O ex-marido de uma mulher, com o firme propósito de matá-la, coloca
veneno na comida dela. Após ela finalizar a refeição, ele se arrepende e a leva ao hospital para uma lavagem gástrica, tudo a tempo de salvá-la da morte. Responderá por algum crime? E se não houvesse dado tempo de socorrê-la e ela tivesse morrido? Qual conduta seria imputada ao agente? E ainda, se no meio do caminho o ex-marido pronto para despejar o veneno no prato da vítima, é convencido pelo amigo a abandonar sua empreitada delitiva, desistindo voluntariamente de matar a mulher? Subsistiria alguma ilicitude? Para entender cada situação é preciso conhecer os institutos da desistência voluntária, do arrependimento eficaz e do arrependimento posterior. Vejamos:
A desistência voluntária e o arrependimento eficaz estão previstos no
artigo 15 do Código Penal. A primeira consiste no abandono voluntário da prática delitiva pelo agente. Cessa a fase executória da conduta e o resultado inicialmente desejado não ocorre em razão da desistência voluntária do agente. Ressalte-se que a desistência tem que ser voluntária, ou seja, por razões próprias o sujeito abandona a prática delitiva. Nada impede que um amigo ou terceiro o convença a abandonar seu intento inicial.
O arrependimento eficaz ocorre quando o agente pratica alguma
conduta para salvaguardar o bem jurídico que já foi colocado em risco. Em tal situação, a fase de execução foi realizada, entretanto, o agente / agrega nova conduta a fim de evitar o sacrifício do bem tutelado, salvando-o. Note que a execução do crime aconteceu, mas não o seu exaurimento.
O arrependimento posterior, previsto no artigo 16 do Código Penal, só
pode acontecer em crimes praticados sem violência ou grave ameaça, desde que o agente repare o dano ou restitua a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa. Trata-se de situação na qual o crime já foi consumado, mas se for possível a reparação o agente terá em seu benefício a causa obrigatória de diminuição da pena de um a dois terços.
De acordo com as hipóteses lançadas inicialmente, nota-se que o
agente que envenena a ex-mulher e pratica alguma conduta a tempo de salvá-la, evitando assim o sacrifício do bem jurídico tutelado, terá o benefício do arrependimento eficaz (CP, art. 15). A consequência penal de tal conduta será a responsabilização apenas pelo que fez, deixando de ser responsabilizado pela tentativa de homicídio; responde tão somente por lesão corporal. Isso porque o arrependimento foi eficaz, caso não a tivesse socorrido a tempo, o agente responderia por homicídio doloso.
Na hipótese do agente desistir de colocar veneno no prato da ex-
mulher, restará para ele a responsabilização pelo que realmente praticou, se tal conduta constituir crime. No caso em análise, não responderá por nenhum delito, nem mesmo na forma tentada, haja vista ter abandonado seu intento antes de adentrar a esfera do proibido.
P. S.: Questões abordadas nas provas: Cartório/MS 2009 –
Magistratura do Trabalho 23ª R 2009 – Magistratura Piauí 2009 – Magistratura Santa Catarina 2009 – Magistratura Paraná 2010
* Juliana Zanuzzo dos Santos – Advogada pós graduada em
Direito civil e pós graduanda em Ciências Penais. Psicóloga. Pesquisadora. / Disponível em: https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121927329/o-que-se-entende-por- desistencia-voluntaria-arrependimento-e caz-e-arrependimento-posterior