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ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA:

SUAS IMPLICAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL E NO


NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Eden Mattar1

1. INTRODUÇÃO

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD – Lei n. 13.146/2015) foi trazido


ao ordenamento jurídico brasileiro com as luzes da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência. Com sua vigência alterações significativas foram realizadas
em várias leis, em especial no Código Civil.
A lei em comento procedeu a alterações na Teoria das Incapacidades e no ins-
tituto da Curatela do Código Civil, com reflexos nas relações matrimoniais e na vida
diuturna de seus destinatários. Como se verá, a lei substantiva civil foi destinatária fiel
de suas influências.
Carolina Alves2, trazendo quadro comparativo das diversas alterações promo-
vidas pelo EPD, faz breve resumo sobre a questão:

A lei 13.146/15 assume uma abordagem diferente, com foco na liberdade do


portador de transtorno de deficiência mental. Regulamentando a Convenção de
Nova York, da qual o Brasil é signatário, visa a promoção da autonomia individu-
al, liberdade e acessibilidade. Alterou importantes dispositivos do Código Civil,
em especial no tocante à capacidade, à curatela, criou o Instituto da tomada de
decisão apoiada, dentre outros aspectos.

Com fincas na valorização dos direitos humanos e na dignidade da pessoa


humana, o EPD adentrou o direito brasileiro com inovações que já deveriam ter sido

1 Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos/MG. Professora Universitária
em Belo Horizonte. Capacitada em Mediação de Conflitos pelo IDDE – Instituto para o Desenvolvimento
Democrático. Ex-analista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Defensora Pública no Estado
de Minas Gerais.
2 ALVES, Carolina. Estatuto da pessoa com deficiência – Principais alterações. Migalhas, mar. 2016.
Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI235297,51045-Estatuto+da+pessoa+-
com+deficiencia+Principais+alteracoes>. Acesso em: 1 jan. 2017.

MATTAR, Eden. Estatuto da Pessoa com Deficiência: suas implicações no Código Cvil e no novo Código de Processo Civil. In: PEREIRA, Rodolfo
Viana; ROMAN, Renata; SACCHETTO,Thiago Coelho (Orgs.). Direito e assistência jurídica: um olhar da Defensoria Pública sobre o Direito. Belo
Horizonte: IDDE, 2018. p. 87-120. ISBN 978-85-67134-04-8. Disponível em: <http://bit.ly/2FhGHwe>
feitas há muito tempo. Ressaltando a essência das pessoas com deficiência, trouxe a
possibilidade da efetivação de direitos que conferem a efetiva igualdade entre todos.
Contudo, nem tudo caminhou como esperado. Logo após o início de sua vi-
gência, nosso país acolheu a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil
como um balde de água fria em diversas disposições até então inovadas pelo EPD
no Código Civil.
Assim, em meio a essas novas alterações, e com o intuito de demonstrar ca-
racterísticas positivas e negativas desse debate de leis, é que o estudo se apresenta,
como se verá no decorrer deste trabalho.

2. O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI N. 13.146/2015)

2.1 Disposições Preliminares

A Lei 13.146/2015 (EPD) tem por base a Convenção sobre os Direitos das Pes-
soas com Deficiência e seu Protocolo facultativo, tendo sido ratificada pelo Congresso
Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186/2008, e promulgada pelo Decreto n.
6.949/2009. Passou a viger em nosso ordenamento pátrio em janeiro de 2015.
Tal estatuto legal foi talhado tendo em vista precipuamente a necessidade de
se promover condições de igualdade para as pessoas com deficiência, com vistas
ao exercício de seus direitos e liberdades fundamentais. Embasada em um tratado
que especifica claramente os direitos de tais pessoas, preocupando-se com os
direitos humanos e com a dignidade da pessoa humana, o fim colimado pela lei ora
em vigor no Brasil não poderia ser outro senão o de gerar uma verdadeira inclusão
social e de cidadania.
De uma breve análise das disposições contidas no artigo 3º da convenção
internacional acima referida, observa-se que os princípios a serem seguidos são:

1. O respeito pela dignidade inerente, independência da pessoa, inclusive a li-


berdade de fazer as próprias escolhas, e autonomia individual.

2. A não-discriminação;

3. A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;

4. O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como
parte da diversidade humana e da humanidade;

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5. A igualdade de oportunidades;

6. A acessibilidade;

7. A igualdade entre o homem e a mulher;

8. O respeito pelas capacidades em desenvolvimento de crianças com deficiên-


cia e respeito pelo seu direito a preservar sua identidade.

E isso foi seguido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, aqui no Brasil.
Em uma visão sistêmica, o Estatuto é dividido em dois livros básicos, a saber:
a Parte Geral e a Parte Especial.
Na Parte Geral há disposições que tratam da caracterização da deficiência e das
formas de sua proteção. Interessante é citar o artigo inaugural que dispõe sobre o
conceito de pessoa com deficiência, a saber, o artigo 2º, verbis:

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo


prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Mais adiante o artigo 4º complementa a intenção de realmente se instituir um


tratamento de igualdade ao se descrever que “toda pessoa com deficiência tem direito
à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie
de discriminação”.
Essa diferenciação de tratamento deve ser aplicada de forma positiva e efetiva.
Fazendo uma abordagem histórica, Flávia Piva Almeida Leite3 traz as novas luzes sob
as quais deve ser analisada a deficiência:

Somente com a consolidação desse modelo, finalmente a pessoa com de-


ficiência passou a ser visualizada enquanto sujeito de direitos. Afastadas as
barreiras sociais existentes no meio, o indivíduo se torna capaz de levar uma
vida independente, garantindo o exercício de direitos em situação paritária às
demais pessoas.

Tais dispositivos legais já informam a que vieram: a uma garantia efetiva de


inclusão social justa e igualitária. Deixam claro que a intenção não foi apenas de se
criar mais uma espécie legal que dispõe sobre direitos, mas sim de tornar possível
essa inclusão.

3 LEITE, Flávia Piva Almeida et al. (Org.). Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 67.

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Tal afirmação se faz corroborada pelos artigos 5º e 6º do EPD, que rezam que,
verbis:

Artigo 5º - A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negli-


gência, discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão e tratamento
desumano ou degradante.

Artigo 6º - A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive


para:

I – casar-se e constituir união estável;

II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a


informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e

VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou


adotando, em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.

A deficiência, assim, deixa de ser um obstáculo ao exercício de direitos, e se


torna fato gerador dos mesmos. Não afeta mais a capacidade da pessoa e, por con-
seguinte, os direitos decorrentes desta são mantidos e mesmo ressaltados.
Esse novo enfoque terá, como consequência, profundas alterações em vá-
rios dispositivos legais pátrios, como se verá mais detalhadamente nos capítulos
seguintes. O importante, por enquanto, é se demonstrar uma visão geral do estatuto
como um todo, corroborando a visão global e igualitária que pretende trazer.
Continuando sua leitura verificam-se, ainda na Parte Geral, dispositivos que têm
por objetivo estabelecer regras de atendimento prioritário, como a disposição contida
no artigo 9º4. Aliás, a abordagem é tão ampla que os direitos contidos na lei são

4 Art. 9o:  A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a
finalidade de:
I - proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; II - atendimento em todas as instituições e serviços
de atendimento ao público; III - disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que
garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas; IV - disponibilização de
pontos de parada, estações e terminais acessíveis de transporte coletivo de passageiros e garantia de
segurança no embarque e no desembarque; V - acesso a informações e disponibilização de recursos
de comunicação acessíveis; VI - recebimento de restituição de imposto de renda; VII - tramitação pro-

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extensivos ao acompanhante ou atendente pessoal da pessoa com deficiência, como
forma de proteger aquele que é o foco da novel legislação.
Já a Parte Especial tem enfoque no acesso à justiça, tratando do reconheci-
mento de igualdade perante a lei, além dos crimes e das infrações administrativas
contra a pessoa com deficiência.
Esses tópicos serão analisados em um breve resumo, como forma de sintonizar
o espírito da lei às inovações legislativas dos códigos civil e de processo civil brasi-
leiros. É o que se passará a fazer nos próximos itens.

2.2 Dos Direitos Fundamentais

O Título II elenca os direitos fundamentais, entre eles o direito à vida, à habi-


litação e reabilitação, à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, à assistência e
previdência sociais, à cultura, esporte, turismo e lazer, ao transporte e mobilidade. Os
capítulos I a X tratam especificamente dessa matéria.
A um observador mais atento percebe-se que a Carta Magna se faz de certa
forma reproduzida no EPD. Contudo, teve o detalhamento necessário à efetiva pro-
teção já assegurada de forma sintética na CF/885.
O direito à vida, insculpido no Capítulo I, é assegurado em concomitância com a
dignidade, devendo ser resguardado como prioridade de tratamento. Trata-se de dever
do poder público, enfatizado por condutas individuais de terceiros que convivam com
a pessoa com deficiência.
A educação e a conscientização são instrumentos de apoio ao direito à vida. O
esclarecimento quanto às possibilidades clínicas deve ser seguido de consentimento
prévio, livre e esclarecido para que se efetivem os tratamentos, procedimentos, hos-
pitalizações e pesquisas científicas (artigos 10 a 13).
O capítulo II trata do direito à habilitação e à reabilitação. Seu objetivo, conso-
ante o artigo 14, é

[...] o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físi-


cas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas

cessual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos
e diligências.
5 A Constituição Federal é atenta em relação à questão da deficiência, trazendo vários dispositivos con-
cernentes à pessoa com deficiência. Entre eles podem ser citados: 5º caput; 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV;
37, VIII; 203, IV e V; 208, III e IV; 227 § 1º, II e § 2º e 244.

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que contribuam para a conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de
sua participação social em igualdade de condições e oportunidades com as
demais pessoas.

Não se trata, assim, de resguardo apenas de acessibilidade física, mas preci-


puamente de desenvolvimento de capacidades inerentes ao próprio ser humano. E
isso se dará por meio de avaliação multidisciplinar de necessidades, habilidades e
potencialidades, seguida de programas efetivos que resguardem meios tecnológicos
suficientes para que o fim seja atingido.
Já no artigo 18 é inaugurado o direito à saúde. Este deve ser efetivado por meio
de atenção integral por parte do SUS, a quem incumbe garantir o acesso universal e
igualitário.
Tamanha é a atenção com a saúde que o artigo 20 dispõe que também as ope-
radoras e os planos de saúde privados devem garantir à pessoa com deficiência, no
mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes. Trata-se, como
se vê, de obrigação social e não apenas estatal.
Como forma de garantir essa acessibilidade à saúde, o artigo 23 proíbe a co-
brança diferenciada de valores da pessoa com deficiência, se esta se der por força
de sua própria condição.
O direito à educação de qualidade é inaugurado no artigo 27, sendo este um
dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade. Incumbe ao poder
público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar e avaliar as medidas
educativas das pessoas com deficiência.
O direito à moradia digna é colocado como uma forma de garantia de vida in-
dependente ou familiar. A aquisição de imóveis para moradia própria será incentivada
por meio de subsídios concedidos pelo Estado, com reserva de pelo menos 3% das
unidades habitacionais para pessoas com deficiência (artigos 31 a 33).
O capítulo que trata do direito ao trabalho é o mais pormenorizado, se dila-
tando do artigo 34 ao 38. Em tais disposições percebe-se o dever de garantia de um
trabalho em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidade com as
demais pessoas (artigo 34).
A capacitação na formação da pessoa com deficiência deve ser promovida
por entidades públicas e privadas, inclusive em programas de empreendedorismo e
trabalho autônomo. Ao poder público incumbe implementar programas e serviços de
habilitação profissional.

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O direito à assistência social e à previdência social também se encontra elen-
cado no EPD nos artigos 39 a 41. Seu regramento repete e ressalta algumas normas
constitucionais e legais.
Já o direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer tem seu detalhamento
nos artigos 42 a 45. De especial importância é o dever do poder público de adotar so-
luções que visem a eliminar ou reduzir as barreiras para promoção ao acesso a quais-
quer atividades artísticas, intelectuais, culturais e recreativas, bem como assegurar
o resguardo de percentual mínimo de acomodação para as pessoas com deficiência.
O direito ao transporte e à mobilidade é também foco das atenções da lei,
estando descrito nos artigos 46 a 52. O foco principal foi a eliminação de barreiras à
mobilidade e ao acesso da pessoa com deficiência em qualquer espaço, de forma a
que possa conviver em igualdade de condições com as demais.
Interessantes as disposições do EPD que estabelecem que nas áreas de esta-
cionamento aberto ao público deve ser reservado um percentual de 2% para pessoas
com deficiência, sendo garantido aos veículos que ostensivamente exibirem credencial
de seu beneficiário. Além disso, as frotas de táxi devem reservar um percentual de
10% de veículos e as locadoras de veículos devem oferecer um veículo a cada vinte
acessíveis a essas referidas pessoas.
A mobilidade se liga umbilicalmente ao direito à acessibilidade física. Contudo,
a lei não se restringiu a uma proteção geográfica ou de locomoção.
Por essa razão a lei tratou especificamente da acessibilidade em tópico indepen-
dente, como se demonstrará a seguir.

2.3 Da Acessibilidade

A acessibilidade ganha destaque na nova lei. Descrita nos artigos 53 a 62,


referido direito inaugura o Título III.
A lei conceitua a acessibilidade como sendo “o direito que garante à pessoa
com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer
seus direitos de cidadania e de participação social.” (artigo 53).
A conceituação ampla não é por acaso. Trata-se de medida que visa a garantir
a dignidade da pessoa, bem como o próprio direito de ir e vir assegurado constitucio-
nalmente. De idêntica forma, é garantido o exercício da liberdade de expressão e de
próprio acesso à cultura, também conforme comando constitucional.

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Exemplo dessa proteção é a disposição que estatui que o desenho para con-
cepção de projetos que tratem do meio físico deve levar em consideração as ca-
racterísticas específicas de acessibilidade, sendo que as construtoras e incorpora-
doras de imóveis devem assegurar percentual mínimo de suas unidades internamente
acessíveis.
Além disso, interessante ainda ressaltar o comando legal que assegura o re-
cebimento de contas, boletos, recibos e extratos em formato acessível, desde que
solicitado pela pessoa com deficiência (artigo 62).
Com o EPD a acessibilidade ganha mais luzes, como deveria já ter ocorrido há
algum tempo. Aliás, o Governo Federal, por meio da Secretaria Especial dos Direitos
da Pessoa com Deficiência6 aborda o tema, trazendo valiosa contribuição:

É um tema ainda pouco difundido, apesar de sua inegável relevância. Conside-


rando que ela gera resultados sociais positivos e contribui para o desenvolvi-
mento inclusivo e sustentável, sua implementação é fundamental, dependendo,
porém, de mudanças culturais e atitudinais. Assim, as decisões governamen-
tais e as políticas públicas e programas são indispensáveis para impulsionar
uma nova forma de pensar, de agir, de construir, de comunicar e de utilizar
recursos públicos para garantir a realização dos direitos e da cidadania.

Ainda no Título III do Estatuto da Pessoa com Deficiência podemos observar


que estão dispostas regras referentes ao acesso à informação e à comunicação, bem
como sobre a tecnologia assistiva e à ciência e tecnologia.
O artigo 63 do EPD inicia o capítulo que traz o direito ao acesso à informação
e comunicação. O foco é a acessibilidade à informação, virtual ou física, bem como
à comunicação como um todo.
Questão delicada, abordada pela lei, é o acesso a sítios de internet, como
também à telefonia móvel e fixa. A lei é bem categórica em trazer obrigações às
empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de forma a garantir pleno
acesso às pessoas com deficiência, de acordo com regulamentação legal específica.
Há ainda regulamentação de formas de radiodifusão sonora e de imagens, im-
pondo-se atenção à existência de legendas ocultas, janelas com intérpretes de libras
e audiodescrição. E também há obrigações impostas às instituições promotoras de
congressos, seminários, oficinas e demais eventos de forma a que promovam re-
cursos de tecnologia assistiva, com garantia de acessibilidade.

6 BRASIL. Secretaria Especial das Pessoas com Deficiência. Acessibilidade. Disponível em: <http://
www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/acessibilidade-0>. Acesso em: 04 mar. 2017.

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Os procedimentos, instalações e materiais que tenham por função viabilizar a
votação devem ser criados tendo em consideração as necessidades das pessoas com
deficiência. A finalidade é garantir igualdade de condições nos atos de votar e de ser
votado, o que se consubstancia no dever de incentivo à candidatura e ao exercício de
funções públicas, além da garantia de pronunciamentos oficiais com todos os meios
tecnológicos necessários.

2.4 Da Ciência e Tecnologia

O Título IV fecha o Livro I do Estatuto da Pessoa com Deficiência, contendo


apenas dois artigos (77e 78). Por suas disposições observa-se no artigo 77 o dever
de o poder público fomentar o “desenvolvimento científico, a pesquisa e a inovação
e a capacitação tecnológicas, voltados à melhoria de qualidade de vida e ao trabalho
da pessoa com deficiência e sua inclusão social”.
Também deve ser fomentada a capacitação tecnológica de instituições pú-
blicas e privadas para que possam estar aptas a garantir a funcionalidade e a parti-
cipação social da pessoa com deficiência. Além disso, deve haver estímulo à pes-
quisa e difusão de tecnologias que tenham por fim ampliar o acesso das pessoas
com deficiência.
Como se vê, todas as regras protetivas fundamentais são insculpidas de forma
a gerar inclusão social, prioridade de atenção e igualdade real a favor das pessoas
com deficiência.

2.5 Do Acesso à Justiça

O Título I da Parte Especial tem como objetivo maior o acesso à justiça. Sobre
esse tema, é importante a transcrição ora feita por Izaías Branco da Silva Colino7:

Mister se faz afirmar que acesso à justiça não é acesso físico aos tribunais, que
são prédios públicos, e para tanto podem ser visitados por todos os brasileiros,
desde que preenchidos alguns requisitos. Acesso à justiça de uma maneira
resumida é o conjunto de instrumentos que possibilitam aos cidadãos o acesso
ao Poder Judiciário, sendo que este é um direito fundamental em todo Estado
Democrático de Direito.

7 COLINO, Izaías Branco da Silva. O acesso à justiça das pessoas com deficiência. Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XVI, n. 108, jan. 2013. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_ar-
tigos_leitura&artigo_id=12697>. Acesso em: 04 mar. 2017.

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Em suas disposições gerais o mandamento do EPD é no sentido de viabilizar
ao cidadão com deficiência o acesso à justiça em igualdade de condições com os
demais. Para cumprimento de tal ordem é expresso em seu artigo 79 § 1º o dever do
poder público de “capacitar os membros e os servidores que atuam no Poder Judici-
ário, no Ministério Público, na Defensoria Pública, nos órgãos de segurança pública e
no sistema penitenciário quanto aos direitos da pessoa com deficiência.”.
Interessante dispositivo que merece destaque é o artigo 83, que reza que, verbis:

Os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou con-


dições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão da deficiência
do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a
acessibilidade.

Para que não se torne letra morta, a própria lei estabelece, no parágrafo único
do artigo 83 que “o descumprimento do disposto no caput deste artigo constitui
discriminação em razão de deficiência”.
Como se percebe pelas transcrições acima, a lei traz inovação no sistema das
capacidades: deve ser reconhecida a capacidade plena da pessoa com deficiência.
Mas como tal assertiva merece análise detalhada, a mesma será estudada com mais
vagar nos capítulos seguintes.
Quanto ao reconhecimento da igualdade perante a lei, o qual capitaneia o Capí-
tulo II, novamente uma inovação, que também merece transcrição:

Artigo 84 - A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício


de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º - Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela,


conforme a lei.

Novamente se percebe claramente a intenção do legislador em garantir igual-


dade de condições à pessoa com deficiência, estipulando que a curatela é medida
de exceção. Aliás, novo procedimento se inaugura com o Estatuto da Pessoa com
Deficiência: a Tomada de Decisão Apoiada, a qual será estudada com mais vagar nos
capítulos seguintes.
Outro destaque digno de nota é a proibição de exigência de comprovação da
situação de curatela para a emissão de documentos oficiais. Digna de relevo é tal
disposição legal, pois o que se observa frequentemente é o descuido que se tem com
a pessoa com deficiência, muitas vezes tratada como apêndice de seu curador.

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Interessante uma exposição clara sobre o assunto, indicando como ainda não
há preparo no Brasil para a assunção de um estatuto com tamanha envergadura. Uti-
lizamo-nos dos ensinamentos de Nelson Rosenvald8, abaixo transcritos em entrevista
por ele proferida para o IBDFAM:

Eu sou muito otimista, mas eu não posso negar que as maiores dificuldades
estão com a Defensoria Pública porque é a ela que recorrem os miseráveis, os
necessitados e estas pessoas, é um paradoxo, mas estas pessoas, é verdade,
elas necessitam de uma curatela historicamente para obter o acesso mínimo
à prestação continuada. Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência foi
explícito ao dizer que a pessoa não precisa de uma sentença de curatela para
obter esse mínimo existencial. Basta que haja uma demonstração de uma de-
ficiência de qualquer natureza que seja. Apesar da clareza do Estatuto e apesar
de uma modificação da Lei 8.213, que é a Lei de Benefícios Previdenciários,
também expressamente dispondo sobre isso, há uma resistência do INSS sobre
isso. Continua exigindo uma prévia curatela, ou seja, a pessoa primeiro precisa
ser incapacitada pelo sistema como requisito básico para receber alimentos, o
mínimo existencial, e isso é uma subversão de valores. E em segundo lugar, os
próprios médicos se sentem constrangidos a conceder, fazer exames, perícias
para essas pessoas, apenas atestando a deficiência delas, com receio de que
amanhã haja uma coalisão com o pensamento do perito do INSS, de alguma
suspeita de fraude, de adulteração do parecer médico dele, ou seja, a lei traz
um caminho muito claro, benéfico para essas pessoas, mas ainda existem os
entraves que devem ser superados. Eu acho essa batalha fundamental, já que
as pessoas de um modo geral que são de classe média ou de classe alta, com
sorte, ainda contam com um advogado, um caminho onde elas podem não
optar pela curatela, pela tomada de decisão apoiada, a curatela não se destina
a obtenção de uma renda, mas à solução de uma questão de uma deficiência
mais grave, enfim, são problemas relacionados a nossa realidade material.

Já os crimes e as infrações administrativas ganharam capítulo próprio. Nos


artigos 88 a 91 estão tipificadas condutas tais como prática de discriminação por
força da deficiência, a apropriação de bens e valores, o abandono da pessoa com
deficiência e a retenção de cartão magnético ou similar com vista à obtenção de
vantagem ilícita indevida.
É criado o Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência, o qual
inaugura as disposições finais e transitórias (artigo 92). O objetivo é coleta, proces-

8 ROSENVALD, Nelson. Ainda são muitas as discussões em torno do Estatuto da Pessoa com Deficiên-
cia, sancionado há um ano. [7 de julho, 2016]. IBDFAM. Entrevista concedida ao portal do IBDFAM.
Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/6051/Ainda+s%C3%A3o+muitas+as+dis-
cuss%C3%B5es+em+torno+do+Estatuto+da+Pessoa+com+Defici%C3%AAncia,+sanciona-
do+h%C3%A1+um+ano>. Acesso em: 27 dez. 2016.

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samento, sistematização e disseminação de informações que permitam a identificação
e caracterização socioeconômica da pessoa com deficiência.
Além disso também foi consubstanciado em direito o auxílio-inclusão, ao qual
faz jus a pessoa com deficiência moderada ou grave que receba o benefício de pres-
tação continuada previsto na Lei 8.742/93 e que passe a exercer atividade remunerada
que a enquadre como beneficiário obrigatório do RGPS, ou que tenha recebido nos
últimos cinco anos referido benefício e que se enquadre na mesma posição referida
retro (artigo 94).
A facilitação de locomoção descrita na lei é consolidada com a proibição de
exigência da presença da pessoa com deficiência perante órgãos públicos quando
esta significar ônus desproporcional e indevido. Nesse caso poderá haver atendimento
domiciliar ou por meio de representante legal, sendo tal direito extensivo à realização
de perícia médica e social do INSS, por serviço público ou privado de saúde que
integre a rede socioassistencial.
Mas o EPD não criou apenas disposições novas. Ele modificou muitas vezes
substancialmente as já vigentes ou as que em breve entrariam em vigor em nosso
país.
Tais alterações são o foco de estudo dos próximos capítulos.

3. IMPLICAÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL

O Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou uma série de dispositivos legais,


seja em uma análise principiológica, seja por expressa disposição legal. Contudo, a
maior gama de alterações pode ser percebida no Código Civil.
Desde o sistema de incapacidades, passando pelas relações matrimoniais e
pelo instituto da curatela, os dispositivos legais da lei substantiva sofreram grandes
alterações. Há até quem entenda que não exista mais incapacidade ou curatela, o que
deve ser desmistificado.
Consoante Flávio Tartuce9,

Entre vários comandos que representam notável avanço para a proteção da dig-
nidade da pessoa com deficiência, a nova legislação altera e revoga alguns arti-

9 TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiên-
cia): Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Parte I. Migalhas, jul.
2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alte-
racoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com>. Acesso em: 13
nov. 2016.

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gos do Código Civil (arts. 114 a 116), trazendo grandes mudanças estruturais e
funcionais na antiga teoria das incapacidades, o que repercute diretamente para
institutos do Direito de Família, como o casamento, a interdição e a curatela.

Nesse mesmo sentido é Cláudia Mara Rabelo de Almeida Viegas10, verbis:

Como se observa, fundado nas noções do Direito Civil Constitucional, o Es-


tatuto da Pessoa com Deficiência intensifica a denominada “repersonalização
do Direito Civil”, colocando a pessoa humana no centro das preocupações do
Direito. Segundo Pablo Stolze ‘trata-se, indiscutivelmente, de um sistema nor-
mativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana
em diversos níveis’.

Para que haja uma compreensão clara das reformas operadas pelo EPD é que
se passa a analisar as mais importantes alterações no Código Civil, como a seguir
exposto.

3.1 Do sistema de Incapacidades e Seus Reflexos

Já inaugurando a alteração legislativa do Código Civil, o artigo 114 do EPD


estabelece que passam a ser redigidos da seguinte forma os artigos que ora se trans-
crevem, verbis:

Artigo 3º - São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os


atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

I - (Revogado);

II - (Revogado);

III - (Revogado).

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os


exercer:

I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

10 VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. As alterações da Teoria das Incapacidades, à luz do Estatuto
da Pessoa com Deficiência. Jus Brasil, 2015. Disponível em: <http://claudiamaraviegas.jusbrasil.com.
br/artigos/283317036/as-alteracoes-da-teoria-das-incapacidades-a-luz-do-estatuto-da-pessoa-com-
-deficiencia>. Acesso em: 19 dez. 2016.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 99


III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;

IV – os pródigos.

Parágrafo único.  A capacidade dos indígenas será regulada por legisla-


ção especial.

Explicando resumidamente o sistema de incapacidades sob o viés desses dois


artigos, Pablo Stolze11 traz sua posição, abaixo transcrita:

Poder-se-ia afirmar, então, que o Estatuto inaugura um novo conceito


de capacidade, paralelo àquele previsto no art. 2º do Código Civil[4]?

Em meu sentir, não há um novo conceito, voltado às pessoas com deficiência,


paralelo ao conceito geral do Código Civil.

Se assim o fosse, haveria um viés discriminatório que a nova Lei exatamente


pretende acabar.

Em verdade, o conceito de capacidade civil foi reconstruído e ampliado.

Com efeito, dois artigos matriciais do Código Civil foram reestruturados.

O art. 3º do Código Civil, que dispõe sobre os absolutamente incapazes, teve


todos os seus incisos revogados, mantendo-se, como única hipótese de inca-
pacidade absoluta, a do menor impúbere (menor de 16 anos).

O art. 4º, por sua vez, que cuida da incapacidade relativa, também sofreu mo-
dificação. No inciso I, permaneceu a previsão dos menores púberes (entre 16
anos completos e 18 anos incompletos); o inciso II, por sua vez, suprimiu a
menção à deficiência mental, referindo, apenas, “os ébrios habituais e os vicia-
dos em tóxico”; o inciso III, que albergava “o excepcional sem desenvolvimento
mental completo”, passou a tratar, apenas, das pessoas que, “por causa transi-
tória ou permanente, não possam exprimir a sua vontade”; por fim, permaneceu
a previsão da incapacidade do pródigo.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o sistema de incapacidades foi dras-


ticamente reduzido. A regra é a capacidade, sendo a incapacidade uma exceção.

11 STOLZE, Pablo. É o fim da interdição? Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 4605, fev. 2016. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/46409/e-o-fim-da-interdicao>. Acesso em: 06 nov. 2016.

100 Eden Mattar


Algumas interpretações desavisadas e apressadas conduziram a uma afirmação
que não é verdadeira: de que o sistema de incapacidades foi aniquilado. Outros trazem
uma série de dúvidas quanto à aplicação da lei12.
O que ocorreu na verdade foi uma centralização na capacidade da pessoa, elen-
cando a incapacidade como exceção. Tanto é verdade que somente se a pessoa não
conseguir exprimir sua vontade de forma livre e consciente é que a incapacidade
deverá ser reconhecida. E mesmo assim com ressalvas e cuidados especiais.
A incapacidade e a deficiência foram distanciadas de certa forma, não sendo
esta consectária daquela. Nesse sentido vale a pena trazer à baila a doutrina de Aline
Maria Gomes Massoni Costa e Eric Scapim Cunha13:

Logo, não há mais uma correlação entre incapacidade jurídica e deficiência (seja
ela física ou mental), como anteriormente estabelecia o Código Civil. O indiví-
duo com deficiência mental ou física, pelo simples fato de ser portador destas
deficiências, não é incapaz; Desde que este possa expressar sua vontade, este
é considerado plenamente capaz. Todavia, isto não significa que as alterações
promovidas aniquilaram o instituto das incapacidades no caso de pessoas com
enfermidade ou deficiência mental. Como explicitado anteriormente, a regra é a
capacidade. Entretanto, quando o indivíduo não puder exprimir a sua vontade de
forma livre e consciente, deve ser reconhecida a sua incapacidade. Frise-se que
a incapacidade, neste caso, não é declarada em razão da deficiência mental ou
física da pessoa. Não há qualquer correlação entre tais elementos.

A intenção da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Defi-


ciência é atendida com a reforma do Código Civil: promover um tratamento equitativo
e com substrato nos direitos fundamentais do ser humano.
Desfez-se, assim, a relação entre deficiência e incapacidade. Potencializaram-se
as características do ser humano, em detrimento às suas debilidades.

12 Não obstante reconhecer uma série de dificuldades na aplicação da lei, Letícia Franco Maculan As-
sumpção (2015, online) expressa a importância da lei, que vale ser transcrita: “Muitas são as dúvidas
e variados os desafios, mas o objetivo do Direito Internacional na proteção dos direitos humanos, que
agora se observa na Lei nº 13.146/2015, que regulamentou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, é aplicar a proporcionalidade para
garantir cada vez mais a dignidade da pessoa humana, pois ser diferente não significa ser absolutamen-
te incapaz”.
13 COSTA, Aline Maria Gomes Massoni da; BRANDÃO, Eric Scapim Cunha. As alterações promovidas
pela Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com deficiência) na teoria das incapacidades e seus
consectários. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 2016. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/
documents/10136/3543964/artigo-interdicao.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2016.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 101


Lado outro, mesmo quando houver necessidade de acompanhamento do indi-
víduo considerado incapaz, haverá atenção aos seus desejos e necessidades, o que
será sopesado com sua possibilidade restrita de consciência e manifestação.
Encontrando-se em situação de vulnerabilidade deve ser aplicada a regra prote-
tiva das incapacidades, e não a antiga norma do afastamento volitivo e de desprezo
aos direitos do incapaz.
Assim, basicamente o critério etário foi o utilizado para delinear a incapacidade
absoluta, abolindo-se incursões nas searas psíquica e intelectual. A partir da vigência
do EPD absolutamente incapazes são apenas e tão somente os que têm idade inferior
a 16 anos.
Ainda nos artigos inaugurais do CC houve alteração legislativa com a migração
do inciso III do artigo 3º para inciso III do artigo 4º. Atualmente aqueles que mesmo
por causa transitória não conseguem exprimir sua vontade não são mais absoluta-
mente incapazes, mas relativamente incapazes.
De idêntica forma, extraíram-se dos incisos do artigo 4º as especificações de
incapacidade que derivavam de enfermidade, deficiência mental ou discernimento
reduzido.
Tais modificações foram salutares, e não destruíram o sistema de incapaci-
dades. Nesse sentido é o posicionamento de Nelson Rosenvald14, ora transcrito:

Equivocam-se os que creem que a partir da vigência do Estatuto todas as pes-


soas que forem curateladas serão consideradas plenamente capazes. [...] a Lei
13.146/2015 mitiga, mas não aniquila a teoria das incapacidades do Código
Civil. As pessoas deficientes submetidas à curatela são removidas do rol dos
absolutamente incapazes do Código Civil e enviadas para o catálogo dos relati-
vamente incapazes, com uma renovada terminologia. A nova redação do inciso
III, do art. 4 (Lei 13.146/2015) remete aos confins da incapacidade relativa
“aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade”. Aqui se revela a intervenção qualitativamente diversa do Estatuto da
Pessoa com Deficiência na teoria das incapacidades: Abole-se a perspectiva
médica e assistencialista de rotular como incapaz aquele que ostenta uma insu-
ficiência psíquica ou intelectual. Corretamente o legislador optou por localizar a
incapacidade no conjunto de circunstâncias que evidenciem a impossibilidade
real e duradoura da pessoa querer e entender – e que portanto justifiquem a

14 ROSENVALD, Nelson. Tudo o que você precisa para conhecer o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Genjurídico, out. 2015. Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2015/10/05/em-11-perguntas-e-
-respostas-tudo-que-voce-precisa-para-conhecer-o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia/>. Acesso
em: 27 dez. 2016.

102 Eden Mattar


curatela-, sem que o ser humano, em toda a sua complexidade, seja reduzido
ao âmbito clínico de um impedimento psíquico ou intelectual. Ou seja, o divisor
de águas da capacidade para a incapacidade não mais reside nas característi-
cas da pessoa, mas no fato de se encontrar em uma situação que as impeça,
por qualquer motivo, de conformar ou expressar a sua vontade. Prevalece o
critério da impossibilidade de o cidadão maior tomar decisões de forma es-
clarecida e autônoma sobre a sua pessoa ou bens ou de adequadamente as
exprimir ou lhes dar execução.

Via de consequência, foram revogados os incisos II e III do artigo 228 do Códi-


go Civil, estipulando-se novo comando no sentido de que “a pessoa com defici-
ência poderá testemunhar em igualdade de condições com as demais pessoas,
sendo-lhe assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva”.

Observa-se, nesse caso, ligação com disposições do Estatuto da Pessoa


com Deficiência, quando trata da acessibilidade, conforme já visto no capítulo
anterior.

Outro reflexo, agora na esfera das relações matrimoniais, é a possibilidade de


casamento da pessoa aquém da idade núbil que tenha deficiência. Tal fato so-
mente não ocorrerá se houver a revogação da autorização pelos pais ou pelos
tutores. Com isso se observa a retirada, do artigo 1.518, a figura do curador.

Complementarmente, o artigo 1.548, I foi revogado. Dessa forma, deixou de ser


considerado nulo o casamento de “enfermo mental sem o necessário discer-
nimento para os atos da vida civil”. Ou seja, como não há mais a estipulação
como absolutamente incapazes para tais pessoas, o casamento será válido.

Aliás, o artigo 1.550 do CC foi alterado, contando a partir de agora com o pa-
rágrafo segundo, que reza que “A pessoa com deficiência mental ou intelectual
em idade núbil poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade direta-
mente ou por meio de seu responsável ou curador”.

O EPD continua elencando alterações no estatuto substantivo civil. A alteração


do artigo 1.557 foi no seguinte sentido:

Art. 1.557

[...]

III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável


que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível,
por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro
cônjuge ou de sua descendência.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 103


De todo o exposto percebe-se a atenção que foi dada à pessoa com deficiência.
O ser humano e seu direito à dignidade de tratamento foi o vértice que moveu o le-
gislador pátrio.
O tratamento igualitário perpassa pelo reconhecimento da autonomia da pessoa
com deficiência, estendendo seus efeitos às relações pessoais que venha a ter com
terceiros, como sói acontecer nas relações matrimoniais.
Essa autonomia impede que a pessoa com deficiência seja colocada como
apêndice de terceiros, em especial de seu curador. Ele é sujeito e protagonista de
sua vida, e assim deve ser considerado. No que for necessário deve ser auxiliado por
quem promova sua independência e atenda às suas necessidades e desejos.
A curatela, sob esse prisma, veste-se de nova roupagem. É o que será demons-
trado a seguir.

3.2 Da Curatela

No que tange à curatela, o Código Civil de 2002 passou a ter a seguinte redação
para alguns artigos, com as alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência:

Artigo 1.767 – Estão sujeitos à curatela:

I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir


sua vontade;

II - (Revogado);

III - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;

IV - (Revogado);

V – os pródigos.

Art. 1.768.  O processo que define os termos da curatela deve ser promovido:

[...]

IV - pela própria pessoa.

Art. 1.769. O Ministério Público somente promoverá o processo que define os


termos da curatela:

104 Eden Mattar


I - nos casos de deficiência mental ou intelectual;

[...]

III - se, existindo, forem menores ou incapazes as pessoas mencionadas no


inciso II.

Art. 1.771.  Antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que


deverá ser assistido por equipe multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o
interditando.

“Art. 1.772.    O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os


limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e
indicará curador.

Parágrafo único.  Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade


e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de
influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da
pessoa.

Infelizmente, desses artigos retro transcritos, somente o 1.767 permanece no


ordenamento jurídico brasileiro. Todos os demais foram revogados pelo Novo Código
de Processo Civil.
Em relação ao revogado artigo 1.768, verifica-se que previa a possibilidade de
o processo da curatela ser promovido pela própria pessoa, o que não tem disposição
equivalente no novo estatuto adjetivo civil (vide artigo 747 do NCPC), conforme se
extrai da transcrição abaixo.

Art. 1.775-A. Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz


poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa.

Art. 1.777.    As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo


o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e
comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os
afaste desse convívio.

A revogação dos artigos referentes à curatela impede, assim, que seja dado um
grande passo na proteção das pessoas com deficiência.
Contudo, não se pode descuidar do fato de que o artigo 84 do Estatuto da
Pessoa com Deficiência preconiza que

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 105


Art. 84.  A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua
capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1o  Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela,


conforme a lei.

§ 2o  É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de


decisão apoiada.

§ 3o    A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida


protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de
cada caso, e durará o menor tempo possível.

Além disso, o escopo do artigo 85 do EPD não deve ser olvidado, pois ele não
se fez revogado pelo NCPC. E então, caso haja dúvida em algum tópico específico
da vida da pessoa com deficiência, isso deverá ser objeto de debate por meio de
procedimentos próprios, mas nunca razão para se determinar a interdição integral,
com estipulação da curatela.
Interessante é o julgado do TJMG abaixo transcrito:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO E CURATELA - DEFICIÊNCIA MEN-


TAL - INCAPACIDADE PARCIAL - CURATELA PARCIAL.

Em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana e dos diferentes graus


de discernimento e inaptidão mental a curatela admite graduações gerando
efeitos distintos a depender do nível de consciência do interditando, consoante
dispõe a parte final do art. 1.780 do Código Civil. Demonstrado nos autos que
a incapacidade do curatelado se restringe à pratica de atos patrimoniais, deve
ser deferida a curatela provisória, sem interdição, com as mesmas restrições
previstas para os pródigos (art. 1.782 do Código Civil). (TJMG -  Apelação Cível
1.0569.13.002202-7/001, Relator: Desª Yeda Athias, 6ª Câmara Cível, julgado
em 30 jun. 2015, pub. 10.07.2015)

Repita-se: o foco deve ser a capacidade como regra e não o contrário. Ou,
em outras palavras, a atenção deve ser dada ao fato de que a partir de agora os
curatelados não serão considerados pessoas absolutamente incapazes. Além disso,
a curatela não afetará senão e quando muito a prática de atos de cunho patrimonial,
não atingindo a essência de interesses e necessidades do indivíduo.
Aliás, conforme magistério da renomada Maria Berenice Dias15,

15 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015,
p. 687-688.

106 Eden Mattar


A tendência atual é dar maior liberdade ao curatelado, deixando-o praticar sozi-
nho atos de natureza não patrimonial, cujos efeitos se limitam à esfera existen-
cial, como o caso do reconhecimento de paternidade. A proteção deve ocorrer
na exata medida da ausência de discernimento, para que não haja supressão da
autonomia, dos espaços de liberdade. As restrições à incapacidade de agir não
existem para alhear os incapazes, mas para integrá-los ao mundo estritamente
negocial. Segundo Pìetro Perlingieri, é preciso privilegiar, sempre que possí-
vel, as escolhas da vida que o deficiente psíquico é capaz, concretamente, de
exprimir, ou em relação às quais manifesta notável propensão. A disciplina da
interdição não pode ser traduzida em uma incapacidade legal absoluta, em uma
“morte civil”. Permitir que o curatelado possa decidir, sozinho, questões para
as quais possui discernimento é uma forma de tutela da pessoa humana, pois
a autonomia da vontade é essencial para o livre desenvolvimento da personali-
dade. A real necessidade da pessoa com algum tipo de doença mental é menos
a substituição na gestão patrimonial e mais, como decorrência do princípio da
solidariedade e da função protetiva do curador, garantir a dignidade, a qualidade
de vida, a recuperação da saúde e a inserção social do interditado.

Na verdade, com a Lei 11.343/15 são criados dois modelos de deficiência: a


deficiência sem curatela, e a deficiência qualificada pela curatela. Como nos ensina
Nelson Rosenvald apud Letícia Assumpção16,

Tratando-se a incapacidade de uma sanção normativa excepcionalíssima, que


afeta o estado da pessoa a ponto de restringir o exercício autônomo de direitos
fundamentais, o que corretamente a Lei n. 13.146/15 impôs foi a necessidade
da mais ampla proteção ao direito fundamental à capacidade civil. Resumi-
damente: a) haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda
submeter uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente; b)
sendo ela curatelada, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapa-
cidade absoluta fere a regra da proporcionalidade; c) a curatela, em regra,
será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais, preservando-se,
na medida do possível a autodeterminação para a condução das situações
existenciais. (grifo meu).

Assim, dependendo da consciência do indivíduo e do processo terapêutico,


haverá três possibilidades. A primeira é do curador se tornar o representante do cura-
telado para todos os atos. A segunda é o curador ser representante para alguns atos
e assistente para outros. E finalmente a última é o curador ser apenas um assistente.

16 ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan. O Estatuto da Pessoa com Deficiência sob a Perspectiva de No-
tários e Registradores. Colégio Notarial do Brasil, dez. 2015. Disponível em: <http://www.notariado.
org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=Njc3MA>. Acesso em: 27 dez. 2016.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 107


A curatela deve, assim, ficar restrita aos casos em que a pessoa não tem dis-
cernimento algum para os atos da vida civil. Caso esteja apta de alguma forma a
demonstrar sua vontade, há de se aplicar o instituto da Tomada de Decisão Apoiada.
Em relação a isso, mesmo que se por um lado nem tudo seja flores, de outro há
ainda luz no fim do túnel. Novidade animadora é trazida pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência, nos artigos 115 e 116 do EPD. O Título IV do Livro IV da Parte Especial do
Código Civil é alterado, passando a se denominar “Da tutela, da Curatela e da Tomada
de Decisão Apoiada”.
Nesse título é criado o instituto da Tomada de Decisão Apoiada, acrescido ao
código no recém-criado artigo 1.783-A. Referido artigo inaugura o criado Capítulo III,
sendo essa sua redação:

Art. 1.783-A.  A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa


com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais
mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na
tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e
informações necessários para que possa exercer sua capacidade.

§ 1o    Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com


deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem os limites
do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores, inclusive o prazo
de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da
pessoa que devem apoiar.

§ 2o    O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a


ser apoiada, com indicação expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio
previsto no caput deste artigo.

§ 3o   Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada,


o juiz, assistido por equipe multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público,
ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe prestarão apoio.

§ 4o  A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros,
sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

§ 5o    Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode
solicitar que os apoiadores contra-assinem o contrato ou acordo, especificando,
por escrito, sua função em relação ao apoiado.

§ 6o  Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante,
havendo divergência de opiniões entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores,
deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a questão.

108 Eden Mattar


§ 7o    Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não
adimplir as obrigações assumidas, poderá a pessoa apoiada ou qualquer
pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.

§ 8o  Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a


pessoa apoiada e se for de seu interesse, outra pessoa para prestação de apoio.

§ 9o  A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo


firmado em processo de tomada de decisão apoiada.

§ 10.   O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do


processo de tomada de decisão apoiada, sendo seu desligamento condicionado
à manifestação do juiz sobre a matéria.

§ 11.  Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições


referentes à prestação de contas na curatela.

Trata-se de inovação legislativa em que o indivíduo mantém sua capacidade de


fato, e por meio do qual é mantida sua autonomia. Ainda nas palavras do festejado
Nelson Rosenvald17, é uma “medida de natureza ortopédica, nunca amputativa de
direitos”. Os esclarecimentos abaixo são trazidos pelo doutrinador em comento:

Na Tomada de Decisão Apoiada o beneficiário conservará a capacidade de fato.


Mesmo nos específicos atos em que seja coadjuvado pelos apoiadores, a pes-
soa com deficiência não sofrerá restrição em seu estado de plena capacidade,
apenas será privada de legitimidade para praticar episódicos atos da vida civil.
Pensemos em uma pessoa com mais de 18 anos ou emancipada (pois para
os menores o sistema dispõe da autoridade parental e tutela), que em razão de
uma dificuldade qualquer ou um déficit funcional (físico, sensorial ou psíquico),
permanente ou temporário, sinta-se impedida de gerir os seus próprios interes-
ses e até mesmo de se conduzir pelo cotidiano da vida. Ela necessita de auxílio
e, para tanto, o Direito Civil lhe defere a tomada de decisão apoiada. Cuida-se
de figura bem mais elástica do que a tutela e a curatela, pois estimula a capa-
cidade de agir e a autodeterminação da pessoa beneficiária do apoio, sem que
sofra o estigma social da curatela, medida nitidamente invasiva à liberdade da
pessoa. Não se trata de um modelo limitador da capacidade de agir, mas de
um remédio personalizado para as necessidades existenciais da pessoa, no
qual as medidas de cunho patrimonial surgem em caráter acessório, preva-
lecendo o cuidado assistencial e vital ao ser humano. Enquanto a curatela e a
incapacidade relativa parecem atender preferentemente à sociedade (isolando
os incapazes) e à família (impedindo que dilapide o seu patrimônio), em detri-

17 ROSENVALD, Nelson. A tomada da decisão apoiada. Carta Forense, nov. 2015. Disponível em: <http://
www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-tomada-da-decisao-apoiada/15956>. Acesso em: 20
dez. 2016.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 109


mento do próprio interdito, a Tomada de Decisão Apoiada objetiva resguardar
a liberdade e dignidade da pessoa com deficiência, sem amputar ou restringir
indiscriminadamente seus desejos e anseios vitais.

Como se percebe, referido instituto veio para promover a verdadeira autonomia


da pessoa com deficiência. Os apoiadores são pessoas de confiança, por ela esco-
lhidas, e que têm deveres ínsitos à função de aconselhamento por eles exercida.
São escolhidos para apoio na prática de atos jurídicos específicos, restando a
atuação deles somente pelo tempo necessário. Além disso, sua dispensa é ato da
pessoa apoiada, que mantém sua liberdade e interesses.
O novo Código de Processo Civil não foi tão feliz no apoio ao instituto
recém-criado.
Mas se por um lado o NCPC não foi tão atencioso com os novos ares trazidos
pelo EPD, por outro nem mesmo suas alterações conseguiram tirar o brilho de tais
inovações legislativas.
Nesse sentido é interessante trazer a posição de Paulo Lobo18:

Ainda bem que duas inovações da Lei 13.146/2015 escaparam dessa confu-
são, criada pelo novo CPC: a curatela compartilhada e a tomada de decisão
apoiada. Pela primeira, a pessoa com deficiência poderá contar com mais de
um curador, para incumbências específicas; pela segunda, a pessoa com defi-
ciência poderá escolher pelo menos duas pessoas para apoiá-lo no exercício de
sua capacidade. A segunda, dependente de decisão judicial, não se confunde
com a curatela e tem por objetivo, principalmente, o apoio para celebração de
determinados negócios jurídicos; se houver divergência entre os apoiadores e
a pessoa apoiada, caberá ao juiz decidir.

Embora um aparente desserviço do NCPC a algumas disposições do Código


Civil, em alguns pontos a lei adjetiva andou bem. Exemplo tímido é o artigo 758 do
NCPC, o qual tem algumas similitudes com o respeito ora posto.
Essas serão incursões feitas a seguir.

18 LOBO, Paulo. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Consultor
Jurídico, ago. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avan-
cos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes>. Acesso em: 27 dez. 2016.

110 Eden Mattar


4. IMPLICAÇÕES DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO NOVO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL

Como já trazido em breves pinceladas no capítulo anterior, não se pode fechar


os olhos ao fato de que o novo Código de Processo Civil adentrou o universo jurídico
sem considerar na totalidade o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Novamente é
Paulo Lobo19 quem traz um resumo que esclarece bem a questão, abaixo transcrito:

O novo CPC revogou os artigos 1.768 a 1.773 do Código Civil, justamente os


que tratam da promoção da curatela (“interdição”), aparentemente por disci-
plinarem assuntos de direito processual e não de direito material. O novo CPC
desconsiderou tanto o projeto de lei que se converteu no Estatuto da Pessoa
com Deficiência, quanto, o que é mais grave, a Convenção promulgada em
2009, que tem força de emenda constitucional (Constituição, artigo 5º, § 3º),
por ser matéria de direitos humanos, com supremacia sobre qualquer lei or-
dinária. Nos artigos 747 e seguintes, o novo CPC, alude a “interdição” e a
“interditando”, quando não há mais nem uma nem outro.

O Estatuto de 2015, por sua vez, publicado posteriormente ao novo CPC, res-
taura os artigos do Código Civil relativos à curatela revogados por este, dando-
-lhes nova redação, em conformidade com a Convenção. Ocorre que tanto o
novo CPC quanto o Estatuto estabeleceram diferentes tempos para vacatio le-
gis: o Estatuto entrará em vigor no dia 3 de janeiro de 2016 (180 dias) e o novo
CPC no dia 17 de março de 2016 (um ano). A desatenção do legislador fez
brotar essa aparente repristinação. Assim, os artigos 1.768 a 1.773 do Código
Civil, relativos à curatela, terão nova redação dada pelo Estatuto, mas apenas
produzirão efeitos durante dois meses e quatorze dias, sendo revogados com a
entrada em vigor do novo CPC.

As regras do novo CPC deverão ser interpretadas em conformidade com as


da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, pois esta tem for-
ça normativa superior àquele, relativamente à curatela especial, como medida
protetiva e temporária, não sendo cabível a interpretação que retome o modelo
superado de interdição, apesar da terminologia inadequada utilizada pela lei
processual.

No mesmo sentido é Joyceane Bezerra de Menezes20, abaixo citada:

19 LOBO, Paulo. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Consultor
Jurídico, ago. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avan-
cos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes>. Acesso em: 27 dez. 2016.
20 MENEZES, Joyceane Bezerra de. O direito protetivo no brasil após a convenção sobre a proteção da
pessoa com deficiência: impactos do novo CPC e do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Civilistica:
revista eletrônica de direito civil, ano 4, n. 1, p. 1-34, 2015. Disponível em: <http://civilistica.com/o-di-
reito-protetivo-no-brasil/>. Acesso em: 15 dez. 2016. p. 11.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 111


Estranha-se que o art.114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência resgatou os
artigos 1.768 a 1.773, revogados pelo art.1.072 do novo Código de Processo
Civil, sem sequer mencionar esse diploma legal processual. Como a vigência
do novo CPC se iniciará somente após o início da vigência do Estatuto, as
mudanças operadas por este nos artigos 1.768 a 1.773 sofrerão a revogação
expressa pelo artigo 1.072 do novo diploma processual. A observar, porém,
o teor da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e o status
de norma constitucional que passou a ostentar, no Brasil, entende-se que as
alterações promovidas pela Lei no.13.105/2015 poderão ser contornadas pela
aplicação sistemática do direito.

Ou seja, a confusão de vigências de leis não atentou aos objetivos maiores do


Estatuto da Pessoa com Deficiência. Se por um lado as alterações no Código Civil
eram tidas como grandes conquistas, sua revogação redundou em vácuo no meio
jurídico.
O novo Código de Processo Civil veio, assim, como um tsunami nos objetivos
do EPD.
Contudo, como visto alhures, não obstante o NCPC ter revogado alguns artigos
do Código Civil que tratavam da curatela, após a alteração destes pelo EPD, ainda
restou algo para se elogiar.
Primeiramente, é que o intérprete poderá (e deverá) analisar o NCPC sob as
luzes do Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem como em consonância com as
Convenções Internacionais sobre o assunto.
Também sem que se afaste as disposições da Constituição Federal, em especial
o princípio da dignidade da pessoa humana, como bem asseverado por Alexandre
Freitas Câmara21:

O princípio da dignidade da pessoa humana está posto no art. 1o, III, da CRFB.


Deve-se entender por dignidade da pessoa humana a garantia de que cada
pessoa natural será tratada como algo insubstituível, que deve ser reputada
como um fim em si mesmo, tendo cada pessoa responsabilidade pelo sucesso
de sua própria vida. Incumbe ao juiz – e aos demais sujeitos do processo – ga-
rantir respeito à dignidade humana, assegurando o valor intrínseco de cada vida
que é trazida ao processo. Daí se infere, necessariamente, que aos sujeitos do
processo é preciso sempre ter claro que os titulares dos interesses em conflito
são pessoas reais, cujas vidas serão afetadas pelo resultado do processo e
que, por isso mesmo, têm o direito de estabelecer suas estratégias processuais
de acordo com aquilo que lhes pareça melhor para suas próprias vidas. É inad-

21 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 12.

112 Eden Mattar


missível tratar as partes como se não fossem pessoas reais, meros dados es-
tatísticos. Afinal, se para o Judiciário cada processo pode parecer apenas mais
um processo, para as partes cada processo pode ser o único, o mais relevante,
aquele em que sua vida será decidida. E é dever do juiz assegurar que isto seja
respeitado.

Além disso, os institutos da Tomada de Decisão Apoiada e da Curatela Compar-


tilhada conseguiram sobrevier a todas as intervenções legislativas, como já visto retro.
Todavia, quanto à interdição, as inovações não foram boas. É certo que há
quem entenda que ela não mais persiste, tendo em vista que o caráter protetivo trazido
pela Lei 13.146/15 não se amolda aos comandos do instituto da interdição. Mas o
NCPC não previu dessa forma.
A verdade é que se por um lado deve-se dar atenção ao novo sistema das
incapacidades, bem como à necessidade de atenção à pessoa com deficiência, por
outro não há como se fechar os olhos para o fato de que o NCPC continuou prevendo
o instituto da interdição, o qual regulou de forma expressa.
Entretanto, para que se harmonizem ambas as normas (protetivas x restritivas),
o melhor é se analisar a interdição pelo enfoque do auxílio ao incapaz para o exercício
de seus direitos. Ou seja, se torna norma complementar aos direitos humanos já
ínsitos à pessoa com deficiência.
O que não se pode mais admitir são as decretações com os dizeres vagos
tão comuns do passado, em que era decretada “para todos os atos da vida civil”. O
NCPC, não obstante, não atendendo in totum o EPD, não o pode olvidar.
Assim, deve-se aplicar a essência da Lei 13.146/15, contida mesmo que de
forma tímida no artigo 758 do NCPC, o qual reza que, verbis: “O curador deverá
buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia pelo interdito”.
Elpídio Donizetti22 traz um pouco dessa visão:

As inovações nas regras deste procedimento objetivaram assegurar uma cura-


tela específica, restrita às incapacidades do interdito e conforme suas necessi-
dades. Não é de interesse da Justiça a manutenção da curatela, mas a certeza
de que esta seja eficaz para a conquista da autonomia do curatelado.

É essa autonomia e respeito que devem ser buscados não se perdendo de vista
o artigo 85 do EPD (não revogado) que estabelece que

22 DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 600.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 113


A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza
patrimonial e negocial.

1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade,


ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

A doutrina que defende o direito civil constitucional entende que os atos exis-
tenciais integram o conceito de personalidade. Assim, a pessoa é sempre capaz de
praticá-los. E a interdição e a estipulação da curatela devem seguir tais parâmetros.
Por isso a interdição deve sempre ter por foco esse viés, sob pena de se voltar
ao passado restritivo anterior ao Estatuto da Pessoa com Deficiência.
O posicionamento de Rogério Alvarez de Oliveira23 é interessante e por isso ora
se transcreve:

Embora o novo CPC ainda faça alusão à “interdição”, trata-se de expressão


que deve ser abandonada, haja vista a existência de um estatuto todo voltado
especificamente para a pessoa com deficiência e que teve o especial cuidado
de abolir aquela expressão.

[...]

Procurou-se, portanto, evitar os termos “incapacidade” e interdição”, que gera-


vam estigma desnecessário às pessoas com deficiência mental ou intelectual,
pois toda pessoa é capaz e suscetível de direitos, podendo ser suprida sua
incapacidade intelectual de fato por meio da curatela. A interdição, como me-
dida de proibição do exercício de direitos, não se mostra consentânea com a
atual tendência de modernização das normas, que vem buscando a inclusão de
todas essas pessoas e a busca da autonomia da vontade por elas. Preferiu-se o
termo “curatela”, destinado à proteção da pessoa e à prática de determinados
atos, que devem se restringir aos patrimoniais e negociais.

É uma mudança de paradigma que tem por finalidade precípua a inclusão da


pessoa com deficiência na sociedade, propiciando a ela a prática dos atos da vida,
como casamento, sexo, filhos, e de trabalho. Portanto, a curatela somente se dará
de forma excepcional e fundamentada e deverá ser proporcional às necessidades
e circunstâncias de cada caso, devendo durar o menor tempo possível.

23 OLIVEIRA, Rogério Alvarez de. O novo sistema de (in)capacidades e a atuação do MP na curatela.


Conjur, abr. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-18/mp-debate-sistema-inca-
pacidades-atuacao-mp-curatela>. Acesso em: 28 dez. 2016.

114 Eden Mattar


Nessa tendência de respeito à pessoa com deficiência, o artigo 755, II do NCPC
parece andar de mãos dadas com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao dispor
que

Art. 755.  Na sentença que decretar a interdição, o juiz:

[...]

II - considerará as características pessoais do interdito, observando suas po-


tencialidades, habilidades, vontades e preferências.

Mas nem tudo são flores. Ao se analisar outros dispositivos do NCPC, claro
surge o conflito, como se percebe pelos abaixo transcritos, todos com nossos
destaques:

Art. 755

[...]

§ 3o   A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e


imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal
a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional
de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma)
vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias,
constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição,
os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito
poderá praticar autonomamente.

Art. 749.  Incumbe ao autor, na petição inicial, especificar os fatos que demons-
tram a incapacidade do interditando para administrar seus bens e, se for o caso,
para praticar atos da vida civil, bem como o momento em que a incapacidade
se revelou.

Parágrafo único.  Justificada a urgência, o juiz pode nomear curador provisório


ao interditando para a prática de determinados atos.

Talvez o que reste é aguardar o desenvolvimento dos processos judiciais, de


forma a se observar o posicionamento de nossos tribunais. O vértice maior, que é
a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, deve ser
observado.
Ademais, lembrar sempre que a o sistema processual não é um objetivo em si,
mas uma forma de alcançar o Direito. O processualismo deve ter uma visão ampliativa

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 115


de direitos, consagradora de conquistas legais, e não obstáculo para estas. Consoante
Ricardo Maurício Freire Soares24

Conforme assinala Rui Portanova, a instrumentalidade do sistema processu-


al é alimentada pela visão do resultado. Assim, deve-se abandonar o aspecto
negativo (tradicional) da instrumentalidade que concebe o processo como um
mero receptáculo do direito substancial, visto que, sob a orientação teleológica,
a instrumentalidade adquire uma dimensão positiva, voltada para a busca de
resultados decisórios socialmente eficazes e legítimos.

Espera-se, com tudo isso, que a interpretação do instituto da interdição seja


feita com a maior elasticidade possível, levando-se em conta o caráter protetivo que
a curatela e, via de consequência, a interdição, devem ter.

5. CONCLUSÃO

No trabalho apresentado foi feita uma breve análise do Estatuto da Pessoa com
Deficiência (EPD) – Lei 13.146/2015. Inicialmente pode-se perceber que a legislação
recém-criada atravessou as barreiras geográficas de nosso país, indo se alimentar nas
fontes fecundas das Convenções e dos Tratados internacionais.
Com essa inspiração, em especial na Convenção Internacional sobre Direitos
das Pessoas com Deficiência, trouxe um novo olhar para as pessoas que, em nosso
país, sofrem com a desigualdade e com a desconsideração de seus direitos mais
comezinhos.
O EPD é claro em suas intenções quando abertamente explicita que “a pessoa
com deficiência deve ser protegida de toda forma de negligência, discriminação, ex-
ploração, violência, crueldade, opressão e tratamento desumano e degradante” (artigo
5º). Esse é o foco que deve ser perseguido pelo operador do Direito a partir de sua
vigência.
Assim, desde um simples direito de ir e vir, de se manifestar politicamente e de
ter acesso às informações, até o direito de ser considerado capaz, protagonista de sua
própria vida sem as restrições de antigos institutos de cunho restritivo, o Estatuto traz
inovação que deve ser incorporada aos nossos pensamentos e ações.
Promoveu ele uma alteração significativa no Código Civil, incluindo na referida
lei uma nova roupagem constitucionalista, na qual a dignidade e os direitos humanos

24 SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em


busca do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 185-186.

116 Eden Mattar


são atendidos. Alterou dispositivos que antes se faziam encarceradores da vontade
da pessoa com deficiência, e promoveu uma reviravolta na forma de se interpretar
beneficamente a ação volitiva das pessoas com deficiência.
A Teoria das Incapacidades foi extremamente afetada, a partir do momento em
que não mais se considera incapaz a pessoa com deficiência. Ela atinge a capacidade
plena como regra e, como exceção, a incapacidade relativa, com ou sem a decretação
da curatela.
O auxílio nos atos da vida civil se circunscreveu à necessidade extrema, sendo
que para os atos de enlace matrimonial, direito à família e à reprodução, entre tantos
outros, sua autonomia foi reconhecida.
Ainda no Código Civil verificou-se a renovação do instituto da curatela, que traz
autonomia à pessoa com deficiência a começar de seu nascedouro: ela própria pode
solicitar sua curatela (se for o caso), não se tornando apenas joguete na mão de
terceiros, muitas vezes distantes de seus reais interesses.
A curatela trouxe, ainda, a inovação de não ser apenas individualista, mas
também compartilhada. O tratamento e o acompanhamento da pessoa com defici-
ência podem, a partir de agora, serem feitos em dualidade de mãos e corações.
De idêntica forma, novo instituto foi criado, um verdadeiro tertium genus: a
Tomada de Decisão Apoiada. Por meio dele a própria pessoa com deficiência pode
eleger pessoas de sua confiança que a auxiliarão a tomar decisões em questões
pontuais, na quais necessite de esclarecimento.
Tudo foi criado em um substrato de harmonia legal e constitucional.
Contudo, o novo Código de Processo Civil também atravessou o universo jurí-
dico em época aproximada. O choque de legislações não poderia ter sido pior. Isso
porque toda a benesse trazida ao Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência
teve suas luzes diminuídas (para não dizer apagadas) com a entrada em vigor da nova
lei adjetiva civil.
A interdição proposta no NCPC desconsiderou as conquistas do EPD, revogando
inúmeras disposições protetivas que haviam sido incorporadas ao Código Civil. Além
disso, o novo estatuto processual não levou em consideração os objetivos do Estatuto
da Pessoa com Deficiência, olvidando-se que a conquista até então havida não era
apenas pátria, mas universal.
Assim, o que nos incumbe daqui em diante, como operadores do Direito, é
aplicar a Convenção e o Estatuto protetivos, seus princípios e conquistas. Lembrar a

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: 117


todos que se houve a revogação de dispositivos do Código Civil, não houve a revo-
gação da essência do EPD.
Essa será a tarefa a se cumprir: conscientização e ação. Pois a inovação criada
pela Lei 13.146/2015 não se enraíza apenas em uma legislação nacional, mas se
entranha no Direito universal.
E com isso percebemos que o caminho é longo. Mas se longa é a estrada,
maior ainda é a vontade de trilhar novos horizontes. Que possa o Estatuto da Pessoa
com Deficiência ser aplicado em sua inteireza, deixando de ser letra para se tornar
história.

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