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Revista Brasileira de Ensino de Física, vol.

40, nº 3, e3311 (2018) Artigos Gerais


www.scielo.br/rbef cb
DOI: http://dx.doi.org/1590/1806-9126-RBEF-2018-0003 Licença Creative Commons

As leis de Newton e a estrutura Espaço-temporal da


Mecânica Clássica
On Newton’s Laws and the Space-time structure of Classical Mechanics

Camila A. Antunes1 , Vinícius B. Galhardi1 , Carlos A. Hernaski*1


1
Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Física, Caixa Postal 10011, 86057-970, Londrina, PR, Brasil

Recebido em 06 de Janeiro, 2018. Revisado em 04 de Fevereiro, 2018. Aceito em 13 de Fevereiro, 2018.


Neste artigo, discutimos a estrutura das leis de movimento da mecânica clássica advinda de hipóteses gerais
de simetria do espaço-tempo e do entendimento dessa teoria como sendo uma descrição efetiva para fenômenos
macroscópicos. Usando argumentos de análise dimensional inspirados nas técnicas de teoria de campos efetivas,
sustentamos em favor da naturalidade das leis de Newton da mecânica clássica.
Palavras-chave: Simetrias, Mecânica Clássica, Leis de Newton, Teorias efetivas, Simetrias emergentes

In this article, we discuss the structure of the laws of motion of classical mechanics derived from general
hypotheses of space-time symmetries and the understanding of this theory as an effective description for macroscopic
phenomena. Using dimensional analysis arguments inspired in effective field theory techniques, we sustain in favor
of naturalness of the Newton’s laws of classical mechanics.
Keywords: Symmetries, Newton’s Laws, Effective theories, Emergent symmetries

1. Introdução validade, a mecânica Newtoniana se mostrou uma teoria


de enorme sucesso fenomenológico.
De modo geral, a mecânica é uma área da Física que se Como geralmente ocorre no processo de construção
propõe a descrever os princípios básicos que regem os de uma teoria científica, o desenvolvimento da mecânica
movimentos dos corpos no espaço enquanto o tempo flui. Newtoniana traçou um caminho altamente sinuoso. Por
Dessa forma, para sua completa consistência, deve-se tentar extrair princípios gerais de fenômenos facilmente
definir precisamente o que se entende por tempo, espaço acessíveis, diversos conceitos informais do cotidiano foram
e objeto. Tais conceitos, evidentemente, extrapolam o sendo incorporados na descrição científica, muitas vezes
escopo da mecânica e influenciam na descrição das de- sem a devida precisão. A sistemática do método científico
mais áreas da Física. Além disso, diferentes noções dessas moderno desenvolvido por Galileu [1, 2], constituiu um
estruturas levam a distintas realizações da mecânica. O avanço importante na formulação da mecânica. Seguindo
foco deste artigo é a análise da estrutura do que enten- seus preceitos, Newton foi capaz de enunciar suas três
demos por mecânica clássica, que também nos referimos leis do movimento de maneira muito próxima da forma
por mecânica Newtoniana. que conhecemos atualmente [3].
De um ponto de vista moderno, a mecânica Newtoni- Neste artigo pretendemos analisar o papel que as si-
ana pode ser entendida como um limite de baixas veloci- metrias do espaço-tempo da mecânica clássica podem
dades (comparadas com a velocidade da luz) e de grandes desempenhar na própria formulação das leis do movi-
distâncias (comparadas com o comprimento de onda de mento.
de Broglie) de uma mecânica quântica e relativística. A Física moderna se apropriou de maneira bastante
Contudo, como sabemos, a concepção da mecânica New- eficiente do conceito de simetria em um sistema físico
toniana se deu de forma completamente independente e de como os padrões simetria podem restringir a pró-
de suas generalizações e constitui, portanto, uma estru- pria dinâmica do sistema. O formalismo Lagrangeano é
tura auto-consistente segundo suas premissas e hipóteses. particularmente útil para esse propósito, pois a função
Não queremos com isso dizer que ela é consistente com Lagrangeana que contém toda informação dinâmica do
as observações em todas as escalas de distância e para sistema, por ser uma grandeza escalar, deve ser invari-
quaisquer velocidades, mas sim que possui uma estrutura ante frente às transformações de simetria. Além disso,
lógica consistente. As generalizações da mecânica Newto- e também por isso, o formalismo Lagrangeano é singu-
niana servem, nesse sentido, para delimitar seu intervalo larmente adequado na conexão das simetrias do sistema
de validade experimental. Observado este intervalo de com grandezas que se conservam durante sua evolução di-
nâmica (constantes de movimento), que se torna explícita
* Endereço de correspondência: hernaski@uel.br.

Copyright by Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.


e3311-2 As leis de Newton e a estrutura Espaço-temporal da Mecânica Clássica

no celebrado Teorema de Noether [4–7]. Essa conexão Segunda Lei A soma das forças que atuam sobre um
pode também ser discutida mesmo dentro do formalismo corpo é igual ao produto de seu coeficiente
Newtoniano da mecânica clássica, embora de forma não de inércia pela sua aceleração:
tão sistemática [8]. A análise das restrições que as si-
metrias espaço-temporais impõem às leis de movimento F~ = m~a. (1)
nesse formalismo também já foi explorada [9]. Nesse caso,
a invariância das leis físicas frente ao grupo de Galileu Terceira Lei A toda ação que um corpo exerce sobre um
desempenha um papel crucial. segundo corpo, corresponde uma reação
É o objetivo do presente artigo contribuir para essa do segundo sobre o primeiro de mesma
discussão tratando como hipóteses básicas a invariância intensidade e sentido oposto.
das leis físicas frente ao grupo de rotações e translações
A primeira lei, também chamada lei da inércia, serve
espaciais, translações temporais, além das simetrias dis-
para limitar o escopo da segunda lei, de modo que a
cretas de reversão temporal e paridade. Entendemos que
validade desta última é restrita à classe de referenciais
estas simetrias são de certa forma naturais pela economia
inerciais (aqueles que obedecem a lei da inércia). A se-
de hipóteses necessárias, ao passo que a invariância sob
gunda lei introduz o coeficiente de inércia m, que é uma
boosts Galileanos precisa ser justificada de forma inde-
constante positiva característica de cada objeto. A lei de
pendente e procuramos relacioná-la com a hipótese da
forças F~ deve ser obtida, em última análise, de forma
preditibilidade da mecânica clássica e da interpretação
empírica e a solução do problema mecânico pressupõe
desta teoria como uma teoria efetiva para descrição dos
seu conhecimento. Além disso, a segunda lei afirma que
fenômenos macroscópicos. Com estas hipóteses, demons-
o estado de um objeto é completamente determinado por
tramos a validade das leis de Newton para um sistema de
sua posição e velocidade em qualquer instante do movi-
partículas clássicas fundamentais, que definiremos apro-
mento, pois qualquer derivada da posição de ordem maior
priadamente. De fato, para um tal sistema de partículas,
ou igual a dois pode ser obtida recorrentemente de (1).
demonstramos a validade de uma versão mais forte da
De certo modo, a terceira lei complementa a primeira,
terceira lei, onde a interação é mediada por uma força
pois um objeto composto, onde os seus constituintes
conservativa. A emergência macroscópica da versão usual
interagem somente entre si e não sofrem ação externa,
da terceira lei e de forças não-conservativas é, então,
obedecerá a lei da inércia. Ambas as leis equivalem à
discutida e demonstrada.
conservação do momento linear total do sistema.
Este trabalho está organizado da seguinte maneira. Na
Como bem sabemos, desde sua concepção, esse con-
Sec. 2, faremos uma breve revisão do conteúdo das três
junto de leis tem sido usado com sucesso para descrição
leis de Newton do movimento e definiremos quantidades
de vários sistemas físicos. Um de seus grandes triunfos
de interesse para as discussões deste artigo. Em seguida,
apareceu já no terceiro volume dos Principia [3], onde
na Sec. 4, discutimos as simetrias espaço-temporais da
Newton demonstrou que essas leis, combinadas com sua
mecânica clássica e suas implicações na forma das equa-
lei da Gravitação universal, eram capazes de descrever
ções que regem a dinâmica dos objetos. Esta discussão é
as leis de Kepler dos movimentos planetários.
complementada com a interpretação da mecânica como
Antes de seguirmos adiante com nossa revisão, esclare-
uma teoria efetiva que descreve fenômenos numa escala
cemos em que escala consideramos o regime de validade
de baixas energias comparada com a escala característica
das leis de Newton. Como é conhecido, tais leis são capa-
de uma teoria quântico-relativística. Nessa seção também
zes de descrever os fenômenos observados numa escala
analisamos o surgimento das forças não-conservativas na
macroscópica e de baixas velocidades. Como já mencio-
dinâmica macroscópica efetiva. Por fim, expomos nossas
namos na introdução deste artigo, a relatividade especial
considerações finais.
introduz uma nova constante com dimensão de velocidade
que coincide com a velocidade da luz no vácuo c e que
pode ser usada como referência para separar movimentos
2. As leis de Newton do movimento lentos, v  c, de movimentos rápidos, v ∼ c. O conceito
de macroscópico, por outro lado, pode variar de sistema
Como resultado de séculos de observações e conhecimento para sistema. O importante é que os efeitos quânticos
acumulado, Newton foi capaz de condensar os princípios não sejam importantes o suficiente para invalidar o tra-
que regem a dinâmica dos corpos em suas três leis do tamento clássico. Em geral, podemos definir uma escala
movimento [10]. Numa formulação moderna, estas leis de comprimento que separa os fenômenos quânticos dos
podem ser enunciadas da seguinte forma: fenômenos clássicos, como o comprimento de onda de de
Broglie λ = h/p, onde h ≈ 6, 6 × 10−34 J.s é a constante
Primeira Lei Todo corpo persiste em seu estado de de Planck e p = mv é o módulo do momento linear de
repouso ou de movimento retilíneo uni- uma objeto de massa m e velocidade ~v . Assim, se a es-
forme a menos que seja compelido a mo- cala de comprimento característica do sistema d é tal
dificar este estado pela ação de forças que d  λ, podemos tratar classicamente os fenômenos
sobre ele. associados.

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Na maioria das aplicações do formalismo clássico, não necessariamente fundamentais, dependem da forma dos
precisamos nos preocupar com a verificação destes limi- campos de forças
tes, pois grande parte dos sistemas analisados são objetos
F~i ~x1 , . . . , ~xN ; ~x˙ 1 , . . . , ~x˙ N ; t , com i = 1, . . . N, (2)

do cotidiano e satisfazem de maneira óbvia uma dinâ-
mica clássica. Contudo, mesmo nesta situação, é preciso
onde ~xj e ~x˙ j correspondem ao vetor posição e velocidade
fazermos algumas qualificações. Como referência de ob-
jeto macroscópico deste tipo, consideramos um corpo da j-ésima partícula, respectivamente e F~i é a força sobre
composto por um número de moléculas da ordem de a i-ésima partícula devida as demais partículas de um
1 mol ≈ 6, 022 × 1023 . Se formos considerando porções sistema isolado.
cada vez menores deste objeto, eventualmente chegare- Como já mencionamos na seção anterior, e veremos ex-
mos no menor constituinte com comportamento ainda plicitamente adiante, as propriedades de simetrias espaço-
clássico, ou seja, que podemos atribuir um estado prescre- temporais nospermitem atribuir uma função escalar
vendo simultaneamente a posição e velocidade do mesmo U ~x1 , . . . , ~xNf a um sistema com Nf partículas fun-
e aplicar as leis de Newton para descrever sua dinâmica. damentais clássicas, de tal modo que a força (2) so-
É provável que esse constituinte, que definiremos como bre tais partículas seja dada por F~a = −∇ ~ a U , com
partícula fundamental clássica, compreenda algumas pou- a = 1, . . . Nf . De maneira mais geral, se a dinâmica
cas moléculas e suas dimensões podem ser desprezadas dos graus de liberdade internos puder ser completamente
frente às dimensões do objeto macroscópico. ignorada, podemos descrever a dinâmica do sistema ma-
Apesar de uma partícula fundamental clássica possuir croscópico em termos da função energia potencial ma-
estrutura interna, podemos, em geral, realizar experi- croscópica U M (~x1 , . . . , ~xNc ), com a força sobre a j-ésima
mentos onde estes graus de liberdade internos não são partícula composta sendo dada por F~j = −∇ ~ j U M , com
excitados. Dessa forma, a dinâmica total do sistema pode j = 1, . . . Nc . Neste caso, os argumentos da função U M de-
ser descrita de forma inteiramente clássica. Contudo, o vem ser interpretados como coordenadas macroscópicas.
grande número de partículas fundamentais torna impra- Um exemplo são coordenadas do centro de massa das par-
ticável a solução do problema mecânico. Além disso, uma tículas compostas. Tipicamente pode-se supor Nc  Nf ,
tal solução, ainda que possível, poderia não ser de grande pois cada partícula composta do sistema contém em ge-
utilidade devido à grande quantidade e complexidade ral uma grande quantidade de partículas fundamentais
da informação fornecida. Em outras palavras, quando clássicas. Sistemas macroscópicos, cujas interações são
pretendemos analisar o problema mecânico de um bloco descritas por uma função U M , são ditos conservativos.
deslizando num plano inclinado, não estamos realmente Para esses sistemas, a segunda lei de Newton se escreve
interessados na possível dinâmica dos graus de liberdade ~ i U M = mi~ai .
−∇ (3)
microscópicos do bloco, mas sim na dinâmica dos poucos
graus de liberdade que emergem macroscopicamente e As simetrias espaço-temporais podem ser analisadas
descrevem o movimento do bloco como um todo. em termos das simetrias da função energia potencial
Pode também acontecer de que além dos graus de U (~x, t) e, como mostraremos, estão associadas a grande-
liberdade macroscópicos, também estejamos interessados zas conservadas1 . Esta discussão é bastante conhecida na
na manifestação macroscópica da dinâmica dos graus literatura [8], mas por completeza, repetiremos algumas
de liberdade internos. Isto ocorre quando a realização considerações neste trabalho.
de trabalho sobre um sistema não excita somente os Consideremos, por exemplo, que a dinâmica do sistema
graus de liberdade macroscópicos, mas também a miríade isolado seja dado num espaço homogêneo. Neste caso,
de graus de liberdade internos. Neste caso, é comum uma translação rígida infinitesimal do sistema como um
parametrizarmos essa dinâmica em termos de interações todo,
macroscópicas efetivas que, como veremos, dão origem ~x0i = ~xi + ~, i = 1, . . . , N (4)
às forças não-conservativas.
deixa U (~xi , t) invariante. Assim,

3. Simetrias e Leis de Conservação


N N
(5)
X X
dU = ~ i U · ~ = −
∇ F~i · ~ = 0.
i=1 i=1
Apesar de as propriedades de simetria do espaço-tempo
não terem sido explicitamente invocadas na construção Sendo ~ um vetor infinitesimal arbitrário e usando (1),
das leis de Newton, pode-se averiguar a posteriori quais temos
são essas propriedades e suas consequências na dinâmica
N
d X
p~i = 0, (6)
dos sistemas físicos. Notemos, por exemplo, que o lado di- dt i=1
reito da segunda lei de Newton (1) não introduz nenhuma
1 Neste
estrutura externa referente ao espaço-tempo. Ou seja, ponto, é indiferente se discutimos essa conexão em termos
da função microscópica U ou macroscópica U M , com a ressalva de
não há nenhum ponto ou direção espacial ou temporal
que, como mencionado acima, deve-se interpretar as coordenadas
privilegiadas advindas desse termo. Assim, as proprie- x de U M como coordenadas do centro de massa das partículas
~
dades de simetria de um sistema com N partículas, não compostas.

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com p~i = mi~vi sendo o momento linear da i-ésima par- A investigação sistemática da relação entre simetrias
tícula. Portanto, a simetria por translações (4) leva à contínuas do sistema físico e grandezas conservadas fica
conservação do momento linear total do sistema. mais clara no formalismo Lagrangeno da mecânica. Este
A simetria por rotações rígidas do sistema completo formalismo pode ser visto como uma concepção inde-
é uma consequência da isotropia espacial. Neste caso, pendente da mecânica clássica com seus próprios prin-
uma rotação infinitesimal por um ângulo δθ em torno de cípios. Postula-se a existência de uma função escalar
um eixo representado por um vetor unitário n̂, afeta os L(~x, ~v , t) que contém toda informação dinâmica do sis-
vetores posição das partículas da seguinte forma: tema. Dentre todas as trajetórias possíveis entre pontos
iniciais e finais, ~x(t0 ) e ~x(tf ), a que efetivamente se rea-
~x0i = ~xi + δθn̂ × ~xi . (7) liza fisicamente é aquela que extremiza o funcional ação
S[~x(t)] = ~x0f dtL(~x(t), ẋ(t), t). Este processo culmina
R ~x
A invariância de U M sob estas transformações implica
nas equações de movimento no formalismo Lagrangeano:
N N    
d ∂L ∂L
X   X  
dU = ∇ ~ × ~xi = −
~ i U · δθ ~ × ~xi
F~i · δθ − = 0. (15)
i=1 i=1 dt ∂ ~x˙ ∂~x
Não é nosso propósito fazer uma revisão detalhada
N
d~
pi  
(8)
X
= − ~ × ~xi = 0,
· δθ
dt do formalismo Lagrangeano. Aqui só queremos enfatizar
que a equação fundamental da dinâmica Newtoniana (3)
i=1

com δθ
~ ≡ δθn̂ e fazendo uso de (1). Da ciclicidade do para sistemas conservativos pode ser vista como advinda
produto misto e do fato de que p~i × ~vi = mi~vi × ~vi = 0, de um processo de extremização funcional. De fato, con-
podemos reescrever a última igualdade em (8) como siderando a função Lagrangeana L = T − U , mostra-se
que as equações (3) e (15) são, neste caso, equivalentes.
N
!
d X
~ (9)
δθ ·
dt i=1
~xi × p~i = 0.
4. A emergência das leis de Newton
Esta seção compreende a parte principal deste traba-
Como δθ
~ é arbitrário, obtemos a conservação do momento
lho. Para facilitar a argumentação, dividimos a discussão
angular total do sistema,
em quatro subseções. Nas três primeiras, construímos
N
! sistematicamente as leis de movimento para objetos ide-
d X~
Li = 0, (10) alizados constituintes dos corpos macroscópicos. Por fim,
dt i=1 discutimos a emergência das leis de Newton para descri-
ção dinâmica desses objetos macroscópicos.
com L~ i ≡ ~xi × p~i .
Por fim, consideramos a simetria por translações tem- 4.1. Vínculos devidos às simetrias
porais: espaço-temporais
t0 = t + λ. (11)
Diferentemente da seção anterior, onde seguimos o de-
A invariância dinâmica do sistema por translações tempo- senvolvimento histórico das Leis de Newton e as con-
rais implica que U só deve depender de t implicitamente sequentes propriedades das simetrias do espaço-tempo,
por meio da evolução dinâmica de ~x(t). Ou seja, nesta seção colocaremos num patamar mais fundamental
∂U as propriedades de simetria espaço-temporais e inves-
= 0. (12) tigaremos como essas restringem a forma das leis do
∂t
movimento.
Desta forma, a variação total de U durante a evolução Estas leis devem descrever como os corpos se movem
dinâmica do sistema é dada por no espaço enquanto o tempo flui sob o efeito de suas
interações mútuas. Conforme nossa discussão na Sec. 2,
N N
X
~ i U · ~vi dt = −
X d~vi supomos os objetos serem compostos por partículas fun-
dU = ∇ mi · ~vi dt
dt damentais clássicas, que são os menores constituintes
da matéria que obedecem uma dinâmica clássica. Esta
i=1 i=1
N
!
= −d
X 1
mi~vi2 . (13) idealização nos permite atribuir uma série de proprie-
i=1
2 dades cinemáticas a esses objetos, como posição e suas
derivadas temporais de ordem arbitrária, de modo tão
Definindo a energia cinética total por T ≡ i=1 12 mi~vi2 , preciso quanto necessitarmos. A interação entre essas
PN
temos então a conservação da energia total do sistema, partículas é assumida ser instantânea e local. A primeira
E = T + U , pois de (13), obtém-se propriedade permite aos observadores formar uma noção
absoluta de instantaneidade que por sua vez permite ado-
dE = d(U + T ) = 0. (14) tar uma estrutura com espaço e tempo absolutos. Além

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disso, assumimos a existência de uma classe de observa- é violada. Da mesma maneira, a interação mútua entre
dores denominados inerciais que percebe as propriedades as partículas de um sistema faz com que cada partícula
geométricas do espaço tri-dimensional como sendo homo- se mova de tal modo que β ~i 6= 0. Neste caso mais geral
gêneo e isotrópico2 , o fluxo temporal homogêneo, além tem-se
das invariâncias discretas de paridade e reversão tempo- F~i = β~i , (18)
ral. Por local, consideramos que as interações decaem
com F~i representando a lei força que as demais partículas
com a distância entre as partículas, permitindo-nos defi-
exercem sobre a i-ésima.
nir de maneira prática a noção de partícula livre como
Em breve discutiremos os vínculos impostos pelos argu-
sendo uma partícula suficientemente afastadas das de-
mentos de simetria à função que descreve a interação F~i .
mais partículas do universo.
Por ora, só queremos enfatizar o papel que essa função
Para fazermos progresso no nosso objetivo de encontrar
desempenha na própria construção dos estados iniciais
as leis de movimento a partir de princípios de simetria,
das partículas, pois a mera existência de um estado do
devemos discutir como fixamos o estado de uma partí-
tipo X0 viola as simetrias assumidas até aqui, como a
cula, ou seja, o número de informações cinemáticas que
homogeneidade — quebrada pela realização do ponto ~x0
devemos fornecer num dado instante para que o estado
— e isotropia — pelas direções dos ~x(n) — por exemplo.
posterior seja dado univocamente. É importante enfati-
O fato de a equação (17) exibir tais simetrias, implica
zarmos que nossa busca pelas equações de movimento
que o sistema deve ser preparado por um agente externo
só faz sentido se o número de informações contidas num
ou, em outras palavras, deve interagir com outro sistema,
dado estado for finito. Consideremos, por exemplo, uma
e esta interação é então desligada para t > t0 . Isto induz
trajetória no espaço parametrizada pelo tempo e descrita
uma quebra espontânea de simetria que realiza o estado
por uma função analítica. Esta pode ser escrita como uma
inicial X0 .
série de Taylor em torno de um instante fixo arbitrário
Voltemos nossa atenção às restrições que podemos im-
t0 , ou seja,
∞ (n) por ao lado direito de (18) levando em conta argumentos
~x0 de simetria. A homogeneidade espaço-temporal exige que
(16)
X
~x(t) = (t − t0 )n ,
n=0
n! não haja dependência explícita em ~x e t, ao passo que a
n isotropia espacial exige que
onde ~x0 denota d dtx(t) . Assim, se pudermos fixar
(n)

n
t=t0
arbitrariamente toda a série infinita de condições iniciais
   
β~ R~x, . . . , R~x(s) = Rβ
~ ~x, . . . , ~x(m) , (19)
~x0 , fixamos automaticamente a solução completa ~x(t) e
(n)

não necessitaríamos de uma equação de movimento para com R sendo uma matriz de rotação. Nossa notação
fornecer essa solução. Além disso, uma situação como esta é tal que R~x é um vetor com componentes (R~x)a =
forneceria na prática uma mecânica impreditível, uma vez b=1 Rab xb . A atuação nos demais vetores se dá de
P3
que uma série infinita de medidas seria necessária para forma análoga.
fixar o estado inicial. Assim, adotamos como princípio Enfatizamos que até este momento estamos falando de
a preditibilidade da mecânica e postulamos que apenas uma única partícula movendo-se num referencial inercial.
um número finito s > 0 de condições iniciais é necessário Essa equação pode ser vista como definidora dessa classe
para fixar o estado de um partícula univocamente ou, de sistemas de referência, pois estabelece o movimento
de forma equivalente, que existe uma função empírica das partículas livres. Dessa maneira, β ~ deve ser uma
que relaciona a s-ésima derivada temporal de ~x(t) com função linear dos ~x (n)
— termos não lineares caracteri-
as derivadas de ordem menor, isto é3 , zam auto-interação — e n deve ser um inteiro par para
  preservar a invariância por reversão temporal. Destas
0 = β~ ~x, ~x(1) , . . . , ~x(s) ; t . (17) considerações, temos
(m+1)/2
Antes de tentarmos restringir a forma da função β~ β~ =
X
λ2n ~x(2n) , com m ímpar, (20)
com argumentos de simetria, notamos que, sendo (17) n=1
uma equação diferencial de ordem s, sua solução deve
depender de s condições iniciais, como queríamos. Estas e os λ2n são constantes que, conforme discutiremos mais
condições caracterizam univocamente o estado de mo- adiante, não podem ser completamente arbitrárias.
vimento de uma partícula livre. Denotemos Para progredir, poderíamos proceder como é feito em
i este estado
outras abordagens, invocando o princípio da relatividade
h
inicial por X0 = ~x0 , ~x0 , ~x0 , . . . , ~x0 . Para cons-
(1) (2) (s−1)
Galileana, que é motivado pela observação e assegura
truir um outro estado inicial arbitrário a partir de um
que um observador que se movimenta com velocidade
dado X0 , é necessário interagir com a partícula e esta
constante em relação a outro observador inercial é tam-
interação deve fornecer a regra pela qual a igualdade (17)
bém inercial. Outro fato, também experimental, é que o
2 Podendo ser identificada como o espaço Euclidiano E 3 . estado de uma partícula é univocamente descrito em ter-
3O fato de β
~ ser uma função vetorial expressa o fato de que devemos mos de sua posição e velocidade num dado instante. Com
ter uma equação de vínculo para cada componente do vetor ~ x(s) . estes requerimentos extras, seríamos capazes de restringir

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a forma de (19) ao ponto de termos ~a = 0 para uma par- derivadas temporais atuando em ~x(t). A descrição física
tícula livre, o que nos daria a lei da inércia da mecânica do sistema na escala microscópica T0 é entendida como
Newtoniana. Contudo, neste artigo queremos explorar fornecedora de uma descrição efetiva para fenômenos
ao máximo as restrições das leis de Newton advindas das que ocorrem em escalas ∆t  T0 , e que suporemos se-
hipóteses de homogeneidade e isotropia espaço-temporal rem descritos pela mecânica Newtoniana. A supressão de
e de condições gerais como preditibilidade e estabilidade. graus de liberdade característicos da escala microscópica
Se poderia argumentar que estas hipóteses se justificam, que não podem ser resolvidos na escala ∆t é parametri-
em última análise, também da observação. Porém, nós zada em termos de parâmetros efetivos dos termos que
entendemos que essas são na verdade condições naturais aparecem com uma expansão da função β~ nas variáveis
dentro do cenário espaço-temporal da mecânica clássica dinâmicas do sistema. Da mesma forma que ocorre nas
e, portanto, a introdução de outras estruturas é que teorias efetivas descritas acima, esperamos que os aspec-
necessitaria de uma justificativa plausível. tos robustos da dinâmica do sistema sejam descritos por
Contudo, não podemos restringir ainda mais a forma um conjunto finito de termos a menos de uma  classe infi-
da função (19) apenas com os argumentos de simetria nita que fornece correções da ordem de ∆t T0 n
dos efeitos
discutidos até aqui e entendendo a abordagem Newtoni- descritos pelo primeiro conjunto. De fato, consideramos a
ana da mecânica como uma teoria consistente e isolada razão entre
dois termos sucessivos gerais desta expansão
de uma fenomenologia microscópica mais fundamental. O2n . A análise dimensional da discussão anterior
O2(n+1)
Neste sentido, o formalismo canônico da mecânica oferece
nos fornece
algumas vantagens. Analisemos, por exemplo, a questão
do número máximo de derivadas temporais da posição 2(n+1)
λ2(n+1) ~x(2(n+1)) g2(n+1) T0 2
 
O
na equação de movimento. O fato de as equações de
O2n
= ∼ ,
λ2n ~x(2n) g2n ∆t

movimento advirem de um princípio variacional implica

numa equação diferencial de ordem par e permite dividir (21)
as variáveis dinâmicas em pares posição-momento gene- onde os g2n ’s são constantes adimensionais que pelo crité-
ralizados. Mostra-se, então, que a função Hamiltoniana rio de naturalidade devem ser da ordem de 1. Vemos assim
não é positivo-definida e, portanto, leva à uma evolução que os sucessivos termos da série (20) são suprimidos pelo
temporal instável [11]. fator ∆tT0 2
. Para estimarmos um valor aproximado para


este fator, consideramos, por exemplo, a escala de tempo


onde fenômenos quânticos e relativísticos passam a ser
4.2. A mecânica como uma teoria efetiva importantes. Tomemos a escala atômica, que é da ordem
de 10−10 m, e a velocidade da luz ∼ 108 m/s, e obtemos
Uma maneira de incorporar termos com derivadas de uma escala de tempo da ordem de T0 ∼ 10−18 s. Para
ordens superiores na função Lagrangeana é considerá- intervalos da ordem de milissegundos, esse fator fornece
los como perturbações dos termos de ordem mais baixa. correções da ordem de 10−30 , que podem ser segura-
Esta situação aparece naturalmente nas descrições em mente desprezados na escala das medidas macroscópicas
termos de uma Lagrangeana efetiva, que se propõe a da mecânica clássica.
descrever uma classe de fenômenos numa região específica Desse modo, podemos reter apenas o primeiro termo
de intervalos de tempo, distância, energia, etc. Este tipo da expansão (20), e a equação (17) nos dá a lei da inércia
de abordagem é inspirado na Teoria Quântica de Campos, como conhecemos
onde se usa o fluxo do grupo de renormalização para
~a = 0. (22)
incorporar efeitos de graus de liberdade associados a
altas energias numa descrição efetiva de energia mais Assim, recuperamos o resultado de que o estado de uma
baixa do sistema contendo um número menor de graus partícula é caracterizado somente por sua posição e ve-
de liberdade [12, 13]. locidade. Além disso, obtemos o grupo de Galileu como
A filosofia da abordagem sistemática das teorias effe- o grupo de simetrias mais geral das leis da mecânica
tivas em Teoria de Campos pode ser incorporada e ade- clássica.
quada para os diversos ramos da Física. Neste sentido,
como já enfatizamos anteriormente, a mecânica clássica
4.3. Propriedades da interação
pode ser entendida como uma teoria macroscópica emer-
gente de um cenário microscópico envolvendo mais graus Tendo obtido a lei de movimento para partículas livres,
de liberdade. retornemos nossa atenção ao lado esquerdo da segunda
Vejamos como essa visão efetiva da mecânica e análise lei (18), ou seja, às propriedades da interação entre as
dimensional [14] pode nos guiar para restringirmos a partículas.
forma da equação (17). Como estamos interessados neste A função F~i é o que chamamos de força sobre a partí-
momento apenas na teoria livre, podemos nos concentrar cula i. A forma específica dessas funções deve ser obtida
somente numa escala de tempo T0 característica de um experimentalmente e é o que define o sistema de partí-
dado sistema microscópico. Isto se deve ao fato de que culas. O fato de a interação ser instantânea— para uma
em (20) os termos só diferem entre si pelo número de dado instante t, as partículas só devem ter conhecimento

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das posições das demais partículas— permite-nos escrever exceção do termo com k = i, que já está incluído em
F~i apenas como função das coordenadas dessas partícu- um dos termos de Ui . Assim, podemos levar em conta
las. Além disso, a homogeneidade temporal impede uma essa duplicidade e definir a função energia P
potencial do
dependência explícita no tempo. Da homogeneidade es- sistema completo por U = i<j Uij = 12 i6=j Uij , de
P
pacial, F~i deve se manter invariante se fizermos uma modo que
translação rígida do sistema como um todo. Este fato F~i = −∇
~ i U. (28)
implica em F~i ser função apenas das diferenças ~xj − ~xk
A segunda lei de Newton aplicada às partículas funda-
entre as coordenadas. Por ser uma grandeza vetorial, as
mentais fica então dada por
forças que agem sobre uma partícula se adicionam como
tal. Podemos inferir, então, que a força resultante F~i é o ~ i U = mi~ai ,
−∇ (29)
resultado da soma das forças F~ij que a j-ésima partícula
exerce sobre a i-ésima, com j 6= i, ou seja, com mi sendo o coeficiente de inércia da partícula i.
Este resultado é interessante o suficiente para ser enfa-
(23) tizado. Nós partimos da hipótese da existência de partí-
X
F~i = F~ij (~xi − ~xj ) ,
j6=i culas fundamentais clássicas que interagem entre si de
maneira instantânea. As exigências de invariância das
onde novamente usamos as propriedades de simetria para leis físicas por rotações espaciais e translações espaço-
expressar que a força entre as partículas i e j só dependem temporais implica na existência de uma função escalar
do vetor posição relativo entre as mesmas. Da mesma que contém a informação completa da interação do sis-
maneira que impomos a condição de invariância (19) na tema. Dito de outra maneira, as forças que atuam nesse
função β~ proveniente da isotropia espacial, temos que sistema são sempre conservativas. Este resultado é uma
versão mais forte da terceira lei de Newton para essa
F~ij (R~xij ) = RF~ij (~xij ) , (24) classe de sistemas, visto que, como vimos, ele implica em
tal lei. Contudo, como sabemos, a mecânica Newtoniana
com ~xij ≡ ~xi − ~xj . Esta condição nos permite obter
é um formalismo consistente para uma classe mais geral
F~ij (~xij ) = Fij (xij ) x̂ij , (25) de sistemas que pode incluir forças não-conservativas,
mas com a lei de ação e reação sendo ainda respeitada.
onde as quantidades escritas sem o símbolo de vetor sig- É nosso objetivo examinar como esse cenário emerge a
nificam o módulo da quantidade vetorial correspondente partir dos sistemas discutidos até aqui e que obedecem à
e x̂ij é o vetor unitário na direção de ~xij . equação (28).
A equação (25) já nos assegura a validade da terceira
lei de Newton para interação entre estas partículas fun- 4.4. Da micro à macromecânica clássica
damentais, pois ~xij = −~xji e Fij (xij ) = Fij (xji ) =
Mesmo podendo ser consideradas consistentemente den-
Fji (xij )4 . Além disso, podemos definir a função escalar
tro do formalismo da mecânica Newtoniana, as forças
Z ~
xij não-conservativas que modelam certos fenômenos físicos
F~ij ~x0ij · d~x0ij macroscópicos são entendidas como advindas efetiva-

Uij (xij ) = −
xij )0
(~ mente de interações mais fundamentais conservativas.
Esta postura se justifica no entendimento que temos das
Zxij
Fij x0ij dx0ij , (26)

= −
(xij )0 interações fundamentais do Modelo Padrão de partícu-
las e campos, que num sentido mais amplo (em geral é
com (~xij )0 sendo um vetor arbitráriode referência e, por necessário considerar outras formas de energia armazena-
conveniência, supomos que U (xij )0 = 0, de modo que das nos próprios campos que promovem a interação) são
interações conservativas. Portanto, a todo sistema físico
F~ij = −∇
~ i Uij = ∇
~ j Uij = −F~ji . (27) supõe-se a existência de uma quantidade chamada ener-
gia que se conserva. Uma das propriedades interessantes
Esta definição de uma energia potencial Uij para o par dessa grandeza é a possibilidade de transmutar-se em
de partículas ij, juntamente com expressão (23) para F~i , diferentes formas associadas às diferentes classes de graus
nos permite definir a energia potencial de interação da de liberdade do sistema. Do ponto de vista mecânico,
partícula i com o restante do sistema por Ui = j6=i Uij , uma parte do sistema pode transferir energia para outra
P

pois F~i = − j6=i ∇ ~ i Uij = −∇


~ i P Uij = −∇ ~ i Ui . Po- parte por meio da realização de trabalho. Como numa
P
j6=i
demos ir além e incluir nesta última expressão todos escala macroscópica certos graus de liberdade são ignora-
as demais funções Uj com j 6= i, pois o gradiente ∇ ~i dos, pois não podem ser resolvidos por instrumentos de
atua trivialmente nos termos Ujk que formam Uj , com medida apropriados apenas para essa escala, atribuímos
4F
uma dissipação da energia mecânica ou, de forma equi-
depende de ~ xij apenas por seu módulo xij e, portanto, a
ij
valente, descrevemos os fenômenos com forças efetivas
notação Fij (xij ) é de certa forma redundante. Seria suficiente
expressarmos Fij por F (xij ), o que nos leva de maneira óbvia à não-conservativas. Contudo, como discutimos, de fato
condição Fij = Fji . o que está ocorrendo é um fluxo de energia para graus

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e3311-8 As leis de Newton e a estrutura Espaço-temporal da Mecânica Clássica

de liberdade não considerados na escala macroscópica. sendo o vetor posição do centro de massa do objeto Oα .
Provavelmente um exemplo simples do que acabamos de F~αβ é a força total que Oβ exerce sobre Oα . De (27), cada
dizer possa ser mais elucidativo. Quando estamos ten- um dos F~ijαβ deve satisfazer F~ijαβ = −F~ji
βα
, de modo que
tando resolver o problema de um bloco deslizando sobre podemos obter de forma imediata a validade da terceira
um plano inclinado, não estamos preocupados na dinâ- lei de Newton para os pares de forças resultantes entre
mica dos graus de liberdade microscópicos das partículas Oα e Oβ :
que compõem o bloco e sim no movimento médio dessas F~αβ = −F~βα . (33)
partículas que corresponde ao movimento do centro de
massa do sistema. Se existe atrito entre o plano e o bloco, A equação (31) expressa o fato já conhecido de que a
haverá um fluxo de energia para essas partículas micros- segunda lei de Newton é válida para os objetos compostos,
cópicas aumentando a temperatura do bloco — que pode com a força que causa a aceleração do centro de massa do
ser estimada estatisticamente como a energia cinética objeto sendo a força externa resultante da interação com
média das partículas. Contudo, do ponto de vista mecâ- os demais objetos do sistema. Mesmo quando ignoramos
nico, não estamos interessados nos fenômenos térmicos a dinâmica das partículas constituintes destes objetos,
e simplesmente ignoramos essa dinâmica microscópica o movimento macroscópico dos objetos como um todo
tratando o sistema com uma força dissipativa de atrito. obedece, portanto às três leis de Newton do movimento.
É importante frisarmos que o significado de efetivo Em particular, a validade da terceira lei para forças
nessa discussão é ligeiramente diferente do que foi em- macroscópicas F~αβ equivale à conservação to momento
pregado anteriormente em conexão com teorias efetivas total do sistema:
emergentes de uma teoria mais fundamental. Naquele d  ~ α ~ β
contexto, dizíamos que os graus de liberdade mais fun- P +P = 0. (34)
dt
damentais eram descritos com uma certa teoria micros-
cópica e o efeito da integração de alguns desses modos Dessa maneira, quanto a propriedade (27) que as forças
pode se manifestar como correção na dinâmica dos modos possuem de conservar o momento, o fato de ignorarmos
característicos de mais baixa energia, que por sua vez os graus de liberdade internos não acarreta prejuízo à
são descritos em termos de uma teoria distinta. Naquele mesma propriedade para dinâmica macroscópica. Por
sentido, não ignoramos os graus de liberdade microscópi- outro lado, o caráter conservativo das forças microscó-
cos, mas descrevemos seus efeitos de outra maneira. No picas F~ijαβ , em geral, não sobrevive à essa supressão de
presente contexto, certos graus de liberdade do sistema graus de liberdade. Isto já pode ser observado da equação
são de fato ignorados. (31), pois para que F~αβ seja uma força conservativa no
Ilustremos essa questão com uma discussão quantita- sentido macroscópico é necessário que exista uma fun-
tiva do desacoplamento da dinâmica entre os graus de ção energia potencial U M que depende das coordenas
liberdade de um sistema descrito classicamente e o efeito macroscópicas X ~α e X ~ β e se tenha F~αβ = −∇ ~ ~ αUM.
X
de ignorarmos uma parte dessa dinâmica. Consideremos No entanto,  sabemos que existe a energia  potencial do
a interação entre dois objetos macroscópicos O1 e O2 que sistema U ~xα xα
1,...,~ xβ1 , . . . , ~xβNβ e de (28) e (30),
Nα , ~
são compostos por N1 e N2 partículas clássicas funda- temos F~αβ = − i ∇
P ~ ~xα U . Denotando o vetor posição da
mentais, respectivamente. Supondo o sistema O1 + O2 i
i-ésima partícula de Oα em relação à posição do centro
isolado, temos que a segunda lei de Newton (29) sobre de massa deste objeto por ~x0α i , temos a relação
cada uma das N1 + N2 partículas é dada por
Nβ ~xα ~ α x0α
i = X +~ i . (35)
i , com Fii = 0, (30)
XX
F~iα = F~ijαβ = mα
i~aα ~ αα
Se supusermos que a interação com o sistema Oβ ocorre
β j=1
sem transferência de energia para os graus de liberdade
onde α, β = 1, 2 rotulam os objetos O1 e O2 e os índices internos, podemos fazer d~x0α i =P 0 e, portanto, d~xαi =
i e j rotulam as partículas no interior desses sistemas. dX~ , de modo que F~αβ = −∇
α ~ ~α U e obteríamos uma
X i
Assim, F~ijαβ representa a força que a j-ésima partícula força conservativa. No entanto, quando há fluxo para tais
do sistema β exerce sobre a i-ésima partícula do sistema graus de liberdade internos ∇ X
~ ~xα e, portanto, não
~ ~ α 6= ∇
i
α. Somando as equações (30) para todas as partículas de teremos uma força macroscópica conservativa.
α, obtemos Pode também ser interessante repetir o argumento
acima em termos da análise explícita do teorema trabalho-
Nα ~α
d2 X energia. Para isso, consideramos novamente a segunda
(31)
X
F~αβ ≡ F~iα = M α , α 6= β, lei (30) aplicada às partículas constituintes do corpo Oα .
dt2
i=1
Fazendo o produto escalar desta equação pelo desloca-
com M α = mento infinitesimal da partícula correspondente d~xα i e
i e
PNα

somando sobre todas as Niα partículas, obtemos
i=1


~α ≡ 1 (32) (36)
X X X
X mα ~xα F~iα · d~xα
i = mα aα
i~ xα
i · d~ i .
M α i=1 i i i i

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Tomando a diferencial da relação (35) e usando o resul- de uma partícula livre e da prescrição unívoca de um
tado em (36), temos estado inicial. Com as hipóteses de simetria, obtemos
uma expansão em termos de derivadas de ordem par da
posição da partícula começando com o termo de segunda
X X
F~iα · dX
~α + F~iα · d~x0α
i
i i derivada e condicionamos que mecânica clássica seja en-
tendida como uma teoria efetiva válida para descrição dos
!
~
dVα
d~v 0α  
~ α + ~vi0α dt. (37)
X
= mα
i + i · V fenômenos numa escala macroscópica, ∆t  T0 , com T0
dt dt
i sendo a escala característica da teoria mais fundamental.
De (32) e (35), mostramos Usando argumentos de análise dimensional inspirados na
P i 0 que i m ~xi ≡ 0, o que tam-
P i 0
bém implica em i m ~vi = 0. Assim, podemos reescrever descrição de teorias efetivas com o grupo de renormaliza-
a equação (37) da seguinte forma: ção de Wilson [15], estimamos a ordem de grandeza dos
coeficientes das derivadas de ordem superior da expansão
¯ M + dW
dW ¯ I = dT M + dT I , (38) da lei da dinâmica das partículas livres. Supondo a escala
T0 advinda da combinação da escala de comprimento atô-
com dW¯ M = i F~iα · dX ~ α e dW
i sendo
¯ I = i F~iα · d~x0α mica e da velocidade da luz, estimamos que as correções
P P
o que definimos por trabalho macroscópico e interno, à lei da inércia ~a = 0 são suprimidas por fatores da ordem
respectivamente. Da mesma maneira, temos as correspon- de 10−30 para fenômenos macroscópicos, fornecendo uma
robusta verificação da validade desta lei.
 2
dentes variações das energias cinéticas T M = 12 M α V ~α
Com a condição de instantaneidade da interação entre
e T I = i 12 mα vi0α ) . Agora, sendo forças conservativas
2
as partículas fundamentais, e os mesmos critérios de
P
i (~
do ponto de vista microscópico, o lado esquerdo de (38) simetria, demonstramos a existência de um potencial de
deve corresponder à variação da energia potencial total interação entre estas partículas e a validade da terceira
dU do sistema e dW¯ I pode ser entendido como um fluxo lei de Newton.
de calor dQ
¯ para o interior sistema. Além disso, como po- A introdução da classe mais geral de forças não-con-
demos mostrar que dW ¯ I = dT I vale independentemente, servativas foi analisada em conexão com a discussão da
temos emergência de uma mecânica clássica macroscópica a
dU = −dT M − dQ,¯ (39) partir do cenário inicial idealizado. Como usualmente se
que expressa a conservação da energia total do sistema. discute as leis de Newton para um sistema de partículas,
Ou seja, do ponto de vista macroscópico a força i F~iα
P obtemos o desacoplamento da dinâmica dos graus de
é não-conservativa e devemos considerar geração de calor liberdade macroscópicos dos demais graus de liberdade
para recuperarmos a lei de conservação da energia. microscópicos que não podem ser resolvidos com instru-
Mostramos então que numa escala macroscópica po- mentos com precisão finita. A supressão desses graus
demos incluir no formalismo da mecânica, forças em de liberdade não resolvidos nos fornece a dinâmica em
geral não-conservativas. Neste caso, a mecânica clássica termos de forças, em geral, não-conservativas, mas que
emergente satisfaz às três leis de Newton na forma como de outro modo satisfaz às três leis de Newton conforme
enunciamos na Sec. 2. bem conhecemos.

5. Considerações finais Referências


[1] Galileo Galilei, Dialogue Concerning the Two Chief
Neste trabalho, investigamos a naturalidade da mecânica
World Systems: Ptolomaic and Copernican (Random
clássica como sendo uma teoria efetiva advinda de uma House Publishing Group, Berkeley and Los Angeles,
descrição mais fundamental e quando assumimos alguns 2001).
princípios gerais como homogeneidade e isotropia espa- [2] Galileo Galilei, Dialogues Concerning Two New Sciences,
cial, homogeneidade temporal e preditibilidade. O que (The Macmillan Comapany, New York, 1914).
particularmente tentamos argumentar é que as hipóteses [3] I. Newton, Mathematical Principles of Natural Phylo-
da validade do princípio da relatividade (invariância das sophy, (University of California Press, Berkeley, 1934).
leis físicas por boosts Galileanos) e de o estado de uma [4] E. Noether; Mort Tavel (translator) (1971), Invariant
partícula ser univocamente dado por sua posição e velo- Variation Problems, Transport Theory and Statistical
cidade que, de fato são justificadas experimentalmente, Physics. 1 (3): 186–207.
podem ser obtidas de maneira natural se a mecânica [5] L. D. Landau and E. M. Lifshitz, Mechanics,
(Butterworth-Heinenann, Oxford, 1976).
clássica for pensada como uma teoria efetiva.
[6] N. A. Lemos, Mecânica Analítica, (Livraria da Física,
Para obtermos as leis de Newton da mecânica clássica São Paulo, 2007).
conforme conhecemos, separamos a análise em termos [7] A. S. Martins, Simetrias e Leis de Conservação na Me-
de uma mecânica clássica efetiva e macroscópica e uma cânica Clássica, Rev. Bras. Ensino Fís., vol.21, n.1, p.33,
extrapolação ideal desta onde os fenômenos são descritos 1999.
em termos de partículas fundamentais clássicas. Neste [8] H. M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1: Mecânica,
cenário ideal, iniciamos a investigação do movimento (Edgard Blücher, São Paulo, 2002).

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e3311-10 As leis de Newton e a estrutura Espaço-temporal da Mecânica Clássica

[9] V. I. Arnold, Mathematical Methods of Classical Mecha-


nics, (Springer-Verlag, 2nd Ed., New York, 1989).
[10] S. S. Chibeni, A Fundamentação Empírica das Leis Di-
nâmicas de Newton, Rev. Bras. Ensino Fís., vol.21, n.1,
p.1, 1999.
[11] M. Ostrogradsky, Mem. Ac. St. Petersbourg VI 4 (1850)
385.
[12] J. Polchinski, Effective Field Theories and the Fermi
Surface, TASI 1992, arXiv:9210046.
[13] P. R. S. Gomes, An Introduction to Emergent Symmetries,
Int. J. Mod. Phys. A31 (2016), arXiv:1510.04492.
[14] Uma discussão didática sobre a utilidade da análise
dimensional pode ser encontrada em: D. Trancanelli,
Grandezas físicas e análise dimensional: da mecânica à
gravidade quântica, Rev. Bras. Ensino Fís., vol.38, n.2,
e2505, 2016.
[15] K. Wilson e J. Kogut, The Renormalization group and
the  expansion, Phys.Rept. 12 (1974) 75-200.

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