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23/07/2019
Número: 0706108-17.2019.8.07.0018
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
Órgão julgador: 3ª Vara da Fazenda Pública do DF
Última distribuição : 13/06/2019
Valor da causa: R$ 998,00
Assuntos: Assistência Judiciária Gratuita, Obrigação de Fazer / Não Fazer, Liminar, Remoção
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Advogados
ANA CLAUDIA PEREIRA BARBOSA (AUTOR)
DISTRITO FEDERAL (RÉU)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
40348834 22/07/2019 Sentença Sentença
19:45
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
3VAFAZPUB
3ª Vara da Fazenda Pública do DF
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de Ação de Conhecimento com pedido de tutela de urgência ajuizada por ANA CLAUDIA
PEREIRA BARBOSA em face do DISTRITO FEDERAL, pleiteando sua imediata remoção para lotação
em órgão/local próximo à sua casa.
Narra ser técnica de enfermagem no Hospital Materno Infantil – HMIB, com jornada de 40 horas
semanais, no cargo efetivo de auxiliar de enfermagem da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.
Informa que perdeu a capacidade visual periférica devido à má formação vascular cerebral occiptal
esquerda, sendo submetida à cirurgia Embolizações Cerebrais, causando redução da visão e
comprometimento bilateral de campo visual – NEURITE ÓPTICA, o que lhe causa limitação em sua vida
diária e se vê impossibilitada de se locomover sozinha por transporte público e dirigir, ressaltando se
tratar de sequela definitiva.
Todavia, embora tenha solicitado a remoção aos núcleos de medicina do trabalho, houve a negativa por
parte da Subsecretaria de Gestão de Pessoas, mesmo amparada por laudo médico.
Pede lhe seja garantido os meios adequados para sua atuação como profissional, preservando sua
independência para se locomover com segurança, bem como sua integridade física, promovendo-se a sua
remoção para unidade de trabalho próximo à sua residência.
Indeferi a gratuidade de Justiça (ID 37343662), cuja decisão foi reformada em sede de Agravo de
Instrumento (ID n° 39202424), assegurando-a.
Posteriormente, o autor requereu a expedição de alvará para levantamento dos valores recolhidos a título
de despesas processuais.
Em réplica, o demandante rebateu as teses expendidas pelo réu, pleiteando a procedência da ação.
É o RELATÓRIO. DECIDO.
FUNDAMENTAÇÃO
Em que pese o Distrito Federal tenha impugnado a gratuidade de Justiça, como se verifica nos autos,
o seu deferimento ocorreu a título de antecipação da tutela recursal, não cabendo a este Magistrado
reanalisar a decisão do MM. Desembargador Relator.
DA LITISPENDÊNCIA
O Código de Processo Civil trata acerca do instituto da litispendência, dispondo que esta ocorrerá quando
houver identidade quanto às partes, à causa de pedir e o pedido. Não obstante, no caso em apreço, as
ações possuem partes e pedidos absolutamente distintos.
Ademais, o Mandado de Segurança citado pelo Distrito Federal já foi sentenciado, não sendo o caso de se
aplicar a regra de reunião para julgamento conjunto, acaso presente eventual continência.
Para mais, não há litispendência entre mandado de segurança e ação ordinária, se nesta última o pedido é
mais amplo, não se podendo cogitar neste instituto, que supõe tríplice identidade, ou seja, identidade
quanto às partes, causa de pedir e pedido.
Para que não reste dúvidas, o entendimento do col. STJ, consolidado por meio da Súmula n° 235 é no
sentido de que mesmo a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado -
aplicável igualmente a hipótese dos autos -, o que restou solidificado também no art. 55, §1°, do CPC, e,
por isso mesmo, não há que se falar em extinção do feito, de modo que afasto a preliminar aventada.
Aparadas essas arestas, presentes os pressupostos processuais e condições da ação, passo ao julgamento
antecipado do mérito, prescindindo da produção de outras provas para o seu deslinde.
Cinge-se a lide quanto à legalidade da decisão administrativa que indeferiu o pedido de remoção para
lotação em órgão/local próximo à residência da autora, em razão da doença incapacitante que lhe
acomete.
Como é sabido, a Carta Magna buscou proteger as pessoas com deficiência, tanto o é assim que os
Tratados Internacionais de Direitos Humanos, internalizados em nosso ordenamento jurídico com esteio
no art. 5, §3° da CF[1] dispõem, exatamente, sobre os direitos das pessoas com deficiência, quer dizer,
essa proteção jurídica subjaz diretamente da Constituição.
Nessa digressão, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - internalizada
em nosso ordenamento jurídico com status de norma constitucional -, assegura as pessoas com deficiência
Ipsis litteris:
Art. 27 - 1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade
de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com
um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja
aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a
realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego,
adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:
(...)
c) Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em
condições de igualdade com as demais pessoas;
(...)
i) Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho;
Por outro lado, a aludida Convenção também implementou o conceito atual de pessoa com deficiência,
compreendida enquanto interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao
ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas.
Depreende-se que esse conceito se aplica à hipótese dos autos, vez que a situação descrita no Parecer
Médico de ID n° 37116021 descreve, claramente, uma situação de barreira ao exercício da liberdade de ir
e vir, e, por conseguinte, do próprio direito ao trabalho.
Não fosse isso, a Lei n° 13.146/2013 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência -, estabelece
que considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2°).
E ao tratar sobre as barreiras de inclusão inclui nesse conceito qualquer entrave à plena participação social
da pessoa, o que, certamente, não pode impedir o exercício dos direitos, porquanto têm direito à igualdade
de oportunidades com as demais, não podendo sofrer nenhuma espécie de discriminação.
Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente
acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
§ 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a
condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor.
§ 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua
condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e
periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como
exigência de aptidão plena (Lei n° 13.146/2013).
Em síntese, a legislação determina a todo e qualquer empregador, no que se inclui o Poder Público, o
Portanto, entendo que o Parecer Médico de ID n° 37116021 é documento hábil à aferição da moléstia que
acomete a autora, o que, inclusive, não foi questionado em âmbito administrativo, posto que o
indeferimento da remoção pretendida foi esteado, tão somente, na Portaria n° 74/2017 da SESDF.
Veja bem, constitui princípio basilar de hermenêutica que os atos normativos infralegais possuem
obediência à Lei e não o inverso, ou seja, não pode a Administração Pública limitar o exercício de direito
do Servidor Público, com base, apenas, em Portaria, muito menos em situações como a posta nos autos.
Nesses termos, constato que não há que se falar em prejuízo à Administração Pública, vez que a
realocação da servidora será feita para Unidade Administrativa que possui déficit de servidor e, também, a
própria chefia imediata não apresentou qualquer insurgência quanto à redistribuição.
Além disso, a situação possui natureza peculiar, pois a servidora apresenta quadro de saúde limitante ao
exercício pleno da sua liberdade de locomoção, conquanto depende de terceiros para toda e qualquer
locomoção em via pública. Para tal depende de seu marido, cuja viabilidade desse apoio está vinculada à
proximidade da residência. A servidora tem restrição definitiva/readaptação funcional exarada pela
junta de readaptação funcional/ Núcleo de readaptação Funcional/Gerência de processos/ diretoria de
perícias médicas (Parecer Médico Pericial – ID n° 37116021).
Cabe ressaltar que a LC Distrital n° 840/2011 - que dispõe sobre o regime jurídicos dos servidores
públicos civis do Distrito Federal, das autarquias e das fundações públicas distritais -, trata
especificamente sobre a readaptação, in verbis:
Art. 277. Ao servidor efetivo que sofrer redução da capacidade laboral, comprovada em inspeção médica,
devem ser proporcionadas atividades compatíveis com a limitação sofrida, respeitada a habilitação
exigida no concurso público.
Parágrafo único. O servidor readaptado não sofre prejuízo em sua remuneração ou subsídio.
Destarte, deve se atentar a Administração Pública que a situação da Autora não se amolda ao ato
administrativo de remoção propriamente dito, este sim, essencialmente discricionário. Consequentemente,
em se tratando de readaptação, o Estado fica vinculado, não cabendo o indeferimento do pedido, sem
expressa fundamentação. Ademais, noto que a decisão administrativa foi fundamentada no art. 16 da
Portaria n° 78/2017 da SESDF, que possui incidência limitada aos atos discricionários (ID n° 37116021).
Dito isso, verifico a plausibilidade do direito invocado pela parte autora, estando as alegações
comprovados pelos documentos de IDs n°s 37110621; 37116040 e 37116034, de forma que a procedência
dos pedidos é medida de Justiça que se impõe.
DISPOSITIVO
Quanto ao pedido de expedição de alvará para levantamento dos valores recolhidos a título de despesas
processuais, indefiro, porquanto a gratuidade de Justiça foi deferida a título precário, em antecipação da
tutela recursal (ID n° 39202424).
Custas e despesas “ex lege”, na forma dos arts. 82, § 2º, 84 e 98 a 102 do CPC.
Não obstante a prolação de sentença contra o Distrito Federal a condenação ou o proveito econômico
obtido na causa é de valor certo e líquido inferior a 500 (quinhentos) salários-mínimos, vez que se trata de
obrigação de fazer. Por isso, não há que se cogitar em remessa necessária, conforme art. 496, §3º, inciso
II, do CPC.
Juiz de Direito
[1] Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas, com
Deficiência Visual ou com Outras Dificuldades para Ter Acesso ao Texto Impresso, firmado em
Marraqueche, em 27 de junho de 2013; Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
[1] Súmula nº 421 do col. STJ: “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando
ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”.