Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Monique F. de M. Prado1
Yuri J. de P. Motta2
Introdução
1
Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Federal Fluminense e Mestranda no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do INCT-
InEAC/UFF e NSD/UFF.
2
Bacharel em Políticas Públicas pela Universidade Federal Fluminense e Mestrando no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do INCT-
InEAC/UFF.
1
Os termos “maconheira” e “maconheiro” são utilizados como categoria nativa
para definir pessoas que fazem uso da maconha, seja pelos próprios integrantes dos
grupos de usuários, seja por usuários que se reconhecem em diferentes partes do Brasil
e até mesmo por pessoas que não utilizam maconha, mas reconhecem os usuários de
uma forma estereotipada, seja ela positiva ou não.
A partir de um breve histórico sobre o proibicionismo no Brasil, tentaremos
compreender como a “guerra às drogas” afeta de maneira diferenciada mulheres e
homens que fazem uso da maconha e como eles lidam com as normatividades, formais e
informais. Aprendendo por meio de técnicas e práticas de uso, a driblarem os aparatos
de repressão estatais e situações de machismo, especificamente no caso das mulheres
que são as mais prejudicadas, principalmente as mulheres negras.
Angela Davis analisa os dilemas contemporâneos da mulher relacionando-os
com as lutas feministas, anticapitalistas, antirracistas e antiescravagistas, demonstrando
que a relação e necessidade de coexistência dessas lutas, são necessárias uma vez que as
mulheres são afetadas pelo sistema capitalista através da exploração do trabalho, da
exploração sexual, do gênero e da cor. Isso ocorreu após um processo de acumulação
que estrutura a sociedade a partir das opressões de raça, gênero e classe se refletindo em
mecanismos de controle e dominação (DAVIS, 1981).
A dominação racial é um dos principais pilares para a tentativa de manutenção
dessa estruturação, que começou a ser imposta durante a escravidão e é perpetuada até
hoje. Isso ajuda a tornar as mulheres negras muito mais vulneráveis e marginalizadas
socialmente devido às consequências de toda essa acumulação histórica de exploração e
dominação de uma sociedade machista, racista e capitalista.
Não é por acaso que dificilmente uma mulher negra ao ser flagrada com
maconha receberá o mesmo tratamento que uma mulher loira e moradora de uma área
nobre. Contudo, é preciso destacar que o intuito deste trabalho não é se aprofundar
nessa questão, e nem contrastar essas especificidades, uma vez que nossos
interlocutores estão inseridos em um contexto social privilegiado economicamente.
O cultivo, a venda e consumo da maconha são ilegais no Brasil e na maior parte
do mundo devido a uma série de construções ideológicas que se estruturaram nas
sociedades. Dentre elas podemos citar a “Guerra às drogas” encabeçada pelo presidente
americano Richard Nixon em 1971 e chancelada pela ONU, que teve como principal
resultado a proibição de drogas consideradas perigosas, dentre elas a maconha.
2
Essa proibição que ainda vigora na maior parte dos países, ajuda a compreender
o motivo do uso da maconha ser considerado um tabu, e como se construíram alguns
dos preconceitos e estereótipos que recaem sobre seus usuários. A legitimidade do
paradigma médico jurídico permite restringir as liberdades individuais das pessoas
através do grande aparato estatal de controle, onde os campos da biomedicina e do
direito são os únicos considerados oficiais para falarem sobre o que é uma droga ilícita
ou não. (POLICARPO, 2013).
Popularmente conhecida como maconha, a cannabis é uma planta anual que
passa pelo ciclo vegetativo (germinação, brotação e estado vegetativo), e morre ao final
do ciclo da floração (pré-flora e floração). É também uma planta dióica, o que significa
que ela possui plantas machos e fêmeas. O macho só costuma ser cultivado para
produzir sementes.
Normalmente quando a intenção é cultivar plantas para consumi-las, aos
primeiros sinais de que ela é macho, o cultivador a mata para aperfeiçoar a colheita,
pois do contrário corre-se o risco de as fêmeas serem fecundadas pelo pólen masculino,
o que faria com que as flores da fêmea conhecidas como buds, deixem de produzir
resina - onde está a maior concentração de canabinóides, responsáveis pelos efeitos
terapêuticos e psicoativos – pois a planta utilizaria sua energia e recursos para
transformar os buds em sementes. Logo, o que é consumido pelas maconheiras e
maconheiros nada mais é do que uma flor, que biologicamente é o útero de uma planta
fêmea.
A prática do cultivo no Brasil, ainda não é uma realidade acessível para todos,
como explica Verissímo (2013), ao falar sobre a produção e venda do prensado que
possui uma qualidade inferior, e comumente é comercializado ilegalmente no Rio de
Janeiro. Por isso, uma vez que o uso, cultivo e o comércio da cannabis não são
regularizados legalmente no Brasil, usuárias e usuários para terem acesso à maconha
3
têm que se submeter ao mercado varejista e ilegal de drogas, que no Rio de Janeiro
normalmente ocorre em locais conhecidos como bocas de fumo, situados em regiões
periféricas controladas pelo tráfico.
Assim como relatado por nossas interlocutoras e interlocutores, a boca é um
lugar onde prevalece majoritariamente a presença de homens, geralmente armados, uma
vez que a maneira que o tráfico administra a proteção do seu território e comércio é
através do combate armado. Por isso, ficam preparados para entrarem em confrontos
com policiais ou facções rivais a qualquer momento, o que gera uma sensação de
intimidação e insegurança.
Na organização do tráfico, a venda das drogas é feita pelos vapores3 que ficam
atrás de mesas, nas quais as drogas ficam expostas, ou nas vielas com mochilas onde se
encontram as substâncias.
Nesses locais, usuárias e usuários ficam sujeitos a passar pelas regras informais
que regem o crime organizado e também estão vulneráveis a colocar suas vidas em
risco, no caso de ocorrerem confrontos entre policiais e traficantes. Outros problemas
estão relacionados com a falta de qualidade da maconha, e o risco de enquadramento
policial. Este último pode levar a constrangimentos, humilhações, agressões, prisão ou
algum tipo de violência sexual. Essas considerações são pertinentes para ajudar a
contextualizar como o cenário proibicionista, é um dos fatores determinantes para
proporcionar diferenças entre o consumo feminino e masculino de maconha no Brasil.
Como será demonstrado através do relato a seguir:
Eu fui ao morro do Estado junto com a Carol nesse dia. Subimos uma das escadarias
que dava acesso a um dos pontos de venda e já percebemos a movimentação. No fim da subida
havia um homem que aparentava ter em torno de 30 anos com um rádio na mão se
comunicando com alguém. Falamos que a gente queria maconha, e ele disse que só tinha a “de
dez” e nos mandou esperar em uma fila atrás de outros dois rapazes, depois pediu para eu
voltar e ficar ao seu lado para não tumultuar a compra. Dei a minha parte do dinheiro para a
Carol, e fiquei esperando enquanto ele ficou tentando puxar assunto. Quando começamos a
descer para ir embora, ele foi atrás e pediu para a Carol me esperar lá embaixo, aí me chamou
para sair depois e beber uma cerveja, também disse que ia me dar maconha se eu quisesse.
Depois de muita insistência eu consegui ir embora. Mas foi muito tenso, fiquei muito nervosa,
com medo dele não me deixar descer, mas tentei manter a calma, disse que não ia passar meu
3
Estrutura sobre a organização do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, consultar: Misse, 1997.
4
número porque não estava querendo me envolver com ninguém, mas que voltava outro dia...
Óbvio que nunca mais voltei né. (Mel, 22 anos, professora)
“Fazendo o corre”
Formas de aquisição da maconha
Uma vez fui à boca para pegar maconha no Rio de Janeiro. Era um morro
pequeno e não tinha muita movimentação de usuários. Fui sozinho e chegando lá tinha
um cara com uma doze 4
na mão e assim que me viu rapidamente disse: “ai playboy,
levanta essa blusa!”. Ele pediu isso para ver se eu estava armado. Se isso aconteceu
comigo que sou branco e tenho 1,70 m, imagina com a minha tia Leia que tem 1,80 e
maior cara de policia. *risos*. Acho que para ela no caso eles nem iriam vender.
(Nauta, 22 anos, estudante)
Diferente da situação de Mel, Tia Leia possui muito mais facilidade para
conseguir a sua própria maconha, assim como Sol (interlocutora do próximo relato), não
precisando recorrer às bocas por exemplo. Segundo os relatos de nossas interlocutoras e
interlocutores, contatos que realizam a venda da erva estão cada vez mais se adequando
às demandas e realizando entregas, seja a domicílio, seja com encontros marcados por
ambos. Além de segurança para quem compra e melhor qualidade na oferta, a maconha
pode ser comprada a peso, ou seja, de acordo com o pedido do cliente, diferente das
bocas onde as dolas5 tem uma quantidade pré-estabelecida e muitas vezes não possui o
tamanho que o cliente quer.
Somos senhoras do nosso próprio destino, não precisamos dar em cima de um homem
para conseguir um baseado. Eu posso plantar, ter acesso a uma entrega segura por
telefone, sem precisar subir o morro, então ficou muito mais acessível para a mulher de
classe média [...]Hoje em dia fumar deixou de ser marginalizado e passou a ser certo
status. A mulher que fuma demonstra que é independente. Você conhece um cara e ele
vê que você trabalha, tem sua independência, e tem o seu baseado, nossa! Muitos se
oprimem, porque eles acham que o ápice é ele acender o baseado para você, mas o seu
é melhor que o dele – risadas. (Sol, 27 anos, advogada)
4
Arma calibre 12, mais conhecida como escopeta ou shotgun.
5
Pedaços de maconha embalados por plástico.
5
A segurança em adquirir a maconha é valorizada por consumidores
independente do sexo. Porém, quando falamos em segurança é necessário que levemos
em consideração os riscos. As mulheres, além de passarem por casos únicos nas bocas
também enfrentam problemas específicos com relação às abordagens policiais. Aqueles
que deveriam assegurar a proteção acabam se beneficiando do poder simbólico da
função que exercem, por exemplo, subornando usuários de drogas em troca de não
serem levados para a delegacia.
Abordagem policial
Segurança ou violência?
6
tempo todo pensando que ia ser estuprada e violentada, até que eles conseguiram que a
gente falasse onde morava e eles nos deixaram lá pela Barata Ribeiro. E detalhe, nos
seis meses seguintes eles passavam pela casa dessa minha amiga e faziam uma parada
que em Vitória a gente chama de “duzentar”, que é mexer com a pessoa e subornar,
dizendo que iam contar para o porteiro [...]. Foi uma sensação de impotência. (Sol, 27
anos, advogada)
Há uns anos atrás, indo para um passeio na praia com a tia Leia, eu estava levando
uma quantidade razoável de maconha na mochila e ela alguns cigarros de maconha já
prontos para a viagem. Quando chegamos na metade do caminho fomos parados por
policiais federais na Via Dutra (estrada que liga Rio de Janeiro a São paulo), na hora
eu fiquei muito nervoso porque estava com 25 gramas de maconha na mochila e a Tia
Leia não sabia. Os guardas nos pararam, pediram o documento e rapidamente nos
dispensaram. É óbvio que foi porque eu estava com ela. Ela é professora e já é mais
velha, os policiais não iam pedir para revista-la. (Nauta, 22 anos, estudante)
6
Dados obtidos através do link: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/02/01/O-
encarceramento-de-mulheres-no-Brasil-e-no-mundo Acessado em 15/08/2017.
7
A forma como as usuárias e usuários reagem à abordagem, é fundamental para
como a atuação policial será feita. No relato a seguir, assim como Sol, Mário e seu
amigo também tinham maconha e foram abordados pela polícia. Segundo nossas
entrevistas e trabalho de campo revelaram, os fatores que são mais determinantes para
uma atuação hostil são: a cor da pele, a classe social e o sexo. Mário e seu amigo não
sofreram com qualquer tipo de violência sexual, nem perseguição, mas com ameaças,
humilhações e com a dúvida sobre o que aconteceria.
No domingo, voltando para o Rio de Janeiro, Nauta e Cabelin foram parados em uma
blitz por policiais rodoviários. Cabelin estava dirigindo e Nauta estava preparando um
beck7 para fumarem. “Cara, a gente fez a curva e logo demos de cara com uma blitz.
Não teve nem como esconder as coisas. Assim que nos pararam mandaram logo a gente
descer, antes mesmo de pedir nossos documentos. Colocaram a gente de frente para o
carro com as mãos na cabeça e já foram logo perguntando: “vocês tem drogas? Se
tiverem é melhor entregarem porque vamos revistar o carro todo”. Eu não tinha outra
opção, estava tudo em cima do banco: dichavador8, seda9 e maconha. Me vi em uma
situação desesperadora e rapidamente disse: “Eu tenho senhor”. Ele então perguntou:
“Tem o que?”. “Maconha” eu disse, “sou usuário”. Eu assumi a droga como minha e
livrei o Cabelin dessa. Mesmo depois de entregar tudo na mão dele, eles fizeram
questão de tirar tudo de dentro das nossas malas e olhar parte por parte do carro. Nos
levaram para a delegacia da cidade mais próxima. Chegando na cidade os policiais
fizeram questão de passar bem devagar na praça da cidade que estava bem
movimentada, para todo mundo ver, fiquei com muita vergonha. A delegacia estava sem
sistema e rodamos durante três horas em três cidades diferentes. Fizeram uma ficha
descrevendo nossas características, eu assinei o termo como usuário e o Cabelin como
testemunha. A verdade é que eu acho que o delegado ficou “puto” de terem acordado
ele pra isso. Ficaram com todos os meus pertences, a maconha já era de se esperar,
agora as outras coisas eu questionei mais de uma vez porque são objetos vendidos em
tabacaria e não tinha porque ficaram detidos. Fomos para casa 4 horas da manhã e
depois de mais de um ano nunca recebi nenhuma intimação sobre o caso. É claro que
7
Cigarro de maconha.
8
Objeto usado para triturar a maconha.
9
Papel de arroz usado para enrolar os cigarros de maconha.
8
tudo terminou bem porque eu disse que sou professor de inglês, somos brancos e o
carro era do pai do Cabelin. (Nauta, 22 anos, estudante)
“O primeiro tapa”
Iniciação ao uso e a circulação de saberes
Para fugir do termo “droga” que é empregado diante dos discursos “oficiais”
como algo genérico entre todas as substâncias psicoativas, o autor Norman Zinberg
(1982), considera que o uso padrão e frequente da maconha, parte do contexto
sociocultural do usuário. Esse contexto é denominado pelo autor de social setting, e
representa basicamente controles sociais e informais juntamente com técnicas de
consumo.
Segundo Zinberg (1982) existem três noções socioculturais que partem do
contexto empírico dos próprios usuários, são eles: a droga em si, ou seja, a ação
farmacológica da substância; a noção de set, isto é, o estado do indivíduo no momento,
considerando sua personalidade e condições físicas e psicológicas; e por fim a noção de
setting, que se baseia no cenário ou no ambiente social, considerando o lugar, as
companhias, a percepção social e os significados culturais atribuídos ao uso.
Para complementar a noção de social setting, Howard Becker (1966) considera
que o contato com outros usuários é de suma importância para a aprendizagem e a
identificação dos efeitos, da forma adequada de inalar, sua apreciação, técnicas para se
adquirir a substância e até mesmo de como o usuário interage com as forças repressivas.
9
Nauta não tem dúvidas de que mais importante que isso foi a influência de sua tia. Hoje
com quase 50 anos, Leia, tia de Nauta, consome maconha desde os 15 anos de idade.
Já fez uso de diversas outras substâncias, mas optou a consumir apenas maconha
diariamente por motivos de redução de danos, e álcool apenas aos finais de semana.
Quando Nauta tinha mais ou menos 5 anos de idade, Leia consumia maconha do lado
de Nauta quando saiam juntos. Nessas situações, Nauta era “usado” para disfarçar e
esconder o consumo para o resto da família. Nauta relatou com vagas memórias que
saiam juntos de carro, ele sentado no banco de trás e Leia dirigindo enquanto fumava.
Nauta sempre perguntava o que era aquilo e ela respondia sempre: “incenso”. Com o
passar do tempo, Leia não deixou de fumar maconha do lado de Nauta e ele que por
sua vez já havia iniciado o consumo em outros contextos, começou a conversar com ela
sobre o assunto. Através da sua tia, ele conseguiu ter um amplo acesso a redes de
contatos que forneciam maconha e também a observando, aprendeu técnicas de
consumo e de armazenamento da maconha, guardando no congelador para não mofar,
por exemplo. (Nauta, 22 anos, estudante)
10
Conclusões
11
e usuários dessas situações, através de políticas que amenizem os problemas que
costumam ser atribuídos às drogas, enxergando essa questão como um problema de
saúde e não de segurança pública, o que pode ser feito, por exemplo, através de políticas
de redução de danos.
Referências
DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Tradução Heci Regina Candiani. – 1. Ed. –
São Paulo: Boitempo, 2016.
12
VERÍSSIMO, M. Maconheiros, fumons e growers: um estudo comparativo do
consumo e do cultivo caseiro de canábis no Rio de Janeiro e em Buenos Aires.
Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-graduação em Antropologia,
Niterói, 2013.
ZINBERG, N. Drug, set and setting: the basis for controlled intoxicante use. New
haven: yale University Press, 1984.
13