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ISSN eletrônico 2526-1487 Jul. /Dez. 2016, Vol. 01 n. 2, pp.

110-127

(En)Cena
CAPTURAS E RESISTÊNCIAS À TERCEIRIZAÇÃO:
ESTUDO COM TRABALHADORES DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA

CATCHES AND RESISTANCES TO THE OUTSOURCING PROCESS:


a study with workers of a public university

CAPTURES ET RÉSISTANCES AU PROCESSUS D'EXTERNALISATION:


Une étude avec des travailleurs d'une université publique

CAPTURAS Y RESISTENCIAS A LA TERCERIZACIÓN:


un estudio con los trabajadores de una universidad pública

BARBATI, Vinicius de Moura


Bacharel em Psicologia pela universidade federal do Rio de Janeiro, com ênfase em Psicodinâmica
do Trabalho. Ligado ao Núcleo Trabalho e Contemporaneidade (UFRJ) e ao Grupo Trabalho Vivo -
Pesquisas em Arte, Trabalho, Ações Coletivas e Políticas. Possui também trabalho conjunto ao
Núcleo de Solidariedade Técnica - Soltec (UFRJ).

HENRIQUES, Flávio Chedid


Engenheiro de Produção com mestrado em Engenharia de Produção, doutorado e pós-doutorado
em Planejamento Urbano e Regional. Técnico Administrativo da Universidade Federal do Rio de
Janeiro
GUIMARÃES JUNIOR, Sergio Dias
Psicólogo, mestrando em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRJ.
Possui mestrado em Recursos Humanos e Gestão Internacional pela Sorbonne Université -
Panthéon-Assas Paris 2, de Paris. Atualmente atua como pesquisador colaborador do Núcleo de
Pesquisa e Intervenção Trabalho Vivo do Instituto de Psicologia da UFRJ

FERREIRA, João Batista de Oliveira


Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e da Graduação em
Psicologia da UFRJ. Doutor em Psicologia Social e do Trabalho (UnB). Mestre em Psicologia
(UnB). Psicólogo (UFRGS). Pesquisador do Grupo Psicodinâmica e Clínica do Trabalho do CNPq e
da Associação Nacional de Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp). Coordenador do Núcleo
Trabalho Vivo - Pesquisas em Arte, Trabalho e Ações Coletivas.

RESUMO
Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa realizada com trabalhadores terceirizados do setor de limpeza de
uma universidade pública brasileira. O estudo teve como principal objetivo analisar os riscos de sofrimento patogênico
no trabalho desses sujeitos. A Psicodinâmica do Trabalho foi o referencial teórico utilizado e a metodologia escolhida
baseou-se no Inventário de Riscos de Sofrimento Patogênico no Trabalho (IRST), aplicado em uma amostra de 139
sujeitos na própria universidade. O instrumento utilizado analisa três fatores específicos das situações de trabalho:
utilidade, indignidade e reconhecimento. Os resultados da pesquisa indicam, principalmente, que tais trabalhadores
apresentam sentimentos de indignidade em relação à realidade laboral, assim como gostariam de se sentir mais
reconhecidos por suas atividades. Os fatores que mais geram riscos à saúde dos participantes estão ligados às condições
físicas do trabalho e às situações de assédio moral. A Psicodinâmica considera a terceirização como dispositivo que
resulta na fragmentação dos coletivos de trabalho, o que pode fragilizar a construção identitária dos trabalhadores e
provocar adoecimentos, o que vai ao encontro dos resultados obtidos na pesquisa. Conclui-se que o processo de
terceirização é produtor de fortes riscos para a saúde desses trabalhadores e, por isso, produções acadêmicas sobre
esta temática se fazem cada vez mais necessárias.
PALAVRAS-CHAVE: Terceirização. Sofrimento patogênico. Psicodinâmica do Trabalho.

ABSTRACT
This article presents results of one research made with outsourced workers with general services functions of one
Brazilian public university. The main objective of the study was to analyse the risks of pathogenic suffering in the work
of these people. The Psychodynamics of Work was the theoretical reference used and the chosen methodology was
based in the Inventory of Risks of Pathogenic Suffering at Work (IRST, in Portuguese), applied on a sample of 139 people
in the university. The used instrument analyses three specifc factors of wok situations: utility, indignity and recognition.
The results of this research reveals, mainly, that these workers show feelings of indignity related to their laboral reality,

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and that they would like to feel more recognized for your activities. The factors that generate more risks to the health
of the participants are linked to the physical conditions of work and the situations of moral harassment. The
Psychodynamics considers the outsourcing process as a device that results in the fragmentation of the collectives of
work, fact that can weaken the workers identity construction and generate illnesses, what is confirmed by the results
obtained in this research. It is concluded that the outsourcing process produces strong risks for the workers health and,
because of it, academic productions about this subject are increasingly necessary.
KEYWORDS: Outsourcing process. Pathogenic Suffering. Psychodynamics of Work.

RÉSUMÉ
Cet article montre les résultats d'une recherche qui a été effectuée avec des employés externalisés aux fonctions de
services généraux dans une université publique bresiliénne. Le principal objectif de l’étude était d'analyser les risques
de souffrance pathogène dans le travail de ces personnes. La Psychodynamique du Travail a été le référentiel théorique
utilisé et la méthodologie choisie a été basée sur l'Inventaire de Risques de Souffrance Pathogène au Travail (IRST, em
Portuguais), utilisé avec un échantillon de 139 personnes dans l’université. l’instrument analyse trois facteurs
spécifiques des situations de travail: utilité, indignité et reconnaissance. Les résultats de la recherche révèlent,
essentiellement, que les travailleurs montrent des sentiments d’indignité devant leur réalité de travail, et ils aimeraient
avoir plus de reconnaissance pour leur activités. Les facteurs qui produisent plus de risques pour la santé des
participants sont liés aux conditions de travail physique et les cas de harcèlement moral. La Psychodinamique souligne
que le processus d'externalisation produit la fragmentation des collectifs du travail, pouvant affaiblir la construction de
l'identité ouvrière, et générer des maladies, aspects qui ont été confirmés par les résultats de la recherche. Nous
concluons que le processus d’externalisation est producteur de forts risques pour la santé de ces travailleurs et, justifiée
par cette recherche, productions académiques sur ce thème sont de plus en plus nécessaires.
MOTS-CLE: Processus d'externalisation. Souffrance pathogène. Psychodynamique du Travail.

RESUMEN
Este artículo presenta los resultados de una investigación realizada con trabajadores tercerizados del sector de la
limpieza de una universidad pública brasileña. El estudio tuvo como objetivo principal analizar los riesgos de sufrimiento
patogénico en el trabajo de esos sujetos. La Psicodinámica del Trabajo fue el referencial teórico utilizado y la
metodología elegida fue basada en el Inventario de Riesgos de Sufrimiento Patogénico en el Trabajo (IRST), aplicado en
una muestra de 139 sujetos de la propia universidad. El instrumento utilizado analiza tres factores específicos de las
situaciones de trabajo: utilidad, indignidad y reconocimiento. Los resultados de la investigación indican principalmente
que tales trabajadores presentan sentimientos de indignidad en relación a la realidad laboral, y que les gustaría sentirse
reconocidos por sus actividades. Los factores que más generan riesgo a la salud de los participantes están relacionados
con las condiciones físicas del trabajo y con la existencia de situaciones de asedio moral. La Psicodinámica considera la
tercerización como un dispositivo que provoca la fragmentación de los colectivos de trabajo, lo que puede debilitar la
construcción de la identidad de los trabajadores y provocar que contraigan enfermedades. Por consiguiente, se concluye
que el proceso de tercerización es productor de grandes riesgos para la salud de esos trabajadores y que producciones
académicas sobre esta temática son cada vez más necesarias.

PALABRAS CLAVE: Tercerización. Precarización del trabajo. Psicodinámica del trabajo

Introdução
De acordo com Druck (2013), a desta temática e convergem na constatação
terceirização é a principal forma de de que a terceirização representa uma fonte
flexibilização e precarização do trabalho e, por de riscos para a saúde dos trabalhadores.
isso, este processo funciona como um Entre as produções mencionadas, merecem
dispositivo que gera consequências negativas destaque as contribuições de Druck (2013),
- tanto de caráter fisiológico, quanto de Batista (2010), DIEESE-CUT (2011) e Marcelino
ordem psicológica - para os trabalhadores (2007).
nele envolvidos. Neste sentido, diversos Embora a gama de estudos sobre esta
estudos já foram desenvolvidos em torno temática em outros campos de saber seja

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extensa, foi percebido que no espectro da ocorreu a partir da crise do petróleo de 1973,
Psicodinâmica do Trabalho as pesquisas em um cenário de aumento do déficit público,
voltadas para o processo da terceirização crescimento de empresas improdutivas e
merecem ser estimuladas e desenvolvidas. aumento da inflação.
Este movimento expressa a particularidade do Nesse contexto histórico, as
presente artigo pois, na intenção de analisar o proposições do modelo neoliberal tomaram
tema da terceirização sob a ótica da força, sedimentando-se em 1979 com o
Psicodinâmica, ele evidencia a sua relevância governo Thatcher na Inglaterra; em 1980 com
e singularidade frente às pesquisas já Reagan nos EUA e replicando-se
desenvolvidas em torno desta temática, sucessivamente em outros países.
contribuindo para o avanço teórico deste Contrapondo-se à necessidade de intervenção
campo de conhecimento. do Estado para satisfação das necessidades da
O principal objetivo desta pesquisa foi sociedade, foram propagadas medidas que
analisar os riscos de sofrimento patogênico no viabilizaram a produção e circulação do
trabalho de trabalhadores terceirizados do capital, delegando à iniciativa privada funções
setor de limpeza de uma universidade pública antes exercidas pelo Estado. Nessa
brasileira. Deste modo, entende-se que os conjuntura, ganha ainda mais força a visão de
resultados aqui indicados podem servir de um Estado mínimo, agindo apenas para
base para o desenvolvimento de ações viabilizar a fluidez do capital. Para Anderson
institucionais que promovam reflexões sobre (1995), um dos reflexos das reformas
os efeitos negativos da terceirização e neoliberais foi o combate às greves, com a
iniciativas que amenizem os riscos de imposição de uma legislação antissindical,
sofrimento de caráter patogênico para os com corte de gastos sociais e a aceitação da
trabalhadores, provocando modificações na desigualdade como situação saudável para o
maneira como seus contextos de trabalho dinamismo das economias avançadas.
estão organizados. Ocorreram reflexos desse novo
Nesta conjuntura, se faz necessária a paradigma na gestão e na produção das
observação das transformações ocorridas no empresas do ocidente. O modelo
mundo do trabalho que possibilitaram a fordista/taylorista, baseado na produção em
emergência e consolidação do processo de massa, contínua, que concentra os
terceirização. O que mudou no contexto trabalhadores em um mesmo local e numa
trabalhista para que formas flexíveis de mesma função, demonstrou-se cada vez mais
trabalho - como a terceirização - pudessem incompatível com o novo padrão de consumo.
emergir? Quais necessidades O modelo produtivo taylorista/fordista sofreu
sócioeconômicas a terceirização supriu? uma transição para as propostas do método
A partir dos anos 1970, entrou em crise toyotista japonês, que consiste na produção
o modelo capitalista estruturado na regulação do mínimo necessário, porém, com o máximo
de mercado pelo Estado que vigorava nas de qualidade e da capacidade de produção. O
sociedades ocidentais desde o pós-Guerra, trabalhador, que antes devia ser
inspirado na teoria de Keynes, chamado de superespecializado na execução de uma
Estado de Bem-Estar Social. Para Netto (1995, determinada tarefa, agora é exigido a ser cada
p. 68), este modelo foi um “ordenamento vez mais flexível, qualificado, participativo,
sócio-político que, na ordem do capital, visou polivalente, exercendo o máximo de funções
expressamente compatibilizar a dinâmica da possíveis dentro da produção na qual se
acumulação e da valorização capitalista com a insere. Assim, apesar da diminuição do
garantia de direitos políticos e sociais contingente de trabalhadores para a execução
mínimos”. A ruína dessa estrutura econômica das tarefas, a empresa “moderna” não

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diminui sua produtividade devido ao aumento parceria, mais de cúpula e menos de


da carga de trabalho que é infligida a cada base, mais parceiro e colaborador e
menos confrontacionista (Antunes,
trabalhador. 2011, p. 126).
Nesta perspectiva, a gestão desse
modelo de empresa é centrada na lógica de Outro processo que marca essa
indicadores, o que produz uma organização transição na gestão e nos modos de produção
laboral marcada pela intensificação da carga é a descentralização da produção. Durante o
de trabalho e racionalização geral de seus período taylorista/fordista, a produção se
processos. A esse conjunto de características dava numa única empresa e espaço físico,
foi atribuído o termo gerencialismo, que passando agora a ocorrer de maneira cada vez
coloca o humano como um fator e recurso da mais fragmentada e diluída em inúmeras
empresa, que deve ser gerenciado como os empresas terceirizadas, expandindo o
seus demais recursos materiais. Segundo processo conhecido como terceirização ou
Gaulejac (2007), esse conceito produz uma subcontratação (Antunes & Druck, 2015),
curiosa inversão: a sociedade se dobra para tema central do presente estudo. Já para
garantir o sucesso da empresa. E esta, por sua Batista (2010), embora a terceirização
vez, é uma construção social, uma produção estivesse presente nas indústrias
humana que deveria ter como fim contribuir automobilísticas brasileiras desde a década de
para a sociedade, e não o inverso. 1950, com as empresas satélite ou indústrias
Diante do aumento de de autopeças, ela só foi consolidada neste país
desempregados, novas modalidades de na década de 1980. O autor cita ainda outras
trabalho são produzidas, cujo elemento possibilidades de terceirizar o trabalho, como
comum é a fragilização do vínculo a constituição de cooperativas fraudulentas; a
empregador/empregado e a consequente transformação de pessoas em figuras jurídicas
precarização das condições de trabalho. Além (denominada como pejotização); a
da terceirização, são exemplos dessas novas quarteirização; a encomenda de serviços de
modalidades: os contratos temporários, o pessoas que trabalham em suas casas sem
trabalho em domicílio, o trabalho por tempo contrato ou em contratos individuais; e a
parcial (part-time) e o trabalho sem registro contratação de empresas para atividades
em carteira (considerado informal). específicas, como é o caso do
Com as reformas instauradas nos anos teleatendimento.
1980 em diante, houve a subtração de O processo de terceirização, segundo
conquistas trabalhistas históricas por meio da relatório do DIEESE-CUT (2011), se caracteriza
desregulamentação e flexibilização dos pela dinâmica entre a “empresa contratante
direitos dos trabalhadores. ou empresa-mãe” que transfere a execução
de uma ou mais atividades que seriam
Essas metamorfoses no processo de
produção tiveram – e ainda têm –
realizadas por trabalhadores diretamente
consequências significativas no contratados, para outros trabalhadores
universo do trabalho: vinculados à “empresa terceira ou
desregulamentação dos direitos contratada”. Este processo ocorre sempre
sociais; precarização e terceirização entre duas empresas (contratante e
da força humana que trabalha,
aumento da fragmentação e
contratada), podendo, em outro contexto, a
heterogeneização no interior da empresa-mãe desempenhar o lugar de
classe trabalhadora; contratada/terceira.
enfraquecimento do sindicalismo de Ainda segundo o DIEESE-CUT, a
classe e incentivo à sua conversão em dinâmica da subcontratação pode ocorrer de
um sindicalismo mais negocial e de

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duas maneiras distintas, que não são reflexões sobre o campo de pesquisa
excludentes entre si: I) A empresa contratante estudado e os sujeitos que o protagonizam.
compra de uma(s) empresa(s) terceira bens O processo político-jurídico de
ou serviços utilizados em sua produção, regulamentação da terceirização no Brasil
desativando de maneira parcial ou total passa pela discussão em torno das noções de
setores que antes funcionavam no interior da atividade-meio e atividade-fim das
empresa; II) A empresa contratante insere, no organizações. A primeira, é aquela que faz
seu espaço de trabalho, trabalhadores de parte do processo de apoio à produção que é
outra empresa (terceira) para execução de central para a empresa/instituição, enquanto
tarefas que eram realizadas pelo seu quadro que a segunda, se refere ao processo
de trabalhadores (com vínculo trabalhista específico de produção do bem ou do serviço
direto com a empresa-mãe). Na presente que é a razão de ser da mesma.
pesquisa, a segunda maneira de Apesar de utilizarmos em nossa escrita
subcontratação se fez presente. os termos jurídicos de atividade-fim e
Para Marcelino (2007), a terceirização atividade-meio, temos consciência do seu
é toda contratação de trabalhadores por caráter problemático. Percebemos, a partir da
empresa interposta. Embora consideremos experiência no campo de pesquisa, que há
que esse conceito inclui grande parte dos uma interdependência entre ambas as
processos de terceirização, nos aproximamos atividades, de modo que a precarização de
mais da perspectiva que entende a uma ou mais delas produz inevitáveis
terceirização como toda forma de inclusão de desdobramentos negativos em outras. Assim,
trabalhadores em uma cadeia produtiva sem distingui-las entre atividade-fim e atividade-
que esses tenham direitos trabalhistas meio produz certa hierarquização entre tais
assegurados pela empresa para a qual funções, o que representaria o aval para a
exercem as atividades. Dessa forma, podemos manutenção da precarização das classes
entender que há uma ampla gama de comumente subcontratadas.
trabalhadores informais, como no ramo de Legalmente, a organização só pode
confecções, que estão sendo atingidos pelo terceirizar as suas atividades de apoio (meio)
processo de terceirização do trabalho. Nessa como, por exemplo, os cargos de auxiliar de
perspectiva, também conseguimos enxergar o serviços gerais (envolvidos na limpeza das
processo de terceirização desde o surgimento dependências) e vigias diurnos e noturnos
das primeiras indústrias, como no trabalho (responsáveis pela vigilância dos
domiciliar exercido antes do desenvolvimento patrimônios). No entanto, a subcontratação
da indústria moderna (Batista, 2010). das funções relacionadas à atividade principal
Em nossa pesquisa, propomos uma (fim), ou seja, a sua razão de ser, não é
reflexão crítica acerca da noção comumente autorizada. Portanto, tal instituição não
empregada de “trabalhador terceirizado”. poderia terceirizar atividades relacionadas ao
Assim, como consta no relatório DIEESE-CUT ensino, à docência, ou seja, os cargos de
(2011), acredita-se aqui que o que é professor/pesquisador ou
terceirizado é a empresa e seu serviço e não o professora/pesquisadora. Este exemplo
trabalhador e seu fazer próprio. Partimos da assemelha-se à realidade do campo de estudo
noção de que nenhum trabalho pode ser de nossa pesquisa, representado pela
terceirizado visto que fundamentalmente ele universidade na qual a metodologia foi
é singular e único para o sujeito que o constrói aplicada.
e experimenta. Retomaremos essa premissa Um dossiê acerca dos impactos da
mais adiante, após desenvolvermos outras terceirização das atividades, realizado pelo
DIEESE-CUT (2011), ao comparar

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trabalhadores subcontratados com outras questões relacionadas ao trabalho


trabalhadores diretos, afirma que, em média, terceirizado como forma de precarização do
o trabalhador em regime de subcontratação trabalho: fragmentação da representação
recebe 25% menos em salário, trabalha 7,5% sindical e desintegração dos coletivos de
a mais na totalidade do tempo e a trabalho; perda de direitos pelo
permanência no emprego corresponde à enquadramento como trabalho temporário;
metade do período em comparação ao alta rotatividade baseada na descentralização
trabalhador efetivo ou direto. O resultado de da atividade produtiva; perda de direitos das
uma pesquisa da Confederação Nacional da categorias, como é o caso dos bancários
Indústria (CNI) apontou que, para 91% das substituídos por funcionários de
empresas, a principal motivação para correspondentes bancários; aumento da
terceirizar suas atividades é a redução dos informalidade; e o sentimento de não
custos e, para apenas 2%, a especialização pertencimento ao local de trabalho. Tais
técnica dos trabalhadores (DIEESE-CUT, elementos foram encontrados no nosso
2011). campo de pesquisa. A seguir destacamos
Para além da extensão da jornada de como nos deparamos com o campo e o
trabalho e do maior número de acidentes, surgimento de uma inesperada associação de
pesquisas como a de Batista (2010) apontam trabalhadores terceirizados.

Apontamentos acerca da configuração laboral da universidade em questão


Desde o amplo processo de processo de término de contrato da empresa
privatização deflagrado no Brasil na década de com a universidade.
1990 e aprofundado no governo de Fernando Embora seja comum observar em
Henrique Cardoso, a terceirização passou a trabalhos terceirizados a fragilização da
ser uma das estratégias de contratação no atividade sindical e a desconstrução de
serviço público. Nas universidades, serviços coletivos de trabalho, desde o final de 2014,
considerados como atividades meio, como quando o atraso nos pagamentos se
limpeza e portaria, deixaram de ter concurso acentuou, pudemos observar mobilizações de
público, iniciando um processo de extinção greve entre os trabalhadores que culminaram
dessas carreiras. na formação da Associação dos Trabalhadores
No local onde a presente pesquisa foi Terceirizados da UFRJ (ATTUFRJ), em 2015.
realizada - a Universidade Federal do Rio de Não é objetivo deste artigo analisar essa
Janeiro (UFRJ) - isso não foi diferente. Embora associação, mas cabe citar algumas situações
ainda encontremos funcionários públicos que observadas que nos fazem crer serem frutos
foram admitidos com esses tipos de cargo, de conquistas dessa mobilização de parte dos
quase a totalidade dos trabalhadores que trabalhadores terceirizados.
exercem essas funções em 2016 são Apesar da difundida ideia de
terceirizados. Os efeitos da terceirização invisibilidade do trabalho terceirizado por
citados no item anterior são facilmente parte dos estudantes e funcionários, desde
observáveis na instituição. Para seguir com o 2014 há uma ampla mobilização dos centros
exemplo da limpeza e da portaria, é muito acadêmicos pelo recolhimento de alimentos e
comum saber de profissionais realocados sem dinheiro para os trabalhadores com salários
muitas explicações; ouvir reclamações de atrasados. A ocupação da reitoria realizada
posturas autoritárias das chefias imediatas; em 2015 pelos estudantes tinha como
descobrir que houve atraso no pagamento de principais pautas a assistência estudantil e os
salários e demais direitos, sobretudo no direitos dos terceirizados.

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Algumas vitórias conquistadas junto categorias com vínculos mais frágeis, como o
ao Ministério Público do Trabalho, como da clandestinidade e do silêncio. Assim,
Termos de Ajuste de Conduta aplicados às compreendemos que preservar a visibilidade
empresas de limpeza e a permissão da UFRJ do campo de pesquisa, de seus atores e da
pagar diretamente aos trabalhadores, subsequente problemática, pode servir como
contaram com a participação ativa de subsídio para iniciativas futuras em prol da
membros da direção da ATTUFRJ. A mesma saúde dos trabalhadores subcontratados
direção passou a ter reuniões periódicas com tanto da UFRJ quanto de outros espaços.
a nova reitoria eleita para tratar de novos Apesar da breve exposição, julgamos
descumprimentos de contrato das empresas importante destacar a formação desta
terceirizadas. associação, justamente pelo fato de ser uma
A manutenção do nome da ação inesperada, não prevista nos livros. O
universidade e da associação no presente olhar da Psicodinâmica do Trabalho nos
artigo se justifica pela potencialidade dessa impele a compreender também as estratégias
medida. Entendemos que a supressão dessas coletivas de defesa, assim como as
informações poderia reforçar o destino que mobilizações suscitadas pelas relações
comumente leva o sofrimento infligido as conflituosas de trabalho.

O processo de terceirização sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho


De acordo com Dejours (2004), a Com essa distinção, a psicodinâmica
Psicodinâmica do Trabalho é uma disciplina propõe o conceito de trabalho como: “aquilo
que estuda as relações entre trabalho e saúde que o sujeito deve acrescentar às prescrições
mental. Suas contribuições de caráter teórico- para poder atingir os objetivos que lhe são
clínico se apresentam como importantes designados; ou ainda aquilo que ele deve
dispositivos para a análise de vivências de acrescentar de si mesmo para enfrentar o que
prazer e sofrimento nas diversas situações de não funciona quando ele se atém
trabalho. Nesta perspectiva, “todo trabalho é escrupulosamente à execução das
trabalho de concepção” (Dejours, 2004, p.20) prescrições” (Dejours, 2004, p. 28). Outra
e o trabalhar é concebido como produção e distinção conceitual importante é a
criação humana, não mais entendido como compreensão do trabalho como processo em
algo que pode ser concebido a priori, mas sim equilíbrio dinâmico, composto de vivências de
em constante produção pelos coletivos de prazer e sofrimento (Martins, 2009).
trabalho. Neste sentido, a Psicodinâmica
A compreensão da Psicodinâmica considera o sofrimento como um conceito
sobre o trabalho também se vale de dois fundamental para a observação das situações
conceitos fundamentais: o trabalho prescrito de trabalho. Dejours (2007), afirma que, ao
e o trabalho real. O primeiro consiste nas trabalhar, o sujeito passa fundamentalmente
regras previamente estabelecidas para a pela experiência de sofrimento a partir do
organização e execução do trabalho, como encontro com o real, ou seja, quando ele
regimentos internos, regras de ofício, entre percebe que as prescrições, regras e
outros. O trabalho real é o que foge ao orientações da organização são insuficientes e
prescrito, aproximando-se do imprevisível. não dão conta do real do trabalho. Hamraoui
Entre o prescrito e o real há um hiato em que (2014) aponta que o sofrimento é um aspecto
o trabalhador opera o seu fazer-trabalhar, que fundamental nas situações de trabalho,
demanda inteligência em ação, capacidade podendo ser experimentado pelos
humana e singular (Dejours, 2011). trabalhadores de diversas formas,
conduzindo-os a caminhos diferentes.

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A partir de uma experiência de terceirização e as contribuições da


fracasso, o sofrimento é potencialmente Psicodinâmica do Trabalho anteriormente
direcionado para dois horizontes distintos: um apresentadas? O que nos levou a investigar os
com possibilidades criativas e outro de caráter riscos de sofrimento patogênico na dinâmica
instrumental, que resulta numa espécie de laboral dos sujeitos envolvidos nessa
embotamento psíquico. Em outras palavras, modalidade de trabalho?
trata-se, respectivamente, do que Dejours e Druck (2013) afirma que a
Abdoucheli (1994) chamaram de sofrimento terceirização é a principal forma de
criador e do sofrimento patogênico. precarização do trabalho e que, por isso, os
Percebe-se que quando o sujeito se seus efeitos são muito negativos para a saúde
mobiliza subjetivamente em prol da dos trabalhadores presentes nessa
transformação do seu sofrimento no trabalho, conjuntura. Em paralelo, se observarmos
criando novas possibilidades e atribuindo através da ótica da Psicodinâmica,
dosagens de si (personalidade e percebemos que a terceirização funciona
singularidade) ao seu fazer - o que remete à como um dispositivo de fragmentação dos
própria noção de trabalho cunhada pela coletivos de trabalho, fragilizando a
Psicodinâmica - ele se distancia do horizonte construção identitária dos trabalhadores e
adoecedor para o qual o sofrimento pode lhe contribuindo para a emergência de
conduzir. Em contrapartida, uma vez que o adoecimentos.
seu saber-fazer se vê submetido à rigidez das Uma característica da dinâmica do
prescrições e todos os seus recursos trabalho terceirizado é o aumento da
defensivos já foram convocados e utilizados rotatividade do trabalhador, configurando
sem sucesso, o sujeito pode ser encaminhado uma realocação compulsória que o
a quadros patogênicos com graves “desenraiza” dos espaços específicos. A
repercussões físicas e psíquicas. Fala-se, aqui, realocação demandada pela empresa
do sofrimento patogênico que “funciona contratante ocorre, por exemplo, quando está
como mediador da desestabilização e da insatisfeita com um trabalhador específico,
fragilização da saúde” (Dejours e Abdoucheli , utilizando como via resolutiva a solicitação da
1994, p. 138). substituição deste sujeito por outro
Assim, não seria necessário eliminar o terceirizado. No modelo de vinculação
sofrimento, mas sim promover recursos para trabalhista direta, esse procedimento não
a sua transformação. De acordo com Mendes seria possível sem a abertura de processo de
(2012), este processo se dá principalmente demissão, o que exigiria pagamento dos
pela dinâmica do reconhecimento, ou seja, direitos trabalhistas, como aviso prévio, férias
quando os sujeitos recebem retribuições proporcionais, 13º salário correspondente,
simbólicas baseadas no seu trabalho, no seu entre outros.
fazer. Em consonância, aspectos relacionados Assim, o trabalhador subcontratado se
à formação de coletivos de trabalho, vivências desterritorializa de um ambiente de trabalho,
de cooperação pautadas na solidariedade e empobrecendo suas relações interpessoais, o
confiança também representam importantes que desfavorece o processo de construção de
aspectos dentre os quais podem emergir vínculo com os pares. Para Dejours (2004,
compartilhamentos e retribuições p.33), a constituição do coletivo de trabalho
(reconhecimento) entre os trabalhadores. favorece o processo de cooperação,
Neste contexto, qual seria a reconhecimento do trabalho e,
importância de promover uma articulação consequentemente, do sentimento de
entre as características do processo pertencimento, atuando como aglutinador

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das singularidades em prol de propósitos superiores. O sujeito isolado não obtém


comuns: “O reconhecimento do fazer confere respaldo de seus pares, o que dificulta os laços
[...] pertencimento a um coletivo, a uma de cooperação e solidariedade, mesmo que a
equipe ou a um ofício. Assim, a cooperação é classe de trabalhadores sofra por um mal
um meio poderoso para conjurar a solidão comum, como é caso da precarização dos
social temida por muitos homens e terceirizados. Nesse quadro de
mulheres”. despotencialização do coletivo, produz-se
Para a psicodinâmica, o trabalhar é uma situação adversa à saúde desses
compreendido como processo constante de trabalhadores, configurando-se quadros de
construção das regras – prescritos - que vão sofrimento patogênico que, como
reger a prática de membros de um mencionamos, é observado quando a
determinado espaço de trabalho comum. organização do trabalho suprime a autonomia
Nessa perspectiva, ao fragilizar a relação do e a capacidade criativa do trabalhador,
trabalhador com seus pares, o processo de persistindo a vivência de fracasso que, quando
terceirização mina a potência do coletivo de prolongada, toma forma no adoecimento.
trabalho, desfavorecendo também o processo (Dejours, 2007).
de construção da identidade pela via do Pode-se supor, portanto, que as
trabalho. consequências negativas que o processo de
Segundo o ensaio de Seligmann, Druck terceirização traz para os seus trabalhadores
e Franco (2010, p.243), a terceirização podem representar riscos de sofrimento
“conduz à fragilização dos laços e dos patogênico e danos múltiplos para a sua saúde
referenciais de pertencimento social, levando, mental. Nesta reflexão, a presente pesquisa
no limite, à desagregação social, com a procurou observar esta articulação a partir
proliferação de toda sorte de violência social, das contribuições teóricas e metodológicas da
sofrimento e adoecimento”. O trabalhador Psicodinâmica do Trabalho, especificamente
dissociado de um coletivo torna-se mais no contexto de uma universidade pública
vulnerável a arbitrariedades externas e/ou brasileira.

A pesquisa na universidade
O campo de pesquisa: primeiros passos e articulações
Desde 2013 iniciamos uma sofrimento aos trabalhadores terceirizados
aproximação com os trabalhadores da limpeza: situações precárias de trabalho e
terceirizados da UFRJ por meio do trabalho de infraestrutura, como locais para descanso e
uma disciplina de graduação/curso de almoço, uniformes inadequados e baixos
extensão sobre Psicodinâmica e Clínica do salários; assédio moral, exemplificado pelos
Trabalho. Desde então, quando nos relatos de perseguições, realocações,
defrontamos com inúmeras situações de demissões e posturas autoritárias por parte
precarização do trabalho vivenciadas por das chefias; e invisibilidade causada pela falta
esses atores, passamos a articular atividades de reconhecimento por parte dos estudantes
de pesquisa e extensão com o objetivo de e demais funcionários. Com esses dados
conhecer e, na medida do possível, contribuir preliminares, identificamos a necessidade de
para os movimentos dos trabalhadores aprofundar essas questões, de forma
voltados para transformar tais condições. quantitativa e qualitativa.
Na primeira aproximação com os Em 2014, o Grupo Trabalho Vivo,
trabalhadores, com base em uma pesquisa vinculado ao Instituto de Psicologia da UFRJ, e
qualitativa, identificamos os seguintes pontos o SOLTEC/UFRJ começaram a dialogar com o
como potenciais causadores de riscos de Centro Acadêmico de Engenharia e

Revista Trabalho (En)Cena. Jul. /Dez. 2016, Vol. 1, n. 2, pp. 110-127.


CAPTURAS E RESISTÊNCIAS À TERCEIRIZAÇÃO 119

trabalhadores terceirizados sobre a questões fizeram com que adiássemos o início


possibilidade de realização de uma pesquisa, da pesquisa devido às particularidades do
dentro do Centro de Tecnologia, que pudesse contexto.
evidenciar as principais queixas referentes às Com o passar dos meses, notamos que
condições de trabalho dos terceirizados. Em não havia uma previsão clara de melhoria
diversas reuniões foram recolhidos relatos, dessa situação e que essa condição de
além de terem sido apresentados registros precariedade é vivenciada por esses
fotográficos e de vídeos dos espaços trabalhadores ao longo de suas vidas
destinados a esses trabalhadores na profissionais. O término de contrato de uma
universidade. empresa que não tem perspectivas de mantê-
Em 2015, consolidamos a proposta de lo, em geral, é acompanhado de esforços
realizar uma pesquisa com base na dessa mesma empresa para que o mínimo de
Psicodinâmica do Trabalho com a utilização do recursos sejam despendidos. O atraso de
Inventário de Risco de Sofrimento Patogênico salários e demais direitos, que entendemos
no Trabalho (IRST). Acompanhamos o inicialmente como um momento atípico, era a
surgimento da Associação de Trabalhadores situação normal vivenciada por esses
Terceirizados da UFRJ (ATTUFRJ) e passamos a trabalhadores.
dialogar com membros da direção deste Durante o primeiro semestre de 2015,
coletivo de trabalhadores sobre esse realizamos grupos de estudos sobre
instrumento de pesquisa e a melhor forma de terceirização, participamos de atividades com
aplicá-lo. os trabalhadores terceirizados,
Atuamos em um contexto em que as acompanhamos as primeiras assembleias da
condições de precarização ganharam grandes ATTUFRJ, participamos de atos públicos sobre
proporções, com diversos meses de atraso de o PL 4330/2004 e incluímos o tema da
salário, culminando em greves desses terceirização em atividades de ensino de
trabalhadores e muitas atividades coletivas alunos de graduação e de ensino médio.
para a cobrança dos salários atrasados. Essas

Procedimentos
Iniciamos a aplicação do questionário Pesquisa do Ministério da Saúde do Brasil,
no segundo semestre de 2015. Planejamos as quanto aos seus aspectos éticos e legais.
atividades com objetivo de percorrer a Por conta da dificuldade de obtermos
totalidade dos prédios da universidade que dados precisos sobre o número de
estão na cidade do Rio de Janeiro. A princípio trabalhadores subcontratados alocados na
planejamos aplicar o questionário com limpeza da instituição, pois os contratos
trabalhadores da limpeza, almoxarifado e especificam a quantidade de contratados por
portaria. Diante das dificuldades que tivemos m2, optamos por seguir uma estimativa do
para aplicar com os profissionais do total de terceirizados da limpeza, que tem
almoxarifado e portaria, continuamos as uma população estimada em 3000
atividades apenas com os trabalhadores da trabalhadores. A partir de um cálculo
limpeza. A pesquisa aqui apresentada foi amostral, que considerou um erro amostral de
aprovada no Comitê de Ética do Centro de 7% e com nível de confiança de 90%,
Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ (CAAE: concluímos que seria necessário aplicar o
55723216.9.0000.5582; Parecer: 1.625.615), questionário com 133 diferentes
vinculado ao Comitê Nacional de Ética em trabalhadores. Para dividir essa amostra entre
os distintos prédios, contabilizamos o número

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BARBATI et. al. 120

de estudantes por prédio e fizemos o cálculo prédios relacionados à tecnologia e às ciências


percentual em cima desses 3000, baseados no da saúde.
percentual de estudantes de cada prédio com A dinâmica de aplicação adotava os
relação ao total de alunos dos prédios seguintes procedimentos: dialogar com o
estudados. Sempre que possível, aplicávamos administrador de cada prédio solicitando
mais questionários do que a amostra definida autorização (eles nos apresentavam ao
como mínima em cada local. encarregado ou davam livre acesso para
Os questionários foram aplicados em conversar com os trabalhadores); reunir todos
dez prédios da universidade, que envolvem em uma sala; explicar os objetivos da pesquisa
cursos relacionados a ciências matemáticas, e a forma de preenchimento e aguardar que
da natureza, educação física, música, filosofia, todos entregassem. Cabe ressaltar que todos
serviço social, letras, direito, a Reitoria da os sujeitos da amostra, ao serem convidados
universidade e também anexos. Fomos para participar da pesquisa, assinaram um
também ao prédio relacionado ao curso de termo de consentimento livre e esclarecido
enfermagem e, por opção dos trabalhadores, que confirmava o caráter voluntário da
os questionários não foram preenchidos. participação na pesquisa, mantendo o sigilo
Justamente por estar no período da greve dos com relação a sua identidade assim como às
ex-funcionários de uma das empresas respostas dadas.
terceirizadas, não conseguimos aplicar nos

Participantes
No total, aplicamos 139 questionários primeiro grau (até o quinto ano); 28,6%
com trabalhadores terceirizados da limpeza. A completaram apenas o primeiro grau; 18,8%
média de idade da amostra é de 38,6 anos, têm segundo grau incompleto; 17,2%
sendo a idade mínima de 20 anos e a máxima completaram o segundo grau; 3,8% iniciaram
de 63 anos. Apenas 22,1% são do sexo o ensino superior, sendo que apenas 2,2%
masculino, contra 77,9% do sexo feminino. concluíram. Esses números expressam a tese
Desses, 74% são pardos ou pretos, 24,4% são de Batista (2010) de que as mulheres sofrem
brancos e 1,6% são indígenas. Com relação ao mais os efeitos da terceirização que os
grau de escolaridade, 31,6% não homens, assim como as mulheres pretas e
frequentaram a escola ou não completaram o pardas com relação às brancas.

Instrumento
Para a obtenção de dados empíricos, às afirmativas relacionadas aos sentimentos
foi utilizado o Inventário de Risco de de injustiça, desânimo, insatisfação e desgaste
Sofrimento Patogênico no Trabalho – IRST com o seu trabalho. O fator Reconhecimento
(Mendes & Araújo, 2012). O inventário se se relaciona a sentir-se aceito e admirado
propõe a analisar os riscos para a saúde dos pelos colegas e chefias. As afirmativas serão
trabalhadores, por meio de indicadores de analisadas por fator, fazendo-se uma média
sofrimento patogênico e o é constituído por de cada uma.
45 afirmativas, que se subdividem em três O instrumento utiliza uma escala de
fatores: I) Utilidade, II) Indignidade e III) cinco pontos, em que 1 representa “Nunca” e
Reconhecimento. O fator Utilidade relaciona- 5 representa “Sempre” – os pontos
se ao sentimento de valorização, no qual o intermediários 2, 3 e 4, respectivamente,
trabalhar tenha sentido para si mesmo e que representam “Raramente”, “Às vezes” e
também seja importante e significativo para “Frequentemente”. Um fator será
organização. O fator Indignidade é atribuído considerado crítico quando a pontuação

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CAPTURAS E RESISTÊNCIAS À TERCEIRIZAÇÃO 121

média for igual ou inferior a 2,5; moderado que caracteriza a maioria dos subcontratados,
quando for entre 2,5 e 3,5; ausente de muitas das palavras do instrumento de
criticidade quando for igual ou superior a 3,5. pesquisa seriam de difícil compreensão.
A análise conjunta desses fatores Diante desse apontamento, consideramos
ocorre do seguinte modo: importante ler as 45 afirmativas do
I) é atribuído risco crítico quando, dos instrumento em conjunto com a diretoria da
três fatores, dois são críticos (média inferior a associação, solicitando que nos apontassem
2,5) ou quando um é crítico e os outros dois as palavras com maior grau de dificuldade de
moderados (média de 2,5 a 3,5); compreensão. No momento seguinte,
II) é atribuído risco moderado quando pensamos coletivamente em sinônimos que
três fatores têm score médio moderado (2,5 a seriam de melhor compreensão.
3,5) ou dois são moderados e um ausente No total, foram modificadas oito
(acima de 3,5) ou um fator é crítico e dois são afirmativas, substituindo palavras como:
ausentes; 'banais', 'receio', 'carga', 'subordinado'; por
III) é atribuído risco ausente quando os palavras de linguagem coloquial. Segue um
três fatores são ausentes de risco ou dois são exemplo de afirmativa modificada: Tenho
ausentes e um moderado. receio de ser punido ao cometer erros →
Antes da aplicação, nos reunimos com Tenho medo de ser punido ao cometer erros.
membros da diretoria da ATTUFRJ para As aplicações dos questionários foram
apresentação do questionário - IRST - e foi realizadas durante o expediente com
identificado por um dos membros da autorização dos servidores da universidade
associação que, devido à baixa escolaridade responsáveis por cada edifício.

Resultados
Utilidade
Este fator, entendido como "sentir-se Utilidade obteve escore médio de
valorizado, fazer um trabalho que tenha 4,17, que é relativo às 15 primeiras questões
sentido para si mesmo, seja importante e do inventário. Os riscos para este fator estão
significativo para a organização, clientes e/ou ausentes. Na Tabela 1, serão apresentados os
para a sociedade" é formado por itens três itens mais críticos e os três itens mais
positivos. Os riscos são críticos quanto mais a positivos do fator. Entendem-se como itens
média estiver abaixo de 2,5; são moderados mais positivos aqueles que apresentam
quando as médias estiverem entre 2,5 e 3,5, e menor risco de sofrimento patogênico e mais
são ausentes quando acima de 3,5. negativos os que apresentam maior risco.

Tabela 1:
Itens do fator Utilidade

Itens Mais Positivos

Minhas tarefas são significativas para mim Sinto-me útil no Tenho disposição para realizar as minhas
trabalho tarefas

Média DP* Média DP Média DP

4,64 0,71 4,64 0,92 4,57 0,85

Itens Mais Negativos

Minhas tarefas são Minhas tarefas exigem conhecimentos Consigo adaptar meu trabalho às minhas
insignificantes específicos expectativas

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BARBATI et. al. 122

Média DP Média DP Média DP

2,48 1,64 3,66 1,33 3,72 1,24

Nota: A escala pode variar de 1 a 5, sendo que os riscos são mais críticos quanto mais a média estiver abaixo de 3,5, sendo moderado
quando estiver entre 2,5 e 3,5 e ausentes de criticidades quando acima de 3,5. Fonte: Mendes, A. M., & Araújo, L. K. R. (2012). Clínica psicodinâmica
do trabalho: O sujeito em ação. Curitiba: Juruá
*DP: Desvio Padrão

Os resultados deste item foram trabalho está normalizado, não se tem a real
surpreendentes, pois demonstram alto grau dimensão de sua importância e uma medida
de sentimento de utilidade do trabalho, tanto de força, como a paralisação, pode ter gerado
para a organização quanto para o próprio esse sentimento, que ainda não podemos
trabalhador. Apenas um fator aparece como avaliar se é passageiro.
sendo de risco crítico. Temos uma hipótese Um dos pontos comumente analisados
para explicar o alto resultado para o fator quando se fala de trabalho terceirizado diz
Utilidade: em 2014 e 2015 as greves dos respeito ao sentimento de não
trabalhadores terceirizados produziram um pertencimento, que no limite poderia gerar a
impacto muito forte em muitas universidades sensação de que o trabalho não tem utilidade
públicas e na universidade, que resultou no para a empresa. Além do ocorrido na greve,
adiamento do início das aulas em 2015. outros fatores podem ter contribuído para
Durante a pesquisa, a partir do envolvimento uma suposta alteração desse quadro, como,
com os trabalhadores terceirizados da por exemplo, a conquista do direito de fazer
limpeza, era muito comum escutar que seus refeições no restaurante universitário,
trabalhos são fundamentais para o bom enquanto seus vale refeições não estivessem
funcionamento da universidade, fazendo sendo pagos. Esse ponto merece uma análise
referência ao período da greve, em que mais cautelosa futuramente, no intuito de
conquistaram visibilidade. Esse fato não é compreender os impactos que uma vitória
contraditório, ao nosso ver, com invisibilidade como essa tem na mobilização do coletivo de
deste trabalho, pois possivelmente quando o trabalhadores.

Indignidade
Este fator, entendido como "sentir-se Indignidade obteve escore médio de
injustiçado, desanimado, insatisfeito e 2,07, sendo o fator mais crítico. Apresentam-
desgastado com seu trabalho" é formado por se, na Tabela 2, os três itens mais críticos e os
itens negativos. Para melhor compreensão, três itens mais positivos do fator. Entende-se
fizemos a inversão do valor negativo, como itens mais positivos aqueles que
mantendo a interpretação dos dados, em que, apresentam menor risco de sofrimento
quanto mais a média estiver abaixo de 2,5, são patogênico e mais negativos os que
moderados quando as médias estiverem apresentam maior risco.
entre 2,5 e 3,5, e são ausentes quando acima
de 3,5
Tabela 2:
Itens do fator Indignidade

Itens Mais Positivos

Meu trabalho me causa sofrimento Sinto insatisfação no Repetir várias vezes minhas tarefas me
trabalho incomoda

Média DP* Média DP Média DP

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CAPTURAS E RESISTÊNCIAS À TERCEIRIZAÇÃO 123

2,93 1,43 2,53 1,50 2,52 1,53

Itens Mais Negativos

Meu trabalho é Meu trabalho é Fico revoltado quando tenho que


cansativo desgastante submeter meu trabalho às perseguições

Média DP Média DP Média DP

2,48 1,64 3,66 1,33 3,72 1,24

Nota: A escala pode variar de 1 a 5, sendo que os riscos são mais críticos quanto mais a média estiver abaixo de 3,5, sendo moderado
quando estiver entre 2,5 e 3,5 e ausentes de criticidades quando acima de 3,5. Fonte: Mendes, A. M., & Araújo, L. K. R. (2012). Clínica psicodinâmica
do trabalho: O sujeito em ação. Curitiba: Juruá
*DP: Desvio Padrão

Ao contrário do fator Utilidade, no item entre todos), o desgaste e o cansaço


fator Indignidade todos os itens oferecem gerado com o trabalho compõem essa lista,
riscos, sendo a grande maioria riscos críticos à sendo os dois piores índices analisados em
saúde. Esses dados confirmam algumas das toda a pesquisa.
questões que levantamos na primeira análise Outra vez a conjuntura pode ter uma
qualitativa, sobretudo nos itens que apontam influência nesse fator, uma vez que o
para possíveis situações de assédio moral, sentimento com relação ao não pagamento
como aquelas que se referem ao sentimento de salários e demais direitos poderiam ser
de perseguição, que é o terceiro pior índice encarados com resignação, entretanto,
entre todos os demais. acreditamos que o fato de haver forte
Os demais quatro itens que formam os mobilização de parte dos trabalhadores
cinco piores índices estão relacionados à apoiada por funcionários e, sobretudo, por
infraestrutura do trabalho, que foi outro estudantes da universidade, pode ter
elemento que levantamos na análise influenciado na maneira com a qual está
qualitativa. Além das condições inadequadas sendo encarada a situação.
oferecidas aos trabalhadores (quarto pior

Reconhecimento
Este fator, entendido como "sentir-se Reconhecimento obteve escore médio
qualificado, aceito e admirado pelos colegas e de 3,5. Pode-se dizer que os riscos para este
chefias e livre para expressar o que pensa e fator são moderados e, deste modo, é preciso
sente em relação ao seu trabalho" é formado conhecer quais as dimensões que oferecem
por itens positivos. Os riscos são críticos maiores riscos de sofrimento patogênico.
quanto mais a média estiver abaixo de 2,5; são Apresentam-se, na Tabela 3, os três itens mais
moderados quando as médias estiverem críticos e os três itens mais positivos do fator.
entre 2,5 e 3,5; e são ausentes quando acima
de 3,5.

Tabela 3:
Itens do fator Reconhecimento

Itens Mais Positivos

Gosto de conviver com meus colegas de No meu trabalho posso ser eu mesmo Tenho liberdade no desempenho das
trabalho minhas tarefas

Média DP* Média DP Média DP

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4,15 1,31 3,90 1,50 3,81 1,44

Itens Mais Negativos

Tenho liberdade para dizer o que penso O tipo de trabalho que faço é admirado No trabalho uso meu estilo pessoal
sobre meu trabalho pelos outros

Média DP Média DP Média DP

2,99 1,65 3,14 1,42 3,19 1,60

Nota: A escala pode variar de 1 a 5, sendo que os riscos são mais críticos quanto mais a média estiver abaixo de 3,5, sendo moderado
quando estiver entre 2,5 e 3,5 e ausentes de criticidades quando acima de 3,5. Fonte: Mendes, A. M., & Araújo, L. K. R. (2012). Clínica psicodinâmica
do trabalho: O sujeito em ação. Curitiba: Juruá
*DP: Desvio Padrão

Este item dialoga com o que que aplicamos o questionário tenha


levantamos na análise qualitativa, e também aumentado o sentimento de reconhecimento
já discutido em trabalhos sobre o tema sobre do trabalho desses profissionais. A
a invisibilidade do trabalho da limpeza, o que mobilização de estudantes para ajudar os
geraria um sentimento de não trabalhadores que estavam sem salários, seja
reconhecimento no trabalho. Entretanto, o com a doação de cestas básicas, seja com a
resultado apesar de não ter sido tão alto como doação de dinheiro, pode ter influenciado o
o do fator Utilidade, mostra que a média entre sentimento destes trabalhadores com relação
os 13 itens não aponta para fator de risco à ao reconhecimento de suas atividades.
saúde e que apenas itens relacionados à Na Tabela 4, elencamos todos os itens
liberdade no trabalho e na organização das que foram identificados como sendo de riscos
tarefas apresentam riscos moderados. críticos para a saúde por ordem de criticidade:
Novamente acreditamos que a
conjuntura de apoio existente no momento

Tabela 4:
Itens mais críticos no geral

Meu trabalho é Meu trabalho é Fico revoltado quando tenho que


cansativo desgastante submeter o meu trabalho às perseguições

Média DP* Média DP Média DP

1,21 1,30 1,53 1,40 1,71 1,50

Permaneço neste emprego por falta de As condições de trabalho oferecidas são Tenho medo de ser punido ao cometer
oportunidade no mercado insuficientes para os resultados esperados erros

Média DP Média DP Média DP

1,78 1,63 1,83 1,38 1,86 1,64

Sinto-me injustiçado com a forma que a É injusta a distribuição da carga de Tenho frustrações com meu trabalho
empresa promove os trabalhadores trabalho na equipe

Média DP Média DP Média DP

1,86 1,69 1,97 1,50 2,02 1,41

Sinto desânimo no meu Sinto-me sobrecarregado no meu trabalho


trabalho

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CAPTURAS E RESISTÊNCIAS À TERCEIRIZAÇÃO 125

O número de pessoas é insuficiente para


a execução das atividades da minha
unidade

Média DP Média DP Média DP

2,08 1,69 2,02 1,30 2,26 1,58

Revolta-me a submissão do meu chefe às Minhas tarefas são Minhas tarefas são
ordens superiores desagradáveis insignificantes

Média DP Média DP Média DP

2,47 1,61 2,48 1,41 2,48 1,64

Nota: A escala pode variar de 1 a 5, sendo que os riscos são mais críticos quanto mais a média estiver abaixo de 3,5, sendo moderado
quando estiver entre 2,5 e 3,5 e ausentes de criticidades quando acima de 3,5. Fonte: Mendes, A. M., & Araújo, L. K. R. (2012). Clínica psicodinâmica
do trabalho: O sujeito em ação. Curitiba: Juruá
*DP: Desvio Padrão

Das quinze afirmativas que ficaram na também é majoritário entre os trabalhadores


faixa crítica (abaixo de 2,5), quatorze se subcontratados da função de limpeza. Não é
vinculam ao fator indignidade, com exceção difícil chegar ao entendimento que, sob a
de uma: ´Minhas tarefas são insignificantes’; égide da economia flexível, recaem nos
cujo o fator associado é o de utilidade. Apesar grupos socialmente mais vulneráveis os
do dado quantitativo ser limitado para trabalhos mais deletérios. Para esses grupos,
fazermos considerações mais assertivas, a objetivamente, não é possível falar de
prevalência da criticidade relacionada à oportunidades quando não há possibilidade
indignidade é um dado substancial. Essa de escolha.
sinalização da pesquisa corrobora a Entre as distintas formas de expressão
associação da terceirização com a do assédio moral, é mais frequente a
precarização do trabalho. De acordo com ocorrência em situações nas quais há relações
Vasapollo (2005, p.385): “A característica do assimétricas de poder – hierárquicas - entre
trabalhador precarizado é sua dificuldade em assediador e assediado (Ferreira, 2009, p. 58).
considerar-se como sujeito coletivo e capaz de Considerando que a subcontratação ocorre
exigir o direito e a dignidade”. em atividades “marginais” das
Segundo o DIEESE-CUT (2011), o perfil organizações/instituições (atividades meio), é
do trabalhador subcontratado no Brasil é possível que uma parcela significativa dos
composto pelas populações mais vulneráveis trabalhadores dessa categoria se situem em
no mercado de trabalho. Incluem-se nesse quadros no qual sejam vítimas de distintas
grupo as mulheres, negros e pardos, jovens e agressões psicológicas. O alto grau crítico
de menor escolaridade, que acabam se presente na afirmativa que se refere ao medo
submetendo aos empregos mais precários. A de ser punido ao cometer erros indica a
partir dos dados demográficos da presente possibilidade desse cenário se presentificar no
pesquisa, podemos notar que esse perfil contexto pesquisado.

Considerações finais
O presente trabalho representa um foi realizada. Acreditamos que sua divulgação
esforço inicial para sistematizar um longo tem a importância de apresentar o quadro
processo de acompanhamento das situações atual e também de estimular que iniciativas
vivenciadas pelos trabalhadores terceirizados similares sejam desenvolvidas nas
da limpeza da universidade na qual a pesquisa universidades públicas. É grave constatarmos

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BARBATI et. al. 126

que as pró-reitorias de pessoal das trabalhadores entre 2014 e 2016, que envolve
universidades públicas não possuem - ou o descumprimento por parte das empresas
possuem precariamente - políticas voltadas terceirizadas de várias obrigações, seguida de
para um contingente significativo dos mobilizações e demonstrações de apoio por
profissionais que garantem o funcionamento estudantes e demais trabalhadores da
cotidiano dos campi universitários. Além da universidade. A análise aqui apresentada é um
precarização do cotidiano de trabalho, como passo inicial, que deve ser complementada
baixos salários, atrasos de salários, espaços de por outras pesquisas nesta temática e pela
convivência completamente inadequados, construção de espaços de fala e discussão,
esse coletivo de trabalhadores sofre com que permitam compreender, por exemplo, se
assédio moral e com a dificuldade de se há mudanças significativas quando separamos
organizar coletivamente, uma vez que tem os dados de empresas distintas, assim como
alto índice de rotatividade e de realocações. quando observamos as estratificações de
Entendemos que o objetivo do estudo gênero, raça e escolaridade.
foi alcançado, uma vez que foi possível Dejours (2007, p.76) desenvolve um
observar e analisar determinados riscos de entendimento sobre o que é o mal, que entre
sofrimento patogênico no trabalho dos outros pontos, se vincula não somente à
sujeitos pesquisados. Dos 15 pontos críticos à participação de processos produtores de
saúde apresentados no questionário, 14 estão injustiça e sofrimento infligidos a outrem, mas
relacionados ao fator indignidade. Além também na tolerância à mentira e a não
desses, há 11 itens considerados de risco denúncia. Assim, para além do
moderado à saúde, havendo entre eles itens desenvolvimento teórico, nos propomos com
relacionados aos três fatores da pesquisa essa pesquisa a dar visibilidade ao que
(utilidade, indignidade e reconhecimento). O Ferreira (2009, p.62) chama de sofrimento
desvio padrão é menor nos itens relacionados clandestino no reino do silêncio no qual
ao fator utilidade, o que demonstra uma possivelmente muitos subcontratados da
maior homogeneidade dessas respostas e o universidade se encontram.
grau de percepção por parte dos Esperamos, portanto, que essa
trabalhadores da importância de suas imersão possa produzir subsídios que
atividades para eles mesmos e para a contribuam para as ações de resistência e
organização. Os dados encontrados dialogam mobilização dos trabalhadores contra essas
com os dados qualitativos que levantamos em inúmeras adversidades, que foram
nossa imersão inicial, apontando o assédio amplificadas com as políticas neoliberais e
moral como um dos pontos mais importantes ganharam ainda mais força a partir da década
a ser combatido nas relações de trabalho dos de 1990. Políticas que resultaram na inserção
terceirizados da limpeza. dos processos de terceirização entre os
As dificuldades são inúmeras, no dispositivos de captura da força vida dos
entanto não encerram a capacidade de trabalhadores. Capturas que, em última e
mobilização desses trabalhadores. O primeira instância, buscam a
surgimento da associação formada por um instrumentalização das formas de sentir,
coletivo de trabalhadores da instituição é um pensar e viver dos trabalhadores, e
exemplo do inesperado pode aparecer em transformar suas vidas em combustível para o
condições adversas como a vivenciada em produtivismo cego e sem limites. Esperamos
2014. que os subsídios dessa pesquisa possam se
Sabemos que os dados apresentados somar a esses movimentos de mobilização e
neste trabalho possuem forte influência da transformação, e que essas ações, no seu
conjuntura vivenciada por esses conjunto, possam influenciar a gestão das

Revista Trabalho (En)Cena. Jul. /Dez. 2016, Vol. 1, n. 2, pp. 110-127.


CAPTURAS E RESISTÊNCIAS À TERCEIRIZAÇÃO 127

universidades públicas a considerar os pessoal, e assim contribuir para a afirmação


trabalhos terceirizados em suas políticas de do trabalho decente.

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