Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
30
A inexistência de convívio burgueses na maioria das cidades e vilas brasileira, foi, por exemplo,
associada por grande parte dos viajantes à herança mourisca de reclusão. A longínqua tradição
Islâmica de decoro era fator certamente menos significativo do que a do que a imperiosa
necessidade de legar os serviços externos aos escravos, apanágio de condições senhorial tanto
as aparatosas visitas a igrejas e os raros eventos sociais.
Tai excessos de distanciamento e cerimônia social, mediados por traços culturais de caráter
material extremamente formalizados, foram interpretados como padrão de sociabilidade – ou
como uma não-sociabilidade – que caracterizaria as tradições comportamentais brasileiras.
Casa e rua, termos reveladoramente utilizados no singular, foram espaços interpretados como
opostos, sendo a casa aquele destinado à reserva e ordem estável e aruá aquela afeita ao
distúrbio, à desordem, à violência. Transposição bastante evidente de um mesma ordem
binária e simplificadora – aquela entre casa-grande e senzala – para o meio urbano, casa e rua
assim interpretados foram
Pg. 31
[...] as rótulas que guarneciam as portas e janelas das residências urbanas, muito comum nas
cidades brasileiras até a primeira metade do século XIX.
Pg.32
adoção dera-se também na Ibéria árabe, tendo o uso das rótulas permanecido em Portugal e
Espanha mesmo após a reconquista, sobretudo nas áreas quentes mais ao sul da península.
Dali, seu uso passou aos trópicos úmido e semi-áridos ocupados por Portugal e Espanha,
preservando a adequação térmica das residências construídas no Ultramar e, certamente,
mediando relações sociais.
Figurando ora em janelas, ora em balcões, as grades de travessas oblíquas de madeira e sua
penumbra teriam servido também, segundo interpretações tradicionais, à preservação do
recato e ao resguardo do lar e do pudor a que estavam induzidas as mulheres nas sociedades
implantadas pela conquista – trancadas em suas casas e protegidas de olhares externos pelas
sombras das rótulas. “Ver em ser visto” é um mote que percorre os discursos tradicionais
sobre o uso social das rótulas, encontradas tanto na maior parte da documentação dos
viajantes – que facilmente podiam espelhar suas
Pg. 33
Referências sobre o Cairo, Sanaa, Jaipur ou Istambul nas plagas tropicais brasileiras – quanto
ainda na produção científica contemporânea. As rótulas, portanto, seriam artefatos que se
prestavam à separação terminante entre casas e ruas, difundindo sua função normalizadora
pelo genérico das cidades brasileiras fundadas já no princípio da ocupação portuguesa da
América.
O escopo deste trabalho consiste em oferecer uma interpretação que procura compreender o
uso social desse artefato de madeira – de uma grade – não como algo que cindia espaços,
dimensões e sociabilidades, mas que, ao contrário da interpretação tradicional, servia à sua
união. Em sociedades urbanas atravessadas pela herança do cerimonial aristocrático
português, radicalizado pela escravidão peculiar ao espaço brasileiro e pelo temos da
decadência advinda das constantes oscilações econômicas, deve-se compreender o
permanente uso das rótulas e balcões vazados como uma prática que viabilizava a
comunicação e sociabilidade, sem que os espaços associados à condição senhorial fossem
formalmente transpostos. Casas e ruas continuavam-se pelas frestas que constituíam as
grades de madeira, cifrando olhares e palavras, sem que o apanágio de distinção social e
espacial – de existência indiscutível – fosse formalmente rompido, que também fazia
comunicar o confessor e o confessante.
Pg. 60
A menção explícita às projeções dos balcões nas fachadas dos sobrados podem indicar o
necessário controle de uma voracidade já latente – ou efetiva – dos proprietários em expandir
suas moradias, nem que fosse em balanços na fachada, pelo ar. Se os quarteirões tinham de
ser quadrados, podia-se ultrapassá-los atravancando a caixa aérea das ruas.
Balcões eram ainda o meio de aeração das casas e do refrescar dos habitantes através das
rótulas de madeira ou de urupemas, trançados mais rústicos de origem indígena, feitos com
folhas de palmeiras. Eram ainda o espaço luso-fusco, do trânsito tênue da luz entre o exterior
e os interiores domésticos, garantidos, garantidores do sombreado que assegurava o mister de
discrições herdadas da moirama e adoradas pelos cristãos ibéricos na Reconquista. Seus
múltiplos usos ensejavam cobiças espaciais cuja audácia justificava a urgência das medidas da
câmara de Salvador, tomadas logo após a expulsão holandesa para que assegurasse o controle
das edificações a serem reerguidas. Reproduziram-se na Bahia as perseguições já a muito
realizadas na Metrópole e na própria Lisboa.