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Richard Bucher

A PSICOTERAPIA
PELA FALA
icípi
Fundamentos, princípios
questionamentos
Inlernacicinais de Catalogarão na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livrei, SP, Brasill

Bucher, Richard, 1940-1997


B932n A psicolcrapia pela fala: fundamentos, princípios,
qucstiotianicnios / Richard Emil 13uolior.
São Paulo: EPU, 19S9.

Bibliografia
ISBN 85-12-60440-9

1. Psicanálise 2. Psicologia clínica 3. Psitolcrapía


4. Relações interpessoais [. Titulo.

CDD-SIS.89H
-157.9
8-2178 -616.8917
NLM-WM 420

índices paia tuialii^n sisltmálico:


1. Psicanálise: Medicina 616.S917
2. Psicologia clinica 157.9
3. Psicoterapia: Medicina 616.89
4. Relações Psicolcrápiças 616.8914
rapia" "todos os métodos que utilizam Nota-se ainda que Binswanger, num traba-
meios psicológicos para combater a doença lho posterior, corrigiu sua crítica do homo Capítulo 3
pela intervenção do funções psíquicas". untura de Freud, percebendo outros valores
Nesta definição se reflele tanto o enfoque de "veracidade" na obra de Freud. Em:
medica] ("combater as doenças") quanto a BINSWANGER, L., Mein Weg zu Freud,
referência à psicologia associacionista da em: Der Memcli in der Psychialrle. Neske, Delineamentos teóricos do
época ("as funções psíquicas"). 1951. Este trecho ainda é citado por Rollo
10. A respeito, pode-se citar a controvérsia en-
tre Binswanger d Freud acerca dos compo-
MAY, no texto "Psicologia Existencial", campo psicoterápico
em: Millon, T. Teorias da Psicologia e Per'
nentes espirituais ("superiores") e pulsío- sotialidade, pp. 136-37.
nais {"inferiores") da natureza humana.
11. BINSWANGER, L. Lebensfutútion und
Binswanger, no seu trabalho comemorati-
innere Lebensgesehichte, (1927). Em: Aus-
vo do 80." aniversário de Freud, "A Con- gewâhlte Vorlràge und Aufsatze, vol. I.
cepção Freudiana do Homem à Luz da Bem, Francke Verlag, 1961(;), pp. 50-73
Antropologia", criticou a concepção natu- (tradução nossa).
ralista de Freud, pela qual o homem seria
"reduzido" a um esquema ou sistema con- 12. JASPERS, K. Psicopatoiogia geral. Z vol.
forme às ciências exalas. Diante das preo- Rio de Janeiro, Athencu, 1979P). Ver 2. a
cupações espiritualistas e transcendentais parle: As conexões compreensíveis da
de Binswanger, Freud já anteriormente ti- vida psíquica (Psicologia compreensiva); I,
nha deixado clara a sua posição: "A hu- pp. 361-534. 3. a parte: As conexões causais
manidade desde sempre sabia que tem da vida psíquica (Psicologia explicativa);
espírito; eu tinha que mostrar a ela que II, pp. 551-672. 3.1. O problema da teoria consciente, se efetua de maneira não re-
também há pulsÕes". Quanto ao referido da prática psicoterápica fletida, mais como um pano de fundo di-
Nota-se que a noção de "conexão" ("Zu-
trabalho, Fremi o elogia com cortesia, para sammenhang") influenciou, desde Dilthey, fuso do que respondendo a uma intenção
continuar: "Naturalmente apesar de tudo, em alto grau as ciências humanas da época, No capítulo precedente, confronta- explícita.
não acredito no Sr. Sempre demorei apenas notadamente na Alemanha. Na própria monos com a especificidade da relação Sem referência a teorias ou técnicas, a
no térreo e no subsolo do prédio. O Sr. obra de Freud ele aparece com frequência,
afirma que basta mudar o ponto de vista psicoterápica. Esta se opõe, como vimos, dimensão psicológica participa de tudo
sendo traduzida da maneira mais variada
para enxergar lambem um andar superior (coerência, contexto, coesão, correlação, à relação médico-paciente, na medida em que é humano, regulamentada por certas
onde residem hóspedes tão distintos como encadeamento, ligação, trama, elo, proces- que não recorre a meios intermediários. convenções (as fórmulas de polidez, por
religião, arte e outros. O Sr. não c o único, so, aproximação, conjunto, associação, se- Se a ação médica opera mediante recursos exemplo) e codificada (e decodificada)
ali, a maioria dos exemplares culturais do quência...), de sorte que seu reconheci- objetivos, instrumentais, apelando para segundo as necessidades de cada situação
homo naturu pensa assim. O Sr. nisso é mento nas traduções é de averiguação difí-
conservador, eu sou revolucionário. Se ti- forças de oulra espécie — físicas, quími- concreta. No caso da relação médica, ela
cil (tanto cm inglês ou francês quanto em
vesse ainda toda uma vida de trabalho português). Antes de qualquer estruturalis- cas, biológicas — a psicoterapia apela intervém pela maneira do paciente apre-
diante de mim, me atreveria a indicar àque- mo, a noção de Zusainmenhang se equipara unicamente para aqucías forças que estão sentar a f-ua queixa, do médico interrogar,
les aristocratas uma moradia em minha ca- àquela de estrutura; em Freud, testemunha presentes diretamenfe em qualquer ação examinar, discutir, prescrever e, quem
sinha humilde...". Percebe-se que as pre- a. sua convicção do determinismo psíquico (ou melhor: interação) humana: as forças sabe, prometer alivio ou mesmo cura com-
missas (ou os "pontos de vista") são bem e da coerência de todos os fenómenos da do diálogo, da "fala", da verbalízação e pleta do achaque — interações aparente-
divergentes, fílosófico-transcendcntais de alma humana, antecipando a concepção es-
um lado, empírico-clínicas de outro. trutural propriamente dita. tudo aquilo que implicam afetiva e cogni- mente simples, mas de fato complexas se
livamente. pensarmos nas implicações mágicas ou in-
conscientes que contêm; complexas tam-
Não obstante, cabe, com vistas a uma
bém no que tange à sugestão, à persuasão
delimitação teórica do campo psicoterápi-
que o médico pode ser tentado a usar
co, distinguir a relação psicológica da re-
(prometendo alívio, por exempio).
lação psicoterápica propriamente dita. A
primeira sempre está presente, em qual- Neste caso, situamo-nos na região limí-
quer relação humana, inclusive na relação trofe da relação psicológica cotidiana,
médica. Ela é implícita, concomitante, isto é, não psicoterápica, em consequên-
automática por assim dizer e, embora cia do ohjetivo consciente, mas talvez in-
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confessado, de querer diretamente in- necessidade de definir teoricamente o que De fato, como vimoj nos dois capítu- cular permanente: a sua elaboração teóri-
fluenciar o outro, para que "acredite" nas c psicolerapia, onde, em que campo ela se los anteriores, a psieoterapia consiste ca, embora fertilizada pelas reflexões filo-
palavras — e no poder — daquele que situa e como cia procede. Esta necessida- numa interação muito particular entre sóficas e antropológicas milenares da hu-
fala, que "sabe" e que ordena em con- de decorre precisamente da pretensão duas (ou mais) pessoas. Ela é, portanto, manidade, procede com uma referência
cordância com este seu saber. científica mantida por aquela psicologia uma prática, mas uma prática que não imprescindível à experiência clínica. Esta,
A persuasão aproxima-se, portanto, da clínica que se inscreve na tradição filo- tira sua consistência de nenhuma teoria, sendo não experimental, não controlada
relação psicoíerãpica(l), porquanto visa sófico-científica do ocidente. Pelas suas de nenhuma "ciência básica" preestabele- e não repetitiva, não pode submeter-se
produzir uma certa mudança no outro. A exigências de reflexão metodológica, de cida. Em sua estrutura, distingue-se essen- aos cânones da ciência "positiva" — me-
relação psicológica, no entanto, não pre- rigor, consistência c autocrítica, ela reage cialmente da terapia comportamental. lhor, não pode nem deve submeter-se a
tende alcançar esta mudança de maneira contra as abordagens psicológicas de Esta considera a si mesma como uma apli- eles, uma vez que obedece a outros prin-
explícita ou proposital: ela pode produ- cunho mais especulativo, místico, trans- cação de princípios encontrados por ou- cípios, decorrentes da sua situação especí-
zir-se iocidentalmente, como efeito de re- cendental ou parapsicológico. Nestas tros métodos, ou seja, no laboratório, pela fica com um objeto, não apenas alvo de
forço ou pelo amparo que uma atenção orientações, os critérios tradicionais de psicologia experimental (sobretudo ani- investigação e de pesquisa, mas um sujei-
caritativa, por exemplo, proporciona ao cientificidade são desleixados; outras re- mal). Isto implica um procedimento cien- to, parceiro num processo de interação
doente. O médico, no caso, não se empe- ferências são invocadas para justificar as tífico radicalmente diferente, o que reper- que almeja a mudança.
nha em propiciar esta mudança ou cura linhas de atuação, tais como a intuição, a cute inevitavelmente nos métodos de ava-
criatividade espontânea, o contato ime- Não se pode pensar, pois, como na si-
pela via psicológica, o que resta o apaná- liação e de comprovação.
diato com o cliente, a meditação transcen- tuação experimental ou de aplicação, no
gio, precisamente, da relação psicote-
dental, a mentali^ação, a sugestão, o êxta- Por conseguinte, a relação com a teo- controle das variáveis ou na estabilidade
rápica.
se, relações com forças ou seres extrater- ria é muito diferente: no caso da terapia do seu aetting, se no enfoque psicoterápi-
Bem em oposição à relação psicológica, co, controle e estabilidade não fazem
restres e assim adiante. uomportamcntal, a teoria precede a apli-
espontânea e superveniente em qualquer parte das propriedades desejáveis — se,
cação, sendo elaborada num contexto di-
situação humana, esta é explícita, siste- Não se trata aqui de criticar estas li- pelo contrário, devem ser excluídos ou
ferente — contexto que corresponde, qua-
mática e relativamente padronizada. Ela ge aos critérios de verificação e de elabo- combatidos como "sintomas" de rigidez,
se que totalmente, aos critérios da cien-
se sustenta por um arcabouço teórico que ria oriental; basta citá-las para assinalar a de defesa e de resistência de um ou de
tificidade "positiva", aqueles de quantifi-
lhe confere uma certa coerência, um certo diferença radical de enfoque no que tan- ambos os protagonistas desta singela rela-
cação, objetivação e abstração. Com muita
rigor e uma veríficabilidade que, embora ge aos critérios de verificação e de elabo- ção humana.
lógica, a terapia comportamental conside-
longe de ser experimental, obedece a cri- ração teórica, bem como para situar a ra a sua aluação como "científica", uma Assim entendida, a psicologia clínica (e
térios de reflexão científica e contém re- psicologia clínica à qual nós nos referi- vez que aplica os resultados da ciência com eia a psieoterapia aqui em foco) não
ferências a parâmetros metodológicos ave- mos: ela não pretende fugir das exigên- experimental do comportamento, obtidos é "positiva" segundo o conceito tradicio-
riguados. cias de coerência lógica e racional que principalmente por via indutiva. Ela se re- nal (e positivista) de ciência. Levando as
A conjunção dos dois aspectos, da teo- caracterizam a evolução da ciência no fere, pois, explicitamente, ao caráter "po- coisas ao pé da letra — uma vez que as
rização contínua e do méíodo sistemáti- ocidente; embora "não positiva", no sen- sitivo" da sua fundamentação teórica, en- palavras "querem dizer algo" c que a no-
co de investigação e prática, oferece uma tido de não referir-se a um objeío direta- raivada bem mais nas ciências exalas, em ção de "positivo" faz parte de um contex-
garantia mínima pela não-arbitrariedade mente observável ou quantificável, ela particular na biologia, do que nas ciências to histórico que quis extirpar, explicita-
e seriedade do empreendimento terapêu- não abre mão da sua própria cientificida- do homem. mente, o "obscurantismo" do não-positi-
tico. Esta não deixa de ter a sua impor- de. Para alcançá-la, elabora critérios pró- vo, isto é, do negativo, pelas célebres
tância, visto as pretensões de cientificida- prios de investigação, adaptados ao seu A psieoterapia aqui conceituada, en-
quanto parte da abordagem clínica não "ideias claras c distintas" (leia-se: quan-
de, isto c, de uma certa objetividade e objeto geral — o ser humano que luta titativas) de Descartes — a nossa psico-
comprovação intersubjetiva da psicologia com dificuldades c conflitos —, tanto comportamental (nem psicométrica), de-
senvolve-se obedecendo a princípios dife- logia clínica logicamente pertencerá a
clínica. quanto ao seu objeto específico — as in- uma "psicologia negativa" (2).
teraçôes que, a nível de terapia, possam rentes. Sendo ela prática clínica (e não
Voltaremos à distinção das diversas re- aplicação técnica), não se refere a uma O que caracteriza então uma tal psi-
lações psicológicas e psicoterápicas. Por iniciar processos de mudança que benefi-
ciem este ou aquele portador de conflitos. teoria constituída alhures, mas elabora a cologia negativa, contestada, por não ser
enquanto, traiamos em primeiro lugar da sua teoria própria, mini movimento cir- científica, cm seu direito de cidadania na

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comunidade ideológica dos cientistas.. . ? mento, oriundos de um "outro lugar" truturação psíquica do homem, a um Não obstante, empenham-se muitos au-
Sendo baseada na prálica, será ela neces- (como disse Fechner a respeito do sonho), nível transindividual e propriamente an- tores hoje em dia para chegar a uma ava-
sariamente situativa e concreta; referin- de uma "cena alheia", ao mesmo tempo uo pológico. liação quantitativa daquilo que "se passa"
do-se à fala, ao diálogo como meio de co- inquietante e familiar (isto é, subjetiva), Uma tal abordagem, sem dúvida, não numa sessão de psícoterapia, ou ainda,
municação e instrumento de trabalho, exercendo um efeito subversivo sobre as permitirá verificações empíricas diretas dos efeitos supostos que a inleração cons-
será ela necessariamente dialética; focali- nossas certezas aparentemente bem orde- ou "positivas", mas nem por isso será ne- tatada produz. Não nos referimos aqui a
zando as experiências passadas da pessoa, nadas . . . cessariamente incontrolável, selvagem, es- estes esforços em detalhe, empreendidos
do "sujeito" pedindo auxílio, será ela ne- Todos estes aspectos "irracionais", pre- peculativa ou não-científica. Para executar sobretudo na escola rogeriana(3) e na es-
cessariamente histórica; enfatizando o ca- sentes na mais cotidiana conduta huma- este projeto, será preciso basear-se cm cri- cola que se baseia na teoria da comunica-
ráter humano da problemática em ques- na, não são tratados pela "psicologia térios próprios de cientificidade, diferen- ção(4); em pesquisas sobre a interação
tão, será ela necessariamente ligada às geral e experimental". Porém, eles não de- ics daqueles das ciências exalas — o que psicoterápica, é sem dúvida possível obter
ciências do homem; investigando as es- vem ser negados ou evitados pela fuga não quer dizer que sejam por isso menos resultados estatísticos interessantes, mas
truturas do tornar-se homem e dos trope- para o laboratório e suas certezas acon- rigorosos, sendo que o critério de exaíidão estes se situarão inevitavelmente a nível
ços que neste processo o acometem, será chegantes, nem pela prioridade intransi- (isto é, de quantificação e metrificação) da consciência e da racionalidade — onde
ela universal em suas extrapolações teó- gente atribuída ao estudo do "homem ge- não é o único critério científico. Qualquer os elementos e processos qualitativos já
ricas, à condição que estas sejam proces- ral, adulto e civilizado", nem pela prima- sistema com pretensões de cientificidade estão bastante complexos — o que nos pa-
sadas com rigor e pertinência. zia reclamada para o estudo de traços se valida não pelo aspecto da exatidão, rece insuficiente para levar em conta a
parciais ou ultradetalhados do seu com- mas pela coerência lógica das suas propo- globalidade e a complexidade do psiquis-
Quanto ao conteúdo desta "psicologia mo humano.
negativa", a ser recriada sempre, embora portamento. Ao lado desta psicologia ge- sições e hipóteses teóricas, o que é um
antiga como a sabedoria humana, farão ral, cabe pois uma psicologia concreta e, problema não quantitativo, mas episte- Por outro lado, a insuficiência da abor-
parte dela todas aquelas experiências ne- em particular, clínica, cuja elaboração mológico. dagem científica tradicional não deve ser-
gativas que o homem está sofrendo consi- urge, visto a amplidão e a permanência Esboçadas estas considerações gerais vir de pretexto para abrir mão, simples-
go mesmo e com os outros, ligadas à sua dos conflitos humanos — presentes inal- sobre a necessidade de discutir a questão mente, do esforço reflexivo: significaria
situação existencial, ao drama de ser "jo- teradamente apesar de todo o "progresso da cientificidade também a nível da psi- abdicar da responsabilidade ética pela
gado no universo", numa derrelição sem da ciência". cologia clínica, bem como de proceder à ação psicoterápica, tanto ao nível indivi-
fim. Pertencem a estas experiências a an- Esta psicologia concreta, longe de pre- sua elaboração teórica, faz-se mister en- dual quanto ao nível comunitário, e en-
gústia, existencial ou situativa, a agressi- tender alcançar a abstração, aceita a im- contrar critérios capazes de nortear este tregar-se a uma perigosa fantasmatização
vidade e destrutividade humanas, a psico- plicação do psicólogo ou do psicotera- empreendimento. De fato, a tentação ideológica.
patologia de cada um, micro ou macroscó- peuta nas interações múltiplas com o pode ser grande — e não são poucas as Conquanto nenhuma reflexão teórica
pica; a mortalidade, finalmente, ou seja, seu objeto que, precisamente, não é um orientações ou "escolas" que sucumbem é capaz de eliminar a influência ideoló-
o espectro da morte, inelutável na sua objeto, mas um sujeito, a ser apreendido, a ela — de desistir da reflexão teórica gica — presente, no seu sentido mais am-
certeza objetiva e absoluta, perseguindo o estudado e tratado na sua singularidade rigorosa, uma vez que não adianta, diante plo, em todos os empreendimentos huma-
homem como única certeza não-científíca, subjetiva. Esta subjetividade, tão bem en- da especificidade do objeto, a relação nos — compete, tanto ao cientista quanto
acerca da qual não lhe resta dúvida de fatizada por Binswangcr, não apresenta psicoterápica, recorrer aos critérios tradi- ao prático, ficarem vigilantes a este res-
quanto quer fugir dela. um déficit, uma fraqueza da abordagem cionais da ciência. Em particular, não peito, para diminuir ao máximo aquela
De maneira mais ampla, fazem parte psicológica aqui preconizada, mas uma adianta recorrer ao sacrossanto critério presença imponderada. Ela facilmente se
destas experiências negativas iodos os fe- riqueza na investigação de fenómenos hu- da quantificação, se se quer apreender o torna distorcedora dos verdadeiros obje-
nómenos irracionais, nos quais se incluem manos de alta relevância. Como já frisa- que de subjetivo, de inconsciente, de a\e- tivos, minando sub-repticiamente as posi-
o amor, a sexualidade, a afcíividade, o mos, esta psicologia será concreta e uni- tivo ou de irracional participa na intera- ções éticas declaradas e abrindo as por-
sonho, o desejo e a culpa — experiências versal ao mesmo tempo, st' conseguir ção entre terapeuta e paciente, ou até tas a situações clínicas falaciosas e irre-
banidas dos laboratórios da ciência posi- apreender c articular entre si elementos mesmo a constitui estruturalmente, se nós flctídas, uma vez que a formação mínima
tiva. Elas se infiltram cm nossa consciên- significantes de uma tal qualidade e en- a considerarmos além da sua aparência do profissional é, em psicologia, muito
cia, fazem irrupção em nosso comporta- vergadura que revelem os alicerces da es- observável. lacunária e de difícil controle, apesar das

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lindemos aqui, tão-somente, mostrar a Destarte, o não-saber do histérico cor- quais um homem exerce em geral um rente ou de pertinente sobre estes esta-
preocupação com a fundamentação cien- responde mais a um "não-querer-saber", efeito psíquico sobre um outro". Nada dos, "antes de ter clareado, aprofunda-
tífica do novo método psicotcrapêutico, mas com a ressalva de que este não-que- pois de artefatos, de truques, de forças danente, as c ncepçóes psicológicas de
descoberto acidentalmente por Breuer e rer não se impõe de maneira toíalmente extraordinárias ou mágicas, mas um tra- ba;e, em particular sobre a natureza da
desenvolvido por Freud. É nesta mesma consciente. A tarefa do psicoterapeuta balho que se situa ao nível de interações consciência".
página, aliás, que o novo procedimento consiste, na formulação de Freud, em psíquicas que são simplesmente humanas Com esta colocação, parece-nos estipu-
é resumido de modo singular e conciso: "superar a resistência à associação pelo —- ideia que já encontramos acima, apre- lada a necessidade de uma teoria abran-
trata-se simplesmente de "dar palavras ao trabalho psíquico", sendo que a própria sentando a concepção de Binswanger. gente do psiquismo humano, teoria essa
afeto" (reprimido) — em que consiste, su- terapia corresponde au "caminho até a re-
O interesse pela fundamentação cien- que Freud se esforçava por elaborar du-
mariamente, todo o segredo da psicote- presentação patogênica". À maneira de
tífica, manifestado por Freud já neste rante muitos anos, sem que chegasse,
rapia, mesmo se a referência concerne um quebra-cabeça, cabe, pois, ao psico-
texto precoce, assinala-se ainda em dois contudo, a uma formulação definitiva.
ainda ao modelo da neurose traumática. terapeuta, recompor a "organização su-
outros trechos. Num primeiro, frisa que Porém, o que nos interessa aqui é que
O problema, no entanto, é de saber como posta" ao material patogénico, num ver-
nem sempre é possível "encerrar a ativi- desde o início, vislumbrava esta necessi-
chegar lá, como proceder para que isto dadeiro "jogo de paciência" que se torna
dade psicoterápica em fórmulas"; isto dade, e isto precisamente no que tange à
se produza, em benefício do paciente e muito demorado pela impossibilidade de
tornar-se-ia particularmente difícil quan- compreensão dos processos psicoterãpi-
da sua libertação interna. "peneirar diretameníe até o núcleo da or-
do se tratasse de convencer o paciente a cos: sem dispor, como base, de uma teo-
ganização patogênica".
Sem entrar muito em detalhes, pare- abandonar ou trocar os seus motivos de ria geral do psiquismo, não será possível
ce-nos interessante seguir um momento a Além da insistência sobre o aspecto di- defesa, depois do psicoterapeuta os ter entender o que se passa numa psicotera-
apresentação que Freud faz do seu novo nâmico, percebemos, pois, através das "adivinhado". Percebe-se, no entanto, que pia, nem o que fundamenta e estrutura os
método. Como base da sua reflexão teó- comparações que Freud emprega, a alu- a dificuldade mencionada por Freud se processos psíquicos normais e/ou palo-
rica, Freud situa a noção de defesa e, por- são a um fator lúdico: o trabalho psico- deve a uma teorização insuficiente da Iógicos do homem.
tanto, de conflito: a intervenção terapêu- terapéutico é uma atividade humana transferência e do seu manejo — muito
Não existe até hoje nenhuma teoria
comparável a um jogo (em um texto pos- embora já a aponte, mas de modo mais
tica consiste num esforço, num "traba- abrangente do psiquismo humano, na qual
terior, Freud chega a comparar a própria descritivo do que instrumental, usando
lho psíquico" que tem que opor-se à seria possível basear-se para atingir o
psicanálise com um jogo de xadrez) (8), os termos, por exemplo, "vinculação er-
"força psíquica" do paciente, força esta nosso objetivo: delinear o campo psicote-
com regras complexas cuja aplicação re- rónea" ou mésalliance; não pode conce-
que se opõe à rememoração e, por conf.e- rápico. Nem Freud, nem a psicanálise
quer paciência, dosagem e perspicácia. ber a mudança psicoterápica sem recor-
guinte, à resolução do conflito. pós-freudiana, nem outras abordagens lo-
Ao lado do aspecto lúdico, este "jogo" rer ao modelo da sugestão, a atitudes ex-
O modelo de Freud, de chofre, é emi- graram lançar mão de uma teoria geral,
contém um outro que podemos chamar plicativas ou ate paternalistas. . .
nentemente dinâmico: o psicoterapeuta aceitável como "provisoriamente definiti-
de cognitivo: várias vezes aparecem no-
Não obstante, é nítido que Freud en- va" pela comunidade dos cientistas psi-
intervém num "jogo de forças" no qual ções como "inteligência inconsciente",
trevê a "transformação em fórmulas" cólogos. O que existe, entrementes — e
tem que tomar posição em favor da ideia "pensamento inconsciente", "fio lógico",
como um ideal desejável para uma abor- com que podemos e devemos contar —
ou representação reprimida (não se fala coerência, sistema. . ,, além da referência
dagem científica, o que não deixa de con- são os diversos modelos teóricos, surgi-
ainda de recalque), contra o Eu do pa- contínua à importância da linguagem, ou
figurar um presságio de tentativas poste- dos em determinados momentos da his-
ciente. Este, em consequência da repro- seja, ã Iransposição em palavras, à verba-
riores, notadamente estruturalistas, de tória da psicologia e que hoje coexistem,
vação do conteúdo temático da represen- lização dos conteúdos mentais "reprimi-
formalizar os processos psíquicos e psico- embora, de fato, nem sempre pacifica-
tação, a relega a um lugar "fora" da cons- dos". Todas estas formulações ocupam
terápicos. mente. . .
ciência e da memória disponível. Neste um lugar central e demonstram um inte-
resse teórico particularmente nítido. Finalizando, Freud toca aí no proble- Fm particular, estamos em presença de
"lugar" —• que pouco depois Freud cha-
ma da compreensão da i ale ração entre três modelos teóricos, de concepções mui-
mará de inconsciente — a representação Quanto aos meios de que o psicotera- psiquismo consciente e inconsciente, a to diferentes e de alguma forma comple-
continua ativa, exercendo um efeito palo- peuta pode dispor para superar as tena- mentares, que respondem a exigências mí-
respeito de suposições acerca do estado
gênico devido a sua pressão constante zes resislências do paciente, são eles mui- do material patogénico antes da análise. nimas de cientificidade, pelos seus proce-
sobre o psiquismo consciente da pessoa. to simples: "quase todos aqueles pelos A seu ver, é impossível dizer algo de coe- dimentos, premissas, critérios e objetivos.

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Todos os três foram elaborados fora do terna, uma congenialidade com o campo fenómeno humano e da sua abordagem tes, em propor novas classificações, es-
campo médico e psiquiátrico, embora a delinear. pela psicoterapia. quemas e conceitos que, de fato, alarga-
mantendo certos vínculos com ele: o mo- Neste sentido, o modelo psicanalítico ram o campo psicanalítico, mas o priva-
Como já frisamos acima, isto, no en-
delo behaviorista, baseado no conceito representa o nosso horizonte teórico, mas ram de forças mais imaginativas e mais
lanlo, não quer dizer que se deva acolher
da aprendizagem e no esquema estímulo- isto apenas em termos gerais, como refe- criativas, que poderiam, na esteira de
às cegas tudo aquilo que hoje em dia se
-resposta; o modelo da comunicação, re- rência que possa nortear a nossa investi- Freud, ter proporcionado uma renovação
;>presenta como psicoterapêutico, nem que
ferindo-se à teoria geral dos sistemas, e o gação, sem que seja a nossa intenção acurada da sua obra. Não é por acaso
as atitudes ecléticas sejam as mais apro-
modelo psicanalítico, baseado no conceito discutir conceitos ou concepções psícana- que a obra de Lacan, visando uma tal
priadas ou as mais prometedoras para os
do inconsciente e na estruturação que este líticos em detalhe, nem querer "apli- renovação, desenvolveu-se à margem des-
pacientes: para que uma psicoterapia me-
impõe ao psiquismo humano. cá-los" diretamente ao campo psicote- ia psicanálise "oficial". ..
reça este nome, ela lem que passar pelo
Não cabe esmiuçar aqui estes três mo- rápico. crivo da reflexão teórica e da avaliação Dianlc da esterilidade da psicanálise
delos; basta citá-los para que se Lenha científica, obedecendo a critérios espe-
Este, como campo da atuação profis- assim institucionalizada e "adestrada",
uma ideia geral sobre os modelos básicos cíficos adaptados ao seu objeto. Somente
sional do psicolerapeuta, poderá benefi- anunciada como herdeira de Freud mas
que orientam a prática psícolcrápica ho- assim será possível aproveitar a riqueza
eíar-se da contribuição metodológica e re- desvirtuada da sua intenção originária e
dierna bera como a reflexão que esta ins- e a complementariedadc das diversas
flexiva que o modelo psicanalítico ofe- fundadora, as reações não se fizeram es-
pira. Pessoalmente, já deixamos clara abordagens, respeitando as diferenças e
rece, em particular quando se trata de perar e são fáceis de compreender. Elas
nossa preferência pelo modelo psicanalí- os esforços de outros profissionais para
analisá-lo com respeito às incidências an- vão da rejeição pura e simples, como no
tico •— ou, de maneira mais geral, "psi- abrir novos caminhos.
tropológicas e psicológicas "negativas" caso de um Eysenck(9), por eexmplo, a
codinámíco". Trata-se aí, é óbvio, de uma
que o caracterizam. É o que já iniciamos, No que diz respeito ao modelo psica- aceitação parcial ou à transformação de
limitação arbitrária, devida a uma opção
tanto ao nível do desenvolvimento da te- nalítico que norteia este nosso delinea- determinados elementos em peças-mestres
pessoal que assumimos; porém, esta se
mática dos capítulos anteriores, quanto mento, cabe uma última afinação. Como de novas doutrinas.
sustenta por uma razão simples: a (eoría
pela referência a Freud no que tange às salientamos, Freud pode ser considerado Nestas, o conjunto do arcabouço teóri-
psicanalítica é a única das três teorias ci-
suas ideias sobre a psicoterapia da histe- não somente fundador da psicanálise, mas co de Freud e o seu relativo equilíbrio
ladas que £i? origina diretamente na prá-
ria. Se aquele trabalho de Freud repre- lambem pioneiro na investigação leórica são abandonados, em benefício de ele-
tica clínica.
senta o início da reflexão científica (iatQ da psicoterapia. No decorrer da "evolu- mentos que podem ser importantes, mus
Com efeilo, foi a parlir da sua expe- é, teórica) sobre a atividade do psicote- ção" da psicanálise, todavia, o espírito que, na psicanálise, eram subordinados à
riência clínica que Freud a elaborou, e é rapeuta, ele pode também ser considera- pioneiro de Freud chegou a se perder concepção global do funcionamento da
com referência permanente àquela, que a do como base possível da nossa investi- cada vez mais. Paralelamente às conces- alma; isolados deste contexto que lhes d;i
reformulava sem parar. Por esta razão, gação, se bem que es!a seja mais ampla e sões ao modelo médico c às necessidades sentido e coerência, transformam-se facil-
ela se apresenta, ao nosso ver, como a teo- mais concreta. terapêuticas da sociedade — sobretudo mente cm hipertrofias provocando visões
ria mais adequada para dar conta dos nítidas na vertente americana da psicaná- (e atuações) unilaterais, em detrimento
processos psicoterápicos, ou seja, daqui- Não acreditamos, portanto, ser possí- lise, na ego-psychology e na "psiquiatria da reflexão teórica rigorosa c do respeito
lo que se passa, concretamente, entre os vel proceder à elaboração de uma doutri- dinâmica" — desenvolveu-se um dogma- à unidade psicossomática do homem c ã
dois protagonistas da situação psicoterá- na geral da psicoterapia: as diversas tismo oprimente que pesava muito {c con- complexidade da sua existência.
pica. Como a psicanálise não nasceu em abordagens são diferentes demais, as po- tinua a pesar) sobre o interesse por outras Isto aconteceu, ao nosso ver, com Bins-
laboratórios experimentais, nem toma sições e posturas dos teóricos demasiada- formas de psicoterapia, bem como sobre wanger, como já indicamos, e num senti-
empresíado os seus conceitos ou esque- mente influenciadas por elementos ideo- a própria psicanálise. Preocupadas mais do semelhante com |ung, Boss c outros,
mas de outros campos epistèmicos (ou se lógicos e subjetivos, para que seja possí- cm manter uma suposta "pureza doutri- que focalizaram mais o Sado espiritual,
o faz, o faz de modo metafórico, isto é, vel chegar-se a uma unificação. Contudo, nal" (c com ela, quem sabe, um monopó- esquecendo-se do pulsional e da sua inci-
transfigurando o seu alcance), ela não a multiplicidade de modelos, de tipos de lio de mercado), na qual o próprio Freud dência no inconsciente. Do lado oposto,
0, portanto, uma "aplicação" de conheeí- terapia e de concepções do homem não nunca tinha pensado, as gerações poste- assistimos à ênfase dada por Reich e ou-
mentos obtidos em searas alheias; ela de- contém aspectos apenas negativos; indica riores de psicanalistas afincaram-se em tros ao biológico, por ]anov, Pcrls, Mo-
monstra pela sua própria estruturação in- também a riqueza e a complexidade do elaborar sistematizações mais abrangen- reno c outros à reação catártica, pelos
culturalistas à influência social e aos como, simetricamente, se sobrevaloríza o "perturbações mentais" e suas causas. São Uma outra obra prestigiosa, embora
patterns culturais. . . Seria possível pro- aspecto técnico da atuação profissional discutidas, sucessivamente, a genética, não coletiva, é The Technique of Psycho-
longar esta enumeração c apresentar a do psicoterapeuta. a neurologia, a bioquímica, a sociologia, thempy, da autoria de L. R. Wolberg( 11).
longa Hsla de "novas" psicoterapias que Vale a pena examinarmos alguns dos a antropologia, a teoria da aprendizagem, Na segunda edição, de 1967 (l. a edição
se referem em algum aspecto à psicaná- grandes manuais de psicoterapia ou de as teorias comportamentais e de persona- em 1954), os dois volumes ultrapassam
lise, mas não é essa a nossa intenção. Bas- psicologia clínica que, pela suma das in- lidade, a psicanálise c as suas diversas 1.400 páginas. O livro apresenta uma
ta esta alusão à evolução da psicanálise, formações e pelas contribuições dos mais escolas. visão —• muito bem elaborada e desenvol-
aos problemas que ela suscita cm conse- variados autores, são sem dúvida repre- Porém, não se trata aí, realmente, de vida, por sinal — da psicoterapia, a par-
quência da sua falta de rigor e da sua di- sentativos do pensamento c das tendên- uma reflexão epistemológica e antropoló- tir das premissas da psiquiatria dinâmi-
fusão ideológica, bem como à sua absor- cias atuais que norteiam a clínica psíco- gica sobre a fundamentação teórica da ca americana, fundada, como se sabe, a
ção filtrada por ou iras escolas de terápica. prática psicoterápica; as diversas disci- partir de uma recepção transformadora
psicoterapia, nem sempre conscientes ou Em 1965, foi publicado o Handbook of plinas "fundamentadoras" ficam justapos- das principais ideias de Freud acerca do
preocupadas em esclarecer as suas raízes, Clinica! Psychology, sob a coordenação tas e não são consideradas numa perspec- funcionamento do psiquismo humano.
empréstimos e implicações; basta ter apre- de B. B. Wolman(lO). O volume, de mais tiva integradora, ficando, portanto, "es- O título, no entanto, indica já clara-
sentado aqui esta situação geral, para po- de 1.500 páginas, conta com a colabora- Iranbas" ao campo psicoterápico. Mas mente que a obra se restringe aos aspec-
dermos nos situar, nos definir e proceder ção de 61 profissionais, especializados será que a fundamentação teórica de uma tos técnicos da psicoterapia; mesmo no
agora ã investigação teórica preconizada. nas diversas áreas psieoterápicas. determinada prática pode processar-se a primeiro grande capítulo, de mais de 400
Na introdução, o coordenador apresen- partir de outros campos epistèmicos de páginas (The scope, types and general
ta os diversos objetivos que regiam a ela- investigação e de s a b e r . . . ? Não será ne- principies of psychotherapy), não encon-
3.3. A fundamentação teórica boração da obra; quanto ao nosso propó- cessário que esta reflexão se desenvolva, tramos, apesar de muitas considerações
e os manuais de sito, define o seguinte objetivo: "familia- pelo menos em parte, dentro do próprio interessantes e aprofundadas, nenhuma
psicoterapia rizar os psicólogos clínicos e profissionais campo de atuação, em congenialidade referência ã fundamentação teórica deita
afins com o vasto campo de pesquisa, ex- com as características do seu objeto: a prática — prática singela que o autor des-
Acreditamos ter insistido suficiente- perimentação, leórica e prática da psico- intcraçâo humana. . .? creve muito bem, propondo diferenciu-
mente sobre a importância e o caráter im- logia clínica"; quanto aos objetivos mais 1'arecc-nos que esta preocupação, tão ções pertinentes quanto a outras relações
prescindível da fundamentação teórica da pragmáticos e éticos, enfatiza: "apresen- fundamental, está ausente nesta obra vo- psicológicas. Mencionamos ainda que o
prática psicoterãpica. Porém, folheando tar a profissão do psicólogo clínico e de- lumosa, no resto muito bem concebida. enfoque da obra c predominantemente
monografias ou manuais sobre psicotera- monstrar sua vitalidade, sua vigorosa e Talvez seja esta ausência uma consequên- médico e psiquiátrico, embora não che-
pia, deparamo-nos com a ausência quase eficiente busca da verdade científica c sua cia da linha metodológica ou científica gue a contestar a presença de psicólogos
que total de uma reflexão teórica explíci- boa vontade c capacidade de ajudar a adotada e apresentada na primeira parte clínicos no campo psicoterápico.
ta. Quando muito, encontramos referên- quem precisa de auxílio destes profis- do volume, "Métodos c pesquisa em psi- Em 1971, foi publicado o Handbook
cias teóricas a determinados modelos ou, sionais". cologia clínica", pelo que se vê que a of Psychotherapy and Behavior Change,
mais frequentes, alusões incidentais aos Aparecem, portanto, aí noções tais questão da metodologia é colocada antes coordenado por Bergin Sc Garfield(12).
arcabouços leóricos que sustentam as di- como "campo de pesquisa", "experimen- da questão da fundamentação teórica. Contando com a colaboração de 32 auto-
versas técnicas. O questionamento das in- tação", "teoria", ou ainda "busca da ver- Mas não é que esta determina em grande res, a obra apresenta (apesar do sub-
cidências epistcmológicas e antropológi- dade científica", que tesfemunham o inte- parte aquela e que é tão-somente a par- título An Empirical Anaíysis) uma pri-
cas, a serem apreendidas precisamente resse pelos aspectes epistemológicos da tir do delineamento teórico de um objeto meira parte sobre Theory, Methodology
através da mais rigorosa fundamentação prática psicolerápica. E, com efeito, no de estudo que métodos possam ser elabo- and Experimentation. Contudo, nos seis
possível das premissas desta prática, sur- corpo do livro, a segunda parte é dedi- rados para a sua investigação? A relação capítulos desta parte introdutória não en-
preendentemente muitas vezes faz falta. cada aos "Fundamentos teóricos da psi- circular que existe entre definição do contramos, novamente, nenhuma elabora-
Ao nosso ver, temos aí um índice de cologia clínica". Em dez capítulos, são objeto, método, prática e teoria fica, pois, ção teórica criteriosa; o primeiro capitu--
como são subestimadas a necessidade e a tratadas as diversas disciplinas que estão ao nosso ver, pouco valorizada na presen- lo, Some Historical and Conceptual Pers-
importância desta reflexão teórica — B contribuindo para o entendimento das te obra. pectives on Psychotherapy and Behavior

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Changt, introduz considerações gerais mental elaborada segundo as melhores
Io de vista da psicologia clínica, eles têm da psicologia clínica em geral, mas da
•obra a evolução da psícoterapia cm nos- tradições da psicologia alemã, O volume
consequências para o objetivo de uma te- psicoterapia. "Propedêutica", no sentido
so século, mas limita-se, em seguida, a 8, editado em dois livros (1977 e 1978),
rapia e para a técnica do tratamento. Os de introdução, de conhecimentos prelimi-
discutir táticas e técnicas de procedimen- totaliza mais de 3.300 páginas c conta
modelos do homem robô, reativo e con- nares ao exercício da disciplina em pauta,
to. .. Como o título deixa supor, o en- com contribuições de mais de 100 auto-
trolado se adaptam mais ao objetivo tera- ela corresponde em muito às nossas preo-
foque é mais psicológico do que psiquiá- res, o que nos dá uma ideia do seu al-
pêutico de eliminação de sintomas e a cupações de fundamentar a prática psico-
trico, mas aqui ainda, as preocupações de cance. Sendo muito bem concebida e
uma intervenção terapêutica preponderan- terápica — com uma ressalva importante:
operacionalização e de aplicação pragmá- muito complexa, não nos é possível ofe-
temente ativa. Ao contrário, os modelos não podemos concordar com o enfoque
tica tampouco deixam espaço para ques- recer aqui uma visão global da obra; po-
do homem 'piloto', ativo e autónomo, exclusivamente médico ou psiquiátrico do
Lionamenío epis temo lógicos. rém, encontramos enfim algo que corres-
evocam uma atitude terapêutica visando autor principal; este enfoque nos parece
No âmbito do idioma alemão, cabe ponde às nossas preocupações de funda-
descobrir a estruturação própria ao in- por demais antiquado, visto a evolução
mencionar a sistematização tentada em mentação: na introdução ("História,
divíduo e leva ao objetivo da auto- da psicologia clínica desde a introdução
Klinische Psychologie, coordenado por Objcto, Fundamentos da Psicologia Clí-
rcalização". da psicanálise c as aplicações da psicolo-
Schraml & Baumann( 13). O primei- nica"), de autoria do coordenador geral
gia comportamental; cabe, hoje em dia,
ro volume, "Teoria e Prática", foi reedi- L. J, Pongratz, confrontamo-nos, em 50 Seguem-se as diversas partes da
ressaltar, em primeiro lugar, as diferen-
tado, ampliado, em 1975 (1.* ed. em páginas, não somente com uma visão de- obra, a primeira dedicada a sintomatolo-
ças fundamentais entre o discurso médico
1970) e conta com 30 colaboradores; o talhada da história da psicologia clínica gia, a segunda aos "Fundamentos teó-
e o discurso psicanalítico, bem como as
segundo volume, intitulado "Métodos, desde Rousscau, Darwin e Kracpelin, ricos gerais" c a terceira, aos "Funda-
repercussões deste último sabre a prática
Resultados e Problemas de Pesquisa" mas ainda com um esforço de definir o mentos teóricos específicos". Percebe-se, psicoterápica em geral.
data de 1974, com 26 autores. Apesar da que é a psicologia clínica c qual o objeto pois, que a questão da fundamentação
promessa contida no título do primeiro específico sobre o qual age ou intervém. teórica recebe a devida atenção: desen- Voltaremos, abaixo, a esta diferença
volume, encontramos alusões apenas oca- volvida em mais de 500 páginas, ela con- capital. Por enquanto, mencionamos que
Na última parte desta introdução, en- a primeira parte desta "Propedêutica",
sionais à problemática da fundamentação contramos mesmo "Prolegômcnos antro- tém, entre muitas outras contribuições,
teórica. Na introdução dos editores, en- um capítulo específico sobre "Fundamen- "Alguns problemas teóricos", contém de-
pológicos" da psicologia clínica, onde se senvolvimentos interessantes e aprofun-
contramos uma preocupação cm definir discutem as diversas imagens do homem, tos epistemológicos", onde são discutidas
o campo da psicologia clinica, mas eia é dados, sobretudo no primeiro capítulo,
implícitas nos diversos modelos que nor- as relações entre teoria, pesquisa e prá-
considerada simplesmente como uma "Esboço de uma teoria geral da psicote-
teiam as atividades do psicólogo clínico. tica, os problemas de validação, de for-
aplicação de "conhecimentos, técnicas e rapia", e no capítulo sobre a "Relação
Referência se faz à célebre controvérsia mação dos conceitos, do planejamento,
métodos das disciplinas básicas da psico- psicoterápica". dos quais veremos algu-
entre Skinner e Rogers acerca do homem bem como questões éticas... Se todos mas ideias adiante.
logia e das suas disciplinas vizinhas", como sendo controlado ou autónomo, a estes aspectos não são tratados de manei-
tais como psicologia profunda, sociologia Finalizando esta revisão de grandes
uma comparação realizada por Ford & ra aprofundada, eles pelo menos são men-
e pedagogia social. manuais de psicolerapia ou de psicologia
Urhan entre as concepções do "homem- cionados no devido contexto, de sorte
clínica, cabe salientar que não temos co-
Não se questiona pois, como estes co- -robô" e do "homem-piloto", e a questão que a sensibilização aos "prolegómenos
nhecimento da existência de tais obras no
nhecimentos, técnicas e métodos são de saber se o ser humano é essencialmen- antropológicos, filosóficos e epistemoló-
âmbito brasileiro. Convém referir-se, no
adquiridos e o que eles implicam quanto te ativo ou reativo (o que implica em gicos" da prática clínica se torna pos- entanto, ao livro de H. J. Fiorini, Teoria
à imagem do ser humano a ser tratado; o pressupostos cosmológicos e epistcmoló- sível. e Técnica de Psicoterapias (1976 trad.
enfoque é predominantemeníe dinâmico gicos e propriamente numa "cosmo-
No âmbito da cultura francesa, men- do espanhol) (16). O título, porem, pela
e social, mas não antropológico — lacuna visão").
cionamos uma única obra, a Propédeuti- sua generalidade engana: trata-se essen-
importante, ao nosso ver, desta obra que, Citamos um trecho da conclusão do cialmente de um trabalho sobre a psico-
que d'une Psychothémpte (1976), de au-
de resto, se destaca pela sua linha mais autor deste capítulo: "Conceitos antropo- terapia breve, com algumas considera-
toria de P. B. Schncidcr(15), com uma
psicossocial do que psiquiátrica. lógicos significam muito para a ciência; ções mais amplas. Estas se desenvolvem
série de colaboradores. Obra sucinta, de
Cabe mencionar em seguida o Hand- eles determinam de modo definitivo teo- apenas 350 páginas, ela, não obstante, segundo um enfoque que procura consti-
buch der I'sychohgie(l4), obra monu- ria, terminologia e metodologia. Do pon- loca às questões fundamentais não mais tuir "uma teoria das técnicas de psicote-

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rapia em que esteja incluída uma conside- cológicos"; insiste em que, nela, "uma aplicação informada e planejada de téc- baseadas numa teoria do comportamento
ração crítica de algumas de suas bases pessoa formada estabelece cieliberada- nicas que são derivadas de princípios normal e patológico", sendo que se preci-
ideológicas" — projeto bem concebido mente uma relação profissional com o pa- psicoiógicos estabelecidos". Estas técni- sa uma "ligação emocional sólida" para
pelas suas intenções, mas cuja execução ciente", com os objetivos " 1 . " de elimi- cas seriam aplicadas "por pessoas que, a consecução destas metas.
não faz justiça à pretensão anunciada. nar, modificar ou retardar os sintomas pela formação e experiência, se qualifica- A orientação que se reflete nesta com-
existentes, 2." de influenciar modos per- ram para isto". Como objetivo da psico- plexa definição é psicológica e médica.
turbados de comportamento e 3." de pro- lerapia, os autores estipulam: "apoiar os E nofadamente a ideia de doença que, se
3.4. A definição do campo mover um crescimento e uma evolução indivíduos para modificar aquelas carac- não aparece explicitamente no texto, pre-
psicoterápico positiva da personalidade". terísticas pessoais, como sentimentos, va- domina nas expressões empregadas: "es-
Percebemos que o autor, embora psi- lores, atitudes e modos de comportamen- tados patológicos" (ou "mórbidos"), "teo-
Pretender definir o campo da atuação quiatra, se situa numa linha mais psico- to, que O terapeuta avalia como desa- ria do comportamento normal e patoló-
psicoterápica corresponde a definir (ou a lógica do que médica: não há, em sua juste". gico". De fato, o autor defende a preser-
tentar definir) o que é e onde atua a psi- definição, referência à noção de doença; Aqui também, os autores se situam, de vação da noção de doença, em oposição
coterapia. No segundo capítulo, confron- o psicoterapeuta não é um médico, mas maneira resoluta, numa linha psicológi- a noções psicológicas, como desajusta-
tamo-nos com a análise fcnomenológica "'uma pessoa formada" (ou "treinada") e ca e, mais precisamente, compor-lamentai. mento, para não correr o risco de "re-
que Binswanger fez da palavra psicotera- os objetivos aludem, além da eliminação Não é questão da pessoa, nem dos seus cair num estádio pré-cicntífíco da psi-
pia. Reencontraremos os princípios desta de sintomas, às noções de comportamen- desejos, nem da sua motivação para mo- quiatria".
análise mais adiante (3.7.), procedendo to e de personalidade, como noções e dificar-se: os objetivos a atingir serão fi- A posição médica e a insistência sobre
primeiro ao exame de algumas defini- objelívos claramente não médicos. Em re- xados pelo terapeuta, que determinará o as virtudes do "discurso médico" caracte-
ções propostas por diversos autores. Há, lação a estes três objetivos, o autor dis- que deve ser considerado como "desajus- rizam, pois, esta definição, mesmo se elas
no entanto, autores que omitem definir o tingue, de fato, em seguida, entre três tamento" ou "desadaptação". A atitude se coadunam com uma perspectiva social
campo e a atuação do psicolerapeuta. As- tipos de psicoterapia: aqueles que visam normativa c direliva deste terapeuta se apreciável, se pensarmos na noção de
sim, por exemplo, ouve-se que "psicote- influenciar os sintomas, o comportamen- destaca, pois, com nitidez. consenso entre terapeuta, paciente e o gru-
rapia é tudo aquilo que um psicotera- to ou as atitudes, e a personalidade pro- Mencionamos uma terceira definição, po de referencia, como a família ou a
peuta profissional faz" (em Strotzka, funda. bem diferente das anteriores. Strotzka comunidade.
H.) (17), o que, obviamente, não corres- Porém, o portador dos "problemas de (1978) (17) expressa-se assim: "Psicote- As três definições analisadas nos pa-
ponde a uma definição, mas a unia saída natureza emocional" estranhamente está rapia é um processo interacional cons- recem reflelir três orientações teóricas e
pela tangente diante de uma dificuldade ausente, mas reaparece depois sob a for- ciente c planejado que visa influenciar, clínicas bem diferentes; poderíamos citar
que caberia enfrentar. ma do "paciente" com o qual se institui mediante meios psicológicos verbais e outras, mas elas sempre vão correspon-
Bem é verdade que nenhuma ciência uma "relação profissional"... Com a averbais, distúrbios de comportamento e der, de perto ou de longe, a uma destas
começa por uma definição clara do seu omissão ou até eliminação da pessoa afe- estados patológicos que são consensual- três linhas de atuação psicoterápica, se-
campo ou do seu objeto, e que a elabo- tada de "problemas emocionais", cabe in- mente considerados como necessitando guindo quer uma psicologia de vaga ins-
ração teórica se processa ao longo de dagar, no entanto, se não se elimina tam- de um tratamento". O autor insiste em piração psicanalítica, quer uma psicolo-
todo um percurso de pesquisa e de re- bém o aspecto da subjetividade, do "su- que este consenso deverá ocorrer "se gia comportamcntal ou uma abordagem
flexão; não obstante, quando se trata de jeito" que carrega estes problemas, com a possível entre paciente, terapeuta e gru- medico-psiquiátrica.
uma prática que envolve outrem, a exi- sua conseguinte transformação em "pa- po de referência"; como meta, estipula Diante da multiplicidade dos aspectos
gência de pensar sobre esta atividade e as ciente", isto é, em alguém que, passiva- que o processo se direciona "para um enfocados nestas definições, percebe-se
suas implicações se faz, por razões tanto mente, se submete ao tratamento. . . objetivo definido e elaborado, se possível, mais uma vez a complexidade do fenóme-
éticas quanto científicas, particularmente em comum (minimização dos sintomas no psicoterapia, a influência das atitudes
Voltaremos mais adiante a estas impli-
premente. e/ou mudança estrutural da persona- e opções pessoais dos seus autores (que
cações. Por enquanto, citamos uma se-
lidade)". podemos chamar de ordem ideológica:
Wolberg (1967) (11) define psicotera- gunda definição de psicoterapia, desta
pia como "o tratamento de problemas de vez de Meltzoff & Kornreich (1970) (18). Finalmente, estes objetivos seriam al- não há definição neutra.. .), bem como a
natureza emocional mediante meios psi- Segundo eles, psicoterapia consiste "na cançados graças a "técnicas ensináveis e necessidade de chegar-se a uma visão

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mais integrada da aluação psicoterápica séculos, clínico (significando, etimologi-
junções psíquicas, do mesmo modo que a mo designar então a pessoa que, no cam-
— no interesse daqueles que a procuram camente, leito, ao leito, acamado) foi psicologia geral estuda as suas funções. po clínico acima definido, está à procura
e no interesse, novamente, da sua cienti- considerado como sinónimo de atuação O campo clínico no qual atua o psíco- de uma psicoterapia? A palavra ' cliente"
ficidade e ética. médica, um pouco como — não pode- terapeuta se define, pois, pelos proble- é muito comum, hoje em dia, sob a in-
Em nosso entender, pois a psicolera- mos resistir à tentação de fazer o cotejo mas psicopatológicos que nele se en- fluência da psicologia americana. Ela tem,
pia consiste numa ativiáade clínica, que — a psique foi considerada sinónimo de contram. Esles problemas podem ser sem dúvida, uma conotação de consumo
se desenvolve no campo clínico e traía de consciência e de racionalidade. A partir entendidos e classificados segundo os ou de marketlng, aproximando-se de
problemas clínicos. da psicanálise, no entanto, a noção de critérios mais diversos, inclusive não- "freguês", devido à ênfase implícita ao
Isto já decorre da palavra terapia, con- psique foi ampliada, incluindo a dimen- -científicos. Mas nisto, um clemenlo- intercâmbio comercial, obedecendo às leis
siderada tradicionalmente como aquela são do inconsciente, para grande escân- -chave não pode faltar: que eles sejam da demanda e da oferta; no entanto, im-
parle da medicina que "estuda c aplica dalo dos filósofos e outros profissionais abordados como problemáticas humanas, plica também uma opção, uma ação cons-
os meios adequados para aliviar ou curar do pensamento cartesiano; pela psicaná- necessitando portanto de uma compreen- ciente de busca de alguma mudança: se
os doentes". No enlanlo, pela evolução lise c pelas teorias de aprendizagem e de são antropológica, no sentido mais amplo chega a consultar e depois a entrar numa
das disciplinas psicológicas e sociais, comunicação, foi ampliada a noção de do termo, e de uma referência à imagem relação psicoterápica qualquer, 6 que o
bem como pela dificuldade da psiquiatria clínico, acrescentando às "doenças men- do homem (bem como à eosmovisão) que cliente o quer pessoalmente, uma vez
cUíssica em definir positivamente etiolo- tais" os conflitos, desajustes, transtornos inevitavelmente implicam. que poderia dizer "não" a este seu enga-
gia, patogênese e nosologia das "entida- de personalidade, desadaptações e outras jamento.
Cabe pergunfar-se se a psicopatologia,
des mórbidas", é óbvio, hoje em dia, que dificuldades de ordem psíquica ou social. O voluntariado deste engajamento,
entendida destarte como uma disciplina
não se pode restringir o campo psicote- pois — ou ainda, o seu aspecto "liberal"
Mas nem por serem não-médicas, estas básica para a psicoterapía, pode dispen-
rápico à aplicação médica. — se destaca bem pelo termo "cliente".
dificuldades deixam de ser "clínicas", no sar a noção de "doença", e em particular
A esse respeito, já vimos acima que os sentido de — mesmo sem referência a aquela de "doença mental", sem que se Mas vejamos nele mais dois inconvenien-
três modelos teóricos predominantes na caia num empirismo claudicante ou até tes. Em primeiro lugar, a referência a
uma doença ou a um quadro mórbido or-
psic o terapia moderna foram elaborados pragmático, mas sem princípios. Esíe pe- uma certa passividade. Apesar da pro-
gânico —• implicar um sofrimento que,
fora do âmbito psiquiátrico, se não em rigo, ao nosso ver, realmente existe, mas cura deliberada, incluindo uma ação, é o
quando suscita um desejo de mudança e
oposição a ele. Os seus integrantes, na acreditamos que ele possa ser contorna- "cliente" que "recebe" algo, em maior
um pedido de ajuda, contém uma neces-
verdade, mais se interessaram em erigir do por uma reflexão rigorosa (v. 3.5). ou menor grau de dependência e passivi-
sistemas e classificações nosológicas cor- sidade de tratamento.
Ademais, o perigo contrário parece-nos dade, do "outro" que "está dando". Im-
respondendo ao enfoque orgânico e Definir assim o clínico como uma di- pesar ainda mais sobre a prática psicote- plica portanto uma prestação de serviço
"científico" da "doença mental" c em de- mensão humana que ultrapassa a medi- rápica, a baber, aquele de "coisificar" a que o cliente "compra" do terapeuta,
fender a hegemonia sobre a área, do que cina, englobando o pathos, a interação pessoa doente em favor da sua suposta submetendo-se ao saber e às técnicas
em preocupar-se com a investigação da "pática" entre psiquismo, organismo e doença (mental) e de levar assim a uma deste. . .(19).
dimensão psíquica do ser humano. ambiente, como sendo aquilo que deter- rotulação do paciente, com toda aquela
mina antropologícamente a existência do Em segundo lugar, o recurso a esse ter-
Esta foi e continua sendo o apanágio esligmatização social bem conhecida mo deve ser considerado, pelo menos im-
das ciências do homem. È a partir destas homem, não quer dizer, em absoluto, que (labeling ejject).
se deva abrir mão de critérios rigorosos plicitamente, como uma tentativa de
que foram desenvolvidos instrumentos de contornar os problemas da patologia psí-
para definir esta dimensão. £ noladamen- Devemos e podemos, portanto, abrir
intervenção e de tratamento psicológico. quica e os tabus a esta associados. Falan-
te o estudo da psicopatologia que se tor- mão, em psicopalologia e psicoterapia, da
Porém, se destarte elas se afastaram e se do-se de cliente, os seus problemas psico-
na imprescindível para quem quer, futu- noção médica cie doença e de doente, em
diferenciaram cada vez mais do campo patológicos são negados ou, ao menos,
ramente, aluar neste campo clínico hu- benefício desta pessoa que luta com difi-
médico, quer isto dizer que as suas apli- minimizados.
mano. Contudo, a psicopatologia não se culdades de ordem psíquica, e sem que
cações se tornaram necessariamente
refere apenas à nosografia psiquiátrica, isto implique perder rigor e eficácia no De fato, não há dúvida de que,
"não-clínicas". . . ?
mas é essencialmente uma disciplina psi- seu atendimento. até hoje, o patológico assusta e discrimi-
A resposta a esta quentão dependerá de Por conseguinte, não falaremos mais, na, tanto mais quanto se trata de "pro-
cológica, que estuda e classifica as ííís-
como nós definimos "clínico". Durante daqui por diante, de "doentes". Mas co- blemas mentais". Sofrer de tais proble-

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mas é extremamente mal visto, em nossa ta (imagem errónea muito difundida!), namento com os outros, algum sofrimen- como os objetivos almejados ou prome-
sociedade, seja tão-som ente sob forma de mas se analisa, na transferência com e pe- to humano deve estar presente (e deve tidos.
um "desajuste" ou de uma "desadapta- rante este parceiro singular, "diretor" do estar percebido) para que o sujeito, reco- Pode até acontecer que estas premis-
ção"; falar de "cliente", então, ao invés processo analítico, mas não o seu agente. nhecendo-se "paciente" sofrendo de al- sas sejam fundamentadas mais ou menos
de "paciente", equivale a contornar este No que tange ao parceiro do psicotera- gum mal, se decida a recorrer a um tra- sistematicamente — mas isto não quer di-
tabu — mas instaura e reafirma, pelo peuta, o mais correto então seria falar em balho psicoterápico. Desta forma, ele in- zer que elas sejam, por isso, psicoterápi-
mesmo fato, a bem conhecida segregação "terapeutizante", neologismo, é preciso gressará no campo clínico, situar-se-á cas, ou se disponham para uma atuação no
entre normal e patológico. Como se o pa- convir, que não faz sentido. nele como necessitando de uma ajuda ou campo clínico. Assim sendo, a ação psico-
tológico não fizesse parte da existência Na falta de um termo mais adequado de uma intervenção "clínica", isto é, psi- lógica do pedagogo, a ação psicológica do
humana, como se ele pudesse ser evitado, que traduza a atividade e a responsabili- coterápica — e, pelo fato mesmo, distin- assistente social, do conselheiro conjugal
e como se a pessoa que sofre de dificul- dade que, em nosso entender, deve fazer guil-Be-á de pessoas que estão à procura ou do sacerdote, pode basear-se em todo
dades de ordem psicopatológica, fosse parte do processo psicolerápico, damos de uma ajuda ou intervenção psicológica um programa de formação e cm amplos
um "menos", um marginal, um excluído preferência à palavra "sujeito", que ao não-clínica. conhecimentos científicos ou pré-científi-
da sociedade... menos implica uma participação subjeti-
Com efeito: a psicoterapia, enquanto cos, mas nem por isso corresponderá a
Diante deste exorcismo, reafirmamos va daquele que se "submete" ao trata- uma ação psicoterápica. Para esla, a refe-
mento. Quanto a cliente ou paciente, pre- terapia situada no campo clínico acima
pois o valor plenamente humano do pa- definido, dislingue-se da ampla gama de rência psicopatológica será decisiva.
ferimos ainda esla última palavra, por-
tológico, conforme o "princípio de cris- práticas psicológicas não-clínicas. Insistir
que conota algum sofrimento e se refere Com isto, não queremos dizer que um
tal" acima mencionado, e não tememos a sobre esta diferença não é desvalorizar ou
mais diretamenle ao campo clínico que efeito psicoterápico não possa advir por
palavra "paciente". Conotações de pas- criticar outras práticas psicológicas, mas
tentamos aqui cercear como sendo o cam- métodos e intervenções que não sejam psi-
sividade marcam, aliás, tanto o termo po da atuação psicoterápica. simplesmente delinear a atuação das di- coterápicos, no sentido próprio da pala-
"paciente" quanto o termo "cliente". versas práticas, uma vez que a confusão
Não obstante a nossa recusa em reter vra. Uma dinâmica de grupo, um grupo
Com ambos os apelidos, a ação, o agir das atribuições, competências e objetivos
as noções de doença e de doente para de- de encontro ou uma sessão espirita po-
terapêutico é relegado às mãos do outro, sempre só faz prejudicar o desempenho
finir este campo, é certo que o sentimen- dem perfeitamente alcançar uma mudança
do terapeuta, investido, destarte, de um sério e responsável do profissional.
to de um mal-estar, psíquico ou físico, comparável a um efeito psicoterápico,
grande poder e de uma grande responsa- Portanto, há muitas práticas ou técni-
deve estar presente para que determina- mas este efeito será por assim dizer aci-
bilidade. cas psicológicas que não são clínicas e
do sujeito se decida a consultar. Este sen- dental, pois não decorre de uma ação
No extremo, isto pode significar timento pode ate referir-se a uma doen- que não fazem parte do campo psicote- executada ad hoc e nem sempre foi pro-
que o paciente ou cliente se desrespon- ça, pode incluir uma convicção de "estar rápico. Pensamos nos grupos de sensibi- curado propositadamente.
sabiliza da sua problemática e da con- doente" — no caso do paciente psicos- lização ou de encontro, na dinâmica de Este propósito nos parece essencial
duta terapêutica a adotar, e se reme- somático, por exemplo. Mas cabe a nós, grupo, nas sessões espíritas, sugestivas ou para definir uma atuação psicolerápica:
te inteiramente ao poder terapêutico (ou ao clínico, investigar se se trata de uma hipnóticas, nas consultas a cartomantes se a psicoterapia pretende ser reconheci-
mágico. . .) do "agente". Deste, ele "re- doença, isto é, de um achaque orgânico, ou clarividentes, na orientação espiritual, da como disciplina científica, ela tem que
cebe" ou "sofre" a intervenção, destina- ou se atrás deste sentimento de "estar pastoral ou moral, nos objetivos de trei- esforçar-se em elaborar uma base teórica,
da a pôr fim ou a aliviar os seus acha- doente" se situam problemas não orgâni- namento, de aprendizagem, de cresci- a partir da qual possa justificar os seus
ques, sem que tenha que assumir ou, no cos, isto é, problemas de ordem psíquica mento pessoal, de iniciação religiosa, eso- conceitos, os seus métodos, objetivos,
mínimo, participar no trabalho tera- ou psicossocial. Ao proceder a esta inves- térica ou mística — todas ações psicoló- propósitos e intervenções. Portanto, como
pêutico. tigação, poderá ser necessário recorrer a gicas interpessoais, onde um agente quer já frisamos acima, ela tem que saber o
Faz falta portanto um vocábulo mais exames complementares, onde o trabalho transmitir algo que influencie e modifi- que está fazendo, como e por que o está
ativo, como nós o temos cm psicanálise. em equipes interdisciplinares será evi- que o outro. Este, à procura de mudança, fazendo. A seriedade científica, a trans-
O parceiro do psicanalista deveras não é denlemente de grande valia. submete-se aos procedimentos encenados missibilidade e a responsabilidade ética
o psicanalisado, mas o "analisante", uma Seja como for: sentir-se doente, sen- pelo agente e aceita, pelo menos implicita- dependerão destes critérios, sem os quais
vez que ninguém é analisado pelo analis- tir-se mal consigo mesmo ou no relacio- mente, as premissas de sua atuação, bem corre-se o perigo de deslizar para o im-

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proviso ou o eclctismo, senão a charla- prática psicoterápica e para evitar, deste cologia. Neste sentido, implica uma for nido, não implica prejuízo para o sujeito
tanice. modo, o confronto com o corpo medico mação de pós-graduação, no sentido que se engaja na relação psicoterápica.
Voltaremos abaixo às diversas relações — confronto que não deve ser evitado ou amplo; o candidato a psicoterapeuta a Este material nos é apresentado pelos
psicológicas e às suas diferenças, distân- contornado artificialmente, mas enfren- realizará segundo a opção teórica ou a li- conflitos que o ser humano vive, inevi-
cias ou proximidades para com a relação tado a partir de um embasamento teóri- nha que lhe convém, mas que deveria tavelmente, e que, em certas condições,
psicoterápica. Esta, repetimos, merece ser co sólido e de uma reflexão rigorosa sempre abarcar toda a gama das ciências adolam uma dimensão patológica, a sa-
considerada num sentido próprio c estri- sobre a prática clínica humana. do homem, em particular das ciências hu- ber, quando não chegam a uma resolu-
to, aquele de intervenção planejada e teo- Neste esforço reflexivo, vale lembrar, manas clínicas. ção "fisiológica".
ricamente fundamentada no campo hu- será de suma importância lançar mão das A ideia de conflito merece alguns
mano das difieuldades psicopatológicas diversas contribuições das ciências do ho- comentários. A "Psicologia do Confli-
(a serem definidas no próximo capítulo). mem, referências indispensáveis para che- 3.5. A definição do material to"{2!) corresponde a uma visão do
Neste sentido próprio, pois, pode-se dizer gar-se a uma compreensão aprofundada psícoterápieo psiquismo humano como essencialmente
que a psicolerapia, como disciplina cien- do homem "pálico" que todos somos, tra- conflituoso, islo é, dividido. Segundo es-
tífica, corresponde a uma tentativa de vando luta sem trégua com dificuldades ta visão, o ser humano não dispõe de
Depois de ter definido o campo de
compreender, sistematizar e articular as físicas e psíquicas de todas as espécies, uma totalidade harmoniosa: dividido,
atuação do psicoterapeuta como sendo o
práticas psicológicas ou psicoterápicas bem como para superar os relentos de se- ele c não-idêntico a si mesmo, mas se
campo clínico, cabe agora perguntar-se
pré-científieas: práticas xamanísticas, es- gregação entre normal e patológico, sem- desenvolve através de oposições dialéti-
qual o material com que se trabalha nes-
piritistas, intuitivas, mágicas c outras, pre prestes a levantar a cabeça e a infil- cas.
te campo. Como já frisamos acima, não
com o intento de elaborar teorias e técni- trar-se ideologicamente em nossos afos e pode aí tratar-se de "doenças", uma vez De fato, a noção de conflito implica
cas metodologicamente verificáveis, per- debates. que o campo clínico, em nosso enten- um antagonismo entre duas ou mais ins-
mitindo uma avaliação criteriosa a partir
Neste sentido, a introdução do "acon- der, não se confunde com o campo mé- tâncias ou partes, opondo-se em função
de práticas milenares.
selhamento", a cavaío sobre a psicotera- dico; o maferial, portanto, tem que ser de interesses divergentes. Ora, falando-
Nesta perspectiva, não se trata de cor- pia e a orientação psicológica(20), cor- outro — embora é claro que se possa -se de "interesses", torna-se óbvio que
tar os vínculos com as práticas antigas, responde mais a uma resposta ideológica questionar a própria noção de "material", nós nos situamos num campo humano
em favor, por exemplo, de resultados ex- do que científica, equivalendo ainda, uma vez que em psieoterapia, o ser hu- que ultrapassa o aspecto meramente so-
perimentais obtidos em laboratórios; quem sabe, a uma tentativa de apro- mano conta como unidade integrada, e mático ou orgânico, fazendo intervir os
aquelas são reconsideradas à luz de no- priar-se (pscudocícntificameiite) de uma não como um "material" qualquer. seus componentes psíquicos ou psicosso-
vos conceitos e metodologias, com vistas determinada fatia do mercado " p s i " . . . Vimos no capítulo 2 que Binswanger, ciais. De fato, à luz de dados antropo-
ao seu aprimoramento e a sua operacíona- Da definição do campo psícoterápieo criticando a própria palavra psieoterapia, lógicos universais, a evolução humana
lização refletida. como acima esboçada, decorre uma últi- rejeita a ideia de uma "psique" que se- caracteriza-se por crises e por conflitos
Ocorre, no entanto, que a distinção ma consequência: a prática psicoterápica ria consertada mecanicamente, como por não somente inevitáveis, mas ainda ne-
entre psicoterapia e outras intervenções corresponde a uma pratica profissional um ato de cirurgião: a psieoterapia não cessários e estruturanles para o homem.
psicológicas encontra dificuldades, não especializada. Esta será exercida a um ní- se aplica a uma "máquina", mas envol- Estas crises c conflitos não representam
somente por causa de efeitos terapêuticos vel não somente técnico, assistencial, edu- ve duas pessoas numa interação muito cm si nada de patológico — pelo con-
ocasionais, mas em função de definições cacional ou de treinamento, mas clínico, especifica. Nesta interação, a pessoa do trário, assinalam as etapas de sua ma-
e delineamentos insuficientes. lendo para isso que assumir a contradi- "paciente" está presente em sua totali- turação e as diferenças que marcam o
Isto vaie em particular para o "acon- ções do ser humano e as repercussões dade, como um corpo animado, como seu desenvolvimento singular, tanto quan-
selhamento", definido em geral de ma- psicopaíológicas que estas provocam. uma alma encarnada, a serem "tratados" to a convivência humana.
neira bastante nebulosa. Cabe pergun- Necessariamente, uma tal prática exige em conjunto, em suas repercussões "psi- Exemplificaremos brevemente a que di-
tar-se até que ponto esta disciplina não uma formação profissional aprofundada e cossomáticas" recíprocas. . . ferenças e conflitos psíquicos ou psicos-
foi introduzida no Brasil (por importação contínua, ultrapassando de longe a defi- Não obstante, parece-nos pertinente fa- sociais — em suma, antropológicos —,
do counseling americano) precisamente ciente formação académica de graduação lar, especificamente, de um material que estamos nos referindo. Universalmente,
para contornar as implicações clínicas da que oferecem as nossas faculdades de psi- é trabalhado, o que, devidamente defi- os homens têm de se confrontar, em sua

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vida, com duas diferenças fundamentais, boça c se cristaliza: a "resolução do material sobre o qual se trabalha, uma uma problemática que se situa nele, e
independentes de qualquer cultura ou Édipo" dependerá da maneira pela qual vez que somente representam a manifes- não fora dele. Neste último caso, aliás,
época — confronto, aliás, cujas vicissi- a criança consegue situar-se em sua linha tação externa e não as "causas" das di- de achar que se sofre em função de cau-
tudes transformam esta vida num per- genealógica, explicar-se com os seus pais, ficuldades deste ou daquele paciente. As sas ou razões externas, a pessoa rara-
curso histórico, vivido e experimentado assumir a sua posição de filho ou de "causas", nós as vemos precisamente nos mente se constitui "paciente" disposto a
subjetivamente. Trata-se das duas dife- filha, identificar-se com seu corpo se- conflitos (não resolvidos) que, embora consultar, mas tenta atuar sobre estes
renças de geração e de sexo. xuado e integrar-se em seu papel se- não-patológicos em si, referem-se às ar- problemas externos, ou, ainda, apresen-
Com efeito, não há como não encon- xual(22). ticulações da estruturação humana on- ta-se como vítima destes, proclamando-
trar estas duas diferenças, naturais e Neste sentido, pois, ninguém nasce co- de, em conseqiiência de particular vulne- -se atingida, por exemplo, pela injustiça
inevitáveis não somente no homem, mas mo homem ou como mulher, mas tem rabilidade, processos patológicos podem social.
em todo ser vivo: nós todos descende- que tornar-se homem ou mulher, atra- iniciar-se.
É indispensável, pois, que o sujeito te-
mos de genitores que existiam antes de vés de todo um processo de identifica- Os conflitos que aí temos em men- nha aíguma consciência da origem das
nós, inserindo-nos num dos dois grupos ção consigo mesmo e com o outro, pelo te são, portanto, conflitos interiorizados, suas dificuldades e não tente impufá-las
sexuais que diferenciara os seres vivos. qual a bissexualidade inata chega pau- dispondo de um alto potencial patogêni- a situações externas, a serem invocadas
Ao dizer, no entanto, que se trata aí latinamente a definir o seu rumo, a crian- co e podendo produzir tanto micro quan- como bodes expiatórios; somente reco-
de duas diferenças "naturais" não abar- ça a definir sua identidade. to macropsicopatologias: micro no senti- nhecendo que há algo de errado nele, é
camos a totalidade, nem o essencial da- Nesta complexa evolução, múltiplos do de "psicopaíologias da vida cotidia- que o sujeito se sentirá motivado a ini-
quilo que diferencia os seres humanos. deslizes podem ocorrer, deslizes que for- na" (para falar com Freud), macro no ciar uma psicoterapia ou a procurar uma
Se estas diferenças se limitassem aos as- marão as diversas manifestações psico- sentido de disfunções e desordens afeti- ajuda psicológica qualquer. Sem esta mo-
pectos biológicos da descendência de de- patológicas. A grosso modo, é possível vas que afetam o sujeito de modo glo- tivação, não terá a paciência de ser "pa-
terminados reprodutores e da matrícula considerar as desordens psicóticas co- bal ou parcial, provocando sintomas, ciente" e de submeíer-se a um trabalho
sexual anatómica, elas não suscitariam mo decorrentes de conflitos de geração transtornos de personalidade ou desvios de psicoterapia, na maioria das vezes
aqueles conflitos que, psicológica e cul- (problemas ligados à identidade e á filia- de caráter — enfim, que o fazem so- bastante longo, sofrido e oneroso.
turalmente, deixam marcas "páticas" no ção), atribuindo-as (não exclusiva mas frer em uma área qualquer (ou em to-
Em determinadas pessoas e em deter-
ser humano. Mas eis a incidência cultu- preferencialmente) ao eixo das diferen- das) da sua vida pessoal.
minadas categorias de dificuldades psieo-
ral no desenvolvimento psicossocial do ças entre gerações; por outro lado, as Contudo, este sofrimento, para nós, não patológicas, esta consciência faz falta,
homem: pela interdição do incesto, prin- desordens neuróticas vinculam-se nitida- se constitui em "doença". Discordamos, ao ponto de nem existir, às vezes, sen-
cípio organizador fundamental da socie- mente a conflitos da áTea sexua! (ou ain- portanto, de Schneider (op. cit.) (15), sibilidade para a dimensão psíquica in-
dade humana, as diferenças de geração da, do Édipo propriamente dito), dizen- quando formula que os conflitos interio- terna. De fato, há muitas pessoas que
e de sexo se transformam em problemá- do respeito à aceitação da diferença de rizados "se desenrolam no interior mes- negam a importância da vida interna (ou
ticas psicológicas, em encruzilhadas con- sexo. Parece-nos que esta distinção, aqui mo do psiquismo do sujeito doente": di- negam mesmo a sua existência) •— o
flitantes que temos que atravessar e re- tão-somente mencionada, tem um valor ficuldades de ordem psicológica, sejam que não significa que não possam so-
solver. tanto didático quanto clínico. elas "macropatoiógicas" no sentido de frer de conflitos psíquicos. Mas negan-
Esta travessia, pode-se dizer, represen- Segundo estas considerações, pois, a produzir sintomas neuróticos ou psicóti- do a sua possível origem interna, esta-
ta o processo de humanização da crian- estrutura fundamental do psiquismo hu- cos, não são "doenças". Uma perspec- rão sem motivação para uma abordagem
ça, tarefa complicada cuja resolução mano é conflituosa, sendo tais confli- tiva mais ampla, mais antropológica do psicológica ou psícoterápica, podendo até
compete a cada um de nós — resolu- tos responsáveis, quando não ou insufi- que medica, será aqui de rigor. defender-se virulentamente contra uma
ção, no entanto, que está longe de se cientemente resolvidos, por perturbações A insistência sobre a qualidade inter- ta! insinuação.
passar tranquilamente e sem conflitos, psieopatológicas e pela formação de sin- na destes conflitos não é supérflua. Com E o caso notadamente dos chamados
e que sempre deixa traços na persona- tomas. Se é com estas perturbações que efeito, 6 condição sine qua non para a "pacientes psicossomáticos", em que pese
lidade que aos poucos se forma. lida o psicoterapeuta em sua prática (e possibilidade de um trabalho psicoterá- sua obstinação em se declarar "doente
Percebe-se que é o próprio "Complexo se é por causa deias que o paciente o pico que o paciente reconheça que o seu orgânico", sem levar em consideração e
de Édipo" que nesta encruzilhada se es- procura), elas, não obstante, não são o sofrimento pessoal seja condicionado por sem dar espaço à dimensão psíquica dos

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seus achaques (se não da existência co- psicofenípico, pela dificuldade intrínseca
mo um todo). Este aspecto, capital para flitos internos que causam um mal-eslar É extremamente raro que uma cor-
(pelo menos inicialmente) de aceitá-lo.
a questão da indicação terapêutica, será ou um sofrimento do qual o próprio su- rente filosófica, antropológica ou psico-
Cabe ao psicoterapeuta discernir os
tratado mais adiante, num capítulo espe- jeito não consegue libertar-se. lógica conteste esta visão dualista; ela
possíveis conflitos presentes no paciente
cífico. lmpõe-se uma última especificação a se deixa avaliar e interpretar diferente-
que o consulta. Eis a tarefa das entre-
respeito destes conflitos. Falamos acima mente, segundo as premissas de cada
Da mesma forma, será difícil ou mes- vistas iniciais: discernir, detectar estes
da necessidade do sujeito ter "alguma eortente; pode ser negligenciada ou, ao
mo impossível trabalhar em psicoterapia conflitos e avaliar a capacidade (e a mo-
consciência da origem das suas dificul- contrário, valorizada e investigada; po-
com pessoas que percebem a existên- tivação) do sujeito de elaborá-los num
dades". Com isto não queremos postu- de ser reconhecida implícita ou explici-
cia de conflitos, mas os situam jora de trabalho psicoterápico(23).
lar que tenha que ter "plena consciên- tamente, mas sempre aparecerá, seja
si; ao invés de intrapessoais, elas os vêem Nesta tarefa c!c discernimento, a ex- tão-somente em forma de filigranas. Vi-
cia" dos seus conflitos; pelo contrário,
como interpessoais, atribuindo as causas periência clínica e a formação pessoal se- sões monolíticas, como aquela do beha-
temos que admitir que estes são essen-
das próprias dificuldades (ou a culpa rão de grande valia; de fato, o psicote- viorismo estrito (Watson) e de outros
cialmente inconscientes. Ademais, é por
por estas) "aos outros". Psicopatas ou rapeuta deve saber (e deve experimen- sistemas, tributárias de um meeanicismo
causa desta ancoragem no inconsciente
paranóicos, como costumamos rotulá-los, tá-lo) que, como ser humano, é o palco extremo, têm vida curta c são rapidamen-
que o potencial palogénico destes se tor-
não terão nenhum motivo para questio- de conflitos semelhantes àqueles dos seus te substituídas por visões mais abran-
na tão temível.
nar-se a si mesmos — no que consiste pacientes — com a diferença, obviamen- gentes, mais coadunáveis com a expe-
te, que os seus próprios conflitos já de- Não temos, pois, nem acesso nem apre-
precisamente grande parte do trabalho riência humana em sua vertente subje-
vam ter sido resolvidos. Se isto nunca ensão direta da sua presença e atuação
psicoterápico — e não sentirão a neces- tiva.
oeorre totalmente, ao menos deveriam dinâmica; podemos tão-somente inferi-
sidade de elaborar os seus conflitos in- -los, detectá-los, adivinhá-los — e tra-
eles ter sido trabalhados (ou "analisa- Como é precisamente esta vertente
ternos: em sua perspectiva, cabe "aos balhar sobre eles, e é nisto que consiste
dos") o suficiente, para que tenha cons- subjetiva que nos interessa na clínica
outros" resolver as dificuldades, uma vez precisamente o labor do processo psico-
ciência e controle sobre eles, para que psicoterápiea, o dualismo entre conscien-
que estes é que as criaram. terápico.
não interfiram em sua atuação clínica. te e inconsciente (que recobre, em par-
Um caso particular representam aqui Subjacente a esta consideração, con- te, o dualismo entre o objetivo e o sub-
Os conflitos dos quais falamos podem frontamo-nos novamente com uma ima-
os adolescentes e as crianças. Neles, a jetivo), experimentado por nós Iodos
ser das mais diversas espécies. Eles com gem antropológica: o ser humano não
consciência de um conflito intrapsíquico cerleza não se limitam àqueles decorren- (basta pensarmos nos sonhos) e teoriza-
raramente está presente — pelo contrá- somente é conflituoso, mas ainda pro-
tes dos dois eixos diferenciais dos quais do pela psicanálise, ê de particular rele-
rio, na maioria das vezes ele é negado, fundamente dividido em si mesmo, en-
falamos acima, mesmo se estes represen- vo para a compreensão do homem e dos
de tal forma que o jovem c levado à tre a sua consciência (o seu "Eu") e
tam a matriz da estruturação psíquica seus conflitos. É a esta concepção, pois,
consulta pela família. Esta questão tam- uma parte inconsciente que não domina,
conflituosa do homem. mas cjue o determina. a esta imagem antropológica que faze-
bém será tratada mais adiante; limitamo- mos referência, como concepção apta a
As configurações históricas específicas Pelo menos é esta a concepção do ser
-nos aqui a frisar que as numerosas pes- de cada sujeito serão decisivas para a fundamentar uma abordagem psicológi-
soas que negam ou ignoram a dimensão humano que desenvolve a psicanálise.
forma e o tipo do conflito que chega ca e psicoterápiea do homem, que faça
psíquica interna e os seus possíveis con- Não entramos em detalhes a este respei-
a vivenciar. Estes podem tocar a valo- justiça tanto à sua complexidade quan-
flitos não são passíveis de uma aborda- to. Basta mencionar que esta imagem do
res humanos ou transcendentais, a repre- to aos seus conflitos e sofrimentos in-
gem psicoterápiea no sentido estrito da homem dividido, parte integrante e ex-
sentações conflitantes sobre sexualidade, plícita da teoria psieanalítica, é tão an- ternos.
palavra. Elas poderão ser atendidas me- relacionamento, agressividade e compe- tiga como a humanidade, e se encontra Resumindo, consideramos que são os
diante outras formas de tratamento psi- tição, a percepções interiorizadas ou a nas mais primitivas concepções do ho- diversos conflitos inconscientes, histórica,
cológico ou sócio-terapéutico, como te- símbolos, à busca de sentidos existenciais, mem a respeito de si mesmo. Ela faz isto é, subjelivamente formados, que
rapias de apoio, de relaxamento, técni- a contradições oriundas de ambivalên- parte da filosofia ocidental, dos pre-so- constituem o material com que se traba-
cas comportamentais, ocupaeionais ou de cias profundas, a imagens parentais, a crátícos até os existencialistas, e deter- lha em psieoterapia, para que o sujeito
reabilitação, entre outras, mas não con- necessidades compulsivas de repetir con- mina a filosofia oriental — com mati- chegue, graças a esta elaboração feita a
seguirão tirar proveito de um processo dutas alheias. . . Mas sempre serão con- zes muito diferentes, é verdade. dois, a uma libertação interna (v. 3.9.).

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3.6. A definição das qualidades co", "o político" etc. •— com o qual será mentos básicos citados. Além disso, a aumentando o autoconhecímento c a au-
pessoais necessárias confrontado em seu trabalho futuro. questão técnica dependerá intimamente toconfiança.
à psicoterapia Sem o interesse por estas dimensões, da opção por uma ou outra orientação Em suma, o psicolerapeuta tem que
sem o esforço em penetrá-las pelo estu- ou linha teórica, razão pela qual nos con- dispor de certas qualidades "em espe-
Para que a entrada em psicoterapia do contínuo, visando adquirir conheci- lentarmos aqui em mencioná-la como ter- lho", para poder servir de refletor ao
seja possível, a pessoa tem que dispor mentos cada vez mais aprofundados das ceira condição, necessitando, ela tam- seu paciente, no sentido não de apresen-
de algumas características particulares, múltiplas facetas do humano e do seu bém, de reflexão e reciclagem perma- tar-se a ele como um modelo a seguir ou
bem gerais é verdade, mas não obstan- funcionamento dinâmico e dialético, não nentes. a imitar (o que seria a íalta ética su-
te imprescindíveis. Elas são condição se fará psicolerapia. Mas eis uma segun- prema), mas de lhe devolver, de lhe re-
stne qua non para qualquer psicoterapia Postas estas três condições básicas, po-
da condição: não basta ter estes interes- fletír as suas dificuldades e problemas
que merece este nome. demos enumerar uma série de qualida-
ses, mas ainda o candidato tem que ser para que seja ele, o próprio paciente, que
Falando de "pessoas" que necessitam des psicológicas que o candidato a psi-
(ou se tornar) capaz de lidar com este chegue a solucioná-los.
dispor destas qualidades mínimas, pen- coterapeuta deve possuir. Assim, deve
humano em suas manifestações especifi- Podemos caracterizar esta atitude de
samos tanto no paciente quanto no psi- camente psicopatológicas e conflitantes; dispor de uma certa capacidade de in-
tuição, apta a intuir os conflitos profun- espelho como sendo uma atitude "de abs-
coterapeuta. De fato, esquece-se às ve- tem, portanto, de ser capaz de aturar o tinência", pela qual o psicoterapeuta
zes que ninguém nasce psicoterapeuta e confronto com esta dimensão humana, dos do paciente que o procura; deve ser
abdica do seu poder de intervenção e de
que o exercício de sua profissão é con- tem que suportar o impacto que esta po- capaz de identificar-se com ele, colocar-
"modelagem" do paciente, aquele poder
dicionado por requisitos que nem sem- de exercer sobre ele, tem que ter alicer- -se "na pele" dele para sentir e reconhe-
de "fazer a cabeça" do outro; ao invés,
pre se deixam adquirir. Se a formação ces suficientes para não desestruturar-se cer as áreas e a intensidade do seu so-
pois, de desapossá-lo das suas próprias
do psicoterapeuta é importante, a sua neste seu exercício. .. frimento, das suas angústias e dramas forças e responsabilidades, estas lhe são
personalidade o é da mesma forma, e — sem, no entanto, deixar-se envolver remetidas, devolvendo-lhe constantemen-
dela dependem os seus interesses, suas A aquisição de um autoconhecimenlo
pela problemática deste; deve ser capaz te a procura de soluções — bem em
aptidões e aliludes. c de um autocontrole mediante uma psí-
de mobilizar a colaboração do paciente, contraste, sem dúvida, com o seu senti-
coterapia pessoal, visando familiarizá-lo
Enumeramos três condições indispen- com o próprio inconsciente, com os seus criando um clima de confiança e de se- mento de incapacidade, mas representan-
sáveis para que a opção pela "carreira" conflitos e com a sua própria "inquie- renidade que contraste com o seu mal- do, por isso mesmo, uma prova de con-
de psicoterapeuta tenha sentido. Em pri- tante estranheza familiar", bem como a -estar ou mesmo seu desespero e abra fiança e um incentivo para descobrir so-
meiro lugar, o candidato a psicotera- resolução pelo menos aproximativa des- perspectivas novas, de esperança quan- luções, para se descobrir.
peuta tem que interessar-se pelo ser hu- tes conflitos, represenfam aqui etapas to a soluções possíveis; deve saber mo-
Vê-se que estas qualidades psicológi-
mano. Isto pode parecer óbvio, mas é formativas das quais não se pode abrir bilizar-se pessoalmente, engajar-se no seu
cas ultrapassam a "empatia" de uma ati-
preciso insistir sobre este aspecto, uma mão — senão, o risco de não aturar o trabalho, ficando pacientemente na ex- tude afetuosa, compreensiva e de calor
vez que a sua profissão não se resume peso deste;> confrontos se tornará eleva- pectativa ou intervindo quando a situa- humano. Elas implicam uma autodisci-
a um exercício técnico; não é, pois, a do demais. ção o exige; deve ser capaz de se con- plina constante, a renúncia ao exercício
parlir do fascínio pela técnica, tão pre- trolar e se reter, para não ceder à "de-
Cabe acrescentar um terceiro elemen- de um poder que, muitas vezes, é ofe-
dominanle hoje em dia, que se deixa manda", aos pedidos do paciente, à pro-
to, dizendo respeito à formação profissio- recido ao terapeuta e que sempre repre-
iniciar uma formação psicoterápica. cura de um alívio imediato, de uma so-
nal propriamente dita. Visamos aqui o senta uma tentação; porém, cabe a ele
Desta forma, pode-se dizer que as aspecto técnico — necessário, mas insu- lução mágica ou milagrosa, mas para vi- aprender a privar-se deste poder para,
ciências do homem, a antropologia, a ficiente — de como lidar com este hu- sar à resolução dos seus conflitos, gra- modestamente, devolvê-lo ao seu único
psicologia, a sociologia e a filosofia re- mano, presente na situação psicorerápi- ças ao seu próprio esforço e trabalho; depositário legítimo, o sujeito à procura
presentam as portas de entrada pelas ca. Como se trata de trabalhar com esta deve, portanto, ser capaz de devolver ao de auxílio.
quais o futuro profissional poderá sensi- dimensão humana conflituosa, a técnica, paciente o poder (mágico) e o saber (ili- Vejamos agora do lado do paciente,
bilizar-se com a dimensão humana (isto o "saber" adquirido sobre como abor- mitado) que este lhe atribui, para que candidato à psicoterapia (a qualquer uma
é, simbólica e imaginária) da exisfência dá-la, elaborá-la e integrá-la, é de suma os desenvolva nele mesmo, tomando cons- das suas formas), quais as característi-
— com o "antropológico", "o psicológi- importância, mas pressupõe os dois ele- ciência das suas próprias capacidades, cas necessárias para que esta possa iní-
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ciar-se c desenvolver-se. Em primeiro lu- O importante é que haja algum interesse
gar — e novamente parece banal e óbvio para a abordagem psicológica das difi- ca enquanto trabalho sobre os conflitos tante. Somente quando uma tal relação
insistir nisto — ele deve querê-lo, deve culdades humanas, para que nestas se- inconscientes. se estabelece — precisamente a chama-
interessar-se pela abordagem psicológica jam reconhecidos (e devidamente ques- Sem estender-nos mais sobre este as- da "relação psicoterápica" — é que as
(e não médica ou somática) dos seus pro- lionados) os conflitos intrapsíquicos. sunto, cabe todavia mencionar que o de- múltiplas transações dialéticas do pro-
blemas c conflitos. Para que isio seja sejo da pessoa, à procura de uma psi- cesso de uma psieoterapia podem desa-
O primeiro passo da procura por psi-
possível, de tem que, previamente, reco- coterapia, não deve ser confundido com brochar e desenvolver o seu potencial
coterapia dependerá da presença desta
nhecer que há problemas c conflitos de a sua "demanda" ou o seu "pedido"; curativo.
sensibilidade para a dimensão psicológi-
ordem psicológica, que ele é o palco de este sempre será um pedido de cura (se- Como se vê, as qualidades necessárias
ca; é esta que conferirá à motivação a
altercações íntimas que escapam ao seu não de amor) imediata e mágica, alra- ao paciente completam ou refletem aque-
tratar-se um matiz especial, aquele da
controle, ou mesmo ao seu conhecimen- vés ào qual é preciso detectar (e traba- las necessárias ao psicoterapeuta: como
vontade de se questionar e de procurar
to, e que, sub-reptíciamente, desaguam lhar) o desejo subjacente, ou seja, in- em um espelho, simetricamente, ambos
cm si as "causas", as "razões" das difi-
em dificuldades psíquicas e/ou somátí- consciente. Este pode opor-se ao pedido devem interessar-se pela dimensão psí-
culdades sofridas.
formulado (e em geral o faz); pode re- quica do homem e devem ser capazes
Quando falamos de motivação, usamos sistir à entrada ou ao prosseguimento da
Nestas consiste o sofrimento que o ura conceito oriundo da psicologia geral, de desenvolverem e aprofundarem jun-
motiva para consultar, para procurar um que mal se coaduna cora a ideia do in- psicolerapia; pode manifestar-sc sob for- tos a ação introspectiva do trabalho psi-
auxílio. Mas para que este auxílio seja consciente ou de conflitos inconscientes, mas de rcpeliçôes, de atuações, de fugas cológico.
buscado sob a sua forma especificamen- no sentido psicanalílico. Cabe, pois, sa- —• mas sempre deverá ser avaliado c ana- Contudo, isto não quer dizer que este
te psicológica, não basla ser motivado líenlar que, numa visão psicanalílica, se- lisado para que o seu poder destrutivo trabalho consista em debruçar-se reflexi-
pelo sofrimento físico ou moral; algo rá mais pertinente falar em termos de não prevaleça sobre o seu potencial tc- vamente sobre os seus próprios proces-
mais tem que acrescer)tar-sc, a saber, desejo do que em motivação, sendo que rapculicamente aproveitável, a saber, de sos internos. Pelo contrário, uma vez que
aquela qualidade psicológica particular a noção de desejo, pelo vínculo direto desejar engajar-se na cura, estabelecendo estes processos são antes de tudo incons-
que chamamos de introspecção, (Ein- que mantém com a teoria do inconscien- uma relação psicoterápíca sólida o sufi- cientes, um tal esforço reflexivo, basea-
sicht, insight), a aptidão de "intuir-se", te, implica a dimensão propriamente psí- ciente para poder contrabalançar as vi- do na "boa intenção" e no empenho vo-
de "olhar para dentro" e de ver um sen- quica da existência humana. Portanto, o cissitudes negativas deste mesmo desejo. luntarista, mais pode atrapalhar do que
tido em fazer isto. A pessoa que nega desejo de se Iratar por meios psicológi- Uma outra qualidade ainda deve ca- favorecer a ação psicoterápica em profun-
s possibilidade ou o interesse de uma cos deve estar presente na pessoa, ba- racterizar o candidato à psicoterapia: ele deza. Não se trata, portanto, de "fazer
tal atitude reflexiva e introspectiva, po- seado no reconhecimento do sofrimento tem que testemunhar uma tolerância ra- introspecção", mas de se entregar aos
derá ser muito motivada a desfazer-sc pessoal e na aceitação, pelo menos hipo- zoável aos sofrimentos que está enfren- próprios fluxos associativos e de aceitar
dos seus achaques, sejam esles somáticos tética, da sua possível origem em con- tando, uma vez que o processo psicole- o autoquestionamento — o que precisa-
ou psíquicos, mas não terá capacidade flitos internos inconscíentcs(24). rápieo c relativamente demorado e não mente pressupõe o que denominamos,
nem disposição para entrar num proces- propicia alívio imediato da tensão, da an- talvez impropriamente, capacidade intros-
so psicoterápico. Neste sentido, percebe-se que este de- pectiva.
gústia, da depressão e dos outros sinto-
sejo — que se trata de descobrir na
No entanlo, esta capacidade não cor- pessoa e de avaliar — tem alguma vin- mas que motivaram a procura do auxí- Por outro lado, é claro que não há
responde a um valor digiial absotuío culação cora a referida capacidade de in- lio terapêutico. Ligada a esta capacida- simetria em todos os aspectos da com-
("tem ou não tem"), mas pode também trospecção (o que a motivação não tem de de "adiar" a resolução dos sintomas, plexa interação paciente-terapeuta. Onde
desenvolver-se na pessoa, pode crescer necessariamente); não é abusivo, pois, fazendo dependê-la da solução dos con- os papéis e tarefas são muito diferentes,
quando presente de maneira pelo menos considerar a capacidade introspectiva, o flitos intrapsíquicos, está uma outra e uma simetria total até seria contrapro-
rudimentar (quando a negação da dimen- interesse peta dimensão psíquica da vida última qualidade, a saber, aquela de con- ducente, com vistas aos objetivos da te-
são psíquica interna é categórica, será (e o desejo de se "curar") como requi- seguir estabelecer relacionamentos huma- rapia. É tão-somente a respeito das qua-
mais difícil. . .) c quando incentivado de sitos do lado do paciente, e abarcá-los nos profundos e duradouros, no caso lidades psíquicas necessárias ao desem-
maneira adequada, pelo próprio psicote- numa mesma linba do pensamento, aque- com a pessoa do psicoterapeuta, poden- penho psicoterápico que faz sentido fa-
tapeutfi ou por pessoas do seu ambiente. la que valoriza a abordagem psicolerápi- do servir de base e de ponte para a abor- lar de uma tal simetria; paciente e psi-
dagem do material inconsciente confli- coterapeuta devem interessar-se, em co-
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mum, pela abordagem psicológica, de- características do psieoterapeuta, qualida-
vem aturar esta abordagem e devem in- captar estas emissões com vistas ao obje- mais ou menos subjetivos, ligados mais
de que não se pode esperar nem, me-
centivar-se mutuamente em prosseguir tivo do empreendimento psicoterápico. ao mundo externo ou mais ao mundo in-
nos ainda, cobrar do paciente de ma-
nesti: empreendimento: o terapeuta in- Ao falar de "emissões", temos pois terno de cada um —• distinção de suma
neira simétrica.
centivando o pacienle, pelo seu arsenal que pensar, em primeiro lugar, nas ver- importância quando pensarmos nos crité-
Desenvolveremos em seguida esta ques- balizaçÕes, nos conteúdos ditos pelo pa- rios da normalidade, por exemplo, ou
de intervenções, a proceder de maneira tão da assimetria na relação psicote-
adequada aos seus questionamentos e in- ciente; porem, aquelas não se limitam no problema da objetividade, capital pa-
rápica. ra a ciência e suas aplicações técnicas,
vestigações, mobilizando certos falores aos conteúdos verbalizados (embora se
que dizem respeito ao seu desejo de sa- outorgue um certo privilégio a estes, co- mas menos importante ou, melhor, re-
rar; o paciente incentivando o psicote- mo veremos abaixo), mas incluem todo vestindo matizes bem diferentes em nos-
3.7. A definição da interação um material não verbal, tais como a ex- so âmbito clínico.
rapeuta a interessar-se por esta investiga- psicoterápica
ção. pressão corporal, gestos, mímicas, atos Visto o objetivo da relação psicote-
(falhos ou não), comportamentos, postu-
Com efeito, não nos parece exagerado O que se passa de fato no interior rápica, quais são, portanto, os elemen-
ras, afetos e emoções,
dizer que o psicolcrapeuta (como, aliás, desta relação psicoterápica, tantas vezes tos que devem ser locados e colocados
o psicanalista), sendo sempre também já citada e, no entanto, permanecendo O intercâmbio que assim se desenro- em movimento? Sem dúvida não são os
pesquisador e investigador, tem que dis- enigmática? Em que consiste a ação que la implica comunicações, como em toda elementos mais objetivos que aqui nos
por de uma sã curiosidade cm traba- aí se processa, se desenvolve, que supos- relação humana. Estas comunicações de- interessam; estes, como sublinha Schnei-
lhar com o seu paciente, no sentido de tamente induz a fatores de mudança e senvolvem-se com mais ou menos objeti- dcr(!5), têm prioridade nos contatos co-
um "desejo de saber" que o instiga e inclui um potencial curativo...? vidade, com mais ou menos distorções, tidianos das pessoas entre si, "na rua",
impele a perquirir e revelar, nesta pes- equívocos, duplos sentidos c reticências, no emprego, nas comunicações pragmá-
Em primeiro lugar — e isto vai nor- dependendo dos contextos e das finali-
soa que se confia a ele, as concatena- ticas a serviço de um desempenho opera-
tear todo este capítulo — esta ação con- dades que lhes são atribuídas. Em to-
ções inconscientes e os segredos que de- cional, seguro e eficiente. Nestas situa-
siste numa interação, em algo que se pas- das as comunicações, no entanto, inter-
tém. ções, afetos e sentimentos não são de
sa entre o psieoterapeuta e o seu pacien- vêm os mesmos conteúdos ou elementos,
Obviameníe, a curiosidade assim esti- te, Entre eles, de fato, estabelece-se uma grande valia; pelo contrário, podem atra-
como ingredientes básicos que mudam
pulada nada tem a ver com bisbilhotice, "circulação" muito particular de deter- palhar, razão pela qual tenta-se eliminá-
apenas quanto às proporções ou à com-
mas deve fazer parte do interesse do te- minados conteúdos a serem "trabalha- mos da circulação ou, se necessário, re-
posição, mas não quanto ao repertório
rapeuta pela personalidade e pela histó- dos". Mas quais são estes conteúdos, in- primi-los — como se lenta reprimir ao
à nossa disposição — que, simplesmen-
ria de vida do paciente; se este não con- tercambiados e que definem a especifici- máximo os conflitos interpessoais, nos lu-
te, é o repertório humano.
segue interessar o terapeuta, incentivan- dade deste trabalho a dois? Descrevendo gares de trabalho, por exemplo, uma vez
do-o a pesquisarem juntos as origens dos estes conteúdos, conseguiremos partir pa- Nele, reconhecemos pois, como ele-
que perturbam a funcionalidade dos sis-
seus conflitos, a interação psicoterápica ra uma definição mais adequada da in- mentos básicos (embora todos eles em
temas aí implementados.
tornar-se-á impraticável. Neste caso — teração psicoterápica, capítulo deveras si muito complexos), ideias, pensamen-
que ocorre talvez com maior frequência complexo e talvez o mais difícil deste tos, reflexões, entendimentos, percepções, )unto com os sentimentos e afetos,
do que se pensa —• o terapeuta tem que esboço teórico geral. imagens, recordações, lembranças, fanta- tenta-se eliminar tudo aquilo que é sub-
ter a honestidade pessoal de reconhecer sias, sentimentos, sensações, afetos. . . jeiivo, para que não interfira nas tare-
Sem dúvida, os conteúdos que cir- fas (objetivas) a serem executadas — e
isto, de admitir que um determinado pa- Neste vasto leque das possibilidades
culam entre ambos os protagonistas têm há algo mais subjetivo, algo mais a es-
cienle não consegue interessá-lo pela sua humanas de intercambiar e comunicar-se
algo a ver com o "material" psicoicrã- conder diante dos outros, mesmo os mais
pessoa ou pela sua problemática, e enca- com outrem, podemos operar um corte
pico, constituído, como vimos acima, pe- próximos, do que a fantasia? Esta, de fa-
mínhá-lo a colegas que acha passíveis, classificatório de muita relevância para
los conflitos intrapsíquicos, notadamente to, não deve participar, não deve pene-
razoavelmente, de desenvolverem afinida- o nosso quesito: estes elementos todos ou
inconscientes. Estes se expressam de al- trar em nossas relações repetitivas do
des melhores. A qualidade de sincerida- referem-se à realidade observável, ou re-
guma forma, emitem sinais ou signos en- dia-a-dia, para que não revelemos o nos-
de consigo mesmo e de permanente auto- ferem-se à imaginação, ou ainda impli-
dereçados ao interlocutor que, no caso, c so foro mais íntimo, para que não cha-
crítica terá que ser, pois, mais uma das cam uma mistura de ambas. Em outras
supostamente preparado e disposto para guem à tona aquelas zonas conflitantes
palavras, são mais ou menos objetivos.
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que tentamos esconder ou velar até de ge a relação, esta entrega poderia fazer-
cisamente fazem parle do amor (ou até Além disso, o próprio sentido da ação
nós mesmos.. . -se sem reticências e resistências, sem
o definem). psieoterápica consiste neste encaminha-
Não é, portanto, apenas o mundo ob- triagens e ocultações; porém, sabemos
Se estas relações desligam-se de objeti- mento para o objetivo determinado (pe-
jetívo das larefas profissionais, das rela- como c difícil e custosa esta entrega,
vidades, sendo marcadas por participa- lo menos aproximadamente) no início da
ções funcionais, que nos impede de ma- não somente no início, mas ainda duran-
ções intensas de ambos os protagonistas, operação: alcançado o objetivo, termina
r.ifestar-nos com maior subjetividade: so- te, ou mesmo perto do final deste pro-
o trabalho que se empreende a dois, ces-
mos nós mesmos que temos interesse em cesso que se desenrola entre ambos. É islo, todavia, não significa que os afe-
sa a relação, em princípio para sempre.
proteger nossa vida psíquica íntima; não que não basta "querer" esta entrega, tos nelas vividos sejam somente positi-
podemos permitir-nos extravasar livre- "querer fazer psicoterapia" para efetiva- vos; eles são antes de tudo intensos, mas Eis até um dos paradoxos da relação
mente tudo aquilo que reprovamos em mente ingressar nela e aproximar-se dos podem oscilar entre o amor e o ódio, psicoterápica: ela se desenvolve com mui-
nós ou que sabemos reprovado pela so- conflitos mais inconscientes: abrir a nos- entre o desejo de se aproximar e de se tas dificuldades, devido às próprias difi-
ciedade da qual participamos. sa subjetividade para outrem fere certos culdades do paciente de relacionar-se e
juntar, até fusionai mente, e de se distan-
comunicar-se com outrem e que, de fato,
Vivemos, de fato, com uma necessi- interesses nossos, notadamente no que ciar, de rejeitar o outro por completo.
o levaram a procurar um auxílio. Traba-
dade permanente de camuflar as nossas tange ao amor próprio de não revelar as Sendo sempre marcadas pela paixão,
lhando estes empecilhos no interior da re-
intenções secretas, de escamotear os nos- nossas falhas e fraquezas, e acompanha- nunca serão relações de indiferença,
lação afetiva que se estabelece (através
sos impulsos, de velar as nossas veleida- -se de desconfiança c de impulsos auto- tampouco de interesses objetivos ou de de muitos esbarros, de altos e baixos),
des que poderiam contrariar os padrões máticos de autoproíeção, que nunca de- finalidades explícitas: elas se bastam a si elas começam a amenizar-se até (ideal-
estabelecidos. . . Atitudes que fazem par- saparecerão por completo. mesmas, por mais passionais que sejam. mente) a desaparecer — e é neste pon-
te dos automatismos adquiridos através Isto, contudo, não quer dizer que nes- Estamos, porlanto, diante de âois tipos to, então, quando o paciente consegue
dos processos de socialização e que ado- ta relação não haja material subjetivo,
de relações humanas subjetivas, veicuian- comunicar-se bem (ou suficientemente
tamos, pois, muitas vezes, sem nos dar- que não haja fantasias que sejam vei-
do ambas um amplo material subjetivo. melhor) com o psicoterapeuta, que a re-
mos conta. culadas: haverá nela muito mais mate- Mas cm que se distingue então a rela- lação deve cessar, conforme o objetivo
Estes automatismos aumentam mais rial oriundo do íntimo, do imaginário da pautado no princípio.
ção de amor (ou de ódio), de amizade
quando há aproximação de material con- pessoa, do que nas relações habituais
e de afeição desinteressada, da relação Com efeito, sendo a melhora da co-
flitivo, em particular de conflitos incons- que estabelecemos no decorrer da vida
cientes: nós "entramos na defensiva", com os outros. Se ela não chega a ser psicoterápica, se ambas visam a troca de municação intersubjetiva o objetivo (ou
sem saber "por quê", sentindo-nos amea- uma relação subjetiva integralmenlc aber- conteúdos reservados, tocando ao âmago melhor: um deles) que, simultaneamen-
çados por algo que escapa ao nosso con- ta, não quer dizer que não seja subjetiva da subjetividade e das suas vivências te, norteia o trabalho e o dificulta, uma
trole, mas que sentimos "na pele". . . mais íntimas? Veremos pois algumas di- vez que atacar o problema diretamente
de todo.
ferenças, capitais para entender melhor só faz aumentá-lo, não teria sentido pro-
Trata-se aí de uma experiência muito No entanto, a relação psicoterápica
o que se passa na relação em paut:i — íongar a relação depois de tê-lo atingido;
comum, mas que se manifesta em parti- não é a única relação subjetiva que co-
pelo contrário, persistir nesta relação
cular na relação psicoterápica, em con- nhecemos na vida. Relações subjetivas, bem particular é verdade.
porque propicia certas vantagens, um
sequência do seu propósito explícito de relações de entrega recíproca existem, sem Em primeiro lugar, deparamos com certo conforto ou determinadas satis-
"mexer" com este maíerial inconsciente dúvida, em todas as situações onde a bus- uma diferença importante no que tange fações afetivas, até poderia colocar em
c os seus conflitos, ca de objetivos funcionais não é priori- ao objcíivo: se a relação de amor não cheque o fortalecimento da modificação
Neste sentido, podemos pois definir a tária, ou mesmo ausente. Na extensa es- tem um objetivo a ser alcançado, a não conseguida e que precisa ser comprova-
relação psicoterápica como uma "relação fera do amor, da amizade e daquilo que ser a felicidade e o prazer recíprocos, da in situ, isto é, na vida prática jora da
interpessoal subjetívà" (Schneider) (15), Binswanger chamou de "comunicação a psicoterapia se propõe um objetivo cla- terapia, sem as suas muletas c a sua pro-
na qual o paciente "se entrega" ao flu- existencial", as relações interpessoais são ramente definido, a saber, uma mudan- teção.
xo de sua fantasia, de seu imaginário, profundamente subjetivas, com um in-
ça (mais ou menos profunda, dependen- Neste sentido, pois, o objetivo da
"entregando" os produtos de sua imagi- tercâmbio permanente de materiais sub-
do do caso e da linha terapêutica) na psicoterapia não é apenas melhorar a
nação ao terapeuta. Segundo o princípio jelivos, incluindo sentimentos, fantasias,
conduta e/ou estrutura do paciente dis- comunicação intersubjetiva do paciente,
de confiança c de "sinceridade" que re- afetos e todas aquelas emoções que pre-
posto a submeter-se a ela. mas, ainda, levá-lo a uma autonomia
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maior, auxiliá-lo a emancipar-se das suas jetivo. Porém, nem no amor isto é pos- desta relação. Em psieoterapia, a assime- ra ousar o primeiro passo e tocar à por-
dependências afelivas, tanlo quanto a li- sível integralmente, e menos ainda no tria, pelo contrário, participa como um ta do terapeuta. Mas — e eis uma dife-
vrar-se dos seus sintomas. Para que con- início de uma relação amorosa. Mas, em elemento essencial do funcionamento da rença capital — cabe a este não acre-
siga assim "andar com as próprias per- ambos os casos, é possível superar as re- relação, conferindo-lhe a sua especifici- ditar nesta autoridade que lhe é atribuí-
nas", é necessário romper, num certo licências iniciais para aprofundar aos dade e o seu sentido. da, nem nos poderes que, magicamente,
momento, o vínculo terapêutico (com poucos a comunicação subjetiva; no caso o paciente lhe outorga: trata-se de uma
Sem assimetria, com efeito, não have-
preparação e eaufela, é claro, c não da psieoterapia, dependerá da força dos autoridade fictícia, imaginária, a cujo
rá relação psícoterápica. Poderá haver
abruptamente) e devolver o paciente a motivos que trouxeram o paciente, se ele canlo de sereia não deve sucumbir se
outros tipos de relação humana subjeti-
si mesmo, à sua própria responsabilida- chega a reconciliar-se com os limites téc- quiser realizar as suas tarefas.
va, mas nelas não poderá desenvolver-se
de em assumir-se naquelas dimensões nicos da terapia. Compreendendo-os e aquele trabalho que consideramos como Vimos no primeiro capítulo as impli-
que lhe foram desabrolhadas pelo traba- aceilando-os como sendo as condições sine necessário para que haja realmente psi- cações mágicas e "primitivas" da rela-
lho da psicoíerapia. qua non para este (rabalho, ele aos pou- coíerapia. Nas relações de amor, de ami- ção terapêutica. Aqui, vemos agora a im-
Este rompimento, pois, faz parte da cos ingressará mais nele, inluirá o seu zade ou de "curtição espiritual", não há, portância que estas têm no desenvolvi-
psicoterapia enquanto fase final, previs- funcionamento e se envolverá com os de falo, nenhum traço de trabalho (nem, mento desta relação, reparando como
to desde o início e imprescindível, mes- movimentos afetivos que configuram, ou como vimos, de definição de objetivos): elas definem as posições de ambos os
mo se é, frequentemente, dolorido e frus- melhor, que constituem esta relação. a "curtição" em conjunto, um com o ou- protagonistas. O psicoterapeuta não "é"
trante, não apenas para o paciente, mas Identificando-se com 0 seu papel de Iro, um perto do outro, se basta, numa uma autoridade, uma vez que não dis-
também para o terapeuta- A ambos com- paciente, ele entenderá paulatinamente comunhão auto-sufíeiente que, com fre- põe de meios especiais (e muito menos
pele a tarefa de travar o "trabalho de que "paciente" não é sinónimo de pas- quência, exclui "os outros", exclui o mágicos); ele, quando muito, "está" de
luto", aceitando a perda daquele "ou- sivo, e que a parte essencial do traba- mundo e todo aquele trabalho que ncsle autoridade, ocupa uma posição de auto-
tro" que duranle um frecho da vida o lho compete a ele mesmo; não há como c de rigor. ridade relativa que lhe é conferida "de
acompanhou, para assumir aos poucos a esperar que "o outro" faça o trabalho fora", pela sociedade que reconhece a sua
separação, superando as mágoas e aque- Podemos dizer que, infelizmente, não
ou ofereça alguma solução para os seus profissão c o seu trabalho.
les sentimentos de abandono que mes- há como mudar ou negar este fato: o tra-
problemas. Aceitar o papel de paciente balho faz parte do mundo e da vida; Nesta posição, ele pode e, socialmen-
mo na posição do terapeuta podem aflo- significa assim reconhecer os limites da somos condenados a trabalhar (por isto, te, até deve acreditar, mas tem que sa-
rar. terapia — em Iodos os sentidos da pa- ele "é" de rigor e não "está" de ri- ber que ela é muito relativa; da outra
Eis então uma das diferenças essen- lavra — e submeter-se a ela, mesmo se gor. . .), e se quisermos alcançar mudan- autoridade, daquela que, "de denfro",
ciais para com a relação de amor: nin- implica frustrações, angústias e, no final, ças em nossa vida, temos que trabalhar, os pacientes alribuem a ele, ele tem que
guém se ama, ninguém se junfa com um o rompimento da relação, no momento e arduamente, para aí chegar. .. desistir; argumentos de autoridade não
determinado objetivo para depois se se- mesmo em que ela chegou à matura- têm valor quando se trata de descobrir
Este trabalho impõe certas tarefas, im-
parar. Se um rompimento ocorrer, ele ção. . . as verdades secretas do sujeito, soterra-
põe a divisão de tarefas, entre o paciente
será acidental (e acidentes há muitos, Identificar-se com este papel signifi- e o terapeuta. O paciente, uma vez que das nos recônditos da sua alma de tal
convenhamos) e não essencial, como em ca, ainda, admitir que haja papéis dife- é ele que vem com um pedido de auxí- forma que nenhuma autoridade, a não
psicoterapía. Esta, portanto, é limitada no rentes nesta relação, que haja assimetria lio, situar-se-á sempre na posição de "pa- ser ele mesmo, possa desvendá-las. Se é
tempo, por princípio e por definição, em entre a posição (e as tarefas) do pacien- ciente", enquanto o psicolcrapeuta ocupa- verdade que são os pacientes que o "fa-
função dos seus objetivos, seus sentidos te e aquela do terapeuta. Temos aí uma rá sempre a posição que as regras do zem" psicoterapeuta, este somente o se-
e de toda a concepção que baliza o de- segunda grande diferença qualitativa: na jogo lhe atribuem. Neste "jogo", a assi- rá se, com modéstia, declina da auréo-
senvolvimento do seu trabalho. relação amorosa ou de amizade, não exis- metria está marcada, desde o começo, la que lhe é oferecida, para desincum-
A limitação temporal e operacional te, não deveria existir uma assimetria de pela posição de autoridade de que o te- bir-se das suas tarefas, auxiliando o pri-
pode acarretar limitações temáticas, so- papéis, de direitos e deveres; se ela ocor- rapeuta se reveste — mesmo se não a meiro a diminuir de mais em mais a assi-
bretudo no começo, no sentido do pa- rer, ela novamente será acidental (a não possui. Esta autoridade, de fato, lhe é metria entre eles. Esla não glorifica o
ciente não se sentir à vontade para "en- ser ao nível da estrita sexualidade bioló- dada, lhe é atribuída pelo paciente; este psieoterapeuta — ela lhe é imposta tan-
tregar" todo o seu material pessoal e sub- gica), mas não faz parte dos princípios acredita nela, precisa acreditar nela pa- to quanto ao paciente, mas cabe ao pri-

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melro conduzir o processo de tal forma fato, não faliam exemplos em que o pa-
que, ao seu termo, este consiga recupe- os dois, dificultam esta metamorfose da afetivãmente tenha que depender deles
ciente critica a distância, a frieza, o apa-
rar a autoridade que investiu no outro, relação: materiais altamente problemáti- também.
rente desinteresse do psicoterapeuta, e
para aceder à sua aulonomia pessoal. que esta crítica camufle a sua incapaci- cos, às vezes explosivos (e profundamen- Se uma tal inversão ocorrer, significa
Ao frisar acima que as limitações tem- dade de aceitar as "regras do jogo", isto te subjetivos!) foram veiculados entre que urge rever os fundamentos da sua
porais possam dificultar a circulação do é, essencialmente, a sua assimetria, e de ambos e sempre deixam resíduos: eles qualificação psicoterápica, para não cor-
material subjetivo do paciente, não fize- assumir (ativamente.. .) o papel de pa- nunca são "perfeitamente analisados" ou rer o risco de prender-se aos seus pacien-
mos referência direta ao aspecto da assi- ciente, confrontando-se consigo mesmo c "totalmente liquidados", ao ponto de per- tes de forma desastrosa — desastrosa
metria e ila autoridade. Esta, quando fan- enfrentando os seus conflitos, os seus mitir, de imediato, a troca por uma nova para o trabalho psicoterápico, para a ca-
tasiada demais (da parte do paciente), ou conteúdos psíquicos, no que der e vier. relação subjetiva, desinteressada desta minhada do paciente rumo à sua liber-
quando real demais (da parte do tera- Um outro elemento que contribui pa- vez, sem limites temporais e sem objeti- tação e independência, c para a respon-
peuta), poderá aumentar a dificuldade ra dificultar o intercâmbio na relação vos. Em geral, aliás, o ex-paciente ten- sabilidade ética e, por conseguinte, a pos-
em "passar" o mais Hvremenle possível subjetiva da psicoterapia, é a questão da ta esquecer o seu ex-terapeuta, como tura do psicoterapeuta.
os coníeúdos psíquicos ao terapeuta, pa- dependência. Ela é inevitável. Ela ú um tendo sido um catalisador necessário, Com isto, não queremos postular que
ra que esle os devolva e para que se de- mal necessário. Mas ela assusta muito, mas cuja presença se tornou supérflua
ele não possa encontrar satisfações afe-
senvolva assim um intercâmbio provei- como prova flagrante não apenas da as- graças ao próprio resultado da terapia.
tivas em seu trabalho, mas estas devem
toso. simetria da relação, mas sobretudo da Eis um dos critérios para avaliar uma
ficar subordinadas aos objetivos da re-
terapia bem-sucedida. . .
Se é o terapeuta que realmente che- injantilização do paciente que nela se lação psicoterápica. Se, de secundárias
ga a ocupar uma posição não somente de opera. Se esta faz parte do processo psi- A despeito da assimetria, presente ini- e por a^sim dizer acidentais, elas se trans-
autoridade, mas de autoritarismo, atuan- coterápico, ela, não obstante todas as he- cialmente em função de todas as expec- formam em primárias, ao ponto de con-
do com intervenções autoritárias, cabe- sitações e defesas, pode c deve ser tra- tativas e fantasias que o paciente traz pa- figurar uma necessidade existencial do
rá a ele analisar e entender estas falhas balhada, tanto quanto a questão da au- ra as primeiras entrevistas e depois "cur- profissional, estas satisfações tornar-se-ão
de sua atuação; todavia, a experiência toridade. Ademais, deve ser claro, des- te'' na terapia, a dependência que assim obstáculos ao livre exercício das suas
prova que este autoritarismo em geral é de o princípio da terapia, que ela não se cria não é unilateral, porquanto a as- funções, porquanto o infantilizam e o
mais produto da fantasia do paciente — é um fim em si mesmo, mas que ela simetria é dialélica e móbil, podendo evo- deixam inapto à vigilância terapêutica,
que não suporta ou rejeita a inevitável tem que diminuir, mediante o próprio luir e até inverter-se. Uma tal inversão, de rigor na profissão pela qual, apesar
assimetria operacional •— do que resul- trabalho que propicia, para que o depen- pela qual é o terapeuta que começa a de-
de difícil e às vezes ingrata, ele fez
tante de intervenções intempestivas do dente transforme-se num independente, pender do seu paciente, ocorre talvez
opção.
primeiro. Fantasias sobre a sua autorida- ou melhor, num "interdependente", ca- com maior frequência do que se pensa,
de e o seu poder de fato sempre ocor- paz então, no final da terapia, de desli- sobretudo entre jovens profissionais. Ela Fizemos várias vezes já referência às
rerão. Mas importa que sejam analisa- gar-se do processo terapêutico e da de- não é incompreensível, se lembramos o junções do psicoterapeuta. Resumindo-as
das, que sejam Irabalhadas naquilo que pendência que esta criou. fato enunciado acima de que são os pa- rapidamente, acabamos de falar em vigi-
veiculam de submissão passiva, de dese- cientes que realmente transformam o iância terapêutica. O terapeuta, de fato,
jo de castigo, de revolta, de sedução, de Isto significa, ainda, que a assimetria atendenle em terapeuta: sem eles, o tera- é responsável pelo andamento do traba-
desejo de receber ou de ser mimado, bem iniciai deve aos poucos nivelar-se para peuta terá os seus diplomas e títulos, lho, bem mais que pelo andamento do
como de inevitáveis repetições de situa- dissolver-se, idealmente, no término da mas estes permanecem letra morta quan- paciente em si, cujo controle, obviamen-
ções anteriores. . . psicoterapia — quando os dois protago- do não comprovados pela prática, no te, escapa às suas funções e competên-
nistas poderão encontrar-se em pé de contato terapêutico com o paciente. claa. Contudo, cabe a ele se controlar,
Somente quando este trabalho entra igualdade, embora, em geral, para se se- aferindo permanentemente o seu traba-
num impasse, esbarrando contra a re- parar. Este, portanto, é o aval da qualifica-
lho c a congruência deste com os obje-
cusa mais ou menos consciente de acei- ção do profissional, tanto quanto o ob-
Relações de amizade após uma terapia, tivos pautados. Para que isto seja pos-
tar a assimetria e as frustrações que im- de fato não são excluídas, mas elas são jeto no qual "aplica" os seus conheci-
sível, vimos já que a inleração, toda dia-
plica, é que a relação psicoierápica cor- raras, e os próprios princípios do pro- mentos. Neste sentido, pois, o terapeuta
lética e dinâmica que seja, precisa de
re um sério risco de encalhar.. . E, de cesso que durante algum tempo reuniu depende "socialmente" dos seus pacien-
uma condução firme, para que não se in-
tes; isto, contudo, não quer dizer que
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verta nem se apague a sua assimetria an- ocorre na transmissão comunicativa en-
tes do tempo.. . psi" hodierno; porem, cabe ressaltar que seu equilíbrio pessoal, que lhe permita
tre ambos: não há um esquema de estí-
a interaçáo psicoterápíca se estende sem- desempenhar as suas funções em plena
Para alcançar os objetivos da terapia, mulo/reação, como no laboratório, nem
pre entre estes dois pólos, entre o subje- consciência de sua condição de artesão,
a interação tem que desenvolver-se de pergunta e resposta, como num interro-
tivo da comunicação, com todas as suas trabalhando com a matéria-prima da al-
maneira bem específica: cabe ao tera- gatório ou numa conversa social. Mas há
vertentes, indo da comunhão das ideias ma humana c dos seus mais íntimos des-
peuta triar o material que o paciente lhe este deslize, às vezes sutil c quase im-
ao êxtase fusionai, e o pólo objetivo da regramentos.
entrega — convidado que é a fazê-lo perceptível, depois cortante e quase agres-
sivo, para em seguida suavizar-se de no- técnica, até a aplicação mais instrumen-
sem triagem preliminar, sem seleção, sem
vo, que faz com que se produza sentido, tal ou tecnocrátiea. . .
omissão — para sondá-lo quanto a sua
relevância terapêutica e a sua referen- seja pela retomada do passado no pre- A arte do psicoterapeuta, deste artesão 3.8. A definição do instrumento
cia temporal: presente ou passado? Quan- sente, seja pela vinculação operada entre do qual falamos, consiste precisamente psicoterápico
to a suas implicações: subjetivas ou ob- o imaginário e o real, entre o subjetivo na dosagem dos dois ingredientes de cuja
jetivas, internas ou externas? Quanto a e o objetivo ou entre assuntos aparen- mistura ele detém o segredo, segundo a Ao fazer referência, logo acima, à
sua realidade: fantasia ou real? temente sem nexo. A procura do sentido, sua ética, a sua formação profissional e importância de um instrumento que pos-
Esta função cie triagem, ele tem que do segredo dos conflitos do paciente e a sua convicção teórica. Mas sempre ha- sa ser mediador não só entre o paciente
preenchê-la de modo quase automático, dos seus sintomas comanda estes desli- verá uma tal mescSagem, enquanto há e o psicoterapeuta, mas também entre o
lendo-a assimilado como uma segunda zes, deslocamentos, alterações, cortes e um trabalho psicoterápico. Quanto mais paciente e ele mesmo, no que tange à sua
natureza, incorporando-a à sua poslura outras intervenções transformadoras do a atuaçao de um determinado psicólogo divisão interna — entre sua parte ra-
profissional (porém, tomara que esta se terapeuta; elas sempre visam algo além ou médico se aproxima do pólo técni- cional e consciente e, por outro lado, o
limite à sua profissão!); dependerá des- do manifesto, do banal, do visível, pa- co, dando prioridade à instrumentaliza- seu inconsciente e os conflitos que daí
ta triagem a maneira pela qual ele de- ra tocar àqueles núcleos latentes onde se ção (com um leque imenso de parafer- influenciam sua conduta e o perturbam
volverá (ou não) o material ao paciente. enraízam os conflitos que se trata de re- nálias, antigas e modernas) em detrimen- — somos levados a pensar na lingua-
De fato, esta função de devolver o ma- solver. to do contexto subjetivo, menos o seu gem. Já fizemos alusão a sua prevalência
terial pode realizar-sc de muitas manei- trabalho será psicoterápico, mais será instrumental, mas trata-se agora de pre-
Como estes deslocamentos se efetuam, psicológico, didático ou "aplicado", le- cisá-la.
ras, dependendo da linha teórica •—•
no entanto, não c apenas uma questão vando a assimetria ao extremo; no opos-
mas sempre há uma devolução, e sem- Podemos perguntar-nos, primeiro, se é
técnica, mas também uma questão de to, quanto maís o psicólogo enfatiza a
pre há nela um deslocamento, afastan- preciso recorrer a um instrumento: não
arte, um segredo do artesão que habita fusão existencial e a "curtição" de sen-
do-a de uma resposta direta e imediata c possível estabelecer um conlato direto
no psícoterapeuta. Nisto consiste uma timentos, sensações e sensualidades, me-
ao material comunicado, tanto quando se e imediato com o paciente ou consigo
última diferença — e talvez a mais im- nos haverá trabalho — na ausência de
trale de uma sugestão, de uma interpre- mesmo? Em determinadas relações hu-
portante — entre as nossas duas rela- um instrumento que possa mediatizar •—
tação ou construção, de uma indagação, manas, isto de fato ocorre, fazendo par-
ções subjetivas. Vimos, no segundo ca- e mais haverá igualdade das posições,
de um apontamento, de um reforço, de te de um número limitado de experiên-
pítulo, que Binswanger insiste em dis- comunhão, experiências simbióticas e re-
uma persuasão ou dúvida. . . cias íntimas que o homem pode fazer,
tinguir, ao lado da comunicação existen- gressivas, simetria e, no extremo, misti-
cial, o aspecto técnico dos conhecimen- consigo ou com o outro. Cabe referir-se
O arsenal técnico aí é extenso, mas cismo ou mesmo fanatismo.
tos específicos do profissional, pelo qual aqui ao amor, onde duas pessoas podem
o que nos interessa é o seu princípio de
a primeira se diferencia de uma relação Não há dúvida de que em ambos os estar uma com a outra de maneira ime-
funcionamento: a devolução baseia-se
subjetiva desinteressada. É este aspecto extremos encontramos posições ideológi- diata — pelo menos em determinados
num deslocamento, numa alteração do
técnico que lhe confere sua forma de tra- cas, como os cstereólípos "oriente versus momentos — capazes então de dispensar
enfoque original para que se atinjam no-
balho, alvejando certas metas. Não en- ocidente", por exemplo (21). Cabe ao qualquer mediação, já que nào almejam
vos horizontes, para que novas perspec-
tramos aqui na discussão deste "servi- (futuro) psicoterapeuta fazer a sua op- outra finalidade senão estarem juntas.
tivas se abram onde um efeito psicoterá-
ço", cujos detalhes se determinam pelas ção entre as múltiplas variantes e che- Os namorados estão sós no mundo, diz-
pico possa desabrochar.
diversas técnicas próprias às linhas teó- gar ao equilíbrio que lhe pareça ideal, -se, e de fato, no auge da relação amo-
O trabalho da psicoterapia consiste, rosa, o mundo pára de existir, embora
ricas que se encontram no "mercado segundo a sua personalidade, seus conhe-
pois, precisamente, nesta alteração que se faça rapidamente presente de n o v o . . .
cimentos c convicções — para chegar ao
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Eis pois a condição humana: que a diferenças individuais, para que sejam balho psieoterápico visa a elaboração do mem, participa, como um elemento es-
relação imediata consigo, com os outros assumidas com maior integração. Estas material conflitante inconsciente. Isto sencial, de sua "anlropogénese", fazen-
ou com as eoisas é alcançada apenas em mediações devem então ser consideradas não quer dizer que outros tipos de tra- do-o plenamente humano pela inserção
raros momentos privilegiados, "no ful- como essenciais, e não como meras inci- balho não sejam possíveis, como, por na dimensão simbólica, na dimensão do
gor de um instante"; que a nossa divisão dências rumo a uma libertação total. exemplo, um trabalho com o corpo. Con- diálogo e da cultura.
interna, que Ião cedo (e tão sofrida- A relação psicoterápica consiste assim tudo, em tal caso, não se atingirão (c em
mente) em nós se instala, nos determina Tá a filosofia grega tem salientado esta
em um Ira balho que, necessariamente geral nem se pretende) os conflitos in- característica, pela sua célebre definição
e nos separa; enfim, que estamos fada- (eis o nosso postulado), inclui media- conscientes, nem se recorre a um instru-
dos a refletir, a nos refletir, a pensar do homem como antropos logon echon,
ções, porque não idealiza contatos fusio- mento que possa mediatizar estes confli- "aquele que fica em pé e dispõe do lo-
sobre nós, sobre as nossas experiências, nais; inclui conhecimentos técnicos, por- tos. A relação dualista da pessoa com o
os outros, o mundo. gos", da linguagem... Cracas aos ele-
que ligada a uma formação profissional seu próprio corpo, nestas abordagens, mentos diferenciais que lhe são propos-
Para falar com os existencialistas, o específica; inclui objetivos a alcançar não será questionada, mas contornada, tos pela linguagem, a criança, injans,
homem está subtraído à presença "em que delerminam os seus processos num no esforço de chegar-se a uma relação no início, aprende aos poucos a ordenar
si", imediata, maciça, bruta, caracteri- tempo limitado; inclui uma instrumen- (ou uma "curtição") imediata consigo o seu mundo vivencial, reconhecer re-
zando o mundo das coisas, mas não tação colocada a serviço das finalidades mesmo. Sem dúvida isto é possível al- gras, coerências, regularidades e instituir
aquele da presença reflexiva (e fatalmen- previstas, fazendo preeisamente função cançar, embora de maneira bastante li- (auto-) regulamentações, pela aquisição
te dualista) do homem. Para ele, o "por de mediação entre os termos que neste mitada; a questão é saber se desta forma de operações reflexivas. Graças à lingua-
si" torna-se o seu modo de estar-no-mun- processo se engajam. a pessoa, o "paciente" consegue resolver gem, tornar-se-á capaz de desenvolver
do, sempre à procura de algo que lhe aqueles problemas que, decorrentes de atos de reflexão e de consciência sobre
Portanto, a mediação instrumental se
falta, sempre dependendo do reconheci- conflitos internos, influenciam o corpo, o mundo e sobre as suas impressões sen-
apresenta como indispensável. Era nosso
mento do outro. mas não se reduzem, nem se deixam sórias. A linguagem, portanto, serve an-
entender, é ilusório querer dispensar es-
reduzir a ele. tes de tudo de órgão de pensamento, de
Além da relação de amor, cabe men- ta mediação para chegar-se a "contatos
cionar a experiência mística, queira liga- diretos", a "relações imediatas", a "vín- consciência c de reflexão, proporcionan-
Com este exemplo queremos dizer o do ao espírito humano uma certa auto-
da a práticas religiosas, queira resultan- culos empáticos" ou "experiências trans- seguinte: para que o trabalho que se es-
te de meditação transcendental ou de cendentais". Não que seja impossível nomia sobre as coisas, bem como sobre
boça enlre os dois atinja a pessoa como as suas vivências diretas, autorizando,
outros exercícios espirituais ou sensuais, "curtir" desta forma a relação com o um todo, levando em conta a sua indis-
de cunho sobretudo oriental. Todas elas outro, seja no "aqui e agora", seguindo desse modo, uma tomada de distância
sociável unidade psicossomática e tornan- com respeito a estas vivências e a inser-
são experiências com o objetivo geral de certas orientações atualistas, seja no cor- do-se verdadeiramente psieoterápico, é
chegar a não almejar mais nada, ensi- po-a-corpo de encontros rítmicos, musi- ção imediata no mundo.
imprescindível que respeite as caracterís-
nando a renunciar aos objetivos parti- cais, de dança ou de expressão gestual, ticas constituintes, isto é, antropológicas,
culares; nelas, o ideal é chegar a bas- ou ainda de certos exercícios energéti- De fato, a fala permite evocar uma
deste mesmo homem. Para tal, temos que coisa, ''um real" qualquer, mediante o
tar-se a si mesmo, a dispensar os outros cos; mas em todas estas experiências não admitir a necessidade de uma mediação,
e o mundo das coisas ou, ainda, unir-se se desenvolve aquele trabalho que, em artefato de uma palavra que chega a
uma vez que não existe um acesso di- substituir-se a esta coisa, sem que a seja;
a ele de modo fusionai, abolindo dife- nosso entender, é o único que merece reto a nós, nem, sobretudo, a nossos
renças e singularidades. Assim sendo, ser chamado de psieoterápico — um como por um passo de mágica, evoca
conteúdos mais íntimos, mais subjetivos pois a presença da coisa em sua plena
não há nestas experiências uma media- trabalho exigente, muitas vezes árduo e e mais conflitantes — àqueles conteúdos
ção instrumental, ou se existe, não o é que não prometa nada, nem curtição, ausência: a palavra, simultaneamente, é
dos quais padecemos e que se trata de presença e ausência desta coisa, deste
de maneira constitutiva, mas provisória, nem soluções, mas que se propõe a pers- trazer à tona. E é a linguagem que, por
como um mal menor de uma etapa lée- crutar da melhor maneira possível, numa real que ela designa, referindo-se a este
excelência, nos oferece esta mediação, es- como a um "em si" que pertence a uma
niea a ser superada. relação a dois específica, o material con- te acesso a nós mesmos.
flitante que faz a pessoa sofrer e a levou ordem própria de realidade. Ao designar
Porém, para que haja um trabalho em a consultar. Mas de onde vem esta prevalência da uma coisa por uma palavra, ordenam-se
nosso sentido, não se pode excluir a linguagem, da fala? Eis o que temos que duas ordens diferentes, se bem que refe-
mediação do outro ou de técnicas que A partir de premissas teóricas ante- justificar. Numa visão antropológica-filo- renciadas uma à outra: o real por um
visam, de fato, realçar (e não abolir) as riormente discutidas, deduz-se que o tra- sófica, a linguagem é constitutiva do ho- lado, a linguagem por outro.

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Ura, esta substituição do real por um sar" ou de rcllelir a um nível intelectual
signo (linguístico) corresponde a uma e abstrato, mas pelo dizer. Nem mais, ma, o senlido surge "só depois", c sem l'or esta razão, cm psicoterapia não
operação de mediação, pela qual a pes- nem menos: dizer-se, deixar-se dizer, en- que a coisa se faça presente. A lingua- se "faz" nada, não se age, nem se atua
soa, o "falante", se distancia de sua ex- tregando-se ao fluxo de verbalização a gem liberta da coisa, cria a autonomia — o fazer, aí, se reduz ao dizer, à ver-
periência vivida. Isto lhe permile, pre- respeito da vivência própria, dos proble- para diferenciar-se e opor-se à presença balização, pela qual o material confli-
cisamente, encontrar-se como sujeito, dis- mas, dificuldades e confíitos pessoais bruta do "em si"; graças a ela, o homem tuoso pode ser evocado, tornado presen-
tinto daquilo que o envolve. Pela repro- que, destarte, podem encaminhar-se para consegue também pôr-se em oposição a te com e apesar de Ioda a sua ausência
dução da realidade que a linguagem ope- uma resolução. Esta, novamente, não se si mesmo, ganhar distância para consi- ao nível consciente; pode ser pensado e
ra, ela "aliena" a pessoa (a criança), ti- situa ao nível racional ou consciente, go, e mediante a verbalização, "anali- refletido apesar da distância, a lingua-
ra-a da convivência ínfima, mas indis- mas faz parte desle misterioso processo sar" os conflitos que o habitam e o fazem gem servindo de elo mediador para
tinta, com o real anterior; contudo, em sofrer (26). "chamar" aquilo que se tornou proble-
de simbolização que transcende a dis-
troca, a identifica, lhe proporciona uma Quanto mais inconscientes (ou "pro- ma e que, tanlas vezes, é desconhecido.
tinção entre consciente e inconsciente,
identidade e um sistema de referencia Longe então de encobrir o que inco-
entre racional e intuitivo, interior e ex- fundos") estes conflitos, mais difícil tor-
onde se inscrever e se segurar. moda, a verbalização permite aproximá-
terior, e que se coaduna assim com o na-se a sua abordagem; encobertos de-
Graças à linguagem, o conhecimento processo não menos misterioso da "efi- fensivamente, a pessoa faz tudo para -lo, cercá-lo, analisá-lo e elaborá-lo —
do mundo, dos outros e de si mesmo cácia simbólica" da qual tratamos no mantê-los fora da sua consciência e vi- em uma palavra, simbolizá-lo, desenca-
torna-se possível, porquanto institui o segundo capítulo. deando lodo aquele processo de simbo-
vência, recorrendo preferencialmente a
pensamento e as estruturas lógicas. A A linguagem, enquanto função dife- lização que, graças a ela, se torna pos-
formas de agir que fazem com que con-
disjunção que assim se opera enlre o renciadora da vivência e do real, põe sível, mas que sem ela fica fora do
tinuem encobertos. Ora, o que se opõe
vivido e o signo que o substitui, é por- em movimento a simbolização das ex- alcance da intervenção "terapêutica", por
tanto contrabalançada pela inserção na à linguagem — que permite, precisa-
periências vividas por uma delimitação mais sofisticada que seja.
linguagem e na lógica, cm uma palavra: mente, evocar os conflitos, trazè-los à
tríplice: ela diferencia o inferior do ex- baila pela mediação da verbalização, "Simbolizar", no entanto, não signi-
no universo simbólico.
(erior (o "si mesmo" dos outros); distin- mesmo quando inconscientes — é a ação, fica que este trabalho se processe neces-
Ao falar de universo simbólico, pro- gue, na interioridade de si, entre a ex- sariamente ao nível de consciência, ou
a atividade motora e sensória; ela, no
nunciamos a palavra-chave para enten- pressão desta interioridade (o pensamen- consista em "tornar consciente" o mate-
der a importância capital da linguagem, extremo, pode chegar a um ativismo de-
to) e a interioridade mesma (sobre a rial inconsciente. A maior parte do pro-
fanío no processo de antropogênese quan- senfreado, quando a pessoa necessita li-
qual porta o pensamento); faz reconhe- cesso de simbolização efetua-se de modo
to na relação psicoterápica. Ela institui teralmente fugir do confronto consigo
cer-se, em sua expressão própria, pela inconsciente; a conscientização pode
a junção simbólica que permite ao hu- mesma ("fugir para frente").
sua forma, em relação com oufras formas ocorrer (depois de uma psicoterapia
mano adolar a distância necessária para possíveis, e singulariza, "individualiza" Entregar-se à ação para não ter que "bem-sucedida", a pessoa se conhece
com as coisas, pelo ato reflexivo que, deste modo a forma que a pessoa (ou pensar, para não ter que refletir sobre melhor, tem mais consciência de si), mas
a partir do acesso à linguagem, o deixa
seja, o "indivíduo" que assim se reper- si mesmo, sobre os próprios desejos, mo- cia não é imprescindível para que o ma-
dividido, alheio a si mesmo mas, em
toria, se "subjetiva") encontra para posi- tivações e intenções para com os outros, terial conflituoso seja tocado, seja colo-
compensação, capaz de pensar, de desen-
cionar-se. significa então encobrir os seus proble- cado em movimento, elaborado e reorga-
volver a sua consciência e de se signi-
ficar a si e aos outros, ou seja, no meio A expressão pela fala, pois, é indivi- mas e "protegê-los" para que não inco- nizado. Já frisamos que esta operação tem
dos outros. dualizante e promove relações de signi- modem mais. Ao agir desta forma, po- algo de misterioso; não é possível enten-
ficação, estabelece "sentidos", ou me- demos viver na ilusão, por algum tempo der como a resolução dos conflitos pro-
"Simbolizar" torna-se então uma das lhor, cria as condições de possibilidade pelo menos, de termos resolvido nossos cede exalamente, em que consiste e "on-
tarefas essenciais do trabalho efetuado para que "sentidos" possam advir. problemas; conseguimos aboli-los mo- de" se desenrola; "dizendo tudo" e con-
cm psícoterapia — não confundir com Com efeito, para que algo faça senti- mentaneamente e "fazer como se" nosso tando com as intervenções adequadas do
"intelectualizar", como ocorre com fre- do, seja significado, faz-se necessário próprio equilíbrio fosse garantido, como terapeuta, o impacto dos conflitos in-
quência . . . De fato, a símbolização não que alguém o pense, debruçando-se so- se "aqueles problemas" não nos atingis- conscientes sobre a conduta da pessoa
é algo que se passa ao nível racional, bre ele, com uma necessária distância, sem mais, porque estão fora do alcance diminui, os sintomas enfraquecem, a sua
pelo raciocínio ou pelo "esforço de pen- tanto física quanto temporal; desta for- da nossa consciência e da nossa ação. vida se "despatologiza", a comunicação

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intra e interpsíquíca flui cora menos en- garia a "fazer a cabeça" do paciente,
traves, a pessoa dispõe mais de si mes- sendo que a sua "cura" ou a sua me- Não obstante esta impossibilidade in- Uma outra objeção, de peso, apóia-se
ma. . . lhora consistiria simplesmente na acei- trínseca, aquele "tudo" que abrange o em considerações semelhantes sobre as
Eis a simbolização: não um processo tação das novas diretrizes; estas pode- inconscienle pode ser locado indireta- limitações da verbalização, frisando em
automático, intelectual ou racional, mas riam desculpabilizá-lo ou tirar dele res- mente, O que em psicoterapia se visa e particular a falta de afetividade que ca-
um movimento de auto-integração torna- ponsabilidades que não quer ou não se torna praticável: a fala do paciente racterizaria a relação psicoterãpica, com
do possível pela fala e pelo seu poten- consegue assumir, de sorte que se sente sempre veicula muito mais do que ele as suas exigências de distância e de "tec-
cial de penetração nos recônditos da alma melhor.. . pensa ou pretende. As limitações da lin- nicídade". Em consequência, a fala do
humana, transcendendo a clivagem entre Uma outra objeçao, à qual já aludi- guagem e da sua verbalização de ma- paciente seria meramente mecânica, sem
consciente e inconscienle, entre racional mos, diz respeito aos aspectos intelec- neira alguma são impedimentos para que calor humano, sem emoção e sem expres-
e afetivo e contribuindo para a "cura" tuais e racionais da linguagem. Ê ver- elementos da sua vivência íntima se tra- sividade. Outras abordagens, menos ra-
da pessoa, dos seus males íntimos, des- dade que a linguagem é mais apta para duzam (ou se traiam), com ou sem a sua cionais e dando mais espaço às emoções
de que sejam de origem psíquica. expressar e transmitir pensamentos abs- intenção, a sua "vontade" explícita. "Fa- (e ao corpo) seriam portanto necessárias
Cabe frisar, todavia, que a linguagem tratos do que vivências, raciocínios mais lando, chegamos lá", sendo que, eviden- para que se desse livre expressão à sua
não é mágica: não é verdade que basta do que sentimentos — mas nem por isso temente, outras condições têm que ser intimidade, incluindo aí até os seus con-
falar para que a pessoa seja "natural- torna-se impossível existir um discurso realizadas para que o processo psicote- flitos inconscientes e os problemas resul-
mente" curada. Esla fala deve desenvol- carregado de afetos, emoções e sentimen- rápico se desenrole de modo a oferecer tantes do seu passado,
ver-se no interior da relação psicoterápi- tos, transmitindo algo da vivência pró- apoio e direcionamento ao trabalho de Várias formas relativamente recentes
ca, deve integrar-se neste trabalho muito pria. ambos. de psicoterapia seguem este raciocínio e
específico que entre os dois se opera — preconizam abordagens "mais flexíveis",
Sem dúvida, nunca se chegará a uma O que as palavras não dizem, deixa-
e nem sempre ele realmente ocorre, sen- mais emocionais, ou que trabalhem mais
transmissão integral da intimidade da -se inferir pelo contexto da fala, pelas
do a possibilidade da sua ocorrência con- com o corpo. Voltaremos a esta discussão
pessoa; muito se opõe a isto, além das alusões que esta contém a materiais múl-
dicionada por uma série de variáveis. Es- no último capítulo. Frisamos aqui tão-
limitações da própria expressão linguís- tiplos, pelo conjunto da sua história —
tas serão abordadas em outros capítulos; -somente que a ideia de "livre expres-
tica, notadamente a inviabilidade de um em suma, pelo não diIo que a atravessa
aqui trata-se tão-somente de definir o são", não isenta de fortes componentes
acesso dírelo à nossa interioridade: não e que faz parte dela, tanto quanto o dito.
instrumento da fala, condição sine qtta ideológicos, é mais um sonho, um desi-
dispomos de um contato imediato conos- A propósito, o silêncio também faz par-
non (mas não suficiente) para que algu- derato utópico (e obstinado) do homem,
co, razão pela qual precisamos daquela te da fala, faz parte da verbalização em
ma elaboração se realize. do que algo humanamente passível de
mediação que a linguagem estabelece. psicoterapia; esta não consiste num fa-
A respeito do papel preponderante da realização: não conseguimos nunca ser-
Temos aí, aliás, um paradoxo que ca- lar ininterrupto, rmis tem os seus inter-
linguagem em psicoterapia, encontramos mos livres de nós mesmos, nem expres-
racteriza a psicoterapia: o paciente está valos, as suas cadências, escansòes, pon-
cerfas objeçôes que voltam com frequên- sarmo-nos "livremente".
sendo convidado a "dizer tudo", possi- iuações e suspensões, pelas quais, nova-
cia. Elas são, muitas vezes, baseadas em
bilidade que, pela postura benévola do mente, é o contexto, são as implicações Por outro lado, as regras que direcio-
mal-entendidos, ou então em premissas
terapeuta, lhe é efetivamente oferecida; do não-dito que "estão dizendo algo". nam a relação psicoterãpica (e vimos
ideológicas representando determinadas
mas sabe-se de antemão que é impos- O silêncio, pois, é uma maneira muito anteriormente a sua justificação teórica)
orientações, não necessariamente de acor-
sível, humanamente, "dizer tudo", visto particular de falar, e com eie todos os não impedem, em absoluto, que a ver-
do com os objetivos da psicoterapia. As-
que a categoria do "tudo", da totalida- outros fenómenos que observamos nas balização do paciente seja mesclada ou
sim o mal-entendido segundo o qual o
de abrangente, não faz parte da existên- sessões psicoterápicas, inclusive as ex- mesmo sustentada por afetoí> e emo-
trabalho psicoterápico residiria tão-so-
cia humana: estamos e somos limitados pressões corporais, os gestos, mímicas e ções — pelo contrário, se este seu dis-
mente num "falatório" ("bater papo"),
em tudo, condição humana cuja aceita- posturas: todos eles são maneiras de fa- curso for somente racional (ou raciona-
onde interviria mais a persuasão ou,
ção nos custa muito, formando frequen- lar, embora não dispensem a passagem lizado, intelectualizado), devem surgir
quando muito, reaçÕes de catarse, do que
temente um dos maiores conflitos psí- pela fala, para que realmente haja aque- dúvidas sobre a relação psicoterãpica e
processos cientificamente fundamentados.
quicos que temos que atravessar e re- la mediação para conosco mesmo que a interação que, neste caso, sem dúvida,
Ou ainda, que é o terapeuta que, falando
solver. permite uma aproximação dos conflitos funciona mal. Ê altamente desejável (e
mais, com insistência e imposição, che-
internos. perfeitamente possível) que a fala do pa-

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ciente seja afetiva, tanto quanto possí- mações sucessivas cujas cadências confi- timentos e desejos mais recônditos ve- pela faia permite mantê-los e evocá-los
vel. E ela o será, se a comunicação entre guram o processo em pauta. nham à baila. Se pode ser constrangedor ao seguirem-se os meandros do fluxo
ambos se situar realmente ao nível da Se o recurso à fala é imprescindível revelar tais assuntos, "normalmente" ca- verbal. Mesmo sendo, sem dúvida, am-
intimidade subjeliva que a relação psíco- para uma ação psicoterápica em profun- lados, não deixa de ser libertador tocar bíguo e plurívoco em sua expressão, co-
terápica requer. didade, ela detém ainda certas vantagens neles e "dar nomes aos bois", oportu- mo toda linguagem, este, não obstante,
Se islo não ocorrer, c que algo está intrínsecas. Em particular, a fala permite nidade segura para que o trabalho pros- possibilita uma comunicação relativa-
errado, embora não nos princípios teó- que os conflitos que surgem no interior siga com novo ímpeto. mente precisa — mais precisa, pelo me-
ricos (que já fizeram suas provas, inú- do próprio relacionamento terapêutico Podemos comparar, aliás, com a vida nos, do que a linguagem corporal ou in-
meras vezes), mas nas contingências con- sejam verbalizados. Tais conflitos são familiar: as coisas não ditas, omitidas e fraverbal —, capaz de focalizar (e sim-
cretas que presidem o desenrolar deste normais: sentimentos de rejeição ou de passadas sob silêncio, continuam presen- bolizar!) os conteúdos conflitantes.
ou daquele caso particular. Contingên- incompreensão, agressividade aberta ou tes e incomodam, ficam engasgadas e Dando aparentemente muitas voltas, a
cias ligadas à pessoa do terapeuta, ao latente, dúvidas, desconfiança ou dissi- transformam-se aos poucos cm mentiras, veibalização do paciente guarda contatos
paciente, ã problemática, ao contexto e, mulação fazem parte do trabalho psico- sempre percebidas pelas crianças. Dizer "estruturais" com os seus conflitos ínti-
portanto, à questão da indicação tera- terápico e ocorrem tanlo no início quan- a verdade pode assustar, pode encabular mos; estes, origem de seus sofrimentos,
pêutica {ver cap. 7), necessitando um to na fase de aprofundamento. cada um de nós, mas alivia c limpa ter- razão da sua estada em lerapia e alvo
exame aprofundado e certas medidas, co- renos que se pode, desde então, escara- do seu trabalho, não se volatilizam como
Ao frisar que tais empecilhos são funchar com proveito.
mo, por exemplo, uma mudança de téc- normais, participando regular e inevita- na atuação, mas ficam presentes, se cer-
nica ou de terapeuta. Mas não cabe, velmente de toda psicoterapia, queremos No entanto, é evidente que o psicote- cam e se revelam nas entrelinhas das
por islo, incriminar as características da rapeuta tem que deter habilidade e ma- ambiguidades e equívocos de sua fala.
dizer que esta nunca corresponde a uma
fala humana: nela a expressão emocional turidade suficientes para saber lidar com Como outros modos de expressão tam-
sinecura: vislo que "mexe" com a his-
é realizável com facilidade. Ela ocorre o material que chega assim a se verificar bém, esta sempre diz muito mais do que
tória passada do paciente, tentando re-
na grande maioria dos casos, onde a re- — sem se sentir agredido ou ofendido, o explicitamente formulado. Em oposi-
elaborá-la para resolver as problemáti- sem situar estas erupções ao nível pes-
lação psicoterápica se instala de modo cas aí pendentes, os sentimentos negati- ção a linguagens infraverbais, preserva
a desencadear a comunicação do mate- soal, mas utilizando-as, devolvendo-as este "algo mais", este não-dito e o desen-
vos (tanto quanío, é claro, os positivos) de maneira criteriosa, abrindo novas fa-
rial subjetivo íntimo. E esta comunica- tendem a reproduzir-se na situação de volve, vinculando-o, pela continuidade
ção subjetiva sempre é uma comunicação cetas ao trabalho terapêutico. Ditos e do relato, com a história da pessoa, com
terapia, deslocados agora para a figura analisados a dois, estes sentimentos ne-
vivida com muitos afetos, porque toca do psicoterapeuta. O importante é que os seus pensamentos e afetos, e o tira,
os sofrimentos presenles e passados da gativos podem transformar-se em dicas destarte, aos poucos, do seu sigilo pato-
possam ser ditos. Calados, camuflados valiosas, em aliados poderosos para apro-
pessoa e, com eles, o conjunto de recor- ou escamoteados, farão estragos às vezes gênico.
ximar-se mais dos objetivos do processo.
dações que perfazem a sua história irreparáveis, levando, não raramente, à
pessoal. Outrossim, a linguagem, enquanto ins- Eis, novamente, o processo de simbo-
interrupção da terapia. Nomeados, tor- lização que configura os objetivos do
trumento de comunicação e de compre-
Pois é desta que se trata: a história na-se viável a sua análise, podem ser processo psícoterápico. Passamos, num
ensão, constitui o campo onde os con-
do paciente é, antes de tudo, a história trabalhadas as suas implicações, ramifi- último subcapítulo, a defini-los melhor.
flitos da pessoa podem aflorar, se mani-
de sua afelivicíade; falando de si, é dela cações e significações latentes, cm bene-
festar com maior ou menor nitidez — c
que se fala, c quanto mais se aprofunda fício do próprio processo terapêutico. onde podem ser mantidos e trabalhados.
o próprio material subjetivo, mais a fala Cabe ao terapeuta, à sua "arte", à sua Repetimos que esta possibilidade se es- 3.9. A definição dos objetivos
será carregada de afetos c emoções — e intuição, criar um clima propício para gota quando, ao invés de verbalizar, com psicoterápicos
mais ela será verdadeira. A verdade da que o paciente consiga, em confiança, paciência e persistência, se passa dire-
pessoa, para cuja emergência o trabalho falar dos seus sentimentos a respeito do lamente para a ação; vivendo e atuando Já tocamos várias vezes na questão
psícoterápico se engaja, é uma verdade terapeuta, a respeito da situação íntima os próprios sentimentos e emoções, os dos objetivos que se pretende alcançar
subjetiva e afeliva, e c pela fala que ela (e envolvente) que se cria entre ambos, conflitos aos quais estes se atam, esva- em psicoterapia. Poderíamos ter come-
é tocada e se revela •— nunca totalmen- à medida que cada vez mais material ziam-se e desaparecem, pelo menos mo- çado a delimitação teórica de nosso
te, nunca diretamente, mas em aproxi- subjetivo se esgaravata, até que os sen- mentaneamente, enquanto a passagem campo definindo os objetivos, mas dei-

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xamo-lo para o final, o que nos possi- que possa aí impor a sua visão, uma vez
bilita agora rever uma série de elementos que o psicoterapeuta tem que tomar as à procura de uma solução. Mas "liber- liberdade e com o maior grau de cons-
já discutidos, comparando-os com a per- suas decisões em seu foro íntimo, insti- tação" ou "solução" quer dizer o quê? ciência possíveis.
gunta mais fundamental que possamos tuindo-se como a sua própria autoridade. Como consequência da nossa definição "Libertação", em nosso sentido, sig-
(e devemos) nos colocar: por que, para Eis uma lías razões que tornam o exer- dos conflitos intrapsíquicos, torna-se ob- nifica pois aumentar o campo da cons-
que fazer psicoíerapia? cício de sua profissão tão difícil c que vio que não pode tratar-se de uma mera ciência — sem nunca chegar a uma ple-
Reparamos a amplitude da pergunta e acarreta tanta responsabilidade ética: libertação dos sintomas —- mas libertar na consciência de si ou a um "esvazia-
as suas implicações múltiplas, quando ninguém pode decidir cm seu lugar quan- de que então? mento" do consciente — e aumentar, por
analisamos as diversas respostas que en- to aos seus aios terapêuticos, ninguém conseguinte, o leque de ações conscien-
A palavra não é isenta de conotações
contramos na literatura. O tema é pas- pode justificá-los (nem, menos ainda, tes, responsáveis e assumidas; significa
ideológicas c pode, de fato, ser definida
sível de iodas as interpretações, onde se removê-los); apenas ele mesmo poderá ampliar o autoconhecimento para viver
de maneiras bem diversas; digamos, para
mesclam facilmente opiniões, preconcei- assumi-los, deverá assumir-se em suas menos num faz-de-conta de "como se",
começar, que pensamos numa libertação de autocamuflagem e de escamoteação
tos, convicções e ideologias, todos eles funções e responsabilidades de psicote- interna que permita ao paciente dispor
imbuídos, inevitavelmente, de elementos rapeuta. dos verdadeiros problemas, tendências e
mais livremente de si, superando os en- desejos; significa desenvolver aquelas
subjetivos. Não há dúvida, aliás, que traves oriundos dos seus conflitos e di-
uma definição objetiva esteja fora de a!- Os objetivos que enumeramos cm se- potencial idades que ficaram amordaça-
guida, serão, portanto, os nossos objeti- visões pessoais. Isto, no entanto, não das sob o peso das repressões e inibi-
cance, porquanto envolve a questão de
vos, pelos quais fizemos uma opção pes- significa que uma libertação total seja ções; significa ainda, aumentar a capa-
valores e, por conseguinte, questões éti-
soal, em função da nossa imagem do possível, ou que as suas divisões inter- cidade de autocontrole e de disposição
cas e filosóficas. Estas correspondem às
Weltanschauungen, às cosmovisões ou homem e da nossa concepção daqueles nas possam ser eliminadas — utopias de si, para poder efetuar as escolhas vi-
ideologias entre as quais nós todos nos valores engajados no trabalho psícote- que cabe afastar da visão tanto do tera- tais com conhecimento de causa.
situamos — embora muitas vezes sem rápico. Isto, aliás, já transpareceu na de- peuta quanto do paciente! Teria a ver,
finição dos conflitos inconscientes como do lado do terapeuta, com presunções Não se trata de nenhuma libertação
nos darmos conta das nossas escolhas, que transformaria o paciente num ser
das suas razões ou justificações e das constituindo o material sobre o qual se (infantis) de onipotência, pelas quais
trabalha em psicoterapiít: refere-se à acredita dispor de poderes extraordiná- absoluto, soberano e aulo-suficiente —
numerosas influências, sociais c cullu- nem, sobretudo, em alguém capaz de
rais, abertas, sutis ou inconscientes que imagem do homem dividido entre cons- rios para levar o outro a uma "cura"
ciência e inconsciente, o que deveras não sobrepujar-se aos outros, de os dominar
sofremos e que, de alguma forma, con- completa; do lado do paciente, corres-
é a única concepção do homem possível; ou os dispensar: a libertação que colo-
tribuem para nos condicionar. ponderia a uma expectativa irreal de
mas a adolamos porque nos parece am- camos como objetivo, não visa tirar o
conseguir chegar a um estado paradisía-
plamente justificada, tanto pela expe- indivíduo da sociedade, do convívio com
Sem querer entrar na discussão do li- co sem tensões, sem conflitos e, quem
riência clínica quanto por considerações os outros, mas integrá-lo melhor nela,
vre-arbítrio ou do determinismo — te- sabe, sem limites. As duas perspectivas,
teóricas. em consequência de sua maior integra-
mas filosóficos intermináveis — deve- numa tal situação, seriam portanto com- ção consigo mesmo. Pretende pois apro-
mos, pelo menos, admitir que as nossas Cabe portanto a cada (futuro) psieo- plementares, sendo que em ambas se ximá-lo dos outros, para chegar, nisso
opções não são totalmente livres nem, terapeuta optar pela concepção antropo- acredita, magicamente, em um mundo também, a encontrá-los com maior liber-
cm seus determinantes, totalmente cons- lógíca que lhe parecer mais pertinente, limitado onde o indivíduo poderia, usu- dade do que antes, livre agora das coa-
cientes; todavia, isto não nos parece ser escolher uma orientação teórica em con- fruir de uma liberdade plena, sem mais eões internas criadas no decorrer da sua
um argumento para não ter que assumi- sonância com a primeira (bem como com ser restringido pela "condição humana". história; não visa, contudo, libertá-lo
das, tentando elucidá-las ao máximo e os seus valores existenciais pessoais), e das coações externas, daquelas que fa-
responsabilizando-nos pelas consequên- definir os objetivos que se pretende (e Este não é o sentido da libertação zem inevitavelmente parte da vida so-
cias que decorrem delas cm suas apli- que se deixam) atingir pelos métodos e que apontamos como meta do processo cial; a meta é levá-lo a enfrentá-las com
cações clínicas. técnicas decorrentes. psicoterápico. O trabalho incluído neste maior facilidade e mais tolerância. Em
Mas, repetimos, não é possível che- Como primeiro objetivo geral fixaría- processo não acabará com o fim da te- outras palavras, ele tem que aprender a
gar-se a uma definição única que, neste mos o ideal de uma libertação da pessoa rapia, mas continuará no sentido de uma respeitar os outros sem se sentir amea-
âmbito, seria necessariamente uma defi- que, lutando com dificuldades de ordem exigência permanente de se enfrentar a çado por eles (eis um outro aspecto da
nição autoritária — e não há autoridade intrapsíquica e interpessoal, nos consulta si mesmo, de avaliar c de efetuar então libertação), admitindo as diferenças para
as opções que se impõem, com a maior
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com os outros sem sentimentos de rejei- dos sintomas em si já é um objetivo apre- Em outras palavras, a opção que faze-
cias" latentes, sejam elas hereditárias ou
ção ou de exclusão. ciável que, às vezes, pode ser suficiente; mos tem que ter consistência interna, e
adquiridas; implica pois uma visão dua-
Para voltar à questão dos sintomas mas não nos parece possível reduzir o ao fazc-la temos que saber os riscos que
lista do homem que nem todos os pes-
mencionada acima: a sua eliminação evi- homem ao seu comportamento, nem, corremos, a respeito, no caso, do ideal
quisadores ou profissionais da área se
dentemente faz parte dos objetivos da tampouco, a psicoterapia a uma modifi- dispõem a admitir. . . de uma avaliação "científica", isto é,
psicoterapia, mas não exclusiva, nem cação comportamental — opinião ou Quanto a nós, colocamos como obje- ohjctiva e generalizável: se ela não é
prioritariamente; pretende-se chegar a "crença" na qual se reflete, evidente- tivo geral da intervenção psicoterápica possível, cabe desistir do empreendimen-
outras mudanças, mais profundas ou mente, a nossa visão do homem, a nossa
mais globais que, quando ocorrem, acar- a mudança, da estruturação inconsciente to— ou então criar critérios que, embora
opção pessoal quanto ao alcance e ao desta personalidade. Porém, ao sublinhar subjelivos, tenham consistência interna.
retam também a resolução dos sintomas.
sentido da intervenção psicoterápica. esta mudança intrapsíquica como essen- Voltaremos a este problema mais
Uma tal concepção implica novamente
No entanto, na literatura, é comum cial para que este processo possa ser adiante, discutindo a avaliação dos re-
uma determinada visão do ser humano
encontrar a distinção de três tipos de ob- considerado como bem-sucedido, enfren- sultados. Aqui resumimos que, apesar de
e das suas patologias: os sintomas não
são considerados em si como constituin- jetivos que podem coexistir, se suceder tamos a dificuldade de defini-la: sendo todos os empecilhos, o objetivo ideal de
do "o problema" do paciente, mas como ou se isolar. Assim Wolberg(ll) (capí- intrapsíquica, ela consiste em quê? Quais uma transformação ampla da pessoa (ou
representando-o, enquanto este se situa tulo 7) acha pertinente distinguir entre seriam os critérios para a sua avaliação? de sua "personalidade") deve ser man-
"alhures". o alivio dos sintomas, a mudança do Percebe-se que esta dificuldade não exis- tido para atingir aquela libertação autên-
comportamento e a mudança da perso- te a respeito da eliminação dos sinto- tica (embora não máxima) que definimos
Colocamo-nos, pois, claramente, em nalidade, considerando-os como três ocor- acima, e que coincide, em nossa visão,
mas; em abordagens, todavia, que visam
oposição à abordagem comportamental, rências possíveis ao longo do processo objetivos "mais profundos" ou "mais com a resolução dos seus conflitos in-
por exemplo, que se restringe explicita- psicoterápico. complexos", ela entrava seriamente a conscientes, alcançada pelo próprio pa-
mente a combater os sintomas, conside- Justapor assim estas três mudanças, avaliação dos resultados, bem como o ciente.
rados como efeitos de aprendizagens er- significa que todas as três são realizáveis
radas; eliminados os sintomas, cessa a cotejo das diversas abordagens entre si. É interessante notar que a ideia de
e que a opção entre elas é não somente Mas não vemos razão, nisto, para abrir "libertação" da pessoa não é própria à
intervenção do terapeuta comportamen- possível, mas ainda necessária, em fun-
tal e o comportamento do paciente fica mão de objetivos que ultrapassam o alí- psicoterapia das sociedades ocidentais
ção de determinadas variáveis, a definir vio sintomático, ou mesmo a mudança modernas. Watts (1974) (25), notadamen-
"modificado". De sorte que não se dis-
mais adiante (ver capítulo 6). Eliminar do comportamento: o ideal de uma li- te, comparando a psicoterapia ocidental
tingue entre o manifesto e o latente, en-
ou aliviar os sintomas aí não se apresen- bertação interna, a mais ampla possível, com os procedimentos psicoterãpicos
tre o que a pessoa mostra e o que ela
"é", nem entre o comportamento e os ta, portanto, como o único objetivo pos- persiste, podendo mesmo ser considera- orientais, assinala a proximidade dos ob-
seus determinantes intrapsíquicos. Sendo sível, mas como uma das libertações ca- do como uma exigência ética. jetivos que, em ambos os casos, preco-
esta distinção sem nenhuma relevância bíveis, entre as quais o psicoterapeuta lunto com esta concepção, temos pois nizam uma certa libertação interna.
(ou sendo mesmo negada), o comporta- pode optar, negligenciando consciente- que assumir a subjetividade do processo A definição dessa libertação, no en-
mentalismo não fixará outros objetivos mente as outras opções. Coloca ainda o de psicoterapia, da mudança de persona- tanto, diverge bastante de um contexto
além daquele, funcional e facilmente objetivo da mudança da personalidade lidade que nele se almeja, e da avaliação cultural para outro. As psicoterapias
"operacionalkável", de eliminar os sin- (ou da sua "reconstrução") como o obje- dos resultados. Quem tem que mudar (e orientais visam antes de tudo libertar o
tomas: os sintomas suprimidos, o pro- tivo mais complexo, mas também o mais tem que querer isto!) é o próprio pacien- espírito dos seus entraves materiais, da-
blema apresentado pelo paciente é con- difícil a atingir, representando uma es- te, e cabe a ele alcançar (com a ajuda queles que exercem coerção sobre o livre
siderado como resolvido. (V. Garfield & pécie de ideal que, no entanto, nem sem- do terapeuta, c claro), sentir e avaliar as desabrochar espiritual, em consequência
Bcrgin)(12). pre se deixa realizar. mudanças que nele ocorrem. A dificul- da ligação limitadora com o próprio cor-
A noção de personalidade é muito dade, portanto, de fixar e avaliar este po e com a realidade material que nos
Este exemplo demonstra como a ima- discutida, até quanto à sua pertinência. objetivo, é inerente à complexidade da cerca. Os métodos e técnicas utilizados
gem do homem — unitária ou dualista, Como conceito, representa um construto tarefa: se nós assumimos esta, temos aqui representam guias para conceder al-
como superfície ou como interioridade difícil de ser operacionalizado, visto que que assumir também aquela, uma vez forria aos acometidos dos males terres-
— determina os objetivos da interven- se refere a uma abstração não observá- que não se deixa contornar como aci- tres, mediante a meditação transcenden-
ção terapêutica. De fato, a eliminação vel. Ele implica estruturas ou "instân- dental. tal, a contemplação divina ou êxtase
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místico. A libertação é, portanto, con- Finalizando, cabe frisar mais uma vez ciente, 0 psicoterapeuta e a própria re- de atuação científica e eticamente res-
cebida como referente ao peso da exis- que o fato do psicoterapeuta ter convic- lação, o processo em que ambos se en- ponsável.
tência material: despertando a orienta- ções próprias que o levam a fazer deter- gajam — sejam claramente definidos, As teses desenvolvidas aplicam-se, é
ção espiritual, a pessoa conseguiria li- minadas opções entre as diversas linhas para que o (futuro) psicoterapeuta tenha
vrar-se dos bloqueios decorrentes do seu óbvio, à área geográfica ocidental, uma
teóricas e os valores que implicam, não plena consciência das implicações antro- vez que é nela que se arraigam os cri-
condicionamento físico e atingir esferas quer dizer que ele tenha que deixar-se pológicas, psicodinámicas e psicopatoló-
superiores em seu desenvolvimento men- térios científicos e éticos referidos. Elas
dominar por elas, transformando-as em gicas da sua prática. não têm nenhuma pretensão de univer-
tal. ideologias que, mais cedo ou mais tarde, No entanto, estas reflexões teóricas salidade. No Oriente, na África ou no
O ideal de uma libertação do corpo, poderá ser tentado a impor aos seus pa- devem ser assimiladas pelo aprendiz pa- Brasil indígena, outros critérios são vi-
do suporte material da existência, não cientes. Uma opção vira ideologia quan- gentes e norteiam as práticas psicoterápi-
ra, em seguida, serem esquecidas, por-
intervém nos objetivos da psicoterapia do se apresenta como única, quando se cas segundo modalidades culturais pró-
quanto a prática clínica não consiste em
ocidental. Nela, pretende-se muito mais radicaliza e esquece a presença de ou- prias. Aplicadas pois à "realidade brasi-
teorizar e nem sequer em aplicações de
integrar corpo e alma da pessoa, melho- tras opções cabíveis — quando perde o leira", elas têm valor apenas para a for-
uma teoria preestabelecida; para que a
rar o ent rosa mento para diminuir (mas respeito pela diferença dos outros. mação universitária (e pós-universilária)
sua prática clínica seja autêntica e es-
não eliminar) os atritos entre ambos e Neste sentido, o terapeuta, mesmo fi- de psicoterapeutas profissionais que par-
pontânea, sem que seja improvisada, ele
chegar assim a solucionar os conflitos cando firme em sua própria postura, tem tilham da cultura ocidental; o "saber"
que existem entre estas duas vertentes tem que saber o que está fazendo, para
que oferecer ao paciente a possibilidade contido nesta tese não substitui outros
da existência. No âmbito ocidental, pois, que não se transforme em aprendiz-feiti-
de fixar ele mesmo os seus objetivos, tem saberes, de origem popular, indígena ou
a concepção da libertação coaduna-se ceiro, criando males maiores do que os
que oferecer-lhe as várias opções que se afro-brasileÍTa, cujo valor e cujas práti-
com determinados valores, em primeiro que pretende curar.
apresentam, para que possa fazer uma cas cabe reconhecer e aproveitar para
lugar com aqueles ligados à pessoa: a escolha pessoal. Esta, sem dúvida, será A teoria, portanto, deverá estar pre- fins terapêuticos, conforme as mais di-
libertação será aquela de um sujeito cuja facilmente influenciada pela "autorida- sente de maneira permanente, mas como vergentes crenças das pessoas que as
subjetividade e historicidade não são de" do psicoterapeuta e pela linha teó- um jundo incorporado, assimilado pelo procuram.
considerados como obstáculos, mas, pelo rica a qual pertence, em geral conhecida terapeuta para que possa nutrir-se dele
contrário, como valores a serem realça- Sc a concepção aqui desenvolvida não
de antemão pelo paciente; não obstante, durante a sua prática, mas não para que
dos e assumidos para que se aleance uma deixa espaço para práticas mágicas, por
o terapeuta não deve embriagar-se com seja reflctida durante o seu exercício
integração mais flexível e mais livre de exemplo, não significa que estas sejam
esta sua autoridade, mas excrcè-la com profissional. A reflexão teórica se pro-
sua personalidade. em si condenáveis, mas tão-somente que
humildade, procurando o bem do outro cessa então em dois momentos: durante não obedecem aos critérios que norteiam
e não a exaltação do próprio poder. a formação do futuro psicoterapeuta,
A grande maioria dos representantes o nosso trabalho e a nossa ideia de teo-
ocidentais não considera o prazer do cor- quando toma conhecimento das implica- ria e prática psicoterápieas.
po, por exemplo, como um obstáculo ções amplas da prática psicoterápica; na Nas considerações esboçadas, evita-
para o equilíbrio da pessoa ou para o reflexão sobre a sua prática, quando se mos propositalmente recorrer a termos
seu desabrochar espiritual mas, pelo con- Chegamos ao término do nosso deli- trata de proceder a uma elaboração teó- técnicos ou teóricos específicos. Como se
trário, como uma condição sitie qua non neamento teórico. Com ele, definimos rica acerca das experiências acumuladas trata aqui de um esboço geral de uma
para a sua sã expansão existencial. Esta um conjunto de elementos teóricos, po- e dos novos questionamentos que daí teoria geral da psicoterapia, tais termos,
concepção —• que evidentemente tem dendo constituir um sistema geral de surgem. ao nosso ver, não cabem; na medida que
evoluído muito desde a Idade Média, e referências, passível de orientar a nossa Os elementos de uma teoria geral da isto se faça necessário, eies serão intro-
continua a evoluir — determina as di- reflexão para saber o que possa, o que prática psicolerápica aqui apresentados duzidos nos capítuios seguintes. Assim
versas orientações psicoterápicas no Oci- deva ser uma psicoterapia. Estes elemen- entendem-se pois como um instrumento falamos, até agora, apenas de "relação"
dente e faz com que os seus objetivos tos dizem respeito aos Ires pólos da re- útil e mesmo indispensável para esta psicoterápica e não de "transferência",
gerais acerca da "libertação" tenham um lação terapêutica (v. capítulo 1) e às suas prática c para a pesquisa que dela de- de "material psicológico" e não de sua
denominador comum, bastante diferente múltiplas interaçÕes. Parece-nos impres- corre, sendo que ambas não se deixam "perlaboração" ou "interpretação", as-
daquele vigente no Oriente. cindível que estes três pólos — o pa- dissociar, se se quer manter um nível pectos particulares que dependem de

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uma determinada orientação leórica e 4. A respeito do pesquisas em psicoterapia edições meramente comerciais, a ponto de 12. GARFIELD, S. L. & BERGIN, A. E.
conjugal e da família, baseadas na teoria os editores nem se preocuparem em tradu- (orgs.). Handbook of Psychotherapy and
das suas técnicas.
da comunicação, a seguinle obra oferece zir a bibliografia citada: as obras de refe- Behavior Change. New York, Wiley, 1978.
O único conceito mais teórico que uma visão baslanle completa: GURMAN, rência são sistematicamente citadas em in- 13. SCHRAML, W. J. & BAUMANN, U.
utilizamos foi aquele de "inconsciente", A. S. & KNISKER, D. R, "Research on glês, mesmo quando não foram escritas em (orgs.). KlMsche Psychologie. Band I:
pelo fato de sua utilização ultrapassar a mental and family therapy: progress, pers- inglês (caso das obras de Freud, por exem- Theorie und Praxis; Bern, Vcrlag Hans
estrita teoria psicanalítica e participar de pective and prospect". Em: GARFIELD & plo), ou quando já existem traduções para Huber, 19J3*. Band II: Methoden, Ergeb-
outras linhas psicoterápicas (se não da BERGIN (orgs.}. Handbook of Psychothe- o português ou para o espanhol. Porém, o nisse und probleme der Forschung; id-,
rapy and Behavior change: ãtl anpirical que é mai<. grave (com execção do livro 1974.
cullura geral), o que justifica, ao nosso analysis. New York, Wiley, Í978. de Fiorini), é que tanto a concepção geral
ver, a sua inclusão em nosso delinea- 14. PONGRATZ, L. J. (org.). Klinische Psy-
5. Como obras que discutem as diversas abor- ito trabalho psicoterápico como os exem- chologie. (vol. 8 do "Handbuch der
menlo. Este de modo algum visa uma dagens praticadas no "mercado psí" e aces- plos e estudos de casos se referem tão- Psychologie"). 2 Halbbiinde. GÕttingen,
doutrinação em benefício de uma ou ou- síveis na língua portuguesa, podemos citar: -somente à realidade americana; especifici- Verlag fur Psychologie Hogreffe, 1917 e
ira linha de atuação, seja ela psicanalí- — COREY, G. Técnicas de Aconselhamen- dades culturais c comparações transcultu- 1978.
to e Psicoterapia. Rio de Janeiro, Editora raís nem sequer são mencionadas. O valor
tiea ou não, mas submete um conjunto destas obras para o iniciante brasileiro é 15. SCHNEIDER, P. B. Propédeutique d'une
de elementos à reflexão do (futuro) pro- Campus, 1983 (Manual americano e prá- Psycholherapie. Paris, Payot, 1976.
tico, discutindo questões básicas e abordan- assim bastante diminuto, a não ser que se
fissional, como incentivo para questio- do oito linhas psicotfirápicas, comparan- queira aceitar o bram-morminu neo-colo- 16. FIORINI, H. J. Teoria e Técnica de Psico-
nar-se sobre as implicações da sua prá- nialista... terapian. Rio de Janeiro, Francisco Alves,
do-as entre si).
tica. Acreditamos que destarte, ele será 1976.
— FERREIRA, A. E. & CARNEIRO, 6. BREUER, J. & FREUD, S. Studien iiber 17. STROTZKA, H. (org.). Psychotherapie:
melhor preparado para ter consciência T. F. (orgs.). Personalidade e Psicoterapia Hysterie. Leipzig & Wíen, Verlag Franz Grundíagen, Verfahren. Indikationen. Miin-
das dificuldades deste seu trabalho, para Hoje. Rio de Janeiro, Zahar Editores 1983 Deuticke, 1895. Trad. port.: ESBr., vol. II chen: Urban & Schwarzenbcrg, 19782. (A
adquirir as qualificações desejáveis, e (discute cinco abordagens psicoterápicas (1974). opinião citada encontra-se na introdução
para poder exercer as suas funções de numa visão americana, sem aprofundá-las). 7. JONES, E. Obra e Vida de Sigmund Freud. do organizador do volume, representativo
psicoterapeuta. — BROWN, D. & PEDDER, J. Introdu- Rio de Janeiro, Zahar, 1975. do pensamento do Instituto de Psicoterapia
ção à Psicoterapia. Rio de Janeiro, Editora 8. Trata-se de um dos "Artigos sobre Técni- da Universidade de Viena; o autor a cita
Campus, 1981 (aborda apenas a linha psi- ca", a saber "Zur Einleitung der Behan- píira precisamente criticá-la).
Bibliografia e notas coiiinániica, numa. visão americana). dlung" (1913), em: Gcsammclte Werke 18. MELTZOFF, J. & KORNRE1CH, M. Re-
í. Ver a respeito o livro de FRANK, J. D. — FIORINI, H. J. Teoria e Técnica de Psi- VIII, 454. Trad. port.: "Sobre o inicio do search in Psychotherapy. New York, Ather-
Persuasion and Healing. A comparative coterapías. Rio de Janeiro, Francisco Alves, tratamento", em: ESBr. vol. XII, pp. ton Press, 1970.
Study of Psychotherapy. (Baltimore & Lon- 1976 {título enganador: discute tão-somen- 164-187. 19. Um autor como COREY (op. cit. na
don, John Hopkíns Press, 1973), onde O te a psicoterapia breve e as suas aplica-
ções). 9. Ver, por exemplo: EYSENCK, H. J. Per- nota (5) ) ressalta involuntariamente esta
auior analisa as influências persuasivas (e sonality, learning and "anxiety", cm: EY- passividade, quando recusa a noção de
moralizantes) operando em praticamente — WOLMAN, B. B. (org.). Técnicas Psi- SENCK, H. J. (org.). Handbook of abnor- "paciente" por causa da sua "orientação
todos os processos de cura, opondo-se ã canaVtticas (3 vol. 1. A Técnica Freudiana; mal Psychology (2nd ed.). London, Pitman, passiva", dizendo que prefere o "uso do
"desmoralização" sofrida pelos pacientes. 2. Freudianos e Neofreudianos; 3. As Téc- 1983; ou ainda a obra recente do mesmo termo cliente, ao referir-se à pessoa que re-
2. Desenvolvemos esta ideia num irabatho es- nicas Não-Frendi anãs e Técnicas Espe- autor, com um título significativo: The De- cebe assistência psicológica", (p. 22). Ora,
crito em. comemoração ao centenário d;i ciais) . Rio de Janeiro, Imago Editores,
"psicologia científica: "A Psicologia Cien- cline and Fali of the Freudian Empire. Lon- quem "recebe" assistência não é menos pas-
1976 (obra já clássica, bastante aprofun- don, Viking Pcnguin, 1985. sivo do que o "paciente"; apenas se situa
tífica: Realidade ou Mito?", publicado em: dada, mas com contribuições muito hete-
Psicologia, Ciência e Profissão (CFP), 1/1, 10. WOLMAN, B. B. (org.). Handbook of Cli- fora do campo médico ou clínico.
rogéneas).
pp. 11-37, 1981. nicai Psychology. New York, McGraw Hill, 20. A título de exemplo da confusão entre psi-
3- Sobre pesquisas em psicoterapia centrada — DEWALD, P. Psicoterapia — Uma 1965. coterapia e aconselhamento, podemos citar
no cliente, encontra-se amplo material bi- Abordagem Dinâmica. Porto Alegre, Artes 11. WOLBERG, L. R. The Technique o, Psy- mais uma vez o livro de COREY (op. cit.
bliográfico nas seguintes obras: Médicas, 1981. chotherapy. New York, Grune & Stralton, na nota (5) )q»e, já pelo título, junta acon-
— HART, J. T. & TOMLINSON. T. M. —• I.ANGE, R. As bases da Psicoterapia. 1967! (2 vol.). Assinalamos que este autor selhamento e psicoterapia. De fato, tenta
(Eds.). New directions in ciient-centered Porto Alegre, Artes Médicas, 1984. cita, no primeiro capítulo da sua extenua precisar estas nomenclaturas, mas encontra
therapy. Boston, Houghton Mifflin, 1970. — RIBEIRO, J. P. Teorias e Técnicas Psi- obra, nada menos do que 26 definições di- dificuldades; aconselhamento {operado pelo
— WEXLER, D. A. & RICE, L. N. coterápicas. Pctrópolís, Vozes, 1986. ferentes sobre psicoterapia, tiradas de obras "orientador" ou "conselheiro", traduções
(Eds.). Innovationi in clie/it-centered the- Esta enumeração não se pretende exaustiva. de autores americanos que se estendem de adotadas pelo tradutor brasileiro, v. nota da
rapy. New York, Wíley, 1974. A grande maioria destas obras representam 1942 até 1965. p. 17 da obra) refere-se, segundo o autor,

99
"ao processo através do qual se dá oportu-
nidade aos clientes de explorarem preocupa-
ções pessoais", com o objetivo de "auxiliar
o indivíduo a descobrir os recursos de que
dispõe par;i «ma vida mais produtiva". Psi-
coterapia, no entanto, "focaliza processos
inconscientes e preocupa-se com mudanças
gicas e antropológicas, no que diz respeito
à sua presença na cultura c na clinica de
hoje. As abordagens psicológicas do Édipo,
focalizando os sentimentos, as atitudes ou
as fases genéticas, tentaram contornar a di-
ficuldade de FREUD cru fundamentar me-
lhor a sua teoria, devido à insuficiência da
1
Capítulo 4

As diversas relações psicológicas


na estrutura da personalidade" (pp. 22-23). ideia de simbolísmo social da qual podia e psicoterápicas
Ambas, no entanto, tratam de "crises exis- dispor em. sua época — contorno pelo
tenciais particulares", sem referência à psi- qual se pagava o preço do abandono da
copatologia nem ao campo clínico. E o especificidade do inconsciente, instituído
autor acrescenta: "muitas vezes uso estes pelo Édipo. É a concepção estrutural, ba-
termos juntos — e às vezes até mesmo to- seada no simbolismo social da linguística e
mando um pelo outro". da etnologia, que permite a elaboração teó-
O aconselhamento, nascido da linha huma- rica do alcance antropológico do Édipo c
nista-existencial na psicologia americana, da sua conexão com a linguagem. O valor
evita as referência clínicas e, como aparece estrutural do Édipo consiste nisso: estrutu-
no caso citado, nem as atribui à psicotera- rar o advir do sujeito e a sua convivência
pía; invocar as crises existenciais como sen- em sociedade.
do situações de conflitos onde aparecem as
micro e macropatologias de cada um está 23. Ver a respeito: ARGELANDER, H.
fora de moda, poderia chocar,.. Um outro Das Etttinterview in der Psychotherapie. Após a nossa tentativa de delinear teo- demos incriminá-las, afaslando-nos de
trecho da mesma obra deixa islo claro: Darmstadt: Wisscnschaftliche Buchgescll- qualquer veleidade moralista. Não obs-
ricamente, islo é, como princípios gerais
"cada vez mais, o aconselhamento e a te- schaft, 1970. O autor distingue entre três
rapia são encarados como veicuios de aulo- fontes de informação, objeliva.s, subjetivas e sem referência direla à prática, a re- tante, faz-se mister proceder a esta com-
-exploraçáo, a fim de assistir pessoas 'nor- e situativas e desenvolve a partir daí con- lação psicoterápiea como ela "deveria" paração e avaliação no interesse de itma
mais' na realização mais plena de suas po- siderações interessantes sobre a dinâmica e funcionar, cabe-nos agora a tarefa de delimitação clara das diversas formas de
tencial idades. Minha clientela é constituída a "psico-lógica" que intervêm nesta "situa- comparar estes princípios com a realida- atuação clínica, bem como das suas pos-
sobretudo POT uma população relativamen- ção de diálogo descomum". de clínica que nos circunda. Todavia, síveis interfaces ou, ao confrário, oposi-
te sadia..." (p. 19). Tais afirmações de
um profissional não deixam de chamar a 24. Concernente à noção de desejo na psica- 86 o nosso esboço geral lem alguma per- ções. Trata-se de reconhecê-las quando
atenção — como se o "anormal", o patpló- nálise, Indicamos: tinência, implica certas consequências: existem, em proveito de desempenhos
gico não fizesse parte do campo psicológi- — GARCTA-ROSA, L. A. Freud e o In- não devemos nos ater apenas a compa- coerentes e responsáveis, já que não é
co e psicoterápico. Podem-se encontrar consciente. Rio de Janeiro, Zahar Editores, ração com aquilo que exíslc ao nosso
1984, em particular os capítulos III (O possível mesclar quaisquer princípios ou,
exemplos semelhantes em outros trabalhos redor, mas proceder também a uma ava-
sobre aconselhamento. Discurso do Desejo: A Interpretação de pior ainda, querer abrir mão deles total-
liação das diversas relações psicológicas menle.
Sonhos) e VI (O Desejo).
e/ou psicoterápicas, para ver até onde
— CARIOU, M. Freud e o Desejo. Rio dá
21. Ver a respeito: ROCHEBLAVE-SPENf.E, elas correspondem à nossa definição. Neste sentido, pois, podemos dizer que
Janeiro, Imago Editores, 1974.
A. M. Psicologia do Conflito. São Paulo, a relação psicoterápiea que idealizamos,
Livraria Duas Cidades, 1974. A autora 25. A este respeito, consulte-se com proveito; Não se traia nislo de uma petitio prin-
WATTS, A. W. Psicoternpiii Oriental e corresponde a uma relação extrema ou
apresenta uma análise histórica da con- cipiam, mas da mais coerente aplicação
Ocidental. Rio de Janeiro, Record, 1974. "pura" que nem sempTe está presente
cepção conflituosa do homem, em linhas possível das ideias e desenvolvimentos
filosóficas, psicológicas e psicanalíticas. 26. A respeito da importância da linguagem no anteriores à atuação clínica do profissio- nas diversas relações psicológicas. Dis-
22. Ver a respeito: BUCHER, R. O valor desenvolvimento humano, consulte-se com nal em psicologia, para que esta corres- tinguiremos uma série de nove relações
estrutural do "Complexo de Édipo". Aller proveito — LADRIÈRE, J. A Articulação interpessoais. Veremos que somente a úl-
ponda aos critérios mínimos de cientifi-
— Jornal de Estudos Psicodinâtnicos (Bra- do Sentido. São Paulo, EDUSP, 1978. tima combina plenamente com as nossas
cidade c ética que chegamos a definir.
sília) 12/1, pp. 25-44; 1982. Neste traba- — ORTIGUES, E. Le Dhcours et !e Sym- esiipulações sobre a relação psicoterápi-
lho, seguindo as ideias desenvolvidas por bote. Paris, Aubier-Montaigne, 1962. Com efeilo, exislem em nosso "mer-
E. ORTIGUF.S no seu "Édipo Africano" ea como sendo uma "relação interpes-
— LEMAIRE, A. Jacques Lacan — Uma cado psi" muitas atuações diferentes c
(Paris, Plon, 1966), analisamos o comple- Introdução. Rio de Janeiro, Editora Cam- que nem sempre se coadunam com os soal subjetiva". Apoiamo-nos nesta aná-
xo de Édipo em suas implicações psicoló- pus, 1979. (Sobretudo partes 1 e 2). princípios que discutimos. Não preten- lise na obra de Schneider(l), mas dis-

100 101
Capítulo 6

O processo psicoterápico

Repetidas vezes falamos já do proces- cesso", comumente usada hoje em dia,


so ou dos processos que se desenvolvem nos oferece esla oportunidade. De fato,
nas diversas relações psicológicas ou psi- se esta noção se tornou corriqueira pa-
coterápicas. Cabe agora definir o que ra designar as diversas práticas psicoló-
emendemos por processo especificamente gicas, não quer dizer que o seu sentido
psicoterápico — especificidade que, es- e as suas implicações sejam realmente
peramos, ficou clara a partir das carac- claros. É o caso notadamente dos famo-
terísticas estipuladas para que haja rela- sos "processos de mudança", vocábulo
ção interpessoal subjeíiva. Para proceder que se alastrou e se impôs para caracte-
a esta definição, nada melhor do que rizar o conjunto das "intervenções" obje-
analisar as implicações "processuais" des- tivando modificações, seja do comporta-
mento, seja de determinadas atitudes ou
tes três termos, bem como de todos os
mesmo da "estrutura da personalidade".
lermos invocados anteriormente na ten-
Para que não se torne, pois, um chavão
tativa de esmiuçar os ingredientes da re-
impertinente, faz-se mister defini-lo ade-
lação psicotenípica.
quadamente.

Semanticamente, a noção de processo


6.1. Definição de "processo" e c complexa e implica desdobramentos
sua aplicação à psicoterapia que merecem a nossa atenção. Deixan-
do de lado os aspectos jurídicos ou físi-
No capítulo 3, propusemos alguns de- cos, salientamos, em primeiro lugar, o
lineamentos do campo psicoterápico, a aspecto dinâmico: processo é algo ativo,
serem completados agora com vistas à algo em marcha, em curso para uma de-
mais precisa apreensão possível daquilo terminada meta. Por conseguinte, inclui
que efetivamente "se passa" na prática uma determinada temporalidade, uma du-
clínica. Refletir sobre a noção de "pro- ração ou um prazo, isto é, uma "su-

137
cessão de estados" que comporta uma tramos, assim, mais uma vez a impor- tar disposto a se relacionar, mas tem
ção não se limitar a contatos superficiais,
conotação evolutiva e, de fato, já algu- tância da imagem do homem, subjacen- que se ser também capaz de fazê-lo! E
como trocas òe informações, amenida-
ma referencia a mudanças. De acordo te ao imenso leque de intervenções rea- isto, o paciente na maioria das vezes não
des sociais ou conversa de passatem-
com o Aurélio, processo representa "uma lizadas sobre o homem; deixamos para o é; pelo contrário, é por causa das suas
po, mas tornando-se realmente "interpes-
sequência de estados de um sistema que a reflexão de cada um estimar até que dificuldades em se relacionar com ou-
soal", possibilitando intercâmbios pro-
se transforma", o que envolve, além das ponlo estas diversas intervenções respei- trem, da sua "carência relacional" que
fundos (embora assimétricos); 5,°, se
noções de evolução e de mudança, aque- tam tanto a complexidade quanto a dig- procura em geral a ajuda da psicotera-
chegar a tocar e mobilizar a subjetivida-
la de um conjunto organizado ("sistema") nidade humanas, provocando aqueles pia. . . Esta capacidade, no entanto, nun-
de de cada um, propiciando o aflora-
que sofre alterações dentro de uma certa processos de mudança prelensamentc be- ca falta totalmente, como já frisamos, e
mento do material conflituoso subjetivo
continuidade. A este conjunto perten- néficos para e l e . . . se deixa desenvolver, mediante estimula-
do paciente e proporcionando atitudes
cem fatos que detém uma certa unidade, ções pertinentes por parte do terapeu-
Em seguida, podemos dizer que, no de intervenção adequadas da parte do
incrementando fenómenos caracterizados ta; a partir de uma disposição básica
ser humano, a dinâmica dos seus pro- terapeuta.
por um certo ritmo, uma regularidade de se trabalhar (isto é, de se questionar
mais ou menos previsível e uma lógica cessos psíquicos (porque podemos tratar Sc estas três condições são reunidas
apenas destes, e não dos processos bio- a si mesmo) e de um mínimo de "rcla-
(evolutiva) interna. — e pode custar muito para se chegar cionabilidade", o trabalho (mas talvez
lógicos ou sociais, embora interdepen- a isto •— então um processo curativo
Um processo não é, pois, um fenóme- dentes) pressupõe todo o movimento exis- não ainda o processo) psicoterápico po-
pode iniciar-se. Podemos falar assim de de iniciar-se e pode lentamente crescer,
no aleatório. Ele obedece a leis que de- tencial do conjunto histórico de sua vi- pré-requisitos formais, indispensáveis pa- um volume de trocas e qualidade de con-
terminam sua ocorrência e a regras que da. Ela está inserida, pois, inevitavelmen- ra que haja processo de mudança, isto teúdos.
presidem o seu desenrolar efetivo. Ele se te, entre os pólos ontológico e ônlico de é, para que haja um processo verdadei-
deixa estimular, desencadear ou dirigir sua existência e participa da transitorie- Preenchidos, pelo menos parcialmen-
ramente psicoterápico que leve a mudan-
mediante determinados métodos ou téc- dade que o caracteriza como ser finito te, estes pré-requisilos básicos, é que o
ças profundas, que provoque alterações
nicas — deixa-se pois manipular de fo- e histórico (v. acima, 5.3.). Isto deverá acordo pode ser selado, de modo infor-
incisivas na existência da pessoa, na ma-
ra, embora se desenvolva segundo uma ser levado em conta quanto ao acompa- mal, primeiro, e mais formal em segui-
neira de se enxergar a si mesma, de per-
lógica própria, que limita o impacto da nhamento (ou eventualmente à direção) da (sob forma de "contrato terapêutico",
ceber os outros e de descobrir (novos)
manipulação externa. Por conseguinte, desles processos era psicoterapia. Vere- ver b.2.). Este acordo consiste no con-
sentidos de vida.. .
sua evolução detém uma certa autono- mos mais adiante as propriedades des-
mia, relativa, c verdade, mas que é pre- ta transitoriedade nas três fases especí- De maneira menos formal, podemos sentimento mútuo em trabalhar juntos,
ciso respeitar se se quiser atingir mu- ficas do seu desenrolar. afirmar que somente haverá processo cada um dando o melhor que puder pa-
danças autênticas — isto é, mudanças psicoterápico, se existir uma disponibili- ra que este trabalho seja bem-sucedido.
que se coadunam intrinsecamente com Fará que haja realmente um processo dade de ambas as parles para trabalha- Este "bem-sucedido", no entanto, refe-
a natureza íntima do conjunto sistémi- na psicoterapia, nos sentidos dinâmico, rem juntas e para se engajarem pessoal- re-se aos objetivos a serem alcançados
co que sofre a intervenção. evolutivo c modificador, esta, sustenta- mente, com um máximo de abertura e na reta final da terapia; cabe portanto
mos, tem que se engajar como relação de sinceridade por parte do paciente, defini-los no interior do acordo que se
Aplicando estas considerações abstra- interpessoal subjeliva. Melhor: esta rela- com um máximo de aceitação e de serie- esboça, para que ambos concordem quan-
tas agora ao ser humano, portador dos ção tem que obedecer a certas regras dade profissional por parte do psicote- to ao rumo geral que tomará o trabalho.
processos de mudança em pauta, pode- (mínimas) para que se inicie aquele pro- rapeuta. Embora respeitando os papéis Este se desenvolverá dentro de um de-
mos dizer, cm primeiro lugar, que o con- cesso que chamamos (por falta de uma específicos de cada um, esta disponibili- terminado campo de realidade, que tem,
junto organizado, que inicia movimentos palavra mais adequada) de "curativo". dade básica para se relacionar em pro- sem dúvida, uma consistência própria,
sequenciais, consiste na unidade bío- fundidade tem que estar presente em am- cspaço-iemporal, mas que não consiste
Esmiuçando, chegamos então à con-
psicossocial do homem. Para que uma bos para que se chegue a um acordo em uma redoma — não deve consistir
clusão (óbvia, mas a ser reafirmada com
mudança seja autêntica, essa unidade, e, em seguida, a um contrato. nisto para não correr o risco de afastar
força) de que este processo só será de-
portanto, tem que ser respeitada em suas o paciente demasiadamente do seu am-
sencadeado se: 1.°, se estabelecer uma Este acordo, no entanto, é dificulta- biente habitual. Em suma, para não alie-
características íntimas, ou seja, antropo- relação (psicológica) entre os participan-
lógicas, no sentido mais amplo. Encon- do por causa de uma premissa que ra- ná-lo mais ainda, visto que já denota di-
tes que se comunicam; 2°, se esta rela- ramente está preenchida: não basta es-
138 139
fículdfldes específicas cm se relacionar
no desenvolvimento deste autoconfronto,
em sua vida cotidiana. vantes quanto à situação clínica de tais formações objetivas, subjetivas e situa-
ritmado segundo as possibilidades do
Apresentado deste modo, percebe-se entrevistas, aspectos não ou insuficiente- tivas.
próprio paciente, ou seja, nas sequências
que o processo psieolerápico não perten- mente abordados nas publicações do gé- As informações objetivas relacionam-se
dinâmicas do seu trabalho contínuo de
ce a uma realidade radicalmente "ou- nero. com fatos: dados pessoais, biográficos,
se revelar a si mesmo, de se entregar,
tra", isolada do "resto" da vida do pa- de se abrir, de se questionar e se esqua- Discutiremos três aspectos: a entrevis- acontecimentos da história de vida, ca-
ciente. Ele não visa subtraí-lo dos seus drinhar para chegar à meta geral, aque- ta clínica propriamente dita, a questão racterísticas salientes da personalidade
afazeres comuns, oferecendo-lhe um am- la, simultaneamente, de se libertar dos do psicodiagnóstico, o contrato terapêu- etc. Estes dados se deixam comprovar e
biente particularmente aconchegante ou seus conflitos mais íntimos, de se conhe- tico. Um quarto aspecto, capital, aque- podem ser estabelecidos com relativa pre-
acomodador, nem a prometer-lhe facili- cer melhor e de melhor se integrar con- le da indicação para psicoterapia, me- cisão. O reconhecimento, no relato do
dades nas tarefas de manter <; desenvol- sigo mesmo. rece ao nosso ver um capítulo a parte. paciente, de certas constelações de da-
ver os diversos aspectos de sua integra- dos, repetições, ciclos, periodicidades e
Parece-nos difícil definir melhor o que Os primeiros contatos entre um psi-
ção social. O que nele e graças a ele conexões, permite determinadas inferên-
"é" o processo psicoterápico. A defini- coterapeuta e um candidato à psicotera-
se torna possível, é o auloconjwnto do cias psicológicas. Estas, baseadas na ex-
ção que apresentamos é ampla e descri- pia nem sempre têm as características periência clínica e no saber teórico
paciente; aí ele estará protegido das con-
tiva, mas baseia-se em todas as nossas re- formais de uma entrevista clínica. É pos- do praticante, correspondem a hipóteses
sequências nefastas que um tal confron-
to poderia acarretar se ocorresse em uma flexões anteriores acerca da "essência" sível tratar-se de um encontro ocasional acerca da origem e do sentido da pro-
vida comum, mas nem por isso estará do trabalho que, nela, idealmente se efe- ou meramente informativo. Mas, se o blemática apresentada pelo paciente.
vacinado quanío ao sofrimento que ele tua. "Processo", pois, está intimamente candidato insistir em seus desígnios, eles
ligado a esta noção de "trabalho" que terão que chegar a uma entrevista mais Tais indagações evidentemente são plu-
implica. rívocas, embora com um grau variável
já discutimos repelidas vezes -— o que formal, de caráter exploratório, aprofun-
De fato, se o campo de realidade do significa que., na ausência deste traba- de pertinência lógica, dependente das
dado e subjetivo. Eís talvez a proprie-
processo psicoterápico oferece uma cer- lho (na mera "curtição", por exemplo), combinações efetuadas entre os dados
dade decisiva para que uma entrevista
ta proteçào contra invasões alheias, ele não se instaura aquele processo pelo (certos) e as inferências (conjecturais).
psicológica possa ser considerada como
não é um campo asseplizado, e muito qual o material conflituoso 6 tocado e A imagem da personalidade, a afeiçoar
clinica: que atinja a dimensão subjetiva a partir das informações objetivas, cons-
menos um campo cor-de-rosa, mas pro- elaborado, segundo encadeamentos pró- do candidato (que doravante podemos titui mais uma reconstrução, um "cli-
priamente um campo de batalhas, a se- prios a cada psicoterapia, naquele "cami- chamar de paciente), ultrapassando o ní- chê" do que uma imagem fiel e perso-
rem travadas peio (e contra) o próprio nhar juntos" tão singelo que a torna
paciente. . . Há processo, de fato, a par- vel da polidez social ou aquele da obje- nalizada do paciente.
efetíva e eficiente. tividade, desejável em entrevistas de se-
tir do momento em que o acordo entre As informações subjetivas contidas no
os dois existe, em que há um entendi- Vejamos então o que "se passa" nas leção ou outras.
diversas fases que se deixam distinguir, relato do enlrevistante referem-se a vi-
mento recíproco para proceder a este Eis, evidentemente, a nossa visão da vências, experiências, recordações e im-
esquematicamente, em todas as psicote-
confronto — a partir do momento, pois, rapias. entrevista clínica. Outras abordagens en- pressões subjetivas, sem nenhuma possi-
em que há disposição para verbalizar fatizam a necessidade de se chegar a bilidade de comprovação objetiva. Os
"tudo", inclusiva o mais recôndito e o um máximo de dados objetivos, recusan- dados invocados são incertos. O que con-
mais subjetivo, e, de oulro lado, em ou- do ou negligenciando os fatores subjeti- ta são as significações pessoais que o
vir tudo, em aceitar todo e qualquer ma- 6.2. A fase inicial do processo vos e a interação entre os atores. Valo- paciente lhes atribui. A categoria de cer-
terial proveniente do paciente, sem dis- psicoterápico rizar este ou aquele fator, corresponde to ou errado é aqui inoperante, uma vez
criminação, sem preconceitos e sem jul- a uma opção do profissional, realizada que não existem critérios externos para
gamentos. Muito se tem escrito sobre a fase cm função do seu credo pessoal. julgar: o paciente "senle" que tal ou tal
inicial da psicolerapia, cm particular so- evento de sua vida tem para ele tal ou
Mas se é desta forma que o processo De fato, em toda entrevista deixam-se
bre as entrevistas iniciais. Como a lite- tal significação, e sobre significações
pode iniciar-se, ele consíte em quê? Eis distinguir três tipos de informação (v.
ratura sobre entrevistas psicológicas é pessoais não cabe discutir. Ademais, as
pois a definição do processo psicoterá- Argelander) (2), sempre presentes, mas
abundante(l), ressaltamos aqui apenas significações que as constelações do pas-
pico que estamos devendo: ele consiste cuja utilização depende dos valores e in-
alguns aspectos que nos parecem rele- sado detém para ele fazem precisamente
teresses do entrevislador. Trata-se de in-
140
141
parte da problemátíea pela qual está à nas entrevistas iniciais, de modo que a
da situação de entrevista (ou cada ses- suas dificuldades, mas não pode ser for-
procura de uma ajuda e de uma mu- linha teórica adotada determina necessa-
são de terapia) é inevitavelmente única. çado, e nem sequer "seduzido", para
dança; cabe ao processo de terapia pro- riamente a condução destas.
Para que se possa falar em informações, que consiga isto, A entrevista clínica
mover esta mudança, a ponto de alíerar faz-se necessária sua captação, o que se Em termos gerais, defendemos, por-
corresponde a uma situação "livre", on-
as significações que atribui a sua vida, torna possível através da personalidade tanto, a concepção da não-diretividade,
de os bloqueios do paciente merecem res-
mas não cabe ao enirevistador discuti-las. do enirevistador, da sua experiência clí- como sendo a mais adequada para a
peito, tanto quanto as suas verbaliza-
Não se trata, pois, de querer conven- nica e de sua perspicácia quanto às men- atuação do psicólogo clínico na entre-
ções. Não se trata pois de invadi-lo com vista. Contudo, existem várias maneiras
cê-lo quanto a inadequação de sua visão sagens infraverbais transmitidas pelo pa- o intuito de "ajudá-lo" ao máximo; a ati- de praticá-la, em concordância com a
de si mesmo, de sua vida e do mundo — ciente, além ou aquém dos seus propó- tude de uma expectativa prudente é mais personalidade do profissional, com a si-
disto ele próprio frequentemente tem sitos explícitos. Tais informações, quan- adequada, ficando-se à sua disposição, tuação concreta da entrevista (pacifica,
consciência, sem que consiga mudá-la. do perceptíveis, são produto dircto da in- respeitando os seus silêncios e tentando agressiva, angustiante...), com a pro-
Somente a investigação em conjunto per- teração que se estabelece, e contém in- entender os sentidos das difieuldades que blemática, a idade, a especificidade do
mite esclarecer os ponfos conflitantes dicações valiosas sobre a capacidade re-
apresenta. paciente e assim por diante. Deste mo-
desta sua visão e a não convergência do lacional do paciente.
No entanto, a decisão quanto a uma do, não parece possível, nem desejável,
objetivo e do subjetivo, da quaí resulta
Todavia, tais indicações também não atitude mais ativa ou mais passiva, mais estabelecer regras sobre a forma de atuar
a sua psicopatologia pessoal. Esta é ta-
devem ser superestimadas, uma vez que intervencionista e "ajudante", ou mais nas entrevistas iniciais •—• além daquela,
refa não das entrevistas iniciais, mas da
a situação de uma primeira entrevista é de expectativa, dependerá de uma deci- fundamental, de estar disposto a ouvir o
psicoterapia a seguir.
altamente constrangedora, podendo sus- são mais fundamental, teórica e tecnica- outro. Como, concretamente, esta dispo-
As informações subjetivas, portanto, citar bloqueios diversos e, por conseguin- mente, a saber, quanto a uma aborda- sição se exterioriza, eom maior ou me-
não são comprovadas, mas elas são uní- te, dificultar a expressão mais livre e es- gem diretiva ou não-diretiva. Este últi- nor participação, distãneia, calor ou in-
vocas: para o paciente, "é isso aí" que pontânea do paciente. mo termo fez sucesso a partir da divul- tervenção, cabe a cada profissional de-
está sentindo (por exemplo, que sua mãe As Ires fontes de informação são com- gação das ideias de Rogers (4) sobre a cidir, sendo que esta sua decisão vai sem
nunca o limou. . .), c não há dúvida plementares e, de fato, indispensáveis se importância da "não-diretividade" no tra- dúvida mudar de uma entrevista para ou-
quanto à realidade subjetiva desta sua se quer chegar a uma imagem abrangen- to com o cliente (posteriormente trans- tva, mesmo com um arcabouço teórico
queixa; porém, eis todo o problema do te, tanto da pessoa quanto de sua pro- formada cm "terapia centrada no clien- firmemente estabelecido.
estatuto desta realidade "interna", ou se- blemática. Quando cias são integradas, te"). Contudo, historicamente (mas tam-
ja, da "realidade psíquiea"(3), entroniza- bém teoricamente), a não-diretividade im- Um aspecto particular das dificuldades
a fidedignidade e o valor das informa-
da por Freud como campo de atuação plica mais, a saber, o afastamento que que enfrenta o paciente nas entrevistas
ções crescem, permitindo que o entrevis-
clínica da psicanálise, mas também da Freud operou da sugestão e da hipno- iniciais decorre da questão da confiança.
tador tire conclusões pertinentes quanto
psicoterapia como nós a entendemos. se (5), à procura de um instrumento mais No início, esta raramente é total, mas
ao diagnóstico e à indicação terapêu-
Mais uma vez, pois, a valorização do eficaz (e mais ético) de intervenção psi- condicionada pela expectativa geral quan-
tica.
subjetivo (ou não), das suas significações, coterápica. to à pessoa do psicoterapeuta, quanto à
Voltando à questão das dificuldades sua competência, sua seriedade ou sua
desejos e fantasias, decorre da opção pes- Bem antes de Rogers, a não-dirclivida- reputação. O crescimento desta confian-
do paciente em se "abrir" e se "entre-
soal do profissional — só que não se po- de correspondia pois à mudança profun- ça não pode ser forçado; o terapeuta
gar" nas primeiras entrevistas: insiste-se
de negar a importância das significações da introduzida por Freud, coincidindo tem que merecê-la, o que não é uma
muito, hoje em dia, sobre a importância
pessoais para o próprio paciente sem que (ver 3.2.) eom a preocupação por uma questão de sedução, nem de empatia,
da habilidade do entrevistador, de sua
lhe seja feita violência. . . aiuação psicoterápica científica. Até ho- nem de sugestão. Nenhum artefato será
empatia, de seu calor humano para aju-
As informações situaiivas são ligadas dá-lo a superar inibições ou reticências. je, então, a opção pela abordagem di- capaz de conquistar a confiança de ma-
ao eenário, à situação ambiental, ao con- Este aspecto nos parece bastante relati- retiva ou não significa uma opção em neira duradoura; ela será determinada
lexto global da entrevista. Elas contêm vo, representando mais uma duvidosa termos teóricos, antropológicos e éticos, pela autenticidade da postura do tera-
poucos dados, são dominadas pela vivên- faea de dois gumes do que um instru- com conseqiiêneias cruciais para a intera- peuta — e esta não se deixa adquirir
cia atual, "aqui e agora" e, deste modo, mento realmente eficaz. Sem dúvida, o ção entre psicoterapeuta e paciente — mediante técnicas de treinamento, de
não se podem reproduzir, sendo que ca- entrevistante tem que ehegar a superar consequências estas que se delineiam já

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persuasão ou de "relações humanas". aceitar o outro é criadora de uma rela-
Neste sentido, o aprendizado técnico do Para estabelecer o diagnóstico, a inves- quanto na condução da psicoterapia a se-
ção humana autêntica, base, como já vis- guir; esquece-se que para que haja um
candidalo a terapeuta encontra limites, tigação da história de vida do paciente é
lumbramos, de todo processo terapêuti- plano terapêutico possível, precisa-sc de
estabelecidos pelas características pes- fundamental. Com efeito, é através da
co verdadeiro. Se há em toda relação ilnamnese, não somente dos seus distúr- indicações nítidas e de visões, se não cla-
soais necessárias para o exercício destas
troca de afetos e envolvimento afetivo, bios psicopatológicos, mas do conjunto ras, pelo menos bem delimitadas; esque-
funções (ver 3.6.). Se é verdade que nin-
isto se efetua sempre muito mais do pa- das suas vivências, que vai ser possível ce-se, afinai, que não existe nenhuma psi-
guém nasce psico terapeuta, não é menos
verdade que a autenticidade de sua pos- ciente para o terapeuta, sendo que este, chegar a uma visão abrangente, impor- colerapia abrangente, capaz de tratar to-
tura corresponde a uma questão de per- para poder dirigir o trabalho dos dois, tante em particular quanto à concatena- dos os pacientes e todas as problemáti-
sonalidade que não st; deixa adquirir. tem que controlar a sua própria afetivi- çao entre o desenvolvimento histórico cas como se dispusesse de uma chave
dade, mesmo que esta esteja tocada pro- do paciente (e dos conflitos que aí se universal, de uma panaceia para todos
Na atitude do entrevistador (ou do te- os males oriundos da soltura da caixa
fundamente. Não se traia pois de "mer- arraigam), e os seus sintomas e queixas.
rapeuta) diante do entrevistante, a dis- de Pandora.
gulhar fundo" a dois para que haja um Há várias maneiras de praticar esta
posição de aceitá-lo integralmente, de ou-
"pleno encontro humano", mas de ga- anamnesc: sistematicamente, superficial- Uma tal crença, além de frisar a irres-
vi-lo e de trabalhar com ele futuramente
rantir a assimetria com vistas à inicia- mente ou dinamicamente adaptada aos ponsabilidade, decorre de uma superes-
é fundamental. Idealmente, pois, o clí-
ção de um processo psieoterápico que relatos do próprio entrevistante. Os três timação dos próprios poderes, o que mui-
nico não deveria operar nenhuma sele-
confronte o paciente consigo mesmo; ao tipos de informação mencionados ofere- to tem a ver com a onipoténeia infan-
çfio entre os candidatos a terapia. Não
invés de querer implementar gratifica- cem, juntos, pistas para proceder a esta til, mas pouco com uma atitude madu-
deveria ter preferência, preconceitos ou
ções para ambos, a postura do entrevis- investigação, em combinações variáveis ra e reflexiva de discernimento — além
ideias preconcebidas que poderiam en-
tador-terapeuta é responsável pela imple- segundo as atitudes diretivas e não-dirc- de descobrir, muitas vezes, uma falta
viesar a sua disposição em aceitar to-
mentação de condições de possibilidade tivas do entrevistador. Contudo, mesmo grosseira de competência clínica.
dos aqueles que o procuram. Mas um
para um futuro trabalho terapêutico. optando prioritariamente pela concepção Em nosso entender, pois, o diagnósti-
tal ideal de perfeição e de abertura in-
não-diretiva, a anamnese requer algumas co necessariamente faz parte do pensa-
condicional não existe: o clínico é um Uma vez assegurada a disposição bá-
investigações mais diretivas, sobre a com- mento clínico, também em psicologia.
ser humano, com todas as suas falhas e sica, faz parte das funções do entrevis-
posição familiar e os antecedentes, por Não vemos nisto nenhuma contamina-
defeitos. Estes nunca se deixam elimi- tador, alem de ouvir atentamente —•
exemplo, se se quer chegar a uma visão ção pelos ideais médicos, mas uma con-
nar totalmente, mas ele tem que ter cons- sem querer fazê-lo demonstrativamente, razoavelmente completa. Cada entrevis- sequência lógica da nossa definição da
ciência deles, tem que se conhecer me- como para demonstrar que "está dispos- tador terá que fazer a sua "mistura" atividade psicoterápica como pertencen-
diante o longo processo de sua formação to" a aceitar tudo —- a escuta seletiva, pessoal, no que tange às duas atitudes e te ao campo clínico — que ultrapassa
pessoal, e tem que aceitar os próprios li- operando a triagem entre os vários tipos suas combinações. as aplicações da medicina, como insisti-
mites. .. de material aos quais já nos referimos.
mos acima (ver 3.4.). Como concrela-
Se é possível treinar esta disponibili- Assim, a discriminação entre o conscien- Dependendo da linha teórica do en-
mcnle este diagnóstico se efetua, depen-
dade, ela encontra limites na fronteira te c o inconsciente, entre o real e a fan- trevistador, o seu diagnóstico será descri-
derá de cada linha teórica e dos crité-
de sua personalidade, ou seja, no ser tasmático, entre o presente e o passado tivo, nosográfico ou estrutural, será ba-
rios estabelecidos pelo seu rigor inter-
humano que ele é •— mas estes limites é indispensável para discernir a proble- seado mais nos sintomas apresentados
no, razão pela qual não insistimos sobre
são elásticos, e cabe a ele alargá-los na mática do paciente, em suas vinculações ou nos conflitos inferidos, ou será mes-
os diversos procedimentos possíveis.
medida do possível, para que possa real- íntimas com sua personalidade c sua his- mo inexistente...
mente colocar-se à disposição dos pa- tória de vida. De fato, é possível justificar, median- No âmbito da psicologia clínica, este
cientes que o consultam. te certas acrobacias argumentativas, a diagnóstico será sempre um psicodiag-
Se esta escuta deve operar ao longo nóstico. Todavia, esta palavra tem uma
No entanto, "colocar-se à disposição inexistência de um diagnóstico ao final
do processo psieoterápico, ela se reveste conotação especial, uma vez que se tor-
do outro" não significa ter que se envol- de uma avaliação inicial, apresentando-o
de uma importância particular nas en- nou sinónimo de "diagnóstico por testes
ver com ele. As nossas reflexões sobre como desnecessário ou supérfluo. Po-
trevistas iniciais, pois tem que levar o psicológicos"(6). Estes representam hoje
distância e dependência deixaram isto rém, ao proceder desta forma, esquece-se
entrevistador a um diagnóstico, um prog- uma ampla área de pesquisa e de apli-
claro. Toda disposição autêntica em da importância de um procedimento ri-
nóstico e uma indicação terapêutica. cação, eslendendo-sc da psicometria aos
goroso, tanto na avaliação diagnostica
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(estes projetivos e às situações lúdicas. lídade da existência do paciente, passa-
De maneira informal, a entrevista inicial da pelo crivo dos critérios da avaliação ção afetiva entre o terapeuta c o pa- gustiante para ele, inevitavelmente, uma
faz parle do psicodiagnóstico, visto que clínica. ciente. vez que não sabe o que vai acontecer,
consiste na investigação e exploração da A sua estabilidade é fundamental pa- qual o procedimento, as "normas" do "fa-
Indicação terapêutica e prognóstico zer psicoterapia"; não sabe, em suma,
problemática e da personalidade do con- ra o aprofundamento do processo; cada
dependerão da pertinência desta refle- o que "se passa" nas sessões que o es-
suitante, com afenção especial dirigida mudança de lugar, ou mesmo de cená-
xão, assegurada quando baseada em ali- peram.
para a anamnese. Mas, como não recor- rio, de decoração, da disposição dos mó-
cerces teóricos firmes e solidamente assi-
re a instrumentos particulares para che- veis, pode induzir reações contraprodu- Fixar horários contribui, junto com a
milados. Bstes representam a melhor ga-
gar aos seus objetivos, não se encaixa centes por parte do paciente. Tais rea- garantia do ambiente físico estável, pa-
rantia para que não se chegue a um
nas técnicas formais desenvolvidas a par- ções (por exemplo, sob forma de atua- ra diminuir esta angústia, criando-se as-
mero ato de rotulação.
tir de pressupostos teóricos próprios. ções) sem dúvida se deixam trabalhar, sim um continente espaco-temporal se-
A discussão destas técnicas de exame Como último elemento da fase inicial mas podem atrasar o desenvolvimento guro e delimitador. De chofre, as ses-
ou avaliação psicológica ultrapassa nos- do processo psicoterápico, faz-se neces- do processo, ou servir de pretexto para sões transformar-se-ão em algo mais fa-
sos propósitos. Remetemos à abundante sário discutir a questão do contrato. Se regredir, para justificar reticências parti- miliar, algo "seu" de que poderá se apro-
literatura especializada no assunto. o acordo entre ambos representa a con- culares e assim por diante. priar progressivamente. Por outro lado,
dição sitie t/ua non para que se inicie Em casos mais graves, mudanças do fixar a duração das sessões de psicotera-
Enfatizamos tão-somente que estas téc-
pia — da maneira mais flexível possível
nicas, quão válidas que sejam, não ultra- um processo psicoterápico -— acordo que espaço físico são vividas como perdas
— as insere no campo da realidade, coti-
passam o valor de instrumentos auxilia- nunca é puramente intelectual, mas tam- importantes ou como mutilações do pró-
diana do paciente: ele sabe que depois
res na tarefa de investigação clínica. bém afetivo, tocando profundamente a prio corpo. De fato, o espaço físico nun-
de meia hora ou hora inteira, voltará
Elas nunca substituem as entrevistas pes- dimensão da identificação —, o contra- ca é "neutro", mas toca sempre a ima-
aos seus afazeres comuns, que não ficará
soais, com todos aqueles ingredientes to representa a face externa deste enten- gem inconsciente do corpo c, como pro-
longamento, determinadas fantasias con- "preso", nem será totalmente entregue
que constituem a sua riqueza humana. dimento mútuo. Ele visa regularizar o
dicionadas por esta. Para não estimular aos cuidados do psicoterapeuta, com to-
Como esta riqueza subjetiva é sempre trabalho a ser empreendido pelos dois,
tais fantasias — que sempre envolvem das as fantasias que esta entrega pode
prejudicada pelas falhas que fazem par- em uma sintonia que inicialmente já po-
também o corpo do terapeuta — é im- comportar. A continuidade com a sua
te desta mesma situação, o recurso a de ser grande, mas que precisa de um
portante que o espaço físico não seja de- vida habitual será pois assegurada, as
técnicas especializadas sem dúvida se enquadramento solidamente estabelecido
masiadamente aconchegante: ele tem que fantasias de ser entregue aos poderes
justifica — mas eis uma questão pes- para aturar as tormentas a vir, ou seja,
sè-lo suficientemente para o paciente po- ocultos de um ícrapeuta-curandeiro con-
soal a ser decidida pelo profissional in- para continuar a servir como base afe-
der sentir-se à vontade, graças a um am- tidas. . . Simultaneamente, pela fixação
dividualmente. A resposta a esta questão tiva da relação terapêutica.
biente discreto e acolhedor, mas não de- da frequência das sessões, será definido
dependerá, mais uma vez, da linha teó- O contrato estipula certas condições ve querer oferecer conforto ou luxo que o ritmo do trabalho a empreender, esta-
rica adotada, de sua personalidade, dos do tratamento, as condições mínimas,
faça esquecer a exigência de trabalho, belecendo aquela continuidade intermi-
seus interesses e da situação particular por assim dizer, espaço-temporais e so-
em proveito de "curtições" regressivas tente da qual o processo terapêutico de-
deste ou daquele paciente. ciais. Toda terapia de fato dcsenvolve- quaisquer, pende para deslanchar.
Uma coisa, no entanto, nos parece -se dentro de uma determinada tempo-
óbvia: com ou sem técnicas psicodiag- ralidade e dentro de um espaço, físico O segundo fator a ser determinado A definição da macrotemporalidade
nósticas, a avaliação inicial nunca deve- e afetivo. Determina-se onde a psicotera- tange ao aspecto temporal. Podemos dis- coloca outros problemas, ligados mais
ria desembocar em uma wtulação do pa- pia será efetuada, em que lugar e em tinguir uma micro e uma macrotempo- aos objetivos da psicoterapia. Fies dizem
ciente. Diagnosticar não consiste em ro- que ambiente. Fixar um ambiente físico ralidade. A primeira diz respeito à fixa- respeito ã duração global da terapia a
tular, mas numa reflexão sobre a pro- estável c importante para a familiariza- ção das sessões: horário, duração, inter- iniciar, questão à qual ninguém pode
blemática apresentada. Esta reflexão po- ção e o crescimento da confiança do pa- valos, frequência. Determinar estas mo- responder com precisão. Com exceção da
derá ser reducionista — embora não o ciente, uma vez que é vivido como uma dalidades, de fato, é uma banalidade, terapia breve, o termino da ação tera-
seja necessariamente — mas tem que extensão do próprio corpo. Neste senti- mas detêm significações importantes pa- pêutica não pode ser previsto, nem pelo
abarcar, tanto quanto possível, a globa- do, representa um importante elo de liga- ra o paciente prestes a iniciar a sua te- mais experiente psieoterapeuta. Se a per-
rapia. Este início comporta algo de an- gunta do paciente sobre a duração de
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sua terapia c compreensível, ela não se tárias, e das possibilidades de reposição.
deixa responder (a não ser aproximada- caro, como entendem alguns. O que de- te. Pelo alo de pagar, quitamos as dívi-
Isto tem a ver com o pagamento, ques-
mente: dois a três anos, por exemplo) termina os preços que o psic o terapeuta das contratadas com os outros — a co-
tão de alta relevância para o profissio-
e tem que ser devolvida para ele, como cobra dos seus pacientes, deve ter a ver meçar pelos pais, representados, eles tam-
nal, mas que faz sofrer o paciente; nem
símbolo do risco que tem que correr com o sen senso de responsabilidade so- bém, pela figura do terapeuta. Pagar,
por isso deve ser omitida. Cabe discutir
entranhando-se em psicoterapia. Como cial e com a sua ética, e não com uma portanto, significa não receber de mãos
abertamente o pagamento das sessões,
esta não deixa de corresponder a uma exigência, construída artificialmente, se- vazias, mas retribuir as dádivas da vida
tanlo o preço quanto as modalidades,
certa aventura, o final não se deixa pre- gundo a qual a terapia "tem que custar inteira e inscrevê-las no rol das antece-
para evitar dúvidas futuras, mas tam-
ver, nem quanto à data, nem quanto à caro". Em nosso entender, pois, o psico- dências assumidas.
bém para situar o assunto desde o início
configuração que a existência da pessoa lerapeuta deve levar em conta as possibi- Porém, o sofrimento ultrapassa, é cla-
com clareza, impossibilitando (ou pelo
passará a adotar naquela altura. lidades financeiras dos candidatos à psi-
menos dificultando) qualquer manipula- ro, o ato cie pagar. Angústias, medos e
coterapia, isto é, deve cobrar honorários
Esta indefinição da duração pode as- ção futura. pânicos mais profundos assaltam o pa-
de maneira flexível. Dentro de certos li-
sustar o paciente. Cabe tranquilizá-lo a O princípio fundamental a ser respei- mites (uma vez que ele tem que viver ciente no decorrer do processo psicoterá-
respeito da continuidade da sua vida ha- tado na fixação do pagamento é que a do seu trabalho), é necessário que se pico. Isto é inevitável se se quer apro-
bitual ao longo do processo terapêutico: psicoterapia tem que custar algo ao pa- adapte às dificuldades reais dos pacien- fundar a sua problemática e tocar nos
este não fará parar sua vida, não repre- ciente. Como qualquer outra situação de tes — sem evidentemente cair no outro seus conflitos íntimos. Mas ele tem que
senta um período morto em sua trajetó- serviço profissional, ela implica uma extremo, aquele de oferecer seus serviços ser preparado para isto, tem que saber
ria existencial e nem um desperdício treca entre alguém que dá e outro que gratuitamente ou de se deixar manipu- que não é uma sinecura que o espera,
quanto ao tempo global de sua existên- recebe. Que a situação psicoterápica se- lar ou chantagear pelos seus pacientes. que os sintomas possam, inicialmente,
cia. É muito importante, pois, que o vín- ja específica quanto ao conteúdo do ma- aumentar em intensidade (como podem
culo com a sua realidade cotidiiina seja terial inlercambiado, não muda nada Dentro do conjunto da realidade so- fambém, pelo contrário, desaparecer),
mantido. Só paulatinamente o processo neste princípio, mesmo se encontramos cial, o mundo da psicoterapia constitui que o processo será flutuante, com altos
psicoterápico introduzirá mudanças nes- sérias dificuldades em definir o que, de uma parcela muito pequena. Não se po- e baixos imprevisíveis, e que não se dis-
ta sua realidade, muitas vezes até imper- fato, é dado e recebido. Enquanto rela- de esperar dos seus representantes uma põe de uma receita tranquila quanto a
ceptíveis "a olho nu", sendo elas mais ção interpessoal subjetiva, as trocas efe- revolução desta realidade, mas achamos um prosseguimento "normal".
senlidas do que observáveis. tuadas têm a ver com material afetivo que o idea! da acessibilidade da psico-
Recusando-se a responder à pergunla íntimo, mas c precisamente o pagamen- íerapia a todos deve ser manfido, apesar A extensão desta preparação — que
da duração do tratamento, o psicotera- to que a distingue da relação amorosa. de todas as práticas que se inscrevem faz parte da fase inicial e do contrato —
peuta recusa-se também a endossar a po- Ouírossim, a retribuição paga, além contra este ideal. varia de um para outro, mas ela deve
sição de um saber universal ou mágico de caracterizar a relação profissional de Pelo menos o psicoterapeuta deve ter corresponder a certas exigências míni-
que o outro lhe atribui. Querer respon- trabalho, tem ainda o significado de ate- consciência dos problemas que o cer- mas para assegurar a entrada no pro-
der com exatidão sobre a duração, sig- nuar a dependência do paciente, de lhe cesso. Faz parte deste preparo a instru-
cam, para não afastar toda c qualquer
nificaria postular-se como vidente, o que permitir desvendar mais facilmente sua ção para o trabalho a iniciar, necessá-
problemática social dos seus pacientes,
pode ser uma tentação, mas que tem problemática pessoal c de diminuir seu ria — aqui também em termos mínimos
sentimento de culpa — sempre presen- como se fossem meros pretextos ou ela-
que ser evilada, aceitando-se (e enfatizan- borações fantasmáticas: nem tudo é mun- — para que o paciente saiba como si-
do-o diante do paciente) os limites do te —- de receber atenção e afeto sem o
do interno; o mundo externo existe e tuar-se na terapia, o que fazer — seja
exercício da profissão, em oposição a merecer.
faz sentir a sua presença de maneira vi- tão-somente naquele sentido cio "dizer
qualquer pretensão de paranormalidade. A psicoterapia tem que custar algo, tudo e fazer nada" a que já nos referi-
rulenta, a ponio de impedir muitos can-
No contrato, devem ser disculidos mais também para que seja valorizada pelo didatos de realizarem sua vontade de in- mos. Como o conteúdo destas instruções
alguns fatores, de cunho mais social ou próprio pacienlc. Porém, este argumen- gressar em psicoterapia. é determinado pela orientação teórica de
de conveniências. Assim a questão das to, se é válido, tem que ser relatrvi- cada praticante e pelas técnicas que esta
O processo psicoterápico, dissemos
ferias, das interrupções eventuais da te- zado. Ele não significa que a terapia acima, implica um certo sofrimento, do condiciona, desistimos de apresentá-las
rapia, das faltas, voluntárias ou involun- tenha que custar necessariamente muito qual o pagamento evidentemente faz par- aqui em detalhes.
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6.3. A fase de trabalho terapia, ela também está temerosa quan-
to às incidências dos desvelarncntos, Em outras palavras, a perlaboração pres- sença mais afetiva ou mais aliva, quando
paulatinamente realizados, sobre seu supõe as inleraçõcs no interior desta re- o outro atravessa fases mais difíceis; tem
A fase de trabalho, ou fase interme-
equilíbrio instável. Cabe ao psicotera- lação: ela não se pratica sozinha, em- que assegurá-lo quanto ao sentido do
diária, representa a fase do processo pro-
peuta e ao enquadramento da situação bora subentenda funções e papéis bem trabalho, quanto à necessidade de ter
priamente dito. Aí se desenvolvem as
terapêutica oferecer uma segurança afe- definidos para ambos os atores. paciência consigo mesmo ou com o an-
interações psicológicas que se organizam
tiva suficiente para superar estes temo- Assim, é o paciente que "trabalha" a damento da própria terapia.
em um conjunto dinâmico de investiga-
ção, de elucidação, de recordação e de res e resistências, sem, no entanto, cair sua própria problemática para, com o Desta forma, sua direção, firme, se-
"perlaboração", com vistas ao reconhe- no extremo de um aconchego que eli- tempo, chegar a esvaziar a insistência gura c flexível ao mesmo tempo, tem
cimento e à resolução dos conflitos ínti- mine os sofrimentos psíquicos •— e as repetitiva das formações oriundas dos que controlar todos os parâmetros que
mos do paciente (no caso de uma psico- motivações para mudar — mediante gra- seus conflitos inconscientes. Se o psico- intervêm no processo e dos quais o pa-
terapia descobridora). tificações tranquilizadoras. Estas, sem terapeuta participa deste trabalho, cie o ciente não tem consciência, ou não a
dúvida, podem fortalecer o equilíbrio faz de maneira indircta, utilizando cer- tem inteiramente. Esta tarefa é com-
Mesmo partindo dos sintomas, no iní-
preexistente, mas impedirão mudanças tos recursos para incansavelmente relan- plexa, e é grande a responsabilidade do
cio do processo ou nas sessões cotidia-
mais profundas e mais radicais; impe- çar o paciente cm sua tarefa de autu-en- terapeuta pelo andamento do processo.
nas, o objetivo será sempre de cingir as
dem, em suma, a procura persistente de frentamento e desvelamcnto. Ele tem que fazer o possível para que
razões destes sintomas, ou seja, os seus
um novo equilíbrio. Entre estes recursos, cabe citar a in- este "ande para a frente", manejando
determinantes inconscientes. Mas islo le-
terpretação, arma capital — tanto em os diversos parâmetros, na medida em
va tempo, porque numerosos obstáculos Falamos acima de "perlaboração",
psicanálise quanto em psicolerapia — que se apresentem e que determinadas
opõem-se à aproximação dos núcleos neologismo criado por Freud para desig-
para superar as resistências c para pro- intervenções se tornem necessárias.
conflituosos, tanto as famosas "resistên- nar o trabalho incessante e repetitivo da
cias" do paciente quanto os diversos travessia do material conflitante (8). Se vocar o confronto do paciente consigo Porém, se ele é responsável, não quer
mecanismos de defesa que o protegem. esta noção se aplica mais especificamen- mesmo. Em um sentido estrito, a perla- dizer que seja onipotente para conseguir,
te à psicanálise, ela serve também para boração seria então a tarefa específica em todas as situações, garantir o pros-
Não entramos em discussão detalhada
designar o amplo trabalho de elaboração do paciente, em seguida a uma interpre- seguimento. No trabalho clínico, nem to-
destes mecanismos e resistências (7). Am-
do material subjetivo que caracteriza a tação pertinente, tenha esta sido aceita dos os parâmetros se deixam controlar,
bos são "normais" e se manifestam em
fase processuai da psicoterapia. ou recusada: em ambos os casos, ela e muitas vezes as situações são tão adver-
todas as relações terapêuticas, nutridos,
suscita resistências, a serem elaboradas, sas que mesmo o terapeuta mais expe-
em parte, pelas concepções antropológi- Em psicoterapia, esta elaboração pro-
para que o efeito da intervenção ultra- rimentado vem a falhar.
cas arcaicas que referimos no primeiro cessa-se de modo diferente daquela da
passe a aceitação intelectual ou a recusa Portanto, ele tem que tentar dirigir
capítulo. A proteção que eles asseguram psicanálise, mas algumas semelhanças
defensiva. este trabalho da melhor maneira pos-
à pessoa, c, de fato, ambígua: eles a merecem ser assinaladas. Em ambos os
protegem contra a interferência do ma- empreendimentos, efetua-se um determi- Voltaremos à especificidade da inter- sível. Mas tem que saber também, de
terial conflituoso em sua vida cons- nado trabalho psíquico, como já vimos pretação mais adiante. Queremos discutir antemão e com humildade, que não exis-
ciente e, simultaneamente, protegem tam- várias vezes. Sem este trabalho, não ha- aqui algumas junções do psicoierapeuta te certeza de conseguir cumprir esta sua
bém diretamente estes conflitos para que verá eficácia terapêutica em profundida- que se relacionam diretamente com o tarefa. Contingências múltiplas interfe-
não sejam revelados ou tocados. de, isto é, não se irá além de melhoras processo e a perlaboração. Em primeiro rem e a dificultam, razão pela qual sua
sintomáticas. Tampouco haverá cessação lugar, cabe a ele dirigir este processo. cautela é essencial para que não superes-
Eis, em suma, a função da resistên- time seus próprios recursos — o que
cia no processo psicoterápico: opor-se a das repetições, neuróticas ou compulsi- Isto não quer dizer dirigir o paciente,
vas, que esterilizam a vida do paciente. mas o trabalho efetuado pelos dois. Pa- poderá aumentar estas dificuldades mais
mudanças que poderiam colocar em xe- ainda, pela sua própria cegueira diante
que o precário equilíbrio conseguido Mas esta eficácia somente surgirá se o ra isto, ele tem que controlar a distância
trabalho se inscreve na relação psicote- para que seja adequada ao trabalho; tem delas.
através de compromissos entre as ins-
tâncias que se incompatibilizam. Se c rápica, seja esta definida como transfe- que ficar vigilante para que a depen- As noções de direção e de controle do
por causa da precariedade deste equilí- rência, em psicanálise, seja como relação dência do paciente não atrapalhe dema- processo psicoterápico são, portanto,
brio que a pessoa procura ajuda pela interpessoal subjetiva, em psicoterapia. siadamente o prosseguimento do mesmo; bastante relativas. Em particular, elas
tem que aumentar o apoio, por uma pre- nada têm a ver com direlividade ou con-
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trolc no sentido de manipulação de de- uma configuração própria na qual ele
terminadas variáveis, segundo os proce- totalitário), mas visando um ponto limi- a indagar, perguntar, interpretar, expli-
mesmo possa confiar. Reconhecendo 1 Indo, cuja compreensão escapa ao pa- car, cortar. .. Em oulras palavras, em
dimentos das técnicas comportamentais. figura do psicoterapeula como sendo
De fato, trata-se mais de uma questão ciente. Levantado o obstáculo — que, qualquer momento ele tem. que saber o
confiável, segura c estável, ele conseguirá de fato, pode referir-se tanto à própria que está fazendo, e tem que se respon-
ética do que técnica, a saber, aquela da se reconhecer e conler a sua desorien-
responsabilidade profissional quanto à terapia quanto à realidade externa —, sabilizar pelo que está fazendo.
lação, suas angústias, temores c inse-
condução do tratamento. Se o psicote- guranças. cabe novamente deixar espaço para ou- Os momentos decisórios permeiam,
rapeuta não é onipotente para condu- tras funções, ligadas a atitudes mais re- pois, o processo em permanência. Mas
Esla função, portanto, muito tem a servadas, mais de expectativa e menos eles se tornam mais cruciais na medida
zi-lo de modo perfeito, cie tem que saber,
ver com uma função de apoio (identifi- de intervenção. em que abordam questões de relevo, co-
por outro lado, que pode errar, que
catório). Mas ela intervém em todas as Isto significa que "ordinariamente", o mo o corte da sessão, propostas de mu-
existem erros e falhas graves pelos quais
relações psicológicas, não somente na terapeuta não se situa em uma posição de dança de ritmo, de frequência, de ho-
tem que se responsabilizar — e que é
relação de apoio. Nesta, ela se torna es- saber, não intervém afirmativamente, norário ou até de tipo de terapia (pas-
preciso prevenir, na medida do possível,
sencial para confortar o paciente em não é assertivo em suas colocações, mas sando, por exemplo, para uma terapia
por um senso agudo de autocrítica e de
suas dificuldades particulares; nas outras antes de tudo indagativo: questionando de apoio ou, ao contrário, para uma
permanente avaliação da própria condu-
relações, ela representa a base da inte- o paciente a respeito do material mais psicoterapia mais descobridora).
ta. A supervisão por colegas mais expe-
ração de confiança enírc os dois atores, diverso que levanta, o primeiro tem que
rimentados é imprescindível para dimi- Quanto a intervenções interpretativas,
enquanto dimensão humana comparti- operar indagações sulis que levem o é de suma importância julgar a sua opor-
nuir ao máximo tais falhas humanas e,
lhada pelos dois. Ela se consiitui, pois, outro a so questionar a si mesmo, a se tunidade, julgamento que somente o
se ocorreram, para tirar lições delas para
na mola mestra do processo, c é a con- perscrutar, ou, melhor ainda, a se tocar próprio psicoterapeuta poderá fazer. As-
o futuro.
dição sine qua non para que se efetue em seus pontos nevrálgicos, colocando sim sendo, ele está totalmente só nesta
Uma outra função a ser preenchida um trabalho psíquico entre ambos. assim em movimento novo material as- sua responsabilidade decisória: ninguém
pelo terapeuta na fase u*e trabalho, já A função explicativa tem que intervir sociativo c aproximando-se mais um pou- pode ajudá-lo ou substituí-lo, e a nin-
foi chamada de "função de espelho", A quando surgem determinados obstáculos co dos seus conflitos pessoais.
expressão não nos parece muito feliz, guém ele pode recorrer (a não ser a pos-
no processo, de cunho bem real. Esta Percebe-se pois que a intervenção ex- teriori, na supervisão, para prestar con-
uma vez que evoca o narcisismo e a re- função difere fundamentalmente daquela
lação imaginária enganosa. Não é disto plicativa deve ser uma exceção; senão, ta de sua decisão).
da interpretação, porque não visa con- ela corre o risco de fixar o psicotera-
que se trafa nesta função, embora toque teúdos inconscientes, mas situações con- Esta solidão no tocante às decisões a
à dimensão da identificação. Porém, o peula em uma posição de saber (mais
cretas que se levantam como empecilhos ou menos imperativo), que pode ser con- serem tomadas pode tornar-se uma tor-
paciente não tem que se identificar com para o prosseguimento do trabalho. Ex- tura, em particular para o iniciante, ou
o psicoterapeuta — querer induzir isto fortável para ele (ou para ambos), mas
plicar certos funcionamentos, certos que corre o risco de paralisar o pro- quando problemas pessoais o afligem
seria uma pesada falha ética, pelo fato pragmatismos importantes para a vida (por exemplo, após entrada prematura,
de assim se apresentar ao outro como cesso.
social, familiar ou profissional, não sig- despreparada, no exercício da profissão).
modelo. O sentido é muito mais de o Uma quarta função geral, presente ao
nifica, no entanto, abandonar a reserva
paciente conseguir se identificar consigo longo da fase de trabalho, refere-se às Ela toca ao âmago da dificuldade de ser
terapêutica e ingerir-sc nos afazeres do
mesmo através da presença do terapeu- decisões a serem tomadas pelo respon- psicoterapeuta, por causa da responsabi-
paciente; ou melhor, pode significar isto,
ta, que funciona então como um espelho sável pela direção tío tratamento. Isto, lidade intransferível que marca suas atua-
mas não necessariamente, dependendo da
refletindo a imagem do primeiro. mais uma vez, nada tem a ver com dirc- ções, mesmo em seus aspectos mais roti-
sutileza da explicação e do caráler im-
tividade. A função de decisão participa neiros. A entrada na rotina pode aplacar
A presença refletora do profissional positivo, "catedrático" ou não, cia inter-
de todas as intervenções: cm qualquer o que esta responsabilidade tem de tor-
deve permitir que o paciente possa re- venção.
momento, a respeito de qualquer tipo de turante — mas a rotina não deve trans-
fletir sobre si mesmo, adquirindo assim, Se a explicação faz parte do processo intervenção, o psicoterapeuta tem que formar-se em um refúgio defensivo para
aos poucos, no desenrolar do processo terapêutico, ela deve inserir-se como uma decidir, em seu foro íntimo, o que vai suportar inquietações inerentes à profis-
— que sempre também é um processo parte deste percurso, sem a pretensão de fazer e como vai fazê-lo. Pode decidir- são. Estas nunca se deixam totalmente
identificatório —, maior consistência e um alcance totalízante (e muito menos -se a ficar calado, a falar isso ou aquilo. eliminar, fazendo parte da dignidade hu-
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mana do seu trabalho, da sua alteza e aplicar-se-á portanto aos desejos incons-
dos seus limites. 6.4. A fase final do processo do fim da terapia, mas do fim da vida.
cientes, aos benefícios alcançados e aos
psicoterápico A separação da terapia, isto é, da figura
Na fase de processo, o trabalho que movimentos defensivos, para, desta for-
do psicoterapeuta, prefigura, pois, quer
visa à elucidação do material inconscien- ma, induzir mudanças profundas nas
O fim da psicoterapia faz parte inte- queira quer não, a separação final. A
te conflituoso pode proceder de duas for- constelações intrapsíquicas do sujeito.
grante do seu procedimento e está pre- este respeito, fais-sc com muita perti-
mas (9). Ele pode desenvolver-se dentro Em ambas as abordagens — na maio-
sente, como ideia e como fantasia, des- nência de um trabalho de luto, necessá-
de uma abordagem históríco-genélica, ria das vezes a serem combinadas entre
de os primeiros contatos. Como já vi- rio para elaborar a perda que constitui
com o propósito de reconstruir a cons- si — o importante é que os conflitos,
mos, a perspectiva do término da rela- o rompimento com o terapeuta. Este
tituição histórica dos conflitos e dos sin- inconscientes ou não, recebam novas
ção interpessoal subjeliva a diferencia trabalho de luto — noção introduzida
tomas subsequentes. Passo a passo, pre- significações para o paciente. Através do
de outras relações subjetivas, como aque- por Freud, que o opõe ao processo me-
tende-se assim seguir fielmente a trama trabalho contínuo, ou seja, da perlabo-
las de amor e de amizade. Ela represen- lancólico IÍO) — com certeza se pro-
das dificuldades cía pessoa, com todas ração, ele desenvolverá melhores condi-
ta um objetivo a atingir que define todo longa depois da psicoterapia; para que
as suas ramificações, até chegar àque- ções para perceber certas ligações entre
o desenrolar e marca todas as interações seja bem-sucedido, para que a perda se-
les momentos iniciais, traumáticos ou materiais psíquicos dispersos; persislin-
entre ambos os atores: quão profundas ja elaborada de tal maneira que o (ex)-
não, que podem ser considerados como do em seu autoconfronto, ele chegará a
sejam, estas sempre terão matizes de pro- paciente consiga desligar-se do seu ape-
responsáveis pela evolução psicopatoló- visões mais do conjunto do que parciais,
visoriedade, sendo a sua transiloriedade go ao terapeuta, desfazendo o seu in-
gica posterior. Nesta reconstituíçao, os e poderá assim, aos poucos, superar as
inscrita no próprio projeto que lhes deu vestimento libidinal a ponto de tornar-
eventos reais, oriundos da realidade ex- divisões de sua realidade interna em
origem. -se capaz de investir em novos "obje-
terna, observável, são investigados e ava- compartimentos estanques. tos" de valor e de amor — para isto,
liados quanto ao seu impacto na vida Isto não é o caso de outras relações
pois, a separação tem que ser prepara-
psíquica c relacional do paciente, para A meta essencial do processo psicofe- psicológicas, como aquelas de manuten-
da, o que é precisamente a tarefa da
que, rememorados através do processo rápico, pois, é restabelecer a comunica- ção ou de certas terapias de apoio, inde-
fase final da terapia.
psicoterápico, possam ser remanejados, ção interna, reconstituir as ligações inter- finidas quanto à duração. Estas, eviden-
perdendo então o seu poder patogènico. rompidas entre as parcelas conflitantes, temente, também serão confrontadas Mesmo presente desde o início, a pers-
eliminar estes compartimentos artificiais com limites, mas eles serão mais flexí- pectiva da separação c sempre inquie-
A abordagem estrutural segue um ca- e alienantes e abrandar assim o seu im- veis, visto que a separação final não es- tante, podendo atingir certos paroxismos,
minho diferente. Não dá muito valor à pacto patogènico na vida concreta do tá nitidamente explicitada como um dos dependendo da fase e da temática do
realidade externa c à sequência dos even- paciente. Se este conseguir atribuir no- objetivos do trabalho em conjunto. O trabalho empreendido; mais uma deter-
tos reais, mas atém-se à realidade psí- vas significações, pessoalmente elabora- sentido destas relações c outro, o que minada fase é regressiva, mais a ideia
quica do sujeito. Tenta discernir aí as das e assumidas, a "pedaços" anterior- produz repercussões na profundidade e da separação transforma-se em espectro
formações relativas dos acontecimentos mente isolados de sua personalidade, cie na intensidade das interações — mais de abandono, cujo veneno o psicotera-
esternos, as elaborações defensivas, os poderá se reestruturar c se libertar das superficiais e muito menos subjetivas •— peuta tem que saber destilar. Se a an-
desejos, fantasias, reivindicações e ex- e nas posturas respectivas. Desta forma, gústia do paciente chega a um tal clímax,
suas calcificações patológicas — o que
peclativas que cercam os conflitos e pro- o curso do trabalho será muito diferente evocando, por exemplo, experiências de
constitui o objetivo mais amplo da psi-
duzem os sintomas. Tenta ver, pois, co- e com ele a temporalidade na qual mer- abandono infantil, cabe ao terapeuta as-
coterapia.
mo a pessoa se situa hoje diante dos gulha o processo, isento da referência segurá-lo quanto ao prosseguimento do
Esperamos ter transmitido uma ideia, direta ao nosso ser-para-a-morte, ou se- trabalho, quanto à permanência e esta-
seus próprios conflitos, constituídos his-
senão clara, pelo menos aproximativa do ja, da referência a mortalidade e à fini- bilidade do vínculo entre os dois c
toricamente, mas permanentemente atua- processo psicoterápico e da obra que se tude como fazendo parte das represen- quanto à sua "fidelidade" —• sem nunca
jizados em sua vida fantasmática. efetua, idealmente, na fase do trabalho. tações-metas diretas da psicoterapia pro- perder de vista, nem para ele, nem em
Desta forma, prefende-se levá-la a mu- Na medida em que este alcança êxito, priamente dita. suas intervenções, que o término da re-
dar seu posicionamento diante dos con- aproxima-se da fase final da terapia, que lação é pautado como elemento essen-
flitos antigos, mediante o cíesvelamcnto discutiremos a seguir quanto às suas in- Isto significa que nesta, a fase final
cial e que não adianta "fazer como se"
das fantasias implicadas. O trabalho cidências práticas, clínicas e teóricas. tem conotações sombrias, vinculadas a
esta fosse eterna.
evocação, inevitavelmente, não somente
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Em outras palavras, a questão da se- midade com a sua procura de um des- lhar consigo mesmo, o terapeuta exer- nho para a verdadeira fase final será
paração é delicada e exige um manejo fecho global. cendo a sua pressão interpretativa (mas mais livre.
de muita sensibilidade, mas também de
O psicoterapeuta sabe que esta sín- não persuasiva) para facilitar este tra- Pode acontecer que a interrupção da
muita firmeza por parte do psieotera-
tese nunca será total, que ela é propria- balho. Se a fase de perlaboração foi pro- psicoterapia seja forçada por razões ex-
peuta. Eie representa o guardião da me- mente impossível, pe!o falo de não ha- funda o suficiente, isto é, se se chegou ternas: mudanças na vida do paciente,
ta que norteou o início do processo e ver terapia completamente terminada. O realmente perto da fase final, então a viagens, dificuldades económicas, pres-
da qual não deve se desgarrar nos mean- material subjelivo, íntimo, é inesgotável. recrudescência dos sintomas se deixa sões diversas. . . Nestes casos, estas ra-
dros da perlaboração que constitui a sua Ele fará parte da vida do paciente tam- aproveitar para efetuar uma "revisão zões devem ser questionadas, nas ses-
trama; a ideia do fim da terapia e da bém depois cio término da terapia, e cabe geral" com vistas ao encerramento do sões restantes, quanto a sua objetivida-
separação apresenta-se, pois, como o fio a ele continuar a elaborá-lo permanen- trabalho. O luto sem dúvida é doloroso de; elas podem funcionar mais como
vermelho ao longo do qual o processo temente, embora sem a presença do ou- e angustiante, mas ele faz parte, inte- pretextos para fugir da terapia, mas po-
se desenvolve, com toda aquela dinâmi- tro. Toda síntese, pois, será sempre pro-
gralmcme, deste mesmo trabalho, e sòb dem também ser verdadeiras. Em ambos
ca específica que caracteriza a proble- visória e incompleta...
nenhum pretexto se deixa escamotear. os casos, esta elaboração final apressada
mática subjeliva do paciente.
Acontece lambem com alguma fre- Isto significaria renegar os princípios terá como função transmitir ao pacien-
Se este processo é às vezes altamente quência que, na fase final, os sinlomas que o guiaram, significaria abdicar da te, através deste questionamento, certas
angustiante, o terapeuta não pode se passam por uma recrudescência. Não há posição de terapeuta, ou ainda, não con- reflexões para que o acompanhem como
deixar coniaminar pelas aflições da pes- nada nisto para se assustar: representa fiar no trabalho realizado... um víático, seja para confortá-lo a res-
soa que se confiou a ele —- não para apenas uma das manifestações do medo peito da separação sofrida, seja para que
ficar juntos "mima boa", com a fantasia Uma outra situação apresenta-se com
e da apreensão do paciente diante da continue a se interrogar ele mesmo so-
de um vínculo perene, vacina antiaban- menor frequência, a saber: o paciente
perspectiva de encerrar a sua terapia (ou bre as razões de sua partida. Em casos
dônica para sempre, mas para que con- insiste para terminar a sua terapia ape-
ainda, de continuá-la doravante sozi- de razões de força maior, o apoio efetivo
duza àquele trabalho libertador que o sar da opinião contrária do terapeuta.
nho...). Trabalhar esta apreensão e a e a maior proximidade do terapeuta de-
paciente almeja, mas ao qual também Aí, este tem que fazer jogo limpo e
falta de confiança em si mesmo que verão tentar compensar a perda a sofrer,
resiste, e que implica a separação como dizer as razões pelas quais acha o en-
ela demonstra, faz parte da fase final. não no sentido de suprimi-la, mas de
pedra de toque da autonomia conquis- cerramento prematuro. Contudo, não
De fato, D aumento dos sinlomas, em torná-la mais tolerável.
tada. deve querer persuadir ou mesmo forçar
intensidade ou frequência, ou até o sur- Cabe discutir uma última eventuali-
o outro a permanecer em terapia; se este
O ideal a atingir é que ambos con- gimento de sinlomas novos, devem ser dade, rara, mas que ocorre: a situação
quer demonstrar a sua auto-suficiêneia,
cordem quanto ao prazo final. Esla con- entendidos como expressão de um recuo, onde o próprio psicoterapeuta se opõe
pondo a suposta autonomia adquirida à
cordância, no entanto, raramente será de uma revolta diante do encerramento ao término, apesar de se ter percorrido
prova, ele tem que poder fazê-lo, em-
unívoca; muitas vezes, o psicoterapeuta iminente da terapia. A recrudescência de todo o caminho da perlaboração e o pro-
bora informado sobre o eventual preço
tem que exercer uma certa pressão pa- sintomas simboliza então a recusa da cesso ter madurado o suficiente para en-
a pagar.
ra que a ideia de terminar a terapia faça separação e a regressão defensiva dian- cerrar-se. Sem dúvida, o fim de uma te-
o seu caminho, seja elaborada e final- te da perspectiva, ressentida como amea- É esta informação que o terapeuta rapia sempre é unia perda para ambos,
mente aceita. Ocorre então, com frequên- çadora, cie perder o vínculo afelivo com tem que transmitir, mas respeitando as mas é claro que o "agente" deve ser
cia, que a fase final reproduz o con- o ajudante — cuja relativização muitas decisões do primeiro. De qualquer for- capaz de aturá-la — c até bem melhor
junto do processo já percorrido, reven- vezes não foi suficíentemeníe praiicada ma, tais divergências fazem parte da fa- do que o paciente — e de não precisar
do-se o principal material que fez a sua para que se consiga cogitar uma vida se final e se deixam trabalhar, na maio- da presença contínua do "seu" paciente.
trama com o propósito de chegar Q uma sem a assistência dele. ria dos casos; em particular, cabe pro- Falhas na preparação profissional e pes-
"síniese final". Mas esta não deve ser a mover a conscienlização do paciente, soal, ou ainda na supervisão que efetuou
Nestes casos, a fase final poderá pro- quanto a atitudes de auto-afirmaçao ou (ou não), serão responsáveis por um tal
proposta do terapeuta: o desejo de uma
longar-se bastante. A aceitação da sepa- de desafio pelas quais pode tentar bar- estado de apego, implicando problemas
síntese (asseguradora da futura estabi-
ração não pode ser forçada; ela tem que rar o confronto com um material sub- éticos sérios.
lidade. ..) é compreensível, mas cabe
ser conquistada pelo próprio paciente. jetivo particularmente penoso ou resis- Acreditamos não ser necessário insis-
ao próprio paciente tentá-la, em confor-
Mas para chegar lá, ele tem que traba- tente; superadas tais barreiras, o cami- tir mais sobre a gravidade de tais casos:
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O paciente nao pertence ao profissional, Sem querer entrar nos meandros da
e tampouco o procurou para satisfazê- discussão filosófica ou literária sobre a te) desvinculadas; consegue entrar em conflitantes. Ela exige, pois, muita cau-
-lo; ele se confiou ao profissional porque hermenêutica e seus segredos, ressalta- contato com material conflitante incons- tela e perspicácia, bem como muita pa-
confiou nele — e esta confiança seria mos que esta atitude gera! do terapeuta ciente de que nunca tinha cogitado; con- ciência por parte do terapeuta: precipi-
Iraída com a dita evolução, nem sem- refere-se, implicitamente, à sua concep- segue operar certas reconstruções nas se- tada, ela não surfirá efeito, mas poderá
pre isenta de conotações sadomasoquis- ção da divisão do ser humano entre a quências esquecidas de sua história pes- acirrar as oposições e defesas do pa-
tas, mascaradas pelas dependências recí- sua superfície, onde se apresenta o seu soal; consegue reestrulurar-se para che- ciente, capaz de reagir com indignação
procas. . . Mais uma vez desponta aí o comportamento observável, os seus sin- gar a um funcionamento psíquico mais diante de certos deslizamentos insinuan-
problema crucial dos limites, presente du- tomas e as suas queixas, e o seu "nú- integrado c menos segmentado em com- tes que achar provocantes ou impertinen-
rante todo o processo, mas emergindo cleo", seja este definido como for. Sem portamentos estanques. . . tes.
com maior acuidade na fase final, colo- esta distinção entre um manifesto e um Mas para que se chegue a tais mo- A interpretação deve ser proposta no
cando à prova o senso ético e a respon- latente, não faz sentido falar em inter- mentos "felizes", é necessário um árduo momento oportuno, no momento kairos
sabilidade profissional, senão a abnega- pretação — muito embora seja verdade trabalho preparativo. Interpretações "ge- —• a oportunidade sagrada e cheia de
ção do psicoterapeuta. que mesmo o cientista mais aferrado na niais" são raras, como é raro o efeito graças da qual falam os gregos — mas
defesa do empirismo e dos princípios imediato de uma intervenção pertinente. para que ocorra, tem que ser preparada
neopositivistas, não pode abrir mão do O que é preciso é a perlaboração con- através de mil indagações, questiona-
6.5. Momentos cruciais do recurso à interpretação, quando determi- tínua do material emergente, dirigida menlos e interrogações. Portanto, ela se-
na a significação dos fatos constatados. pelas indagações interpretativas inciden- rá fruto mais do labor contínuo do que
processo psicoterápico da intuição fulgurante do terapeuta; es-
tais do psicolerapeuta, emitidas em fun-
Interessa-nos aqui, pois, a interpreta-
ção de sua percepção de ocorrências sig- ta pode ocorrer, mas mais vale não
Se é verdade que o essencial do pro- ção como instrumento de trabalho para
nificantes nas peripécias das verbaliza- contar com ela e persistir na tarefa da
cesso psicolerápico, no sentido da elabo- elucidar os conflitos pessoais, sobretudo
ções do sujeito. perlaboração, até que a interpretação fe-
ração dos conflitos íntimos do paciente, inconscientes, do paciente, isto é, como
Lembramos aqui nossos comentários liz, amadurecida pelo longo trabalho que
se desenrola no interior deste, de manei- ferramenta para ultrapassar o manifesto
acima (ver 3.7.) acerca dos deslizes que precedeu, venha a calhar, apropositada
ra não observável, não é menos verdade e atingir o desconhecido. Este, vincula-
as intervenções do terapeuta tendem a dentro do contexto evolutivo da cons-
que determinados momentos se destacam do à historicidade do sujeito e tornado
introduzir nas seqiiências relatadas pelo cicnlização do paciente, sendo para ele
neste processo. Eles merecem uma dis- inconsciente em função dos seus próprios
paciente, deslizes que já tem uma função relevante quanto às dificuldades cujas
cussão ã parte, sem que seja possível mecanismos defensivos, detém um poten-
interpretativa iatu sensu. De fato, pelo raízes ignora.
entrar em um exame pormenorizado dos cial particularmente patogênico pela
principais elementos que nele apontam. pressão e interferência constantes que seu aspecto de deslocamento do foco de No entanto, a interpretação não deve
exerce em sua vida consciente. atenção, eíes aludem a algo além do con- pretender uma aprovação entusiasta da
Isto vale em particular para a inter- teúdo manifesto no discurso, algo que parte do paciente: é mais importante to-
pretação. Muito tem sido escrito sobre A operação de desmascaramento des- se relaciona com o material latente sobre car fundo do que suscitar entusiasmo.
ela, seja no âmbito da técnica psieana- te desconhecido operante e de sua inci- o quai se quer induzir um reparo dife- O efeito de uma intervenção pertinente
Iítica, seja em crítica literária ou em fi- dência no sofrimento da pessoa, se ela renciador. Conseguindo isto, induzem-se poderá surgir "só depois" (12), através
losofia (11). Não nos interessa aqui o constituí toda a trama da perlaboração, brechas nas atitudes defensivas, levando de mudanças na conduta da pessoa, atra-
sentido técnico de que a interpretação se conhece, não obstante, momentos singu- o paciente a se questionar mais sobre vés de reações inesperadas, de material
reveste na psicanálise. Tomada em seu lares pela intensidade da vibração afe- eventuais significações latentes de sua novo que surge, de oposieÕcs exacerba-
sentido global, de revelação da signifi- tiva e pela revelação de significações la- fala. das ou, pelo contrário, de concordâncias
cação latente do material relatado pelo tentes insuspeitadas. Por uma interven- livremente consentidas.
paciente, ela se destaca como um mo- ção interpretativa feliz do terapeuta, o Neste sentido, a interpretação rara-
mento particular na elaboração deste, outro conseguirá atribuir significações a mente é afirmativa; ela corresponde A tomada de consciência, de fato, não
embora acompanhando todo o curso do fatos que anteriormente não as tinham; mais, dentro do processo psicolerápico, é essencial; ela pode ocorrer aos poucos,
trabalho, em decorrência da atitude ge- consegue vislumbrar vínculos enírc cons- a uma hipótese de trabalho lançada de muito mais tarde ou nunca. . . Ela não
ral, "interpretativa", do psicoterapeuia. telações aparentemente (e defensivamen- modo indagativo para talear o terreno é o critério decisivo de uma mudança
incerto das constelações inconscientes na estruturação intrapsíquica, tendo um
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valor mais acidental (embora gratifican- falar também de uma "temática" — o vel aumentar a segurança quanto a si prcsenla um momento difícil e doloroso
te, em geral, para ambos) no caminho trabalho sobre a identidade conhece às mesmo; para chegar a ser quem ele é, a passar, ela não é nenhuma anomalia,
do autoconhecimento crescente e da li- vezes momentos particularmente dramá- o paciente tem que saber, tem que des- mas o índice de se ter atingido um ponto
bertação progressiva dos conflitos que ticos ou particularmente fecundos, cujo cobrir quem ele é, tem que aprender a crucial —• ou precisamente, um ponto
dividem o paciente. Integrar-se é mais aproveitamento é capital para a sua oti- se amar, a se valorizar, apesar e contra crítico. Em outras palavras, ela significa
importante do que tomar consciência, se mização. iodas as experiências anteriores que lhe que, provavelmente, o trabalho dos dois
bem que podem se completar. . . Identidade, de fato, implica identidade inculcaram a certeza do contrário. tenha ido fundo, tenha tocado conste-
A interpretação consiste em uma ati- sexual, mas nem sempre é a identifica- No momento ou na fase onde se tra- lações altamente significantes do histó-
vidade verbal que se refere às verbali- ção com o próprio corpo sexuado e com balha mais intensamente toda esta pro- rico do paciente, tenha mexido numa
zações do pacienle, seja àquilo que ele o papel sexual que está no primeiro pla- blemática, a figura do psicoterapeuta, ferida meio aberta e provocado, assim,
relatava imediatamente antes, seja a co- no da problemática. Isto é o apanágio ou seja, a identificação com ele, pode angústia e pânico, pela veemência das
locações disseminadas sobre um longo mais do neurótico, e deverá ser traba- auxiliar o paciente como uma muleta próprias reações ou pelo susto de uma
trecho do trabalho. lhado então no contexto das dificulda- momentânea para suportar o confronto descoberta insuspeitada.
Portanto, ela não se aplica ao compor- des de identificação com o pai do mes- com as suas feridas identificatórias. Mas Estas reações podem diferir muito de
tamento observado. Se o terapeuta achar mo sexo, sejam estas "edipianas" ou não significa que o terapeuta tenha que um caso para outro. Uma das mais co-
necessário intervir quanto a aspectos do não, c das sequelas de constelações pre- se apresentar como um modelo: ele nun- muns, além da angústia, é a reaçuo de-
comportamento que chamam a sua aten- coces desfavoráveis ou mesmo traumá- ca é, nem deve querer ser um modelo pressiva, a ser atravessada até se ver
ção — no caso de atuaçôes, por exem- ticas. para o seu paciente, mas uma muleta luz no final do túnel. De fato, a depres-
plo — ele recorrerá a outros tipos de A identidade, em um sentido mais na qual este poderá se apoiar quando são acompanha uma boa parte do tra-
intervenção, como o questíonamento di- amplo, refere-se à imagem que a pessoa precisar, e uma tela na qual se refletirá balho terapêutico, à medida que ideais
reío ou indírefo, a injunção, a explica- tem de si mesma, passando pela imagem à procura de si mesmo. superdimensionados são aos poucos re-
ção ou mesmo a advertência... de corpo e implicando sempre o inves- Se a identidade é determinada pelo duzidos a tamanhos mais adequados e
O leque das intervenções do terapeu- timento narcísico do "amor próprio". outro, ela será autêntica apenas no caso mais condizentes com as possibilidades
ta é assim bastante amplo; cabe a cada Este, quando radicalmente insuficiente, de ser conquistada, assimilada e inte- reais — redução esta que sempre está
um desenvolver o seu estilo pessoal de provoca os diversos quadros de distúr- grada pela própria pessoa. Uma vez a sendo vivida como uma perda, apesar do
intervir, conforme sua orientação teóri- bios narcísicos, podendo ir de afecções identidade reconhecida e consolidada, o cará ter irreal daquele ideal.
ca, experiência clínica c pessoal, ponde- psicossomáticas até as psicoses mais terapeuta tem que se retirar, tem que Esta fase do trabalho, por assim di-
rações e intuição. Não é possível estabe- graves. desaparecer abrindo mão de sua função zer "iconoclásiica", é propriamente de-
lecer regras fixas para isto: aqui tam- de referência, para que o outro consiga primente, porque toda perda acarreta de-
bém o terapeuta está só, e tem que se Em todos eles, a questão da identi-
dade, ou seja, a insegurança quanto à verdadeiramente ser quem ele é, acredi- pressão, às vezes severa, a ser elaborada
responsabilizar pelas decisões que está a tando em si, se apreciando e se valori- cm conjunto. Ela pode ainda se repetir,
tomar. Não obstante, dentro deste leque própria identidade, está no primeiro pla-
no. Esta insegurança poderá tornar-se zando. Este trabalho em geral é demo- como já vimos, no final da terapia, que
amplo, a interpretação detém o privilé- rado; somente quando levado a cabo representa, neste sentido, um outro mo-
gio de visar o latente, além ou atrás do especialmente aguda quando, no proces-
so psicoterápico, a questão da origem com paciência e perspicácia, é que o mento crítico.
manifesto, de ser capaz de tocá-lo e de
desta falha narcísica estiver sendo toca- processo pode progredir rumo à inde- O que importa cm tais momentos, é
servir assim de alavanca para levantar o
material conflitante, de forma a enca- da. Este toque poderá ser sentido como pendência do paciente. que o psicoterapeuta não se deixe conta-
minhá-lo lentamente rumo aos objetivos se se mexesse em uma ferida sempre Um terceiro momento crucial refere-se minar pelo desânimo do seu paciente,
da psic o terapia. aberta, mas encoberta graças a uma cí- a ocorrências mais amplas, podendo dirigindo o trabalho — que deve con-
catrização precária, embora autoproteto- emergir em toda e qualquer psieoterapia: tinuar — com compreensão, mas tam-
Um outro momento essencial do pro- ra. Porém, se se quiser trabalhar o pro- a emergência de urna crise durante o bém com firmeza, para que os fatores
cesso psicoterápico diz respeito à iden- blema de fundo desta insegurança de processo. Elas são tão corriqueiras que responsáveis pela depressão possam ser
tidade do paciente. Disseminado sobre o identidade, tocar nesta ferida será im- se pode dizer que jazem parte do pró- reconhecidos c descartados, em proi da
curso do processo — a ponto de poder prescindível. Somente assim será possí- prio desenrolar psicoterápico. Se ela re- reconstrução adequadamente dimensio-

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nada dos ideais e valores do paciente. quer tentativa de melhorar as bases do
Os objetivos de libertação dos conflitos mas representará sem dúvida uma aqui- dar quanto ao caráter insondável daqui-
trabalho. Sc uma tal crise chega a se
internos incluem a necessidade de atra- sição importante. lo que acontece entre ambos os prota-
extremar, vale mais propor ao paciente
vessar momentos depressivos, se aquela Todavia, de forma alguma ela coin- gonistas, e que não se deixa codificar
a interrupção da terapia, deixando aber-
quiser ser duradoura. cide com o final da psicoterapia: as to- satisfatoriamente. Mas será que é preci-
to o retorno posterior. Este raramente
acontecerá; na maioria dos casos será madas de consciência devem ser inte- so codificá-lo, explicá-lo pormenorizada-
As crises durante a psicoterapia po- mente? Em termos de transmissão do
dem conhecer outras razões, em parti- melhor recomendar a continuação com gradas na vivência do paciente, devem
outro profissional, da escolha do pa- contribuir para mudanças profundas e know-how psicoterápico, isto parece de-
cular razões externas. Se não é possível sejável — mas nem tudo se deixa trans-
influenciá-las, cabe ficar atenlo à sua in- ciente. não se prestar a deleites superficiais, no
sentido "agora sei, e basta!" Além disto, mitir de modo operacionalizado, quando
cidência na vida intrapsíquica e sobre o Quando falamos aqui em crise, a en- se trata de seres humanos e de suas
"ânimo" do paciente; em conformidade tendemos em um sentido diferente da- as conscientizações não representam va-
cinas contra recaídas, contra novos mer- complexidades psíquicas e sociais.
com as oscilações dus fatores externos, o quele de Moffat (13) ou de BelJak (14).
terapeuta terá que oscilar na distância Nós nos referimos a crises durante o tra- gulhos em trevas, "fossas", depressões e Eis mais um dos limites, mas também
que mantém para com o paciente; ele po- balho psicoíerãpico, enquanto esles dois desánimos; elas correspondem a momen- uma das riquezas do trabalho de psico-
derá mesmo ser levado a passar para uma autores se referem a situações de emer- tos de luz dentro de um processo no qual terapia, sobre o qual o candidato a este
relação mais de apoio, sabendo que pode gência, resultantes de crises existenciais se alternam com muitas sombras — am- exercício profissional deve meditar antes
se tratar de uma mudança momentânea internas e/ou externas. Estas exigem bos fazem parte dele. Mas a luz continua de fazer as suas opções. Os estudos teó-
que não implica o abandono dos obje- abordagens especializadas, em cuja dis- sendo um incentivo para aturar e atra- ricos, as discussões técnicas e as super-
tivos inicialmente pautados. De qual- cussão não entramos. vessar as sombras. .. visões no início de sua carreira poderão
quer forma, ele tem que tentar discri- orientá-lo. Mas ele tem que admitir —
minar permanentemente os fatores ex- Um quarto e último momento crucial e tem que correr o risco -— de contar, em
ternos reais, apresentados pelo paciente durante o processo psicoterápico diz res- primeiro lugar, com a sua própria pes-
como obstáculos, ou mesmo como impe- peito à tomada de consciência. Já assi- soa, sem poder recorrer a instrumentos
Apresentamos sumariamente como en-
dimentos para a lerapia, e os fatores nalamos acima qye esta não é indispen- externos seguros e eficazes em todas as
tendemos o processo psicoterápico, seu
invocados como pretextos para dissimu- sável para que haja efeilo terapêutico. situações. E tem que admitir que para
desenrolar, seus ingredientes, suas fases.
lar crises de origem interna, vinculadas No entanto, a conscientização caracteri- entender o mistério destes processos, tem
Não pretendemos ter esgotado o assun-
com a própria terapia. za momentos privilegiados de toda psi- que começar pelo autoquestionamento,
to. Este processo não deixa de ter algo
coterapia. Ela nunca será total, mas per- sem nunca poder abrir mão d e l e . . .
Um outro aspecto de crise relaciona- de misterioso, de insondável, tanto quan-
tence ao processo de desvelamento, no to a própria símbolização. O seu efeito
-se com a questão da confiança no psi-
coterapeuta. Esta pode passar por pro- sentido do paciente ser, no final, mais não reside na tomada de consciência,
vas particularmente tenazes, de origem consciente de si. Ele "se conhecerá me- nem no desaparecimento dos sintomas, Bibliografia e notas
externa (por exemplo, comentários sobre lhor", sendo o autoconhecimento um dos nem em mudanças de atitudes ou con-
1. Citamos algumas obras sobre entrevistas
ele ou calúnias) ou, com maior frequên- objetivos da terapia. duta. Tudo isto pode ocorrer, e de fato
psicológicas em geral:
cia, interna. ocorre em geral, mas não representa a
Se a conscientização — chamada por ASSUMPÇÃO, T. M. L. Estruturação da
"essência" deste processo. Ele se passa Entrevista Psicológica. São Paulo, Ed.
Neste caso, a dificuldade, percebida aiguns de insight (15) — não é responsá- a nível inconsciente, questionando o Atlas, 1977.
pelo terapeuta ou verbalizada pelo pa- vel pelos efeitos terapêuticos, ou pelo nosso entendimento científico, a nossa LODI, J. B. A Entrevhia. Teoria e Práti-
ciente, deverá ser abordada com tato menos não por todos, ela merece um des- vontade de dissecar e explicar tudo, o ca. São Paulo, Livraria. Pioneira, 1974.
e cautela. Nem sempre, enlrctanto, se taque particular. Tomar consciência, em Rf BEIRO, J. P. Teorias e Técnicas Psicote-
nosso desejo de saber... Ele se passa
deixará resolver: a confiança, quando geral, se faz de maneira surpreendente, rápicas. Pctrópolís, Vozes, 1986 (o capí-
entre os dois, mola e fruto das intera-
estremecida, custa a ser restabelecida; a embora precedido por um longo traba- tulo sexto trata da entrevista).
ções e trocas que perfazem o conjunto
própria falta de confiança — mesmo se lho em profundidade; ela pode ser mo- ZARO, J. & ai. I/itroituçiio à Prática Psi-
da elaboração psicoterápica. coterapêuiica. São Paulo, EPU-EDUSP,
funciona como pretexto ou desculpa para mentaneamente angustiante, ou suscitar
Mesmo o psicoterapeula mais perspi- 1980 {a segunda parte trata da entrevista
evitar o autoconfronto — boicota qual- um efeito depressivo mais demorado,
caz e mais experimentado deve concor- clínica).

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163
ABUCHAEM, J. O Processo Diagnóstico (1963), em: Psicanálise: Problemas Meto-
no Adulto, na Criança e no Adolescente dológicos. Petrópolis, Vozes, 1975, pp. Capítulo 7
(Tomo 2). Porto Alegre, Ed. Lszzatto, 100-112.
1987 (ver o Tema n,° 6). 10. Ver Vocabulário da Psicanálise, item Tra-
2. ARGELANDER, H. Das Erstinterview in balho de Luto. Ver fambem o trabalho ori-
der Psychotherapie. Darmstad: Wissens- ginal de FREUD a respeito: Luto e Melan- A questão da indicação
chaftliche Buchgesellschaft, 1970. (O autor colia (1917).
analisa especificamente a entrevista inicial 11. A obra de referência a respeito constitui para psicoterapia
na situação clínica.) sem dúvida o livro de RICOEUR, P, Da
3. LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J. B. Vo- Interpretação. Ensaia sobre Freud. (1965)
cabulário da Psicanálise. São Paulo, Mar- Rio de Janeiro, Tmago, 1970.
tins Fontes, 1970. (Ver artigo sobre Reall' 12. Esta noção de "só depois" ou de "poste-
ilade Psíquica.) rioridade" representa uma noção teórica e
4. ROGERS, C. Psicoterapia e Consulta Psi- técnica importante na obra de Fieud, mas
cológica. Lisboa, Moraes Ed., 1974, que passa muitas vezes despercebida, em
5. FREUD refata esta mudança em várias consequência de traduções inadequadas.
obras suas, de cunho autobiográfico; ver. Ela se refere a concepção da causalidade
por exemplo: Contribuição à História do psíquica inerente á psicanálise, a saber, que
Movimento Psicanalílico (1913); Edição determinadas experiências ou impressões
Standard Brasileira, XIV, pp. 16-82. Rio de podem ser transformadas em função de
Janeiro, Imago, 1976. experiências posteriores, a partir das quais
o sujcílo reinterpreta as significações das A indicação corresponde a um mo- de dados, para chegar a um diagnóstico
6. Historicamente, vale mencionar que o livro mento privilegiado da investigação preli- com provável, idealizando o mais objetivo
no qual H. RORSCHACH apresentou o primeiras. Ver a respeito o Vocabulário
leste que desde então tem o seu nome, leve
da Psicanálise, verbete Po.iterioridade. minar. Finalizando as entrevistas iniciais, tratamento possível. Este procedimento,
exatamente este título: Psycliodiagnostik 13. MOFFAT, A. Terapia de Crise (Teoria cabe tirar as conclusões das diversas mo- aplicado tanto em medicina velerinária
(1921). Assinalamos que o vol. 6 do Hand- temporal do psiquismo). São Paulo, Cortez dalidades utilizadas nesta investigação, a quanto em medicina humana, deixa total-
Editora, 1933. saber, além das entrevistas propriamente mente de lado o aspecto do sujeito, o seu
buch der Psychologie, intitulado Psycho-
logische DiBgnOStik (Gòttingen: Verlag fiir 14. BELLAK, L. & SMALL, L. Psicoterapia ditas, a anamnese, o psicodiagnóstico, sofrimento subjetivo, os seus motivos, os
Psychologie, 1981), (em mais de mil pági- de Emergência e Psicoterapia Breve. Porto exames complementares (somáticos ou seus desejos, a sua globalidade psicosso-
nas, o que transmite uma certa ideia sobre Alegre, Artes Médicas, 1980.
psicológicos). A partir dos dados assirr. mática.
o desenvolvimento desta disciplina. 15. Insight e "tomada de consciência" têm
acepções semelhantes, mas preferimos o "úl-
colhidos, lemos que elaborar uma avalia- Portanto, o critério diagnóstico, quão
7. Ver a respeito: LAPLANCHE, J. & PON- ção geral que possibilite uma síntese.
TAL1S, J. B. Vocabulário da Psicanálise, timo termo, ou então, ''conscientização", importante que seja, é insuficiente para a
verbetes sobre Resistência e Mecanismos por ser português. Além disto, o termo in- Esta deve permitir uma indicação que, indicação em psicoterapia, porque negli-
de Defesa. glês não rende Iodas as implicações e ri- para ser pertinente, tem que levar em gencia as dimensões subjetivas da proble-
quezas do lermo alemão Einskht, muito conta uma série de fatores, em particular
K. Idem, verbete Perlaboração, comum nesse idioma, onde não detém ne- mática a ser "tratada". Por esta razão,
9. Mencionamos a respeito o trabalho, aplicá- nhuma conotação técnica especial. Esfa lhe
três: o estado psicopatológico do pacien- outros critérios devem ser levados em
vel também á psicoterapia e hoje ainda foi atribuída depois pelos autores ingleses, te, a sua motivação, determinados fato- conta, embora todos eles contenham ar-
atual, de A. GREEN, A Psicanálise diante sem nenhuma indicação de Freud neste res secundários (1). A partir daí, será madilhas de unilateralidade.
da oposição da história e da estrutura sentido. possível esboçar um prognóstico, com
toda cautela é claro... Isío vale em particular para aquele
procedimento que se esforça em conside-
Antes de discutir estes três parâmetros, rar (e satisfazer), em primeiro lugar, as
uma palavra sobre os diversos procedi- "necessidades" do cliente, a começar
mentos passíveis de levarem à indicação pelas suas necessidades afetivas. Se este
terapêutica. Ao falar de "indicação tera- critério prevalece, toda demanda emanen-
pêutica", não há dúvida quanto à refe- te de um cliente em potencial será aten-
rência, a saber, o modelo médico. Este dida, sem questionar o estado psicopato-
tenta objetivar ao máximo a sua coleta lógico, sem testar a motivação profunda,
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165
sem sequer indagar sobre a pertinência vida sobre a aceitação plena e incondicio- unilateral ou mútua —, deve-se desistir — o psicoterapeuta não é demiurgo, nem
de uma psicoterapia. Nestas circunstân- nal da sua pessoa concreta, o que pode- de querer iniciar um trabalho em con- taumaturgo, mas uma pessoa humana li-
cias, o cliente terá muita dificuldade cm rá pesar muito no desenrolar futuro da junto. mitada. Como tal, tem que se esforçar ao
se engajar, em se motivar para o trabalho, relação. Esta situação ocorre com uma certa máximo, mas sem perder a modéstia.
para a penosa tarefa de perlaboração. Por outro lado, podemos nos questio- frequência e não deve ser escamoteada Passamos em seguida a enumerar as
Isto, no entanto, não excluirá a "curti- nar se esta "aceitação plena e incondicio- pelo terapeuta, quando a percebe; melhor principais variáveis que participam do
ção" do aqui e agora, onde uma série de nal" existe, se ela é humanamente possí- será então encaminhar o candidato a processo indicatório.
necessidades afetivas podem encontrar sa- vel. Acreditamos que não: ninguém é outro profissional, invocando as razões
tisfação, de ambos os lados, cora gratifi- totalmente transparente para si mesmo, que ihe parecerem mais plausíveis —
cações recíprocas, mas com pouca elabo- 7.1. O eslado psicopaíológico
nem totalmente "bom" frente ao outro, sem mentir, mas também sem ferir desne-
ração psicoterápica. Porém, se esta não cessariamente a susceptibilidade do outro. Colocamos a questão da psicopatolo-
razão pela qual cabe desconfiar tanto da
está operando, não seria isto decorrente gia em primeiro lugar, em conformidade
própria bonança, no acolhimento aparen- O "entusiasmo terapêutico" raramente
de uma indicação improcedente, ou de com a nossa definição do campo psico-
temente pleno do paciente, quanto do corresponde a uma postura adequada e
ela ter sido descartada em benefício de tcrapèutico como fazendo parte do cam-
próprio egoísmo, disfarçado sob argu- madura diante do paciente; ele decorre
outros objetivos? po clínico. E pertinente distinguir aí entre
mentos mais ou menos astuciosos, quanto facilmente de uma superestimação de si
O critério de "benevolência absoluta" a interesses científicos ou técnicos par- mesmo, ligada a ideias (juvenis) de oni- as queixas apresentadas pelo paciente, a
do terapeuta, portanto, não é o mais ju- polência (terapêutica) e de auto-suficién- sintomatologia e as estruturas psicopato-
ticulares.
dicioso para proceder a uma indicação cia, que não se coadunam com os meios lógicas subjacentes.
Percebe-se que o ideal do procedimen-
pertinente. O seu contrário o é lampouco, to indicatório consiste em um acordo ne- reais, isto é, limitados, dos quais dispõe Em nosso entender, é insuficiente refe-
a saber, o que podemos chamar de mo- gociado, levando em conta todos os as- o terapeuta em sua atuação profissio- rir-se apenas à sintomatologia enumerada
delo conformista da "seleção" do pacien- pectos acima mencionados. Somente pela nal. O desejo de ser um "grande tera- pelo primeiro ou percebida pelo terapeu-
te. Aí, os pacientes são aceitos para psi- conjugação das considerações sobre diag- peuta", se não um "terapeuta perfeito", é ta. Inúmeros são, hoje em dia, os quadros
coterapia não em função da demanda nóstico, sobre interesse (ou demanda) do compreensível, mas é contraproducente e assintomáticos (os chamados "transtornos
que apresentam, mas da demanda do candidato e interesse do psicoterapeuta, contém mais armadilhas do que meios de personalidade"), devido à evolução
próprio terapeuta, isto é, do seu interesse será possível promover um processo ade- eficazes de intervenção. "metablética"(2) dos distúrbios psicopa-
pessoal em trabalhar (ou não) com um quado de indicação e de prognóstico e, Isto dito, não se quer dizer que a "fé" tológicos e de suas expressões. Além dis-
determinado candidato à terapia. por conseguinte, de ingresso {e de pros- do clínico em seu trabalho não seja im- to, é sempre interessante reparar, no dis-
seguimento) em uma terapia. Sem a inte- portante: ele tem que acreditar no que curso do paciente, nas eventuais discre-
Se este interesse é importante, ele não
ração destes elementos, a indicação será faz, tem que ter consciência por que pàncias entre as suas queixas e os seus
pode constituir-se em critério único para
enviesada demasiadamente para permitir optou pela sua profissão, mas tem que sintomas; ele pode, por exemplo, enume-
o ingresso em psicoterapia; senão, cor-
um jogo equilibrado entre os diversos en- ficar realista e demonstrar permanente rar estes últimos sem se queixar deles.
re-se o risco de transformar a etapa de
foques e interesses — jogo este que se autocrítica. Não é verdade, em nosso en- Considerá-los como sinónimo seria pre-
avaliação e indicação em uma simples se-
prolongará durante toda a psicoterapia e tender, que "toda psicoterapia é boa, cipitado.
leção, destinada a atender às necessidade.;
do terapeuta, afetivas, financeiras, cientí- que deve dispor, desde o início, de condi- desde que o psicoterapeuta seja bom", Por outro lado, a consideração das es-
ficas ou outras. Desta forma, cie operaria ções ótimas para desencadear o processo como já foi afirmado. Primeiro, é difícil truturas subjacentes — nas quais acredi-
a seleção para que possa desenvolver o de elaboração rumo aos objetivos pro- definir o que é um "bom" psicoterapeuta tamos — nos parece de suma importân-
seu trabalho, em conformidade com o pa- postos. e, cm seguida, é certo que mesmo os "me- cia para uma primeira triagem, segundo
ciente "ideal" previamente idealizado, Para que esta interação seja efetiva, é lhores'' terapeutas conhecem fracassos, as grandes categorias nosográficas, e para
mas em detrimento dos pacientes "reais" claro que elementos essenciais como con- independentemente de sua atuação (ou uma avaliação correta quanto à indicação
que a ele se apresentam. Se porventura fiança, simpatia ou até empatia recípro- ainda, cometendo erros), tão grande é o da abordagem psicoterápica e da condu-
um candidato corresponder à idealização ca devem estar presentes. Todavia, estes número de variáveis que intervêm no ta {ou estratégia) terapêutica a adotar.
arquitetada, ele terá a sorte de ser "sele- não se deixam criar artificialmente; se a complexo jogo destas inleraçôes. Nem to- Nesta primeira operação de triagem,
cionado" •— mas pairará sempre uma dú- tonalidade prevalente é de antipatia —• das esías variáveis se deixam controlar ainda grosseira, cabe distinguir entre as

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categorias nosográficas de neurose, psico- cos nunca podem ser discutidos de ma- vãmente ao evento, sem pretender qual- ou mais cronificado um quadro neuróti-
se e psicopatia. Isto não significa querer neira abstraía, isto é, sem referência à co, mais ele requer uma terapia aprofun-
quer aprofundamento.
excluir a categoria da "normalidade", personalidade do paciente, à sua motiva- dada e, em geral, prolongada; ao contrá-
Nesta abordagem, tenta-se então (e
mas como a sua definição continua alta- ção e aos fatores secundários (ver abai- rio, formas de terapia que não visam um
em geral se consegue) provocar uma "rea-
mente problemática, e como a delimita- xo). Estes elementos juntos fornecem o aprofundamento da problemática, ou que
ção catártica" pela qual as tensões oriun-
ção entre neurótico e normal é fluida, relevo concreto de sua problemática. Se o nem sequer se questionam sobre eventuais
das do choque traumático são descarre-
não faz muito sentido discutir aqui diagnóstico considera — fiel ao modelo gadas. O quadro evidentemente se com- conflitos profundos envolvidos, preferin-
esta categoria, supostamente a mais co-
medico — unicamente o quadro psicopa- plica, se uma tal reação neurótica se do desenvolver a atuação ao nível do
mum. . . Ademais, ao discutir sobre a
tológico, investigado da maneira mais enxerta em uma personalidade já razoa- "aqui e agora", do corpo, das poteneiali-
indicação para psicoterapia, supõe-se ain-
objetiva possível, cie é insuficiente para velmente neurotizada, caso em que se dades ignoradas da pessoa, de sua racio-
da que pessoas "normais" raramente
uma indicação adequada; somente o con- deve pensar em uma psicoterapia mais nalidade inoperante, dos seus sistemas de
consultam à procura de psicoterapia; se
junto das variáveis que dizem respeito ao prolongada, após a remoção dos sintomas interaçao deficientes, ou mesmo, símples-
isto ocorrer, no caso de artistas por exem-
paciente (e não somente à sua "doença") atuais — se a pessoa o desejar... menle, das carências afetivas apresenta-
plo, não se correrá grandes riscos,
aplicando o "princípio de cristal" de poderá nos fornecer uma base mais segu- Quanto aos conflitos neuróticos, eles das — todas aquelas terapias pois que
Freud (3), em assimilá-los aos neuróticos, ra para indicar a psicoterapia que parece se caracterizam pela sua historicidade, ou trabalham mais a superfície e os contatos
o que não terá nada de pejorativo se pen- adequar-se mais ao seu caso. Mesmo as- seja, correspondem a desenvolvimentos cotidianos do cliente, podem ser indica-
sarmos na presença de micro, se não de sim, esta indicação será sempre conjectu- problemáticos desde a infância (embora das para o tratamento de problemáticas
macropatologías na vida (íntima) de todos rai e nunca objetiva, exata ou precisa. possivelmente com intervalos de latÊn- neuróticas não demasiadamente graves,
nós... Erros de indicação, portanto, são sempre cia). Eles representam as indicações clás- ou seja, que não hipotecam demasiada-
possíveis e, de fato, acontecem com fre- sicas para psicoterapias aprofundadas, mente o funcionamento psíquico e a in-
De maneira muito esquemática, pode- quência, também porque delimitações ní- isto é, descobridoras, idealizando o obje- tegração social do portador.
mos formular que os diversos quadros tivo de uma resolução ampla dos confli-
tidas não existem, como já vimos, entre É muito comum, hoje em dia, distin-
neuróticos são mais indicados para psico- tos (inconscientes) com vistas a uma li-
as diversas formas de psicoterapia. guir entre neuroses sintomáticas (grandes
terapias profundas (ou "descobridoras"), bertação, ampla ela também, dos entraves
com exceção das chamadas neuroses Não obstante, faz sentido discutir as histerias, hipocondrias, fobias, neuroses
criados em consequência daqueles confli-
"atuais" e de distúrbios leves; que os es- indicações prioritárias que decorrem da obsessivas...) e neuroses sem sintomas
tos ou das lutas defensivas que desenca-
tados psicóticos podem ser trabalhados consideração da psicopatologia. Iniciamos deiam. caracterizados (neuroses de caráter, per-
psieoterapicamente, mas sob formas de pelas neuroses, de longe os quadros mais sonalidades neuróticas, transtornos de
terapias de apoio ou de manutenção, pa- frequentes pelos quais se procura psico- Para que ocorra a perlaboração (e a personalidade. . . ) . As segundas, sem dú-
ralelamente com terapias medicamento- terapia. No entanto, cabe distinguir entre simbolização) de maneira satisfatória, vida, estão aumentando nas últimas dé-
sas; que os quadros de psicopatia não são precisa-se em geral de um prazo bastante cadas, sendo que as mudanças sintomáti-
as neuroses atuais (ou traumáticas, ou
acessíveis (ou raramente) à abordagem grande; porém, certas problemáticas, cas exigem também mudanças terapêuti-
ainda, as "reações neuróticas") e os con-
psicoterápica, requerendo então medidas mesmo já de longa duração, se deixam
flitos neuróticos ("desenvolvimentos neu- cas, em particular no que diz respeito a
sócio-educativas. A distribuição diferen- resolver por psicoterapias breves especí-
róticos" ou "psiconeuroses"). perturbações narcísicas (5). Contudo, em
cial destes quadros, aliás, é ilusírada pela ficas, quando indicadas (ver os critérios
As primeiras são limitadas no tempo e nosso entender, as mudanças dos quadros
piada bem conhecida em cursos de psico- de Malan (4), por exemplo) e quando
obedecem a uma causalidade dircta entre psicopatológicos em geral requerem mais
patología, segundo a qual o neurótico bem conduzidas. Não entramos aqui nes-
um evento patogêmco ("traumático"), re- ta discussão, que foge ao nosso tema mudanças técnicas, no interior de formas
procura terapia por ele mesmo, enquanto psicoterápicas já constituídas, e não têm
lativamente circunscrito, e os sintomas geral.
o psicótico é levado pela família e o psi- repercussões dirctas sobre a questão da
subsequentes, aparecendo logo em segui-
copata pela polícia... Não se pode querer prescrever, de ma-
da àquele evento. Tais quadros represen- indicação — a não ser no sentido, já
neira concreta, indicações de determina-
Se esta distribuição é procedente, ela tam uma boa indicação para breves psico- mencionado, de eles tenderem cada vez
das formas de psicoterapia para determi-
exige diferenciações bem mais acuradas. terapias de apoio, focalizando as reações mais para a cronificação, o que evidente-
nadas perturbações neuróticas. Aventa-
Em particular, os estados psicopatológi- desmedidas quantitativas e/ou qualítati- mente afeta também a indicação.
mos tão-somenfe que quanto mais grave
168 169
Neste contexto das mudanças sintomá- trate, evidentemente, de problemas orgâ- ciem consciente mente (primeiro) para grande fragilidade narcísica, com uma im-
ticas e até nosográficas, cabe lembrar nicos. terapias individuais. A ideia de uma portante problemática de identidade e
logo os estados depressivos, hoje em fran- Eis que a indicação para uma terapia abordagem em conjunto pode caminhar, com descompensações periódicas, depres-
ca ampliação. As suas formas são múlti- especificamente sexual, ou para uma psi- durante os processos individuais, e um sivas ou de despersonalização. A indica-
plas, as suas "causas" controvertidas, as eoterapía "geral", depende da demanda dia desembocar em uma demanda ex- ção psicolerápica, se não a melhor, pelo
suas terapêuticas também... A indica- do paciente. Se ele coloca em foco apenas plícita. menos a menos eontra-indicada, é aquela
ção principal é aquela da psicoíerapia de o distúrbio sexual, de alguma forma des- Os diversos quadros de deficiências fí- de uma psicoterapia interpessoal subjeti-
apoio, em particular nas fases depressivas conectado do conjunto de sua vida, ele sicas e mentais, congénitas ou adquiridas, va a longo prazo, passando por várias
agudas. Este apoio, no entanto, pode evo- será mais inclinado por uma terapia se- são indicações seguras para terapias de etapas de reconstrução da imagem de si
luir para um trabalho mais aprofundado xual (comportamcntal, bioenergética, cor- reabiliiação ou para treinamentos educa- (o sei}), até possibilitar um funcionamen-
— aproveitando os intervalos menos mar- p o r a l . . . ) ; caso contrário, interessar-se-á tivos, em particular na linha comporta- to mais integrado da personalidade{7).
cados pela depressão — visando à ela- por uma abordagem mais ampla, para mcntal. Avaliações cuidadosas deverão,
trabalhar os conflitos subjacentes às quei- Os estados psicóticos, em seguida,
boração do problema de dependência {ou no entanto, apurar a origem e a extensão
xas sexuais. representam tradicionalmente indicações
simplesmente, dos elementos neuróti- destas deficiências, e investigar se não se
para o tratamento psiquiátrico. Porém,
cos . . .) que, em geral, caracterizam a per- Estas serão então consideradas como irata de pseudo-afecções, notadamente
em crianças e adolescentes, necessitando muitos pacientes psicóticos podem apro-
sonalidade depressiva. Mas qualquer que sintomas quaisquer, isto é, não essenciais
então de abordagens propriamente psico- veitar, além da terapia medicamentosa,
seja a inclinação do terapeuta, nunca em si, mas representantes dos desenvolvi-
mentos conflituosos remontando à infân- terápicas. de um acompanhamento psicoterápico.
deve-se esquecer a importância da medi- Neste é possível focalizar aspectos parti-
cação an ti depressiva. cia. Não é supérfluo, aliás, lembrar que As jarmacodependências de todos os
segundo as concepções da psicanálise, as culares das dificuldades enfrentadas,
Isto vale ainda para as "depressões tipos, inclusive de álcool e de fumo, sem
perturbações sexuais mantém uma relação como as crises de angústia, a falta de co-
falar dos medicamentos, raramente são
mascaradas" ou camufladas, isto é, sotna- íntima com as neuroses; estas, em suas municação com os outros, o apragmatis-
boas indicações para abordagens "clássi-
tizadas, bem corno para o amplo leque mais variadas ramificações, sempre afe- mo, problemas profissionais etc. Eviden-
cas", isto c, rigidamente estruturadas,
das afecções chamadas psicossomáticas. tam a esfera sexual, ou melhor, psicos- temente, este acompanhamento terá que
com frequências e procedimentos rituali-
Nestas últimas, porém, será muitas vezes sexual da pessoa, o que produz facilmen- se restringir às fases de acalmia, sendo
zados. Tais pacientes poderão chegar a
indicado iniciar o trabalho terapêutico te sintomas ao nível da função sexual. tais tipos de terapia em uma fase poste- que nas fases de surto, prioridade terá
por uma abordagem corporal, incluindo Disfunções sexuais não neuróticas sem rior, mas no início, será necessário ofere- que ser dada à medicação ou mesmo à
sobretudo relaxamento, sob suas mais di- dúvida existem, mas elas nos parecem re- cer-lhes uma assistência mais envolvente, internação.
versas formas. Dependendo dos resulía- presentar uma minoria. mais afetiva do que técnica — sem no en-
dos (e, como sempre, da motivação em Em muitos casos de psicose, a aborda-
Diante de conflitos conjugais e familia- tanto perder de vista o objetivo terapêu-
continuar e aprofundar), pode-se passar gem familiar é a mais indicada, sobretu-
res, a indicação que se impõe, teorica- tico. Em consequência das oscilações da
paulatinamente para uma forma mais psi- do quando o clínico percebe a presença
mente, é a terapia conjugal ou familiar — motivação destes pacientes, as psicotera-
coterápica, ou até mudar de terapeuta, se pias — com ou sem período de desintoxi- de ligações simbióticas que, no seio da
se os protagonistas o desejam. Se não há
parecer conveniente. cação hospitalar — raramente lerão uma família, exercem um efeito psicotizante
um consenso a respeito, a psicoterapia re-
continuidade dírcta, mas serão intermi- sobre um dos membros. A terapia fami-
As queixas que focalizam problemas cai em geral sobre o membro da família
tentes, o que exigirá uma grande flexibili- liar tentará, em tais casos, provocar uma
sexuais exigem uma atenção particular diagnosticado como paciente, em detri-
dade e disponibilidade da parte do psico- redistribuição dos papéis na família e das
por parte do entrevistador. Ele tem que mento da interação entre todos os mem-
bros ou entre os cônjuges. Cabe ao entre- (erapeuta(ó). interações que estes determinam, para
distinguir entre sintomas sexuais ligados
vistador incentivar, quanto possível, a tirar o paciente do seu papel de bode ex-
a desenvolvimentos neuróticos, e distúr- Numerosos são hoje em dia os "estados
bios sexuais isolados. Porém, é duvidoso aceitação de uma forma de psicoterapia piatório, ou seja, de "paciente diagnosti-
limítrofes'", denominação bastante cómo-
que existam realmente tais distúrbios iso- grupai (de base analítica, sistémica ou cado". Em outros casos, embora raros,
da que dispensa dacidir quanto ã neurose
lados, isto é, sem ligação com conflitos mista), a não ser que os cônjuges será possível desenvolver psicoterapias
ou psicose. . . Digamos que se trata de
de ordem neurótica — a não ser que se ou outros membros da família se pronun- profundas a longo prazo, removendo ou,
personalidades desestruturadas, com uma

171

I
170
pelo menos, tornando tolerável o núcleo supervisões e de práticas interdisciplina- muflando hesitação, ambivalência, ou prometedor cm psicoterapia. Aí, o pacien-
psicótico do padente. res é indispensável para desenvolvê-la. simplesmente receio em se engajar te apresenta-se com uma demanda psico-
Quanto às diversas formas de psicopa- Acrescentamos apenas a observação se- na "aventura" psicoterápica. Enumera- lógica muito bem formulada e até super-
tia, elas não representam, tradicional- guinte: todo quadro psicopatológico, mes- mos quatro tipos, seguindo aqui as ideias claborada, mas carece de uma verdadeira
mente, boas indicações para psicoterapia, mo com o maior comprometimento orgâ- de Schneider(8). motivação interna, de um "desejo" em
a começar pela falta de interesse em se nico — como no caso de psicoses exóge- Em primeiro lugar, certos paeientes se "submeter" a uma psicoterapia. Às ve-
engajar em um tratametnto, ainda que a nas, ou de alcoolismo, por exemplo — é apresentam uma motivação somática, isto zes, ele quer impressionar o outro com os
curto prazo. Como a grande dificuldade passível de melhora através de psicotera- é, baseada em achaques físicos (pressão seus conhecimentos psicológicos ou com
do psicopata — delinquente ou não — pias adequadas, de apoio ou de manuten- alta, distúrbios digestivos, cardiopatia proezas de auto-análise, às vezes quer
consiste em respeitar a lei, cie será sem- ção, desde que estas sejam conduzidas ete), cuja relação com conflitos psicoló- francamente competir com o terapeuta,
pre rebelde contra qualquer autoridade, com cautela, com modéstia e pleno co- gicos não se deixa evidenciar. Muito pelo tentando convencê-lo de dispor de uma
inclusive aquela, muito relativa é verda- nhecimento dos seus limites, seja tão- contrário, estes são negados, não existin- visão adequada ou mesmo perfeita dos
de, do psicoterapeula: ele não será incli- -somente como forma terapêutica auxiliar. do então nenhuma razão para pensar em seus próprios conflitos (explicando, por
nado • se questionar a si mesmo sobre os Impregnado deste espírito, o psicotera- uma psicoterapia. Tais pacientes (ou exemplo, longamente, o complexo de
problemas que enfrenta na vida, mas peuta será capaz de oferecer ajudas mais "doentes funcionais") procuram, por con- Édipo do qual estaria padecendo. . .).
procurará sempre respostas fora dele para eficientes e mesmo mais duradouras, até seguinte, mais o clínico geral ou algum fi claro, no entanto, que não basta ter
se justificar, isto c, para acusar os outros, em casos considerados como desesperado- médico especialista — mas, após várias uma visão intelectual ou racionalizada das
as autoridades, a sociedade... res, do que movido por ambições gran- consultas c andanças, são com frequência próprias dificuldades psicológicas para
diosas ou pelo furor sanandi de querer encaminhados para uma psicoterapia,
Este quadro, no entanto, muda, quan- engajar-se em uma terapia, uma \cx que
curar a Iodos... sem que sejam pessoalmente motivados
do elementos neuróticos (ou mesmo psí- esta não consiste em uma discussão teó-
ou mesmo capacitados para um tal em- rica. Em tais casos, é aconselhável fazer
cólieos) participam da conduta psicopata,
preendimento (ver acima, 3.6.). várias entrevistas para testar a motivação
situação na qual um interesse pela abor-
dagem psicoterápica pode surgir, a partir
7.2. A motivação do paciente Em alguns destes casos, porém, é pos- do sujeito, para descobrir se existe um
de sentimentos de culpa, de traços obses- sível suscitar um interesse pelíi aborda- desejo pessoal em se questionar e cm des-
Se o estado psicopatológico represen- gem psicológica, sensibilizando o pacien- vendar o que a intelectualízação encobre
sivos ou perversos que incomodam, ou
ta um fator objetivo que pesa na indica- te para a dimensão intrapsíquica e para — ou se existe a convicção de já dispor
ainda, de crises de angústia ou de com- ção, a motivação se constituí em um eventuais conflitos ali alojados, Como já de todas as respostas, tornando qualquer
pulsividade que conduzem a atos anti- fator subjetivo cuja avaliação decidirá questionamento supérfluo.
-sociais. Mas tais casos "limítrofes" são frisamos, esta sensibilização será facilita-
sobre a indicação efetiva. Considerando da iniciando-se o trabalho com uma abos- Neste caso, a psicoterapia será contra-
mais raros e não mudam a dificuldade ge- somente o primeiro falor, chegaremos a
ral de propor — ao invés de impor — um dagem corporal, na linha do relaxamento; -indicada; na primeira eventualidade, a
uma indicação, talvez ideal, mas inevita- mesmo assim, no entanto, "Ia será bem- intelectualização se deixa contornar ou
tratamento a esta clientela muito espe- velmente abstraía e totalmente insuficien-
cial. -sucedida somente em uma minoria de ca- neutralizar aos poucos, com um manejo
te para engajar uma psicoterapia. Esta, sos: a remoção da mera motivação somá- hábil da relação psicoterápica, mas para
Passamos assim, rapidamenle, em re- ninguém pode prescrever ou encomendar tica e de sua couraça defensiva é uma que isto seja possível, exige-se muita ex-
vista, os grandes quadros psicopatológi- para ouíra pessoa, à distância ou magica- tarefa árdua. Como não é possível con- periência da parte do psicoterapeuta —
cos, cuja diferenciação mais acurada não mente; é o próprio sujeito que tem que vencer alguém da inadequação de sua até para não cair ele mesmo na armadilha
nos compete aqui. Para definir indicações querer fazê-la, uma vez que consiste em própria convicção, se esla lhe serve para da discussão teórica.
psicoterápicas com pertinência, o entre- um tratamento subjetivo, que o paciente fins defensivos, faltam instrumentos ade-
vistador clínico tem que dispor de conhe- não recebe, mas faz. A sua motivação é, Podemos falar de motivação deslocada,
quados para mudar a motivação, no sen- quando a pessoa se apresenta sob pres-
cimentos aprofundados em psicopatolo- portanto, fundamental para uma indica- lido de suscitar um interesse ou mesmo
gia, bem como de uma experiência clínica ção pertinente e realista. são ou para agradar a uma outra pessoa.
uma demanda por psicoterapia. Tais candidatos "querem" fazer psicole-
ampla. Esta só se adquire com o tempo, Podemos discernir vários tipos de mo-
de sorte que a realização de estágios, de A motivação intelectualizada represen- rapia, mas nas entrevistas percebe-se que
tivação com características defensivas, ca- ta um outro obstáculo para um ingresso a motivação é superficial, adquirindo al-
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guma consistência apenas em consequên- so em psicoterapia formalmente c possí- com a terapia, e sobretudo para com a porque ficam relegados ao inconsciente:
cia da ligação afetivu com a pessoa inci- vel; sem a cautela do entrevistador, tais figura do terapeuta. desta forma, haverá engajamento pessoal
tadora. Com esta, descobre-se existir ingressos chegam realmente a se efetuar, Em todas as motivações humanas, in- insuficiente, com pouca motivação paru
uma dependência acentuada, problemáti- mas à revelia daquelas condições que, tervêm elementos infanlis. Contudo, se (se) trabalhar e se tornar autónomo.
ca sem dúvida a ser trabalhada em tera- imprescindíveis, permitirão o desenvolvi- estes prevalecem, estamos diante de um isto vale ainda para um segundo tipo
pia, mas que arrisca, por si mesma, im- mento e aprofundamento da relação psi- pedido de psicoterapia impregnado pelo de expectativa, embora siluando-se aos
possibilitá-la, uma vez que se tem de coterápica. pensamento mágico. Aí, o terapeuta é co- antípodas do primeiro, a saber, a deman-
colocar em questão o laço de depen- locado em uma posição de onipotência e da racionalizada. Este tipo de paciente
A partir de uma reflexão descritiva, é
dência. onisciência, a partir da qual se espera que vem com uma motivação muito intelec-
fácil distinguir estes quatro tipos de mo-
Em tais casos, pois, a demanda não é transmita ao paciente parte de seu saber tualizada: ele já "sabe tudo" e vem mais
tivações defensivas. Contudo, na prática,
autêntica, mas é oriunda da oulra pes- e de seu poder. A atitude do paciente à procura de uma aprovação, até para
esta distinção se torna mais difícil, uma
soa. Tomando consciência desta situação será passiva e submissa, embora ávida de que seja dispensado de um esforço de
vez que não existe motivação "pura":
deslocada, o paciente pode chegar a ma- ''receber' do outro —• mas de rece- desvelamento maior.
todo pedido de psicoterapia contém algu-
nifestar sua motivação pessoal ou pode ber o quê? No extremo, de receber tudo,
ma ambiguidade, hesitação e ambivalên- Assim, ele tentará convencer o entre-
desistir da ideia, até que o parceiro a e em particular de receber a "cura" de
cia, decorrente do medo diante da in- vistador ou o terapeuta de como as suas
inculque novamente. .. Iodos os males e achaques que o perse-
cógnita que representa a psicoterapia teorias sobre seus problemas são bem-
guem. Percebe-se como esta expectativa
Hm quarto lugar, cabe falar da pseuáo- — medo que coexiste mesmo com as -fundadas e pertinentes •— pelo que sabe
é infantil, como ela acredita no poder
motivação, ocorrendo quando a. pessoa é mais apuradas motivações, as mait, cons- evitar o conflito, apresentando tudo de
mágico do terapeuta e como ela conta
mandada por uma autoridade. Ela aceita, cientes e as mais decididas para se ques- maneira racional e lógica. Este sistema ra-
com a intervenção milagrosa daquele
então, submeter-se a uma psicoterapia em tionar, se enfrentar e se descobrir. Mas os cional, elaborado de modo defensivo,
todo-poderoso. . .
obediência a este mandato, ou simples- protege os pontos fracos, até diante de
conflitos psicológicos profundos são te-
mente porque espera obter algumas van- Poderá ser grande então a tentação uma intervenção terapêutica cuja necessi-
nazes e não se deixam pôr em xeque por
tagens com esta sua "docilidade". Porém, deste de entrar neste círculo, onde se lhe dade pode ser sentida, mas que inspira
disposições conscientes; aqueles acompa-
não existe um desejo pessoal em enga- atribuem poderes tão extensos e tão grati- medo. Cabe testar a solidez destas barri-
nham estas, são sublíminarmente perce-
jar-se em uma terapia — ou melhor, acei- ficantes, e onde lhe é oferecido um pedes- cadas defensivas, mediante certas inda-
bidos c provocam medo e recuo, apesar gações, colocando em dúvida o bem-fun-
ta-se esta "submissão", mas por interes- tal do qual poderá influenciar ou sim-
ses que não são passíveis de uma elabo- de toda a "boa vontade" de entrar em te- plesmente dominar os outros. Portanto, dado da argumentação do paciente,
ração psicoterápica. Esta, tomo já vimos, rapia. Cabe, pois, ao entrevistador, ope- ele não deverá sucumbir a esta tentação, lançando mão de uma interpretação "de
não consiste cm uma passividade submis- rar com discernimento circunspecto a mas desfazer esta expectativa mágica, ensaio" para ver a reação. Desta forma,
sa, razão pela qual, a rigor, ninguém "se avaliação da demanda do paciente, levan- através de um verdadeiro trabalho de será possível checar a presença de uma
submete" a uma psicoterapia, mas a jaz, do em conta o grau de motivação, bem desmistijicação, tanto do processo psico- motivação verdadeira (ou não) "atrás" da
aíivãmente, junto com o psicoterapeuta, como o peso dos benefícios (primários e terápico quanto da sua própria pessoa — fachada racional; será possível ver, tam-
mas também, de alguma forma, "diante"' secundários) que tira de sua problemá- trabalho que se confunde com o trabalho bém, até que ponto o paciente tem cons-
dele, mas nunca "abaixo1' dele. tica psicopatológica e de suas atitudes de- da psicoterapia em si, de lal maneira que ciência dos seus conflitos, ou se está pelo
fensivas, já mais ou menos incorporadas não é possível, com certeza, liquidá-la nas menos disposto a elaborá-los. Se há uma
No caso de uma pseudomotivação, não
ao seu caráter e ao seu modo de vida. Se, entrevistas iniciais. Não obstante, é im- negação total de tais conflitos, "já resol-
há conflitos psicológicos reconhecidos,
nesta avaliação, nenhum dos quatro tipos portante avaliar a extensão deste pensa- vidos", no entender do paciente, não ha-
base indispensável para uma motivação
mencionados se sobressai, a motivação mento mágico; de alguma forma, ele verá base suficiente para ingressar em um
pessoa! e uma demanda de terapia. Na
pode ser considerada como válida e sufi- sempre estará presente. Mas se ele domi- trabalho psicoterápico a médio ou a lon-
maioria das vezes, também não há um so-
ciente para um ingresso em psicoterapia. na sobremaneira, o ingresso em psicote- go prazo.
frimento pessoal; se este existe, ele não
rapia será impossibilitado.
é reconhecido, é negado ou, ainda, é atri- E possível traçar uma outra diferencia- Podemos invocar um terceiro tipo de
buído a outros, seja em suas causas, seja ção entre tipos de motivação, tocando Quando predomina o pensamento má- motivação, afeíiva mais do que intelec-
em seus efeitos. Desta maneira, o ingres- desta vez às expectativas do paciente para gico, os conflitos afloram dificilmente, tualizada. Ela representa a expectativa

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ideal para o início de um trabalho psico- o mesmo profissional que dê continuida- dências familiares, não (ou insuficiente- Tradicionalmente, o sucesso profissio-
terápieo, quando combina a consciência de ao trabalho.
mente) resolvidas. nal é mais importante para o homem do
da problemática pessoal com a motiva-
A fase do jovem adulto corresponde, que para a mulher. Apesar das grandes
ção, ou seja, o desejo de "se tratar", de
pois, a uma nova fase crítica, após a da mudanças que ocorreram a este respeito
se confrontar consigo mesmo. Neslas con- 7.3. Fatores secundários que adolescência. Porem, em oposição a esta, na sociedade moderna, a mulher continua
dições, o trabalho é aceito, apesar de pesam na indicação aquela se distingue pela presença de uma a ter um vínculo privilegiado com a ma-
todas as suas exigências, durezas c sofri-
autocrítica — às vezes até aguda de- ternidade e com a educação dos filhos.
mentos; ele é aceito, porque a pessoa tem
Discutiremos aqui alguns fatores que mais — que precisamente faz falta na ju- Ora, é durante a faixa etária dos 40 aos
consciência de sua necessidade e acredi-
não se revestem da importância da moti- ventude. Por conseguinte, aumenta a 50 anos que este vínculo aforuxa, que os
ta nele, como sendo capaz de levá-la a
vação e do estado psicopatológico, para consciência quanto aos próprios proble- filhos saem de casa à procura de sua pró-
um maior conhecimento de si mesma e,
proceder a uma indicação pertinente, mas mas: as razões destes não são procuradas pria realização, social, profissional e afe-
ademais, a uma libertação, pelo menos
que devem ser considerados para comple- fora de si, nos outros, ou no sistema so- tíva. A mulher-mãe se vê então diante da
parcial, dos seus conflitos.
tar o quadro de indícios. Mencionaremos cial em geral, mas são localizadas dentro tarefa de dar um novo sentido, um novo
Este tipo de motivação, profunda, re- quatro fatores: a idade, o nível sócio-cul- de si, condição sine qua non, como já vi- conteúdo à sua vida, seja se aconchegan-
fletida e decidida — na medida do possí- tural, a inteligência e a estrutura da per- mos, para que haja algum interesse por do mais à unidade conjugal (se não aos
vel, uma vez que nunca se eliminam sonalidade. psicoterapia. afazeres domésticos), seja ampliando os
todas as hesitações e ambívalências —, seus contatos sociais.
Se não existe uma idade ideal para se Nestas condições, o pedido de psico-
merece ser chamado de ajetivo, pela pre- fazer psicoterapia, existem indicações terapia c frequente, representando uma De qualquer forma, esta fase represen-
disposição que implica de desenvolver bastante específicas para as diversas fai- boa indicação, cm geral, para uma abor- ta para ambos os sexos uma fase de mu-
um vínculo afetivo no trabalho com o xas etárias. Contudo, cabe lembrar mais dagem descobridora — se é que há real dança, implicando um estreitamento (tan-
psicoterapeuta. Ela representa a base da uma vez que o processo indicatóiio não motivação para tanto. Psicoterapias de to real quanto imaginário) do espaço
possibilidade de trabalhar juntos, em in- corresponde a um procedimento exato: grupo, no entanto, correspondem aí a vital e, por conseguinte, frequentemente,
teração e com intercâmbios subjetivos. ele será sempre aproximativo, conjecturai uma alternativa interessante, uma vez que uma autodepreciação, cujos efeitos depri-
Se isto não representa uma garantia para e, portanto, passível de erros ou pelo me- incluem a possibilidade de novos conta- mentes devem ser aturados.
que o trabalho seja bem-sucedido, consti- nos cie imprecisões, É necessário contar tos humanos que podem torná-las mais Em outras palavras, trata-se de fazer o
tui pelo menos a base mais segura que se com estas que, de fato, são corrigíveis atraentes do que as terapias individuais. trabalho de luto pelas perdas sofridas,
possa encontrar ao nível da motivação —• à condição do processo ser levado Isto, de fato, vale também já para a pró- pelo passado evanescente e pelo futuro
inicial. a cabo com competência e seriedade. pria adolescência. que se restringe. Aos sentimentos depres-
Na faixa dos 40 a 50 anos, a situação sivos, juntam-se, então, aqueles de impo-
Se o psicoterapeuta consegue delectar Há duas faixas de idade onde se mani-
já c outra, com problemáticas diferentes tência, inutilidade e solidão crescentes,
a presença deste lipo de motivação, ao festa uma maior demanda de psicote- com o que aumenta a procura de ajuda
menos parcialmente, cie pode proceder rapia, a saber, entre 20 e 30 anos, e de- segundo o sexo. Entre 40 e 50 anos, o
homem chega, de regra, ao apogeu de sua psicoterápica.
com segurança à indicação de uma psico- pois entre 40 e 50 anos. A primeira faixa
vida soeíal c profissional, com poucas Esta se desenvolverá de modo diferen-
terapia propriamente dita. Não é raro, corresponde à idade onde o jovem adulto
perspectivas quanto a progressos ou mu- te daquela do jovem adulto, visto que
aliás, que, em tais casos, já as primeiras se fixa profissionalmente e afetivamente
danças substanciais. Com isto, ele inevi- será mais difícil chegar a uma reestrutu-
entrevistas tenham valor de psicoterapia, Mas, muitas vezes, ao sair de casa e en-
tavelmente começa a meditar mais sobre raçao global da personalidade, ou seja,
graças à intensidade do engajamento do frentar o mundo externo, aparecem difi- a vida, sobre o sentido de sua vida, sobre à mais ampla resolução possível dos con-
paciente, à densidade humana que as ca- culdades, até aí escamoteadas e encober- a sua fase descendente, o declínio, a mor- flitos profundos. Cabe ao terapeuta ava-
racteriza, c ao material subjetivo que tas pela convivência familiar. Posto à talidade. .. Os objetivos idealizados e liar, nesta segunda fase de grande deman-
emerge e já começa a ser trabalhado. A prova fora da família, manifestam-se ainda não realizados aparecem então da, o grau de restrição do campo vital
transição entre a fase de avaliação e as então inseguranças, inibições, desadapta- como mais distantes, as possibilidades do da pessoa, a sua motivação, a menor ou
sessões psicoterápicas se torna então na- ções e outros sinais de conflitos internos, futuro diminutas, as expectativas de gran- maior flexibilidade de sua personalidade,
lural, à condição, evidentemente, que seja
oriundos, em particular, de fortes depen- des sucessos frustradas. . . as suas perspectivas de engajamento futu-

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ro, para optar seja por uma psicoterapia balhados, cabendo esta opção mais uma
renciada, para que se inferesse por psieo- Podem-se tecer considerações semelhan-
de apoio, circunscrita à elaboração dos vez ao psicoterapeuta, em conformidade
terapia. Isto diz respeito não à riqueza tes sobre a questão da inteligência. Ela
problemas concretos ligados àquela faixa com a sua opção teórica e a sua posição
material, mas à riqueza interna, no senti- não depende da classe social à qual a pes-
etária, seja por uma psicoterapia desco- ética.
do de dispor daquelas características cuja soa pertence, mas, mais uma vez, da di-
bridora e profunda, seja ainda por uma As psicoterapias com pessoas mais ido- presença é indispensável para possibilitar ferenciação interna desta. E clara que um
terapia "existencial". sas devem adaptar-se às particularidades uma psicoterapia (v. acima, 3.6.), Esta mínimo de inteligência, ou melhor, uma
Quanto às psicoterapias indicadas du- concretas destas faixas etárias. O que diferenciação implica, pois, determinadas inteligência média é necessária para poder
rante a injância e a adolescência, cabe fri- mencionamos a respeito da faixa dos 40 qualidades humanas, pelas quais a pes- aproveitar uma psicoterapia ou, simples-
sar a sua especificidade. Ambas contêm aos 50 anos, vale (mutatis mutandis) tam- soa detém capacidade introspectiva e in- mente, para interessar-se por ela. No en-
um fator de complicação, que é a presen- bém para idades mais avançadas: a plas- teresse pela dimensão psíquica da existên- tanto, é muito mais uma questão da qua-
ça dos pais, da família, que interferem no ticidade dos processos psíquicos raramen- cia — qualidades estas que independem lidade da inteligência do que do seu grau;
desenrolar da terapia ou fazem diretamen- te será suficiente para uma terapia pro- da classe social. não é raro encontrar pessoas intelectual-
te parte dela. Desta forma, esta terapia funda. Salvo casos especiais, a indicação
De fato, não é raro encontrar pessoas mente brilhantes, mas com remoto inte-
será mais complexa (ainda) que aquela será prioritariamente para psicoterapias
que pertencem à população de baixa ren- resse por psieoterapia c com remotas
do adulto, onde tradicionalmente a famí- de apoio, focalizando dificuldades especí-
da e que demonstram tais qualidades, chances de poder tirar proveito dela.
lia está ausente •— a não ser no caso de ficas (fases depressivas, ansiosas, de agi-
tação, doenças. . .). Sem dúvida pode ser como também é comum que pessoas Isto vale em particular quando se trata
pacientes psicóticos —, participando so-
indicado praticar uma "terapia de manu- oriundas das classes média e alta não as de inteligência do iípo operacional, exe-
mente através de seus representantes inte-
tenção", mas, na maioria dos casos, será tenham. A dificuldade maior reside no cutiva ou técnica, onde se atribui pouco
riorizados.
suficiente um apoio temporário, até que a acesso dos primeiros às informações so- valor à introspecção ou aos valores hu-
A psicoterapia da criança e do adoles- bre psicoterapia, e em seguida, aos pró- manos no sentido afetivo. Uma psicote-
dificuldade em pauta seja suficientemente
cente corresponde pois a uma especializa- prios profissionais, para que um desejo rapia, como já vimos, não é apenas
contornada, as perspectivas sombrias de-
ção, necessária lambem pela intervenção de tratamento possa se concretizar. Per- um empreendimento técnico ou formal,
sanuviadas.
de outros instrumentos terapêuticos do cebe-se, desta forma, como é importante o não se deixa operar por computador,
que a verbalização, em particular o brin- No que tange à questão do nível sóciu- psicoterapeuta não somente trabalhar em mas implica a capacidade relacional da
car, o dramatizar e outras formas não- -cultural, cabe frisar, em primeiro lugar, consultório particular, mas também em pessoa. . .
-verbais. Como não podemos discutir aqui que ela não deve ser confundida com o instituições (ambulatório, clínica social,
os ingredientes desta formação especiali- nível económico. A condição económica Esta esíá afetada também em represen-
hospital. . .), para que seus serviços se- tantes de uma categoria psicopatológica
zada, remetemos o leitor à literatura es- da pessoa intervém eom certeza, uma vez jam acessíveis à população menos afor-
pecífica sobre o assunto(9), lembrando que a classe socialmenfc favorecida tem que muitas vezes dispõem de inteligência
tunada. . .(10) aguda, mas que os desserve quando se
que a distinção entre psicoterapias enco- mais acesso a informações sobre psicote-
rapia. Desta forma, cia pode mais facil- Quanto à questão da indicação, o trata de se questionar a si mesmos, a sa-
bridoras e descobridoras se aplica tam-
mente interessar-se pela perspectiva te- profissional tem que avaliar o nível ber, as personalidades paranóicas. A sen-
bém ao trabalho com crianças e adoles-
rapêutica, ou mesmo chegar a bater na sócio-cultural do paciente com referência sibilidade afetiva c até uma certa humil-
centes. A /unção pedagógica será sein
porta de um psicoterapeuta; mas dispor a esta diferenciação interna, para con- dade são sem dúvida mais importantes,
dúvida maciçamente presente, particular-
de informações não implica ainda se sen- cluir (ou não) sobre a possibilidade de para a indicação psicoterápica, do que
mente nas técnicas derivadas da teoria da
tir motivado para iniciar uma psicotera- uma psicoterapia. Nesta avaliação, iníer- uma inteligência superior, visto que a su-
aprendizagem; não obstante, o divisor de
pia; para isto, precisa-se de outras condi- vêm aspectos éticos no que tange à res- perestimação de si mesmo não prepara
águas quanto às duas formas menciona-
ções, que mais têm a ver com o nível ponsabilidade (social) do terapeuta. Ele para um ingresso prometedor naquela re-
das continua sendo o reconhecimento (ou
sócio-cultural da pessoa (c com a sua per- nunca deveria perdê-la de vista, embora lação interpessoal subjetiva que se trata
não) da presença e da importância de
sonalidade, é claro) do que com o seu não seja possível regulamentá-la: cada de desenvolver.
conflitos inconscieníes. Partindo do pres-
nível económico ou financeiro. um terá que decidir em função de sua No caso de pessoas que apresentam
suposto de que estes estão atuantes já na
própria consciência, se quiser dar a sua um baixo grau de inteligência — estados
infância e na adolescência, torna-se claro
Hm outras palavras, a pessoa não tem contribuição à melhora da justiça so-
que eles podem ou mesmo devem ser tra- limites ou franca debilidade mental —
que ser abastada, mas tem que ser dife- cial . . . não se trata de indicações para psicotera-

178 179
pia, a Vo ser, evidentemente, os casos dificuldade de transformar a compreen- indicação à psicoterapia, insistimos mais dade — O que não impede de pro-
t!e pset dodebilidade. Uma avaliação por- são — perfeitamente possível — do ma.- uma vez sobre o caráter aproximativo e curá-las.
menorizada, sobretudo com crianças, per- teria! patogénico em aproveitamento pes- subjetivo deste procedimento. Não exis- Contudo, não cabe radicalizar a oposi-
mitirá na maioria das vezes decidir esta soal, ao nível da conduta e de mudanças tem critérios totalmente objeíivos aplicá- ção entre medicina e psicoterapia. As di-
questão. Se a deficiência é realmente mais globais da personalidade. veis a todos estes fatores, de sorte que o ferenças existem e são fundamentais, mas
"pseudo", islo é, devido a razões neuró- Se esta dificuldade aumenta com a ida- psicoterapeuta tem que assumir a sua res- existem também pontos de encontro e
ticas ou depressivas (ligadas em geral ao de, ela pode estar presente, cm evoluções ponsabilidade pessoal no processo indica- complementaridades. Isto se verifica em
contexto familiar), então a indicação desfavoráveis, já no início da idade adul- tório. Da mesma maneira, não existem particular no campo da terapêutica, onde
para psicoterapia é clara. Se não, a abor- ta, representando um modo particular de meios exatos para chegar a um prognós- a combinação de terapia medicamentosa
dagem terapêutica terá que focalizar mui- defesa ("pelo carãfer") diante dos pró- tico ecrío, objetivo e fidedigno, o que com psicoterapia é frequentemente indi-
to mais a reeducação do que a psicotera- prios conflitos. Da mesma maneira, per- nem na medicina existe; não obstante, o cada.
pia propriamente dita, colocando em sonalidades egocêntricas ou "narcísicas" profissional tem que se questionar a este
obra as técnicas que se coadunam com encontrarão grandes resistências em acei- Podemos enunciar como regra funda-
respeito, planejar a sua terapia, uma vez mental — mas tão raramente observada
este objetivo(ll). tar as "regras do jogo", em "entregar" o indicada, e prever pelo menos em gran-
seu material mais íntimo, em "entre- -— que nenhuma medicação psicotró-
Em último lugar, a questão da estrutu- des traços o seu desenvolvimento pro- pica deveria ser administrada sem um
ra de personalidade. Todos os fatores que gar-se" no relacionamento psicoterápico vável.
e em se questionar diante do outro, cuja acompanhamento psicoterápico, seja tão-
discutimos permitem uma avaliação ape- -somente de apoio. A eficácia dos medi-
nas aproximativa, o que é mais nítido posição "de superioridade" é ressentida Ressalta-se assim novamente uma das
como ofensiva e humilhante... diferenças fundamentais entre medicina camentos aumenta pela ação conjunta,
ainda neste último item. Certos profissio- psíquica e somática, pela qua! a proble-
nais preferem até nem tocar na questão Estes tipos de personalidade são às e psicologia clínica: na primeira, estando
mática que levou à prescrição medica-
da estrutura, achando-a supérflua... vezes denominados de "egonsíntônicos", o agente patogénico identificado c o diag-
mentosa está sendo inserida e trabalhada
Não obstante, acreditamos que ela faz no sentido de viver em perfeita sintonia nóstico estabelecido, a terapêutica está se-
no contexto concreto e global da existên-
sentido e que sua apreciação, mesmo su- com o próprio eu. Nestes casos, o confli- guramente indicada (fazendo abstração da
cia do paciente, ao invés de ser desconec-
mária, é relevante. to defensivo foi de alguma forma assimi- possibilidade de erros diagnósticos). O íada por uma ação unilateral. Além disto,
Em particular, trata-se de avaliar a sua lado pelo eu, foi-lhe incorporado para procedimento é, portanto, exato e objeli- torna-se possível prevenir, desta forma, a
rigidez ou, pelo contrário, a sua flexibi- abrandar a oposição entre inconsciente vo, se bem que na medicina humana, os ocorrência de dependências iatrogênicas
lidade. Pessoas rigidamente estruturadas, —• fonte ou "Sugar" do material confli- fatores subjetivos (ou "psicossomáticos") aos medicamentos psic o trópicos, tão co-
ao nível das chamadas jormações de ca- tante — e instância do eu. Chega-se en- complicam sobremaneira este quadro apa- muns quando o médico ou psiquiatra se
ráler, encontram muitas dificuldades em tão a uma identificação, a uma convivên- rentemente simples. Os mesmos fatores, limita à mera prescrição. São especial-
se adaptar à situação psícoterápica. Mui- cia íntima com esle material conflituoso, no entanto, se complicam bem mais ain- mente os benzodiazepínieos que induzem
tas -vezes, elas tentam convencer o psico- resultante em uma formação (ou defor- da na área psicológica, onde não basta facilmente tais dependências, sem falar
terapeuta de que elas "têm razão", ten- mação) de caráter que dificulta ou mes- identificar os conflitos básicos.. . dos barbitúricos, mais desvastadores
tando Iransformá-lo em um aliado, ao mo impossibilita a abordagem e a elabo- ainda.
ração deste material. Desta maneira, a es- O engajamento subjetivo, mola mestra
invés de aceitar a sua imparcialidade
fera conflituosa fica bem protegida, c a do processo psicoterápico, como vimos, é É importante, pois, que o psicólogo
(relativa, é verdade) para questionar e
procura de uma ajuda terapêutica tem, um fator de extrema complexidade, res- clínico tenha algumas noções de psicofar-
enfrentar a si mesmas, com o concurso
muitas vezes, mais o sentido de fortalecei' ponsável por complicações sem fim, pró- macologia, para que possa dialogar com
dele.
esta proteção — se não é para testar, sim- prias da vida humana. Elas participam já os colegas médicos, em verdadeira inter-
Um mínimo de flexibilidade é impres- plesmente, a força do terapeuta... do processo de indicação e não se deixam disciplinaridade, e para que possa reco-
cindível para que o desejo de fazer psico- eliminar; o psieoterapeuta tem que ter nhecer a pertinência de um concurso me-
terapia seja seguido de uma colaboração consciência disto e tirar as conclusões que dicamentoso, em particular no caso de es-
* * *
efetiva. Se a rigidez é forte demais, a se impõem: que o erro está mais perto da tados depressivos e de surtos psicóticos.
simples "boa vontade" fica inoperante, e Após ter discutido os diversos fatores natureza humana do que a certeza, como Ademais, cabe discutir, além de tais
os dois esbarram permanentemente com a que merecem consideração na questão da a mentira se evidencia mais do que a ver- indicações temporárias, a pertinência de

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prescrição medicamentosa em estados cró- Artes Médicas, 1983; em particular os ca-
pítulos 17 a 19, onde o autor exemplifica
nicos, durante anos ou mesmo décadas;
B sua concepção com casos clínicos.
o acompanhamento psicoterápico corres- 2. VAN DEN BORG, J. Metablêtka of Leer
ponderá, então, sem dúvida, mais a uma der Verauderiiigen, Nijkerk, Callenbach,
relação de manutenção, paralelamente à 1958 («.• cd.).
ação medicamentosa. Nestes casos, uma 3. Mencionamos o "princípio de cristal" de
alenção particular deverá cuidar da po- Frcud já no primeiro capítulo; lembramos
aqui apenas que esta metáfora serve de
sologia, a ser mantida ao nível estritamen-
base para a abolição teórica da segrega-
te mínimo, para não entravar a ação psi- ção entre normal e patológico. Freud se
coterápica, nem a alividade social e afe- refere a esta metáfora explicitíimenle em
tiva do paeiente. 1933, na 31." Conferência de Introdução
à Psicanálise; Edição Standard Brasileira,
Os bons clínicos sabem disto, mas é
vol. XXII; Rio de Janeiro, Imago Editores,
necessário enfatizar a importância da co- 1976.
operação, visto os numerosos abusos ou 4. MALAN, D. As Fronteiras da Psicotera-
erros que se constatam. Isto demonstra pia Breve. Porto Alegre, Artes Médicas,
mais uma vez a complexidade da indica- 1981.
ção, a ser proferida com senso crítico — 5. LASCH, Cri.: The Cuíiure of Narcisism.
que deve resultar de amplos conhecimen- New York: Norton, 1979. O autor aí de-
senvolve uma análise da América do Norte
tos clínicos c humanos — bem como de dos anos setenta, onde a ênfase dada à
permanente autocrítica. individualização provoca comportamentos
cada vez mais narcísicos, isto é, ligados ao
Finalizando, insistimos que é indis- culto da personalidade solipsista, enclausu-
pensável, para uma indicação pertinen- rada em sua redoma pessoal.
te, que o profissional conheça as diversas 6. Ver BUCHER, R. c COSTA, P. F. A
linhas e modalidades psicoterápicas. Não Abordagem Terapêutica do Toxicómano.
Acta Psiquiátrica y Psicológica de América
precisa ser um conhecedor profundo de
Latina (Buenos Aires) 31/3, pp. 113-130;
iodas as abordagens; ele pode até discor- 1985.
dar de pressupostos teóricos ou clínicos 7. O representante mais destacado desta es-
de algumas delas, mas em certos momen- cola é sem dúvida HEINZ KOHUT. Ver,
tos ele tem que se questionar se tal linha entre outras obras: Self e Narcisismo
(1978). Rio de Janeiro, Zahar Editores,
não parece a mais indicada para um de- 1984.
terminado paciente —• c tem que concor- 8. SCHNEIDER, P. B. Propédcutique d'une
dar, então, humildemente que em outras Psychothérapie. Paris, Payot, 1976.
linhas c "escolas" se possa fazer um bom 9. Mencionamos apenas: — WINNICOTT,
trabalho também. .. D. O Brincar e a Realidade (1971). Rio de
Janeiro, Imugo Editora, 1975.
— CHAZAUD, J. As Psicoierapias da
Criança (1974). Rio de Janeiro, Zahar
Bibliografia e notas Editora, 1977.
10. Ver MOFFAT, A. Psicoterapia do Opri-
1. Para o conjunto desta problemática, con- mido. São Paulo, Cortez Ed., 19H0.
sulta-se tom proveito: 11. Ver MANNONI, M. A Criança retarda-
MALAN, D. Psicoterapia Individual e a da e a Mãe (1964). São Paulo, Martins
Ciência da Psicodinámica. Porto Alegre: Fontes, 1985.

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