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A FÍSICA DE ALTAS ENERGIAS

E A TERAPIA DE CÂNCER
COM PRÓTONS: MOTIVAÇÕES
E PERSPECTIVAS

F. Caruso, B.H.V. Carvalho & A.F.S. Santoro

Resumo: Faz-se uma análise comparativa da literatura recente


sobre algumas alternativas de terapia com radiação para o câncer.
Neste ensaio enfatiza-se a ”próton-terapia” como uma técnica que
possibilita uma menor dose para o controle tumoral, uma melhor
distribuição da dose, além de uma significativa diminuição dos efeitos
colaterais provocados pela radiação aos tecidos circunvizinhos ao
tumor.
2 F. Caruso, B.H.V. Carvalho & A.F.S. Santoro

I. Introdução

Este texto tem por objetivo principal a divulgação, com um


enfoque didático, da importante contribuição que a Fı́sica de Altas
Energias pode fornecer ao tratamento do câncer. Como conseqüência
do desenvolvimento da Fı́sica de Altas Energias no Brasil, nos últimos
anos, e da formação de novos quadros nesta área, é natural que se
pense em novos projetos. Particularmente no Rio de Janeiro, quatro
das principais Universidades e o CBPF criaram novos grupos de
pesquisa trabalhando ativamente para o desenvolvimento da Fı́sica
Experimental de Altas Energias. Acreditamos, portanto, ser este o
momento de começar a ressaltar o caráter interdisciplinar deste tipo
de Fı́sica e, em especial, o seu impacto social nos paı́ses desenvolvidos.
Em vários paı́ses, grupos ligados à Fı́sica Experimental de
Altas Energias têm procurado sistematicamente motivar outros
grupos de pesquisadores universitários e de Hospitais a se
interessarem por esse tipo de terapia, dadas as perspectivas de
aplicação de técnicas da Fı́sica de Altas Energias ao tratamento
dos mais variados tipos de câncer. Neste sentido, o Dr. Cole foi
convidado a proferir, em 1987, uma palestra sobre este assunto no
“Third Symposium on Pan-American Collaboration in Experimental
Physics” que realizou-se no Rio [1]. De lá para cá alguns membros
do LAFEX e do Instituto de Fı́sica da UERJ vêm fazendo um
levantamento bibliográfico sobre este assunto, visando fazer uma
primeira análise comparativa entre as diversas técnicas de terapia de
câncer, comprender as vantagens da terapia com prótons e divulgá-
las. Os resultados deste estudo preliminar foram apresentados em
alguns seminários no Instituto de Fı́sica da UERJ e no CBPF e foram
aqui coligidos.
O câncer representa atualmente um grande problema de saúde
pública para o nosso paı́s, principalmente devido ao aumento da
expectativa de vida da população pelo controle de outras doenças
e ao acelerado processo de urbanização e industrialização das últimas
décadas, com o conseqüente aumento dos riscos relacionados a fatores
ambientais e aos novos hábitos de vida. Em 1930, os neoplasmas eram
responsáveis por 2,7% do total de casos de morte no Brasil. Em 1980,
o câncer (neoplasma maligno) foi responsável por 10% do total de
óbitos registrados, tendo alcançado 14% nas regiões de melhor nı́vel
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sócio-econômico [2]. Segundo estatı́sticas da Organização Mundial


de Saúde, o Brasil ocupa o décimo quinto lugar na mortalidade por
câncer [2]. Torna-se, portanto, premente um controle terapêutico
efetivo desta doença, procurando-se minimizar, da melhor forma
possı́vel, os efeitos deletérios (fı́sicos e morais) da terapia.
Uma alternativa vantajosa neste sentido é a “próton-terapia”
que permite, em muitas situações, o controle tumoral de forma mais
localizada, minimizando os danos aos tecidos circunjacentes ao tumor.
Muitas vezes, esta técnica tem-se mostrado eficiente a ponto de evitar
a própria cirurgia.
Antes de discutirmos a terapia de câncer faremos uma
brevı́ssima introdução a alguns aspectos biológicos da estrutura
celular dos seres vivos que, uma vez alterados, dão origem ao câncer.
De um modo geral, podemos dizer que as diversas células
normais de um organismo vivo coexistem em estado de harmonia
global com relação à reprodução, crescimento e desempenho de
funções especı́ficas, sendo este mecanismo determinado pelos seus
códigos genéticos. Tomemos o exemplo do estômago. Nele existem
diversos tipos de células, dentre as quais destacamos alguns: uma,
responsável pela secreção do ácido clorı́drico, outra, responsável pela
elaboração de substâncias quı́micas neutralizadoras da acidez gástrica
e um terceiro tipo que produz as enzimas digestivas. O crescimento
morfológico de todas estas células obedece a uma “modulação”
histológica e funcional, implicando um aumento ou diminuição do
grau de reprodução celular ou da intensidade da função, de acordo
com as fases da digestão e dos perı́odos interdigestivos [3].
Essa “modulação” citológica, histológica e funcional existe
naturalmente para todas as demais células do organismo,
determinando uma atitude biológica indispensável à manutenção
da vida normal do organismo. O contato entre as células
é mantido por substâncias intracitoplasmáticas, que controlam
a permanência de uma célula ao lado das demais, inibindo o
crescimento desproporcionado de uma célula adjacente de mesma
função. Fisiologicamente, este estado de constância da população
celular de um determinado tecido ou órgão requer uma contı́nua
renovação celular (pelas células potencialmente capazes: as steem
cells) que obedecem a uma limitação intrı́nseca na sua reprodução.
Isto é, quando ocorre uma remoção parcial de um tecido, a velocidade
4 F. Caruso, B.H.V. Carvalho & A.F.S. Santoro

de renovação celular é maior do que a normal, visando atingir a


massa celular fisiológica anterior. Esse mesmo fenômeno ocorre
para qualquer tecido sadio onde as células normais cessam o seu
crescimento quando é atingida uma determinada “densidade celular”,
constituindo o fenômeno denominado “inibição de divisão” [3].
A modulação cito-histo-fisiológica depende de vários fatores,
muitos ainda objeto de estudo, a saber: da sı́ntese do ácido
desoxirribonucleico (ADN), da relação espacial entre as células,
de inibidores de membrana, de fatores humorais como o estado
hidroeletrolı́tico do espaço intersticial, de fatores que controlam, por
inibição, a atividade mitótica celular e da intensidade da solicitação
funcional, dentre outros [4]. Na oncogênese (ou carcinogênese) essa
modulação celular se altera de modo permanente, porque modifica-
se o código genético da célula normal, agora transformada em célula
neoplásica ou cancerosa, impondo-lhe uma participação antibiológica
irreversı́vel. Esta seria uma forma de se entender a origem de alguns
tipos de câncer.
Sem nos determos nas inúmeras e controvertidas teorias sobre
sua etiogênese, podemos afirmar, com base em um recente Boletim
Epidemológico do INAMPS-RJ [5], que o câncer já é, em quase
todas as regiões do paı́s, a segunda causa de morte em adultos,
perdendo apenas para as doenças cardio-vasculares. Um agravante
deste quadro, segundo estatı́sticas norte-americanas [6], é o fato de
que em diversas neoplasias malignas, infelizmente, mais de 80% dos
casos são diagnosticados em fase avançada da doença.
A Fig. 1 mostra a incidência do câncer por local de origem e
sexo; dados fornecidos pela Sociedade Americana de Câncer em 1990
[7].
Vale ressaltar que a incidência desta doença relaciona-se
diretamente com o avanço tecnológico. Nas sociedades primitivas as
pessoas comuns morrem mais jovens, de doenças que as sociedades
mais avançadas já curam. Na Fig. 2 observa-se o rápido aumento da
incidência do câncer com a idade [7].
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II. Tipos de Terapia

As três formas convencionais de terapia são: a cirurgia,


a quimioterapia (QT) – incluindo também a imunoterapia – e a
radioterapia (RT), que hoje é a mais utilizada sob a forma de raios
X, raios γ, feixes de elétrons e de nêutrons. Existem ainda técnicas
de tratamento baseados em feixes de próton, de pı́ons (mésons π) e
de ı́ons pesados.
A combinação destes métodos é utilizada na maioria dos casos,
i.e., pode-se ter a cirurgia seguida de radioterapia e/ou quimioterapia;
por vezes faz-se a QT ou a RT antes da prática cirúrgica para auxiliar
o controle da doença. Em qualquer que seja o caso, o principal
objetivo de toda terapia é a destruição de células tumorais de modo a
produzir o menor dano possı́vel aos tecidos saudáveis circunvizinhos
ao tumor.
Discutiremos aqui apenas a terapia com radiações, em vista
do interesse principal deste ensaio, i.e., mostrar a viabilidade do
tratamento de câncer com feixe de prótons.

III. Terapia com Radiação: um Breve Histórico

A radiação começou a ser utilizada para a terapia do


câncer tão logo Röntgen descobriu os raios X, em 1895. No
entanto, o primeiro livro publicado sobre a matéria surgiu sete anos
depois. Naturalmente, muitos dos pioneiros morreram de câncer
(provavelmente radioinduzido) ou de Doença de Radiação, devido
ao desconhecimento, naquela época, do risco associado à utilização
de radiação ionizante.
A terapia com raios X só se tornou popular após 1916, quando
Coolidge desenvolveu para a General Electric o primeiro tubo selado
de raios X. De 1920 a 1940, utilizaram-se raios X de energia da ordem
do KeV . Com o final da Segunda Grande Guerra Mundial, devido
ao grande avanço surgido na área de eletrônica, nas aplicações da
Mecânica Quântica e devido ao interesse pelo aprofundamento do
conhecimento das interações fundamentais da Natureza, iniciou-se a
construção de Betatrons e Aceleradores Lineares. Por muitos anos os
Betatrons foram predominantemente utilizados como fonte de raios
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X; porém, atualmente, os aceleradores lineares emissores de raios X


dominam o mercado mundial deste tipo de terapia (atualmente são
aproximadamente 7.000 somente nos E.E.U.U.). A competitividade
dos Betatrons em termos de terapias decai bastante após a década
de 40, pois a simplicidade e a elevada intensidade energética dos
aceleradores lineares permitiram uma maior difusão destes últimos.
Ainda no final da década de 30 os irmãos Lawrence (Ernest
e John) iniciaram a terapia de câncer com nêutrons utilizando
um Ciclotron desenvolvido pelo próprio Ernest. Eles, no entanto,
não conseguiram nem caracterizar os feixes nem a distribuição da
dose, apresentando, portanto, resultados inconclusivos. Esta forma
de terapia foi retomada com feixes guiados por um Ciclotron do
Hospital Hammersmith, em Londres, no inı́cio da década de 50, com
melhores resultados. Em 1970, iniciou-se uma fase de testes clı́nicos
controlados com terapia de nêutrons no Fermilab, utilizando nêutrons
oriundos de um acelerador linear de 200 M eV , em funcionamento até
hoje.
Em 1946, Robert Wilson, propôs a utilização de prótons para
a terapia do câncer, a partir de sua observação sobre a distribuição
de dose com estas partı́culas. Porém, os primeiros testes de “próton-
terapia” ocorreram de fato em Uppsala, Suécia [6]. Tempos depois,
foram tratados mais de três mil pacientes no Laboratório Ciclotron
de Harvard, com a colaboração do Hospital Geral de Massachussetts,
nos E.E.U.U. [6]. A seguir, três laboratórios soviéticos iniciaram
programas de terapia com câncer — Gatchina, Itep e Dubna — e,
mais recentemente, os laboratórios Chiba e Tsukuba, no Japão.
Outras técnicas de terapia com radiação foram surgindo
efetivamente a partir de 1975. Neste ano, o Laboratório Lawrence-
Berkeley na Universidade da California iniciou experiências com
partı́culas α e, de 1977 a 1981, com núcleos pesados como o de
carbono e o de neônio.
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IV. Rudimentos de Radioterapia

O efeito básico da radiação ionizante sobre uma população


celular é o de destruir a capacidade dessas células de se dividirem
e crescerem. Isto ocorre, tanto para as células cancerosas como
para as saudáveis, pela ruptura das membranas das células doentes
através do espalhamento inelástico da radiação. Cada célula contém
a informação genética que a torna uma célula cancerosa e que a
faz multiplicar-se sem limite. Em média, é necessário atingir várias
vezes cada célula para assegurarmos que ela não mais se reproduza.
Qualitativamente, todas as radiações ionizantes produzem as mesmas
reações radioquı́micas.
O efeito biológico de um feixe de radiação depende de vários
fatores, alguns dos quais definiremos, resumidamente, a seguir.
O primeiro fator relaciona–se à distribuição espacial dos
eventos ionizantes produzidos no tecido. A taxa de energia
depositada por partı́culas carregadas, por unidade de distância
percorrida — conhecida como TLE (Transferência Linear de Energia)
— define o grau de ionização de uma radiação. Com este critério,
definem–se os ı́ons de hélio, os prótons, os elétrons e os fótons como
fracamente ionizantes, pois transferem pouca energia por unidade
de comprimento da trajetória. Já os nêutrons rápidos, os ı́ons
pesados e os pı́ons são altamente ionizantes. Clinicamente sabe–se
que estas radiações de elevado TLE são vantajosas para irradiar locais
definidos, como cabeça, pescoço e região pélvica.
Outro fator a ser considerado é o grau de oxigenação celular.
Sabe–se que a radiosensibilidade celular está diretamente relacionada
à quantidade de oxigênio presente nas células. Quando o oxigênio é
fornecido livremente, a sensibilidade celular aos efeitos da radiação
pode ser aumentada de até um fator 3. O mecanismo pelo qual o
oxigênio aumenta a eficiência da terapia com radiação é denominado
efeito oxigênio. Em geral, este efeito depende da TLE das radiações:
é baixo para as radiações de elevado TLE e torna–se máximo para as
de TLE muito baixo [2].
Define–se ainda o fator OER como a razão entre a dose de
radiação requerida para produzir um especı́fico efeito biológico sob
condições de anoxia e a razão da dose necessária para produzir
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este mesmo efeito biológico com boa oxigenação. Para fóton, como
para os raios γ do cobalto 60, o fator OER varia de 2.5 para 3.0,
para a maioria das células de mamı́feros. Para os pı́ons, nêutrons
e partı́culas pesadas carregadas, este fator está entre 1.4 e 1.7;
portanto, a proteção conferida ao tecido tumoral pela anoxia diminui
sensivelmente com a utilização destas últimas radiações.
Na prática, entretanto, a vantagem clı́nica da radiação de
elevado TLE é menor do que sugere a diferença de OER. O motivo
é que nem todas as células tumorais estão sob severa hipoxia e a
reoxigenação do tecido tumoral pode ocorrer durante os intervalos
entre as doses, o que diminui a influência do efeito hipóxico na recidiva
tumoral [7].
Um terceiro fator a ser considerado é a Eficiência Biológica
Relativa (EBR). A EBR de uma radiação ionizante é a razão entre
a dose de uma determinada radiação comparada com a dose de uma
radiação de referência (raio X ou Gama com TLE na água de 3
KeV/µm e taxa de débito de 10−1 Gy/min) para produzir um efeito
especı́fico.
A distribuição de perda de energia (dose relativa) por
profundidade de tecido para feixes de raios X, γ, elétrons e prótons
é comparada na Fig. 3.
Um outro fator a ser considerado é a cinética celular tumoral.
Devido à variação de radiossensibilidade entre as células nos
diferentes estágios do ciclo celular, o fracionamento da dose resulta
numa sensibilização significativa das células proliferativas que não é
compartilhada pelas células normais. Isto pode ser explicado pela
sequela tardia provocada pela radiação, que é o fator usualmente
limitante da radioterapia.
A Tabela mostrada na Fig. 4 relaciona as partı́culas dos diver-
sos tipos de feixe com os fatores EBR, DD (distribuição de dose) e
ordem de grandeza dos custos.

V. Terapia com Prótons

• Por que a terapia com prótons?


A irradiação convencional pode controlar o câncer através
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da destruição das células malignas, quando a dose absorvida pelo


tumor é realmente suficiente. Porém, devido a não seletividade da
radiação em relação ao tipo celular, os tecidos normais adjacentes à
massa tumoral recebem uma dose de radiação semelhante à recebida
pelo tecido doente. Como conseqüência, é freqüente utilizar-se uma
dose inferior à dose total requerida, de modo a reduzir os danos
irreversı́veis causados aos tecidos sadios circunvizinhos ao tumor.
Portanto, o efetivo controle local da doença irá variar de acordo
com os diferentes tipos histológicos, graus de evolução (estágios) e
localização do tumor.
Uma tentativa para aumentar a eficiência do controle tumoral
é feita através da diminuição da dose imposta aos tecidos normais
adjacentes, enquanto se mantém a dose tumoral elevada. Este fato
pode ser assegurado com a “próton-terapia”.
Apesar de seu uso ter sido proposto desde 1946, por Robert
Wilson, a terapia com prótons só veio despertar maior interesse
na comunidade cientı́fica à partir do aprimoramento de técnicas
diagnósticas de imagem, como a tomografia computadorizada, a
ressonância nuclear magnética e a tomografia por emissão de
pósitrons. Estas técnicas viabilizaram a determinação, com exatidão,
da localização do tumor. Portanto, foi só na década de 80 que a
“próton-terapia” foi mais investigada e utilizada, a ponto de tornar-
se, hoje, não apenas necessária, mas obrigatória nos grandes centros
especializados em tratamento de câncer.

• Estudo comparativo da terapia de câncer com prótons e com


outras radiações

Iniciaremos esta comparação pela terapia com raios X, a qual


tem sido a mais largamente utilizada, mas que nem sempre é a
melhor opção. Como inferimos da Fig. 3 a distribuição da dose
para os raios X em profundidade é desfavorável para o tratamento de
tumores não localizados na superfı́cie do corpo. Isto porque a energia
depositada (após a região do build–up) diminui exponencialmente com
a profundidade. Portanto, a pele e os tecidos celulares subcutâneos
recebem a maior percentagem da dose do que o tumor propriamente
dito.
Na prática, este problema é contornado através da irradiação
do tumor por diferentes ângulos (campos de tratamento) que servem
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para maximizar a dose no local da doença. Porém, muito cuidado


deve ser tomado na escolha desses campos, quando da proximidade
de certos órgãos e tecidos vitais como o coração e a medula
óssea, os quais podem sofrer danos irreversı́veis, mesmo com doses
relativamente pequenas (em geral, inferiores à dose necessária para
destruir totalmente o tumor). Mesmo com o uso de técnicas
cuidadosas, a terapia com raios X é normalmente limitada devido
ao dano causado aos tecidos saudáveis adjacentes ao tumor. O dano
ao tecido sadio pode manifestar–se como “doença de radiação”, com
sintomas gerais variados, predominando a astenia e a náusea. É
necessário um intervalo de tempo entre sessões de radioterapia, de
modo a permitir a restauração do tecido sadio. O tempo médio
entre as sessões é de um dia. Porém, durante este intervalo de
tempo o tumor pode continuar a se multiplicar (crescer). Podemos
dizer, então, num sentido rigoroso, que a terapia com raios X é uma
competição entre a morte tumoral e a morte do paciente. Em alguns
casos, dependendo da localização dos tumores, são também utilizados
feixes diretos de elétrons, porém esta terapia não oferece vantagens
sobre o raio X, seja na distribuição da dose, seja no aparecimento
de efeitos colaterais. Além desses fatores, os raios X possuem uma
pequena EBR.
Já os nêutrons apresentam uma elevada EBR e, portanto, são
muito mais eficientes do que os fótons, raios X, elétrons e prótons
no que se refere à destruição de células. Sofrem, no entanto, um
grande espalhamento pela matéria, impossibilitando uma distribuição
uniforme da dose e dificultando muito sua localização. Em geral, o
custo dos geradores de nêutrons para este fim é relativamente alto.
Na prática, existem algumas localizações tumorais onde a “neutron–
terapia” é muito eficaz. São as regiões da cabeça, pescoço e quadril
(região pélvica) onde a terapia não interfere muito com o tecido sadio.
A “neutron–terapia” acarreta, porém, os mesmos efeitos colaterais
que os raios X.
As partı́culas pesadas carregadas, assim como os prótons,
possuem significativas vantagens no sentido de poder minimizar a
dose recebida pelos tecidos saudáveis circunvizinhos ao tumor. A
distribuição da dose de um feixe de prótons permite ao terapeuta
diminuir a dose sobre os tecidos sadios por um fator que varia de 2 a
5.
Os prótons têm uma energia especı́fica e um alcance bem
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definidos. Eles perdem energia por colisões com os átomos


e, finalmente, param em alguns milı́metros após percorrer uma
determinada profundidade. Esta propriedade depende unicamente da
energia dos ı́ons. O mais importante é que a maior parte da energia
é depositada numa pequena região ao final do alcance da partı́cula.
Esta região é chamada de pico de Bragg. Logo, os efeitos da radiação
sobre a mortalidade celular podem ser precisamente localizados.
Uma boa taxa de morte de células malignas, com grande
segurança para as células normais vizinhas ao tumor, pode ser obtida
através de uma cuidadosa escolha da terapia e do planejamento
dos campos de terapia. Este fato é especialmente importante
quando o tumor localiza–se próximo a órgãos vitais e de extrema
radiosensibilidade. A maior vantagem da terapia com prótons é,
portanto, a precisão de seu alcance em profundidade de tecido com
erro de apenas 1 mm (em um total de 3-38 cm). Além disto, toda a
energia é depositada nos últimos milı́metros de seu alcance. Esta
caracterı́stica, acrescida do pequeno espalhamento que os prótons
sofrem, torna possı́vel direcionar com maior precisão a dose ao local
da neoplasia, além de reduzir sensivelmente os indesejáveis efeitos
colaterais presentes na terapia com nêutrons e fótons.
A “próton–terapia” tem sido muito utilizada em tumores de
cabeça, pescoço e região pélvica. Atualmente é o método escolhido
para tratamento de melanomas oculares, conseguindo–se que a
doença seja debelada, com a preservação da visão, em 95 % dos casos.
Este ı́ndice deve ser comparado ao obtido pelo método cirúrgico,
anteriormente utilizado, que só oferecia 60 % de sucesso, mas com
perda da visão e desfiguramento do paciente.
A “próton–terapia” também está sendo empregada para o
tratamento de doenças não neoplásicas, como os aneurismas (mal
formações arterio–venosas) cerebrais e na doença de Cushing da
glândula pituitária.
O método mais comum de irradiação com prótons é usar a
sua maior energia para irradiar a parte posterior do tumor e, a
seguir, ir diminuindo a energia de modo a percorrer todo o tumor.
Simultaneamente, colimadores são utilizados para moldar o feixe ao
formato do tumor. Em geral, a energia dos prótons é suficiente para
alcançar até mesmo tumores profundos e encapsulados.
O pico de Bragg para prótons monoenergéticos é de apenas
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alguns milı́metros de largura, o que é muito inferior à maioria das


dimensões caracterı́sticas dos volumes tumorais a serem irradiados.
Porém, este pico pode ser alargado para qualquer profundidade
desejada, através da modulação da energia e do uso de absorvedores.
Para um Sı́ncroton de prótons a energia pode ser continuamente
variada, o que corresponde a uma variação da profundidade de tecido
da ordem de 3 a 38 cm. Logo, variando–se a energia e o número de
prótons acelerados, o pico de Bragg pode tomar a forma de modo
a distribuir doses homogêneas de radiação em volumes regulares
tridimensionais.
Todas as vantagens de distribuição de dose acima descritas
são também verificadas em feixes de partı́culas pesadas carregadas.
De fato, estas partı́culas, assim como os nêutrons, possuem uma
maior RBE do que os prótons. Porém, estes aceleradores têm um
custo muito mais elevado do que os de próton, considerando–se a
razão energia/partı́cula. Além disto, a questão da superioridade
terapêutica com feixes de partı́culas pesadas devido ao elevado RBE
ainda é muito controversa.
Os pı́ons apresentam também a mesma vantagem de
distribuição de dose que as partı́culas pesadas carregadas e os prótons.
Decaem no final de seu alcance, produzindo uma energia adicional na
altura do pico de Bragg. Mas a terapia de câncer com pı́ons, até onde
vai nosso conhecimento, não oferece ainda resultados conclusivos.
Vale ressaltar que o acelerador de pı́ons supera em custo todos os
demais.

VI. Conclusões

Gostarı́amos de resumir as principais vantagens e desvantagens


do uso de técnicas de terapia de câncer com feixes de prótons.
Dentre as vantagens, destacamos:
• Dose precisamente localizada no tumor;
• Ausência de efeitos colaterais para os tecidos sadios
circunvizinhos ao tumor;
• Possibilidade de se utilizar uma menor dose (comparada a
outras radiações ionizantes) para obter o mesmo efeito biológico;
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• Custo moderado;
• Praticidade de manipulação na diferenciação de energia;
• Possibilidade de formatação tumoral através de colimadores.

Como principal desvantagem, destacamos a seguinte:


• Necessidade de grande quantidade de periféricos (tomógrafos
e aparelhos de ressonância nuclear magnética, RNM) que devem
ser usados em conjunto com o acelerador com monitoramento
computadorizado, de modo a otimizar o plano de tratamento.

Finalizando, queremos manifestar a nossa convicção de que


é muito importante que as Universidades brasileiras se engajem
em colaborações cientı́ficas em torno deste argumento. O seu
incrı́vel caráter interdisciplinar propicia o desenvolvimento de
pesquisas integradas dentro da própria Universidade, aproximando
diversos Institutos e Faculdades e formando pessoal especializado,
em diversas áreas, com uma visão cientı́fica e humanista mais
eclética. Infelizmente, a perspectiva do enorme impacto social que
a construção de um acelerador de prótons dedicado à terapia de
câncer em uma Universidade que possua um Hospital–Escola ainda
não sensibilizou os governos e órgãos de fomento brasileiros, que
insistem em seguir uma polı́tica cientı́fica invariavelmente imediatista.
Na espera de que o supremo respeito pelas vidas humanas seja,
algum dia, a maior prioridade deste paı́s, cabe a vocês, professores e
futuros professores do ensino secundário, manterem viva nos jovens a
consciência e a esperança de que é possı́vel ter os avanços da Ciência a
serviço do Homem. Talvez esta breve história de como o próton pode
ser utilizado para salvar vidas humanas possa contribuir para isto,
fazendo ver ao adolescente o quanto pode ser motivante e gratificante
fazer Ciência.
14 F. Caruso, B.H.V. Carvalho & A.F.S. Santoro

Referências

[1] F. Cole, “A Proton Synchroton for Cancer Therapy” em


Proceedings of the Third Symposium on Pan-American Collaboration
in Experimental Physics, editado por R. Rubinstein e A.F.S. Santoro,
Singapore, World Scientific, 1989, pp. 176-96.
[2] Câncer no Brasil: Dados dos Registros de Base
Populacional, Ministério da Saúde, Instituto Nacional do Câncer,
Coordenação de Programas de Controle de Câncer, Rio de Janeiro,
1991.
[3] Cf., por exemplo, Ramos Jr., Oncologia Clı́nica, J. Sarvier,
1974.
[4] F. Gremy et J. Perrin, Eléments de Biophysique, Paris,
Flammarion, 1971.
[5] INAMPS-RJ, Boletim Epidemiológico, setembro de 1990.
[6] Medical Accelerator - Fermilab Industrial Affiliates
Roundtable on Application of Accelerators, May 1985.
[7] G.H. Fletcher, Textbook of Radiotherapy, Filadelfia, Lean
& Fabeger, 1975.

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