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INTELECTUAISE HISTÓRIA DA
PKOJnC)
GRÁFICO
- CAPAEN4ioLOl l)en/se R P/menta
REvIsÃOl Á/fna gane//a EDUCAÇÃO NO BRASIL:
PODER,CULTURA E POLITICAS
DADOS INTER\AC[ONAISDE CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO(CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Intelectuais e história da educação no Brasil : poder


161 cultura e políticas/ JuçaraLuzia Leite, Claudia Alves
organização. - Vitória : EDUFES, 201 1

390 p. : il. (Coleção Horizontes da pesquisaem


história da educação no Brasil ; 10)

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7772-096-5
Volume 10

1. Educação História -- Brasf1.2. Educação-


Aspectos políticos. 3. Professores-- Formação. 1. Leite, Juçara
Luzia. 11.Alves, Claudia. 111.
SociedadeBrasileirade História
da Educação.IV.Série. Vitória 80767
CDU: 37(81)(091) 2011
COLEÇÂO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇIAO NO BRASIL- volume IO INTELECTUAIS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: PODER, CULTURA E POLÍTICAS

ERASMO PILOTTO: IDENTIDADE/ ENGAJAMENTO


POLITICO E CRENÇAS DOS INTELECTUAIS
VINCULADOS AO CAMPO EDUCACIONAL NO
BRASIL

CardosEduardoVieira

O objetivo deste capítulo é refletir sobre o conceito de


intelectual que vem sendo desenvolvido ao longo de dez anos
de pesquisa,no intuito de explicar o comportamentosocial
dos intelectuaisassociados,direta ou indiretamente,ao campo
educacional no Brasil do último quartel do século XIX aos anos
60 do século XX. Essaformulação tem sido pensadano diálogo
com a literaturaque trata do tema dos intelectuaise, sobretudo,
no cotejo com as fontes que formam o corpusdocumenta/da
pesquisa.
Fera evitarmos o tratamento abstrato e, portanto, meramente
teórico do tema, exploraremoso potencial heurístico desse
conceito a partir da anal ise das ideias e da trajetória do intelectual
paranaense ErasmoPilotto (1910-1 992). O foco nessepersonagem
histórico, assim como em intelectuais de gerações anteriores e
posteriores a Pilotto, tem motivado a formulação conceptual que
discutiremos neste texto que, em síntese, incide sobre os seguintes
aspectos: a identidade e o sentimento de missão dos intelectuais,
bem como as crenças na modernidade e no protagonismo político
do Estado.

Sendo assim, exploraremos as ideias e as ações de Pilotto


a partirdo conceitode intelectual
que pretendemos
expore
problematizar nesteespaço de reflexão. A análise seráconduzida
nos marcos estabelecidos pela arquitetura do conceito,
considerando as posições de Pilotto e as teorizações presentes
na literatura especializada em torno do tema dos intelectuais.

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COLEÇAO HORIZONTES DA PESQUISAEM HISTÓRIA DA EDU(HÇÂO NO BRASIL- volume lO r' INTELECTUAIS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: PODER, CULTURA E POLÍTICAS

Entendemosque essaopção permitirá, a um só tempo, revelar Sociais, a História e a Educação são áreas do conhecimento
a singularidade de Pilotto e a tipicidade do comportamento que têm acumulado discussõesem torno desse problema. Na
do sujeito coletivo denominado neste texto de intelectuais.A História, em particular, existem especialidades, como a História
aplicação do conceito que explicitaremosem outros cenários dos Intelectuais e a História Intelectual que, guardadas as suas
dependerá de investigações circunstanciadas pela pesquisa peculiaridades teóricas e metodológicas, têm, nas manifestações
histórica. Logo, não é objetivo desta reflexão tecer generalizações políticas, filosóficas, estéticas, científicas, literárias e/ou
imprudentes,mas sim provocarquestõesque, para além da religiosas de mulheres e de homens que se destacaram nas suas
análise das singularidades dos intelectuais, almejem enfatizar especialidades, seus objetos de pesquisa e de ensino. No âmbito
aspectos capazes de compreender os intelectuais na perspectiva da História da Educação, o foco sobre as ideias e os exemplos
do tempo dos sujeitos sociais coletivos.' de filósofos e de pedagogos célebres é parte da historiografia do
Os debates acerca da ação pública dos inteleduais remontam campo, seja nos moldes da genealogia dos grandes educadores,
a contextos temporais e culturais diferenciados: a ideia de comuns nos manuais de História da Educação, seja nos trabalhos
fnfe/IÉents/a na literatura e no debate político russo na segunda acadêmicos que tratam de percursos e de ideias de determinados
da metade do século XIX; o famoso manifesto escrito por Émile personagens que marcaram os debates educacionais no Brasil.
Zona, em 1898, em torno do aüa/re Dreyfus; a obra .'\ üa/ção dos O olhar para a história do termo intelectual evidencia que o
c/ér@os,de Julien Benda, de 1927; e a transformação do tema dos significado da palavra tem estado associado ao movimento de
intelectuais em problema de pesquisa nos escritos de Mannheim, agentes reconhecidos na esfera cultural que se movimentaram
Gramsci e Bourdieu, ao longo do século XX, são exemplos que em direçãoao campo político. SegundoEdgarMorin, quandoos
marcaram o debate sobre a presença pública dos intelectuais fi lósofos descem de sua torre de marfim ou os técnicos uItrapassam
e a discussão a respeito das suas funções sociais.: As Ciências sua área de aplicação especializada para defendem ilustrar,
promulgar ideias que têm valores cívico, social ou político, eles
se tornam intelectuais.' Embora o uso e o significado prosaico do
fernand Braudel, em sua reflexão sobre o tempo histórico, aponta três planos
diferenciados:
o tempogeográfico,
o temposociale o tempoindividual.
O termo sejam mais amplos, nas pesquisashistórica e sociológica,
tempo social foi representadocomo aquele no qual podemos observar e analisar
ele está ligado à atuação dos representantesda chamada república
a formação e o comportamento dos agentes sociais coletivos. Nessa dimensão
temporal, existe uma dinâmica maior que no tempo geográfico e menor que no dasletras na esferapública.'
tempo da história dos indivíduos.
2 A obra deAntonio Gramscífoi o ponto de partida do tema dos intelectuaisno espaços- Nesse sentido, utilizaremos, neste texto, o conceito de campo a partir
itinerárioteórico do autor destetexto, logo inúmerasnoçõesdiscutidasaqui de várias escalas, privilegiando, em particular. as noções dos campos cultural
devem ser remetidas ao contexto das ideias gramscianas.Trabalhamos,neste ou intelectual, educacional e político. Parauma visão de síntesedas principais
texto, com os conceitosde capital e de campo de PierreBourdieu.Os capitais, categoriasde Bourdieu,ver O poder do s/maxi/fco.A referênciacompleta dessa
em suas diferentes modalidades, representam poderes associados à formação,
obra, assim como das outras obras e artigos que serão mencionados neste espaço
às relaçõessociais, políticas e de parentesco,ao património económico, bem estarão nas referências deste texto.
como ao carismae ao reconhecimentosocial dos agentes.O campo é definido
por Bourdieucomo espaçosocial de relaçõesde poder onde são estabelecidas' 3 Sobrea posição de EdgarMorin em torno da temática dos intelectuais,veç
desse autor Para sa/r do sêco/o XX
impostasas regras de funcionamento do campo, tais como os critérios de
nomeação, de classificação e de distinção social. Bourdieu ressaltaque o conceito 4 Na literatura especializada, existem muitas palavras para nomear os intelectuais,
de campo pode ter uma aplicação em escalasamplas ou restritas,ou seja,tanto na tais como: elite cultural, letrados, república das letras, ilustrados,iate//Éentsla,
definição de campo intelectual, político e educacional, como na análise de grupo entre outras. Utilizaremos, neste texto, preferencialmente,o termo intelectual,
associado à instituição ou a projeto social específico. Bourdieu defende a ideia contudo, para evitarmos repetições demasiadas, empregaremos algumas variações
da relaçãoentre os campos, massustenta,também,a autonomia relativadesses do vocábulo.

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COLEÇÁO HORIZONTES DA PESQUISAEM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- volume lO INTELECTUAISE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃONO BRASIL:PODER,CULTURAE POtfTICAS

No âmbito do projeto no qual esta reflexão se insere, Essaformulação tem como objetivo principal a compreensão
investigamos o tema dos i ntelectuais dentro da perspectiva histórica, dos modos de agir e de pensardos intelectuais,de maneiraa
enfatizando as crenças, as trajetórias, as redes de sociabilidade, projetar uma concepção sobre a função social desempenhada
as ideias, os projetos, as retóricas e as linguagens manipuladas por esses agentes no período estudado. Sendo assim, buscamos
pelos intele(duais vinculados à área educacional entre o último identificar e anal asarquatro aspectos que consideramos decisivos
quartel do século XIX e os anos 60 do século XX no Brasil.s Ao para a explicação histórica do intelectual como agente coletivo:
longo desta pesquisa, que abrange quase cem anos de história a) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo
intelectual, visamos a evidenciar os aspectos que singularizaram dos séculos XIX e XX, produziu a identidade social do intelectual;
os agentes em seus diferentes contextos, bem como destacamos b) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão
aqueles elementos que podem servir como chave heurística para ou de dever social; c) elaboração e veiculação do discurso que
uma compreensão abrangenteda ação política dos intelectuais. estabelece a relação entre educação e modernidade; d) assunção
Nesse sentido, objetivamos analisar o discurso, considerando as da centralidade do Estado como agente político para a efetivação
continuidades e as descontinuidades da geração dos ilustrados de do prometomoderno de reforma social.
] 870 aos grupos de intelectuais que disputaram a hegemonia do Essesquatro aspectoscompõem o conceito de intelectual que
campo educacional entre as décadas de 20 e 60 do século XX.óA intentamos explicitar neste espaço, a partir da problematização
análise desse discurso nos conduziu à tentativa de compreender da trajetória e das ideias de ErasmoPilotto, definido pelos seus
as crenças e os comportamentos sociais dos seusenunciadores e, admiradorescomo filósofo da educação e que se tornou a maior
assim, desenvolvemos o conceito de intelectual. referência do pensamento e da ação associadaao movimento
pela Escola Nova no fbraná, entre as décadasde 1930 e 1960.

5 Os estudossobre as linguagensna História Intelectual, bem como sobre a noção


de uso da linguagem estão associadosà teoria da interpretação histórica A QUESTÃO DA IDENTIDADE
desenvolvida no âmbito do chamado contextualismo linguístico. Essateoria,
elaborada pelos historiadoresQuentin Skinner e John Pocok, apoia-se
fundamentalmente nas teorias da performatividade da linguagem de John' Austin Na segunda metade do século XIX, na literatura russa, a palavra
e no conceito de jogos de linguagem de Ludwig Wittegenstein. Sobre essetema, fnfe//@ents/a representou a elite culta que defendia reformas
ver Wslonsofpo/fücs: regardng meüod, especialmente os capítulos Meanlng and
understadingin the history of ideal e Motivem,intentionsand interpretation, de sociais e reivindicava as posições de guia do povo e de grupo
Quentin Skinner e também linguagens do /deárfo po#üco, de John Pocock. Sobre portador da consciência nacional. Da Rússia para a França do
a noção de crença na História Intelectual, ver VlslonsofPo/ftpcs:regardfngmeü(xi,
especialmente o capítulo/nterpretaüon, raüona#ty and true, de Quentin Skinner. final do XIX, a palavra /nte#Cgentsfafoi preterida em favor do termo
intelectual. As histórias dessesvocábulos revelam a variação dos
6 A ideia de geração, apesar de todas as ambiguidadesque ela encerra, é
importanteneste texto, pois, como alerta Jean-FrançoisSirine]li "t...] no me/o seussign ificados, ora conotando positivamente, ora negativamente
intelectual os processos de transmissão cultural são essenciais; um intelectual
se define por referência a uma herança t-.\ o património dos mais velhos é, o papel social dos letrados.' No Brasil da segundametade do
portanto e/ementade reáerêncfaexp/fc/ü e/mp/k:fta"(SIRNELLI,2007, p. 255)
Acrescentamos,ainda, que essacategoria não deve ser entendida apenas na
7 Ferauma visão mais aprofundadada questãoda históriado termo intelectual,
perspectivado tempo cronológico; trata-se,antes, de um conceito que privilegia o
encontro de horizontes, a comunhão nasformas de pensare de agir. Sendo assim, ver fntelligentsia e intelectuais: sentidos, conceitos e possibilidades para a
intelectuais que atuaram em temporalidades diferentes podem ser entendidos Hfsrórfa/nte/ectua/, de CardosEduardoVieira. Veç também, Fragmentosda
história/nte/actua/: entre questionamentose perspeaivas, especialmente o
como partícipes.de uma mesmaforma de pensar e de agir geracional. Roque
SpencerMaciel de Barrasdesenvolveu o conceito de ilustração brasileira na obra capita\o História intelectual:condições de possibilidadese espaçospossíveis,de
A ilustração brasileira e a idéia de universidade Helenice RodriguesSilva; além da obra Grandes nomesda Hfslórfa /nte/ectua/,

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COLEÇAO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- volume IO INTELECTUAIS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: PODER, CULTURA E POLÍTICAS

século XIX, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen utilizou formais, como diplomas, títulos, mas as transcendiam ao enfatizar
a expressão aristocracia de serviços para representar o papel das as habilidades retóricas e textuais. Tratava-sedo reconhecimento
elites cultas na administração racional e isenta do Estado imperial e do autorreconhecimento da condição de distinção social que
brasileiro.' Sendo assim, tanto na Europa como no .Brasil, esses advinham do processo de formação, seja este resultante de
agentesforam representadoscomo elite que, em contrastecom estudos realizados e certificados pelas escolas em seus diferentes
as elites de sangue ou de posição económica, se distinguia pela níveis, seja decorrente do autodidatismo.
sua identidade própria e pela sua missão social específica. As A análise do processo de formação de Pilotto revela tanto
posições sociais ocupadas pelos intelectuais nos séculos XIX e a certificação escolar formal, como os investimentos em
XX, bem como suas habilidades retóricas propiciaram a esses autoformação. Estudando sempre em boas escolas de Curitiba,
personagensa condição privilegiada de atuar diretamente na Pilotto formou-se como normal ista pela Escola Normal Secundária
produção de sua própria representaçãosocial, de forma que, de Curitiba, em 1928. Título que, no período, ainda representava
em diferentes momentos, prevaleceram imagens extremamente fator de distinção entre os homens, mas, ao contrário de muitos
favoráveis aos inte]ectuaís, "[...] instituindo-os como verdadeiros dos seus pares, ele não seguiu seus estudos no âmbito da
heróis prometéicos, vocacionados para defender os interesses universidade. O grau universitário veio apenas em 1982, quando
públicos em nome da razãouniversal" (VIEIRA,2008, p. 74). a UniversidadeFederaldo Ihraná (UFPR)homenageou-ocom o
Refletindo sobre essa questão, Norberto Bobbio (1997, p. título de Professorf-/onoris Causa.O autodidatismo é perceptível
31 ) afirmou que as condições necessáriaspara os estudosdesses pela amplitude da sua produção intelectual, pois, embora em
agentessão: seus escritos o foco tenha se mantido nas questões da educação,
encontramos textos seus que incidem sobre temas de filosofia,
[.-] a) que os inte]e(duais constituam ou creiam constituir, em um artes plásticas, literatura e história. O saber enciclopédico de
determinado hís, uma categoria à parte; b) que essacategoria
Pilotto, bem como a amplitude do acervo da sua biblioteca
de pessoastenha ou creia ter função política própria, que se
evidenciam seus enormes investimentos em autoformação. A
distinga de todas as outras categorias ou classescomponentes
daquelasociedade. produção de Pilotto em torno do tema da educação também revela
sua refinada erudição, à medida que os problemas educacionais
Acrescentaríamosà reflexão de Bobbio a noção de que, no foram analisados em diálogo com ideias oriundas da literatura, da

processo de formação da identidade social dos intelectuais, as h istória e, pri ncipalmente, da filosofia.
Nessesentido, Pilotto não somente se revelou um erudito, como
diferenças de classe, etnia, nacionalidade, religião, profissão
foram relativízadas em favor do encontro de horizontes e da também reivindicou um lugar privilegiado para a erudição na sua
comunhão de interesses desses agentes em torno de temas teoria pedagógica.Pilotto sustentoucomo ponto arquimediano
relacionados com os espaços acadêmico, artístico e literário. As da formação do professora cultura geral. Irra ele, a formação
regras de reconhecimento dessegrupo social incluíam credenciais dos docentes caminhavaperigosamentepara a exacerbaçãoda
técnica didática em detrimento da formação geral. A formação
do educador para Pilotto, não poderia prescindir dos saberes
particularmente o capítulo Renae espada; sobre o nascimento dos ;nte/ectuaü, de
Marco Antonio Lopes. associados à técnica de ensino e à ciência, particularmente
8 Sobre as ideias de Varnhagen, ver ,4s formas do mesmo: ensaios sobre o aquelesvinculados às ciências experimentais, como a Biologia e
pensamento historfográ/íco de yarnhager7e Ouve/ra Vianna, de Nilo Odália.

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INTELECTUAIS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: PODER, CULTURA E POLÍTICAS
COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL- volume IO

a Psicologia, mas estes e aqueles deveriam estar subordinados à assim como reverenciou a geração que o antecedeu assim
base humanista, tendo na formação da sensibilidade estética seu como o seu grupo de contemporâneos ilustres.
pilar principal.g Pilotto esteve,em sua carreira como professore como
Percebemos que, tanto do ponto de vista da certificação administrador público, envolvido intensamentecom a questão
formal, como do ponto de vista dos investimentosnos estudos política, contudo suas relações com os partidos políticos e
e pesquisas pessoais, Pilotto conquistou um capital cultural com a administração pública foram pontuais. Nos anos 30
significativo, reconhecido inúmeras vezes ao longo de vislumbramos a rápida ascensãode Pilotto a cargoscobiçados
seu percurso por muitos setores do campo intelectual. A de direção em diversas Escolas Normais e Grupos Escolares do
regularidade dos convites e das comendas que ele recebeu Paraná. Na década seguinte, a definitiva inserção de Pilotto no
são evidências fortes que denotam a transferência do seu campo político ocorreu quando ele ocupou lugar de destaque
capital cultural para o plano simbólico que envolve o prestígio na coordenaçãoda campanhade Moisés Lupion ao governo
e o reconhecimento público. A título de exemplos, podemos do Estado.Após a eleiçãode Lupion,ele ficou à disposição
destacar as inúmeras vezes em que ele foi paraninfo de turmas do governador e ocupou, em 1949, a Secretaria de Estadode
da Escola Normal, as vezes em que atuou como organizador Educaçãoe Cultura (SEEC).Ao final do seu mandato,como
ou membro de comissõesjulgadorasde exposiçõesde arte, a secretário de Estado,ele foi nomeado Auditor do Tribunal de
sua atuaçãocomo articulista nosjornais l)/ár/o da tarde e O Contas. No piar)o partidário, o único registro que temos foi
D/a, a sua participação em periódicos associadosàs artes e à a sua filiação ao PartidoSocialistaBrasileiroem 1963, não
educação, o título acima mencionado de Professor Honor/s obstante não obtivemos informações sobre as razões e as
Causa e, sobremaneira, a posição ocupada por ele como consequências dessa filiação. A presença de Pilotto nesses
secretáriode Estadode Educaçãoe Culturano Paraná,entre espaços demonstra a sua força crescente nos meios políticos
1949 e 1951. Pilotto foi prestigiado, mas também distribuiu entre os anos 30 e 50 do século passado, contudo somos levados
reconhecimento a partir do seu esforço em estabelecer a crer que a ocupação dessasposições não foram resultados
vínculos entre as diferentes geraçõesde intelectuais. O culto de investimentos regulares no jogo das relações políticas e
da memória dos seus professores da Escola Normal, bem partidárias, mas sim como consequência da transferênciado
como seus investimentos na escrita de biografias sobre poetas, seu prestígio angariado nos meios educacionais e culturais
professores e artistas célebres no cenário paranaense permitem para a esfera política.
inferir a sua preocupação em representar a genealogia dos Se, no âmbito da política, as filiações partidárias e as
intelectuais.'' Nessachave de leitura, Pilotto foi reverenciado, associaçõesdiretas com o Estadoforam pontuais, no plano das
organizações culturais foram inúmeras as suasparticipações
Ainda como normalista, Pilotto criou o Centrode Cultura
} No to(to O movimento pela Escola Nova no Paraná: trajetória e idéias educativas
Filosófica e, posteriormente, o Centro de Cultura Pedagógica.
de ErasmoPf/oüo, apresentamosa hipótese de que a pedagogia de Pilotto teria,
na arte, na formação da sensibilidade estética, o seu suporte principal. Rossano Os dados referentes ao funcionamento dessescentros mostram
Salva,sob a nossaorientação, levou essahipóteseà frente na dissertação,Arte a liderançade Pilotto no interiordessesgrupos,bem como a
como princípio educativo: um estudo sobre o pensamento educacional de Erasmo
Pf/alto, defendida em 2009, na UFPR
10 Pilotto escreveu biografias a respeito do poeta do simbolismo Emiliano Perneta, De Bona e Pote Lazarotto. Rossano Sirva(2009) desenvolveu o tema da memória
do professor e intelectual DarioVellozo e dos artistas plásticos JoãoTurin, Theodoro da antiga Escola Normal produzida por Pilotto.

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construção da redede sociabil idade que incluíajovens interessados Erasmo Pilotto, estão: a formação escolar e os investimentos em
em adentrar no campo, bem como intelectuais reconhecidos autoformação; o reconhecimento público evidenciado pelos
e estabelecidos.'' No decorrer do período, somam-se muitas inúmeros convites e comendas recebidos; a participação e a
iniciativas como essas,como a criação da Universidade Popular e liderança na organização de grupos de estudos, projetos editoriais,
do boletim /deárfo da asco/aNova. Não foram encontradasfontes exposições de arte e concertos musicais; a ocupação de posições
em quantidade e de qualidade suficientes para um exame mais importantes nas esferas administrativa e política do Estado; bem
detalhado desses investimentos, contudo percebemos que, nesse como o esforço de Pilotto em representaro campo intelectual,
período de formação e de afirmação de Pilotto como intelectual, com a produção da genealogia da intelectualidade paranaense.
a diversidade e a efemeridade marcaram as suas iniciativas no Essa postura militante de Pilotto na organização desses
campo. Nos anos 40, período em que Pilotto estáestabelecido espaços revela o processo de construção,,Ja sua identidade
e reconhecido, ele colabora com a criação do Grupo Editorial como membroda /nte//genes/a
que se i6êonheciacomo tal ao
Renascimento do fhraná (GERPA),coordenado por Raul Gomes, criar espaços próprios de sociabilidade. Espaços nos quais eram
e com a publicação da Revista ,foaqu/m, em parceria com Dalton definidas as regras do jogo do campo e, por extensão, a identidade
Trevisan.': Funda, em 1944, com outros intelectuais, a Sociedade daqueles que atuavam em seu interior. A intensa movimentação
de Cultura Artística Brasílio ltiberê (SCABI),promovendo a área de Pilotto nessasesferaspolítica e cultural sugerea sua inserção
da música. fhrticipa, também, da criação do Salão Fhranaense na identidade social dos intelectuais que vinha se produzindo
de Belas-Artes e da fundação da Escola de Música e Belas- no Brasil no século XIX e que ganhou nova dinâmica a partir
Artes do Fàraná(EÀ4BAP).No processo de fundação da EMBAB da décadade 20 do século passadoem função da ampliação
Pilotto atuou como mediador entre os interessesdos artistas, dos e da complexificação do campo cultural.'' Pilotto pertenceu
professores e do Estado. Na década seguinte, fundou a Associação ao grupo social que, a partir do poder simbólico conquistado
de EstudosPedagógicose colaborou com escritossobrea situação nas instituições e nos movimentos artísticos e educacionais,
do ensino no fhraná encomendadosdiretamente pelo INEF3sob a estabeleceu suas relações com o Estado, de maneira a produzir
díreção de Anísio peixeira. a legitimação dos intelectuais como representantesdo poder
A ocupação dessesespaçosno campo cultural, em contraste político e, concomitantemente,legitimar as políticas do Estado
com a sua participação no campo pol ético,ocorreu ao longo da sua na esfera cultural por meio das suas ações e das suas presenças
trajetória de forma regular. Em síntese, podemos afirmam à luz das prestigiadassocialmente.
evidências de pesquisa, que, entre os principais aspectos que nos
permitem compreender a formação da identidade do intelectual 0 SENTIMENTO DE MISSÃO SOCIAL

A ideia de missãosocial dos cultos pode ser encontradaem


Sobre a participação de Pilotto no Centro de Cultura Filosóficae sobre a
formação da rede de sociabilidade entre intelectuaisestabelecidose jovens muitos contextos temporais e culturais. Johann Gottl ieb Fichte, em
aspirantes ao campo, ver Rossano Silva (2009) seu texto intitulado Sobre a m;suão do erudito, de 1794, afirma que
12 Raul Rodrigues Gomes (1889-1 975) foi profusor e jornalista paranaense e
signatário do A4anfáesfo
dos P/one/rosda EducaçãoNova, de 1932; Dalton Trevisan
(1925-) é escritor consagrado pela crítica literária brasileira. Sobre as relações entre i3 Sobre a ampliação e a complexificação do campo cultural no Brasil nos anos
Pilotto, Trevisan e GuidoViaro no contexto da revista Joaquim, ver ,4 modernidade 20 do século passado, ver /nte/ectuafs e c/asse dfrÉente rlo Brasa/(1920-1 945), de
no sótão. educação e aRe em Gufdo caro, de Dulce Regina Baggio Osinski. Sérgio Miceli,' na obra organizada pelo autor intitulada/ntelectuafs à brasa/eira
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o erudito deve assumir a condição de professor da humanidade, decisão pessoal de ser um mestre de meninos em uma pequena
sacerdote da verdade, guia do povo e razão do Estado. hra Fichte escola primária retirada e as demandas oriundas da sua projeção
o homem culto tem o olhar voltado para o futuro, a mentalidade como intelectual preeminente. Refletindo sobreessecontexto, ele
aberta, o interesse pelo mundo e, sobremaneira, a capacidade de afirmou que a sua decisão original sofreu redefiniçõesao longo
exposição e de persuasão.'' Lúcia Lippi de Oliveira (1990, p.1 87), de sua vida e argumentou que não foi "[...] diretamente o 'mestre
discutindo o comportamento político dos intelectuais na Primeira de meninos', mestre escola, mas toda a [sua] vida foi o sincero
República no Brasil, afirma que serviço, sem interrupção de um dia, à causa da educação. O
duro problema da coerência" (PILomo, 1989, p. 12). A noção
[...] independente da sua origem de c]asse, da sua formação
de causa educacional, tão comum no discurso educacional do
bacharelesca ou especializada, [os intelectuais] mantiveram-se
ocupadosem 'pensar' o Brasil e em propor caminhos para a período, conota a ideia de prometo,de ação dirigida a fins práticos
salvação nacional. Ao atuarem na construção de consciências e políticos. Nessa chave de leitura, a educação -- antes de
coletivas, os intelectuais, consideraram-se imbuídos de uma
representar a transmissão da cultura ou a atividade profissional
missão e procuraram difundir suas propostas mediando
aspirações nacionais e pol íticas governamentais. significou um projeto político e uma razão de engajamento dos
intelectuais.
hra além do seu compromisso pessoal de dedicação e de
O termo missão, historicamente associado ao clérigo na
devoção ao magistério, Pilotto destacou em seus escritos os
Idade Média e, depois, ressignificadopara explicar a posição
exemplos de lolstoi e de Pestalozzi. Esses foram representados
social do professor na Modernidade, foi usado no discurso da
como intelectuais sofisticados que negaram os sabores das
intelectualidade brasileira para expressaro imperativo do dever e
vidas cortesã e burguesa para se dedicarem à causa do povo
a decisão de engajamento político dos intelectuais. Na educação,
pobre. Tolstoi e Pestalozzi representaram o encontro entre os
o engajamentopolítico representouuma característicacomum
cultos enganadose o povo desassistidoe carente.A exemplo do
dos intelectuais que se associaram ao campo, pois a educação
literato russo e do educador suíço, Pilotto criou diversasescolas
foi e permanece sendo espaço de prática e de intervenção social.
experimentais, entre as quais se destacou, em 1943, o Instituto
Logo, a reflexão teórica nesse espaço social está, em regra, Pestalozzi. As referências aTolstoi e a Pestalozzi foram mobil izadas
associada às dimensões prática e pol ética,de maneira que a escrita
no discurso pilottiano na intenção de demonstrar a coerência das
da história dos intelectuais da área, em grande medida, demanda
suas próprias opções, assentadas,segundo ele, em fortes razões
do historiador a percepção das ideias, das teorias, mas, também,
políticas e morais.
dos projetos e das ações a elas vinculados.
O engajamento de Pilotto pode ser ainda mais bem qual ificado
Einteressanteperceber como, nosdocumentosautobiográficos
na perquirição da sua passagem pela SEEC,pois ele implementou,
deixados por Pilotto, a ideia de missão aparece relacionada com
em sua curta participaçãocomo secretáriode Estado,a
o sentido de causa educacional. Em suas memórias, escritas na
regionalizaçãodo ensino normal. Denunciando o descasocom
maturidadedos seus 79 anos, ele narra as tensõesentre a sua
a educação no interior do Estado,Pilotto propôs, em contraste
com as iniciativas voltadas à Capital e às cidades tradicionais do
14 Os textos de Fichte e de Benda referidos ao longo desta exposição encontram Estado,a interiorização do investimento em educação. Segundo
se reunidosna obra organizada
por slide R. Bascos
e WalquírlaD. L. Rego Pilotto (1952, P.18):
ntltu\ada Intelectuais e Política: a moralidade do compromisso.

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COLEÇÃO HORIZONTES DA PESQUISAEM HISTÓRIA DA EDUCA(;ÃO NO BRASIL- volume lO INTELECTUAIS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: PODER, CULTURA E POLÍTICAS

[-.] praticamente todo o magistério incumbido, no Fhraná, da uma espécie de éden que se conquistaria a partir de investimentos
educação de nossa criança da zona rural, em nossasescolinhas em diferentes frentes, mas, de forma especial, a cultura e a
isoladas, é formado por professorasque mal tem o cu rso primário.
Algumas,efetivamente,não podem ensinarmais do que o educação representaram áreas estratégicas nesseprometo.A anal ise
primeiro e o segundo anos primários. E não têm, naturalmente, do discurso da intelectualidade no Brasil, nas particularidadesdos
nem a mais leve formação pedagógica. agentesque se destacaramno campo educacional, bem como
nas redes de sociabilidade intelectual criadas pelos jornais,
Na sequência do raciocínio, pergunta: "Como foi possível revistas e instituições culturais confirmaram a tese, bastante
que chegássemosa 1948, sem ter dado um passo sequer para difundida na área acadêmica, sobre a relação estreita entre os
u[trapassaressasituação? [...] Não é humano que nada se tenha ideaisde modernidade
e a defesade investimentos
em cultura
feito anteriormente para remediar esseestado de coisas" (1952, p. e em educação. Relação esta que, em muitos cenários, foi
18) importada de maneira a supor a conexão propriamente causal, de
A história de vida de Pilotto, assim como de muitos intelectuais, forma que os investimentosem educação implicariam necessária
é a história da luta política pelas reformas educacionais, tanto nas e inexoravelmente a conquista da modernidade. A ideia de
dimensões da crítica à pedagogia tradicional, quanto da revisão modernidade cativou os intelectuais.A rigor} é possíveldizer que
do processo de formação dos professorese/ou da organização do eles foram produtos e arautos dessa crença, de maneira que os
sistemapúblico de ensino. O lema de Pilotto, repetido inúmeras diferentes grupos e gerações terçaram armas na perspectiva de
vezes, era: a educação é dre/to de todos. O lema tornou-se afirmar modos de ser e de pensar associadosaos sentidosdo
título de um dos seuslivros no qual utilizou, como epígrafe,um moderno, da modernidade e da modernização.'s
pensamento de Romain Ro[[and: "[...] escrevi sempre para os que Associados à representação da modernidade estavam muitos
marcham, pois estive sempre em marcha e espero não me deter significados marcados pela positividade, como desenvolvimento,
até a morte" (PILomo, 1952, p. 4). A metáfora da marcha sugere progresso, ordem, civilização, bem-estai entre outros.
as ideiasdo soldado e da batalha,tal como Pilotto concebeu a C)éden moderno foi imaginado em muitos paísesda Europae
sua posição como intelectual e o seu engajamentoem relação da América do Norte, a partir da idealização das suasexperiências
à causa educacional. O sentido político das suas ideias ou as sociais, políticas, económicas e, em particular, educacionais. Não
consequências práticas das suas ações são objetos em abertos obstante, se, por um lado, o ecos moderno seduziu os intelectuais,
na História da Educação,contudo não restam dúvidas sobre a por outro, percebemos que o ideal comum de modernidade não
intenção de Pilotto de representar sua vida profissional nesse significou usosuníüocosdessetermo. O monarquistaRícardo Pares
encontroentreo sentimentode devere a tomadade posição
política.
5 As expressõesmodernismo, modernização e modernidade foram mobilizadas,
em ampla medida, no cenário intelectual dos séculosXIX e XX. Enquantoo
0 DISCURSODA MODERNIDADE modernismo conotou movimentos estéticos,a modernização representoumedidas
de racionalização da vida social e da esfera económica. O termo modernidade
tem uma polissemia mais ampla, pois conotou um período histórico que, segundo
MarshallBerman,tem início no séculoXVI, incluindo nessafaseo Renascimento
No horizonte retórico dos intelectuais do último quartel do
e, posteriormente, o Iluminismo, passando, então, por mais duas fases:a segunda
século XIX aos anos 60 do século XX, identificamos a presença que se iniciou com a Revolução Francesae suas reverberaçõese a terceira, no
marcanteda ideia de modernidade,que foi representada
como século XX, quando, segundo o autor. a modernidade se expande em nível mundial
(1986, P.17).

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de Almeida, em 1889, cativado pela cultura francesa,afirmava A modernidade, nessecontexto, pode ser representadapela
que o imperador D. Pedro ll adotava uma política progressista e confiança na ação edificante da razão que, por meio da ciência,
modernizadora para a educação e, dessaforma, ele conduziria o da tecnologia, da instrução e das políticas sociais universalizaria
regime monárquico e o Fhís à sua atualização. um novo modo de pensar e sentir a realidade
Afrânio Peixoto, em 1933, representou o Imperador e o A vinculação de Pilotto ao discurso da modernidade pode
regime monárquico como entravessuperadosno caminho do ser verificada pela sua adesão ao Movimento pela Escola Nova
Fhíspara a modernidade. O republicano Peixoto entendia que a (MEN). Essemovimento internacional tem suas raízes no último
modernidade estavanos exemplos dos EstadosUnidos e, no plano quartel do século XIX e mobilizou um conjunto significativo de
da educação, defendeu a adoção da escola atavade inspiração intelectuais no Brasil em torno de um projeto que, nas palavras
deweiana. Teobaldo ciranda Santos,entre os intelectuais catól icos de Lourenço Filho, visava à organização nacional por meio da
na década seguinte, defendeu que o projeto da modernidade no organização da cultura.I' O MEN representou, em escala mundial,
Brasíl não deveria adotar modelos externos, mas sim olhar para a expressãomais forte da presençado ecos da modernidadeno
suas próprias tradições, considerando, em particular, a experiência campo educacional, pois essemovimento impostou sua retórica de
de ensino que a IgrejaCatólica representava.'' maneiraa afirmar a ciência como a principal fonte para o trabalho
Essebrevee esquemáticoconfrontode tesesem torno dos pedagógico. A ligação de Pilotto com o MEN tem suas origens
ideais e dos rumos almejados para a modernidade evidencia o em seu período como normalista na Escola Normal Secundária
desejo dos intelectuais de atualizar o Brasil, contudo tais leituras de Curitiba, nas iniciativas já mencionadas do Centro de Cultura
demonstram, também, como os sentidos do moderno e os modelos Pedagógica e do boletim Ideário da asco/a /'Vovó. Nos anos 30,
propostos eram conflitantes. Porém, se os modelos e os fins da mais precisamenteem 1933, verificamos a definitiva vinculação
modernidade provocavam dissensos,os meios eram relativamente de Pilotto ao movimentoem sua participação,como delegado
comuns, ou seja, os intelectuais partilharam a convicção de que o do PEtraná,na V ConferênciaNacional de Educação.O encontro
caminho da modernidade seria trilhado por meio da ação política visava a subsidiar o debate sobre educação na constituinte de
sobre a sociedade, a partir de uma liderança política centralizada 1934, contudo resultou na cisão da ABE e, nessequadro de
e esclarecida pelos poderes de análise e de predição da ciência confronto, Pilotto alinhou-se aos pioneiros em oposição ao grupo
moderna. Nessecontexto, ascrenças no católico.
Essasconvergências em relação às ideias do MEN, tanto no
[...] poder i]imitado da razão, na inexorabí]idade do té]os do plano da renovação das práticas pedagógicas, como na perspectiva
progressoe na potencialidadeda ciência para interpretare
da compreensão de que a reforma da escola significava a reforma
intervir sobre o mundo natural e social produziram a atmosfera
intelectual da modernidade que, em diferentes ritmos temporais da sociedade, não significaram a adesão de Pilotto às tendências
e a partir de tradições diversas, perpassou diversas instâncias teóricashegemónicasno MEN. Pilotto (1989, p. 53) afirma que
sociais e culturais (VIEIRA, 2007a, p. 380). a sua "[...] vocação para a EducaçãoNova vinha [...] de outras
origens; assim, foi com grande independência que respeitamos

6 Os textos de Almeida, Peixoto e Santosque contêm essasargumentações são.


respectivamente, os seguintes: /nsüução Púb/fca no Brasa/(7500- 7889), de 1889
Noções de História da Educação, de 1933} e Noções de História da Educação lz Essaideia foi manifesta por Lourenço Filho em seu discurso inaugural na Vll
rlp lq45 Conferência Nacional de Educação,em 1935.

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o ar do importante movimento renovador brasileiro". As antigas negar a fecundidade da relação entre educação e ciência, Pilotto
referências às ideias de Tolstoi, Rousseau e Pestalozzi foram buscou evitar que essa interlocução representasseo fechamento
mobilizadas contra a forte tónica cientificista presente nas do diálogo com outras dimensões do pensamento moderno,
principais correntesdo MEN associadasao chamado naturalismo particularmente com a arte e a filosofia.
pedagógico, mais particularmente ao pragmatismo de Dewey e Em síntese,podemos afirmar que Pilotto compartilhou a tese
ao sociologísmo de Durkheim. sobre a necessidade de atual ização do Brasil, da mesma forma que
Em texto publicado em 2001 sobre a pedagogia pilottiana, entendeu que a atualização do Ihís passava,inexoravelmente, por
procuramos demonstrar como esse intelectual reagiu contra uma reforma social conduzida por uma elite esclarecidae pela
o cientificismoque imperavano MEN e buscouafirmaruma imposição de modos de pensar racionais e de práticas informadas
concepção pedagógicaapoiada nos ideais de liberdade e de pela pesquisacientífica. Não obstante, no contexto dos anos 40
autodeterminação e nos poderes da intuição e da vontade. do século XX, o otimismo irrefletido em torno da modernidade
Essaconcepção, em diálogo com as filosofias românticas e como o éden terreno e, sobretudo, o potencial da ciência como
neoidealistas, materializou-se na sua pedagogia de extração meio exclusivo de condução da ação social, que marcarama
espiritualista.I' Essapostura não representou a recusa completa atmosfera intelectual do último quartel do século XIX, estavam
das contribuições de Dewey e de Durkheim, da mesma forma abalados pela sucessão de crises internacionais e pelo surgimento
que não significou oposição à função da ciência na sociedade de críticos veementes ao percurso da chamada civilização
e, por extensão, na revitalização das práticas pedagógicas. A ocidental.
rigor podemos afirmar que as ideias pedagógicasde Pilotto Dessa forma, Pilotto alinhou as suas convicções nos poderes
oscilaram entre a assunção da ciência como suporte da prática da ciência e da educação ao novo cenário, de maneira que, no
pedagógica e a defesa dos saberes associadosà arte, à literatura e plano dos seus diálogos pedagógicos, ele priorizou a interpretação
à filosofia. Essaoscilação não se caracterizou como ambiguidade de Pestalozzi da filosofia romântica de Rousseau, os exemplos
ou contradição teórica, mas sim como tentativa permanente de do idealismo e do cristianismo integral de Tolstoi e a filosofia do
pensar a ação educativa entre a objetividade do dado empírico, ato puro de Gentile. No plano propriamente filosófico, o niilismo
a lógica do conceito, a liberdade da intuição e o imperativo de Nietzsche, Heidegger, Schopenhauer acompanharam suas
da vontade. Talvez, em termos polêmicos, pudéssemosdefinir reflexões com o propósito de relativizar o discurso da ciência e
Pilotto como um crítico moderno da modernidade, uma vez os valores da sociedade ocidental dos séculos XIX e XX. A visão
que ele, sem desprezaro racionalismo filosófico e a ciência, sobre a relação entre educação e modernidade acompanhou os
posicionou-se contra os excessos provocados pela transformação horizontes teórico e prático de Pilotto, contudo, tal como em
do discursocientíficoem ideologiado progresso
e, também, Almeida, Peixoto e Santos aqui mencionados, o significado da
opas-seao molde rígido e exclusivistado modelo das ciências ideia de modernidade foi ressignificado em sua visão de mundo.
experimentais aplicadas à educação.'9 Em outras palavras, sem
O PROTAGONISMO DO ESTADO

' O texto de2001 intitula-seO movimentope/aasco/aNova no Paraná.tra/etórfa


e idéiaseducativasde ErasmoPiloso A crença no Estadocomo agente político capaz de realizar o
9 Sobre a ideia de crítica moderna à modernidade, ver o crítico de arte Fredric
prometomoderno de reforma social atravessoudiferentes gerações
}ameson e a sua obra Modernidade singular: ensaio sobre a antologia do presente.

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de intelectuais. Nilo Odália (1997), analisando as obras e as comuns "]-.] do meio tropical adverso,as característicasdas raças
posturas políticas de Varnhagen e de Oliveira Vianna, identifica formadoras e a persistente alienação de nós mesmos" (p. 424). A
essarepresentação
que, por um lado, ao analisara históriado retórica do atraso nacional foi mobilizada de maneira a produzir
F:bís,critica a ausência do Estado e de políticas sociais eficientes não somente a explicação das razões do atraso, mas, sobretudo, a
e, por outro, reclama a ação desse agente de forma resoluta e vontade pol éticade mudança social.
intensa no processo de reorganização da sociedade. A relação De acordo com essa leitura, as mudanças necessitariam
entre intelectuais e Estado foi tratada em muitos estudos nas de um agente que reunisse grande podem tanto no plano
diferentes áreas das Ciências Sociais e Humanas. Na obra persuasivo,como no coercitivo, para acelerar o tempo e produzir
célebre de Daniel Pécaut, Os/nte/actuais e a po/ü/ca no Bus//, a nova realidade nacional. Essavisão favoreceu, assim como
encontramos a tese sobre a ideologia do Estado sustentada pelas ficou demonstrado pela extensa bibliografia sobre o tema do
diferentes gerações da intelectualidade brasileira. Para Pécaut pensamentoautoritário no Brasil, a relativização do valor da
(1990, p.45), a "[...] ideologia de Estado'tem, portanto, o mérito democracia e a desconfiança em relação às iniciativas políticas
de ressaltar que o Estado, e não a sociedade civil, se apresenta do povo e da sociedade civil. Logo, a partir de diferentes contextos
como agente da construção nacional". Nessaideologia o Estado temporais e políticos, intelectuais monarquistas ou republicanos,
aparececomo o agentepolítico principal e os intelectuaiscomo integralistas ou comunistas, liberais ou conservadores, guardadas
a /nte///kenls/a responsável por elaborar o projeto nacional capaz as exceções que confirmam a regra, convergiram no propósito
de dar unidade cultural ao País.lera o sociólogo francês, Alceu de pedir a intervenção do Estadona sociedade.Nessalinha de
Amoroso Lima representouessavisão de forma lapidar,ao afirmar argumentação a educação ganhou destaque como instrumento
que, na História do Brasi], "[...] o poder púb]ico não é apenas o eficaz de intervenção social, seja na perspectiva da reforma da
reflexo do povo e sim o orientador o guia, o verdadeiro formador escola primária e popular, seja no plano de implementaçãodo
do povo" (LIÇA, apud PÉCAUT 1990, p. 45). ensino superiorvoltado à elite.
As presençasdos mitos da unidade cultural e política da O surgimento da Associação Brasileira de Educação (ABE),
nação e do atrasodo hís em relaçãoàs naçõescivilizadas no em 1 924, e as suas sucessivas conferências nacionais evidenciam
discurso da intelectualidade brasileira foram fundamentais o propósito dos intelectuais do nascente campo educacional de
para a produção da justificativa do protagonismo do Estado, criar um espaçopúblico de enunciação do prometode formação
pois, nessa chave de leitura, o hís necessitaria queimar etapas do espírito nacional por meio da escola. Do púlpito da ABE,
em seu desenvolvimento,
sob pena de ficar eternamente
em os intelectuaiscriticaram a falta de uma política nacional para
descompasso com a modernidade da Europa e da América do a educação e exigiram a intervenção do Estadopara sanar essa
Norte. Stella Bresciani(2005), a partir da exploração das ideias ausência. Nesse cenário, os intelectuais revelaram a convicção no
presentes na historiografia brasileira da primeira metade do século protagonismo do Estadoque, ao longo do período, traduziu-se na
XX, destacouo pesar de intelectuaiscomo Oliveira Vianna e ocupação sistemática pelos intelectuais de posições no âmbito do
Sergio Buarque de Holanda em relação ao atraso do fhís. Para aparelho de Estado.:'
ela, as obras dessesintelectuais,guardadasas suas profundas
diferenças, produziram o sentimento de ressentimento em relação zo Carlos Eduardo Vieira e Aurélio Bona Jr. analisaram as teses apresentadas na
à realidade brasileira, explicada por eles a partir dos lugares ConferênciaNacional de Educaçãoda ABE, realizadaem Curitiba, em 1927, e
concluíram que o principal objetivo dos organizadores da conferência, bem como
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Pilotto partilhou dessaexperiênciae dessacrença sobre o do sistema público de ensino. A tese tão propalada nos anos 20
Estado,embora tenha mantido uma atitude alinhada aos valores sobrea unidade da nação por meio da escolafoi traduzida nas
democráticos e a sua presença efetiva em posições de poder décadas seguintes pelo projeto de organização do sistema público
no Estado tenha sido pontual. A passagem dele pela SEEC é, de ensino que, vigente em todo o território nacional, seria capaz
evidentemente, o momento mais significativo para vislumbrarmos de homogeneizar as formas de organização e de administração
a sua relaçãodiretacom o aparelhode Estado.O estudode da escola, os processos de formação de professores, as condutas
Vieira e Marach (2007b) enfoca as contradições vividas por didáticas, os objetivos e os conteúdos de ensino. Essedebate
Pilotto quando assumiu a direção da educação no Fàraná,uma atravessouo século e levou muitos especialistasdo campo a
vez que a PedagogiaDiferencial defendida por ele no interior contribuírem com programas completos para a organização da
da experiência no Instituto Pestalozzi,em 1943, foi revista na educação nacional. A ideia de sistema de ensino ocupou o centro
perspectiva de elaboração de um plano de interiorização da da reflexão pilottiana, de modo que, em 1949, no discurso para
EscolaNormal no hraná. Pilotto defendeu, no plano das escolas os normalistas, ele asseverou que existia uma revolução em curso
experimentais, um procedimento de ensino adequado a cada e que esta trazia dois conceitos fundamentais: "]-.] a pedagogia
educandoe a formaçãode um professorque, antesde seguir da educação Nova; e, segundo -- a organização do sistema
métodos de ensino, criasse pedagogias. Essecenário mudou no educacionalem função de propiciar a todos uma educação
fim dos anos 40, no processo de condução da política, que visava que permita a cada um o desenvolvimento de suas aptidões
a levar a educação às regiões distantes da Capital. Diante da dura cientificamente determinadas" (PILOTTO, 1977, p. 61 ).
realidade das escolas que contavam com apenas um professor No léxico pilottiano, percebemos a presença constante da
semialfabetizado, Pilotto defendeu o treinamento dos docentes, ideia de sistema de ensino e, assim, destacamos as obras Prática de

a partir de procedimentos rígidos e de condutas automatizadas EscolaSerena, de q946, e Problemas abertos no estudo de sistemas

na pretensão de obter algum sucessonas experiências da escola asco/arespara o Bus//, de 1958. A primeira trata da experiência
de mestre único. Pilotto criticou a ausência do Poder Público no já mencionada no Instituto Pestalozzique foi criado por ele para
interior do f'ãranáe, coerentemente,atuou de maneira a fazê-lo testar suas ideias pedagógicas. O contexto de experimentação, em
presente, mesmo que essa presença fosse sentida pelos métodos uma pequena escola privada, não inibiu a sua pretensão de tornar
coercitivos e por uma relação vertical entre os especialistas do a experiência do instituto base para a organização do sistema

Estadoe os professoresdas escolas isoladas.:' público de ensino. Pilotto (1946, p.43) afirma que "[...] o sistema
Paraalém da participaçãodireta de Pilotto na elaboração e educacional do Instituto Pestalozzi é, em seus fundamentos,
na administração das políticas de Estado, vislumbramos a crença o esquemade um sistemaeducacionaluniversal".A obra de
no protagonismo do Estadoem suasobras que trataram do tema 1958, no curso dos debatesda primeira Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, apresenta uma proposta completa de
dos participantes do evento era oferecer ao Estado e ao governo soluções para organização do ensino do jardim de infância à universidade, ainda
a diversidade cultural do fhís pela veiculação de ideias e de condutas comuns
a serem inculcadas pela escola no Brasil. Sobre o tema, veç dos autores acima que a discussão enfatize o ensino primário e o secundário. Pilotto
mencionados. O discurso da modernidade nas conferências educacionais na
adverteo leitor na introdução do seu texto, que o advérbio fa/vez
década de ]920 no Paraná.
zl Sobre esse tema, ver Carlos Eduardo Vieira e Caroline Baron Marach (2007b):
deve acompanhar a argumentação da sua proposta, revelando sua
Escolade mestre único e escola serena: realidade e idealidade no pensamento de prudência intelectual, porém o escopo do texto era responderàs
ErasmoPifotto.

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COLEÇIÃOHORIZONTES DA PESoUISA EM HISTORIA DA EDUCA(;ÃO NO BRASIL - volume IO INTELECTUAIS E HISTORIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: PODER, CULTURA E POLÍTICAS

demandas da "[...] rea]idade atua] do Brasi], numa fase de passar argumenta que é difícil estudar um objeto que envolve tanta
ao primeiro plano mundial, e situado na vertiginosa realidade sacralização como os intelectuais. Soma-se ao culto social
em transformaçãodo mundo [que] impõe uma urgentee aguda dos clérigos modernoso fato de que os analistasdas trajetórias
revisão de nossos sistemas escolares" (1958, p. 4). Essa obra, intelectuais são também intelectuais e, assim, a crítica enfrenta os
produzida a partir de comparações exaustivas como as realidades limites inerentes à autocrítica. fura além da questão tradicional
educacionais da Europa e da América do Norte, sustentaa tese da isenção e do afastamento em relação ao problema, Candido
da necessidadeimediatade reorganizaçãodo sistemanacional (2001, p.72) ainda enfatiza o caráter ambíguo e fugidio do
de ensino,sob pena de o F:bísficar em descompasso com o problema, pois "[...] o inte]ectua] parece servir sem servia fugir
mundo moderno. Nesse contexto argumentativo,o apelo ao mas ficando, obedecer negando, ser fiel traindo". As habilidades
Estadose mostra,tanto na crítica do comportamentopolítico lógicas e retóricas desses agentes os colocam em posição
do aparelho estatal -- movido por interesses alheios, em grande privilegiada para a produção de sua imagem social, contudo as
medida, contrários às demandas de ordem racional e científica
imposições dos ofícios intelectuais obrigam que esses agentes
como na reivindicação da presençado Estado como executor e escrevam e publiquem volumes consideráveis de textos que
administrador das propostas defendidas por Pilotto. propiciam aos analistas ampla documentação e, portanto, ampla
A motivação política que guiou a exigência do protagonismo possibilidade de análise das suas ideias, linguagens, crenças e
do Estado no discurso pilottiano era o direito universal à projetos sociais. Nesse sentido, a visibilidade dos seus projetos
educação que, antes de ser tema dos intelectuais, representou e tesesé proporcional à visibilidade das suas contradiçõese
uma demanda política das classes subalternas em diferentes ambiguidades, cabendo ao analista escolher entre a literatura
momentos da História. A questão que provoca o analista do de idolatria e as obras laudatórias tão comuns na formação
campo intelectual não é o valor político da reivindicação, mas da memória do campo intelectual e, portanto, na afirmação de
sim a percepção de que, mesmo no contexto da defesa de teses hierarquias, valores e comportamentos -- e os textos de crítica
democráticas e populares, o Estadoprevaleceu como interlocutor honesta e baseada em métodos de investigação confiáveis.
e agentepolítico privilegiado,em detrimento da sociedadecivil Fhrticularmente, acreditamos que a maior homenagem que
e do movimento popular. Nesses termos, a recusa de ocupação um agente social que dedicou parte da sua vida à atividade
sistemáticade cargos na administração direta por parte de Pilotto pública pode receber é ser objeto de uma investigaçãoque
não significou,em seu projeto pedagógico,a relativizaçãoda seriamente procura a verdade, ou melhor, nestes tempos de
visão sobreo papel do Poder Executivoou a busca da afirmação ceticismo epistemológico, que evita sistematicamente os erros e as
de outros protagonistas sociais. Os intelectuais, mesmo distantes falsificações. É assim que reconhecemos, no plano geral, o papel
ou alijados do Estado,identificaram, nos seusprojetosde reforma político dos intelectuais e, no particular, a figura emblemática de
social, o Estadocomo o agente político privilegiado. ErasmoPilotto.
A pesquisahistórica sobre os intelectuais pode representamassim
CONCLUSÕES
como Helenice Rodrigues da Silva sugeriu, o desaparecimento
desse protagonista social ou pelo menos a mudança substantiva
Antonio Cândido, no prefácio da célebre obra de Sérgio na posição social desseagente na sociedade contemporânea. hra
vice\\ Intelectuais e as classes dirigentes no Brasi1( 1920- 1945), Si[va (2002, p. 18), "[...] a crise da representação do inte]ectua]

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serviu de estímulo para o aparecimento de um novo objeto de nos aproximamos do indivíduo, mais verificamos suas formas
estudo -- o intelectual e uma nova área de investigação peculiares de interpretação e de ação diante do mundo e quanto
a história intelectual". Porém, esse não é um problema para mais focalizamos o grupo social ao qual ele pertenceu, mais
nos ocuparmos aqui, pois nos coube, neste texto, explicitar o identificamos as crenças e as práticas comparti Ihadas.
conceito de intelectual que estamos desenvolvendo e, como Essaproblematização do comportamento político dos intelectuais
ficou evidenteao longo da argumentação,
não reivindicamosa nos serviu, inicialmente, como hipótese de pesquisa, mas,
originalidade na produção desseconceito. Estesurgiu no diálogo neste momento, assume a condição de conceito que orienta a
com a literatura que tem tratado do tema no Brasile no exterior e compreensão do campo educacional no Brasil, mesmo que
também no cotejo com as fontes da pesquisaque coordenamos. entendamos que não se trata de ideia fechada, rigidamente
Talvez a originalidade que cabe a este trabalho seja a reunião estruturada
e acabada.
A ampliação,
a redução,o ajusteou
dos quatro aspectosque arranjam a arquítetura desse conceito mesmo a recusa dessa formulação dependerá da continuidade
para a investigação do comportamento político dos intelectuais. da pesquisa e do diálogo com as críticas que este texto espera
Dessaforma, esperamoster mostrado,à luz da experiênciae do receber.
discurso pilottiano, a potencialidade dessaformulação que incide
sobre as questões da identidade e do sentimento de missão social, FONTES HISTÓRICAS
assim como sobre as crenças na modernidade e no protagonismo
político do Estado. PILOTTO, E. Prática da escola serena. Curitiba, 1946
Imaginamos ter podido demonstrar que esse conceito não
restringea compreensão das si ngularidades dos agentessociais, das PILomo, E. A educação é direito de todos. Curitiba, 1952
suas formas peculiares de pensar e de agia pois não pretendemos
reduzir o indivíduo ao grupo social do qual ele fez parte. A rigor PILOTTO, E. Problemas abertos no estudo de sistemas escolares
tentamos evidenciama partir da análise da trajetória de Pilotto, para o Brasil. Boletim da Associação de Estudos Pedagógicos.
as crenças e as atitudes compartilhadas pelos intelectuais, assim Curitiba, 1958.
como os modos particularesque envolverama interpretaçãode
Pilotto dessas crenças e condutas. Nessa linha de raciocínio, PILomo, E. Que se exalteem cadamestreum sonho.3. ed.
que envolve a tensãorelacionalentre indivíduo e grupo social, Curitiba: Imprimax, 1977. (Discursosproferidos em diferentes
destacamosa crítica moderna de Pilotto à modernidade.a sua solenidades de formatura de 1939 a 1965).
defesa do protagonismo político do Estadoelaborada a distância
dos cargos administrativos do Poder Público, o seu engajamento PILOTTO,E.Memorial, 1989. (Manuscrito)
em torno da tese do direito universal à educação, a sua maneira
própria de reapresentar-secomo intelectual, como indícios, REFERÊNCIAS

a um só tempo, daquiloque é singularna visãode mundo de


Pilotto e do que é comum na práticasocial dos intelectuaisdo ALMEIDA, R. R Instrução pública no Brasil (1500-1889). São
campo educacional no Brasil, no período circunscrito por esta Fhulo: EDUC, 2000.
pesquisa. A questão está na escala analítica, pois, quanto mais

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em Hegel. Proposições, Campinas, v. 20, n. 1, p. 189-206, 2009.

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