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FICHA DE LEITURA Nº 8

LITERATURA E ALQUIMIA
C – CENTENO

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
CENTENO, Yvette K., Literatura e Alquimia Ensaios, Lisboa, Editorial Presença,
1987.

A CITAR (eventualmente) :

Prefácio:

Reúno neste livro um conjunto de ensaios que se encontram dispersos, pois


foram objecto de uma primeira apresentação em seminários e colóquios,
nacionais e internacionais, ou ainda em sessões de trabalho organizadas pelo
Gabinete de estudos de Simbologia da Universidade Nova de Lisboa, o que os
tem, até hoje, tornado pouco acessíveis a um público mais vasto.
Pretendo oferecer uma reflexão, só aparentemente desconexa, sobre a matéria
que mais tenho estudado: a literatura e a alquimia, sendo esta a linguagem
exemplar em que claramente se manifestam alguns dos símbolos com que
lidamos, por vezes sem os entender, nas obras literárias cuja estrutura profunda
nos escapa. E nos escapa exactamente por isso: porque o contexto mais vasto
que as integra é o da alquimia, espaço de projecção de conteúdos do
inconsciente, espaço em que a imaginação se condensa e se fixa, imaginação
que é o "astro" em torno do qual se organiza o pequeno sistema que é o homem.
A alquimia é a arte que melhor ajuda a descodificar o caminho oculto da criação
literária. Caminho que se prende com o corpo, com o espírito, com a alma, numa
visão tripartida como a dos três princípios, mercúrio, enxofre e sal, dos antigos
adeptos.
A matéria das obras, alquímica ou literária, é a matéria da vida. Tudo é um.
Citando Böhme: "se agarrar numa pedra ou num punhado de terra e olhar para
eles descubro neles o superior e o inferior, descubro mesmo o mundo inteiro..."
(Mysterium Magnum.)
Do mesmo modo, e a partir da obra literária, se pode chegar à descoberta do
superior e do inferior dela, do impulso que a anima e da estrutura que a ordena
num todo coerente. A obra é o reflexo do homem, e o homem, centro do
universo, é reflexo de Deus.
Mas não nos enganemos, não é Deus que o alquimista busca, é antes e apenas
a sua marca, a sua assinatura ou o seu caminho. E um tal caminho começa e

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acaba em si mesmo: no seu corpo, no seu espírito e alma, na sua obra, que
deste modo se tornará eterna, falando como fala a todos os homens de todos os
tempos, passados, presentes e futuros.
Literatura e alquimia, ou seja: o estudo do que na obra literária se prende com
uma simbólica que é universal, de tão humana.

Alquimia e Misticismo: uma aproximação

"Julgo que não repugnará aos estudiosos a definição de misticismo como forma
de experiência da divindade, imediata e directa, ou sentida e julgada como tal.
Experiência que pode ser instantânea, súbita iluminação, ou resultar de longas
preparações interiores que visam atingir a Realidade Suprema, como escreve
G.G. Scholem em La Kabbale et sa Symbolique 1 (1ed. Payot, Paris, 1966).
O misticismo secular é uma forma de experiência (ou de procura) da divindade,
desligada de contextos tradicionais, embora eles possam servir às vezes de
ponto de partida, ou façam parte, directa ou indrectamente (consciente ou
inconscientemente), da formação cultural de certos meios, de certos indivíduos.
Pode aparecer uma mística sem ligação com qualquer autoridade religiosa. p. 9

(...) para Evelyn Underhill5 (5 Mysticism, Ed. Methuen and Co. Ltd., Londres) o
misticismo "é o nome do processo orgânico que envolve a perfeita consumação
do Amor de Deus", " a arte de estabelecer a relação consciente com o absoluto".
O homem é o centro de encontro de várias fases da realidade, como escreveu
Rudolph Eucken, e a experiência mística dá-lhe à última, à mais perfeita de
todas. Para Evelyn Underhill, que o cita, o misticismo não é uma opinião, não é
uma filosofia, nem uma teoria, nem uma doutrina religiosa, mas "uma actividade
inteiramente espiritual". A finalidade que o místico pretende atingir é "a união
consciente com um Absoluto vivo"6 (6 E. Underhill, Mysticism)
No místico, a união com Deus é consciente, pessoal, completa. (...) como no
alquimista.
Evelyn Underhill define três grupos diferentes de místicos: "A. Aqueles que
concebem o Perfeito como uma visão beatífica exterior a eles e muito afastada.
[...] B. Aqueles para quem o misticismo é, acima de tudo, uma relação pessoal e
íntima, a satisfação de um profundo desejo. [...] C. Aqueles que têm consciência
do Divino como uma Vida Transcendente imanente no mundo e no eu, e de uma
estranha semente espiritual dentro de si, através de cujo desenvolvimento o

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homem, elevando-se a níveis superiores de carácter e consciência, atinge o seu
objectivo. [...] Para estes, a vida mística envolve uma mudança interior, muito
mais do que uma procura exterior7. É precisamente com estes que se identificam
os alquimistas e a sua Obra, que mais não é do que o acabamento, o
aperfeiçoamento do próprio ser humano." pp. 11-12

O objectivo da alquimia era a produção da Pedra Filosofal. Mas a procura da


pedra é o equivalente da perfeição, ao conhecimento e identificação com o
Absoluto. (...)
A alquimia é, pois, uma forma de misticismo. É um dos caminhos, um dos
acessos ao paraíso, à eternidade, uma das maneiras que o homem tem de neste
mundo se realizar integralmente, transmutando-se, sofrendo no corpo e no
espírito a mesma alteração que sofre o místico ao ser-lhe revelada a divindade.
Do espírito de religiosidade que informa a verdadeira alquimia (e não a
goldmacherei dos charlatães) dão testemunho todos os alquimistas
"verdadeiros", como diria o abade Dom Pernety, do século dezoito.
É o espírito que a informa que nos permite aproximá-la do misticismo, ou do
misticismo secular. O resultado da Grande Obra (Magnum Opus) é o innere
geistige Mensch, o "homem interior, espiritual", a que Jung se refere, em
Psicologia e Alquimia8 (8 Psychologie und Alchemie, Rasher Verlag, Zurique,
1952) p. 12
"Esta disciplina antiga consiste", segundo Eugene Canseliet, "em separar
constantemente o falso de toda a vida, o impuro de todas as coisas, que por
consequência e lentamente progridem para o sublime e para a pureza." 9 (9
Citação do prefácio de E. Canseliet à edição francesa do Mutus Liber, por Jean
Jacques Pauvert, Paris, 1967) p. 13

Para E. Underhill as três cores que a prima materia assume ao longo da Obra:
negro, branco, vermelho, são "claramente análogas aos três tradicionais
estádios do caminho místico: Purgação, Iluminação, União"10. (10E. Undrerhill
ob.cit.) Pela purgação, correspondente ao solve (do solve e coagula alquímico),
se liberta o eu das suas impurezas, e se prepara para a Revelação final. Esta
Revelação implica e opera simultaneamente a transmutação do eu (do místico,
ou do alquimista), identificando-o com o Uno, a Divindade. A busca alquímica é a
aspiração à Unidade.
(...) o que o alquimista pretende é (...) libertar o ser mais interior, o "ser
espiritual", que a matéria , o homem, em si mesmos encerram. A alquimia é a

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arte da realização, do "acabamento" do homem. É a arte que "transforma os não
livres em livres, os escravos em senhores"11 (11Herbert Silberer, Probleme der
Mystik una ihrer Symbolik, Darmstadt, 1961) p. 13

Também Serge Hutin, no seu livro sobre a alquimia13 (13S. Hutin, Histoire de
l'Alchimie, Bélgica, 1971), se refere à alquimia mística: "A terminologia alquímica
tinha um sentido figurado e designava o "Ouro Espiritual"." A finalidade da
alquimia não era a procura do ouro material: era a depuração da alma, a
metamorfose mística do espírito. Os "vis metais" eram os desejos e as paixões
terrestres, tudo o que impede o desenvolvimento do ser humano autêntico. A
pedra filosofal era o homem transformado pela transmutação mística. A
transmutação do chumbo em ouro era a elevação do indivíduo para o Belo, o
Verdadeiro, o Bom a realização do Arquétipo que cada um traz entre si. O
homem era a matéria mesma da Grande Obra e assim se explica a passagem
dos Sete Capítulos de Hermes: "A obra está convosco e em vós, de tal modo
que, achando-a em vós próprios, onde ela está continuamente, a tereis sempre
onde quer que estejais, em terra e no mar."14 (14idem)
(...) só o significado místico da alquimia é mesmo verdadeiro: "Fica sabendo que
os filósofos, por precaução, escreveram coisas diversas, a fim de que os
ignorantes, querendo só o ouro ou a prata ,fossem enganados..." 15 (15B. Valentin,
Les Douze Clefs de la Philosophie, Ed. de Minuit, 1956) (...) O ouro não é a
finalidade verdadeira da alquimia. "Tu és a própria matéria da Grande Obra",
escreve também, entre outros, Grillot de Grivry.
A alquimia é a arte da purificação do eu, que torna o homem capaz de aceder ao
Conhecimento, à Revelação, à Unificação Suprema. p. 14

«Em resumo, se queres procurar a nossa Pedra sê sem Pecados, persevera na


virtude, que o teu espírito seja esclarecido pelo amor da luz e da verdade.» 16 (16
idem) Amor da luz e verdade recebe o alquimista quando bem sucedido na sua
Obra: Oculatus abis! Partes munido de olhos, partes clarividente, pode ler-se no
fim do Mutus Liber17 (17 ob.cit.). O alquimista, como místico, tem acesso à
Verdade, ao Absoluto. A via não é fácil: Ora, lege, lege, lege, relege, labora et
invenies. (Reza, lê, lê, lê, relê, trabalha e descobrirás.) É necessária a oração, a
meditação prolongada, o trabalho, até se obter a Iluminação final. p. 15
A Pedra é «dom de Deus». A Pedra é o Cristo, afirmam ainda todos os
alquimistas, na Idade Média. É curioso verificar que a elaboração da Pedra
retoma as diversas fases da vida de Cristo. Michael Maier, alquimista, escreve

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acerca de outro alquimista: «Este homem sábio entendeu o que era imputado à
Pedra filosófica como sendo o nascimento, a vida, a paixão ou a exaltação no
fogo, e em seguida a morte na cor negra e tenebrosa, por fim a ressurreição e a
vida na cor vermelha e a mais perfeita.» p. 16

«Realizei a acção de descer os quinze degraus, caminhando para a escuridão, e


a acção de subir os degraus, caminhando para a luz. É o sacrificador que me
renova, expulsando a natureza espessa do corpo. Assim sagrado sacerdote pela
necessidade, transformo-me em espírito.» p. 16

A alquimia é uma prática e uma meditação, de natureza mística. Do múltiplo se


chega, na alquimia, à revelação do Todo, do Uno: «É belo ver as mutações dos
quatro metais (o chumbo, o cobre, a prata, o estanho) transformados em ouro
perfeito. Mas não nos esqueçamos de que este ouro perfeito é o próprio Espírito
do homem, liberto e transmutado». Para terminar, mais um trecho de Zozimo
[um dos primeiros alquimista conhecidos], tirado do seu Resumo Final:
«Repousa o teu corpo, acalma as tuas paixões, resiste ao desejo, ao prazer, à
cólera, ao desgosto, e às doze fatalidades da morte. Orientando-te assim
chamarás a ti o ser divino, e o ser divino virá até ti, ele que está em toda a parte
e em nenhum lado. [...] Faz estas coisas até que tenhas tornado perfeita a tua
alma.»23 (23Ob. cit.) p.17

Eckhart aconselha, como Zozimo: «Começa por ti mesmo e abandona-te. Na


verdade, a menos que primeiro fujas de ti próprio, para todo o lado onde fugires
encontrarás obstáculos e inquietações...»26 (26 Meister Eckhart, Les Traités, trad.
francesa, Éditions du Seuil, 1971) E ainda: «Para aquele que procedesse
correctamente, na verdade, Deus brilharia nas coisas profanas tão claramente
como na mais divina, se ele possuísse Deus realmente.»27 (27 idem) p. 18

"A Pedra Filosofal é a perfeição" p.18

Na alquimia, o homem, partindo muito embora da matéria (prima materia), é aos


seus próprios e mais profundos enigmas que chega. Ao operar a transmutação
dos "vis metais" em ouro é a si próprio que transforma, surgindo como homem
finalmente iluminado, depois de uma longa procura. p.

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" O caminho, para místicos como para alquimistas, é o que leva da escuridão à
luz, da multiplicidade à unidade, do desejo à realização, da profunda ignorância
à sabedoria suprema.
A perfeição (a Pedra) é o estado em que se vence a morte (o temporal) e se
conquista a imortalidade: «Aquele que conhece o transcendente e o imanente,
com o imanente vence a morte e com o transcendente vence a imortalidade30»
(30«Isa Upanishad», em The Upanishads, trad. do sânscrito de Juan Mascaró,
Penguin Classics, 1970). É isso que o alquimista faz, nisso consiste a Obra: no
conhecimento (na experiência) do transcendente e do imanente (do
transcendente no imanente). p.19

Labirinto e Alquimia

Quanto ao que se pode entender por «verdadeira matéria» dos filósofos... os


seus nomes são muito numerosos, lembraria Dom Pernety, mas só podemos vir
a conhecê-la pelas suas propriedades. O adepto, ao defrontar-se com a sombra,
com os conteúdos do seu inconsciente, integra-os na luz da consciência e
realiza precisamente aquilo a que se chama a «a obra da alma». Neste sentido o
alquimista não se distingue do místico, nem a Pedra que se obtém da
Iluminação. p.99

As trevas das tentações dos místicos correspondem, no adepto, às trevas do


início da obra, dita nigredo, negrura que é forçoso vencer para chegar ao
conhecimento do seu Eu Superior( ...) O labirinto é um dos caminhos do
afrontamento do negro (...) pedra vil (...) ao adepto, quando se encontra no início
da busca, e é portanto vil, pois cheio de imperfeição. pp.99-100

Para Nicolas Flamel, alquimista francês do século XIV, a segunda fase da Obra,
a do branqueamento, ou albedo, é do mesmo modo um labirinto: «... porque aqui
se apresentam mil vias no mesmo instante...»7 (7 Nicolas Flamel, Le livre des
Figures Hieroglyphiques, 1612, reed. Denoël, Paris, 1970, pp. 121-122). O
labirinto é um laboratório. Nele se coagula, se dissolve, ora a terra, ora a água,
faz-se passar a matéria do negro ao branco, para poder chegar ao fim da Obra.
Todo o vocabulário hermético, por vezes tão confuso, não esconde senão uma
única realidade: a da progressão em direcção à luz, depois do afrontamento com

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o negro do inconsciente. O labirinto é, como o mandala, um símbolo do percurso,
da Busca e da Via na sua totalidade. p.100

A pedra filosofal, segundo Flamel e tantos outros alquimistas, tem um corpo,


uma alma e um espírito: «A nossa Pedra tem, como o Homem, Corpo, Alma e
Espírito»10 (10 ob. cit.). A nigredo, na pedra como no homem, é uma alusão às
trevas [à ignorância] e à morte; e a albedo uma referência à iluminação (ao
conhecimento) e à vida.
Raymond Christinger, em Le Voyage dans l'Imaginaire, observa a este respeito:
«Ao reencontrar a saída que se abre para a vida, física, espiritual e social, o
homem acede ao conhecimento, conscientemente. Passando pelo cadinho, o
mineral transforma-se em metal. Do labirinto sai um homem verdadeiro.»11
(11Raymond Christinguer, Le Voyage dans l'Imaginaire, Stock-plus, Paris, 1971,
p.99) p. 101

Fulcanelli, em Le Mystère des Cathédrales, observa que a imagem do labirinto


nos é oferecida como «emblemática do trabalho inteiro da Obra, com as suas
dificuldades maiores: a da via que é conveniente seguir para atingir o centro, —
onde se dá o rude combate das duas naturezas — e a do caminho que o artista
deve seguir para sair de lá.»14 (14Fulcanelli, Le Mystère des Cathédrales, Jean-
Jacques Pauvert, Paris, 1964, p.63) (Estas duas dificuldades ao fim e ao cabo
são só uma: conhecer-se a si próprio e ser capaz de resistir!)
O simbolismo do labirinto exige, para ser bem compreendido, uma imaginação
dinâmica especial. Segundo Gaston Bachelard, todo e qualquer labirinto tem
«uma dimensão inconsciente que é preciso caracterizar»15 (15Gaston Bachelard,
La Terre et les Rêveries du Repos, José Corti, Paris, 1971, p.211). E é preciso
caracterizá-la, como faz Jung, tanto em função do inconsciente que se ignora
como da consciência iluminada que se conhece. Ao labirinto arqueológico
devemos contrapor um labirinto psicológico, menos evidente mas não menos
real. É aquele de que se ocupam os místicos e os alquimistas, aquele que
estabelece a ponte — como a espiral — para uma outra dimensão, a outra
dimensão, o «outro estado» de que nos fala Robert Musil n'O Homem sem
Qualidades. p.102

O labirinto é uma representação do cosmos e de tudo o que, analogicamente, se


lhe pode assemelhar: «o mundo, a vida individual, o templo, a cidade, o homem,
o ventre, a terra-mãe, as circunvoluções do cérebro, a consciência, o coração, a

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alma, a viagem, a peregrinação, a Via.»17 (17Jill Purce, The Mystic Spiral,
Thames and Hudson, London, 1974, p.28). Lembro ainda, para não perder o fio
alquímico que me conduz, os paralelos de que se serve Lambsprinck, autor
alemão citado por Nicolas Flamel: o labirinto é o mar (o corpo) onde nadam dois
peixes, o espírito e a alma18 (18Lambsprinck, Petit Traité de la Pie Philosophale,
1677, reed. Archè, Milano, 1971, p.6); o labirinto é a floresta «que contém um
animal coberto de negro»19 (19Ibid., p.8); e a floresta é o corpo, e contém, numa
outra variante, a alma e o espírito simbolizados por um veado e uma licorna 20
(20Ibid., p.10; e para nomear o adepto repare-se que o termo utilizado é o de
«senhor das florestas» (p.22)). O labirinto é ainda um «vale obscuro» onde se
escondem o leão e a leoa, espírito e alma do corpo que o vale representa. (...)
O labirinto é ainda a montanha, local onde os adeptos adquirem o «dom
celeste/chamado Pedra dos Filósofos» que contém a «força universal»22
(22Lambsprinck, op.cit., p.24). É na montanha que se encontram as «ciências do
universo», a «grandeza do mundo e do mar», e «porta do céu», o «trono», etc. 23
(23ibid., p.26)
O labirinto revela-se deste modo uma imagem arquetípica da Via que deve ser
percorrida, ou construída (pois nela não se distingue o viajante e a viagem), Via
que nos conduz ao centro que é, simultaneamente, circunferência... Retomo as
palavras de Ibn Arabi, da boca de um dos seus Anjos: «Eu sou o Conhecimento,
o Conhecido e o Conhecedor.»24 (24Jill Purce, op.cit., p.31)
Os físicos modernos, como os alquimistas antigos, procuram uma linguagem que
possa exprimir a nossa realidade diante da qual se encontram. Realidade que,
segundo o físico John A. Wheeler, de Princeton (em The Physicist's Conception
of Nature25) (25Citado por Michael Talbot, Mysticism and the New Physics,
Routledge and Kegan Paul, London, 1981), não pode ser observada mas
unicamente participada, pois a realidade subjectiva e objectiva criam-se e
condicionam-se uma à outra. O actovital é o da «participação», e «participante»
é o novo conceito que a mecânica quântica nos fornece e que muito se
assemelha aos conceitos dos velhos alquimistas: para eles nada distingue a
Obra do Adepto, nem o Adepto da Obra. A lógica do sim e do não da teoria
quântica é a mesma do negro e do branco, do seco e do húmido, do solar e do
lunar, dos filósofos herméticos para quem tudo é um, aquilo que está em cima
como aquilo que está em baixo, segundo a Tábua de Esmeralda de Hermes
Trimegisto.
O universo actual, como o dos místicos, revela-se ao mesmo tempo uno e
múltiplo. Devemos entendê-lo como um labirinto de caminhos paralelos que

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estão sempre a desdobrar-se e cujo centro não pode ser atingido senão pelo
adepto. Não virá a despropósito, nesta referência à física moderna e à tradicional
mística alquímica, lembrar o que Jung escreveu em Aion: «Mais tarde ou mais
cedo, a física nuclear e a psicologia do insconsciente aproximar-se-ão — quando
ambes, independentemente uma da outra e a partir de horizontes opostos,
penetrarem mais fundo no território transcendental, uma com o conceito de
átomo e a outra com o de arquétipo.»26 (26Carl Gustav Jung, Aion, em Collected
Works, vol.IX, II, Routledge and Kegan Paul, London, 1968. Jung acrescenta
ainda: «A analogia com a física não é um desvio, uma vez que o próprio
esquema simbólico representa uma descida na matéria e exige a identidade do
exterior com o interior. A psyche não pode ser totalmente diferente da matéria,
senão como poderia ela fazer mexer a matéria? A psyche e a matéria existem
num só e mesmo mundo, e cada uma participa da outra, senão toda a acção
recíproca seria impossível. Se a investigação científica avançasse o suficiente
chegar-se-ia a uma concordância final entre os conceitos físicos e
psicológicos.»)
Pode dizer-se, citando Hermann Hesse e para concluir, que a linguagem da
alquimia, com a dos mitos e símbolos, é uma das linguagens ocultas mais
reveladoras. A alquimia, tal como o jogo das pérolas de vidro, no romamnce do
mesmo nome, procura «a unidade e a harmonia, a esfericidade e a perfeição do
cosmos»27 (27 Hermann Hesse, Das Glasperlenspiel, 1943 (Gesammelte Werke,
in Zwölf, Bdn., 1970). O adepto, como o jogador, é um «participante» no mais
antigo e no mais moderno sentido da palavra:
«O Jogo, tal como o concebo [...] engloba o Jogador, uma vez cumprida a sua
meditação, como a superfície de uma esfera engloba o seu centro; deixa-lhe a
sensação de ter desenvencilhado, neste mundo fortuito e confuso, um todo
perfeitamente simétrico e harmonioso, e de o ter assimilado.»28 (28Ibid., ibid.) pp.
104-105

COMENTÁRIO : Através da leitura destes ensaios de Y. Centeno se


compreende a verdadeira amplitude da "viagem" de Zenão pela "prisão"
que habita nesta vida. A rigidez, poder-se-á mesmo dizer a brutalidade
no discurso que ele demonstra na sua juventude, as leituras e os
estudos que mais tarde, ou desprezará, ou considerará inúteis, são o
conjunto da primeira fase da sua Grande Obra. Ao longo da sua vida, a

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tendência para uma existência sem bens materiais, o desprendimento
da família, a eterna procura do conhecimento e do saber, o desafio do
status quo, são a prova que Zenão se procura a si mesmo, procurando
Aquele que É, quiçá o "Hic Zeno" que ele "atira" em jeito de resposta ao
seu primo, Henrique Maximiliano.

Como em todas as épocas e para mais, num século conturbado pelas


guerras religiosas, pela imundície e pela peste que são consequências
diretas daquelas, Zenão não tem lugar. Digamos que é um ser nascido
no local errado, na altura errada. No entanto, a acreditarmos num
supremo arquitecto universal, Zenão tem como missão neste mundo,
nesta prisão, a procura de algo mais, da transmutação de si próprio, da
sua transformação de um metal vil e comum, no metafórico ouro
precioso; tem, em suma, como missão, o alcançar da liberdade através
do conhecimento profundo de si próprio.

Assim, Zenão, condenado pela igreja sem quaisquer fundamentos (pois


que fundamentos há para se condenar um homem pelas suas ideias)
parte desta prisão terrestre, abrindo as veias e deixando jorrar o seu
sangue que simboliza, quanto a nós, a Obra ao Vermelho.

É, na nossa opinião, de uma beleza metafórica intensa e indiciadora do


términus dessa Obra, as últimas frases do romance: "O ranger das
chaves que rodavam e dos ferrolhos que eram corridos foi apenas, para
ele, o barulho agudíssimo de uma porta a abrir-se. E isto é o mais longe
que se pode chegar no fim de Zenão." (YOURCENAR :1998).

A porta que se abre, o fim que é um recomeço e o que mais será apenas
acessível àqueles que conseguem tornar-se em Pedra Filosofal.

Segundo comentário:

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