrica de 11 s foi induzida usan- cular, do desempenho muscular e da ativação neural
deveria ser realizada para estabelecer os mecanismos
responsáveis pelas respostas adaptativas, caso exis-
tam, induzidas pela EMS.
*N. de R.T. Relativo ao “squat-jump”. Também é necessário conduzir estudos para ana-
**N. de R.T. Relativo ao “countermovement jump”. lisar o efeito da EMS aplicada durante as ações mus-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 449
culares dinâmicas. Há muito tempo sabe-se que o riormente, a EMS de alta freqüência (70 Hz) que
músculo esquelético de pequenos mamíferos ativa- aumenta o tamanho muscular também pode induzir
do artificialmente in situ desenvolve força substan- melhorias na resistência à fadiga muscular (Stevenson
cialmente maior durante as ações excêntricas do que e Dudley, 2001).
as isométricas (Katz, 1939). Do mesmo modo, recen-
temente encontramos que a força dos músculos ex-
tensores do joelho foi 40% maior em ações excêntri- Agradecimentos
cas do que em isométricas como efeito induzido pela
EMS (Dudley et al., 1990). No entanto, o torque ex- À assistência gráfica de Ms Susan Loffek. As pes-
cêntrico desenvolvido pelos extensores do joelho em quisas registradas pelos autores foram apoiadas pela
esforços voluntários máximos não é apreciavelmen- NASA (contratos NAS10 10285 e NAS10 11624) e
te maior do que o isométrico, no mínimo para indi- pela National Strength e Conditioning Association
víduos fisicamente inativos (Westing et al., 1988). Graduate Student Research Award (SWS).
Seria possível, portanto, produzir forças com a EMS
maiores do que a força voluntária máxima. Westing e
colaboradores (1989) confirmaram isso. A eletroesti- Referências
mulação dos extensores do joelho foi aplicada em
amplitude que resultou em torque isométrico (262 Alon, C. (1985) High voltage stimulation: Effects of elec-
Nm) correspondente a cerca de 85% do torque iso- trode size on basic excitatory responses. Physical Thera-
métrico voluntário máximo (345 Nm). O torque da py 65, 890-895.
EMS (345 Nm) em ações excêntricas foi maior que o Burke, R.E. (1981) Motor units. Anatomy, Physiology and
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mento, determinada pela magnitude de sobrecarga
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acionada contra ou a força desenvolvida durante uma changes in electrostimulated human skeletal muscle.
determinada ação muscular, é um importante fator European Journal of Applied Physiology 57, 1-5.
na indução de respostas adaptativas ao treinamento Currier, D.P. & Mann, R. (1983) Muscular strength deve-
de força/potência, a EMS durante as ações excêntri- lopment by electrical stimulation in healthy individu-
cas necessita de consideração como método de trei- als. Physical Therapy 63, 915-921.
namento para atletas competitivos. Recentemente, de- Davies, C.T.M., Dooley, P., McDonagh, M.J.N. & White,
monstramos que a EMS pode ser aplicada durante Mi. (1985) Adaptation of mechanical properties of mus-
ações isocinéticas concêntricas-excêntricas associa- cle to high force training in man. Journal of Physiology
das para aumentar o tamanho muscular em uma taxa 365, 277-284.
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rápida (cerca de 10% em oito semanas) em indivídu-
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treinados de forma recreativa em exercícios com so- (eds L. Snyder-Mackler & A.J. Robinson), pp. 95-138.
brecarga (mais que três anos de treinamento) (Ste- Williams & Wilkins, Baltimore.
venson e Dudley, 2001). Delitto, A. & Snyder-Mackler, L. (1990) Two theories of
Está bem documentado que a estimulação de muscle strength augmentation using percutaneous elec-
baixa freqüência por período prolongado de tempo trical stimulation. Physical Therapy 70, 158-164.
aumenta principalmente o conteúdo mitocondrial nas Delitto, A., Brown, M., Strube, M.I., Rose, S.I. & Lehman,
fibras de contração lenta de pequenos mamíferos R.C. (1989) Electrical stimulation of quadriceps femo-
(Pette e Vrbovä, 1985). Essas características muscu- ris in an elite weight lifter: a single subject experiment.
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lares parecem importantes atributos para a competi-
Dudley, G.A., Harris, R.T., Duvoisin, M.R., Hather, B.M. &
ção bem-sucedida em esportes do tipo endurance. Pa- Buchanan, P. (1990) Effect of voluntary vs. artificial ac-
rece, portanto, razoável que a EMS de baixa freqüência tivation on the relationship of muscle torque to speed.
e de longo prazo seja investigada como método de Journal of Applied Physiology 69, 2215-2221.
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Parte V
Treinamento de força e
potência nos esportes
Capítulo 23
Biomecânica da força e do
treinamento de força
VLADIMIR M. ZATSIORSKY
derando essa alteração uma maneira de melhorar o da Fmm. A típica curva força-tempo para diferentes
desempenho. Algumas questões sobre a relação en- níveis de força inicial (Fin) é apresentada na Figura
tre Fm e Fmm são: o que exatamente determina a mag- 23.2. O comportamento da força-tempo pode ser
nitude de Fm e de Fmm e qual a diferença entre elas? O descrito por uma equação exponencial empírica
que impede o atleta de gerar Fmm em seu movimento (Clarke, 1968):
esportivo?
Conforme a Figura 23.1, os valores de Fm contra F(t) = –a1(1 – e–k1t) + a2(1 – e–k2t) + a3(1 – e–k3t) (2)
várias resistências são diferentes. Enquanto diversos
fatores contribuem para as diferenças (postura cor- onde F(t) representa a força em determinado tempo
poral no instante da produção de força máxima, ve- t, além de ser a base do logaritmo natural (e = 2,7182),
locidade de movimento, etc.), um fator é o mais evi- k1, k2 e k3 representam as constantes, enquanto
dente — tempo disponível para a produção de força. Fin + a2 + a3 – a1 = Fmm é a força em estado de equilí-
brio quando a força máxima é alcançada. Pode-se ob-
servar na Figura 23.2 que o tempo para a força pico
Tempo e taxa de produção de não depende do nível de força inicial (Fin).
força* A taxa de produção de força (TPF) pode ser com-
putada como o tempo derivado da equação 2. Para
A força muscular maximal (Fmm)** não pode ser uma única tentativa, a TPF não é constante; é uma
desenvolvida instantaneamente; em geral é preciso função do tempo t. Como estimativa aproximada da
em torno de 0,3 a 0,4 s para gerar a Fmm. Em muitos TPF média, o rácio* Fmáx/Tmáx, em que Tmáx repre-
movimentos esportivos, a duração dos períodos em senta o tempo para a força de pico (parte superior da
que a força máxima seria gerada é menor do que Fig. 23.3), é geralmente utilizado. O rácio é denomi-
0,3 s (Tab. 23.1). Nessas atividades, os atletas não dis- nado força explosiva. Em termos práticos, a força ex-
põem de tempo suficiente para produzir Fmm. plosiva é comumente computada por 1 kg de peso
A diferença percentual entre a Fmm e a Fm durante corporal. Além disso, o gradiente de força, também de-
a produção de força explosiva é denominada de défi- nominado gradiente-S, é utilizado: S significa “iní-
cit de força explosiva (DFE): cio” (Godik e Zatsiorsky, 1965) (parte inferior da Fig.
Fmm − Fm
DFE,% = × 100 (1)
Fmm *N. de R.T. Da expressão inglesa “ratio”.
ximorum muscular force”, expressão pouco usada na literatura Figura 23.2 Curva tempo-força isométrica em vários níveis de
específica. No presente texto, foi adotada a expressão “força tensão (em zero e 50% da força máxima). O gráfico é baseado
muscular maximal”. nos dados de Godik e Zatsiorsky (1965).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 457
Tabela 23.1 Duração dos períodos de produção de força “explosiva” em alguns movimentos esportivos (M: masculino; F: feminino)
Arremesso de dardo
Lançamento 0,12 M: 30 m·s–1 de velocidade de liberação (o resultado Bartonietz (2000b)
equivalente de desempenho foi > 80 cm)
Arremesso de peso 0,22-0,27 M: 19,60 – 21,35 m Lanka (2000)
Tempo de apoio
Lançamento de martelo, 0,18-0,22 Atletas mundiais de elite Bartonietz (2000a)
duplo apoio
23.3). O gradiente S caracteriza-se pela TPF média Em pesquisa, a contribuição da TPF pode ser eli-
no início da fase de um esforço muscular. É compu- minada ao aplicar-se o método de liberação rápida: du-
tado como o rácio rante o teste, o sujeito exerce determinada magnitu-
de de força de forma isométrica, então um gatilho é
Gradiente S = F0,5máx/T0,5máx (3) subitamente disparado, e o movimento é realizado
contra determinada resistência. A Figura 23.4 ilustra
onde F0,5máx representa metade da força máxima, en- a diferença percentual na velocidade máxima Vm e Fm
quanto T0,5máx, o tempo para alcançá-la. no mesmo movimento (flexão do cotovelo) realizado
A força F0,5máx e o tempo para alcançá-la T0,5máx sob condição comum e de liberação rápida. A dife-
não se correlacionam um com o outro (Zatsiorsky, rença excedeu 40% para a Vm e 75% para a Fm quan-
1966; 100 atletas masculinos: r = 0,11). Por conse- do o movimento foi de curta duração.
guinte, a capacidade de exercer grande quantidade O período de tempo de utilização de força deve-
de força (força muscular), assim como de exercer força se a vários fatores: “frouxidão”* nos tecidos moles
rapidamente são independentes. A habilidade em re- subcutâneos e no sistema musculotendineo articu-
alizar movimentos com grande freqüência também lar (esse fator está considerado no primeiro termo da
não depende da força muscular (Fenn, 1938). Nesse equação 2); dispersão da excitação do conjunto de
caso, a relação entre momento articular máximo e
momento de inércia difere para as distintas partes do
corpo em muito maior magnitude do que a freqüên-
cia máxima (Tab. 23.2). *N. de R.T. Ausência temporária de tensão/energia.
458 PAAVO V. KOMI
retarda consideravelmente a força produzida pelos lar do que o Tm. Essa questão merece pesquisas
componentes contráteis (Wilkie, 1956; Carlson e futuras.
Wilkie, 1974; para discussão, ver também Zatsiorsky, A freqüência de descarga das unidades motoras
1997). Infelizmente, essa teoria não explica o motivo é maior durante movimentos balísticos (60 a 120 Hz)
de o Tm ser muito mais curto em alguns atletas do do que em contrações lentas em rampa (≤ 30 Hz)
que em outros. (Desmedt e Godaux, 1977). Essa descoberta sugere
Um dos fatores capazes de afetar a taxa de pro- que a taxa de codificação pode servir para graduar a
dução de força, assim como o tempo de relaxamento, TPF. Caso essa hipótese esteja correta, pode-se espe-
é a composição muscular. As fibras rápidas glicolíti- rar que, em atletas rápidos, os motoneurônios dispa-
cas possuem um tempo de contração mais curto que rem em maiores freqüências (ver Capítulos 3 e 10).
as lentas oxidativas (Burke et al., 1971; Gonyea et al., O treinamento de força induz aumento da Fmm,
1981). Muitos músculos humanos são compostos de mas não da TPF (parte superior da Fig. 23.6). A TPF
fibras lentas e rápidas. Em geral, espera-se que atle- aumenta após o treinamento de força dinâmico (par-
tas com grande porcentagem de fibras rápidas exer- te inferior da Fig. 23.6) e após treinamento no qual é
çam força mais rapidamente do que aqueles com baixa utilizada a produção de força “explosiva” — na taxa
porcentagem de fibras rápidas. No entanto, a relação máxima de produção de força (Behm e Sale, 1993a).
não é direta. O tempo de contração e relaxamento O tipo de ação muscular (isométrica ou concêntrica)
depende não somente da composição muscular, mas parece ser de menor importância. O aumento da TPF
também da ordem de recrutamento. Esta última se- após o treinamento dinâmico (balístico) é associado
gue o princípio do tamanho (Hennemann et al., 1965). com a alteração na atividade da unidade motora (Van
De acordo com esse princípio, as unidades motoras Cutsem et al., 1998). No último estudo desses autores,
lentas (inervadas por pequenos motoneurônios) são o treinamento consistiu de movimentos articulares
recrutadas em baixos níveis de força e, com o au- muito rápidos contra sobrecarga de 30 a 40% da força
mento da força, as unidades motoras rápidas (iner- muscular máxima durante 12 semanas. Foram obser-
vadas por grandes motoneurônios) são ativadas. Na vados breves intervalos interpicos (2 a 5 ms) das uni-
população de fibras musculares mistas, o início e o dades motoras (“disparos duplos”). O treinamento
final da produção de força são determinados pelas aumentou a porcentagem de disparos duplos de 5,2
fibras musculares lentas (o princípio da “ligação mais para 32,7%, assim como a freqüência máxima de dis-
fraca na cadeia”; Savelberg, 2000). Desse modo, a por- paro das unidades motoras.
centagem de fibras musculares rápidas pode não re- Os seguintes fatos e conclusões são os mais rele-
presentar um fator decisivo no tempo para alcançar vantes aos atletas e treinadores:
a força de pico (Tm). No entanto, quando pequenas
forças são produzidas, é substancial a dependência 1 Em esforços de curta duração, a taxa de produ-
da composição muscular para o aumento do tempo ção de força (força explosiva) pode ser mais impor-
(Viitasalo e Komi, 1978; Viitasalo e Komi, 1981). Pa- tante do que a força maximal (Fmm).
rece que o gradiente de força, baseado na determina- 2 Quando atletas são testados, recomenda-se a ava-
ção do T0,5máx, é mais sensível à composição muscu- liação de algumas características, tais como o gradien-
460 PAAVO V. KOMI
Postura corporal
A força que um atleta pode produzir em deter-
minado movimento depende da postura corporal (ân-
gulos articulares). A força máxima que um indivíduo
pode produzir em uma barra depende da altura desta
(Fig. 23.7). A força máxima (Fmm) é exercida quando a
barra está próxima da altura do joelho.
As Figuras 23.8 e 23.9 ilustram as dependências
entre a configuração articular e a força muscular (ex-
ternamente registrada como Fmm) em várias tarefas
uni e multiarticulares. As curvas, conhecidas como
curvas de força humana (Darcus, 1951; Darcus e Salter,
1955), descrevem a força isométrica máxima em fun-
ção da configuração articular. Observe a grande dife-
rença para a força produzida em diferentes posições
articulares (Figs. 23.8 e 23.9). Uma extensa revisão
sobre as curvas de força humana foi publicada por
Kulig e colaboradores (1984).
Para cada movimento articular, existem posições
angulares em que os valores máximos de Fmm podem
ser alcançados. Na flexão de cotovelo, a força máxi-
ma é gerada no ângulo de 90° (Fig. 23.8a); na exten-
são de cotovelo, assim como na extensão de joelho,
os valores máximos são alcançados no ângulo de 120°
(Franke, 1920; Carpenter, 1938). A força máxima de
Figura 23.6 Influência do programa de treinamento de força preensão é alcançada quando a articulação metacar-
de alta intensidade (a) e do programa de treinamento da força pofalângica está em 30° de flexão e a articulação in-
explosiva (b) na força máxima e na taxa de produção de força
em uma extensão do joelho bilateral máxima explosiva. Após o
terfalângica proximal em 70° de flexão (Mundale,
treinamento de força de alta intensidade, somente a Fmm é 1970). As maiores forças na extensão de joelho e co-
aumentada, sendo que o mesmo não ocorreu na parte inicial da tovelo podem ser exercidas quando a extremidade está
curva força-tempo. A taxa de produção de força, especialmente quase que completamente estendida (Fig. 23.9). O
o gradiente S, fica inalterada (adaptada de Häkkinen e Komi, objetivo da discussão que se sucede é emitir alguma
1985ab).
consideração sobre as causas dessas descobertas.
Biomecanicamente, a Fmm é a função das forças
musculares, ou tensões, que sofrem duas transfor-
te de força ou a força exercida em 100 ms do come- mações: a força muscular transforma-se em momen-
ço da ação. Nesse caso, o melhor indicador* da velo- tos articulares, enquanto os momentos articulares
cidade máxima de sprint foi a força produzida nos transformam-se em força externa:
100 ms do início do salto (Young, 1995; Young et al.,
forças musculotendíneas → momentos articulares →
1995).
força no ponto final (força muscular: Fmm)
3 Se o exercício é realizado lentamente, o treina-
mento de força aumenta a Fmm, mas não a TPF (Fig. Consideraremos essas duas transformações na se-
23.6). Por isso, é necessário um treinamento dinâ- qüência.
mico especial. Essa recomendação é especialmente
válida para atletas experientes. Da tensão muscular aos momentos
articulares
A tensão muscular depende do comprimento
*N. de R.T. A variável que tem apresentado maior correlação. muscular e do ângulo articular. Esse fato foi estabe-
Figura 23.7 Força isométrica máxima
aplicada a uma barra em diferentes
posições corporais (em diferentes alturas
da barra). Durante o experimento, a barra
foi estaticamente fixada em várias alturas
(reimpressa de Donskoi e Zatsiorsky,
1979).
Figura 23.8 Curvas de força em movimentos uniarticulares. (a) Flexão de cotovelo (de Zatsiorsky, 1995); (b) flexão de ombro (de
Zatsiorsky, 1995); (c) pronação e supinação de braço (de Salter e Darcus, 1952); cotovelo flexionado a (A) 150°; (B) 90°; (C) 30°.
462 PAAVO V. KOMI
Figura 23.9 Dependência da força de compressão na posição do membro em sujeitos sentados. (a) Concepção experimental. (b)
Compressão máxima média (± 2 DP) exercida isometricamente por seis sujeitos em um pedal colocado em diferentes posições. Para
cada um dos cinco diferentes ângulos da coxa horizontal (α), o ângulo do joelho variou (β). A curva 1 representa os dados para o ângulo
α entre –15° e –6°; a curva 2, entre +5° e +10°; a curva 3, 33° a 36°; e a curva 5 corresponde ao ângulo da coxa α = 48° a 49°. As
curvas 4 e 5 são interrompidas bem antes de o ângulo limitante ser alcançado. Nessas posições da coxa, o joelho não pode ser
posteriormente estendido devido à limitação causada pelos isquiotibiais (adaptada, com permissão, de Hugh-Jones, 1947).
lecido no século 19 por Blix (1891, 1893, 1894), que 2 Qual é a contribuição das forças passivas, caso
mensurou a tensão isométrica máxima que o mús- existam, nas diferentes posturas corporais?
culo exerce em diferentes comprimentos. A discus-
A resposta à segunda questão é evidente: as for-
são, aqui, limita-se à manifestação dessas relações
ças passivas aumentam quando a articulação aproxi-
nos movimentos esportivos, pois a relação compri-
ma-se do limite de sua amplitude de movimento. Por
mento muscular-tensão foi discutida anteriormente
exemplo, no lançamento, durante a elevação do bra-
(Capítulo 9). O comprimento muscular é compreen-
ço,* a rotação externa do ombro ao aproximar-se dos
dido como a distância da origem à inserção e não
180° (Fig. 23.10). Nessa posição angular, os múscu-
como o comprimento da fibra muscular. As altera-
los e outros tecidos anatômicos moles são deforma-
ções de comprimento das unidades musculotendí-
dos (Dillman, 1994). Ao resistir à deformação, os te-
neas em vários movimentos esportivos foram recen-
cidos contribuem para o torque articular que alcança
temente revisadas (Hay, 2000).
valores máximos. Com exceção das articulações dos
dedos, a resistência passiva na amplitude média do
Força muscular em diferentes posições ângulo articular do movimento é pequena. A contri-
corporais buição das forças passivas no torque articular do tor-
nozelo no plano sagital durante a caminhada é me-
Duas questões principais atraem o interesse dos
nor que 6% (Siegler et al., 1984). Na articulação do
praticantes de esportes:
1 Os movimentos esportivos são realizados nas fa-
ses ascendentes ou descendentes da curva força-
comprimento muscular? *N. de R.T. No caso deste exemplo, flexão completa do ombro.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 463
*N. de R.T. Sujeitos submetidos à amputação do membro, na Figura 23.11 Experimentos em amputados cineplásticos. Os
qual o coto é configurado de maneira a permitir o movimento sujeitos exerceram esforço máximo durante as medidas
da articulação (cineplastia). (reimpressa, com permissão, de Ralston et al., 1947).
464 PAAVO V. KOMI
Figura 23.13 Curva comprimento-tensão do flexor do cotovelo “equivalente” em contrações isométricas máximas. Os quatro
músculos são motores primários para a flexão do cotovelo (cabeças curta e longa do bíceps, braquiorradial e braquial) e são
mentalmente substituídos por um músculo equivalente com o mesmo ponto de inserção que o bíceps. Os pressupostos adicionais
são: (a) o eixo de rotação da articulação do cotovelo é fixado; (b) a linha de ação do músculo “equivalente” é reta; (c) a origem e a
inserção musculares são consideradas em pontos mais do que em superfícies; e (d) os segmentos corporais são rígidos.
Cada ponto representa a média de 10 observações realizadas em cinco sujeitos. Abscissa: comprimentos em porcentagem do
comprimento padrão l0 do músculo equivalente. Ordenada: forças em porcentagem da força máxima correspondente ao
comprimento padrão. O desvio padrão também é indicado. Observe que a força no comprimento muscular mínimo (após
encurtamento muscular máximo) representa aproximadamente 60% da força no comprimento padrão (reimpressa, com permissão,
de Bouisset, 1990; a figura original é de Pertuzon, 1972; e Pertuzon e Bouisset, 1971).
pode servir para o treinamento seletivo do músculo sentada, espera-se que a força de extensão do joelho
sóleo. na posição supina seja maior do que na sentada. No
A curva de força do joelho depende da posição entanto, isso não é verdadeiro para todos os sujeitos
da articulação do quadril (Fig. 23.16; dados para fle- (ver Fig. 23.16, em que tais diferenças não foram evi-
xão de joelho). Como o músculo reto femoral é es- dentemente observadas). Os ciclistas, em particular,
tendido na posição supina* e encurtado na posição tendem a ser mais fortes em comprimentos curtos
do músculo reto femoral do que em longos, enquan-
to o oposto é verdadeiro para corredores (Herzog et
*N. de R.T. Posição em que o quadril está estendido. al., 1991). Essa descoberta foi explicada pela diferen-
mento da força muscular foi publicada por Pandy na amplitude de movimento de 95° (Murray et al.,
(1999). A presente discussão é limitada às idéias bá- 1995). Vários modelos de computador que estimam
sicas. o comprimento do braço de momento dos valores
Em um caso planar, o momento de uma força F conhecidos dos ângulos articulares estão disponíveis;
sobre um centro articular equivale ao produto da os modelos são desenvolvidos para as extremidades
magnitude da força F e da distância perpendicular, d, inferiores (Hoy et al., 1990; Hawkins, 1992) e supe-
do centro de linha de ação da força: M = Fd. A dis- riores (Pigeon et al., 1996).
tância d é o braço de momento. Este último é igual ao Em algumas configurações articulares, os braços
momento de força produzido pela unidade de força. de momento assumem seus valores mínimo e máxi-
Os momentos de força em um plano são escalares. mo. Nesses ângulos articulares, a mesma tensão mus-
Uma análise da ação muscular pode reduzir-se a duas cular produz momentos máximos e mínimos de força
dimensões se, e somente se, a linha de ação da força sobre o centro articular, respectivamente. Em geral, um
muscular e o eixo de rotação forem perpendiculares momento articular M(α) produzido pelo músculo em
um ao outro. Nesse caso, o músculo age no plano do diferentes ângulos articulares α equivale ao produto:
movimento articular. A Tabela 23.3 contém as fontes
bibliográficas referentes aos braços de momento ar- M(α) = F(α)d(α) (4)
ticulares nas principais articulações.
Em humanos, devido à deformação dos tecidos Por conseguinte, quando o ângulo articular varia, a
moles, incluindo cartilagens articulares, os braços de força registrada externamente se altera devido a duas
momento durante a produção de força máxima po- razões: (I) os músculos produzem diferentes tensões;
dem diferir dos braços de momento em repouso (Aru- (II) as forças musculares agem em diferentes braços
in et al., 1987). Por exemplo, o braço de momento do de momento (Fig. 23.18).
tendão do calcâneo na flexão plantar isométrica Uma posição articular em que a força máxima
(CVM) é 1,2 a 1,27 vezes maior que o braço de mo- (momento articular máximo) é exercida pode ser di-
mento em repouso (Maganaris et al., 1998; Magana- ferente da posição em que o músculo exerce tensão
ris et al., 1998). Fatos similares são registrados para o máxima. A relação entre força muscular (momento
braço de momento do tibial anterior (Maganaris et ou força externamente manifestados) e os fatores de
al., 1999; Maganaris et al., 2000). Para esse músculo, contribuição — tensões musculares e braços de mo-
o braço de momento a 0% da CVM é significativa- mento — pode ser muito complexa. As relações são
mente menor do que em 30 e 60% da CVM (Ito et dissimilares para várias articulações, assim como para
al., 2000). diferentes movimentos na mesma articulação. Por
Quando o ângulo articular varia, o braço de mo- exemplo, na articulação do punho, o perfil momen-
mento de um músculo acompanha as alterações ar- to-ângulo na flexão é determinado principalmente
ticulares. Na articulação do cotovelo, o braço de pela dependência da tensão muscular do comprimen-
momento flexão/extensão varia em, no mínimo, 30% to muscular. Já o perfil de torque na extensão é forte-
468 PAAVO V. KOMI
Tabela 23.3 Estudos experimentais dos braços de momento dos músculos nas principais articulações
Articulações/músculos Referências
Articulações dos dedos dos pés Aper et al. (1996)
Tornozelo Zatsiorsky et al. (1985); Aruin et al. (1987,1988); Rugg et al. (1990); Klein et al. (1996); Maganaris
et al. (1998,1999, 2000); Maganaris (2000); Ito et al. (2000)
Joelho Smidt (1973); Grood et al. (1984); Nisell (1985); Nisell et al. (1986); Draganich et al. (1987);
Mansour e Pereira (1987); Spoor et al. (1990,1992); Visser et al. (1990); Herzog e Read (1993);
Delp et al. (1994); Kellis e Baltzopoulos (1999)
Quadril Jensen e Davy (1975); Dostal e Andrews (1981); Nemeth e Olsen (1985); Mansour e Pereira (1987);
Visser et al. (1990); Delp et al. (1994,1999); Lengsfeld et al. (1997); Arnold e Delp (2001)
Músculos do tronco Nemeth e Olsen (1986,1987) (eretor da espinal e reto do abdome); Reid et al. (1994) (músculo
psoas)
Ombro Poppen e Walker (1978); Wood et al. (1989); Bassett et al. (1990); Otis et al. (1994); Hughes et al.
(1998); Nakajima et al. (1999); Kuechle et al. (2000)
Cotovelo Amis et al. (1979); An et al. (1981); Gerbeaux et al. (1993); Murray et al. (1995, 2000); Lemay e
Crago (1996); Ettema et al. (1998)
Punho Youm et al. (1976); Brand et al. (1981); Buchanan et al. (1993); Loren et al. (1996); Herrmann e
Delp (1999)
Articulações dos dedos e polegar Smith et al. (1964); Brand et al. (1975); Berme et al. (1977); Armstrong e Chaffin (1978); An et al.
(1979,1983); Chao et al. (1989); Lee e Rim (1990); Casolo e Lorenzi (1994); Smutz et al. (1998);
Wilson et al. (1999); Brand e Hollister (1999); Omokawa et al. (2000); Fowler et al. (2001)
mente influenciado pelas alterações no braço de pender não somente da configuração dos ossos so-
momento (Fig. 23.19). bre esse eixo, mas também da posição óssea sobre
A ação planar da força muscular pode ser com- outros eixos: eixo de supinação-pronação (Mansour
parada ao ato de puxar ou empurrar uma porta em e Pereira, 1987; Murray et al., 1995; Klein et al., 1996).
uma direção horizontal. As dobradiças da porta são Os momentos de força no espaço são vetores.
orientadas verticalmente, e a força está em 90° em Possuem tanto magnitude como direção. Em três di-
relação ao eixo de rotação. Tal situação pode ser es- mensões, um momento de força pode ser determina-
tudada com métodos simples, descritos anteriormente do sobre um ponto ou eixo. O momento de força MO
(ver equação 4). A situação mais complexa ocorreria em um ponto O é definido como um produto cruza-
caso a força das mãos fosse direcionada em um certo do dos vetores r e F, em que r representa a posição
ângulo do plano horizontal. Uma análise tridimen- do vetor de O ao ponto de aplicação da força P (Fig.
sional deveria ser aplicada. Isso é típico de uma ação 23.20):
muscular.
Muitos músculos produzem momentos em mais MO = r × F (5)
de um eixo articular. Eles possuem várias funções.
Por exemplo, na articulação do ombro, a cabeça cur- O momento MO é um vetor que possui as seguintes
ta do bíceps auxilia na flexão, na adução, na rotação características:
interna e na flexão horizontal. Na articulação do co-
tovelo, o bíceps flexiona e supina o antebraço. A li- 1 A linha de ação de MO é perpendicular ao plano
nha de ação de força desses músculos está em outro que contém os vetores r e F. A linha representa o
ângulo, diferente de 90°, ao eixo do principal movi- eixo no qual o corpo tende a rotar em O quando
mento anatômico na articulação (flexão/extensão, ab- submetido à força F.
dução/adução e rotação interna/externa). Em três di- 2 A magnitude do momento é MO = F(r sen θ) =
mensões, o braço de momento de um músculo em Fd, onde θ representa o ângulo entre os vetores r e F
certos eixos, por exemplo, flexão-extensão, pode de- e d, a menor distância de O à linha de ação de F, o
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 469
Figura 23.19 Determinantes do torque de flexão (figura esquerda) e de extensão (figura direita) na articulação do punho. Os perfis
de torque das unidades musculotendíneas são ampliados com as relações angulares braço de momento-articulação fornecidas.
Observe a considerável influência das alterações da tensão muscular nos perfis de torque na flexão e as grandes alterações dos
braços de momento dos extensores do punho. Abreviações: ERCC, extensor radial curto do carpo; ERLC, extensor radial longo do
carpo; EUC, extensor ulnar do carpo; FRC, flexor radial do carpo; FUC, flexor ulnar do carpo. Os dados referem-se à rotação neutra
do antebraço. As áreas sombreadas representam a média ± 1 desvio padrão (reimpressa, com permissão, de Loren et al., 1996).
simples demonstração — e adequada para propósi- bém produz momento de flexão (momento secundá-
tos de aula: realize uma supinação vigorosa contra rio) (Fig. 23.22). O momento de flexão é equilibrado
resistência enquanto se coloca a segunda mão no bí- pelo momento de extensão do tríceps.
ceps e tríceps do braço ativo. Tanto o bíceps como o Quando se realiza uma flexão do cotovelo, a pro-
tríceps estão simultaneamente em ação. A explicação nação do antebraço diminui a força de flexão do co-
é simples: quando o bíceps age como supinador, tam- tovelo (Rasch, 1956; Jørgensen e Bankov, 1971). Por
exemplo, foram observados os seguintes valores de
força no segundo estudo (26 homens, ângulo do co-
tovelo em 90°): 43,2 ± 8,4 libras com o antebraço em
posição supinada, 47,8 ± 8,9 libras em posição mé-
dia e 27,5 ± 4,4 libras em pronação. Com o braço
pronado, o bíceps não pode gerar sua tensão máxima
devido ao possível efeito de supinação. Em função
desse fato anatômico, é mais fácil realizar flexões na
barra usando uma pegada supinada* do que uma pe-
gada pronada.**
T = JTF (7a)
F = (JT)–1T (7b)
De acordo com a equação 13, para uma força final tando o ombro S ao ponto final, o eixo radial; (II) o
de magnitude constante F, a direção da força é con- ângulo pointing φ para a linha extraída do cotovelo E
trolada pela diferença nos torques articulares. Na Fi- ao longo do antebraço, o eixo pointing (Fig. 23.29).
gura 23.28 é apresentado um exemplo de força de Os eixos radial e pointing definem quatro setores
determinada magnitude exercida em diferentes dire- marcados na Figura 23.29. A flexão na articulação do
ções. ombro e a extensão na articulação do cotovelo pro-
Convém analisar a relação entre a força final e os duzem uma força final no setor 1. Esse esforço cor-
torques articulares em um sistema polar de coorde- responde à extensão do braço. No setor 2, a força final
nadas. Para um modelo de duas ligações do braço deve-se à flexão nas duas articulações envolvidas. No
humano, os seguintes ângulos referentes ao eixo X setor 3, a força deve-se à extensão S e à flexão E, e, no
são definidos: (I) o ângulo polar θ para o eixo conec- setor 4, a força final representa o resultado dos tor-
Figura 23.28 Torques articulares que geram uma força final de mesma magnitude em várias direções. (a) Uma cadeia planar de
duas ligações. O eixo X do sistema de referência global está ao longo da ligação proximal. Um ponto final exerce uma força com
magnitude de 1 no ambiente em 16 direções variadas. A distância angular entre as forças vizinhas é 22,5°. As forças são
numeradas em seqüência anti-horária. As forças ocorrem devido aos torques T1 e T2 agindo nas articulações 1 e 2, respectivamente.
O comprimento das ligações, l1 e l2, é igual a 1. O ângulo articular α2 é igual a 45°. A força F11 está ao longo da ligação distal,
oposta à força F3, e não é demonstrada. (b) Torques articulares que produzem uma força final de magnitude de unidade em várias
direções. Os números nos gráficos correspondem às direções das forças demonstradas em (a). Os torques articulares são máximos
quando a direção da força é perpendicular ao braço de momento correspondente: para a articulação proximal nas direções 6 e 14, e
para a articulação distal nas direções 7 e 15. Os torques articulares são zero quando a linha de ação da força passa pelo centro
articular. Em particular, o torque na articulação proximal é zero quando a força final é exercida nas direções 2 ou 10. Já o torque na
articulação distal é zero quando a força final está nas direções 3 ou 11. (c) Torque comparado aos valores de torque para as diferentes
direções da força final da magnitude da unidade (os gráficos a e b foram reimpressos, com permissão, de Zatsiorsky, 2002).
476 PAAVO V. KOMI
Figura 23.35 Distribuição das forças finais máximas. Parte superior, posição do sujeito e equipamento de medida. O, C e P
posição para ombro, cotovelo e punho, respectivamente. A linha a-d está ao longo do raio do ombro, b-e ao longo do eixo apontado,
enquanto a linha c-f, perpendicular ao antebraço. Os círculos brancos, negros e cinza demonstram a localização dos eletrodos (os
dados EMG não são descritos aqui). Plano superior, distribuição da força máxima em diferentes configurações do braço. a: θ1 = 80°,
θ2 = 80°; b: θ1 = 37°, θ2 = 120°; c: θ1 = 50°, θ2 = 90°; d: θ1 = 60°, θ2 = 60°; e: θ1 = 42°, θ2 = 57°. Os envelopes de força
assemelham-se a elipses (os autores, que desenvolveram um modelo com seis músculos, sugerem que os envelopes são hexágonos)
(adaptada, com permissão, de Fujikawa et al., 1997).
480 PAAVO V. KOMI
ções são conhecidas como articulações limitantes (para Postura corporal e treinamento de
determinado indivíduo, para determinada tarefa e para força
determinada postura corporal). As articulações limi-
tantes podem diferir entre os atletas. Por exemplo, A atividade muscular pode variar substancialmen-
dois atletas capazes de levantar do chão uma barra te caso a postura corporal seja alterada. Isso é muito
de 100 kg, mas incapazes de levantar uma barra de comum na prática esportiva, em que os treinadores e
105 kg, podem apresentar diferentes articulações li- os atletas admitem treinar determinado grupo mus-
mitantes (extensão do joelho em um atleta e exten- cular, por exemplo, os extensores do joelho, mas, na
são da coluna no outro). Evidentemente, esses atle- realidade, esse grupo muscular não é estimulado e,
tas deveriam ser treinados de maneiras diferentes. conseqüentemente, não é treinado. É mesmo possí-
Alguns treinadores de força acreditam que o va- vel que os músculos antagonistas, por exemplo, os
lor do torque articular máximo depende de a articu- flexores do joelho, em vez dos extensores, estejam
lação gerar o torque ou transmiti-lo. Uma opinião po- sendo principalmente estimulados (Fig. 23.40).
pular entre os praticantes é a de que a articulação Os efeitos do treinamento de força dependem da
pode transmitir um torque maior do que o capaz de postura específica (Gardner, 1963; Zatsiorsky e Rait-
ser gerado. Essa não é uma questão puramente me- sin, 1974; Wilson et al., 1996). Eles dependem da
cânica, e a equação 7 pode não resolvê-la. O proble- amplitude de movimento articular e, no caso dos exer-
ma deveria ser resolvido por experimentos. Neste mo- cícios isométricos, da posição articular ao treinamento
mento, não existem evidências experimentais (Fig. 23.41).
suficientes para uma conclusão decisiva. As evidên- Na prática do treinamento esportivo, três abor-
cias científicas disponíveis inclinam-se contra a hi- dagens/princípios gerenciam o paradigma força-pos-
pótese: parece que os valores máximos de torque ar- tura (não é dedicada atenção à quarta “solução” nes-
ticular não dependem de a articulação gerar ou te capítulo). Eles são o princípio pico-contração, acomodação
transmitir o torque (Fig. 23.39). da resistência e acentuação. As técnicas são descritas em
detalhes em Zatsiorsky (1995). Somente uma breve
consideração é fornecida aqui.
O princípio contração-pico baseia-se na idéia de evi-
denciar os pontos fracos da curva de força humana. O
princípio é observado, “na pior das hipóteses”, quan-
do a resistência externa, por exemplo, momento da
força gravitacional, é máxima na posição articular em
que a força Fm é mínima. A força é pequena na posi-
ção em que (I) a tensão muscular é baixa, isto é, quan-
do os músculos são encurtados, e (II) os braços de
momentos musculares são pequenos. Como exem-
plo, compare o ato de levantar o joelho de duas posi-
ções iniciais: deitado em decúbito dorsal e suspenso
em uma barra horizontal (Fig. 23.42). O segundo exer-
cício impõe uma demanda muito maior do que o pri-
meiro. Em ambos, o braço de momento da força gra-
vitacional agindo sobre as pernas é máximo quando
colocado em sentido horizontal. No entanto, quan-
Figura 23.39 Medida da força de flexão do cotovelo em do as pernas são elevadas na posição deitada, a resis-
posição supina. Nos experimentos, a articulação do cotovelo tência máxima coincide com os maiores pontos de
agiu tanto como transmissor (plano superior) quanto como força da curva força-ângulo (os flexores do quadril
gerador de força (plano inferior). No primeiro caso, os sujeitos
não são encurtados). Quando a elevação da perna é
deitam-se em uma condição que os habilita a exercer força com
as pernas para ser livremente transmitida ao cotovelo. Os realizada na barra horizontal, os músculos flexores
resultados foram similares para ambos os testes de força do quadril são encurtados no instante em que as per-
(reimpressa, com permissão, de Andersson e Schultz, 1979). nas cruzam a linha horizontal. Então, a posição de
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 483
Figura 23.40 Momentos de força na articulação do joelho (N·m) durante o agachamento com sobrecarga de 80 kg. A magnitude e
a direção (flexão ou extensão) do momento se alteram de acordo com a postura do atleta. Quando o agachamento é realizado com o
tronco inclinado (figura da esquerda), os extensores do joelho não são ativados, enquanto os flexores são. Os extensores do joelho
são estimulados ao máximo quando o tronco está na posição ereta (figura da direita) (reimpressa, com permissão, de Zatsiorsky,
1995).
da resistência não deveria ser a primeira escolha de amplitude. Por exemplo, caso o objetivo do treina-
técnica de treinamento, com a possível exceção dos mento seja aumentar a força dos músculos flexores
esportes aquáticos, como a natação e o remo. do quadril para melhorar a velocidade do movimen-
A principal idéia da acentuação é ser específica ao to de balanço, não há razão para aumentar a força
máximo: treinar a força em uma variedade de movi- desses músculos em uma amplitude além da que a
mentos esportivos especícifos em que a demanda para atividade requer. Um exercício demonstrado na Fi-
a produção de força é máxima. De acordo com essa gura 23.44 satisfaz o requerimento para a especifici-
idéia, não há necessidade de os atletas treinarem for- dade da amplitude da aplicação da força.
ça na amplitude total do movimento, pois a força má- Os mecanismos relacionados à especificidade
xima é necessária em somente uma pequena parte da articulação-posição no treinamento de força não es-
tão claros. Talvez devido a mecanismos desconheci-
dos de coordenação neural ou à adaptação específica
dos próprios músculos, por exemplo, alteração no nú-
mero de sarcômeros em série nas fibras musculares
(Herzog et al., 1991).
As relações entre a força e a velocidade nos mo- Outras duas relações são obtidas quando os atle-
vimentos esportivos têm atraído considerável aten- tas impõem esforços máximos para produzir a maior
ção entre os pesquisadores. força e/ou velocidade possível.
Figura 23.47 Curvas força-velocidade obtidas em tentativas Figura 23.48 Relação não-paramétrica entre força máxima
únicas. Os parâmetros de tarefa são constantes. (a) Alterações (Fmm) e velocidade de flexão do ombro (Vm) com o braço
sucessivas da força e da velocidade em movimentos rítmicos do estendido; 100 sujeitos. (a) Sem sobrecarga; não há correlação
antebraço em amplitudes de 0,14 e 0,74 radianos. O movimento significativa entre Fmm e Vm. (b) Sobrecarga de 6 kg. (c)
progride em sentido horário. O momento de inércia do braço é Sobrecarga (halter) de 8 kg nas mãos; existe alta correlação
cerca de 5,16 x 105 g·cm–2 (reimpressa, com permissão, de entre Fmm e Vm (adaptada de Zatsiorsky, 1995).
Fenn, 1938). (b) O perfil força-velocidade do músculo tríceps
sural humano durante o contato do pé com a bola deslocando a
5,78 m·s–1 (inferior). As forças representam forças do tendão do
calcâneo, enquanto as velocidades representam a taxa de
alteração do comprimento musculotendíneo para o músculo
gastrocnêmio (adaptada de Komi, 1990).
488 PAAVO V. KOMI
fortes saltam mais? Tais relações foram considera- relação não-paramétrica. A seguinte discussão limi-
das como relações não-paramétricas (Zatsiorsky et al., ta-se à ação muscular concêntrica. A ação muscular
1968; Zatsiorsky et al., 1969). O porquê dessa termi- excêntrica é analisada no Capítulo 10.
nologia será posteriormente explicado.
5 As relações não-paramétricas são positivas Relações força-velocidade
(quanto maior a Fmm, maior a Vm) ou nulas. A relação paramétricas
depende da quantidade de resistência: quanto maior
a resistência, por exemplo, massa de um implemen- Essa relação desperta maior interesse e é em ge-
to, maior a correlação entre Fmm e Vm (Fig. 23.48). Não ral denominada simplesmente como relação força-ve-
existe correlação entre Fmm e Vmm (velocidade máxi- locidade ou, especialmente, quando se trata de mús-
ma) obtida na resistência zero: a capacidade de pro- culos individuais, a curva de Hill (ver Fig. 9.4 no
duzir força máxima (i. e., força muscular), assim como Capítulo 9). A denominação da curva é uma referên-
alcançar grande velocidade no mesmo movimento, cia ao trabalho de A.V. Hill (1938). Alguns exemplos
requer capacidades motoras independentes (Rasch, de relações paramétricas encontradas na prática es-
1954; Henry, 1960; Clarke e Henry, 1961). portiva são apresentados na Tabela 23.4. Os exem-
5 Relações paramétricas entre a força maximal e a ve- plos da curva força-velocidade são fornecidos na Fi-
locidade. O termo relação paramétrica é utilizado para gura 23.49. Em condições de campo, em vez da
designar as relações força-velocidade obtidas da se- velocidade, sua estimativa aproximada é geralmente
guinte maneira (Zatsiorsky et al., 1968; Zatsiorsky empregada (parte b e c na Fig. 23.49). As relações for-
et al., 1969): ça-velocidade paramétricas são negativas: quanto
maior a velocidade, menor a força. As curvas são côn-
(a) Os sujeitos realizam várias tentativas com
cavas para cima.
esforço máximo.
As curvas força-velocidade que podem ter apa-
(b) Um determinado parâmetro da tarefa, por
rência similar à curva de Hill podem ser registradas
exemplo, peso de um implemento, varia de ma-
em uma única tentativa (caso 3 mencionado ante-
neira sistemática entre as tentativas.
riormente). Isso ocorre quando a velocidade aumen-
(c) Em cada tentativa, tanto a força como a ve-
ta monotonicamente até determinado nível de satu-
locidade são mensuradas, Fm e Vm. Cada par Fm–
ração e, como resultado, a aceleração diminui mono-
Vm corresponde a determinado valor do parâ-
tonicamente (parte a da Fig. 23.50). Quando a
metro (os equipamentos isocinéticos permitem
resistência é provida pela inércia, a relação entre a
estabelecer a velocidade de movimento e regis-
força e a aceleração é estabelecida pela segunda lei
trar o esforço exercido).
de Newton: F = ma. Caso a massa seja constante, a
(d) Os valores de Fm e Vm são plotados um con-
relação força-velocidade é em essência, a relação “ace-
tra o outro.
leração-velocidade”. Em tais casos, a relação força-
Para distinguir essa relação da relação Fmm–Vm velocidade observada é conseqüência da saturação
descrita anteriormente, a primeira foi denominada da velocidade: quando a velocidade aumenta, a ace-
do punho (Chow e Darling, 1999), a do dedo (Cook (Fig. 23.52) (Perrine et al., 1978; Kojima, 1991). Hi-
e McDonagh, 1996), a do polegar (De Ruiter et al., poteticamente, isso ocorre devido à inibição do siste-
1999), a do quadril (Hawkins e Smeudlers, 1999) e a ma nervoso central como forma de prevenir lesões
do tornozelo (Fugl-Meyer et al., 1982; Bobbert e van em forças elevadas.
Ingen Schenau, 1990), são menos estudadas. A abor- Em atletas com maior porcentagem de fibras de
dagem mais comum é a extensão e a flexão isocinéti- contração rápida, as curvas força-velocidade apresen-
cas. Outros protocolos também são empregados: pe- tam menor curvatura (Gregor et al., 1979; Tihanyi et
sos manuais (Wilkie, 1950; Kojima, 1991), resistência al., 1982; Froese e Houston, 1985). Resultados simi-
elástica (Hawkins e Smeudlers, 1999), molas de força lares foram obtidos quando se comparou velocistas e
constante (de Koning et al., 1985) e momento de inér- corredores de distância (Johanson et al., 1987;
cia fornecido por uma roda de inércia (Tihanyi et al., Wakayama et al., 1995). Quando a equação de Hill é
1982). empregada (ver equação 10, no Capítulo 9), a forma
As curvas força-velocidade e torque-velocidade da curva força-velocidade pode ser descrita pela re-
angular para movimentos uniarticulares não são idên- lação a/Fmm. Quanto maior a relação, menor a curva-
ticas às análogas curvas de músculos isolados pelo tura. Em média, a relação equivale a 0,39 para a fle-
fato de se sobreporem ao resultado da força de vários xão do cotovelo (Kojima, 1991) e 0,40 para a extensão
músculos, os quais apresentam diferentes caracterís- do joelho (Tihanyi et al., 1982). Na flexão do cotove-
ticas. No entanto, são similares, em forma, às curvas lo, a relação varia de aproximadamente 0,10 a 0,60
força-velocidade obtidas em fibra isolada e músculo. (Zatsiorsky, 1966). Em geral, os atletas de esportes
A exceção mais importante é que em alguns movi- de potência possuem rácio maior do que 0,30, en-
mentos, principalmente na extensão do joelho, os quanto atletas de endurance, menor. Quando a curva-
valores de torque em alta amplitude de torque das tura força-velocidade é pequena, a curva pode ser sa-
curvas torque-velocidade angular são menores do que tisfatoriamente aproximada por uma equação linear
se deveria esperar da equação força-velocidade de Hill (Fugl-Meyer et al., 1982; Kues e Mayhew, 1996).
A fadiga desloca a curva força-velocidade para
baixo (De Ruiter et al., 1999), enquanto um aumen-
to do nível de treinamento a desloca para cima (Jor-
gensen, 1976; de Koning et al., 1985; Dudley e Dja-
mil, 1985; Ameredes et al., 1995; Martin et al., 1995).
Movimentos multiarticulares
De forma geral, as relações força-velocidade pa-
ramétricas registradas em movimentos multiarticu-
lares preservam as principais características das cur-
vas musculares força-velocidade: as relações são
negativas (quanto maior a força, menor a velocidade
— o que mais pode ser esperado?) e, em muitos ca-
sos, as curvas são côncavas para cima. No entanto,
os detalhes dependem de como a força e a velocida-
de foram registradas (máxima, média, em determina-
da posição articular, etc.).
Em movimentos multiarticulares, a força, assim
como a velocidade efetora final, depende da postura
corporal mesmo quando os momentos articulares e as
velocidades angulares articulares não se alteram. Quan-
do a magnitude do vetor de torque articular T é cons-
Figura 23.52 Relação força-velocidade na extensão tante (T = 1), os possíveis vetores de força no ponto
isocinética do joelho (reimpressa de Perrine e Edgerton, 1978). final da cadeia satisfazem a equação 14: FTJJTF = 1,
492 PAAVO V. KOMI
que representa a equação de uma elipse. As velocida- ques articulares na força final aumenta. Portanto,
des angulares articulares estão relacionadas à ve- mesmo quando as magnitudes dos vetores dos tor-
(para
locidade final V pela matriz Jacobiana J, V = J ques articulares, assim como das velocidades articu-
explicação detalhada, ver Zatsiorsky, 1998). Quando lares angulares, são constantes, a força e a velocidade
o modelo Jacobiano é invertido (o modelo Jacobiano finais alteram durante extensão de joelho em dire-
representa uma classificação total e a cadeia não está ções opostas. A curva força-velocidade, se fosse deter-
em uma configuração singular), o vetor da velocida- minada pela mensuração contínua dos valores de for-
de angular articular pode ser encontrado a partir do ça e velocidade em diferentes posições do joelho, seria
vetor da velocidade final como = J–1V. O requeri- hiperbólica. Essa conclusão acompanha a considera-
mento para a magnitude do vetor da velocidade an- ção a seguir. Embora a força F e a velocidade V ao
gular ser constante ( = 1) pode ser escrito como o longo da extensão do joelho se alterem, seu produto
produto dos vetores: T = 1. A substituição fornece: FV = potência permanece constante. Por conseguinte,
a relação F-V descreve uma hipérbole. No entanto, a
VT(J–1)T(J–1)V = 1 (15) curva somente caracteriza a alteração na cadeia Jaco-
biana, que certamente não é uma curva de Hill.
A equação representa a elipse da velocidade final para Nos movimentos multiarticulares, as articulações
determinada magnitude do vetor das velocidades an- e os músculos envolvidos não agem da mesma ma-
gulares articulares. As elipses de força e velocidade neira ao mesmo tempo. Isso se desvia nitidamente
para duas posições do joelho estão ilustradas na Fi- dos experimentos clássicos relacionados às relações
gura 23.53. Quando o joelho aproxima-se da exten- força-velocidade. Portanto, as curvas força-velocida-
são completa, a transferência das velocidades angu- de registradas em movimentos multiarticulares não
lares articulares na velocidade de extensão do joelho confirmam a forma clássica da curva de Hill (Hardyk,
diminui (para melhor discussão sobre esse assunto, 2000). Em particular, as relações lineares entre força
ver Ingen Schenau, 1989), e a transferência dos tor- e velocidade são repetidamente registradas (Sargeant
Figura 23.53 Elipses de força e velocidade em duas posições da perna durante um apoio do pé. Por um pressuposto, o vetor de
velocidade articular e o vetor de torque articular são de magnitude constante em todo o movimento. O ponto final da cadeia está na
articulação do quadril, Q. A velocidade e a força finais dependem somente da posição da perna (cadeia Jacobiana), quando a
magnitude dos vetores T e é constante. As elipses de força e velocidade alteram em direções opostas durante o movimento. Na
posição de agachamento (figura da esquerda), a velocidade vertical de Q é grande, mas a força de extensão do joelho é pequena. A
velocidade vertical de Q é pequena, mas uma força grande de extensão do joelho pode ser gerada quando a perna está próxima à
extensão completa. As elipses não estão escaladas.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 493
et al., 1981; Driss et al., 1998; Rahmani et al., 2001). cia lançada” são freqüentemente investigadas (a dis-
A relação força-velocidade ainda permanece negati- tância de lançamento é uma função do quadrado da
va: quanto maior a velocidade, menor a força. velocidade de liberação). Essas relações representam
aproximadamente a curva força-velocidade.
Os efeitos do treinamento de força são específi-
Algumas questões práticas
cos à velocidade (Rutherford e Jones, 1986; Behm e
As relações força-velocidade paramétricas têm Sale, 1993b; Almasbakk e Hoff, 1996; Hortobágyi et
várias aplicações na prática esportiva. Pelo fato de ser al., 1996). O treinamento em determinada amplitude
difícil estudar, a relação força-velocidade, em vez dessa de força e velocidade melhora o desempenho, prin-
relação, as relações “sobrecarga-altura de salto” ou cipalmente na amplitude limite da curva em que foi
“massa de um implemento-raiz quadrada da distân- treinada (Fig. 23.54). No treinamento, os atletas po-
Figura 23.54 Resultados do desempenho no arremesso de peso em pé, antes e após 7 semanas de treinamento com diferentes
cargas de arremesso; cargas de arremesso de 4 a 10 kg foram utilizadas nos testes. Os sujeitos estavam entre os melhores atletas
do país. (a) Arremessos padronizados; foram utilizados somente cargas de arremesso de 7,257 kg (n = 4). (b) Cargas de arremesso
pesadas (8 a 10 kg); uma rotina de arremesso consistindo de cargas de arremesso pesadas (70% de todos os arremessos) e cargas
de arremesso padronizadas (7,257 kg, 30%). (c) Cargas de arremesso leves (4,5 a 6 kg); os arremessos de cargas leves
constituíram 70% de todos os esforços (n = 3). No arremesso de peso, a distância de arremesso D é representada em função da
velocidade (v), ângulo (α) e altura (h) de liberação do peso:
v2 ⎛ 2 gh ⎞
D= cos α ⎜ sen α + s e n2 α + 2 ⎟⎟
g ⎜
⎝ v ⎠
onde g representa a aceleração em função da gravidade. Como a distância é a função quadrática da velocidade de liberação, a raiz
quadrada da distância disposta ao longo do eixo da ordenada representa (aproximadamente) a velocidade de liberação. Ainda que tal
aproximação possa não ser precisa o suficiente para uma pesquisa científica, os praticantes esportivos usaram-na devido à
simplicidade (reimpressa de Zatsiorsky, 1995; dados de Zatsiorsky e Karasiov, 1978).
494 PAAVO V. KOMI
dem estabelecer objetivos tanto em amplitudes de An, K.N., Chao, E.Y., Cooney, W.P. & Linscheid, R.L. (1979)
“alta força-baixa velocidade” como de “baixa força- Normative model of human hand for biomechanical
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velocidade de encurtamento têm cerca de um terço and wrist joints and the extrinsic finger flexor tendons.
de seus valores máximos (ver Capítulo 9). Ao mani- Journal of Biomechanics 11, 119-128.
pular tais parâmetros, como o raio da engrenagem Arnold, A.S. & Delp, S.L. (2001) Rotational moment arms
dentada de uma bicicleta ou a área da pá de um remo, of the medial hamstrings and adductors vary with fe-
é possível, pelo menos em princípio, ajustar a sobre- moral geometry and limb position: implications for the
carga e a velocidade às propriedades musculares. No treatment of internally rotated gait. Journal of Biomecha-
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entanto, para movimentos que envolvem várias arti-
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culações, por exemplo, pedalar na bicicleta, essa ta- rov, A.I. (1987) Biomechanical method used for determi-
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Capítulo 24
Sobrecargas de vibração:
potencial para a produção de
força e potência
JOACHIM MESTER, PETER SPITZENPFEIL E ZENGYUAN YUE
Resposta à sobrecarga de
vibração
Figura 24.1 Categorias de vibração (de Griffin, 1994, com Resposta biomecânica
permissão da Academic Press Ltd).
A resposta biomecânica à sobrecarga vibratória é
difícil devido ao corpo, evidentemente, consistir de
massa rígida e oscilante.
São várias as possibilidades para mensurar a vi- Abordagens teóricas a partir de diversos mode-
bração. Para movimentos de grande amplitude e bai- los de molas-amortecedores-massa têm sido desen-
xa freqüência, o deslocamento simples entre dois pi- volvidas para estimular a vibração de todo o corpo
cos bidirecionais é usado. A magnitude é normal- (Roberts et al., 1966; Anon, 1971; Anon, 1978; von
mente indicada por meio da velocidade ou, mais co- Gierke, 1971; Sandover, 1971; King, 1975; Cole, 1978;
mumente, pela aceleração que pode ser expressa em AGARD, 1979; Ghista, 1982), bem como na corrida
termos de aceleração pico a pico. Como em muitas e nos saltos (Ferris e Farley, 1977; Ito et al., 1983;
situações esportivas envolvendo sobrecarga de vibra- Alexander, 1988; Cavagna et al., 1988; Thompson e
ção, um movimento complexo deve ser admitido em Raibert, 1989; McMahin e Cheng, 1990; Kim et al.,
picos não-representativos. Nesse caso, o valor da raiz 1994; Nigg e Anton, 1994; Farley e Gonzalez, 1996;
quadrada da média (r.m.s.*) representa uma medida Nigg e Liu, 1999; Liu e Nigg, 2000). Esses modelos
de aplicação importante em engenharia (Grif- ajudam a compreender o processo de propagação da
fin, 1994). A aceleração da raiz quadrada média (ms–2 vibração ou da onda de choque pelo impacto ao cor-
r.m.s.) é especialmente adequada para expressar a gra- po. Alguns dos modelos foram desenvolvidos para
vidade da exposição humana à vibração. ajustar certos valores.
Os efeitos das massas oscilantes na vibração cor-
poral total em termos de modelo de análise e raciocí-
nio físico terá uma atenção especial neste capítulo.
*N. de R.T. Da expressão inglesa “root mean square”. Contribuindo, assim, de uma perspectiva principal-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 505
mente teórica, para a compreensão da vibração e da Tabela 24.1 Os parâmetros (massas, constantes de molas e coefi-
cientes de amortecimento) do sistema (de Liu e Nigg, 2000, com
transmissão, através do corpo, das ondas de choque permissão de Elsevier Science)
que afetam o músculo esquelético e induzem o estí-
mulo para a adaptação (Yue et al., 2001). M1 (kg) 6,15
Uma versão um pouco variada do modelo de Liu M2 (kg) 6
e Nigg (2000) (Fig. 24.2 e Tab. 24.1) é empregada como M3 (kg) 12,58
M4 (kg) 50,34
ponto inicial, pois esse modelo inclui massas osci-
lantes e tem sido desenvolvido para estudar os efei- k1 (kN·m–1) 6
tos das massas oscilantes na corrida. É importante k2 (kN·m–1) 6
k3 (kN·m–1) 10
salientar, também, que o modelo não foi desenvolvi- k4 (kN·m–1) 10
do para se ajustar aos dados existentes. Na realidade, k5 (kN·m–1) 18
as constantes de salto e os coeficientes de amorteci- c1 (kg·s–1) 300
mento foram determinados de acordo com a consi- c2 (kg·s–1) 650
deração de algumas propriedades musculotendíneas c (kg·s–1) 1.900
(Liu e Nigg, 2000). Nosso modelo serve para estudar
os efeitos das massas oscilantes nas vibrações corpo- originalmente desenvolvido para estimular o impac-
rais em que o sujeito permanece em pé sobre uma to na corrida quando um pé toca o solo.
plataforma vibratória com um pé, pois o modelo foi A única modificação do modelo original é que a
parte sob M1 no modelo original para a simulação de
reação do solo durante a corrida é substituída pela pla-
taforma vibratória. A coordenada vertical da posição
de equilíbrio do centro de massa de Mj foi significativa
quando o sistema ficou em repouso por Zj0. Já a coor-
denada vertical do centro de massa de Mj, quando o
sistema está vibrando, foi representada por Zj (t) (j =
1,2,3,4). Então, os desvios dos centros de massa de Mj
(j = 1,2,3,4) das suas posições de equilíbrio
(
M1ζ1 = F − k2 (ζ 1 − ζ 2 ) − c 2 ζ1 − ζ2 − )
(
M1ζ1 = k1 (ζ 1 − ζ 3 ) − c1 ζ1 − ζ3 ) (2)
(
M2ζ2 = −k2 (ζ 2 − ζ 1 ) − c 2 ζ2 − ζ1 − )
(3)
k3 (ζ 2 − ζ 3 )
Resposta neurofisiológica à
sobrecarga de vibração
Vários estudos fisiológicos demonstram que a
resposta humana à sobrecarga de vibração depende
principalmente de três fatores: amplitude, freqüên- subsistema biológico humano que responde à vibra-
cia e rigidez muscular ou articular (Hagbarth e ção.
Eklund, 1966; Martin e Park, 1997). A variação de Então, é provável que, sob vibração, o sistema Ia
amplitude e freqüência determina a intensidade da seja o responsável pelo reflexo de alongamento. Isso
sobrecarga. Já a interação reflexa associada com pa- foi investigado no contexto da excepcional sensibili-
râmetros de tensão e rigidez muscular pode ser con- dade dos terminais aferentes primários dos fusos à
siderada como a resposta neuromuscular aos estí- vibração do tendão, onde ocorrem curtas alterações
mulos de vibração. de alongamento. Há muito tempo, Matthews
Os efeitos da vibração, conhecidos de vários es- (1966a,b; 1967) demonstrou que o estímulo vibrató-
tudos, são múltiplos. Alguns são realmente conside- rio que desloca o músculo sóleo em cerca de 10 μm
ráveis e variam de gravemente destrutivos a potenci- ativa seletivamente a fibra Ia. A alta sensibilidade das
almente benéficos (Fritton et al., 1997). Caso a pessoa fibras Ia pode ativar todas as fibras desse tipo caso a
seja cronicamente exposta por período prolongado amplitude e a freqüência da vibração sejam grandes
de tempo à vibração, efeitos como alterações cogni- o suficiente. A resposta do fuso pode até ser reforça-
tivas, vertigem, distúrbios de movimento, dores lom- da e, então, saturada na freqüência de vibração, o que
bares com ou sem alteração degenerativa na coluna torna o fuso não-responsivo ao estiramento muscu-
lombar, distúrbio visual, epilepsia, doenças cerebro- lar normal (Carew et al., 1983). Os terminais aferen-
vasculares, alterações hemodinâmicas além de alte- tes primários fornecem contribuição excitatória equi-
rações na expressão do RNAm nos osteoblastos têm librada ao reflexo de estiramento. É muito importante
sido observados (von Gierke e Parker, 1994; Bovenzi notar que essa atividade Ia não é, ou é somente mui-
e Griffin, 1997; Fritz, 1997; Tjandrawinata et al., 1997; to pouco, submetida à chamada fadiga central, a qual
Pope et al., 1998; Martinho Pimenta e Castelo Bran- promove conseqüências interessantes na ativação e
co, 1999a; Martinho Pimenta e Castelo Branco, no treinamento dos músculos envolvidos.
1999b). Além disso, até efeitos genotóxicos em ter- Os experimentos realizados na metade da déca-
mos de alterações das cromátides-irmãs* nos linfóci- da de 1960 demonstraram que o chamado “reflexo
tos foram demonstrados (Silva et al., 1999). A área de tônico de vibração” (RTV), no músculo é completa-
ressonância do corpo humano representa muitas das do pelo relaxamento sincrônico do antagonista quan-
causas desses efeitos perigosos (Fig. 24.8). do o respectivo tendão é estimulado (Hagbarth e
Em suma, admite-se que quase todo sistema e Eklund, 1966). O RTV também é principalmente in-
subsistema biológico seja afetado pelo input vibra- duzido pela ativação das fibras Ia do fuso muscular.
cional, em especial, quando submetido cronicamen- Os resultados demonstram que os receptores de pele,
te por período prolongado de tempo, como em de- assim como as fibras aferentes tipo II, também po-
terminadas condições de trabalho. Como esses efei- dem contribuir para o RTV (Romaiguère et al., 1991;
tos se devem ao input mecânico que, associado com a Park e Martin, 1993).
reação biológica, cria essas conseqüências, também É importante notar que o RTV pode ser ativamente
devem ser considerados no esporte. No entanto, não influenciado por centros corticais superiores do con-
existem dados empíricos para respaldar ou refutar essa trole motor com o emprego das vibrações como mé-
hipótese. Há muito poucos estudos em ciências do todo de treinamento de força e potência. Ainda não
esporte considerando a reação biológica à sobrecar- foi completamente investigado se as vias mono ou po-
ga vibracional, principalmente em comparação com lissinápticas servem preponderantemente para a trans-
as descobertas em ciências do trabalho. Em esporte, missão do sinal durante a vibração. Da mesma manei-
a reação muscular e — talvez — a adaptação tenham ra, não foi experimentalmente provado que o RTV
um papel importante. Além disso, a musculatura, com ocorre em conexão com a vibração corporal total.
seus vários mecanismos de reflexo, representa o maior Como já demonstrado, a evidência física para o envol-
vimento do músculo como massa de oscilação é con-
sistente. Então, pode-se assumir a ocorrência de uma
estimulação mecânica “fase-bloqueada” ou “fase-re-
*N.de R.T. Relativo às duas cromátides de um cromossomo tardada” não somente dos fusos musculares, mas tam-
mantidas juntas por um centrômero. bém dos órgãos tendinosos de Golgi.
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 509
É bem conhecido que a vibração aplicada ao No entanto, grande parte da freqüência de estí-
músculo ou tendão provoca contrações reflexas que mulo está abaixo da freqüência associada à tetania
induzem o aumento da atividade muscular, de modo fundida, e a resposta do RTV é aumentada somente
que determinado nível inicial de contração antes e até determinado limite com a freqüência de estímu-
durante a vibração esteja disponível. Esse aumento lo. Em menores freqüências, por meio da primeira
na atividade muscular, mensurado nos registros EMG, sincronização harmônica, a magnitude do RTV au-
não induz necessariamente aumento na força, como menta com a freqüência de vibração. Romaiguère e
Park e Martin (1993) demonstraram, caso o nível de colaboradores (1991) foram os primeiros a demons-
contração inicial seja estabelecido, por exemplo, 10 trar que os elementos polissinápticos do RTV po-
ou 20% da contração voluntária máxima. Essas des- dem ser “fase-bloqueados” ao ciclo de vibração. Isso
cobertas não são inconsistentes, pois a maior ativi- sugere que o aumento no RTV em estímulo de fre-
dade muscular ao RTV não se associa necessaria- qüência ≤ 100 Hz deve-se ao aumento na despolari-
mente ao controle da força muscular pelos centros zação do motoneurônio e ao recrutamento das uni-
supra-espinais. dades motoras com maiores limiares. Embora Martin
510 PAAVO V. KOMI
e Park (1997) tenham demonstrado que a força mus- didade a fim de investigar seus efeitos. Eles determi-
cular média não necessariamente auxilia o RTV em naram uma redução na altura do salto, o aumento do
determinado período de tempo, o aumento depen- tempo de contato e sinais de menor ativação EMG
dente de ciclo da força muscular através do recruta- que, evidentemente, não podem ser interpretados
mento reflexo pode muito bem ocorrer. Logo, é ra- como efeitos positivos para a força e a potência. Tam-
zoável que a fadiga muscular surja em níveis elevados bém, deve-se considerar, para a interpretação dos re-
de vibração. Pode-se admitir que esse efeito também sultados, que o estiramento muscular representou o
seja disparado pelo reduzido conjunto de unidades mo- principal tópico do estudo e que os respectivos mús-
toras disponíveis adicionais devido à vibração em ge- culos estavam relaxados.
ral demandar mais unidades motoras para determina- Comparado a várias outras publicações, em que
da força muscular. Dessas descobertas, deduz-se que se estabeleceu a pré-inervação dos músculos, foram
a ativação Ia induzida pela fibra muscular e o RTV determinados consideráveis aumentos na força e na
induzido pelo tendão devem ser considerados. potência. Issurin e colaboradores (Issurin et al., 1989;
Issurin et al., 1994; Issurin e Tenenbaum, 1999) em-
pregaram o termo “treinamento de estimulação vi-
Produção de força e potência bratória” e estudaram os efeitos do treinamento de
força/potência e flexibilidade usando um “equipamen-
As descobertas referentes à produção de força e to de vibração” (Issurin et al., 1994) (Fig. 24.9), com
potência associada ao treinamento vibratório corpo- freqüência de vibração de 44 Hz e amplitude de 3
ral ou segmentado não são recentes. Resultados já mm em um período de treinamento de três semanas
discutiram esses métodos, principalmente na litera- (grupo experimental). O grupo-controle realizou trei-
tura russa. Os resultados de publicações ocidentais namento de força e flexibilidade convencional. O gru-
modernas foram apresentados por Nazarov e Spivak po experimental demonstrou aumento de 49,8% na
(1985). Eles discutiam a “estimulação neuromuscu- força máxima, enquanto o grupo-controle apresen-
lar rítmica” ou a “estimulação muscular biomecâni- tou aumento de 16,1% no treinamento de força tra-
ca” para melhorar a força e a flexibilidade, admitindo dicional sem vibração (Fig. 24.10). Os resultados em
que sobrecargas vibratórias excêntricas repetitivas flexibilidade foram similares (aumento de 8,7% e
com pequenas amplitudes seriam eficazes devido à 2,4% nos grupos experimental e controle, respecti-
melhor sincronização das unidades motoras. Kün- vamente).
nemeyer e Schmidtbleicher (1997) tentaram mensu- Os autores associaram o considerável aumento
rar essa abordagem pela estimulação vibratória dos da força com um maior recrutamento das unidades
extensores do joelho alongados, utilizando o tempo motoras, referido nos estudos sobre RTV na litera-
de contato e a altura dos saltos em saltos em profun- tura. Em um estudo recente, Issurin e colaboradores
foram mensuradas em todos os testes. Os testes fo- 25,2 ± 4,7 anos, altura de 179 ± 8 cm e peso de
ram realizados em cada dia do período de vibração; a 73,9 ± 9,9 kg serviram como voluntários para a in-
creatina cinase e a uréia foram determinadas em to- vestigação do comportamento e da adaptação asso-
dos os dias de treinamento. ciada com diferentes freqüências de vibração. Todos
Os resultados (ver Fig. 24.14) demonstram au- os sujeitos executaram oito sessões de treinamento
mento considerável da creatina cinase no início do consistindo de agachamento com sobrecarga corres-
experimento em cada período de vibração, indicando pondente a < 40% de 1-RM. Ao contrário do con-
alta tensão comparada ao período sem vibração. De trole, o grupo experimental foi submetido à sobre-
acordo com isso, o desempenho em força no leg press carga de vibração.
estático primeiramente teve redução na fase inicial Os resultados relacionados ao controle motor
do estudo, mas aumentou, ao final, cerca de 43%. A demonstraram que o amortecimento foi significati-
análise descritiva dos saltos também demonstra au- vamente melhor (p < 0,05) em freqüências maiores
mento na altura dos saltos com agachamento de 38,9 (20 e 24 Hz) do que em baixas freqüências (5, 9, 12 e
cm no início para um valor máximo de 47,8 cm após 16 Hz) (Fig. 24.15), o que pode ser obviamente atri-
14 dias de treinamento. Esses resultados correspon- buído ao aumento da atividade muscular (Fig. 24.16).
dem muito bem às descobertas registrados na litera- O aumento da atividade muscular em maiores fre-
tura (citados acima), em que pode ser observado o qüências está também relacionado ao decréscimo da
efeito significativo do treinamento de força vibracio- coordenação intermuscular.
nal e potência. No entanto, o elevado desvio padrão, mesmo na
Como também discutido anteriormente, alguns maior atividade muscular, indica — além dos aspec-
resultados sugerem que o estímulo vibracional pro- tos metodológicos bem conhecidos da EMG — a res-
duz relaxamento muscular e decréscimo dos parâ- posta individual à sobrecarga de vibração.
metros de força e potência mais do que melhoria Os resultados na adaptação de força não demons-
(Mester, 1999). Com o objetivo de estudar os possí- traram aumento significativo no grupo-controle, nem
veis efeitos desse tipo de tratamento, um grupo de 20 mesmo no experimental, o que pode ser atribuído
sujeitos (14 homens e 6 mulheres) com idade de principalmente à baixa sobrecarga adicional.
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Capítulo 25
Treinamento para o
levantamento de pesos
JOHN GARHAMMER E BOB TAKANO
Figura 25.1 O levantamento arranque. (a) Posição inicial; (b) final da primeira puxada; (c) início da segunda puxada (posição de
potência) após a transição da primeira puxada (observe o “arqueamento” dos joelhos); (d) final da segunda puxada (fase de
impulso); (e) posição “catch”; (f) final do levantamento (cortesia de B. Klemens Photos).
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 519
Figura 25.2 O levantamento arremesso — desenvolvido. (a) Início (“lift-off”); (b) metade da primeira puxada; (c) próximo ao
início da segunda puxada; (d) final da segunda puxada (fase de impulso); (e) posição “catch”; (f) postura em pé a partir da posição
“catch” (movimento de agachamento frontal) (continua na página seguinte).
520 PAAVO V. KOMI
1990). Como a discussão a seguir enfatiza, o princí- estratégia por período prolongado de tempo (dias a
pio da variabilidade induz a algum delineamento do semanas). A razão para tanto resume-se no termo “so-
programa de treinamento que parece violar os prin- bretreinamento”. O sobretreinamento pode envolver
cípios de sobrecarga e especificidade. Antes de uma fatores psicológicos, como a perda de motivação, e/
apresentação mais detalhada dos métodos de treina- ou fisiológicos, relacionados à fadiga muscular ou le-
mento para o levantamento de peso, deve-se obser- são, assim como alterações neurais e hormonais
var que os detalhes do desenvolvimento do progra- (Nilsson, 1986; Kuipers e Keizer, 1988; Stone et al.,
ma de treinamento e satisfação podem variar 1990). Sale (1988) e Enoka (1988) discutem a impor-
consideravelmente de acordo com: (I) o nível de ha- tância das adaptações neurais para o incremento da
bilidade, os anos de treinamento e a experiência com- força, particularmente nos estágios iniciais de um pro-
petitiva de determinado atleta; (II) a disponibilidade grama de treinamento de força.
do atleta para treinar em período integral devido a Kraemer (1988, 2000) revisou as respostas endó-
responsabilidades profissionais e educacionais; (III) crinas ao treinamento de força e apontou para resul-
filosofia do treinador na supervisão do treinamento. tados de pesquisa conflitantes, provavelmente devi-
Muitos atletas norte-americanos de nível nacional não do a variáveis como volume de exercício (número total
podem treinar como profissionais e devem ajustar o de levantamentos realizados) e intensidade (peso
programa de treinamento às demais responsabilida- médio levantado de acordo com o máximo possível),
des. Exemplos de tais programas têm sido publica- intervalo de repouso e estado de treinamento dos
dos (Jones, 1993; Drechsler, 1998). O restante deste sujeitos. Como discutido a seguir, Häkkinen e cola-
capítulo relacionará primariamente os levantadores boradores realizaram considerável pesquisa referen-
de peso de elite que treinam há mais de três anos e te às respostas neurais e hormonais de levantadores
competem em nível nacional e internacional. Desde de peso de elite em programas típicos de treinamen-
a publicação inicial deste capítulo em 1992, conside- to. Em estudos de 1 a 2 anos de duração, Häkkinen e
rável informação adicional referente ao treinamento colaboradores (1987, 1988a) observaram que o in-
de atletas de levantamento de peso de elite, incluin- cremento do desempenho foi correlacionado com o
do atletas femininas, tem sido publicada na forma de aumento na força isométrica dos extensores do joe-
livros, artigos e entrevistas. De interesse particular são lho e na atividade eletromiográfica integrada (IEMG)
os artigos contidos nos anais do simpósio de levan- (nível de ativação neural), níveis séricos de testoste-
tamento de pesos realizado na Grécia em 1993 e 1997, rona e rácio dos hormônios anabólicos/catabólicos
e publicados pela International Weightlifting Fede- (A/C) (resposta endócrina). Os estudos de curta du-
ration (IWF). Alguns artigos desse simpósio serão ração (Häkkinen et al., 1988b, 1988c) demonstraram
referidos neste capítulo. que as respostas eram sensíveis às sessões agudas de
treinamento intenso, com declínio da atividade IEMG
e da força isométrica dos extensores do joelho. Hou-
ve aumento da concentração de testosterona na se-
Variabilidade como chave do gunda sessão de treinamento em um dia, mas de-
princípio de treinamento créscimo gradual após vários dias de treinamento
intenso. Um único dia de repouso foi suficiente para
Se a especificidade e a sobrecarga fossem domi- reverter essa tendência. Os resultados de tais pesqui-
nantes e/ou constituíssem princípios exclusivos do sas indicam a importância das adaptações neurais,
treinamento, o delineamento do programa de treina- mesmo em atletas experientes em força e potência, e
mento de um levantador de peso seria muito sim- que a fadiga neural (menor nível de atividade IEMG)
ples: (I) realizar levantamentos competitivos em bai- ocorre com o exercício intenso. Além disso, as res-
xas repetições com sobrecarga máxima; (II) adicionar postas endócrinas deveriam ser monitorizadas em
alguma “assistência” aos exercícios para enfatizar e atletas de elite de força e potência em períodos im-
melhorar as qualidades físicas associadas à adequada portantes de treinamento para ajustar a intensidade
execução dos levantamentos competitivos, tais como de treinamento a níveis ótimos, ou seja, sem causar
velocidade, força e flexibilidade. No entanto, a expe- decréscimo nos níveis séricos de testosterona e no
riência prática demonstra que é impossível seguir tal rácio A/C, que provavelmente se relaciona ao menor
522 PAAVO V. KOMI
nível de adaptabilidade e à possibilidade de sobre- menor intensidade (70 a 85%), enquanto o que ne-
treinamento. Um artigo adicional sugere que essas cessita melhorar a força deveria enfatizar maior in-
conclusões são aplicáveis para atletas masculinos e tensidade ( > 85%). Para determinado peso, as mes-
femininos (Häkkinen et al., 1990). Então, a variabili- mas tendências dos parâmetros recém-mencionados
dade em programas de treinamento bem delineados têm sido notadas nas últimas repetições em uma se-
para levantadores de peso pode reduzir a possibilida- qüência de múltiplas repetições (série) (Häkkinen,
de de sobretreinamento enquanto mantém um pro- 1988). Numerosos registros publicados comparam as
gresso razoável, se não ótimo, do atleta. Isso é possí- propriedades biomecânicas de vários exercícios de as-
vel por meio de oscilações periódicas na sobrecarga, o sistência aos levantamentos de competição; por exem-
que significa sobrecarga planejada ou sessões e sema- plo, exercícios relacionados ao arranque (Häkkinen,
nas de treinamento “sem sobrecarga”, assim como dias 1988; Häkkinen e Kauhanen, 1986; Frolov et al.,
de repouso estrategicamente adotados. 1977); exercícios relacionados à primeira fase do ar-
remesso desenvolvido (fase “clean”) (Häkkinen e
Kauhanen, 1986; Medvedjev et al., 1981); exercícios
Variabilidade versus relacionados ao arremesso desenvolvido (Medvedjev
especificidade biomecânica et al., 1982). Os exercícios de assistência mais co-
muns relacionados ao arranque são: (I) arranque po-
Inúmeros exercícios de levantamento, além dos tente — muito similar ao arranque competitivo, mas
levantamentos competitivos, são regularmente em- com ligeira flexão de joelho e quadril, ao contrario
pregados no programa de treinamento de levantado- da profunda posição de agachamento, durante a ma-
res de peso (para ampla discussão, ver Vorobyev, nutenção da barra sobre a cabeça; (II) arranque pu-
1978). Isso permite não apenas enfatizar o desenvol- xado — similar ao arranque competitivo, mas a barra
vimento de várias qualidades físicas necessárias para é apenas empurrada à altura da área abdome-tórax e
executar os levantamentos de competição de manei- nenhuma tentativa é feita para manter o peso acima
ra ótima, como força, velocidade e flexibilidade, mas da cabeça; (III) arranque ou arranque puxado com a
também uma variação biomecânica que pode auxili- barra suspensa — a posição inicial da barra não é no
ar a evitar sintomas de sobretreinamento pela mo- solo, mas logo acima dos joelhos; (IV) arranque ou
notonia do padrão de movimento. O treinador, por arranque puxado a partir de blocos — a barra é ini-
sua vez, precisa estar ciente de que as propriedades cialmente posicionada acima do solo e em blocos,
de movimento de determinado exercício de “assis- geralmente na altura do joelho. É difícil tecer consi-
tência” diferem daquelas dos levantamentos de com- derações gerais a respeito dos resultados de compa-
petição. Ou seja, como o padrão de força aplicado, a rações biomecânicas entre esses exercícios de assis-
velocidade de movimento e o perfil de trajetória da tência e os levantamentos de competição devido à
barra, a amplitude de movimento das articulações cor- dependência de parâmetros mensurados sobre o peso
porais envolvidas e a potência mecânica do exercício da barra em determinado exercício. Alguns casos es-
relacionam-se às qualidades físicas necessárias de- pecíficos podem ser considerados. A sobrecarga má-
senvolvidas pelo exercício? Além disso, como esses xima no arranque potente para determinado atleta
fatores alteram-se quando o peso da barra muda? representa cerca de 80% da máxima alcançada no
Em artigo de revisão, Garhammer (1989) aponta que arranque durante a competição. Com essa sobrecar-
vários cientistas do esporte publicaram dados indi- ga, a barra será empurrada mais alto, alcançará maior
cando que o aumento do peso da barra provoca um velocidade vertical máxima, resultará maior força de
decréscimo da altura em que a barra é levantada, da propulsão vertical aplicada, demonstrará pouca dife-
velocidade máxima vertical da barra, bem como da rença na atividade IEMG dos músculos extensores
força vertical de pico aplicada e/ou da produção de do joelho, incluirá maior velocidade angular pico dos
potência (Häkkinen et al., 1984; Garhammer, 1985; joelhos, assim como maior amplitude de movimento
Garhammer e Gregor, 1979; Garhammer e Gregor, nos joelhos. O resultado é a obtenção de maior po-
1992). Então, o atleta que precisa ser mais rápido tência mecânica do que no arranque em competição.
deveria enfatizar a realização de levantamentos de O arranque potente é, portanto, um exercício de as-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 523
sistência útil para o atleta que necessita melhorar a tantes relacionadas ao sucesso no arremesso desen-
velocidade de movimento e a potência (velocidade volvido. O arremesso e o arremesso atrás do pescoço
por força). foram determinados como os mais eficazes para a téc-
Por sua vez, o arranque puxado com a barra no nica perfeita do arremesso desenvolvido. Já o meio
solo pode ser realizado com sobrecarga de 5 a 10% arremesso e os saltos em profundidade constituíram-
acima da máxima correspondente a um arranque de se nos mais eficientes para o desenvolvimento da força
competição. Sendo a sobrecarga igual ou maior que potente. Foi também recomendado que não mais do
a máxima, a barra será empurrada em uma altura que 5 a 7 arremessos sejam realizados por sessão de
menor, alcançando menor velocidade máxima verti- treinamento com 90% ou mais do arremesso máxi-
cal, que resultará em menor força de propulsão ver- mo (quanto maior a classificação do levantador, me-
tical pico aplicada, provocará atividade IEMG pouco nor o número de arremessos vigorosos).
diferente dos músculos extensores do joelho, além
de menor potência mecânica do que o arranque com-
petitivo. O arranque puxado serve, portanto, para o Conceitos gerais no plano do
atleta que necessita melhorar a força no padrão de treinamento para levantadores de
movimento do arranque. As características biomecâ- peso
nicas dos exercícios de assistência do arranque sus-
penso ou a partir de blocos dependem da posição A discussão anterior apresentou uma informa-
inicial exata da barra, tal como acima ou abaixo do ção útil para o treinador de levantamento de pesos
nível do joelho, assim como da sobrecarga. Em geral, diante de decisões específicas referentes ao conteú-
se a posição inicial é acima do nível do joelho, o exer- do do plano de treinamento. Alguns conceitos gerais
cício enfatiza a força potente na fase final do arran- em teoria do treinamento precisam ser explicados
que puxado (acima ou no topo da puxada). Se a posi- antes da apresentação de exemplos detalhados dos
ção inicial é mais próxima do solo, as características programas atuais de treinamento para levantadores
biomecânicas são mais similares ao arranque puxa- de peso.
do do chão. Essencialmente, considerações idênticas Matveyev (1972) apresentou as idéias básicas do
àquelas do exercício de assistência do arranque po- programa de treinamento periodizado. O programa é
dem ser feitas em relação aos exercícios de assistên- periodizado ao ser dividido em fases, sendo que cada
cia que enfatizam a fase “clean”, ou seja, o “clean” po- uma possui objetivos primários e secundários. Em
tente, o “clean” puxado e o “clean” ou o “clean” puxado seu modelo original, Matveyev sugeriu que a fase ini-
suspenso ou a partir de caixas/blocos. cial de um programa de força-potência (fase de pre-
Os exercícios primários de assistência para me- paração) deveria conter alto volume (muitas repeti-
lhorar o arremesso desenvolvido são: (I) arremesso ções) e baixa intensidade (baixa sobrecarga média
— barra retirada do suporte em posição mais eleva- levantada de acordo com o máximo possível em cada
da; (II) arremesso atrás do pescoço (retirado do su- movimento). O volume diminui e a intensidade au-
porte); (III) puxada ou arremesso potente — o halter menta de acordo com a progressão do treinamento.
é impulsionado como no arremesso desenvolvido em A maior intensidade e o menor volume resultantes
competição, mas seguro acima da cabeça com ape- representam características da fase competitiva de
nas uma pequena flexão do joelho e do quadril; (IV) treinamento, que alcança até a competição.
meio arremesso desenvolvido — impulsionado para As típicas fases de alto volume (preparatória) para
cima como na competição, mas apenas até aproxi- os levantadores de peso devem conter mais sessões
madamente a altura da cabeça; então, retorna aos de treinamento por semana (6 a 15), maior número
ombros do atleta. O trabalho de Medvedjev e cola- de exercícios por sessão de treinamento (3 a 6), de
boradores (1982) indica que a geração de força máxi- séries por exercício (4 a 8), assim como de repetições
ma contra o solo, o intervalo de tempo para alcançar por série (4 a 6). As típicas fases de alta intensidade
a força máxima, assim como o intervalo de tempo de (competição) para levantadores de peso contêm pou-
bloqueio ou interrupção da fase descendente inicial cas sessões de treinamento (5 a 12), poucos exercí-
do movimento representam as variáveis mais impor- cios por sessão de treino (1 a 4), séries por exercício
524 PAAVO V. KOMI
(3 a 5), assim como repetições por série (1 a 3). A zes os levantamentos da semana de menor volume.
duração de cada fase pode ser de várias semanas até Cada semana dispõe de seu volume dividido em um
meses. Dois ou mais ciclos completos (preparatório número apropriado de sessões de treinamento, de
+ competição) podem ajustar-se em um ano de trei- modo que nenhuma sessão tenha número de levan-
namento. Stone e colaboradores (1981) propuseram tamentos desproporcionalmente grande ou peque-
e, de maneira bem-sucedida, testaram um modelo pe- no. Hoje é comum a existência de múltiplas sessões
riodizado de treinamento de força e potência com diárias de treinamento entre levantadores de elite. Um
fases seqüenciais que mudam drasticamente; por atleta de levantamento de peso pode treinar 5 a 6
exemplo, a fase para aumentar o tamanho muscular dias por semana, sendo comum 1 a 3 sessões por dia.
(5 séries de 10 repetições no agachamento e exercí- Cada sessão deve ser distribuída de acordo com exer-
cios de puxada), a fase para melhorar a força básica cícios específicos de levantamento com base nas for-
(3 a 5 séries de 5 repetições), a fase para melhorar a ças e fraquezas específicas do atleta. Essa abordagem
força potente (3 a 5 séries de 3 repetições) e a fase de ao desenvolvimento do programa de treinamento
“pico” para a competição (1 a 3 séries de 1 a 3 repeti- fornece extensa variação, que permite estimular o pro-
ções). O uso de 10 repetições por série é maior do gresso enquanto se minimiza as chances de sobre-
que o normalmente recomendado na fase inicial de treinamento. Vorobyev (1978) discute detalhes refe-
preparação, mas tem provado ser bem-sucedido em rentes ao desenvolvimento do plano de treinamento.
inúmeros estudos (Stone et al., 1982). A Figura 25.3 ilustra uma possível divisão de re-
Em geral, o programa de treinamento para o le- petições para os primeiros seis meses (26 semanas)
vantador de peso é planejado em termos de ano de de um programa anual de treinamento de acordo com
treinamento. São feitas modificações enquanto o ano o volume anual de 20.000 repetições. Essas 26 sema-
de treinamento progride, de acordo com as necessi- nas contêm dois macrociclos completos (semanas 1
dades específicas observadas em cada atleta. O plano a 14 e 15 a 26), cada um constituído de uma fase
começa com o julgamento de quantos levantamen- preparatória (mesociclos das semanas 10 e 8) e uma
tos totais (contando todos os principais exercícios) competitiva (a cada quatro semanas de mesociclo).
deveriam ser realizados durante o ano. Como exem- Pode-se observar que, em ambos os macrociclos, a
plo, 20.000 é um número razoável para um atleta de fase preparatória inclui um volume muito maior do
elite. Esse “volume” total anual é, então, igualmente que a fase competitiva seguinte. Além disso, o segun-
dividido em 12 meses de treinamento de quatro se- do macrociclo contém menor número total de repe-
manas cada, sendo que em alguns o volume será mais tições do que o primeiro. As competições ocorrem
do que duplicado. Assim, cada mês de treinamento ao final das semanas 14 e 26. O segundo período de
terá seu volume dividido de forma desigual em qua- seis meses desse treinamento anual segue padrão si-
tro volumes semanais. A semana de maior volume milar, mas com um menor número total de repeti-
em determinado mês pode ter mais do que duas ve- ções (9.500 versus 10.500). Esse tipo de variação de
volume semanal de treinamento (microciclo) é típico comando rigoroso de Abadjiev. Vários países peque-
para atletas de levantamento de peso. A seção seguinte nos que recentemente têm se destacado em levanta-
descreve exemplos de semanas de treinamento nas mento de peso em nível mundial, tais como a Grécia,
fases preparatória e competitiva representativas de a Turquia e o Irã, seguem conceitos de treinamento
duas diferentes filosofias de programa nacional. similares aos do sistema búlgaro.
Os dois programas mencionados diferem filoso-
ficamente na longevidade esperada das carreiras de
Métodos de treinamento seus atletas de elite. Os búlgaros esperam que o atle-
ta amadureça rapidamente, produza ótimos resulta-
Muitos dos programas de treinamento de levan- dos em uma única Olimpíada e, então, com toda a
tadores de peso de nível mundial representam varia- probabilidade, seja substituído antes dos próximos
ções de modelos estabelecidos pelas federações de Jogos. Desse modo, são raros os medalhistas em duas
levantamento de peso da Bulgária e da antiga União Olimpíadas. Os soviéticos, no entanto, esperavam uma
Soviética, dois programas de excelência no esporte carreira mais longa.
por grande parte das três décadas do biatlo. Recente- Ambos os programas foram desenvolvidos para
mente, ambas as nações têm permitido a treinadores, treinar atletas talentosos sem nenhuma limitação sé-
assim como a atletas estrangeiros, participarem de ria na mobilidade articular. A técnica aprendida pelo
seus programas de treinamento, tornando essa infor- atleta no primeiro ano de treinamento não é signifi-
mação disponível aos pesquisadores de esporte. Es- cativamente alterada, exceto quando se considera o
ses dois programas e suas filosofias foram extrema- aumento no peso corporal. A grande bateria de exer-
mente afetados por fatores geopolíticos. cícios empregada no ano inicial de desenvolvimento
A antiga União Soviética beneficiou-se da diver- do treinamento minimizaria qualquer tipo de dese-
sidade de tipos humanos que habitavam seu vasto quilíbrio no desenvolvimento da anatomia musculo-
complexo geopolítico. A distância geográfica entre os esquelética. Os atletas envolvidos nesses programas
centros de treinamento criou problemas que inibi- de treinamento devem ser aptos o suficiente para to-
ram a monitorização precisa do treinamento, além lerar o estresse gerado. O retorno do indivíduo, após
de permitir maior nível de variação das filosofias na- a reabilitação de lesão ou qualquer outra interrup-
cionais estabelecidas. Isso também inibiu a freqüên- ção do treinamento, deveria incluir um programa mais
cia de treinamento coletivo por membros de equipes diversificado e menos intenso antes de ele realizar o
nacionais. Na última década da União Soviética, hou- treinamento como no período anterior à lesão.
ve descontinuidade no desenvolvimento de metodo- O valor k representa um parâmetro derivado para
logia padronizada de treinamento quando a posição monitorizar a intensidade dos programas de treina-
de treinador nacional, condição cuja ênfase era ad- mento. O valor k pode ser definido como a sobrecar-
ministrativa, foi preenchida por quatro diferentes trei- ga média executada por repetição em um ciclo com-
nadores. Com a fragmentação do país em 15 diferen- pleto de treinamento dividido pelos dois levanta-
tes repúblicas, cada uma com diferentes problemas mentos totais realizados ao final da fase competitiva.
econômicos e de fundos, muitos treinadores conti- Os resultados empíricos indicam que a variação óti-
nuaram a formar levantadores de peso pelos méto- ma de sobrecarga média executada por repetição ocor-
dos que correspondiam minuciosamente ao antigo re entre 38 e 42% do total competitivo (Takano, 1990).
programa soviético. A restauração representa uma necessidade de o
O programa búlgaro envolve menor número de atleta treinar nesses tipos de regimes. Hidromassagem,
atletas cuidadosamente selecionados, ocupando uma banho de vapor, sauna ou massagem devem ser em-
área geográfica muito menor do que a da União So- pregados rotativamente várias vezes na semana. Tam-
viética. O período de serviço de cerca de 30 anos do bém há necessidade de suplementos nutricionais.
treinador nacional Ivan Abadjiev possibilitou grande
continuidade com pouca oportunidade para varia- Treinamento búlgaro
ção. O tamanho relativamente pequeno do país per-
mite às equipes nacionais júnior e sênior treinarem A abordagem do treinamento búlgaro é singular
coletivamente durante grande parte do tempo sob o pois não trabalha com porcentagens do máximo ou
526 PAAVO V. KOMI
levantamento máximo esperado, procedimento co- 5 kg abaixo do máximo entre as seis tentativas máxi-
mum no treinamento de levantamento de pesos por mas. O levantamento é finalizado ao limite de 45 mi-
no mínimo quatro décadas. A bateria básica limita- nutos. O atleta, então, pode descansar enquanto es-
se a seis exercícios (arranque, arremesso desenvolvi- cuta música por 30 minutos. A segunda sessão de
do, arranque potente, arremesso desenvolvido poten- complexo envolve a execução do arremesso desen-
te, agachamento frontal e agachamento dorsal). As volvido no mesmo padrão de progressão. Menos tem-
sessões de treinamento são limitadas a períodos de po é necessário devido à exigência de menor tempo
45 minutos. Esse limite de tempo assegura que os para o aquecimento. Os agachamentos frontais com
atletas estão treinando somente durante o período vários levantamentos máximos seguem o arremesso
em que o corpo pode preservar elevada concentra- desenvolvido. O treinamento é encerrado aos 45 mi-
ção sangüínea de testosterona (Abadjiev, 1989). Duas nutos. O mesmo padrão de progressão é empregado
sessões de 45 minutos são combinadas com um pe- para o arranque potente, para o arremesso desenvol-
ríodo de repouso de 30 minutos, nos quais os níveis vido potente, assim como para o agachamento dor-
de testosterona podem ser restaurados. sal nos complexos das manhãs de quarta-feira e de
Para começar uma seqüência de arranque (Tab. sábado (Tab. 25.1).
25.1), os atletas aquecem com arranques simples com Aparentemente, parece que as variações são li-
sobrecarga próxima da máxima esperada para aquele mitadas, mas as seguintes variantes estão disponíveis
dia. Caso o primeiro levantamento seja bem-sucedi- no discernimento do treinador: (I) número de levan-
do, mais sobrecarga é adicionada. Esse procedimen- tamentos máximos por sessão, dia e semana; (II) nú-
to é repetido em seis tentativas. Como alternativa, o mero de complexos por dia. Além disso, o peso má-
atleta pode realizar levantamentos com 15, 10 ou ximo para cada dia varia de acordo com a condição
do atleta. Essas sobrecargas servem como indicado-
res para o planejamento do futuro treinamento por
meio da supervisão do treinador. Esse sistema requer
Tabela 25.1 Preparação semanal búlgara supervisão minuciosa. Conseqüentemente, a relação
Segunda de atletas por treinador deve ser pequena. Três trei-
Manhã nadores dividem-se para uma equipe de 20 atletas
Sessão 1 Arranque – 6 esforços máximos experientes, com o auxílio periódico de treinadores
Repouso de 30 minutos
Sessão 2 Arremesso desenvolvido – 6 esforços máximos pessoais. Esses treinadores devem ser capazes de iden-
Agachamento frontal – 1 a 6 esforços máximos tificar as características de cada fase e realizar ajustes
Tarde apropriados do treinamento.
Repetir seqüência da manhã Na fase competitiva, os mesmos exercícios são
Noite empregados no mesmo dia, da mesma forma que na
Repetir seqüência da manhã
fase preparatória. O número de vezes que os com-
Terça plexos podem ser realizados é reduzido para uma ou
Repetir a programação de segunda
duas vezes por dia na segunda, terça, quinta e sexta-
Quarta
Sessão 1 Arranque potente – 6 esforços máximos feira. O número de vezes em que a sobrecarga é re-
Repouso de 30 minutos duzida e aumentada também pode variar durante as
Sessão 2 Arremesso desenvolvido potente – 6 esforços sessões nessa fase.
máximos
Agachamento dorsal – 1 a 6 esforços máximos
Quinta
Treinamento soviético
Repetir treinamento de segunda
Devido aos fatores geopolíticos anteriormente
Sexta
Repetir treinamento de segunda mencionados, o sistema soviético pode ser mais di-
Sábado
versificado do que parece. Os treinadores de elite am-
Repetir treinamento de quarta plamente difundidos tenderam a desenvolver e
Domingo enfatizar o sucesso de seus próprios métodos de trei-
Manhã namento, embora em limites muito próximos.
Sessão 1 Treinamento estruturado de forma menos formal
Essa situação pode induzir maior variação no de-
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 527
Tabela 25.2 Referência máxima para determinar a sobrecarga para cada exercício
Exercício Referência de levantamento para 100% da sobrecarga
meio da flexão das articulações do quadril e da coluna. Os joelhos são mantidos totalmente estendidos durante o movimento.
senvolvimento do programa de treinamento, espe- rior. Outros sistemas utilizam sobrecargas seleciona-
cialmente quando se considera a ausência de forte das para a temporada que se inicia como 100%. Existe
liderança prolongada, como na Bulgária do ex-trei- alguma concordância de que a sobrecarga máxima é
nador Ivan Abadjiev. circunstancial. Os romanos, que somente utilizavam
O sistema soviético utiliza grande variedade de intensidades ≥ 80%, consideravam que a sobrecarga
exercícios e poucas sessões de treinamento por dia e máxima deveria ser determinada de acordo com as
na semana. Todos os movimentos delineados como condições atuais de treinamento (Ajan et al., 1988),
“suspensos” podem ser realizados de três diferentes embora não tenham fornecido método definitivo para
alturas acima do solo. A questão referente à porcen- a sua determinação. Os gregos utilizavam a maior
tagem é discutida na próxima seção. sobrecarga levantada na sessão anterior para repre-
O sistema soviético também utilizava atividades sentar a sobrecarga máxima da sessão atual (Iliou,
diversificadas não caracterizadas por levantamento, 1993). Os nigerianos trabalham até 100% do máxi-
coletivamente denominadas como repouso ativo. O mo a cada manhã antes das sessões formalizadas de
repouso ativo normalmente envolve calistenia, cor- treinamento iniciarem (Ganev, 2000). Essa aborda-
rida e salto, natação, jogos competitivos, assim como gem impõe grande responsabilidade ao treinador, que
atividades similares que encorajam o desenvolvimento tem de selecionar um meio apropriado para a deter-
da competitividade, da capacidade anaeróbia, da mo- minação da sobrecarga máxima; provavelmente ela é
tivação da qualidade e o aumento da circulação local. ajustada no decorrer do treinamento.
A orientação para o desenvolvimento dos pro-
gramas de treinamento (Tabs. 25.3 e 25.4) é
(70%/3)3, em que o numerador representa a porcen- O treinamento das mulheres
tagem do máximo, o denominador é o número de
repetições por série, e o número logo após o parên- O levantamento de peso feminino, oficialmente
tese representa as séries, enquanto a ausência de pa- iniciado em 1987, no primeiro campeonato mundial
rênteses indica uma única série. feminino, está rapidamente passando por estágios de
desenvolvimento. Hoje, representa um esporte olím-
pico e foi disputado em sete categorias pela primeira
vez nos Jogos Olímpicos de Sydney. O treinamento
das levantadoras aparentemente varia pouco em re-
A determinação da sobrecarga lação ao treinamento masculino, devido às intensi-
máxima (100%) dades em geral serem baseadas no máximo individu-
al. Os níveis sangüíneos de testosterona e a capacidade
A sobrecarga máxima (100%) deve ser identifi- de a mulher mantê-los quando a sobrecarga de trei-
cada para determinar as intensidades de esforço. Em namento diminui antes da competição parecem re-
várias situações, os sistemas utilizam a sobrecarga presentar os principais fatores fisiológicos no deli-
máxima alcançada ao final do ano competitivo ante- neamento do treinamento.
528 PAAVO V. KOMI
Tabela 25.3 Preparação semanal soviética Tabela 25.4 Semana competitiva soviética
Dia 1 Dia 1
Manhã Manhã
1 Pressão de ombros: (60%/3)2, (70%/3)2 1 Arranque: (70%/3)3, (80%/2)2, (90%/1)2
2 Arranque: (60%/3)2, (70%/3)3, (80%/2)2 2 Arremesso desenvolvido: (70%/2 + 1)3, (80%/2 + 1)2,
3 Agachamento frontal: (60%/4)2, (70%/4)23, (80%/4)2 (90%/1 + 2)2, (100%/1 + 1)2
Tarde 3 Arremesso: 70%/2, 80%/2, 90%/2, 100%/2
4 Arremesso desenvolvido em suspensão: (60%/3 + 13), (70%/3 Tarde
+ 1)2, (80%/3 + 1)3 4 Agachamento frontal: (70%/3)3, (80%/3)2, (90%/3)2
5 Arranque potente: 70%/4, (80%/4)2, (85%/4)2 5 Arranque puxado: 60%/3, 70%/3, 80%/3, 90%/2
6 Flexão do tronco com sobrecarga: (X/8)4 6 Flexão do tronco com sobrecarga: (X/8)4
Dia 2 Dia 2
Manhã 1 Arranque potente: (60%/3)2, (70%/3)2, (80%/2)2
1 Arranque potente: (65%/3)3, (75%/3)2, (80%/2)2 2 Puxada potente: (60%/3)2, (70%/3)2, (80%/2)2
2 Arremesso desenvolvido potente: (60%/3 + 1)2, (70%/3 + 1)2, 3 Arranque puxado: (80%/3)3, 90%/3, (100%/2)2
(80%/2 + 1)3 4 Agachamento dorsal: 70%/3, (80%/3)2, 90%/3
3 Arremesso: (70%/3)2, (80%/2)2 5 Pressão de ombros: 60%/3, (70%/3)2
4 Arranque excêntrico “peso morto”: (80%/3)6-20 s descendente
5 Arremesso excêntrico “peso morto”: (90%/3)6-20 s descendente Dia 3
Repouso ativo
Dia 3
Repouso ativo Dia 4
Manhã
Dia 4 1 Arranque: (70%/2)2, (80%/2)2, 90%/1
Manhã 2 Arremesso desenvolvido: (70%/2 + 1)3, (80%/2 + 1)3, (90%/1
1 Pressão de ombros: 60%/4, 70%/4, (80%/3)2 + 1)2
2 Arremesso desenvolvido: (60%/3 + 1)2, (70%/3 + 1)2, 3 Arremesso: 70%/3, 80%/2, (90%/1)2
(80%/3 + 1)2 Tarde
3 Agachamento dorsal: (60%/5)2, (70%/5)2, (80%/5)2 4 Agachamento dorsal: 70%/3, (80%/2)2, (90%/2)3
Tarde 5 Arranque puxado: 60%/4, (70%/3)2, (80%/3)2
4 Arranque em suspensão: (60%/3)2, (70%/3)2, (75%/2)3 6 Flexão do tronco com sobrecarga: (X/8)4
5 Arranque puxado: (70%/4)2, 80%/4, (90%/4)2
6 Flexão do tronco com sobrecarga: (X/8)4 Dia 5
1 Arranque em suspensão: 60%/3, (70%/2)2, (80%/2)2, (90%/
Dia 5 1)2
Manhã 2 Arremesso desenvolvido: 60%/3 + 1, (70%/2 + 1)2, (80%/2 +
1 Arranque: (60%/3)3, (70%/3)2, (80%/2)2 1)2
2 Arremesso desenvolvido em suspensão: (60%/3 + 1)3, 3 Arranque puxado: 70%/3, (80%/3)2, (90%/3)2
(70%/3 + 1)2, (80%/2 + 1)2 4 Agachamento dorsal: (70%/3)2, (80%/3)2, (90%/3)2
3 Arranque puxado: (70%/4)2, (80%/4)2, (90%/3)2 5 Pressão de ombros: (70%/3)2
4 Agachamento frontal: (70%/5)2, (80%/4)2, (90%/3)2
Total de repetições: 324
Dia 6
Manhã X: ver nota da Tabela 25.3.
1 Arremesso desenvolvido potente: (60%/3 + 1)2, (70%/3 + 1)2,
(80%/2 + 1)2
2 Arremesso: 70%/3, (80%/3)2, (90%/2)2
3 Agachamento dorsal: (70%/5)2, (80%/5)2, (90%/3)2
Tarde A China é uma nação hegemônica nesse esporte.
4 Arranque em suspensão: (60%/3)3, (70%/3)2, (80%/2)2 As chinesas conquistaram os títulos por equipes de
5 Arranque puxado: (60%/4)2, (70%/4)2, 80%/3
6 Arranque lento “peso morto”: (80%/3)6-10 s todos os campeonatos mundiais femininos. Estão
surgindo algumas informações referentes aos efeitos
Dia 7 do ciclo menstrual no treinamento. Algumas atletas
Repouso completo
femininas treinaram de maneira mais eficiente nos
Total de repetições: 582 períodos de pós-ovulação e pós-menstrual, enquan-
to outras pareceram experimentar pouca variação. Em
X: sobrecarga interindivíduos extremamente variável com variada relação
para qualquer um dos dois levantamentos competitivos (ver também Tabela
1993, os chineses consideravam que a menstruação
25.2). exercia alguma influência no treinamento (Cao, 1993),
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 529
mas recentemente parece não existir evidência de Häkkinen, K. (1988) A biomechanical analysis of various
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radas aos homens (10 versus 6), e os longos ciclos de Häkkinen, K., Kauhanen, H. & Komi, P.V. (1984) Biome-
treinamento entre as semanas sem sobrecarga (3 se- chanical changes in the Olympic weightlifting techni-
manas para mulheres e 2 para homens) representam que of the snatch and clean & jerk from submaximal to
duas variações empregadas no treinamento das atle- maximal loads. Scandinavian Journal of Sports Sciences 6(2),
tas chinesas (Cao, 1993; Ma, 2000). Há também al- 57-66.
guma variação entre homens e mulheres nas freqüên- Häkkinen, K., Pakarinen, A., Alen, M., Kauhanen, H. &
cias com que os movimentos específicos são Komi, P.V. (1987) Relationships between training volu-
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realizados durante o treinamento, embora isso tam-
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bém pudesse ser atribuído mais às diferenças indivi- weight lifters. International Journal of Sports Medicine 8
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Índice
Conteúdo muscular de glicogênio 291-292 dados para respaldar a eficácia no Estado ativo 458
Conteúdo muscular de mioglobina 292 condicionamento de atletas Estimulação magnética transcraniana
Contrações balísticas 298, 302-303 447-448 36-37
Controle neuronal direções para pesquisa futura 448- Estimulação muscular biomecânica 509
função vestibular e visual 35-37 449 Estimulação neuromuscular rítmica 509
interação entre programas centrais e fundamentos para o uso no Estradiol 101
estímulo aferente 36-37 condicionamento de atletas Estrutura muscular 248
significância do estímulo do receptor 444-447 Exercício, definição 17
de carga 33-36 métodos de aplicação 442-444 Exercício dinâmico, ações musculares e
Coordenação intermembros; controle Eletromiografia (EMG) 25 19
neuronal 30-32 adaptações neurais ao treinamento Exercício estático, ações musculares e 19
Cortisol 104-105 de força 299-306
adaptações crônicas das EMG intramuscular 302-306
concentrações em repouso estudos com EMG de superfície F
390-391 300-302
rácio testosterona-cortisol 390-392 ativação dos sinergistas 211-212, Fadiga do ciclo alongamento-
resposta aguda aos exercícios com 315-316 encurtamento 219-237
sobrecarga 389-391 estudos de treinamento 315-316 alterações agudas 223-224, 230-232
Costâmeros 69-70 evidência de coordenação alterações durante o exercício
Curva de Hill 488, 489 sinergista tarefa-dependente fatigante 220-224
Curva pseudo-Hill 488, 489 312-314 alterações estruturais e funcionais
Curvas de força humana 460 reflexo de alongamento 211-213 229-236
Curvas potência-velocidade 20 Elipsóides de força 477-479 ajustes reflexos da ativação
Endotendão 120 neural 235-236
Endurance ativação de aferentes musculares
D definição 17 de pequeno diâmetro 235-236
energia, potência e 17-18 fadiga supra-espinal 235
Débito cardíaco 415-416 Energia 17-18 mecanismos básicos 234-235
adaptação em repouso 408-409 estoque e transferência 79-81 tendências totais 229-231
resposta ao treinamento de força Envelhecimento alterações tardias 223-227, 229, 231-
411-413 adaptações neurais durante o 235
Déficit de força explosiva (ESD) 457-458 treinamento de força 432- alterações de rigidez 234-235
Desmina 132 433 dor muscular induzida pelo
Destreinamento, resposta endócrina ao atrofia muscular, ativação e exercício 233-234
395-396 decréscimo na força e na estágio autogenético 232-234
Dinâmica de ativação 458 potência 426-430 estágio fagocítico 233-234
Direção comum, na regulação da força conclusões práticas 437-439 estágio regenerativo 234-235
muscular 48-50 especificidade do treinamento de influência em desempenhos
Discos-Z 65, 131 força de alta intensidade dinâmicos 224-226
Disparo duplo 340-343 comparado ao explosivo influência na ativação neural máxima
Distrofia muscular 152 437-438 e produção de força estática
Distrofia muscular de Duchenne 256-257 fatores hormonais e ganhos na 223-225
Dopamina 392-393 massa e na força musculares mecanismos potenciais 227, 229-230
Dor muscular tardia (DMT) 227, 229- 436-438 modelos de sobrecarga e teste 219-221
231, 233-234 ganhos de força durante treinamento exercício fatigante de curto e
Duplo produto de força 430-432 longo prazo 219-221
adaptação em repouso 403 hipertrofia muscular durante o protocolos de teste 220-221
adaptações crônicas à atividade 410, treinamento de força 433- papel dos reflexos de estiramento no
414-415 436 incremento da força durante
Enzimas anaeróbias glicolíticas 291- 211-216
292 respostas reflexas específicas 225-
E Enzimas anaeróbias não-glicolíticas 291- 227, 229
292 testes de esforço máximo 224-226
Eixo pointing 474-476 Enzimas oxidativas aeróbias 290-292 testes de esforço submáximo 224-
Eixo radial 474-476 Epinefrina 392-393 225
Elasticidade 484-486 Espessura da parede ventricular Fadiga muscular, mecanismos celulares
Eletromioestimulação, transcutânea esquerda, adaptação em da 144-146
(EMS) repouso 405-408 Fadiga supra-espinal 235
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 533
Ligamentos e tendões 120-124 Modelos tipo Huxley ver Modelos das conteúdo de mioglobina 292
efeitos do exercício 121-124 pontes cruzadas 175-184, conteúdo enzimático 290-292
estrutura 120-122 193-194 densidade mitocondrial 290-291
propriedades mecânicas 121-122 Momento articular/braço de momento nível de substrato muscular 291-292
da força externa 471-472 suprimento capilar 287-291
Momento de força 465-467 Músculo esquelético
M Momentos primários 470-471 acoplamento excitação-contração
Momentos secundários 470-471 69-74
Marcha Motoneurônios β 42 adaptação no 247, 262-264
controle neuronal da 25-28 Motoneurônios γ 42 alteração contrátil sem alteração
estímulo corticoespinal 28-29 Movimentos geométricos (holonômicos) da fibra 262-264
programação central 28-32 478-480 bases celulares e moleculares da
técnicas de análise 25-26 Movimentos holonômicos (geométricos) potência 247-252
Massa ventricular esquerda, adaptação 478-480 mecanismos de aumento da
em repouso 408-409 Mulher 527-528 potência 262-264
Mecanismos hormonais 88-106 ganhos de força no treinamento de para aumento da potência 252-
hormônios anabólicos primários 92- força em idosos 430-432 257
104 treinamento no levantamento de para aumento da velocidade ou
hormônios catabólicos 104-106 pesos 527-528 da economia 258, 260-261
interações entre sistemas 89-90 Músculo, adaptação celular e molecular plasticidade do músculo 260-263
papel dos receptores na mediação das no 247-264 arquitetura, lesão por tensão e
alterações hormonais 90-92 alteração contrátil sem alteração da recuperação da lesão por
Mecanismos reflexos 31-34 fibra 262-264 tensão 163-164
monossináptico 31-33 aumento da potência 252-257 arquitetura e função in vivo 160-163
polissináptico 32-34 fatores de crescimento local e fisiologia e função 156-160
Menisco 123-124 sistêmico na hipertrofia 254- interação entre elementos contráteis
Metabolismo aeróbio 78-81 257 e elásticos 158-160
Método de rápida liberação 458 geração de força e hipertrofia da comprimento da fibra comparado
Método transdutor de deformação 202- fibra muscular 252-254 ao comprimento do tecido
204 hipertrofia, síntese protéica e conjuntivo 158-160
Miosina 66, 69-70, 131 alongamento 254-255 localização das lesões por tensão
Mitocôndria 78 mecanismos 262-264 160-161
densidade no músculo 290-291 regulação molecular da padrões de tensão in vivo 161-163
Modelo do filamento deslizante 65 hipertrofia 254-255 see also entries under muscle
Modelos das pontes cruzadas (tipo aumento da velocidade ou economia transmissão de força 156-159
Huxley) 175-184, 193-194 258, 260-261 direção da aplicação da força
distribuições probabilísticas de potência 247-252 158-159
acoplamento/ meios em que o músculo se integração de fibras isoladas e
desacoplamento 181-182 encurta e produz força 247- unidades motoras 156-159
formulação em 1954 175-178 249 Músculo estriado ver Músculo
formulação em 1971 177-180 velocidade de encurtamento esquelético
formulação teórica 180-182 250-251
quantidades macroscópicas do Músculo, adaptações ao treinamento
modelo das pontes cruzadas explosivo 332, 336 N
182-184 acoplamento excitação-contração
Modelos musculares 171-197 (E-C) 333-334 Nebulina 132
aplicações 191-194 cinética de contração e potência Neurônio motor 42
modelos das pontes cruzadas (tipo muscular 332-333 Norepinefrina 392-393
Huxley) 175-184, 193-194 força muscular 332
modelos de roquete 183-189 mecanismos relacionados ao 335-
modelos tipo Hill 171-176, 193-195 336 O
Modelos roquete 183-189 propriedades contráteis 332-333
considerações gerais 183-186 propriedades mecânicas de unidades Onda-H 55-57
movimento estocástico do motor motoras isoladas 334-335 Onda-M 55-56
molecular 185-187 Músculo, adaptações metabólicas Órgão tendinoso de Golgi (OTG) 42
multi-estado 186-189 crônicas ao exercício com Osso 111-120, 364-369
Modelos tipo Hill 171-176, 193-195 sobrecarga 284, 287-292 adaptação funcional e alterações
críticas e possíveis extensões 174- composição do tipo de fibra 284, relacionadas ao exercício
176 287-288 115-120
FORÇA E POTÊNCIA NO ESPORTE 535