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A inexistência de convívio burgueses na maioria das cidades e vilas brasileira, foi, por exemplo,
associada por grande parte dos viajantes à herança mourisca de reclusão. A longínqua tradição
Islâmica de decoro era fator certamente menos significativo do que a do que a imperiosa
necessidade de legar os serviços externos aos escravos, apanágio de condições senhorial tanto
as aparatosas visitas a igrejas e os raros eventos sociais.

Tai excessos de distanciamento e cerimônia social, mediados por traços culturais de caráter
material extremamente formalizados, foram interpretados como padrão de sociabilidade – ou
como uma não-sociabilidade – que caracterizaria as tradições comportamentais brasileiras.
Casa e rua, termos reveladoramente utilizados no singular, foram espaços interpretados como
opostos, sendo a casa aquele destinado à reserva e ordem estável e aruá aquela afeita ao
distúrbio, à desordem, à violência. Transposição bastante evidente de um mesma ordem
binária e simplificadora – aquela entre casa-grande e senzala – para o meio urbano, casa e rua
assim interpretados foram

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conceitos que mais esconderam do que revelaram as peculiaridades e dinâmicas que


caracterizariam as relações sociais existentes nas muito diferentes cidades brasileiras.

[...] as rótulas que guarneciam as portas e janelas das residências urbanas, muito comum nas
cidades brasileiras até a primeira metade do século XIX.

Herdados das antigas práticas arquitetônicas advindas do período da ocupação muçulmana na


Ibéria, as rótulas eram folhas basculantes de gelosias, isto é, das treliças de madeira
compostas por fasquias entrecruzadas. Serviam as rótulas, tanto à aeração dos ambientes
internos quanto ao controle da luminosidade externa, na medida em que o gradeamento
permitia os ventos atravessarem as casas ao mesmo tempo que se filtrava o excesso de raios
solares incidentais. Ao mesmo tempo uso prestava-se também os balões cerrados por gelosias
e rótulas, semelhantes ao mousharabieh árabe. Disseminada a partir dos territórios desérticos
do Oriente Médio e do Norte da África, as treliças de madeira foram sendo adotadas pelas
regiões ao norte do Mediterrâneo, figurando com bastante destaque, por exemplo, na
iconografia veneziana renascentista. A mesma

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adoção dera-se também na Ibéria árabe, tendo o uso das rótulas permanecido em Portugal e
Espanha mesmo após a reconquista, sobretudo nas áreas quentes mais ao sul da península.
Dali, seu uso passou aos trópicos úmido e semi-áridos ocupados por Portugal e Espanha,
preservando a adequação térmica das residências construídas no Ultramar e, certamente,
mediando relações sociais.

Figurando ora em janelas, ora em balcões, as grades de travessas oblíquas de madeira e sua
penumbra teriam servido também, segundo interpretações tradicionais, à preservação do
recato e ao resguardo do lar e do pudor a que estavam induzidas as mulheres nas sociedades
implantadas pela conquista – trancadas em suas casas e protegidas de olhares externos pelas
sombras das rótulas. “Ver em ser visto” é um mote que percorre os discursos tradicionais
sobre o uso social das rótulas, encontradas tanto na maior parte da documentação dos
viajantes – que facilmente podiam espelhar suas
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Referências sobre o Cairo, Sanaa, Jaipur ou Istambul nas plagas tropicais brasileiras – quanto
ainda na produção científica contemporânea. As rótulas, portanto, seriam artefatos que se
prestavam à separação terminante entre casas e ruas, difundindo sua função normalizadora
pelo genérico das cidades brasileiras fundadas já no princípio da ocupação portuguesa da
América.

O escopo deste trabalho consiste em oferecer uma interpretação que procura compreender o
uso social desse artefato de madeira – de uma grade – não como algo que cindia espaços,
dimensões e sociabilidades, mas que, ao contrário da interpretação tradicional, servia à sua
união. Em sociedades urbanas atravessadas pela herança do cerimonial aristocrático
português, radicalizado pela escravidão peculiar ao espaço brasileiro e pelo temos da
decadência advinda das constantes oscilações econômicas, deve-se compreender o
permanente uso das rótulas e balcões vazados como uma prática que viabilizava a
comunicação e sociabilidade, sem que os espaços associados à condição senhorial fossem
formalmente transpostos. Casas e ruas continuavam-se pelas frestas que constituíam as
grades de madeira, cifrando olhares e palavras, sem que o apanágio de distinção social e
espacial – de existência indiscutível – fosse formalmente rompido, que também fazia
comunicar o confessor e o confessante.

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A menção explícita às projeções dos balcões nas fachadas dos sobrados podem indicar o
necessário controle de uma voracidade já latente – ou efetiva – dos proprietários em expandir
suas moradias, nem que fosse em balanços na fachada, pelo ar. Se os quarteirões tinham de
ser quadrados, podia-se ultrapassá-los atravancando a caixa aérea das ruas.

Balcões eram ainda o meio de aeração das casas e do refrescar dos habitantes através das
rótulas de madeira ou de urupemas, trançados mais rústicos de origem indígena, feitos com
folhas de palmeiras. Eram ainda o espaço luso-fusco, do trânsito tênue da luz entre o exterior
e os interiores domésticos, garantidos, garantidores do sombreado que assegurava o mister de
discrições herdadas da moirama e adoradas pelos cristãos ibéricos na Reconquista. Seus
múltiplos usos ensejavam cobiças espaciais cuja audácia justificava a urgência das medidas da
câmara de Salvador, tomadas logo após a expulsão holandesa para que assegurasse o controle
das edificações a serem reerguidas. Reproduziram-se na Bahia as perseguições já a muito
realizadas na Metrópole e na própria Lisboa.

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