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INTRODUÇÃO
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Bacharel em Ciências Sociais (UFPB). Mestrando em Sociologia (PPGS/UFPB). E-mail:
icaroyuresocio@gmail.com
É dentro de um complexo de tendências contemporâneas - do capitalismo
eficiente e abastado contrastado a uma pobreza e desordem capitalista anterior;
do socialismo contra o capitalismo em cada uma dessas fases; e das divisões
profundas, dentro do próprio socialismo, entre os reformistas moderados [free-
riders] do capitalismo (os engenheiros sociais centralizadores) e os democratas
revolucionários – que temos de considerar a modalidade de distopia, que é
tanto escrita quanto lida dessa dentro dessa complexidade teórica e prática.”
(WILLIAMS, 2011: 281-282)
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Fredric Jameson (1997) aponta para a questão da produção do “mesmo” e qual papel assume na análise
proposta pela teoria crítica, especialmente por Theodor Adorno. Segundo Jameson a questão da repetição
para Adorno traz um fundo sociológico e psicanalítico. O que se percebe a partir desse conceito é que ocorre
um aprisionamento do self em si mesmo (p.32) acarretado pelo terror ao novo e inesperado, onde essa
repetição traz um problema de caráter sociológico: a impossibilidade de reconhecer o Outro e qualquer
forma de alteridade. Isso é reafirmado na vida cotidiana e legitimado nos sentidos assumidos pelos produtos
culturais.
utópica surge para a crítica cultural como um objeto de suma importância para que possa
compreender alguns contornos e delineamentos dos processos sociais contemporâneos.
Jameson e Williams permite, através das discussões apresentadas, que a distopia
seja vista como tal. Dialogam diretamente com outros autores da teoria crítica que, visto
suas contribuições teóricas, nos permitem entender as narrativas distópicas não apenas
enquanto formas de narrar, mas também enquanto resultantes de processos históricos
específicos. Torna-se necessário para analisar este tipo de produto cultural que não nos
limitemos apenas a prioridade dada a forma que os mesmos assumem – neste caso de
mundos extremamente administrados ou sociedades em ruínas – mas que estejam
relacionados também os conteúdos, assim como também a realidade social mais ampla.
O presente artigo tem como objetivo discutir as possibilidades teóricas e
metodológicas propiciadas pela teoria crítica de Theodor Adorno e Siegfried Kracauer
para se constituir uma sociologia do cinema que tome as distopias cinematográficas como
objeto de análise. Para isto será necessário que no decorrer de nossa exposição sejam
apresentados elementos mais gerais da teoria dos respectivos autores assim como os mais
específicos, visando assim uma clarificação maior do argumento por nós apresentado no
decorrer do artigo.
A análise destes produtos culturais surge então como crucial para o entendimento
dos desdobramentos dos processos sociais que eclodem no final do século XIX e começo
do século XX. Para o autor esses objetos culturais – biografias, folhetins, filmes - não
representavam o declínio da sociedade como alguns profetizavam, mas indícios preciosos
das mudanças a nível social e histórico decorrentes dos desdobramentos resultantes do
processo da modernidade. O que queremos afirmar aqui não é que para Kracauer esses
desdobramentos dos processos da vida moderna tivessem uma perspectiva positiva, mas
que eles apresentavam fortes indicações que trariam “luzes” a compreensão destes novos
problemas e dilemas que se apresentavam socialmente. Esses objetos culturais ou objetos
de análise trariam consigo os caminhos para se poder compreender as mudanças que se
operavam naquele momento na sociedade.
Kracauer apontava a vinculação direta destas mercadorias culturais com os
valores sociais do mundo em que eram produzidos. É nessa percepção que o cinema surge
como um problema crucial para o sociólogo. Primeiro por ser um ornamento das massas
e ter sua estética como reflexo da racionalidade econômica, segundo por carregar consigo
um grande potencial de mistificação e apagamento da realidade.
O cinema surge então nesta sociologia empreendida por Kracauer como um fato
social (ADORNO, 2009). Ele não se restringe a um único estrato social, mas só é possível
enquanto fenômeno coletivo, abarcando desta forma uma grande parte da sociedade em
que ele emerge.
Dos trabalhadores nos cinemas da periferia da cidade à alta burguesia nos
cinepalácios, todos os segmentos da população afluem ao cinema; destes
segumentos, provavelmente o mais amplo seja com posto de pequenos
empregados, cujo número não apenas aumentou em termos absolutos, mas
também em termos relativos desse a racionalização de nossa economia.
(KRACAUER, 2009:327)
Por mais que exista um recorte histórico e espacial muito específico, Kracauer
interessava-se em compreender o desenvolvimento de uma indústria do entretenimento
que tinha como principal público consumidor a nova classe média alemã, os problemas
conjecturados por ele não podem ser limitados a esta única realidade. A noção do vínculo
entre obras culturais e experiência social já está presente em seus primeiros ensaios sobre
a cultura de massa e são sedimentadas em suas obras posteriores.
O outro ponto que ganha uma certa relevância para as análises empreendidas pelo
sociólogo alemão refere-se ao caráter ideológico adotado pela indústria cinematográfica
que para além do componente do desejo traz no interior de suas produções a dimensão
ideológica própria aos objetos culturais produzidos sobre a forma de mercadoria. Como
apontado posteriormente por Fredric Jameson (1985) a mercadoria tenta de todas as
formas apagar os resquícios de trabalho social em seu interior, onde uma vez que o
processo de universalização da mercadoria assume proporções totalizantes com o
desenvolvimento cada vez maior de uma indústria cultural, os produtos que da mesma
emergem já assumem essa dimensão ideológica. Para Kracauer,
Esses são os primeiros esboços de uma sociologia que vai tomar o cinema como
seu objeto de análise, assim nos permitindo localizar o problema das formas narrativas
cinematográficas distópicas como um sintoma da experiência social contemporânea. Mas
esses esboços sociológicos escritos por Siegfried Kracauer já nos permitem perceber o
vínculo estreito assumido pelas obras culturais e as formas que assumem - assim como os
conteúdos que a permeiam - com os valores sociais que emergem do universo social em
que são produzidas.
DE CALIGARI À ORWELL
Esse vínculo cinema e sociedade proposto por Siegfried Kracauer fica ainda mais
claro em uma de suas obras posteriores intitulada De Caligari à Hitler: uma história
psicológica do cinema alemão (1988). Neste livro o que víamos anteriormente como um
esboço torna-se uma sociologia do cinema com uma metodologia bastante coesa.
Para se compreender como a sociedade alemã – principalmente a nova classe
média alemã – aderiu ao projeto político proposto pelo Terceiro Reich, Siegfried Kracauer
faz uma extensa análise do cinema alemão do final da primeira guerra mundial até a
ascensão e queda da República de Weimar. Kracauaer percebeu nestas obras
cinematográficas do período analisado como alguns valores que posteriormente
possibilitariam a ascensão do nazismo já estavam expostos nestes filmes, assim como a
falta de algumas discussões ou elementos já preconizavam a inaptabilidade da sociedade
alemã do pós-primeira guerra a lidar com ideais democráticos.
Os filmes apareceriam como um problema crucial para S. Kracauer pelo fato dos
mesmos não serem nunca produtos de um indivíduo e serem destinados as massas. Os
filmes refletiriam desta forma não credos explícitos, mas dispositivos psicológicos
ocultos. O que os filmes projetam em seu interior, segundo a análise kraucareana, são as
dinâmicas das relações sociais que passam de forma despercebida e que são
características da vida interior da sociedade em que estes filmes emergem.
A vida interior se manifesta em vários elementos e conglomerados da vida
exterior, especialmente naquelas informações superficiais quase
imperceptíveis que formam uma parte essencial da linguagem. Ao gravar o
mundo visível – não importa se a realidade vigente ou um universo imaginário
-, os filmes proporcionam a chave de processos mentais ocultos.
(KRACAUER, 1988:19)
Por mais que S. Kracauer enfatize em sua pesquisa sobre o cinema alemão pré-
terceiro reich a compreensão de um caráter nacional, o mesmo já dá indícios de que a
metodologia empreendida em sua análise não se limita apenas a realidade alemã, até
porque como demonstrado pelo autor o caráter nacional não é fixo. O interesse
empreendido em sua pesquisa reside na recorrência de dispositivos coletivos ou
tendências que prevalecem em certos períodos de desenvolvimento de uma nação.
DISTOPIA E TABU
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Fredric Jameson (1992) em seu ensaio “Allegorizing Hitchcock” (1982) aproximou os problemas da
análise cinematográfica com os enfrentados pela análise literária. Segundo este autor, a crítica feita a tais
obras privilegia de maneira equivocada a forma ignorando o conteúdo e sua relação com os processos
sociais. Neste sentido, a crítica literária adorniana e a crítica cinematográfica kracauerana nos permitem
entender as obras distópicas e sua relação com uma realidade social mais ampla.
propriedade privada, o nada, porque é absolutamente substituível enquanto mero suporte
da propriedade. ” (1998: 113)
Os problemas apontados por Huxley se apresentam enquanto pautados em uma
ideologia do individualismo que rejeita o reconhecimento dos processos sociais que
possibilitaram a existência desta categoria social. Aldous Huxley ao demonstrar que o
mundo estava caminhando para um futuro em que o indivíduo burguês seria eliminado
em sua essência, rejeitasse qualquer possiblidade ou visão mais crítica sobre as categorias
que eram ali apresentadas, dentre as quais além do indivíduo a da mercadoria.
T. Adorno aponta o caráter de fetichismo do fetichismo da mercadoria presente
no romance de Huxley, onde a mesma se apresentava enquanto categoria social natural
desvinculada de qualquer historicidade. Neste sentido a crítica adorniana a este tipo de
obra centrasse também no ofuscamento das necessidades enquanto mediadas
historicamente. O que é colocado por Huxley é um falso caráter estático assumido por
estas necessidades e como esse ofuscamento ou naturalização desta categoria é um
problema da própria experiência social no capitalismo tardio.
Hoje em dia, a obrigação de produzir para necessidades mediadas e
petrificadas pelo mercado constitui um dos principais meios para manter todos
na linha. Nada por ser pensado, escrito e realizado que vá além dos limites de
uma situação que mantém em grande parte seu poder graças às necessidades
de suas vítimas. (1998: 106)
O que está colocado no romance pessimista sobre o futuro não é o que nos
tornaremos se os caminhos do desenvolvimento não forem mudados. Para T. Adorno essa
suspensão destes problemas para futuros não muito distantes servem como recurso
ideológico para ofuscar as causas reais destes problemas denunciados: a própria
experiência social no mundo da divisão do trabalho e da racionalidade técnica. E é neste
ponto central na crítica a obra de Huxley que servirá como ponto de síntese entre a
sociologia do cinema de S. Kracauer e a teoria crítica de T. Adorno: o tabu4 do existente.
Quanto mais existência social, graças a sua onipotência e restrividade,
transforma-se em ideologia de si mesma aos olhos dos desiludidos, tanto mais
rotula-os como pecadores, cujos pensamentos ousem blasfemar contra a noção
de o que existe é justo, simplesmente porque existe. (ADORNO, 1998: 96)
O tabu do existente está relacionado com outro problema levantado por Adorno
juntamente com Horkheimer na Dialética do esclarecimento (2006), que diz respeito ao
caráter da produção do mesmo pela indústria cultural. O que é vinculado como novo na
verdade é o mesmo com algumas pequenas mudanças que são toleradas5. Este futuro que
é denunciado em admirável mundo novo é o presente, revestido por uma dimensão de
ideologia em que a dominação é exercida. O jogo das forças econômicas é suprimido e
um pacto antimitológico torna-se mitológico, enfatizando assim a antítese presente entre
espirito e natureza que é próprio da moral burguesa (ADORNO, 1998). Como muito bem
apontado por Brito, “as formas sociais sob o capitalismo se desenvolveram tanto no
sentido da pura utilidade e do esvaziamento dos significados que a “experiência” se
tornou mera repetição ou compulsão. ” (BRITO, 2007). Neste sentido as obras ou produtos
culturais já nascem constituídas de normas e valores e sendo socializados pela indústria
cultural e tornando-se assim mediadores das relações sociais.
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“Portanto utilizo o conceito de tabu de um modelo relativamente rigoroso, no sentido da sedimentação
coletiva de representações que, de um modo semelhante àqueles referentes à economia, já mencionadas,
em grande parte perderam sua base real, mais duradouramente até do que as econômicas, conservando-se
porem com muita tenacidade como preconceitos psicológicos e sociais, que por sua vez retroagem sobre a
realidade convertendo-se em forças reais. ” (1995: 98)
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“Justamente ao passo que o igual é tolerado, ele não permanece mais como igual, senão que, por meio da
tolerância, converte-se no contrário. ” (ADORNO, 2009:91)
O tabu do existente aparece como recurso de manutenção da ordem social, pois
ao confundir as causas por efeitos, suprimir qualquer possibilidade de reconhecimento
dos processos como sociais juntamente com o caráter estático das necessidades e sublimar
o jogo das forças econômicas, ele apresenta o mundo da má determinação econômica
como o único mundo possível. Este tabu sobre pensar o diferente pode ser compreendido
como o elemento universalizável anteriormente apresentado como problema das distopias
de uma forma geral – literárias ou cinematográficas. Ao suspender as tensões para futuros
e negar a sua existência no presente o que se é apresentado nestas obras são argumentos
que legitimam e reconfortam o mundo social do capitalismo tardio, assumindo assim uma
dimensão de dominação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, T. Mínima Moralia: Reflexões a partir da vida lesada. São Paulo: Ática, 2008.
BRITTO, Simone. Vida Falsa: Adorno e a experiência moderna sob o ponto de vista
da moral. Política e Trabalho - Revista de Ciências Sociais n. 26 de abril de 2007 - p.
57-83.