Sei sulla pagina 1di 13

As práticas de uso da maconha entre maconheiras e maconheiros no

estado do Rio de Janeiro: comparações e apontamentos sobre


perspectivas em torno do consumo

Monique F. de M. Prado1
Yuri J. de P. Motta2

Introdução

O objetivo principal deste artigo é analisar as práticas de uso em torno da


Cannabis, especificamente no estado no Rio de Janeiro, buscando compreender como as
questões de gênero interferem no consumo devido às especificidades femininas e
masculinas, dentro do contexto proibicionista.
A principal forma de uso entre os interlocutores escolhidos para este estudo
consiste no ato de fumar a erva cannabis sativa l., portanto, a compreensão sobre as
práticas de uso partem de campos de socialização, como por exemplo, as “rodas de
fumo”, experiências de aquisição e de abordagens policiais.
A partir de dados etnográficos coletados em trabalho de campo, adotamos o
método proposto por Malinowski (1978) que consiste na observação participante para
tentar compreender como o gênero interfere nas práticas de uso. É importante destacar
que adotamos o termo “práticas de uso” para descrever diferentes técnicas que vão
desde o processo de iniciação ao uso, passando pelas percepções do efeito, técnicas de
aquisição da substância e reações a abordagens policiais.
Visamos o método de entrevistas não estruturadas previamente justamente para
valorizar o estudo em profundidade e também para garantir maior confiança com os
interlocutores. Para isso, alteramos os nomes verdadeiros e adotamos nomes fictícios
para preservar a identidade de nossos interlocutores.

1
Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Federal Fluminense e Mestranda no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do INCT-
InEAC/UFF e NSD/UFF.
2
Bacharel em Políticas Públicas pela Universidade Federal Fluminense e Mestrando no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do INCT-
InEAC/UFF.

1
Os termos “maconheira” e “maconheiro” são utilizados como categoria nativa
para definir pessoas que fazem uso da maconha, seja pelos próprios integrantes dos
grupos de usuários, seja por usuários que se reconhecem em diferentes partes do Brasil
e até mesmo por pessoas que não utilizam maconha, mas reconhecem os usuários de
uma forma estereotipada, seja ela positiva ou não.
A partir de um breve histórico sobre o proibicionismo no Brasil, tentaremos
compreender como a “guerra às drogas” afeta de maneira diferenciada mulheres e
homens que fazem uso da maconha e como eles lidam com as normatividades, formais e
informais. Aprendendo por meio de técnicas e práticas de uso, a driblarem os aparatos
de repressão estatais e situações de machismo, especificamente no caso das mulheres
que são as mais prejudicadas, principalmente as mulheres negras.
Angela Davis analisa os dilemas contemporâneos da mulher relacionando-os
com as lutas feministas, anticapitalistas, antirracistas e antiescravagistas, demonstrando
que a relação e necessidade de coexistência dessas lutas, são necessárias uma vez que as
mulheres são afetadas pelo sistema capitalista através da exploração do trabalho, da
exploração sexual, do gênero e da cor. Isso ocorreu após um processo de acumulação
que estrutura a sociedade a partir das opressões de raça, gênero e classe se refletindo em
mecanismos de controle e dominação (DAVIS, 1981).
A dominação racial é um dos principais pilares para a tentativa de manutenção
dessa estruturação, que começou a ser imposta durante a escravidão e é perpetuada até
hoje. Isso ajuda a tornar as mulheres negras muito mais vulneráveis e marginalizadas
socialmente devido às consequências de toda essa acumulação histórica de exploração e
dominação de uma sociedade machista, racista e capitalista.
Não é por acaso que dificilmente uma mulher negra ao ser flagrada com
maconha receberá o mesmo tratamento que uma mulher loira e moradora de uma área
nobre. Contudo, é preciso destacar que o intuito deste trabalho não é se aprofundar
nessa questão, e nem contrastar essas especificidades, uma vez que nossos
interlocutores estão inseridos em um contexto social privilegiado economicamente.
O cultivo, a venda e consumo da maconha são ilegais no Brasil e na maior parte
do mundo devido a uma série de construções ideológicas que se estruturaram nas
sociedades. Dentre elas podemos citar a “Guerra às drogas” encabeçada pelo presidente
americano Richard Nixon em 1971 e chancelada pela ONU, que teve como principal
resultado a proibição de drogas consideradas perigosas, dentre elas a maconha.

2
Essa proibição que ainda vigora na maior parte dos países, ajuda a compreender
o motivo do uso da maconha ser considerado um tabu, e como se construíram alguns
dos preconceitos e estereótipos que recaem sobre seus usuários. A legitimidade do
paradigma médico jurídico permite restringir as liberdades individuais das pessoas
através do grande aparato estatal de controle, onde os campos da biomedicina e do
direito são os únicos considerados oficiais para falarem sobre o que é uma droga ilícita
ou não. (POLICARPO, 2013).
Popularmente conhecida como maconha, a cannabis é uma planta anual que
passa pelo ciclo vegetativo (germinação, brotação e estado vegetativo), e morre ao final
do ciclo da floração (pré-flora e floração). É também uma planta dióica, o que significa
que ela possui plantas machos e fêmeas. O macho só costuma ser cultivado para
produzir sementes.
Normalmente quando a intenção é cultivar plantas para consumi-las, aos
primeiros sinais de que ela é macho, o cultivador a mata para aperfeiçoar a colheita,
pois do contrário corre-se o risco de as fêmeas serem fecundadas pelo pólen masculino,
o que faria com que as flores da fêmea conhecidas como buds, deixem de produzir
resina - onde está a maior concentração de canabinóides, responsáveis pelos efeitos
terapêuticos e psicoativos – pois a planta utilizaria sua energia e recursos para
transformar os buds em sementes. Logo, o que é consumido pelas maconheiras e
maconheiros nada mais é do que uma flor, que biologicamente é o útero de uma planta
fêmea.

A maconha prensada, de origem paraguaia, encontrada em grande escala nos


mercados clandestinos estabelecidos na América do Sul, por sua vez, contém,
além das flores (que, nesse caso, nem sempre são colhidas em sua plenitude
de sabor e qualidades psicoativas), folhas, talos, e outras impurezas,
formando uma matéria sólida e dura. Não raro, é armazenada por meses em
condições que quase nunca são as melhores para a manutenção de suas
qualidades. Isso permite a existência de agentes tóxicos no produto, como
mofo, amônia, fungos, etc. O uso do termo “prensado”, para referir-se à
mesma coisa (o derivado da maconha que abastece os mercados clandestinos
na parte mais ao sul da America do Sul. (Veríssimo, 2013, P.12)

A prática do cultivo no Brasil, ainda não é uma realidade acessível para todos,
como explica Verissímo (2013), ao falar sobre a produção e venda do prensado que
possui uma qualidade inferior, e comumente é comercializado ilegalmente no Rio de
Janeiro. Por isso, uma vez que o uso, cultivo e o comércio da cannabis não são
regularizados legalmente no Brasil, usuárias e usuários para terem acesso à maconha

3
têm que se submeter ao mercado varejista e ilegal de drogas, que no Rio de Janeiro
normalmente ocorre em locais conhecidos como bocas de fumo, situados em regiões
periféricas controladas pelo tráfico.
Assim como relatado por nossas interlocutoras e interlocutores, a boca é um
lugar onde prevalece majoritariamente a presença de homens, geralmente armados, uma
vez que a maneira que o tráfico administra a proteção do seu território e comércio é
através do combate armado. Por isso, ficam preparados para entrarem em confrontos
com policiais ou facções rivais a qualquer momento, o que gera uma sensação de
intimidação e insegurança.
Na organização do tráfico, a venda das drogas é feita pelos vapores3 que ficam
atrás de mesas, nas quais as drogas ficam expostas, ou nas vielas com mochilas onde se
encontram as substâncias.
Nesses locais, usuárias e usuários ficam sujeitos a passar pelas regras informais
que regem o crime organizado e também estão vulneráveis a colocar suas vidas em
risco, no caso de ocorrerem confrontos entre policiais e traficantes. Outros problemas
estão relacionados com a falta de qualidade da maconha, e o risco de enquadramento
policial. Este último pode levar a constrangimentos, humilhações, agressões, prisão ou
algum tipo de violência sexual. Essas considerações são pertinentes para ajudar a
contextualizar como o cenário proibicionista, é um dos fatores determinantes para
proporcionar diferenças entre o consumo feminino e masculino de maconha no Brasil.
Como será demonstrado através do relato a seguir:

Eu fui ao morro do Estado junto com a Carol nesse dia. Subimos uma das escadarias
que dava acesso a um dos pontos de venda e já percebemos a movimentação. No fim da subida
havia um homem que aparentava ter em torno de 30 anos com um rádio na mão se
comunicando com alguém. Falamos que a gente queria maconha, e ele disse que só tinha a “de
dez” e nos mandou esperar em uma fila atrás de outros dois rapazes, depois pediu para eu
voltar e ficar ao seu lado para não tumultuar a compra. Dei a minha parte do dinheiro para a
Carol, e fiquei esperando enquanto ele ficou tentando puxar assunto. Quando começamos a
descer para ir embora, ele foi atrás e pediu para a Carol me esperar lá embaixo, aí me chamou
para sair depois e beber uma cerveja, também disse que ia me dar maconha se eu quisesse.
Depois de muita insistência eu consegui ir embora. Mas foi muito tenso, fiquei muito nervosa,
com medo dele não me deixar descer, mas tentei manter a calma, disse que não ia passar meu

3
Estrutura sobre a organização do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, consultar: Misse, 1997.

4
número porque não estava querendo me envolver com ninguém, mas que voltava outro dia...
Óbvio que nunca mais voltei né. (Mel, 22 anos, professora)

“Fazendo o corre”
Formas de aquisição da maconha

Uma vez fui à boca para pegar maconha no Rio de Janeiro. Era um morro
pequeno e não tinha muita movimentação de usuários. Fui sozinho e chegando lá tinha
um cara com uma doze 4
na mão e assim que me viu rapidamente disse: “ai playboy,
levanta essa blusa!”. Ele pediu isso para ver se eu estava armado. Se isso aconteceu
comigo que sou branco e tenho 1,70 m, imagina com a minha tia Leia que tem 1,80 e
maior cara de policia. *risos*. Acho que para ela no caso eles nem iriam vender.
(Nauta, 22 anos, estudante)

Diferente da situação de Mel, Tia Leia possui muito mais facilidade para
conseguir a sua própria maconha, assim como Sol (interlocutora do próximo relato), não
precisando recorrer às bocas por exemplo. Segundo os relatos de nossas interlocutoras e
interlocutores, contatos que realizam a venda da erva estão cada vez mais se adequando
às demandas e realizando entregas, seja a domicílio, seja com encontros marcados por
ambos. Além de segurança para quem compra e melhor qualidade na oferta, a maconha
pode ser comprada a peso, ou seja, de acordo com o pedido do cliente, diferente das
bocas onde as dolas5 tem uma quantidade pré-estabelecida e muitas vezes não possui o
tamanho que o cliente quer.

Somos senhoras do nosso próprio destino, não precisamos dar em cima de um homem
para conseguir um baseado. Eu posso plantar, ter acesso a uma entrega segura por
telefone, sem precisar subir o morro, então ficou muito mais acessível para a mulher de
classe média [...]Hoje em dia fumar deixou de ser marginalizado e passou a ser certo
status. A mulher que fuma demonstra que é independente. Você conhece um cara e ele
vê que você trabalha, tem sua independência, e tem o seu baseado, nossa! Muitos se
oprimem, porque eles acham que o ápice é ele acender o baseado para você, mas o seu
é melhor que o dele – risadas. (Sol, 27 anos, advogada)
4
Arma calibre 12, mais conhecida como escopeta ou shotgun.
5
Pedaços de maconha embalados por plástico.

5
A segurança em adquirir a maconha é valorizada por consumidores
independente do sexo. Porém, quando falamos em segurança é necessário que levemos
em consideração os riscos. As mulheres, além de passarem por casos únicos nas bocas
também enfrentam problemas específicos com relação às abordagens policiais. Aqueles
que deveriam assegurar a proteção acabam se beneficiando do poder simbólico da
função que exercem, por exemplo, subornando usuários de drogas em troca de não
serem levados para a delegacia.

Ao longo da história da humanidade, as pessoas tentam alterar a consciência através


do uso de substâncias alucinógenas, essa é uma realidade, que nunca mudou e não vai
mudar. Se hoje nos arriscamos subindo morros, comprando e negociando em um
mercado tão imprevisível e letal, como é esse dominado pelo tráfico de drogas, é
porque não possuímos outra opção. Nem todos podem arcar com os custos de comprar
com “vendedores do asfalto” que cobram bem mais caro, ou de pagar para um
“avião”, em troca de segurança e qualidade. E nós mulheres, nos expomos a um risco
muito maior por vivermos em uma sociedade machista. Porque quando nos assumimos
como usuárias e nos responsabilizamos pela compra do nosso fumo, somos duplamente
estigmatizadas: por sermos “maconheiras” e “mulheres”, o que nos torna mais
vulneráveis e passíveis de sofrermos uma violência física, sexual ou psicológica. (Mel,
22 anos, professora)

Abordagem policial
Segurança ou violência?

Eu cheguei em Copacabana e assim que eu desci do ônibus, os caras (policiais)


começaram a mexer comigo, me abordaram e ficaram me perguntando: “O que é que
você está fazendo aqui sozinha? É de onde?”. Eu falei: “Não sou obrigada a responder
isso não”. Eu estava com uma ponta na mochila, ai eles me revistaram e encontraram
jogada assim com marca de batom. Me colocaram dentro de uma viatura, me levaram
ali pelo Cantagalo, Arcoverde e eu não sabia o que eles iriam fazer comigo. Eu estava
com uma amiga e a gente estava com a camisa do flamengo, eles ficaram falando que
era time de favela e que éramos mulher de bandido. Rodaram um pouco e fiquei o

6
tempo todo pensando que ia ser estuprada e violentada, até que eles conseguiram que a
gente falasse onde morava e eles nos deixaram lá pela Barata Ribeiro. E detalhe, nos
seis meses seguintes eles passavam pela casa dessa minha amiga e faziam uma parada
que em Vitória a gente chama de “duzentar”, que é mexer com a pessoa e subornar,
dizendo que iam contar para o porteiro [...]. Foi uma sensação de impotência. (Sol, 27
anos, advogada)

Além de um risco maior nas abordagens, as usuárias enfrentam o risco do


cárcere assim como os homens, sendo este o maior motivo de encarceramento feminino.
Estatísticas indicam que o número de mulheres presas subiu 500% em 14 anos e 60% do
valor total representa cárcere por tráfico de drogas6. Algo comum relatado entre nossas
interlocutoras foi que muitas vezes elas se tornam transportadoras de drogas para os
namorados e amigos. Não só quando alguma aproximação policial é notada, mas
também em baladas e festas onde possuem seguranças.
O simples ato de compartilhar a maconha com alguém, penalmente configura
tráfico de drogas. Isso faz com que as mulheres corram o risco de serem presas mesmo
que seja nítido que o porte era para uso pessoal. Quando uma mulher é pega em
flagrante com a maconha de um amigo ou namorado, por exemplo, a tendência é que os
homens assumam que a droga era sua e não da companheira, o que na prática acaba
prejudicando mais a mulher, pois isso pode dar elementos para enquadrá-la no tráfico de
drogas. Contrastivamente, o relato a seguir exemplifica uma situação em que a mulher
pode ser beneficiada em determinados contextos, não sendo revistada devido a sua
feminilidade.

Há uns anos atrás, indo para um passeio na praia com a tia Leia, eu estava levando
uma quantidade razoável de maconha na mochila e ela alguns cigarros de maconha já
prontos para a viagem. Quando chegamos na metade do caminho fomos parados por
policiais federais na Via Dutra (estrada que liga Rio de Janeiro a São paulo), na hora
eu fiquei muito nervoso porque estava com 25 gramas de maconha na mochila e a Tia
Leia não sabia. Os guardas nos pararam, pediram o documento e rapidamente nos
dispensaram. É óbvio que foi porque eu estava com ela. Ela é professora e já é mais
velha, os policiais não iam pedir para revista-la. (Nauta, 22 anos, estudante)

6
Dados obtidos através do link: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/02/01/O-
encarceramento-de-mulheres-no-Brasil-e-no-mundo Acessado em 15/08/2017.

7
A forma como as usuárias e usuários reagem à abordagem, é fundamental para
como a atuação policial será feita. No relato a seguir, assim como Sol, Mário e seu
amigo também tinham maconha e foram abordados pela polícia. Segundo nossas
entrevistas e trabalho de campo revelaram, os fatores que são mais determinantes para
uma atuação hostil são: a cor da pele, a classe social e o sexo. Mário e seu amigo não
sofreram com qualquer tipo de violência sexual, nem perseguição, mas com ameaças,
humilhações e com a dúvida sobre o que aconteceria.

No domingo, voltando para o Rio de Janeiro, Nauta e Cabelin foram parados em uma
blitz por policiais rodoviários. Cabelin estava dirigindo e Nauta estava preparando um
beck7 para fumarem. “Cara, a gente fez a curva e logo demos de cara com uma blitz.
Não teve nem como esconder as coisas. Assim que nos pararam mandaram logo a gente
descer, antes mesmo de pedir nossos documentos. Colocaram a gente de frente para o
carro com as mãos na cabeça e já foram logo perguntando: “vocês tem drogas? Se
tiverem é melhor entregarem porque vamos revistar o carro todo”. Eu não tinha outra
opção, estava tudo em cima do banco: dichavador8, seda9 e maconha. Me vi em uma
situação desesperadora e rapidamente disse: “Eu tenho senhor”. Ele então perguntou:
“Tem o que?”. “Maconha” eu disse, “sou usuário”. Eu assumi a droga como minha e
livrei o Cabelin dessa. Mesmo depois de entregar tudo na mão dele, eles fizeram
questão de tirar tudo de dentro das nossas malas e olhar parte por parte do carro. Nos
levaram para a delegacia da cidade mais próxima. Chegando na cidade os policiais
fizeram questão de passar bem devagar na praça da cidade que estava bem
movimentada, para todo mundo ver, fiquei com muita vergonha. A delegacia estava sem
sistema e rodamos durante três horas em três cidades diferentes. Fizeram uma ficha
descrevendo nossas características, eu assinei o termo como usuário e o Cabelin como
testemunha. A verdade é que eu acho que o delegado ficou “puto” de terem acordado
ele pra isso. Ficaram com todos os meus pertences, a maconha já era de se esperar,
agora as outras coisas eu questionei mais de uma vez porque são objetos vendidos em
tabacaria e não tinha porque ficaram detidos. Fomos para casa 4 horas da manhã e
depois de mais de um ano nunca recebi nenhuma intimação sobre o caso. É claro que

7
Cigarro de maconha.
8
Objeto usado para triturar a maconha.
9
Papel de arroz usado para enrolar os cigarros de maconha.

8
tudo terminou bem porque eu disse que sou professor de inglês, somos brancos e o
carro era do pai do Cabelin. (Nauta, 22 anos, estudante)

As técnicas para se adquirir a maconha, as reações às abordagens policiais e os


comportamentos que são aprendidos durante a experiência do uso, como foi dito, são
denominados neste trabalho de práticas de uso. MacRae e Simões (2000) afirmam que
as experiências com as “drogas” e as ações em torno delas, produzem um saber
específico utilizado por seus consumidores, isso gera consequentemente a circulação de
saberes e conhecimentos sobre o uso das substâncias.

“O primeiro tapa”
Iniciação ao uso e a circulação de saberes

Para fugir do termo “droga” que é empregado diante dos discursos “oficiais”
como algo genérico entre todas as substâncias psicoativas, o autor Norman Zinberg
(1982), considera que o uso padrão e frequente da maconha, parte do contexto
sociocultural do usuário. Esse contexto é denominado pelo autor de social setting, e
representa basicamente controles sociais e informais juntamente com técnicas de
consumo.
Segundo Zinberg (1982) existem três noções socioculturais que partem do
contexto empírico dos próprios usuários, são eles: a droga em si, ou seja, a ação
farmacológica da substância; a noção de set, isto é, o estado do indivíduo no momento,
considerando sua personalidade e condições físicas e psicológicas; e por fim a noção de
setting, que se baseia no cenário ou no ambiente social, considerando o lugar, as
companhias, a percepção social e os significados culturais atribuídos ao uso.
Para complementar a noção de social setting, Howard Becker (1966) considera
que o contato com outros usuários é de suma importância para a aprendizagem e a
identificação dos efeitos, da forma adequada de inalar, sua apreciação, técnicas para se
adquirir a substância e até mesmo de como o usuário interage com as forças repressivas.

Nauta é do sexo masculino e tem 22 anos. Consome maconha a 9 anos. Fumou


pela primeira vez na escola em que estudava no ensino médio. A maconha não foi a
primeira droga com que teve contato, antes já havia consumido lança perfume e álcool.
Mesmo tendo consumido maconha pela primeira vez na presença de amigos homens,

9
Nauta não tem dúvidas de que mais importante que isso foi a influência de sua tia. Hoje
com quase 50 anos, Leia, tia de Nauta, consome maconha desde os 15 anos de idade.
Já fez uso de diversas outras substâncias, mas optou a consumir apenas maconha
diariamente por motivos de redução de danos, e álcool apenas aos finais de semana.
Quando Nauta tinha mais ou menos 5 anos de idade, Leia consumia maconha do lado
de Nauta quando saiam juntos. Nessas situações, Nauta era “usado” para disfarçar e
esconder o consumo para o resto da família. Nauta relatou com vagas memórias que
saiam juntos de carro, ele sentado no banco de trás e Leia dirigindo enquanto fumava.
Nauta sempre perguntava o que era aquilo e ela respondia sempre: “incenso”. Com o
passar do tempo, Leia não deixou de fumar maconha do lado de Nauta e ele que por
sua vez já havia iniciado o consumo em outros contextos, começou a conversar com ela
sobre o assunto. Através da sua tia, ele conseguiu ter um amplo acesso a redes de
contatos que forneciam maconha e também a observando, aprendeu técnicas de
consumo e de armazenamento da maconha, guardando no congelador para não mofar,
por exemplo. (Nauta, 22 anos, estudante)

Este relato de Nauta ajuda a demonstrar que o contato com “maconheiras” e


“maconheiros” mais experientes é fundamental para iniciação ao uso (Becker, 1966) e
que a iniciação do consumo da maconha não parte excepcionalmente de contextos
masculinos. O processo de aprendizagem, de percepção dos efeitos, técnicas para
aquisição da maconha e camuflagem para se esquivar das forças repressivas, são saberes
e conhecimentos específicos que circulam em lugares onde a maconha é compartilhada
coletivamente.
As rodas de fumo são círculos de “maconheiras” e “maconheiros” onde o cigarro
de maconha, também conhecido como beck ou baseado, é passado de mão em mão
geralmente após duas tragadas de cada participante. Nossas interlocutoras e
interlocutores destacaram a importância da participação nas rodas de fumo justamente
pelo compartilhamento de experiências sobre os assuntos tratados acima, ou seja, como
reagir a situações onde o proibicionismo coloca a “maconheira” ou o “maconheiro” em
situações de risco. Participar desses coletivos faz parte do processo de aprendizagem
pessoal enquanto usuária e usuário.

10
Conclusões

Neste trabalho buscamos abordar justamente as discussões sobre setting, ou seja,


buscamos compreender como usuárias e usuários regulares de maconha são
influenciados pelos fatores socioculturais. Tentamos através do método etnográfico,
trazer dados que demonstrem diferenças entre as práticas de uso que tangem os gêneros
feminino e masculino. O contexto proibicionista é o grande precursor deste trabalho,
pois, através dele conseguimos identificar problemas que colocam em risco a vida de
usuárias e usuários.
Nossa intenção não é criticar este cenário, mas sim compreendê-lo e entender
como a socialização entre “maconheiras” e “maconheiros” através do uso, promove
saberes específicos que são fundamentais para técnicas de aquisição e reação às
abordagens policiais. Concluímos que as diferenças entre esses dois sexos, é marcada
pelo machismo, enraizado através do patriarcado e expressado através de atos que
colocam as “maconheiras” em situações indesejadas e prejudiciais, seja por traficantes,
policiais e usuários homens.
O número de mulheres militando por causas feministas dentro do universo da
maconha vem crescendo cada vez mais, e não só por usuárias, já que atualmente mães
com filhos com doenças graves e refratárias, estão conquistando esse espaço ao
conseguirem medicar seus filhos com remédios à base de maconha. Algumas mães já
possuem autorização judicial até mesmo para o cultivo caseiro e a produção do remédio,
e estão na linha de frente de movimentos sociais e de manifestações como a Marcha da
Maconha.
O Planta na Mente, bloco de carnaval do Rio de Janeiro, que também participa
da Marcha de Maconha luta contra atos machistas e a favor da legalização e
regulamentação do uso e do cultivo através das letras de marchinhas que são
acompanhadas em coro por multidões. Para que os problemas abordados nesse artigo
deixem de ser uma realidade, o feminismo está ocupando esses espaços de discussão, e
vem defendendo e reivindicando a liberdade individual através da luta contra a
repressão machista e proibicionista no Brasil.
Contudo, apesar de o proibicionismo afetar de uma forma mais intensa as
mulheres devido ao machismo, durante esse artigo, descrevemos algumas situações de
risco que colocam tanto a vida dos homens quanto das mulheres em risco. Logo,
podemos encarar a abordagem antiproibicionista como uma forma de preservar usuárias

11
e usuários dessas situações, através de políticas que amenizem os problemas que
costumam ser atribuídos às drogas, enxergando essa questão como um problema de
saúde e não de segurança pública, o que pode ser feito, por exemplo, através de políticas
de redução de danos.

Referências

ALMEIDA, Rodolfo; OSTETTI, Vitória; MARIANI, Daniel. O encarceramento de


mulheres no Brasil e no mundo 01 Fev 2017 (atualizado 07/Mar 17h)
https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/02/01/O-encarceramento-de-mulheres-no-
Brasil-e-no-mundo Acessado em 15/08/2017.

BECKER, H. Outsiders. Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar. 2008


[1963].

DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. Tradução Heci Regina Candiani. – 1. Ed. –
São Paulo: Boitempo, 2016.

MACRAE, E. SIMÕES, J. “Rodas de fumo – O uso da maconha entre camadas


médias urbanas”. CETEAD/UFBa, Salvador, 2000.

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril


Cultural, 1978.

MISSE, M. As ligações perigosas: mercado informal ilegal, narcotráfico e violência


no Rio de Janeiro. Contemporaneidade e Educação, Rio de Janeiro, 1997.

POLICARPO, Frederico. O consumo de drogas e seus controles: uma perspectiva


comparada entre as cidades do Rio de Janeiro, Brasil, e de San Francisco, EUA.
Niterói: Programa de Pós Graduação em Antropologia da Universidade Federal
Fluminense (Tese), 2013.

12
VERÍSSIMO, M. Maconheiros, fumons e growers: um estudo comparativo do
consumo e do cultivo caseiro de canábis no Rio de Janeiro e em Buenos Aires.
Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-graduação em Antropologia,
Niterói, 2013.

ZINBERG, N. Drug, set and setting: the basis for controlled intoxicante use. New
haven: yale University Press, 1984.

13

Potrebbero piacerti anche