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Pensando as direitas
na América Latina
objeto científico, sujeitos e temporalidades?*
STÉPHANE BOISARD**
Centre de Recherche et de Documentation des Amériques
Université Sorbonne Nouvelle Paris 3
França
VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 30, nº 52, p.85-100, jan/abr 2014 85
Stéphane Boisard
Introdução
No momento em que ocorre certa confusão de posições no jogo político
na América Latina – com as esquerdas aplicando teorias econômicas neo-
liberais – é cada vez mais comum, hoje em dia, encontrar, na imprensa, ou
nas dissertações científicas, referências a partidos políticos de direita ibero-
americanos como se essa categorização se revestisse de auto evidência
e fosse inerente aos sistemas políticos modernos que se estabeleceram
durante os séculos XIX e XX. No entanto, este termo surge relativamente
tarde no vocabulário político ibero-americano (por exemplo, no Chile, apenas
nos anos 1930) e continua a ser questionável em muitos países como, por
exemplo, na Argentina, onde o atual sistema político se organiza, desde
a década de 1990, em torno do partido peronista, no qual coexistem uma
direita e uma esquerda!1 A confusão em torno deste conceito ocorre, para
muitos, devido à falta de reflexão teórica e histórica, o que é confirmado
por uma bibliografia incomparavelmente pobre, comparada à relativa aos
movimentos e aos partidos de esquerda atuais.
Em contraste, mencionaremos os estudos sobre o caso francês, que
pode ser utilizado como referência para uma reflexão conceitual sobre as
“direitas ibero-americanas”. Historicamente, é neste país que foi forjado o
conceito de “direita”, que se referia à posição dos partidários do rei, à sua
1 Paradoxalmente, é neste país que a maioria dos trabalhos foi produzida, entre eles DEUTSCH, Sandra McGee;
DOLKART, Richard (eds.). The argentine right: its history and intellectual origins, 1910 to the present. Wilmington:
Scholarly Resources, 1993.
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2 DARD, Olivier (ed.). Doctrinaires, vulgarisateurs et passeurs des droites radicales au XXe siècle – Europe-Amériques.
Berne: Peter Lang, 2012, p.6. Também consultar sobre essa tema: BACKES, Uwe. Les Extrêmes politiques: un
historique du terme et du concept de l’Antiquité à
nos jours. Paris: Cerf, 2011.
3 STERNHELL, Zeev. La droite révolutionnaire (1885-1914): les origines françaises du fascism. Paris: Éditions du
Seuil, 1978; Paris, Gallimard, 1998. NOLTE, Ernst. Les mouvements fascistes: l’Europe de 1919 à 1945. Paris:
Calmann-Lévy, 1969; NOLTE, Ernst. Le Fascisme dans son époque. v.3, Paris: Julliard, 1970.
4 MAYER, Nonna; PERRINEAU, Pascal. Le Front national à découvert. Paris: Presses de la Fondation nationale des
sciences politiques, 1989, reedição, 1996; WINOCK, Michel (dir.). Histoire de l’extrême droite en France. Paris:
Éditions du Seuil Points, 1994; MILZA, Pierre. L’Europe en chemise noire: les extrêmes droites en Europe de
1945 à aujourd’hui. Paris: Champs Flammarion, 2002; BOUCLIER, Thierry. Les Années Poujade: une histoire du
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poujadisme (1953-1958). Paris: Éditions Remi Perrin, 2006; SOUILLAC, Romain. Le mouvement Poujade: de la
défense professionnelle au populisme nationaliste (1953-1962). Paris: Presses de Sciences Po, 2007; TAGUIEFF,
Pierre-André. Sur la Nouvelle Droite: Jalons d’une analyse critique. Paris: Éditions Descartes et Cie, 1994.
5 Recomendamos o excelente trabalho realizado por Ernesto Bohoslvasky (Universidad Nacional General Sarmiento)
e Olga Olavarría (CONICET – Argentine) que já organizaram cinco edições do «taller sobre derechas»: <http://
www.ungs.edu.ar/derechas/?page_id=10>. Acesso em: 18 out. 2013.
6 DEVÉS-VALDÉS, Eduardo. El pensamiento latinoamericano en el siglo XX: entre la modernización y la identidad.
Tomo I: Del Ariel de Rodó a la CEPAL; Tomo II: Desde la CEPAL al neoliberalismo; Tomo III: Las figuras de fin de
siglo, Buenos Aires/Santiago: Biblos/DIBAM, respectivement 2000, 2003, 2004. Nikalaus Werz não faz nenhuma
referência à direita em seu livro Pensamiento sociopolítico moderno en América Latina. Caracas: Editorial Nueva
Sociedad, 1995.
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7 ROMERO, L. José. El pensamiento político de la derecha latinoamericana. Buenos Aires: Paidós, 1970, p.23 y
siguientes.
8 ROMERO, L. José. El pensamiento político de la derecha latinoamericana, p.30.
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13 HIRSCHMAN, Albert. Deux siecles rhetorique reactionnaire. Paris: Editions Fayard, 1991. Nota do organizador: o
livro foi traduzido no Brasil; HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça.
São Paulo: Companhia das letras, 1992.
14 Disponível em: <http://www.hechohistorico.com.ar/Biblioteca/Biblioteca%20del%20Pensamiento%20Argen-
tino%20-%20Documentos/Tomo%20IV%20-%20Halperin%20Donghi%20-%20Vida%20y%20muerte%20de%20
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século XX, de acordo com Renato Cristi e Carlos Ruiz.17 A partir de estu-
dos sobre os historiadores chilenos, estes dois autores mostraram que o
pensamento deles formava um corpus relativamente homogêneo, em torno
das noções de “continuidade histórica”, “autoridade” e “tradição”, “ordem”,
“legitimidade”, “nação”, “Estado nacional”, “democracia” e “liberalismo”.
No entanto, eles introduzem uma nova nuance na definição desta “nova
direita”. Sem que algum partido tenha a exclusividade de uma ideia, nem
que os grupos sejam fechados hermeticamente, a direita “nacionalista-
corporativista” se divide em duas correntes, do início do século XX até o
final dos anos 1970: os corporativistas, defensores da tese nobiliaria que
buscava garantir a autonomia dos órgãos intermediários, contra os poderes
do Estado; e os defensores da tese monarquista, que defendia um regime
autoritário e centralizado em torno de um Estado forte, para alguns neces-
sariamente militar.
17 RENATO, Cristi; CARLOS, Ruiz. El pensamiento conservador en Chile: seis ensayos. Santiago de Chile: Editorial
Universitaria, 1992.
18 CUEVAS, Pedro Carlos González. Acción Española: teología política y nacionalismo autoritario en España (1913-
1936). Madrid: Tecnos, 1998; Historia de las derechas Españolas: de la Ilustración a nuestros días. Madrid: Biblioteca
Nueva, 2000; El pensamiento político de la derecha Española en el siglo XX. Madrid: Tecnos, 2005.
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19 BERSTEIN, Serge; BECKER, Jean-Jacques. Histoire de l’anticommunisme en France. Tome 1 (1917-1940). Paris:
Olivier Orban, 1987.
20 TRAVERSO, Enzo. De l’anti-communisme: l’histoire du xxe siècle relue par Nolte, Furet et Courtois. Paris: L’Harmattan,
2001/2, p.169-194, n.140-141. As obras analisadas são: NOLTE, Ernst. Der europäische Bürgerkrieg 1917-1945:
National-Sozialismus und Bolchewismus. Francfort sur le Main/Berlin: Ullstein, Propyläen Verlag, 1987; FURET,
François. Le passé d’une illusion: essai sur l’idée communiste au xxe siècle. Paris: Laffont/Calmann Lévy, 1995;
COURTOIS, Stéphane (éd.). Le livre noir du communisme: crimes, terreur, répression. Paris: Laffont, 1997.
21 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil. São Paulo: Perspectiva/
Fapesp, 2002.
22 TOSO, Sergio Grez. La cuestión social en Chile: ideas y debates precursores (1804-1902). Santiago de Chile:
DIBAM, 1997; TOSO, Sergio Grez. Historia del Comunismo en Chile: la época de Recabarren 1912-1924. Santiago
de Chile: Lom Ediciones, 2011.
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23 BOISARD, Stéphane; ENDERS, Armelle; VERDO, Geneviève (coord.). L’Amérique latine des régimes militaires.
Vingtième Siècle. Revue d’histoire, Paris, n.105 (spécial), janvier-mars 2010.
24 BOBBIO, Norberto. Droite et Gauche: essai sur une distinction politique. Paris: Éditions du Seuil, 1996 (édition
originale italienne: 1994).
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25 SIRINELLI, Jean François (cord.). Histoire des droites en France (3 vol.). Paris: Gallimard, v.1, 1992, p.VIII.
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26 SIRINELLI, Jean François (cord.). Histoire des droites en France, v.1, p.XXXVI.
27 SIRINELLI, Jean François (cord.). Histoire des droites en France, v.2, p.V-VI.
28 SIRINELLI, Jean François (cord.). Histoire des droites en France, v.1, p.XLI.
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Conclusão
Depois de um breve panorama das direitas latino-americanas no século
XX, que não tinha outro propósito senão o de levantar questões – e não o
de fornecer respostas definitivas –, parece que o caminho a percorrer para
construir ferramentas e uma estrutura conceitual satisfatória para pensar esta
facção política ainda é longo. A historicização do conceito de “direita(s)”
será um passo importante nessa construção. Isto irá definir a data de nas-
cimento das “diretas” e/ou os acontecimentos estruturantes que explicam
sua aparição no campo político. Em outras palavras, é preciso perguntar
se as direitas nasceram no século XX, ou se elas são uma extensão, sob
outras formas, do conservadorismo do século XIX. Isso leva, logicamente,
a identificar os atores de direita (os partidos políticos, os movimentos, os
pensadores e seus intermediários, a Igreja Católica e suas ramificações
(outras igrejas?), a mídia, os líderes empresariais e os sindicatos patronais,
as variadas instituições, como clubes e seus avatares contemporâneos, os
think tanks ...). A partir desses elementos, será possível desenvolver uma
cronologia precisa e propor uma periodização rigorosa. Considerando as
tradições e a evolução dos sistemas políticos, devemos questionar se o
conceito de “direita” pode ser aplicado de maneira uniforme em toda a área
ibero-americana.
Se nos parece claro que devemos falar de “direitas” no plural, será
necessário definir os marcadores determinantes que permitem caracterizar
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