Resenha: “O Caminho Da Servidão” (Friedrich A. Hayek) (Caps. 01, 03, 05)
Friedrich A. Hayek escreveu, nos anos de 1940, uma das mais
importantes obras sobre o pensamento liberal intitulada “O Caminho Da Servidão”, que alerta para os perigos do coletivismo enquanto ideia estruturante de uma visão de mundo e de um projeto de sociedade alternativo ao liberalismo, e alerta para os males da planificação econômica associada ao intervencionismo estatal. Hayek escreve esse manifesto em plena crise das ideias liberais nos países europeus, em momento de ascensão de ideias coletivistas que estruturaram os projetos fascista, nazista e comunista no séc. XX, mas sobretudo sinalizando que o liberalismo se expande para além de puro laissez-faire, livre- iniciativa, economia livre: o liberalismo é uma concepção de sociedade, a nível de instituições e indivíduos. Diante disso, nessa resenha estarão presentes capítulos-chave da obra: “O Caminho Abandonado”, ”Individualismo E Coletivismo” e “Planificação E Democracia”.
Em “O Caminho Abandonado”, Hayek sinaliza a perda de terreno do
liberalismo para as ideias coletivistas (nazismo, comunismo, fascismo), que em última instância levarão à destruição da civilização e de tudo que foi construído e possibilitado pelo liberalismo, tanto no plano da economia quanto no plano da sociedade e da ciência. Isso é um indicativo de um reacionarismo civilizatório (e um regresso intelectual) embutido nesses projetos coletivistas, ou seja, um retorno à uma ordem social anterior ao liberalismo, que submete o indivíduo à ordem política. Ao se “abandonar” esse caminho, abandona-se também tudo aquilo que o liberalismo construiu e que ajudou a alicerçar a sociedade moderna, sobretudo o estímulo à criatividade humana, a partir do individualismo, a partir da liberdade individual. Ao se rejeitar esse fato, caminha-se para a “servidão”, para a dependência para com o Estado, que dita o que vai ser feito ou não, justamente pelo controle total da sociedade, e pela submissão do indivíduo à vontade do coletivo (à necessidade do Estado).
Já no capítulo “Individualismo e Coletivismo”, há uma discussão de nível
mais conceitual a respeito do que é o socialismo e o que é a planificação, de modo a se combater as ambiguidades que podem obscurecer certas questões ligadas à esses termos, como por exemplo os métodos que essas definições carregam consigo que por sua vez levarão a determinado fim. No caso do socialismo e da planificação, costuma-se confundir (ou se esquecer) os fins com os métodos, como por exemplo a questão da justiça social, que é um dos fins do socialismo, no entanto existem aqueles que desconhecem os meios e consequências para se chegar a isso. No caso da planificação, ela é confundida com planejamento, embora sejam coisas distintas: quando se trata de planificar, na verdade trata de submeter a totalidade da esfera econômica e suas respectivas atividades ao controle estatal, sendo portanto uma economia planificada, ou seja, onde o estado gerencia desde a produção até a distribuição de bens e serviços. O planejamento, ao contrário, significa uma “intervenção controlada e localizada”, com vista a determinado fim, não se tratando de um controle total, mas sim parcial de alguma parte da economia.
Socialismo e planificação, são elementos de uma mesma moeda: o
coletivismo. São elementos que integram um projeto socioeconômico que aniquila a propriedade privada e a livre-concorrência, assim como também se estende para a esfera individual (liberdades individuais), onde o individualismo perde espaço para o coletivo, justamente porque no socialismo não há possibilidade de viver segundo as escolhas pessoais de cada um, mas sim de acordo com o que o coletivo necessita ou julga melhor: logo, quando você advoga favoravelmente à uma planificação, cabe sinalizar que não apenas a economia, mas também toda a sociedade estarão sob julgo de alguns (em nome do coletivo, do estado), ou seja, aniquila-se as liberdades individuais. Já em Planificação e Democracia, Hayek argumenta a incompatibilidade entre planificação (socialismo) e democracia, justamente pela predisposição que as ideias coletivistas possuem à submissão de toda atividade social ao controle do estado, regulando as necessidades da sociedade (o que se julga como tal) intencionalmente controlada. É impossível pressupor uma “homogeneidade” de um corpo social, justamente pelo seu antônimo (heterogeneidade) que marca as relações sociais, ou seja, as pessoas possuem interesses e aspirações distintas entre si, se manifestam de maneira particular, se comportam de maneira particular, possuem uma sua própria opinião. A sociedade possui demandas diversas, dispersas, e relacionadas com forças políticas econômicas para mobilização de seus interesses em relação ao estado (como por exemplo os grupos de pressão em ação no Legislativo). A democracia é um instrumento que assegura, na interação entre estado-indivíduo, a preservação das garantias individuais, assegura o regime das discussões, a negociação de interesses privados (tornados públicos a partir das políticas), a pluralidade de interesses com rotatividade de elites dirigentes via processo eleitoral.
É impossível, assim sendo, conciliar qualquer tipo de coletivismo com
democracia, uma vez que o coletivismo pressupõe um “interesse único”, com rejeição à pluralidade de interesses e discussões, além de que não se exista competição na esfera eleitoral (para composição do legislativo) nem na econômica (a partir da livre-concorrência), muito menos que o mercado sirva de ente distribuidor dos serviços e bens, gerenciando os recursos, de forma não- discriminatória. Não se compatibiliza democracia e socialismo, pois são elementos de natureza e conteúdo distintos, nos meios e nos fins.