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Ficha Catalográfica elaborada pela EADCON.

Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS)


F981l Letras / Fundação Universidade do Tocantins; EADCON. –
Curitiba: EADCON, 2010
480 p.: il.

Nota: Caderno de Conteúdos do 6º período do curso de Letras


(apostila).

1. Professores – Formação. 2. Letras – Educação e Ensino. I.


EADCON. II. Título.

CDD 378
Direitos desta edição reservados à UNITINS.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da UNITINS.

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DO TOCANTINS


Reitor André Luiz de Matos Gonçalves
Vice-Reitora Maria Lourdes Fernandez Gonzalez Aires
Pró-Reitor de Graduação Geraldo da Silva Gomes
Diretoria de EaD e Novas Tecnologias Denise Sodré Dorjó
Diretoria de Administração Acadêmica Fabíola Peixoto de Araújo
Coordenadora de Planejamento Pedagógico e Midiático Martha Holanda da Silva
Coordenadora do Curso Cristiane Tavares Jordão de Vasconcelos

SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO CONTINUADA – EADCON


Diretor Executivo Julián Rizo
Diretores Administrativo-Financeiros Armando Sakata
Júlio César Algeri
Diretora de Operações Cristiane Andrea Strenske
Diretor de TI Juarez Poletto
Coordenação Geral Dinamara Pereira Machado
Sumário

Língua Portuguesa VI: Discurso e Ensino 5


1 Introdução à análise do discurso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2 Bakhtin: teorias do discurso, dialogismo e polifonia . . . . . . . . 23
3 Linguística da enunciação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4 Teorias dos atos de fala, teoria
da atividade verbal e postulados conversacionais de Grice . . . . 47
5 Discurso e argumentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
6 Análise da conversação: um percurso de trocas e negociações. . . 71
7 Ensino-aprendizagem: análises de produções discursivas . . . . . 83

Língua Espanhola VI 93
1 La intencionalidad textual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
2 Las oraciones. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
3 Las oraciones subordinadas sustantivas . . . . . . . . . . . . . . . . 119
4 Las oraciones subordinadas adjetivas y adverbiales. . . . . . . . . 133
5 Cambios de valores verbales . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
6 Estrategias de lectura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
7 Usos de la lengua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

Literatura Brasileira: do Período Colonial ao Romantismo 177


1 Literatura de Informação, Literatura Jesuítica e Barroco . . . . . 181
2 Arcadismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201
3 Romantismo: aspectos histórico-literários
e características fundamentais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
4 Primeiro momento do Romantismo no Brasil (1836-1840). . . . . 229
5 Segundo momento do Romantismo no Brasil . . . . . . . . . . . . . 241
6 Terceiro momento do Romantismo no Brasil . . . . . . . . . . . . . 249
7 A prosa de ficção no Romantismo brasileiro. . . . . . . . . . . . . . 259
Abordagens Metodológicas do Ensino-Aprendizagem
da Língua Espanhola e Respectivas Literaturas 265
1 Enfoques y métodos en la enseñanza de lenguas . . . . . . . . . . 269
2 Estrategias de aprendizaje . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285
3 Las destrezas lingüísticas y la competencia comunicativa. . . . . 291
4 La interculturalidad y la reflexión crítica . . . . . . . . . . . . . . . 297
5 Lo lúdico en la enseñanza de lenguas . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
6 Documentos que basan la enseñanza de E/LE. . . . . . . . . . . . . 315
7 Orientaciones curriculares para
la enseñanza de español y sus literaturas . . . . . . . . . . . . . . . 321

Avaliação do Ensino-Aprendizagem 329


1 Concepções de avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333
2 Um olhar histórico sobre a avaliação
e as exigências na LDB n. 9.394/96. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343
3 A avaliação nos diferentes níveis
de ensino e o poder docente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355
4 Planejamento e avaliação na escola:
articulação fundamental. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369
5 Avaliação escolar: procedimentos
e instrumentos usados na escola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 379
6 Avaliação: erros e acertos
em questão para repensar o processo . . . . . . . . . . . . . . . . . 389
7 Sistema Nacional de Avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 397

Estágio Supervisionado II 411


1 Relação teoria e prática e aprendizagem
signif icativa da Língua Espanhola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 415
2 A prática docente do professor de língua estrangeira. . . . . . . . 425
3 Planejamento e metodologias de aulas de Língua Espanhola . . . 433
4 Aulas de língua espanhola e compreensão auditiva e leitora . . . 443
5 O ensino de expressão oral e escrita em Língua espanhola . . . . 451
6 Reflexões linguísticas e o ensino das regras gramaticais. . . . . . 463
7 Avaliação e replanejamento da prática . . . . . . . . . . . . . . . . 471
Créditos

EQUIPE UNITINS
Organização de Conteúdos Acadêmicos Sibéria Sales Queiroz de Lima
Silvéria Aparecida Basniak Schier
Revisão Linguístico-Textual Silvéria Aparecida Basniak Schier
Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva
Katia Gomes da Silva
Projeto Gráfico
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Capas Rogério Adriano Ferreira da Silva

produção editora EADCON


Prezado acadêmico,
Até aqui, você estudou os aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos,
semânticos e pragmáticos da língua. Chegou a oportunidade de estudar as
teorias que buscaram explicar as relações existentes entre os enunciados e
seus produtores, as concepções teóricas de Mikhail Bakhtin, os pressupostos
teóricos de Grice e os desdobramentos das teorias da análise do discurso.

Apresentação
Todas essas teorias darão suporte para a sua atuação profissional e
estarão materializadas, por exemplo, no livro didático que você adotará, nas
atividades elaboradas por você e na forma de avaliação de seus alunos.
É na perspectiva de apresentar essas teorias e contextualizá-las no
âmbito do ensino da língua portuguesa que este caderno foi elaborado
para você. No primeiro capítulo, faremos uma introdução à análise do
discurso, apresentaremos os principais teóricos e alguns conceitos básicos
dessa área. No segundo, falaremos sobre as contribuições de Bakhtin às
teorias do discurso, dialogismo e polifonia. No terceiro, discutiremos sobre
a linguística da enunciação e as contribuições de Benveniste para o desen-
volvimento dos estudos linguísticos.
No quarto capítulo, examinaremos as teorias dos atos de fala, a teoria
da atividade verbal e os postulados conversacionais de Grice. No quinto,
estudaremos os mecanismos de argumentatividade: operadores argumenta-
tivos, marcadores de pressuposição, índices de modalidade, índices atidu-
dinais, tempos verbais e índices de polifonia. No sexto capítulo, trataremos
da análise da conversação e das tomadas de turno. No sétimo, veremos
a aplicação da teoria estudada em algumas propostas de atividades que
podem ser desenvolvidas na sala de aula para a promoção do ensino e da
aprendizagem.
Esperamos que você aproveite o máximo da disciplina. Bons estudos!
Prof.ª Sibéria Sales Q. de Lima
Prof.ª Silvéria Aparecida Basniak Schier
1
CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Introdução à análise
do discurso

Introdução
Há diversas maneiras de estudar a linguagem: podemos concentrar a análise
na língua enquanto sistema de signos, ou sistema de regras formais, ou normas de
bem dizer, por exemplo. “A maneira de se estudar a língua é diferente em diferentes
épocas, em distintas tendências e em autores diversos” (ORLANDI, 2003, p. 15).
No século XIX, os estudos centralizaram na comparação entre as línguas com
o objetivo de deduzir princípios gerais da evolução histórica e da regularidade
das diferenças entre línguas. Nessa época, descobriu-se o parentesco entre o
latim, o grego, as línguas germânicas, as eslavas e as célticas e as faladas na
antiga Índia.
No século XX, os estudos sobre a língua evoluíram. O grande responsável foi
o linguista suíço Ferdinand Saussure, que realizou importantes pesquisas com a
língua indoeuropeia, considerada na época língua-mãe. Mas o destaque foram
suas aulas de Linguística Geral dadas em Genebra, que o tornaram uma das
figuras mais importantes do início da Linguística como ciência, considerado o
fundador da Linguística científica.
Saussure apresentou conceitos que mudaram completamente o modo de
encarar a Linguística. A partir de aulas e de alguns escritos do próprio linguista,
seus discípulos publicaram a obra Curso de Linguística Geral, que serviu de base
para o desenvolvimento do estruturalismo e muitos questionamentos da Linguística
no século XX (ROBINS, 1983).
Ele definiu a língua como o objeto da Linguística. Embora ele a tenha definido
como um fato social, uma vez que os indivíduos a adquirem no convívio social,
privilegiou seu caráter formal e estrutural. A verdadeira intenção do linguista
suíço era isolar o estudo da língua de tudo que é exterior a ela. Saussure estabe-
leceu a distinção entre uma linguística interna (linguístico) oposta a uma linguís-
tica externa (social).
Os estudos linguísticos evoluíram. Os pesquisadores reconheceram que
a análise não poderia permanecer apenas na língua, havia necessidade de
examinar também os fatores externos a ela. Em relação a essa evolução nos
estudos linguísticos, Brandão (2004, p. 10) destaca que
O reconhecimento da dualidade constitutiva da linguagem, isto é,
do seu caráter ao mesmo tempo formal e atravessado por entradas

unitins • letras • 6º PERÍODO  9


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

subjetivas e sociais, provoca um deslocamento nos estudos linguís-


ticos até então balizados pela problemática colocada pela oposição
língua/fala que impôs uma linguística da língua. Estudiosos passam
a buscar uma compreensão do fenômeno da linguagem não mais
centrado apenas na língua, sistema ideologicamente neutro, mas
num nível situado fora desse polo da dicotomia saussuriana.

A partir dessas mudanças, na década de 1960 e 1970, surgiram grandes


campos de investigação (pragmática, psicolinguística, análise do discurso, linguís-
tica histórica, análise de conversação, neurolinguística, linguística do texto, sociolin-
guística). Esses grandes campos de investigação avançaram em direção à interdis-
ciplinaridade crescente e à intersecção com a filosofia e outras ciências humanas,
como a sociologia, a antropologia, a psicologia, a neurociência, a semiologia etc.,
o que resultou em grandes contribuições para o desenvolvimento da sociedade.
Neste capítulo, apresentaremos o início dos estudos na área da análise do
discurso, os principais teóricos e alguns conceitos básicos dessa área tão impor-
tante da Linguística.

1.1 Linguagem: língua/discurso


O surgimento da análise do discurso se deu com a superação da análise
do texto, que buscava uma lógica dos encadeamentos “transfrásticos” do texto.
A análise do texto propunha como “objetivo estudar a estrutura do texto ‘nele
mesmo e por ele mesmo’ e restring[ia]-se a uma abordagem imanente do texto,
excluindo qualquer reflexão sobre sua exterioridade” (BRANDÃO, 2004, p. 13).
Portanto o estudo do texto ficava restrito à sua estrutura interna, não se buscava
o seu sentido ou qualquer reflexão sobre a significação e as considerações
sócio-históricas de produção.
Somente na década de 1950, as pesquisas mostraram a possibilidade de
ultrapassar os estudos que se limitavam a analisar apenas a estrutura interna da
língua e do texto e passaram a buscar uma compreensão dos fenômenos extra-
linguísticos que poderiam influenciar na produção da linguagem.
A instância da linguagem que passou a ser o foco dos estudos era a do
discurso, que possibilitou a ligação entre o nível propriamente linguístico e o
extralinguístico. Os pesquisadores perceberam que “o liame que liga as ‘signi-
ficações’ de um texto às condições sócio-históricas deste texto não é de forma
alguma secundária, mas constitutivo das próprias significações” (HAROCHE
e outros citados por BRANDÃO, 2004, p. 11). Segundo Bakhtin (1998), o
discurso é o ponto de articulação entre os fenômenos linguísticos e os sócio-
históricos. Cardoso (1999) acrescenta que discurso é um lugar de investimentos
sociais, históricos, ideológicos, psíquicos, por meio de sujeitos interagindo em
situações concretas.

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CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Portanto, para estudar a linguagem enquanto discurso, devem-se consi-


derar as condições histórico-sociais de produção. É sobre isso que discutiremos
na sequência.

Reflita

Qual é a diferença entre língua, fala e discurso?

1.2 Análise de discurso


A análise de discurso (AD) não trata da língua nem da gramática, apesar
de ambas serem consideradas, ela trata do discurso. Segundo Orlandi (2003),
etimologicamente, discurso dá a ideia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento. Portanto discurso é palavra em movimento, é prática da linguagem.
Para analisar o discurso, é necessário observar o homem falando com o objetivo
de compreender a língua fazendo sentido enquanto parte constitutiva do homem
e de sua história.
Orlandi (2003, p. 15-16) expõe que a análise do discurso concebe
[...] a linguagem como mediação necessária entre o homem e a
realidade natural e social [...] é o discurso [que] torna possível
tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento
e a transformação do homem e da realidade em que ele vive.
O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da
existência humana. [...] a Análise de Discurso não trabalha com
a língua enquanto um sistema abstrato, mas com a língua no
mundo, com maneiras de significar, com homens falando, consi-
derando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas,
seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determi-
nada forma de sociedade.

Conforme as exposições da autora, a AD considera os sujeitos, suas inscri-


ções na história e as condições de produção da linguagem. Assim o analista
do discurso estuda as relações estabelecidas entre a língua e os sujeitos que a
empregam e as situações em que se desenvolve o discurso. Portanto busca certas
regularidades no uso da língua em sua relação com a exterioridade.
O estudo discursivo considera
[...] não apenas o que é dito em dado momento, mas as relações
que esse dito estabelece com o que já foi dito antes e, até mesmo,
com o não-dito, atentando, também, para a posição social e histó-
rica dos sujeitos e para as formações discursivas às quais se filiam
os discursos (FRASSON, s/d, p. 2).

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CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Em consequência do estudo que analisa a ligação do que é dito com o que


já foi dito ou com o não dito e com as influências sócio-históricas do sujeito, a
análise do discurso não trabalha com a língua fechada nela mesma e nem com
a história e a sociedade como se elas fossem independentes do fato de que elas
significam (ORLANDI, 2003). Ou seja, a AD estuda a relação que há entre a
língua, o discurso, o sujeito e sua realidade sócio-histórica.
A partir dessas colocações, percebemos que a linguagem enquanto discurso
não é uma reunião de signos que serve apenas para comunicar ou manifestar
o pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação entre sujeitos; “ela
não é neutra, inocente e nem natural, por isso [é] o lugar privilegiado de mani-
festação de ideologia” (BRANDÃO, 2004, p. 11). Ou seja, quando nos mani-
festamos, a linguagem que usamos não é neutra, ela manifesta a ideologia da
sociedade na qual estamos inseridos.
Partindo da ideia de que a ideologia se materializa por meio do discurso e o
discurso se materializa por meio da língua, a análise do discurso estuda a relação
língua-discurso-ideologia. Orlandi (2003, p. 17) destaca que essa relação se
complementa com o fato de que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem
ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a
língua faz sentido”. A partir dessa constatação, podemos concluir que o discurso
é o lugar em que podemos observar a relação entre língua e ideologia.
Como o discurso é uma materialização da ideologia, Mussalim (2006, p.
110) argumenta que
[...] o sujeito do discurso não pode ser considerado como aquele
que decide sobre os sentidos e as possibilidades enunciativas do
próprio discurso, mas como aquele que ocupa lugar social e a
partir dele enuncia, sempre inserido no processo histórico que lhe
permite determinadas inserções e não outras. Em outras palavras,
o sujeito não é livre para dizer o que quer, mas é levado, sem que
tenha consciência disso [...], a ocupar seu lugar em determinada
formação social e enunciar o que lhe é possível a partir do lugar
que ocupa.

A produção do discurso é resultado de conjuntos discursivos que foram inte-


riorizados pelo sujeito em função da exposição sócio-histórica a que está subme-
tido, a partir da qual são constituídas suas representações discursivas sobre
o mundo. Portanto o homem não é o senhor de seus discursos, é a ideologia
que predetermina o que ele pode ou não dizer em determinadas conjunturas
histórico-sociais (BRANDÃO, 2004; MUSSALIM, 2006).
Para explicar melhor essa falta de liberdade do sujeito, Mussalim (2006, p.
110) cita uma passagem de Altusser:
A ideologia é bem um sistema de representações, mas estas
representações não têm, na maior parte do tempo, nada a ver
com a “consciência”: elas são da maior parte das vezes imagens,

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CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

às vezes conceitos, mas antes de tudo estruturas que se impõem à


maioria dos homens, sem passar por suas consciências.

O teórico defende que a ideologia são representações impostas ao homem


sem ele ter consciência delas. A linguagem é uma via por meio da qual se pode
depreender o funcionamento da ideologia.

Saiba mais

Para você ampliar o conceito de ideologia, leia o capítulo 1 do livro Intro-


dução à análise do discurso, de Helena Nagamine Brandão, publicado
pela editora UNICAMP. Nesse capítulo, a autora apresenta a visão de
Marx, Althusser e Ricouer sobre a ideologia.

Pêcheux, um dos precursores dos estudos discursivos na França, defende a


teoria de que não há um sujeito individual no discurso, mas há um ajustamento
dele à ideologia. A partir dos apontamentos de Pêcheux, Gregolin (2003, p. 27)
assevera que “o sujeito não é considerado como um ser individual, que produz
discursos com liberdade: ele tem a ilusão de ser o dono de seu discurso, mas é
apenas um efeito do ajustamento ideológico”.
Maingueneau citado por Brandão (2004, p. 17) aponta que, para o estudo
da linguagem segundo a AD, é necessário considerar as seguintes dimensões:
• o quadro das instituições em que o discurso é produzido, as
quais delimitam fortemente a enunciação;
• os embates históricos, sociais etc. que se cristalizam no discurso;
• o espaço próprio que cada discurso configura para si mesmo
no interior de um interdiscurso.

Dessa forma, não se deve estudar a linguagem apenas em relação ao


seu sistema interno, enquanto uma competência linguística específica, que
permite o sujeito compreender e produzir o discurso, mas também enquanto
formação ideológica, que se manifesta por meio da competência socioideoló-
gica (BRANDÃO, 2004).
Na sequência, veremos as principais linhas de estudo, teóricos e suas contri-
buições para a análise do discurso.

1.3 Análise do discurso: linhas e teóricos


Mussalim (2006) esclarece que não há apenas uma AD. A autora destaca
as linhas francesa e americana. Vejamos, no quadro a seguir, em que essas duas
linhas se diferenciam.

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CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Quadro – Diferenças entre duas linhas de estudo da AD.

Linha francesa Linha americana


Privilegia o contato com a História. Privilegia o contato com a Sociologia.
Interessa-se por enunciados com estruturas
Interessa-se por textos de arquivo, que
mais flexíveis, como, por exemplo, uma
emanam de instâncias institucionais.
conversa informal.
Um dos seus pilares é que os sujeitos são Um dos seus pilares é a análise da intenção
condicionados pela ideologia. dos sujeitos numa interação verbal.

Optamos por analisar a linha francesa. Para essa linha, os dois conceitos
básicos são ideologia e discurso. As vertentes que influenciaram a corrente fran-
cesa são, do lado da ideologia, os conceitos de Althusser e, do lado do discurso,
as ideias de Foucault. A partir dos trabalhos desses dois teóricos, Pêcheux se
tornou um dos principais estudiosos da AD (BRANDÃO, 2004).
Vejamos, nas próximas seções, as principais contribuições dos teóricos para
o desenvolvimento da AD.

1.3.1 O conceito de discurso em Foucault


As ideias de Foucault são fecundas visto que dão diretrizes para uma análise
do discurso. Brandão (2004, p. 37) destaca as seguintes contribuições do estu-
dioso para o estudo da linguagem:
• a concepção do discurso considerado como prática que
provém da formação dos saberes e a necessidade, sobre a
qual insiste obsessivamente, de sua articulação com outras
práticas não discursivas;
• o conceito de “formação discursiva”, cujos elementos constitu-
tivos são regidos por determinadas “regras de formação”;
• entre esses elementos constitutivos de uma formação discur-
siva, ressalta-se a distinção entre enunciação (que tem dife-
rentes formas de jogos enunciativos singulariza o discurso)
e o enunciado (que passa a funcionar como unidade linguís-
tica, abandonando-se, dessa forma, a noção de sentença ou
frase gramatical com essa função);
• a concepção de discurso como jogo estratégico e polêmico:
o discurso não pode mais ser analisado simplesmente sob
seu aspecto linguístico, mas como jogo estratégico de ação
e de reação, de pergunta e resposta, de dominação e de
esquiva e também de luta;
• o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam,
pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito
reconhecido institucionalmente. Esse discurso, que passa
por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é o
gerador de poder;

14  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

• a produção desse discurso gerador de poder é controlada,


selecionada, organizada e redistribuída por certos procedi-
mentos que têm por função eliminar toda e qualquer ameaça
à permanência desse poder.

Foram muitas as contribuições deixadas por Foucault à AD, como o conceito


de formação discursiva (apresentada no item 1.4.1), a distinção entre enun-
ciado e enunciação, a concepção de discurso como jogo estratégico, a visão de
discurso como articulação de saber e poder (“quem fala, fala de algum lugar,
a partir de um direito reconhecido institucionalmente” (FOUCAULT citado por
CARDOSO, 1999, p. 22)).
Para Foucault, enunciado é a unidade elementar do discurso. Ele tem uma
existência material, está aberto à repetição, à transformação e à reativação e
pertence a uma formação discursiva. O sujeito de um enunciado é um lugar deter-
minado e vazio que pode ser ocupado por indivíduos diferentes. Por exemplo,
“a mulher é um ser inferior” pertence à formação discursiva machista, pode ser
repetido por diferentes indivíduos, de diferentes regiões e classes sociais e de
diferentes formas, como “lugar de mulher é na cozinha” (CARDOSO, 1999).
Já a enunciação é singular e irrepetível (tem data e lugar determinado).
Portanto cada vez que o enunciado “a mulher é um ser inferior” é repetido pelo
mesmo sujeito ou por outros, trata-se de uma nova enunciação, ou seja, jamais
se repete, visto que cada espaço/situação tem uma função enunciativa dife-
rente. No entanto não podemos considerar a enunciação como ato individual,
pois, segundo Bakthin (1998), ela é “eminentemente social”. “Enuncia-se sempre
para alguém de um determinado lugar ou de uma determinada posição sócio-
histórica” (CARDOSO, 1999, p. 38).

Saiba mais

Sugerimos a leitura de O conceito de discurso em Foucault, exposto no


primeiro capítulo do livro Introdução à análise do discurso, de Helena Na-
gamine Brandão. Nesse subtítulo, você terá mais detalhes sobre as contri-
buições de Foucault para o desenvolvimento da AD.

1.3.2 Pêcheux: língua, discurso e ideologia


Pêcheux se apoiou criticamente em Saussure para construir a noção de
discurso. Constatou que a língua pensada como sistema deixou de ser enten-
dida como tendo a função de exprimir sentido; ela tornou-se um objeto do qual
uma ciência pôde descrever o funcionamento de algo. Também verificou que

unitins • letras • 6º PERÍODO  15


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

a oposição língua/fala não poderia se ocupar da problemática do discurso e


passou a refletir sobre a fala, polo da oposição menos estudado por Saussure
(CARDOSO, 1999).
Pêcheux concebem o discurso como uma instância inteiramente histórica
e social e demonstram que “a linguagem, enquanto discurso, não pode ser
compreendida como uma unidade significativa, mas como um efeito de sentido
entre os sujeitos que a utilizam” (MARTINS, 2004, s/p).
Segundo Brandão (2004, p. 38), Pêcheux desenvolveu um quadro epistemo-
lógico para a AD que abrange três áreas do conhecimento científico:
• o materialismo histórico como teoria das formações sociais e
suas transformações, aí compreendida a teoria das ideologias;
• a linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos
processos de enunciação,
• e a teoria do discurso, como teoria da determinação histórica
dos processos semânticos.

Essas três áreas englobam conceitos básicos de formação social, língua


e discurso. Baseando-se na teoria de Althusser sobre ideologia, Pêcheux deu
uma grande contribuição aos estudos linguísticos ao defender a ideia de que
a ideologia se materializa e atua nos sujeitos sociais, “fixando-os em posi-
ções-sujeito e dando-lhes, ao mesmo tempo, a ilusão de serem agentes livres.
Esses processos ocorrem em várias instituições como a família, a lei, a escola”
(MARTINS, 2004, s/p).
Para Pêcheux, o sujeito tem a ilusão de que é o criador absoluto do seu
discurso, a origem do sentido, de que o que ele diz tem apenas um significado
que será captado pelo seu interlocutor e de que sabe e controla tudo o que diz
(MARTINS, 2004).

Saiba mais

Sugerimos a leitura do artigo Linguagem, subjetividade e história: a contri-


buição de Michel Pêcheux para a constituição da análise do discurso, de
Antônio Carlos Soares Martins. Esse artigo está disponível no sítio <http://
www.unimontes.br/unimontescientifica/revistas/Anexos/artigos/revista_
v6_n1/15_artigos_linguagem.htm>. Nele, você lerá quais foram as contri-
buições de Pêcheux para a constituição da AD enquanto disciplina.

Depois de conhecermos as contribuições dos principais teóricos para a AD,


analisaremos alguns conceitos básicos para a compreensão da área da análise
do discurso.

16  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

1.4 Noções de AD: conceitos básicos


Neste tópico, analisaremos alguns conceitos que são importantes para a
compreensão da análise do discurso.

1.4.1 Formação discursiva


Foucault define o discurso como “um conjunto de enunciados que derivam de
uma mesma formação discursiva” (CARDOSO, 1999, p. 35). Os discursos são
concebidos pelo autor como “uma dispersão, isto é, como sendo formados por
elementos que não são ligados por nenhum princípio de unidade” (BRANDÃO,
2004, p. 32). Portanto o discurso pode ser entendido como uma família de enun-
ciados pertencentes a uma mesma formação discursiva (FD).
Cardoso (1999, p. 35) nos ensina que
Formações discursivas são as grandes unidades históricas que os
enunciados constituem. Ex.: a medicina, a gramática, a economia,
a política etc. São sistemas de dispersão de difícil demarcação.
Não são blocos fechados, estabilizados. As formações discur-
sivas são constituídas de práticas discursivas, que determinam os
objetos, as modalidades de enunciação dos sujeitos, os conceitos,
as teorias, as escolhas temáticas. A formação discursiva não é
a “essência” do discurso, não é a “estrutura profunda” ou seu
“sentido profundo”, mas é, ao mesmo tempo, um operador de
coesão semântica do discurso e um sistema comum de restrições
que pode investir-se nos universos textuais.

Chamamos a atenção para dois pontos destacados pela autora. Um deles é


que as FDs são unidades históricas de difícil demarcação, pois não são unidades
compactas e fechadas, por isso não podemos considerar as formações discur-
sivas como blocos homogêneos que funcionam automaticamente. Essa consta-
tação é bem explicada por Brandão (2004, p. 49):
[...] uma FD não é “uma única linguagem para todos” ou “para
cada um sua linguagem”, mas numa FD o que se tem é “várias
linguagens em uma única”. [...] Uma FD é, portanto, hetero-
gênea a ela própria: o fechamento de uma FD é fundamental-
mente instável, ela não consiste em um limite traçado de forma
definitiva, separando um exterior e um interior, mas se inscreve
entre diversas FDs como uma fronteira que se desloca em função
da luta ideológica.

Outro ponto destacado por Cardoso é que as FDs são constituídas a partir
das práticas discursivas, que são “um conjunto de regras anônimas, históricas,
sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada
época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguís-
tica, as condições do exercício da função enunciativa” (FOUCAULT citado por
CARDOSO, 1999, p. 23). Assim as formações discursivas determinam o que
pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em uma conjuntura dada

unitins • letras • 6º PERÍODO  17


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

(BRANDÃO, 2004; MUSSALIM, 2006). Por exemplo, “eu vos declaro casados”,
para ter validade, em nossa sociedade, não pode ser dito por qualquer sujeito.
Brandão (2004, p. 51) acrescenta que
Analisar o discurso é descrever os “sistemas de dispersão” dos
enunciados que o compõem através das “regras de formação”.
Se eles apresentam um sistema de dispersão semelhante, podendo
definir uma regularidade nas suas “formas de repartição”, pode-se
dizer que eles pertencem a uma mesma FD.

Para realizarmos análise do discurso, também precisamos considerar que o


sentido não está nas palavras, mas é determinado pelo contexto sócio-histórico
em que elas são produzidas. As palavras mudam de sentido segundo as posições
daqueles que as empregam. Por exemplo, a palavra terra não tem o mesmo signi-
ficado para um índio, para um agricultor sem terra e para um grande fazendeiro.
Os sentidos sempre são determinados ideologicamente. Tudo que dizemos tem
um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. “Portanto os sentidos
não estão predeterminados por propriedades da língua. Dependem de relações
constituídas nas/pelas formações discursivas” (ORLANDI, 2003, p. 44).

Reflita

“Dia ensolarado“ tem o mesmo sentido para um paulista e um nordestino?

1.4.2 Formação ideológica


Para a AD, o sentido é constituído a partir do contexto histórico-social, por
isso, ao realizarmos a análise de um texto, precisamos considerar as condições
em que ele foi produzido. Dessa forma, o contexto de enunciação “constitui
parte do sentido do discurso e não apenas um apêndice que pode ou não ser
considerado. Em outras palavras, pode-se dizer que, para a AD, os sentidos são
historicamente construídos” (MUSSALIM, 2006, p. 123).
Althusser citado por Mussalim (2006, p. 123) defende a teoria de que
[...] a classe dominante, para manter sua dominação, gera
mecanismos que perpetuam e reproduzem as condições mate-
riais, ideológicas e políticas de exploração, entre esses meca-
nismos, os aparelhos ideológicos do Estado. O discurso [...] é um
aparelho ideológico por meio do qual se dão os embates entre
posições diferenciadas.

A ideologia dominante é propagada por meio dos aparelhos ideoló-


gicos do Estado, por exemplo, discursos das igrejas e das escolas, com a

18  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

intenção de “mascarar” a realidade e dar continuidade à reprodução das


condições de dominação que sustenta a posição da classe dominante no
sistema capitalista.
A AD chama “os embates entre posições diferenciadas” de formação ideo-
lógica (FI). Haroche, Henry e Pêcheux citados por Mussalim (2006, p. 124)
expõem que
Falar-se-á em formação ideológica para caracterizar um elemento
(determinado aspecto da luta nos aparelhos) susceptível de intervir
como uma força confrontada com outras na conjuntura ideológica
característica de uma formação social em um momento dado;
cada formação ideológica constitui assim um conjunto complexo
de atitudes e de representações que não são nem “individuais”,
nem “universais” mas se relacionam mais ou menos diretamente
a posições de classe em conflito uma com as outras.

Assim uma FD comporta mais de uma posição capaz de se confrontar uma


com a outra. “Na verdade, numa formação ideológica, as forças não precisam
estar necessariamente em confronto; elas podem entreter entre si relações de
aliança ou também de dominação” (MUSSALIM, 2006, p. 125). Portanto a
formação discursiva é o lugar em que se articulam discurso e ideologia. Nesse
sentido, podemos afirmar que a FD é governada pela FI.

1.4.3 Heterogeneidade
Segundo Brandão (2003), para Authier-Revuz, a natureza da linguagem é
ser heterogênea. Em qualquer formação discursiva, há sempre a presença do
Outro, e é essa presença que confere ao discurso o caráter heterogêneo.
Mussalim (2006, p. 128) expõe três tipos de heterogeneidade mostrada,
ou seja, formas que acusam a presença do Outro no discurso propostos por
Authier-Revuz:
a) Aquela em que o locutor ou usa de suas próprias palavras
para traduzir o discurso de um Outro (discurso relatado) ou
então recorta as palavras do Outro e as cita (discurso direto);
b) Aquela em que o locutor assinala as palavras do Outro em
seu discurso, por meio, por exemplo, de aspas, de itálico,
de uma remissão a outro discurso, sem que o fio discursivo
seja interrompido;
c) Aquela em que a presença do Outro não é explicitamente
mostrada na frase, mas é mostrada no espaço do implícito,
do sugerido, como nos casos do discurso indireto livre, da
antífrase, da ironia, da imitação, da alusão.

Nas formas (a, b), a presença do Outro no discurso é mais evidente, por isso
Authier-Revuz as classifica como heterogeneidade mostrada marcada. Nesse tipo
de heterogeneidade, o locutor utiliza formas que marcam a presença do Outro,
como o discurso direto e/ou indireto, ou que incluem as palavras do Outro no

unitins • letras • 6º PERÍODO  19


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

seu discurso, sem que haja interrupção do fio discursivo, indicando-as por meio
do uso das aspas, do itálico, de uma entonação específica, de um comentário
ou de uma remissão a outro discurso (BRANDÃO, 2003).
Na forma (c), a presença do Outro no discurso é menos evidente e a iden-
tificação é mais complexa devido à sua voz se misturar com a voz do locutor e
não ser é explicitada por marcas no discurso. A esse tipo de heterogeneidade
Authier-Revuz classifica como heterogeneidade mostrada não-marcada. É o caso
do discurso indireto livre, da ironia, da alusão, da pressuposição, da imitação,
da reminiscência, “em que se joga com o outro discurso não mais no nível da
transparência, do explicitamente mostrado ou dito, mas no espaço do implícito,
do semidesvelado, do sugerido” (BRANDÃO, 2003, p. 9).

Saiba mais

O livro Discurso e ensino, de Silvia Helena Cardoso, apresenta análise de


vários exemplos de heterogeneidade mostrada. Leia-o para ampliar seu
conhecimento a respeito de heterogeneidade.

Reflita

A partir da leitura da obra indicada, analise de que forma a heteroge-


neidade mostrada se apresenta no seguinte trecho de Vidas secas, de
Graciliano Ramos.
“Estirou as pernas, encostou as carnes doídas ao muro. Se lhe tivessem
dado tempo, ele teria explicado tudo direito. Mas pegado de surpresa,
embatucara. Quem não ficaria azuretado com semelhante despropósito?”

1.4.4 Interdiscurso
Courtine e Marandim citados por Brandão (2004, p. 91) afirmam que
O interdiscurso consiste em um processo de reconfiguração
incessante no qual uma formação discursiva é conduzida [...]
a incorporar elementos preconstruídos produzidos no exterior
dela própria; a produzir sua redefinição e seu retorno, a suscitar
igualmente a lembrança de seus próprios elementos, a organizar
a sua repetição, mas também a provocar eventualmente seu
apagamento, o esquecimento ou mesmo a degeneração.

20  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Como em qualquer formação discursiva, há sempre a presença do Outro,


que confere ao discurso o caráter heterogêneo, segundo Maingueneau citado
por Cardoso (1999), há o primado do interdiscurso sobre o discurso.
Nesse sentido, um discurso jamais “seria autônomo: como ele remete sempre
a outros discursos, suas condições de possibilidades semânticas se concretizariam
num espaço de trocas, mas jamais enquanto identidade fechada” (BRANDÃO,
2004, p. 91).
Os diversos discursos que encontram em uma FD não se constituem indepen-
dentemente uns dos outros para serem, em seguida, postos em relação, mas se
formam de maneira regulada no interior de um interdiscurso (MUSSALIM, 2006).

Saiba mais

Para ampliar os conceitos básicos da AD expostos aqui, leia o artigo Aná-


lise do discurso: um itinerário histórico, de Helena Nagamine Brandão,
pesquisadora da USP. A autora reconstrói a tendência de estudos da análi-
se do discurso de linha francesa. O artigo está disponível no sítio <http://
www.fflch.usp.br/dlcv/lport/pdf/brand005.pdf>.
Outra dica para aprofundar os conceitos básicos da AD, é a análise da
crônica Um só seu filho, apresentada por Fernanda Mussalim, no capítulo
4 (item 3) do livro Introdução à linguística.

Abordamos, neste capítulo, o que julgamos ser fundamental para o primeiro


contato com a análise do discurso. Você aprendeu que a AD nasceu da necessidade
de superar a teoria de uma linguística frasal, que não dava conta do texto em sua
complexidade. A análise do discurso voltou-se para o “exterior” linguístico para apre-
ender como, no discurso, se inscrevem as condições sócio-históricas de produção.
No próximo capítulo, estudaremos sobre Bakhtin. Esse teórico russo é muito
importante para a compreensão dos estudos linguísticos atuais. A partir dele a
comunicação foi entendida não como uma construção individual, mas situada
em um contexto sociocultural. A pedra angular de sua teoria é o dialogismo.

Referências
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 9. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
BRANDÃO, H. H. N. Análise do discurso: um itinerário histórico. In: PEREIRA,
H. B. C.; ATIK, M. Luiza G. (Org.). Língua, literatura e cultura em diálogo. São

unitins • letras • 6º PERÍODO  21


CAPÍTULO 1 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Paulo: Mackenzie, 2003. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/


pdf/brand005.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2010.
______. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2004.
CARDOSO, S. H. B. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
FRASSON, C. B. Análise do discurso: considerações básicas. [s/d]. Disponível
em: <http://www.fucamp.com.br/nova/revista/revista0612.pdf>. Acesso em:
4 abr. 2010.
GREGOLIN, M. Análise do discurso: lugar de enfrentamentos teóricos. In:
FERNANDES, C. A.; SANTOS, J. B. C. dos (Org.). Teorias linguísticas: proble-
máticas contemporâneas. Uberlândia: EDUFU, 2003.
MARTINS, A. C. S. Linguagem, subjetividade e história: a contribuição de Michel
Pêcheux para a constituição da análise do discurso. Unimontes Científica, v. 6,
n. 1, jan./jun., 2004. Disponível em: <http://www.unimontes.br/unimontes-
cientifica/revistas/Anexos/artigos/revista_v6_n1/15_artigos_linguagem.htm>.
Acesso em: 4 abr. 2010.
MUSSALIM, F. Análise do discurso. In: ______; BENTES, A. C. (Org.) Introdução
à linguística: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. v. 2.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 5. ed. Campinas:
Pontes, 2003.
ROBINS, R. H. Pequena história da Linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1983.

Anotações

22  6º PERÍODO • letras • unitins


2
CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Bakhtin: teorias do discurso,


dialogismo e polifonia

Introdução
Neste capítulo, estudaremos algumas das teorias defendidas por Mikhail
Bakhtin, que foi um dos mais importantes teóricos do século passado. Estudou,
pesquisou e escreveu sobre literatura, linguagem etc. Em toda a sua produção,
percebemos o espírito de um homem inquieto diante da complexidade da
comunicação humana.
Conhecido como o teórico do diálogo, viveu em uma época conturbada.
Publicou Freudismo (1927), O método formal nos estudos literários (1928)
e Marxismo e filosofia da linguagem (1929), considerada como sua obra
mais relevante.
Seu reconhecimento veio mais tarde, na década de 1970. Em 1929, foi
condenado ao exílio interno no Cazaquistão acusado de envolvimento em
atividades ilegais ligadas à Igreja Ortodoxa, o que nunca foi confirmado.
Enfrentou doenças que comprometeram a sua qualidade de vida. Seu espírito
inquieto produziu teorias que até hoje são estudas, desvendadas, discutidas e
atualizadas servindo a cada vez mais campos de estudos.
Neste capítulo, estudaremos um pouco sobre esse teórico e algumas de
suas teorias.
Esperamos que ao final deste capítulo, você compreenda as principais
teorias de Bakhtin, os aspectos de sua vida, o dialogismo, a polifonia e a
intertextualidade.

2.1 Mikhail Bakhtin: vida e obra


Mikhail Bakhtin, filósofo russo, nascido em Oriol, ao sul de Moscou, escreveu
sobre teoria literária, crítica literária, semiótica, análise do discurso. Suas obras
datam de meados dos anos 1920, porém sua notoriedade científica foi reconhe-
cida por volta das décadas de 1970 e 1980. Hoje, é uma referência importante
nos estudos do campo da linguagem.
Seu entendimento de “língua” ultrapassa a visão de língua enquanto sistema,
interpretação sustentada pela tradição da linguística estruturalista, especialmente
ancorada nas teses defendidas por Ferdinand de Saussure.

unitins • letras • 6º PERÍODO  23


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Saiba mais

Um texto para iniciar seus estudos sobre as teorias bakhtinianas é o livro


organizado pelos professores Diana Luz Pessoa de Barros e José Luiz Fiorin,
Dialogismo, polifonia e intertextualidade: em torno de Bakhtin.
Essa obra trata de temas relevantes da teoria de Bakhtin contextualizan-
do-os em textos e situações concretas.

Segundo Brait (1997, p. 155), Bakhtin “tem em mira uma terceira via de
enfrentamento das questões de linguagem, que não se restringiria à formação
abstrata e nem às especificidades dos talentos individuais”. A compreensão
ampla da natureza da linguagem está entre essas duas orientações, ou melhor,
ela está para além delas.
Bakhtin se interessa pelo real e concreto ocorrente na contradição de classes.
Vê o homem como um ser histórico, cultural e que a sua produção social resulta
necessariamente em cultura.
Bakhtin considera que a língua não pode e não deve ser compreendida
isoladamente, mas permeada por suas relações com a sociedade, ou seja, pelos
fatores “extralinguísticos”. Bakhtin (1999) supera as visões dicotômicas dos
teóricos e propõe a interação verbal como base de sua teoria.
Para o teórico russo, a língua deveria ser estudada a partir das suas rela-
ções com os momentos de produção, com os interlocutores, os contextos que
envolvem a fala, o momento histórico-social. Entendia que o homem é um ser
histórico e produtor de um conjunto de relações sociais. Bakhtin (2006, p. 248),
afirma que
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que
sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de
surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão
variados como as próprias esferas da atividade humana [...] O
enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de
cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e
por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos
da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas
também, e, sobretudo, por sua construção composicional.

A forma linguística, para Bakhtin (1999, p. 95), se apresenta por meio das
“enunciações precisas, o que implica sempre um contexto ideológico preciso
[...]. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideo-
lógico ou vivencial”. A substância da língua se mostra como sendo o fenômeno
da interação verbal realizada por meio dos enunciados ou das enunciações
(BAKHTIN, 2002).

24  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Revelando sua preferência pelas relações de diferença e alteridade, Bakhtin


entende a linguagem como uma imagem criada pelo ponto de vista de outra
linguagem, pelo outro. Esse alheio ao que é seu passa a ser significativo e essen-
cial para a produção do discurso.
Apresenta conceitos como heteroglossia e dialogismo. Postula que todo
gênero discursivo é dialógico.
Entende que ele se estabelece mesmo entre produções monológicas, ou
seja, há uma relação dialógica mesmo nos casos em que as vozes não se
deixam transparecer.
Segundo Stam (2000, p. 12), Bakhtin enfatizou a heterogeneidade da
parole, pois ele “vê a linguagem não só como um sistema abstrato, mas também
como uma criação, parte de um diálogo cumulativo entre o ‘eu’ e o outro, entre
muitos ‘eus’ e muitos ‘outros’”.
Outra questão à qual Bakhtin se dedicou foi a questão dos gêneros discur-
sivos. Em Estética da criação verbal, Bakhtin (2006) reservou um capítulo inteiro
para apresentar suas concepções sobre eles.

Saiba mais

Uma sugestão de leitura para aprofundamento de seus estudos sobre gêne-


ros discursivos é o texto Gêneros discursivos e o ensino de linguagem, de
Neilton Farias Lins. O texto está disponível no sítio <http://www.diaadia-
educacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_te-
ses/LinguaEspanhola/artigos/art_neilton.pdf>. Com base na análise da
conversação, esse artigo tem como objetivo propor uma reflexão sobre a
contribuição dos gêneros discursivos no ensino de língua materna.

Os gêneros discursivos, numa perspectiva bakhtiniana, podem ser compre-


endidos como construtos sociais, pelos quais organizamos nossas ideias, nossas
falas cotidianas, nosso modo de pensar, o modo como nos posicionamos diante
das atividades e das funções sociais que exercemos. Os gêneros discursivos
caracterizam-se, portanto, por meio de suas funções comunicativas. Bakhtin
(2006, p. 262) expõe que
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infi-
nitas por que são inesgotáveis as possibilidades da multiforme
atividade humana e porque em cada campo dessa atividade
é integral o repertório de gênero do discurso, que cresce e
diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um
determinado campo.

unitins • letras • 6º PERÍODO  25


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Os gêneros discursivos, para Bakhtin, são as formas pelas quais represen-


tamos o nosso ser/estar no mundo cotidiano. Por serem diversas as atividades
sociais que nos cercam e que exigem de nós uma forma de representação comu-
nicativa, os gêneros discursivos são variados. Apresentam-se tão diversificados
quanto são diversificadas as nossas funções sociais e comunicativas.
Todas as nossas produções orais ou escritas se baseiam em formas padrões
relativamente estáveis de estruturação. Longe de serem naturais ou resultado
da ação de um indivíduo, essas práticas comunicativas são modeladas/remo-
deladas em processos interacionais dos quais participam os sujeitos de uma
determinada cultura.
Ao aprofundar seus estudos sobre gênero, Bakhtin explicou que, pela grande
gama de funções comunicativas que nos cercam e, consequentemente, pela
grande variedade de gêneros que existem, uma forma de organizar o entendi-
mento sobre os gêneros seria observar seus aspectos composicionais. O que nos
revelaria a existência de dois grandes grupos de gêneros discursivos: os gêneros
primários e os secundários.
Os primários são marcados pelas experiências cotidianas de comunicação
imediata, como o diálogo, os relatos. Já os gêneros discursivos complexos,
secundários incorporam em sua constituição os gêneros discursivos primários,
tidos como simples, como o romance, o teatro.
Ao se configurarem como gêneros secundários (complexos), absorvem e
modificam os gêneros primários, fazendo-os perder “o vínculo imediato com a
realidade concreta e os enunciados reais alheios” (Bakhtin, 2006, p. 263).
“Na perspectiva bakhtiniana o que justifica o rótulo primário ou secundário não
é a modalidade da língua usada, mas a esfera a que se vincula o gênero”
(MARCUSCHI; XAVIER, 2005, p. 93).
Marcuschi e Xavier (2005, p. 93) relacionam a expressão “domínio discur-
sivo” às noções de “esfera” e de “atividade humana”. Para esses teóricos,
Isso significa que os discursos, que surgem de uma esfera,
trazem, inevitavelmente, as marcas e as finalidades do domínio
do qual procedeu. Esta reflexão remonta a Bakhtin que afirma
que cada esfera elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, sendo isso o que [o autor denomina de] gêneros
do discurso.

Desse modo, segundo Brait (1997, p.154), “nossa fala é modulada pelos
gêneros discursivos, pois todas as enunciações de nosso discurso-fala reve-lam
escolhas particulares de formas construídas dentro de um todo, que são
as enunciações”.
Os gêneros discursivos têm a capacidade de acionar as diversas esferas
de enunciação, são, portanto, depositários de uma dada cultura. Podem ser
entendidos como formas de representação do mundo, ou de diversos entendi-

26  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

mentos e visões de mundo de épocas históricas. Colaborando com essa visão,


a ideia de gênero é apresentada por Brait (1997, p. 156) como “rede discur-
siva em expansão”.
Em termos bakhtinianos, um gênero é caracterizado da seguinte forma:
• são tipos relativamente estáveis de enunciados presentes em cada
esfera de troca: os gêneros têm uma forma de composição, um plano
composicional;
• além do plano composicional, os gêneros distinguem-se pelo conteúdo
temático e pelo estilo:
[...] está indissociavelmente vinculado a determinadas unidades
temáticas e, o que é mais importante, a determinadas unidades
composicionais: tipos de estruturação e conclusão de um todo,
tipo de relação entre locutor e outros parceiros da comunicação
verbal (relação com o ouvinte, ou com o leitor, com o interlocutor,
com o discurso do outro, etc.) (BAKHTIN, 2006, p. 284);

• são entidades escolhidas de acordo com as diversas práticas sociais,


tendo em vista as esferas de necessidade temática, o conjunto de parti-
cipantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor.
Segundo Koch e Elias (2009, p. 61), “a escolha do gênero se dá sempre em
função dos parâmetros da situação que guiam a ação e estabelecem a relação
meio-fim, que é a estrutura básica de toda atividade mediada”.
No próximo tópico, falaremos sobre a polifonia.

2.2 Polifonia
O dialogismo manifesta-se a partir da polifonia e da heterogeneidade,
presentes nos diversos gêneros discursivos e na intertextualidade, que é,
segundo Barros e Fiorin (2003, p. 4), “antes de tudo, intertextualidade ‘interno’
das vozes que falam e polemizam no texto, nele produzindo o diálogo com
outros textos”.
A polifonia também é um dos conceitos apresentados na teoria bakhtiniana
e emerge do conceito de dialogismo. É o entrecruzamento de diversas vozes
que se instauram no enunciado. Barros e Fiorin (2003, p. 6) mencionam que
Os textos são dialógicos porque resultam do embate de muitas
vozes sociais; podem, no entanto, produzir efeitos de polifonia,
quando essas vozes ou algumas delas deixam-se escutar, ou de
monofonia, quando o diálogo é mascarado, e apenas uma voz
faz-se ouvir.

O dialogismo é concebido como espaço interacional entre o “eu” e o “tu”


entre o eu e o outro, no texto. Desse modo, a existência do outro é essencial para
a construção do sentido. Não há nenhuma palavra originalmente nossa, pois
sempre traz em si a perspectiva de outra voz.

unitins • letras • 6º PERÍODO  27


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

A polifonia é compreendida como a presença de vários sujeitos que se


apresentam ideologicamente no discurso. O discurso nunca é autônomo, ele é a
construção de várias vozes que se entrecruzam no tempo e no espaço.
Segundo Todorov citado por Barros e Fiorin (2003, p. 41), foi o encontro
com a obra de Dostoievski que permitiu a Bakhtin elaborar a noção de polifonia.
Bakhtin (1981, p. 2) explica que,
Dentro do pleno artístico de Dostoievski, suas personagens princi-
pais são, em realidade, não apenas objetos do discurso do autor,
mas os próprios sujeitos desse discurso diretamente significante.
[...] A consciência do herói é dada como a outra, a consciência
do outro, mas ao mesmo tempo não se objetifica, não se fecha,
não se torna mero objeto da consciência do autor.

Não é possível pensarmos que um texto nasce do nada, ou seja, ele não
tem no emissor o seu único e absoluto início. Assim, se todo texto é um intertexto,
todo intertexto, também, pode ser considerado como um texto. Essa reunião de
textos que se entrecruzam pode revelar a existência de múltiplas vozes, propor-
cionando que a polifonia do texto se manifeste.
A polifonia é a resultante da ideia de que
Tudo que é dito, tudo que é expresso por um falante, por um enun-
ciador, não pertence só a ele. Em todo discurso são percebidas
vozes, às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impes-
soais, quase imperceptíveis assim como as vozes próximas que
ecoam simultaneamente no momento da fala (BARROS; FIORIN,
2003, p. 14).

Assim o meu discurso é não meu, mas é do outro que anteriormente usou
a palavra. Em certo sentido, o ato comunicativo é como um rio que dialoga
com outros rios anteriores e posteriores a ele. As vozes ecoam infinitamente nos
discursos. Mas como se dá esse diálogo? Esse é o assunto do próximo tópico.

2.3 Dialogismo
Bakhtin defende o dialogismo como sendo o princípio constitutivo da
linguagem. A partir desse princípio as trajetórias dos discursos são traçadas em
busca de sentido. Bakhtin (2006, p. 404) assevera que
O texto só vive em contato com outro texto (contexto). Somente
em um ponto de contato é que surge a luz que aclara para
trás e para frente, fazendo com que o texto participe de um
diálogo. [...] Por trás desse contato, há o contato de pessoas e
não de coisas.

A relação estabelecida entre os sujeitos, em um processo de interatividade,


é que revela a dialogicidade da linguagem. A teoria da informação, emba-
sada nos postulados da matemática e da estatística e sustentada por teórico
como Roman Jakobson, entendia a comunicação com base em um sistema que

28  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

envolvia emissor (eu), o receptor (tu) e a mensagem. Contrárias a essa epistemo-


logia, as teorias bakhtinianas entendem o dialogismo como entrelaçamento de
sujeitos sociais, históricos e culturais.
Fiorin (2008, p. 17) expõe que
Há três eixos básicos do pensamento bakhtiniano: unicidade do
ser e do evento; relação eu/outro; dimensão axiológica. São
essas coordenadas que estarão na base da concepção dialógica
da linguagem.

Essa unicidade do evento defendido por Bakhtin está relacionada com o fato
de que não são as unidades da língua que são dialógicas, mas os enunciados.
As enunciações são irrepetíveis e, sendo únicas, apresentam acento, entonação
e apreciação única. Diferentemente das unidades da língua, que são neutras, as
enunciações carregam emoções, juízos de valores e têm uma autoria e, por isso,
revelam a posição de seu enunciador.
O enunciado é, portanto, dialógico e se constitui a partir de outro enun-
ciado. Há nele ao menos duas vozes: a sua própria e aquela em oposição “a
qual se constrói. Para Fiorin (2008, p. 21), “o enunciado é a réplica de um
diálogo, pois cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é
participar de um diálogo com outros discursos”.
As relações dialógicas, manifestadas nos enunciados, podem ser contratuais
ou polêmicas, de convergência ou divergência. A relação contratual com outro
enunciado e a adesão ou não a ele evidenciam que o enunciado é sempre o
espaço para as contradições, para a luta entre vozes sociais.
Segundo Barros e Fiorin (2003, p. 2), Bakhtin defende que
Só se pode entender o dialogismo interacional pelo deslocamento
do conceito de sujeito. O sujeito perde o papel de centro, é subs-
tituído por diferentes (ainda que duas) vozes sociais que fazem
dele um sujeito histórico e ideológico.

Nessa nova forma de ver a comunicação, Bakhtin postula que ela trans-
cende a esfera do linguístico e se carrega de caráter histórico e cultural. Em sua
teoria, o sujeito é concreto e participa ativamente da produção social da vida e
como tal da cultura.
Como teórico de orientação claramente comprometida com os postulados
marxistas, Bakhtin vê a palavra como signo ideológico, como produção que
“reflete e refrata” uma arena de lutas. Os interesses e os confrontos percebidos
no conjunto da sociedade de classes também emergem na linguagem. Tais
concepções teóricas reafirmam e evidenciam o caráter crítico de Bakhtin.
Bakhtin vivenciou um contexto social e histórico bastante rico, fez parte de
uma época de efervescência tanto no campo das teorias, como na política inter-
nacional e na economia mundial. Viveu no momento histórico em que se firmava

unitins • letras • 6º PERÍODO  29


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

o pensamento pós-estruturalista e que eram estabelecidas as bases da teoria


crítica, que apresentava pressupostos marxistas para formular explicações para
o funcionamento da sociedade e da formação de classes.
Como Bakthin se encarregou de afirmar os domínios da ciência que ainda
estavam centrados nas bases da ciência clássica, mecanicista, para ele, o posi-
tivismo empirista não reconhecia as relações dialéticas que interferiam e modifi-
cavam a linguagem. Bakhtin (1986, p. 25) evidencia que
Todos os domínios da ciência das ideologias acham-se, atual-
mente, ainda dominados pela categoria da causalidade mecani-
cista. Além disso, persiste ainda a concepção positivista do empi-
rismo, que se inclina diante do “fato” [linguagem] entendido não
dialeticamente, mas algo intangível e imutável.

A teoria bakhtiniana, em consonância com sua época, revela afinidade com


duas teorias que mudaram o curso da ciência no mundo: a teoria de Heisenberg
e a teoria de Einstein. A primeira, conhecida como o princípio da incerteza,
defendida por Heisenberg a partir da mecânica quântica, restringiu a precisão
das observações realizadas pela ciência. A segunda teoria, conhecida como a
teoria da relatividade, sustenta a tese de que, a partir de dois referenciais de
observação distintos, o mesmo objeto pode ser observado de diferentes formas
levando a resultados distintos e plausíveis.
Bakhtin buscou alcançar um espaço de discussão que oferecia alternativa
que era contrária ao autoritarismo e à dominação da ciência. Suas convicções
se apresentam, ainda hoje, como atuais, em especial no que se refere à perspec-
tiva da comunicação midiatizada.
Bakhtin (1986, p. 123) diz que
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal.

Sabemos que o relevante é a natureza viva e concreta da comunicação,


portanto não é o sistema linguístico, mas a enunciação, acontecimento único
constituída pelo dialogismo. O enunciador é considerado como um respondente,
interpelado a dar respostas, pois ele não é o primeiro a usar a palavra, ele
dialoga com o mundo anterior a ele, não é o que rompe pela primeira vez o
silêncio do mundo, sua fala pressupõe o sistema da língua e outros enunciados
produzidos por ele mesmo e por outros.
O sujeito deixa de ser o centro da interlocução e passa a estar não mais no
eu nem no tu, mas no espaço criado entre ambos. O sujeito social multiplica-se
no outro em suas inter-relações, ele se divide e passa a “ser no outro”.
É no encontro com o diferente que o eu se constitui como sujeito. Desse
modo, Paulo Freire “dialoga” com Bakhtin, pois defende que o diálogo é uma

30  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

exigência para a existência do homem. Tal pensamento norteou suas teorias


sobre a educação e sobre o modo como os homens aprendem. Para Freire (1987,
p. 79), “ninguém educa a ninguém, ninguém tampouco se educa sozinho, os
homens e as mulheres se educam entre si, midiatizados pelo mundo”.
Tal como a polifonia, a intertextualidade é um dos fenômenos de linguagem
estudado por Bakhtin. É sobre as relações intertextuais que conversaremos no
próximo item.

2.4 Intertextualidade
A intertextualidade é o diálogo estabelecido entre os muitos textos da cultura.
Para Bakhtin, a primeira condição da intertextualidade é que as obras se deem
por inacabadas, isto é, permitam e peçam para ser prosseguidas e admitam o
diálogo com outros textos. A intertextualidade estende o dialogismo às várias
expressões artísticas e, evidentemente, à literatura.
As relações intertextuais são realizadas por meio “do processo de incorpo-
ração de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja
para transformá-lo. Há de haver três processos de intertextualidade: a citação, a
alusão e a estilização” (BARROS; FIORIN, 2003, p. 30).
A citação consiste em mencionar, direta ou indiretamente, parte de outro
texto, que poderá confirmar o sentido proposto ou polemizar-se com ele. A
alusão é a reprodução das construções sintáticas de um texto. Nesse processo,
certas figuras são substituídas por outras e todas mantêm relações de sinonímia
entre si e com o tema. A estilização é a reprodução do conjunto dos procedi-
mentos de estilística utilizados por outro autor. Conforme Denis Bertrand citado
por Barros e Fiorin (2003, p. 31), estilo é “o conjunto das recorrências formais,
tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo (manifestado, é claro)
que produz um efeito de sentido de individualização”.
A partir dos processos de citação, como alusão e estilização, criamos uma
rede de muitos diálogos que se cruzam em um dado espaço e colaboramos para
a constituição de um mosaico composto por múltiplos discursos que são absor-
vidos e transformam-se em outras produções.
A intertextualidade “é o diálogo entre os muitos textos da cultura, que se instala
no interior de cada texto e o define” (BARROS; FIORIN, 2003, p. 4). É possível de
ocorrer tanto na superfície do texto, quanto na profundidade das relações implícitas
do texto com seu universo cultural e, consequentemente, com outras obras.
A intertextualidade não é uma dimensão secundária, como afirma Barros e
Fiorin (2003, p. 4), é “dimensão derivada” ela é a dimensão primeira da qual
o texto deriva.
A intertextualidade na obra de Bakhtin é, antes de tudo, a inter-
textualidade “interna” das vozes que falam e polemizam no texto,

unitins • letras • 6º PERÍODO  31


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

nele produzindo diálogo com outros textos. [...] A intertextuali-


dade é o processo de incorporação de um texto em outro texto,
seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-
lo (BARROS; FIORIN, 2003, p. 430).

Um texto, por mais original que possa parecer, traz, em sua essência, diversos
outros textos. O diálogo constante entre os diversos textos permite que eles se
tornem cada vez mais complexos e mais heterogêneos e que se verifiquem, nas
produções culturais, vários conflitos entre os discursos apresentados.
Por fim, Julia Kristeva (1968, p.45) define intertextualidade como
[...] uma interação textual que se produz no interior de um só
texto e que permite entender as diferentes sequências ou códigos
de uma estrutura textual precisa, como também de transformações
de sequências ou de códigos tomados de outros textos. Para o
leitor, que é sujeito cognoscente, a intertextualidade é uma noção
que se tornará índice da maneira de como um texto lê a história
e se insere nela.

O intertexto é, portanto, a percepção, por parte do leitor, das relações entre


uma obra e todas as outras obras que a precederam ou que se seguirão e que
com ela dialogam direta ou indiretamente.
Podemos afirmar, por fim, que a teoria da enunciação, formulada por
Bakhtin, explica os significados dos enunciados produzidos pelas falas dos indi-
víduos de uma determinada língua, levando em consideração não só o sentido
desses enunciados como também suas condições de produção.
No próximo capítulo, discutiremos sobre a linguística da enunciação e as
contribuições de Benveniste para o desenvolvimento dos estudos linguísticos.

Reflita

Você estudou algumas teorias defendidas por Bakhtin, porém não houve um
momento em que pudesse verificar sua aplicação prática. Agora veremos
como essas concepções podem contribuir para o desenvolvimento de suas
atividades. Imaginemos que estamos em uma aula de Literatura para o en-
sino médio e precisamos apresentar aos nossos alunos textos que dialogam
entre si. Uma possibilidade seria trabalhar o texto de Adélia Prado, Com
licença poética, 1976, em contraposição com o texto de Carlos Drummond
de Andrade, Poema de Sete Faces, de 1930. Vejamos os dois poemas.
Poema de sete faces (Carlos Drummond Andrade)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.

32  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

A tarde talvez fosse azul,


não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
[...]

Com licença poética (Adélia Prado)


Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
[...]
De que forma você poderia contribuir para que seus alunos percebessem
o diálogo entre os dois textos, a condição existencial apresentada neles
e a identificação de cada um deles diante de seu contexto sociocultural?
Como a proximidade entre os versos, por meio do paralelismo, reforça
esse diálogo?

Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
______. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1981.
______. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec
Annablume, 2002.
BARROS, D. L. P. de; FIORIN, J. L. (Org.). Dialogismo, polifonia, intertextuali-
dade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 2003.
BRAIT, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas:
UNICAMP, 1997.
FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Baktin. São Paulo: Ática, 2008.

unitins • letras • 6º PERÍODO  33


CAPÍTULO 2 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 46. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
KRISTEVA, J. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1968.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São
Paulo: Contexto, 2009.
MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. Hipertexto e gêneros digitais. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2005.
STAM, R. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. São Paulo: 2000.

Anotações





34  6º PERÍODO • letras • unitins


3
CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Linguística da enunciação

Introdução
Estudamos no capítulo 1, que na década de 1950, houve uma tentativa
para superar a linguística da língua. A noção de enunciação foi a principal
tentativa para ultrapassar os limites dessa linguística.
A concepção de língua como sistema ou estrutura impedia todo o processo
de significação e de mudança linguística. Faltava à linguística um dispositivo que
colocasse a língua em processo. A enunciação respondeu à busca de promover
a abertura e a mobilidade do sistema linguístico.
Na linguística da enunciação, a linguagem deixa de ser considerada apenas
como instrumento externo de comunicação e transmissão de informação para ser
vista como uma atividade entre os protagonistas do discurso. Teve o grande
mérito de tirar a linguagem da clausura do sistema. A enunciação fica, porém,
na perspectiva de Benveniste, circunscrita ao espaço do subjetivo e do individual
de colocar a língua em funcionamento, ou de transformá-la em discurso, que,
nesse sentido, acaba sendo concebido como um “produto subjetivo e indivi-
dual”, ficando muito próximo do conceito de Saussure. Essa dimensão individual
e subjetiva atribuída ao discurso foi contestada pela análise do discurso, pois,
na AD, o discurso é concebido como sócio-histórico.
Neste capítulo, você estudará sobre as principais contribuições de Benveniste
para a linguística da enunciação: natureza dos pronomes, concepção de subjeti-
vidade e noção de dêixis.
Para que você não tenha dificuldade para compreender esse conteúdo,
é interessante que retome o capítulo 1. Nele você estudou as concepções da
análise do discurso que são importantes para contrastar com os pontos de vista
da linguística da enunciação.

3.1 Linguística da enunciação: noções gerais


A linguística da enunciação teve como precursores no Ocidente Jakobson
e Benveniste. Incluiu no objeto da linguística questões como subjetividade, refe-
rência, dêixis, contexto, modalização. Estuda as marcas do sujeito no enunciado
e não o próprio sujeito, ou seja, supõe um sujeito, mas não faz teoria sobre ele,
pois seu interesse é propriamente o sentido (FLORES; TEIXEIRA, 2005).

unitins • letras • 6º PERÍODO  35


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Saiba mais

Para você conhecer um pouco da teoria de Jakobson, sugerimos a leitura


do artigo Roman Jakobson e o discurso da revista Veja em xeque, dis-
ponível no sítio <http://www.jorwiki.usp.br/gdnot07/index.php/Roman_
Jakobson_e_o_discurso_da_Revista_Veja_em_xeque>. Nesse artigo, você
verá uma análise do discurso da revista Veja a partir da teoria linguística
de Roman Jakobson.

Benveniste talvez tenha sido o primeiro linguista, a partir de Saussure, a


desenvolver um modelo de análise da língua especificamente voltado à enun-
ciação. Ele é considerado um dos maiores linguistas dessa área.
Flores e Teixeira (2005, p. 30) informam que
[...] de um lado Benveniste mantém-se fiel ao pensamento de
Saussure – na justa medida em que conserva concepções caras
ao saussurianismo, tais como estrutura, relação, signo –, por outro
apresenta meios de tratar da enunciação ou, como ele mesmo
diria, do homem na língua. Esta é a inovação de seu pensamento:
supor sujeito e estrutura articulados.

Benveniste é um estruturalista porque sua semântica é pautada nos princí-


pios estruturais, mas não quer dizer que ele seja um continuador stricto sensu de
Saussure. Ao contrário, a teoria da enunciação é responsável por instaurar um
pensamento diferenciado sobre a linguagem (FLORES; TEIXEIRA, 2005).

Benveniste era extremamente culto, foi aluno do maior discípulo de Saussure,


Antoine Meillet.

Benveniste, diferentemente de Saussure, vê a língua como essencialmente


social, concebida no consenso coletivo. Para o Benveniste (1995, p. 63),
“somente a língua torna possível a sociedade. A língua constitui o que mantém
juntos os homens, o fundamento de todas as relações que por seu turno funda-
mentam a sociedade”. Saussure concebia a língua como
[...] um código fechado em si mesmo, estruturado por signos. A
forma como Benveniste pensa a língua advém do seu entendi-
mento de signo. Considerando sua forma de significação, propõe
dois planos de sentido: o semiótico e o semântico. No primeiro,

36  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

que confere com o pensamento de Saussure, está o signo signi-


ficando no sistema e, no segundo, há a expressão do sentido
resultante da relação do signo com o contexto, ou seja, o modo
de significar do enunciado (discurso). Para o autor, essa forma
de significar é a língua como trabalho social. Assim, Benveniste
vê a língua no seio da sociedade e da cultura porque, para ele,
o social é da natureza do homem e da [natureza] da língua
(WERNER, s/d, s/p).

A partir dessa compreensão sobre língua, Benveniste critica a teoria que


considera a linguagem como de instrumento de comunicação do homem: “falar
de instrumento, é pôr em oposição o homem e a natureza”. Para ele, não se
pode considerar a linguagem e o indivíduo dessa forma porque “não atingimos
nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca a inventando”. A
linguagem dá ao indivíduo o status de sujeito, pois “é um homem falando que
encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem
ensina a própria definição do homem” (BENVENISTE, 1995, p. 85). Portanto é
na linguagem que o indivíduo se constitui como falante e como sujeito.
Categoria de pessoa, conceitos de intersubjetividade e enunciação são a
base da teoria de Benveniste. No próximo tópico, conversaremos sobre a cate-
goria de pessoa.

3.2 A natureza dos pronomes


No texto A natureza dos pronomes, Benveniste separa os signos perten-
centes à sintaxe da língua daqueles que são relativos às instâncias do discurso
(FLORES; TEIXEIRA, 2005).
Geralmente consideramos as formas linguísticas dos pronomes como sendo
de uma mesma classe (pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos etc.).
Benveniste (1995, p. 277) argumenta que
[...] os pronomes não constituem uma classe unitária, mas espé-
cies diferentes segundo o modo de linguagem do qual são os
signos. Uns pertencem à sintaxe da língua, outros são caracterís-
ticos daquilo que chamaremos as “instâncias do discurso”, isto é,
os atos discretos e cada vez únicos pelos quais a língua é atuali-
zada em palavra por um locutor.

O autor mostra que os pronomes não formam uma única classe, visto que
uns pertencem ao nível sintático e outros ao nível do discurso. Nos estudos clás-
sicos, os pronomes apresentam três pessoas: a pessoa que fala (eu, nós), com
quem se fala (tu, vós) e de quem fala (ele, eles). Essa noção é criticada por
Benveniste (1995, p. 248):
[...] o caráter sumário e não-linguístico de uma categoria assim
proposta deve ser denunciado. Ao alinharmos numa ordem
constante e num plano uniforme “pessoas” definidas pela sua
sucessão e relacionadas com esses seres que são “eu”, “tu” e

unitins • letras • 6º PERÍODO  37


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

“ele”, não fazemos senão transpor para uma teoria pseudolin-


guística diferenças de natureza lexical. Essas denominações não
nos informam nem sobre a necessidade da categoria, nem sobre
o conteúdo que ela implica, nem sobre as relações que reúnem
as diferentes pessoas. É preciso, portanto, procurar saber como
cada pessoa se opõe ao conjunto das outras e sobre que princí-
pios se funda a sua oposição, uma vez que não podemos atingi-
las a não ser pelo que as diferencia.

Benveniste (1995) distingue eu e tu de ele a partir de duas oposições:


• eu e tu constituem a noção de pessoa, e ele é a não-pessoa;
• eu é pessoa subjetiva, e tu pessoa não-subjetiva.
Em relação à primeira oposição, o linguista explica que a noção de pessoa
é própria somente a eu e tu e falta em ele, pois tanto eu e tu estão implicados no
discurso, e ele não participa do discurso. Ele é diferente de eu e tu pela sua natu-
reza e função, visto que só serve como substituto abreviativo (FLORES e outros,
2008), como podemos observar no exemplo (1).
(1) José está feliz, ele foi promovido.
O pronome ele substitui José, portanto pertence à sintaxe da língua e, por
isso, é considerado não-pessoa. Essa função e natureza do pronome ele é dife-
rente dos indicadores de pessoa eu e tu. Benveniste (1995, p. 278) destaca que
a propriedade fundamental de eu e tu na organização referencial dos signos
linguísticos é que
Cada instância de emprego de um nome refere-se a uma noção
constante e “objetiva”, apta a permanecer virtual ou a atualizar-se
num objeto singular, e que permanece sempre idêntica na repre-
sentação que desperta. No entanto, as instâncias de emprego de
eu não constituem uma classe de referência, uma vez que não
há “objeto” definível como eu ao qual se possam remeter identi-
camente essas instâncias. Cada eu tem sua referência própria e
corresponde cada vez a um ser único, proposto para tal.

Eu não é uma classe de referência porque se refere unicamente à


[...] “realidade de discurso”, que é coisa muito singular. Eu só
pode definir-se em termos de “locução”, não em termos de objetos,
como um signo nominal. Eu significa “a pessoa que enuncia a
presente instância de discurso que contém eu”. Instância única
por definição, e válida somente na sua unicidade (BENVENISTE,
1995, p. 278).

Eu só pode definir-se em termos de “locução”, não em termos de objetos,


como um signo nominal, ou seja, eu só tem referência na situação enunciativa.
Atribuir referência a eu é atribuir referência a tu, pois são complementares.

38  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

A enunciação é colocação da língua em funcionamento por um ato indivi-


dual de utilização (BENVENISTE, 1995).

Para Benveniste (1995, p. 279), “a forma eu só tem existência linguística no


ato de palavras que profere” e tu é o “indivíduo alocutado na presente instância
de discurso contendo a instância linguística tu”.
O linguista atribui as seguintes características à categoria pessoa:
• unicidade: eu e tu sempre são únicos e se renovam a cada situa-
ção enunciativa;
• reversibilidade: se tu toma a palavra, já não é mais tu, é eu, e o que era
eu passa a ser tu.
Além dos pronomes pessoais, há outras classes de pronomes que têm como
referência a situação de discurso. Essas classes têm o mesmo status dos pronomes
eu e tu, como pode ser observado no quadro 1.

Quadro 1 Correlação entre eu e tu com outros pronomes.

Eu Tu
Este Esse
Meu Teu

Observe o exemplo (2).


(2) Este livro é meu; esse livro é teu.
Além da classe dos pronomes, os advérbios aqui e agora também têm refe-
rência no discurso – instância espacial e temporal contemporânea à instância de
discurso que contém eu. “[...] essas formas ‘pronominais’ não remetem à ‘reali-
dade’ nem a posições ‘objetivas’ no espaço ou no tempo, mas à enunciação,
cada vez única, que contém, e reflitam assim o seu emprego” (BENVENISTE,
1995, p. 280). O linguista acrescenta à série aqui e agora outros advérbios ou
locuções adverbiais, como ontem, hoje, amanhã, em três dias.
Como já vimos, os pronomes de “terceira pessoa” são diferentes de eu e tu.
Ele, o, isso etc. só servem na qualidade de substitutos abreviativos. Em relação a
não-pessoa, Benveniste (1995, p. 283) destaca as seguintes propriedades:
[...] 1º de se combinar como qualquer referência de objeto; 2º de
não ser jamais reflexiva da instância de discurso; 3º de comportar
um número às vezes bastante grande de variantes pronominais ou

unitins • letras • 6º PERÍODO  39


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

demonstrativas; 4º de não ser compatível com o paradigma dos


termos referenciais como aqui, agora etc.

Analisemos, no quadro 2, a correlação entre a pessoa subjetiva e a não-


pessoa feita por Benveniste.

Quadro 2 Correlação eu – ele.

EU ELE
Aqui Lá
Agora Então
Hoje No mesmo dia
Ontem Na véspera
Amanhã No dia seguinte
Na próxima semana Na semana seguinte
Há três dias Três dias antes

A série de termos da primeira coluna refere-se à instância do discurso,


enquanto a da segunda refere-se a tempos e lugares históricos. A própria língua
revela a diferença profunda entre esses dois planos (BENVENISTE, 1995).
Estudamos que eu é pessoa subjetiva, e tu pessoa não-subjetiva. Na sequên-
cia, entenderemos o porquê dessa oposição. Além disso, veremos qual é a noção
de subjetividade para Benveniste.

3.3 A noção de subjetividade


No texto Da subjetividade na linguagem, Benveniste faz a distinção entre
as categorias da língua e as categorias do discurso. De um lado, temos a esfera
subjetiva e a categoria de pessoa e, do outro, a esfera objetiva e a categoria
não-pessoa (FLORES; TEIXEIRA, 2005).
O linguista não pretendia fazer uma teoria do sujeito, sua preocupação era
com a significação. “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui
como sujeito. [...] A subjetividade de que tratamos aqui é a capacidade de o
locutor se propor como sujeito” (BENVENISTE, 1995, p. 286). Portanto subjeti-
vidade é a capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu discurso, e
essa capacidade se funda no exercício da língua (BRANDÃO, 2004). Aí está
a diferença entre eu e tu, uma vez que eu é uma pessoa subjetiva e tu pessoa
não-subjetiva, já que o tu não tem a capacidade de se propor como sujeito.
Benveniste (1995, p. 286) reconhece a transcendência do primeiro sobre o
segundo ao afirmar que “ego tem sempre uma posição de transcendência em
relação ao tu, apesar disso nenhum dos dois termos se concebe sem o outro; são
complementares e ao mesmo tempo reversíveis”.

40  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Benveniste (1995, p. 286) afirma que


A consciência de si mesmo só é possível se experimentada por
contraste. Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém,
que será a minha alocução em tu. Essa condição do diálogo é
que é constitutiva da pessoa, pois implica reciprocidade – que eu
me torne tu na alocução daquele que por sua vez se designa eu.
[...] eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior
a “mim”, torna-se o meu eco no qual digo tu. A polaridade das
pessoas é na linguagem a condição fundamental, cujo processo
de comunicação, de que partimos, é apenas uma consequência
totalmente pragmática. [...] nenhum dos dois termos se concebe
sem o outro; são complementares.

Eu e tu alternam as funções, por isso caracterizam-se como parceiros e prota-


gonistas na situação de enunciação. Benveniste (1995, p. 288) acrescenta que
Não há conceito “eu” englobando todos os eus que se enun-
ciam a todo o instante na boca de todos os locutores, no mesmo
instante em que há um conceito “árvore” ao qual se reduzem
todos os empregos individuais de árvore [...] Estamos na
presença de uma classe de palavras, os “pronomes pessoais”,
que escapam ao status de todos os outros signos da linguagem.
A que se refere o eu? A algo de muito singular, que é exclusiva-
mente linguístico: eu se refere ao ato de discurso individual no
qual é pronunciado, e lhe designa o locutor. É um termo que não
pode ser identificado a não ser dentro do que [...] chamamos de
instância do discurso, e que só tem referência atual. A realidade
à qual ele remete é a realidade do discurso. [...] o fundamento
da subjetividade está na língua.

Os pronomes eu e tu não remetem nem a um conceito nem a um indivíduo.


O eu refere-se a algo muito singular que é exclusivamente linguístico, ao ato de
discurso individual no qual é pronunciado e lhe designa o locutor.
Segundo o linguista, os pronomes pessoais são o primeiro ponto de apoio
para a revelação da subjetividade. Outras classes gramaticais dependem desses
pronomes. São os indicadores da dêixis, como demonstrativos, advérbios,
adjetivos. Essas classes, como já vimos, “organizam as relações espaciais e
temporais em torno do ‘sujeito’ tomado como ponto de referência: ‘isto, aqui,
agora’ e as suas numerosas correlações ‘isso, ontem, no ano passado, amanhã’”
(BENVENISTE, 1995, p. 288).
Para o linguista, a subjetividade é característica de toda linguagem e sua cons-
tituição se dá mesmo quando não se enuncia o eu. Os discursos que utilizam
[...] formas indeterminadas, impessoais, como o discurso cientí-
fico, por exemplo, ou o discurso esquizofrênico em que o locutor
utiliza ele para se referir a si mesmo, mostram uma enunciação
que mascara sempre um sujeito [...] seja em busca de objetivação
dos fatos ou de apagamento da responsabilidade pela enun-
ciação, seja a da incapacidade patológica de assunção do eu.

unitins • letras • 6º PERÍODO  41


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Essa estratégia de mascaramento é também uma outra forma de


constituição da subjetividade (BRANDÃO, 2004, p. 57-58).

Portanto a subjetividade está presente também nos discursos em que o eu


não se enuncia, como nos discursos científicos e esquizofrênicos. Nesses casos,
o eu é mascarado por alguma razão.
Conforme Benveniste, nós não é plural de eu e nem vós de tu. Não são
plurais uma vez que não demonstram a repetição da mesma pessoa. No caso do
nós, não há soma de diferentes pessoas e não há repetição de eu (BRANDÃO,
2003). Há um nós em um eu que predomina, porque só alcançamos nós a partir
de eu: “nós não é um eu multiplicado, e um eu dilatado além de pessoa estrita, ao
mesmo tempo acrescido de contornos vagos” (BENVENISTE, 1995, p. 258).
Flores e outros (2008, p. 78) destacam que
Tanto o nós se amplifica em uma pessoa mais solene, com maior
autoridade no nós majestático, quanto se amplifica em uma
pessoa difusa, com contornos no nós de orador ou de autor. A
mesma análise é feita para vós, tanto no uso coletivo quanto no
uso da polidez a passagem do tu ao vós exprime pessoa gene-
ralizada. Em outras palavras, a pessoa alocutada é tomada com
distanciamento e/ou imprecisão.

O uso de nós evita que se crie uma esfera de reciprocidade e, dessa forma,
que se tome autoridade. O nós majestático aparece em discursos de altas auto-
ridades civis ou eclesiásticas, como em “Nós, em nosso pontificado...”. O nós
de autor é usado em obras científicas, em que o locutor procura diluir seu nome
em meio à comunidade científica da qual emana o saber, a Ciência (FLORES e
outros, 2008).
Por fim, Benveniste (1995, p. 289) destaca que
A linguagem é, pois, a possibilidade da subjetividade, pelo
fato de conter sempre as formas linguísticas apropriadas à sua
expressão; e o discurso provoca emergência da subjetividade,
pelo fato de consistir de instâncias discretas. A linguagem de
algum modo propõe formas “vazias” das quais cada locutor
em exercício de discurso se apropria e as quais refere à sua
“pessoa”, definindo-se ao mesmo tempo a si mesmo como eu e a
um parceiro como tu.

Estudamos que a linguística da enunciação inclui no objeto da linguística


questões como subjetividade, referência, dêixis, contexto, modalização. Na
próxima seção, analisaremos a dêixis.

3.4 Dêixis na visão de Benveniste


Dêixis, na perspectiva enunciativa, são os signos que fazem remissão à
instância de discurso e só nela podem ser devidamente apreendidos. Nesse
caso, “a dêixis se liga à categoria de pessoa, ou seja, ao paradigma do eu e
do tu, enquanto os elementos não-dêiticos se ligam a não-pessoa, ou seja, ao

42  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

paradigma do ele” (FLORES; TEIXEIRA, 2005, p. 39). Essa distinção pode ser
esquematizada da seguinte forma:
• eu e tu – categoria de pessoa – referência dêitica
• ele – categoria não-pessoa – referência não-dêitica
Para o linguista, o mecanismo da dêixis está marcado na língua e é colo-
cado em funcionamento cada vez que um eu enuncia. Portanto “os dêiticos,
embora possuam um lugar na língua, são categorias vazias e subjetivas porque,
sendo signos concretos, somente adquirem estatuto pleno na e pela enunciação
do eu” (FLORES; TEIXEIRA, 2005, p. 40).
Para Benveniste (1995), eu e tu têm referência na enunciação e são dêiticos.
Já ele pertence ao sistema sintático da língua e, por isso, é anafórico, que é o
termo que remete a um antecedente e estabelece uma relação de substituição ou
representação. Nessa concepção, a anáfora tem caráter semântico, pois evita a
repetição ou promove a economia (FLORES e outros, 2008). Ele, portanto, não faz
parte do domínio subjetivo, ele pertence ao objetivo da linguagem, pois, estando
excluído da dêixis, faz parte do sistema anafórico da língua.
Crystal (2000, p. 74) expõe que
Dêixis (dêitico) é termo usado na teoria LINGUÍSTICA englo-
bando as características de pessoa, tempo e lugar de uma
LÍNGUA. Estas características são vistas dentro de uma
SITUAÇÃO espaço-temporal de um ENUNCIADO, estando a
SIGNIFICAÇÃO do enunciado direcionado a ela. São exemplos
de palavras dêiticas (ou EXOFÓRICAS): agora/depois, aqui/
ali/aí, eu/tu/ele. (grifo do autor).

Na visão do linguista, é impossível de se conceber a natureza semântica de


eu e tu fora de uma remissão à enunciação. Essa impossibilidade os torna não-
referenciais em relação à realidade.
Em Benveniste (1995, p. 119), os anafóricos diferenciam-se dos dêiticos
quanto à natureza e quanto à função, pois são “as unidades cuja função é rela-
cionar dois termos do enunciado” e “pertencem a uma ‘espécie semiológica’ de
natureza totalmente diversa daquela cujo caráter próprio consiste em relacionar
o enunciado à enunciação”.
Portanto há uma diferença entre a definição exposta por Crystal e a noção
de Benveniste em relação à dêixis, visto que Crystal inclui o ele entre os elementos
dêiticos. Se ele depender da situação espaço-temporal é dêixis, se referir a um
termo já exposto é anáfora.

Reflita

O trecho exposto a seguir foi retirado do poema Ausência, de Vinícius de


Morais. Leia-o com atenção.

unitins • letras • 6º PERÍODO  43


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

“Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são
doces...
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto...
No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto...
E em minha voz, a tua voz...”
Quais são os pronomes que fazem parte da categoria de pessoa com refe-
rência dêitica?

A partir das análises feitas neste capítulo, podemos concluir que as tenta-
tivas de superação de uma linguística restrita à língua não atingiram seu obje-
tivo, porque continuaram ainda presas à dicotomia saussuriana. Como vimos, a
linguística da enunciação assimila a questão do discursivo à fala, com exclusão
da história, e concebe o sujeito de forma idealizada, na sua unicidade e homo-
geneidade, como fonte criadora e origem do sentido.

Saiba mais

Sugerimos a leitura do artigo Os estudos da enunciação e a formação do


professor de línguas, de Kelly C. Granzotto Werner, que está disponível
no sítio <http://www.ufsm.br/lec/02_04/Kelly.htm>. Nesse artigo, você
encontrará algumas reflexões a respeito de como os estudos da enuncia-
ção, principalmente da teoria da subjetividade de Émile Benveniste, podem
contribuir para a formação de professores de línguas estrangeiras. A autora
acredita que noções de língua/linguagem, subjetividade e sentido podem
ajudar a esses profissionais na sua prática pedagógica.
Sugerimos também a leitura do artigo A enunciação e as fronteiras guar-
dadas por Bakhtin, Benveniste, Possenti e Guimarães, disponível no sítio
<http://www.unioeste.br/cursos/cascavel/letras/revista/edicao_atual/
LinguasLetras_ini_7_n13_08_EnunciacaoFronteiras.pdf>. Esse artigo esta-
belece alguns parâmetros de análise entre quatro diferentes perspectivas
desenvolvidas por Benveniste (1989), Bakhtin (1992), Possenti (1993) e
Guimarães (2002). Além disso, faz uma análise crítica das fronteiras do
enunciado e procura estabelecer os pontos de contato e as distinções que
tais concepções assumiram no processo de conceituaro enunciado.

Neste capítulo você teve a oportunidade de estudar sobre a linguística da


enunciação. No próximo capítulo, analisaremos as teorias referentes aos atos de
fala, da atividade verbal e sobre os postulados conversacionais de Grice.

44  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Referências
BENVENISTE, É. Problemas de linguística I. São Paulo: Pontes, 1995.
BRANDÃO, H. H. N. Análise do discurso: um itinerário histórico. In: PEREIRA,
H. B. C.; ATIK, M. Luiza G. (Org.). Língua, literatura e cultura em diálogo. São
Paulo: Mackenzie, 2003. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlcv/lport/
pdf/brand005.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2010.
______. Introdução à análise do discurso. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 2004.
CRYSTAL, D. Dicionário de linguística e fonética. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2000.
FLORES, V. do N. et al. Enunciação e gramática. São Paulo: Contexto, 2008.
______; TEIXEIRA, M. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto,
2005.
WERNER, K. C. G. Os estudos da enunciação e a formação do professor de
línguas. [s/d]. Disponível em: <http://www.ufsm.br/lec/02_04/Kelly.htm>.
Acesso em: 4 abr. 2010.

Anotações

unitins • letras • 6º PERÍODO  45


CAPÍTULO 3 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

46  6º PERÍODO • letras • unitins


4
Teorias dos atos de fala, teoria CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

da atividade verbal e postulados


conversacionais de Grice

Introdução
Neste capítulo, abordaremos uma área de estudo diferente daquelas que você
conheceu ao longo de seus estudos sobre linguagem. Você deve se lembrar do
estudo sintático realizado na disciplina Língua Portuguesa III: Estudos Sintáticos.
A sintaxe examina as relações entre os signos, relaciona os signos entre si como
unidades básicas no processo de formação de estruturas complexas, como é o
caso dos períodos compostos. Nesses estudos, você verificava a relação entre
estruturas como essa:
“O menino acordou cedo e abriu a janela de seu quarto.”
Na sintaxe, é possível verificar que há duas orações com sentido indepen-
dente e que se somam por meio de uma conjunção aditiva etc. Mas não se
faz qualquer menção à situação em que esse enunciado é produzido, em que
circunstância, por quem e por qual motivo. A sintaxe é, portanto, um estudo
formal que trata, apenas, das possibilidades de combinação entre os signos.
No entanto há necessidade de se estender o universo da produção do enun-
ciado, ou seja, o contexto da produção e de seus produtores. Surge, então, a
pragmática, que busca compreender a linguagem em uso, em meio aos dife-
rentes contextos.
A pragmática, inicialmente, foi vista como uma perspectiva de análise muito
audaciosa devido ao fato de considerar, em seu arcabouço teórico e metodoló-
gico, aspectos relacionados à variação e à heterogeneidade, devido à diversi-
dade do uso e à multiplicidade de contextos.
A pragmática é, em certo sentido, a tentativa de os estudos da linguagem se
voltarem para a experiência concreta da linguagem com toda a multiplicidade
que ela apresenta. A teoria dos atos de fala surgiu no interior da filosofia da
linguagem, no início dos anos 1970, posteriormente, passou a ser parte dos
estudos realizados pela pragmática.
Neste capítulo, além da teoria dos atos de fala, trataremos da teoria da ativi-
dade verbal e dos postulados conversacionais de Grice. Essas teorias enfocam a
presença do interlocutor como colaborador para que o ato comunicativo tenha
sucesso. Esperamos, que ao final do estudo, você seja capaz de compreender
a teoria dos atos de fala, a da teoria da atividade verbal e dos postulados

unitins • letras • 6º PERÍODO  47


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

conversacionais de Grice e, sobretudo, capaz de aplicá-las em futuras ativi-


dades práticas.
Como esses assuntos são relativamente novos para você, é importante que
você leia artigos sobre essas teorias, em especial, os artigos disponíveis no sítio
<http://www.ufpel.edu.br/cic/2009/cd/pdf/LA/LA_02000.pdf>.

4.1 Teoria dos atos de fala


A teoria dos atos de fala surgiu a partir dos estudos realizados por John
Langshaw Austin (1911-1960). Ele refletia sobre os diversos tipos ações humanas
que se realizam por meio do uso da linguagem, é o que ele chamou de “atos de
fala”, ou em inglês speech acts, e defendia que todo “dizer” é uma ação.
Nessa perspectiva teórica, dizer é, evidentemente, transmitir informações,
mas não é somente isso, é também uma forma de agir sobre o seu interlocutor,
sobre o contexto de enunciação, ou seja, sobre o mundo circundante. Essa
teoria considera as frases da língua como ações sobre o real. Quando falamos,
não fazemos apenas declarações, mas ordenamos, perguntamos, reclamamos,
pedimos, desculpamo-nos, julgamos etc.
Austin mostra que certas afirmações não servem para descrever nada, mas
para realizar ações. Um dos conceitos defendidos por esse teórico foi o conceito
de “performativo”:
Performativo é todo enunciado que realiza o ato que está sendo
enunciado. Assim, se em “eu ajoelho para rezar” temos um enun-
ciado que pode ser verdadeiro ou falso, em “ajoelhou tem que
rezar” está explícita a ideia de comprometimento do locutor com
a ação, ou melhor, com as possíveis consequências do ato por
ele realizado e não com a verdade ou falsidade do enunciado
(WILSON, 2009, p. 92).

Inicialmente, esse teórico distinguiu dois tipos de enunciados: os constativos


e os performativos.
Os enunciados constativos são aqueles que descrevem ou relatam um estado
de coisas. Esses enunciados podem ser submetidos a uma verificação de verdade
ou falsidade, isto é, podem ser rotulados de verdadeiros ou falsos. Na prática,
são os enunciados denominados de afirmações, descrições ou relatos, como “eu
como chocolate”; “o sol é o centro da via láctea”.
Os enunciados performativos são aqueles que não relatam nenhuma ação,
não descrevem nada e tampouco constatam alguma coisa. Desse modo, eles
não podem ser submetidos a nenhum critério de verificabilidade e não podem
ser julgados como falsos ou verdadeiros.
Os enunciados performativos são proferidos na primeira pessoa do singular
(eu) do presente do indicativo (ação tida como certa e que ocorre no momento
da enunciação), na forma afirmativa e na voz ativa, como em “eu te batizo”; “eu
aceito o seu convite para a festa”; “eu prometo que irei”.

48  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Esses enunciados realizam a ação denotada pelo verbo e não descrevem


nada, servem apenas para executar atos, ou seja, o ato de batizar, de aceitar,
de prometer etc. Nesse sentido, dizer algo é fazer algo.
É necessário observar que o fato de proferir um enunciado performativo não
garante a sua realização. Para que seja bem sucedido e que a ação por ele
designada seja realizada, é preciso que as circunstâncias sejam adequadas.
Koch (1997, p. 21) assevera que
A força ilocucionária nem sempre pode ser determinada pelo
percurso a um performativo:
• primeiro, porque muitas vezes a força ilocunionária é
ambígua: quando digo saia, pode tratar-se de uma ordem, de
um pedido, de um conselho, ou até de uma súplica. Somente
a entonação, os gestos, as expressões fisionômicas e as
condições gerais em que o enunciado é produzido permitirão
detectar a verdadeira força do ato produzido.
• segundo, porque nem sempre existe na língua um performa-
tivo adequado à explicitação da força ilocucionária, isto é,
há tipos de atos para os quais não existe um performativo
correspondente ou, mesmo existindo, seu emprego é pouco
habitual. Dificilmente se introduziria um ato de censura decla-
rando: eu te censuro [...].

Um enunciado performativo pronunciado em circunstâncias consideradas


como inadequadas não é falso, mas nulo, sem efeito.
Por exemplo, se uma bibliotecária (e não professora) diz “eu ensino a matéria
para a prova nesta aula”, o enunciado performativo não se realiza, porque a
bibliotecária não tem poder ou autoridade para ensinar aos alunos a matéria da
prova. O enunciado é considerado como nulo, sem efeito, ou, de acordo com
Austin, “infeliz”.
São critérios para que um enunciado performativo seja bem sucedido:
• o falante deve ter autoridade para executar o ato, tal como no exem-
plo anterior;
• as circunstâncias nas quais as palavras são proferidas devem ser apro-
priadas (se o professor, sozinho, em sua casa, declara que a prova será
aplicada, o performativo não se realiza, porque as circunstâncias não
são apropriadas).
São três as causas de “infelicidade” dos enunciados performativos:
• nulidade
• abuso
• quebra de compromisso
A nulidade se dá quando aquele que enuncia não apresenta legitimidade
social para tal, ou quando o objeto para o qual se pretende realizar o ato não

unitins • letras • 6º PERÍODO  49


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

pode sustentá-lo. Um exemplo bastante comum é o ato do batismo, eu, que sou
professora, não posso por meio de um enunciado batizar uma criança. Essa
função social pertence a um padre ou a um pastor e não a uma professora. O
enunciado performativo, nesse caso, é considerado nulo.
O abuso ocorre quando há falta de sinceridade. Quando há uma promessa
sem a intenção de cumpri-la, por exemplo, podemos afirmar que ocorreu um
caso de abuso.
A quebra de compromisso diz respeito ao efeito do enunciado. Se, por
exemplo, prometemos algo, com a intenção de cumprir a promessa, mas não a
cumprimos, então violamos a regra estabelecida.
Para Austin, segundo Wilson (2009, p. 93) dizer algo equivale a executar
três atos simultâneos:
• O ato locutório, centrado no nível fonético, sintático e de
referência e corresponde ao conteúdo linguístico usado para
dizer algo;
• O ato ilocutório, ato central para Austin, uma vez que tem
a chamada força performativa, está associado ao modo de
dizer algo e ao modo como esse dizer é recebido em função
da força do que é proferido. Corresponde ao ato efetuado ao
se dizer algo;
• O ato perlocutório corresponde à indicação dos efeitos
causados sobre o outro, servindo a outros fins, como influen-
ciar o outro, persuadi-lo a fazer algo, causar embaraço ou
constrangimento etc. (WILSON, 2009, p. 93)

Pinto (2006, p. 58) esclarece que


Os atos locucionários são aqueles que dizem alguma coisa; atos
ilocucionários, aqueles que refletem a posição do/a locutor/a
em relação ao que ele/ela diz; e atos perlocutórios aqueles que
produzem certos efeitos e consequências sobre os/as locutários/
as, sobre o/a próprio/a locutor/a ou sobre outras pessoas. Esses
três níveis atuam simultaneamente no enunciado.

A teoria dos atos de fala abriu caminhos para a reflexão do papel das conven-
ções e das práticas sociais na constituição dos atos ilocucionários e, consequen-
temente, para a questão que envolve a ação e o sujeito que a enuncia/pratica.
Novos estudos foram realizados e ampliaram e reformularam a teoria de Austin.
É nessa perspectiva que se insere a classificação dos atos de fala em categorias
elaboradas por John Searle.
Segundo Wilson (2009, p. 92), “Searle, em seu livro Speech acts, retoma
questões importantes concernentes às tendências contemporâneas da filosofia
da linguagem, visando à construção de um ponto de vista linguístico para a
teoria dos atos de fala”.

50  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Searle adota o conceito de “finalidade ilocutória” para classificar os usos


linguísticos. Salienta que há um número limitado de coisas que fazemos com a
linguagem e que podem ser simultâneas. Para Searle citado por Wilson (2009,
p. 94), “falar uma língua é adaptar uma forma de comportamento regido por
regras”. Searle distingue cinco grandes categorias de atos de linguagem, que
expomos a seguir.
• Os representativos mostram a crença do locutor quanto à verdade de
uma proposição. Também conhecidos como assertivos consistem no fato
de dizermos às pessoas como as coisas são. Esse ato envolve o compro-
metimento do falante com a verdade da proposição, por exemplo: “e
mais divertido ir e voltar” e “o boomerangue é o ícone do consumo
responsável” (WILSON, 2009, p. 94). São exemplos, ainda, os atos de
afirmar, asseverar e dizer.
• Os diretivos “consistem nas tentativas de levarmos as pessoas a fazer
coisas” (WILSON, 2009, p. 94). Os atos diretivos podem variar de
acordo com o grau de intensidade, por exemplo: convidar, sugerir,
aconselhar, ordenar, exigir etc.
• Os comissivos consistem nos atos cujo efeito é produzir uma mudança
por meio do que dizemos: é o caso do convite e da promessa. Eles
comprometem o locutor com uma ação futura: prometer, garantir.
• Os expressivos consistem na expressão de sentimentos e atitudes.
Exemplo: desculpar, agradecer, dar boas vindas etc.
• Os declarativos requerem situações extralinguísticas baseadas em institui-
ções ocupadas por falantes e ouvintes para a sua atualização. São atos
que podem promover uma mudança na realidade, o que as distingue
das demais categorias. Incluem-se entre os atos declaratórios: o ato
de batizar, o de fazer uma sentença judicial, por exemplo. Produzem,
portanto, uma situação externa nova: batizar, demitir, condenar.
Outra distinção no interior da teoria dos atos de fala é entre atos de fala
diretos e atos de fala indiretos.
• Um ato de fala é direto quando é realizado por meio de formas linguís-
ticas especializadas, isto é, típicas daquele tipo de ato. Há, por exemplo,
uma entonação típica para perguntas; as formas imperativas são tipica-
mente usadas para dar ordens ou fazer pedidos; expressões como por
favor, por gentileza etc. são tipicamente usadas para fazer pedidos ou
solicitações etc.
• Um ato de fala é indireto (ou derivado) quando é realizado indireta-
mente. Nesse caso, é realizado por meio de formas linguísticas típicas
de outro tipo de ato. Nesse sentido, “dizer é fazer uma coisa sob a
aparência de outra”. Veja alguns exemplos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  51


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

a) Você tem relógio? (pedido com aparência de pergunta) Quem


enuncia essa frase não está perguntando se o alocutário tem
ou não um relógio, mas sim pedindo lhe informe as horas.
b) Como está abafada esta sala! (pedido com aparência de
constatação) Normalmente, quem enuncia essa frase não está
simplesmente fazendo uma constatação sobre a temperatura
no interior do recinto, mas sim pedindo que o alocutário faça
algo para amenizar o calor, como abrir as janelas, ligar o
ventilador, o ar-condicionado, etc.
c) Você pode fechar a porta? (pedido com aparência de pergunta)
Quem enuncia essa frase não está perguntando sobre a (in)
capacidade física do alocutário de fechar a porta, mas sim
pedindo-lhe que feche a porta. Seria estranho se o alocutário
pensasse que a pergunta é mera curiosidade e respondesse
simplesmente sim ou não. (SILVA, s/d, s/p)

É necessário salientar, por fim, que este capítulo não esgota essa teoria.
É importante que você aprofunde pesquisando mais sobre o assunto e, sobre-
tudo, lendo artigos publicados em revistas especializadas e que apresentem essa
teoria em aplicações práticas.
A teoria dos atos de fala colocou os elementos do contexto, quem fala, com
quem se fala, para que se fala, onde se fala, o que se fala etc., para foco das
atenções dos estudiosos da linguagem.
As propostas teóricas apresentadas por Austin e seus seguidores têm influen-
ciado e inspirado estudos posteriores que estão destinados a pesquisar as ques-
tões que envolvem a análise do discurso. A teoria dos atos de fala rompe, em
nosso ponto de vista, com uma tradição de estudos linguísticos caracterizada por
uma concepção, apenas, descritiva da linguagem.

Saiba mais

A leitura de alguns autores da sua área é imprescindível para o seu suces-


so. Autores como Ingedore Koch, Diana Barros, José Fiorin, Rodolfo Ilari e
Beth Braith podem contribuir para a sua formação, pois eles estudam as
principais teorias da linguística aplicando-as em situações reais. Dois exem-
plos são as seguintes obras:
• A inter-ação pela linguagem, de Ingedore Villaça Koch, publicada pela
editora Contexto. Nesse livro, Koch reflete sobre as diferentes concep-
ções de linguagem, a linguística ligada à ideia de sistema e a linguística
ligada ao discurso. Para isso, a autora revisa as principais teorias sobre
linguagem. É um livro excelente para quem está iniciando os estudos
na área, pois usa linguagem clara, concisa e apresenta exemplos que
deixam a teoria bem mais acessível;
• Introdução à linguística: domínios e fronteiras organizado pelas autoras
Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes. Nesse caso, a obra é divi-

52  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

dida em três volumes. A linguagem exige um pouco mais de você, mas


o conteúdo esclarece alguns pontos importantes sobre a linguística. Para
os assuntos deste capítulo, o volume mais indicado é 2.

Como você viu, a teoria dos atos de fala altera a concepção dos estudos de
linguagem, porém ela não consegue explicar a atividade verbal, que é o assunto
do próximo tópico.

4.2 A teoria da atividade verbal


A teoria da atividade verbal explica a linguagem como uma atividade de
caráter filosófico, articulada com uma teoria da atividade social humana, que se
especifica em uma teoria da atividade comunicativa verbal.
O objetivo dessa teoria é verificar como conseguimos realizar determinadas
ações ou interagirmos socialmente por meio da linguagem.
Koch (1997, p. 13) afirma que
A realização linguística da atividade verbal depende das condi-
ções sociais e psicológicas, além de vir determinada pelo motivo
básico da atividade, e utiliza diversos meios como: a) seleção de
palavras; b) passagem do programa à sua realização; c) projeto
gramatical; d) tradução e comparação de variantes sintáticas;
e) fixação e reprodução dos compromissos gramaticais, unidos
programação motora (fisiológica).

Koch (1997, p. 23) defende que “toda atividade linguística é composta por:
um enunciado, produzido com dada intenção, sob certas condições necessárias
para o atingimento do objetivo visado e as consequências decorrentes da reali-
zação do objetivo”.
O locutor seria o responsável por levar ao interlocutor a compreensão do
objetivo ou da informação. Koch (1997, p. 24) expõe que
O locutor deve realizar atividades linguístico-cognitivas tanto
para garantir a compreensão (tais como repetir, parafrasear,
completar, corrigir, resumir, exemplificar, enfatizar etc.), como
para estimular facilitar ou causar a aceitação (fundamentar, justi-
ficar, “preparar o terreno” etc.).

A partir da realização dessas atividades, o locutor será capaz de garantir


que a informação seja compreendida pelo leitor. Assim o receptor não é
entendido como passivo, pois cabe a ele atuar sobre o material linguístico
de que dispõe para construir sentido, criar uma leitura possível. O sentido é
construído na interlocução, no interior do qual os interlocutores se constituem
e são constituídos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  53


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Para a teoria da atividade verbal, a decodificação dos sinais emitidos pelo


locutor não é de modo algum suficiente, pois “cabe ao ouvinte/leitor estabe-
lecer, entre os elementos do texto e todo o contexto, relações dos mais diversos
tipos para ser capaz de compreendê-los em seu conjunto e interpretá-los de
forma adequada à situação” (KOCH, 1997, p. 25).
A produção de inferências são as principais atividades a serem realizadas
pelos ouvintes/leitores, pois o texto não apresenta explicitamente todas as infor-
mações necessárias à sua compreensão. O leitor/ouvinte deverá ser capaz
de recuperar por meio das inferências as informações que contribuirão para o
entendimento do texto.
As inferências ocorrem a partir das lacunas verificadas no interior do texto,
ou seja, a partir dos elementos que o texto contém, podemos estabelecer rela-
ções com aquilo que o texto implicita. O leitor poderá recorrer ao seu conheci-
mento de mundo ou aos conhecimentos comuns a ele e a seu interlocutor.
Assim podemos afirmar que as inferências constituem estratégias cogni-
tivas importantes, pois possibilitam o estabelecimento de relações entre o
material linguístico concreto, efetivo, presente na superfície textual e os conhe-
cimentos prévios partilhados pelos interlocutores. Elas são, em grande parte,
a responsável pela reconstrução dos sentidos que o texto explicita. Observe
o seguinte enunciado.
“Joana foi ao salão de beleza, fez uma escova nos cabelos e voltou para
casa.”
Não é necessário dizer que, ao chegar ao salão, Joana encontrou mesas,
lavatórios, profissionais habilitados para os cuidados de seus cabelos, que ela se
sentou, lavou os cabelos, secou-os e pagou pelo serviço prestado. Tudo isso está
implícito e é possível ser recuperado por meio das inferências. São consideradas
como informações normais e, por isso, não necessitam ser explicitadas.
No entanto, se Joana tivesse esquecido a carteira em casa e não conse-
guisse pagar pelo serviço, essa informação que fugiu ao esperado, imprevista,
deverá ser explicitada, pois não há como ser inferida pelo interlocutor do texto.
As inferências são importantíssimas, imagine como seriam cansativos e
extensos os nossos textos sem elas. Imagine se todas as informações, desde as
mais simples até as mais complexas, tivessem de necessariamente constar no
texto. Seriam textos imensos!

Saiba mais

Um trabalho de pesquisa interessante e que está disponível para a sua con-


sulta na internet é a dissertação Marcas enunciativo-discursivas nas histó-

54  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

rias em quadrinhos (Hqs): uma proposta de análise de texto como discurso,


de Alessandro da Silva Messias, disponível no sítio <http://www.letras.ufrj.
br/posverna/mestrado/MessiasAS.pdf>. É interessante que você consulte
esse material e veja a contextualização da teoria.

Neste capítulo, falamos sobre a teoria dos atos de fala e a teoria da atividade
verbal. Para finalizar, apresentaremos os postulados conversacionais de Grice.

4.3 Postulados conversacionais de Grice


Segundo Koch (1997, p. 27-28), para Grice, filósofo americano, o princípio
básico que rege a comunicação humana é o princípio da cooperação:
Quando duas ou mais pessoas se propõem a interagir verbal-
mente, elas normalmente irão cooperar para que a interlocução
transcorra de maneira adequada. Usando uma metáfora: quem
se propõe a jogar um jogo, aceita jogar de acordo com suas
regras e fazer o possível para que ele chegue a bom termo.

Esse princípio se baseia em quatro máximas, ou em quatro regras prioritárias:


• máxima da quantidade: não diga nem mais nem menos que o necessário;
• máxima da qualidade: só diga coisas para as quais tem evidência
adequada; não diga o que sabe não ser verdadeiro;
• máxima da relação (relevância): diga somente o que é relevante;
• máxima do modo: seja claro e conciso, evite a obscuridade, a prolixi-
dade etc.
O princípio cooperativo proposto por Grice inicialmente considerou apenas
o uso da linguagem oral, mas ele pode ser estendido e aplicado ao texto escrito,
pois, da mesma forma que o falado, o escrito faz parte de uma atividade intera-
cional entre os usuários da língua.
O texto é um lugar no qual o escritor e o leitor se encontram e propõem um
diálogo, e os elementos da textualidade apresentados nos textos falados e escritos
estão intimamente ligados aos postulados conversacionais descritos por Grice.

Reflita

Por que rimos ao ouvirmos uma piada? Por que uma pessoa acha graça e
outra não? Por que algumas pessoas interpretam de modo diferente o con-
teúdo de uma piada e demoram em compreender o que foi contado?
“Vamos refletir sobre a piada exposta na sequência e sobre as máximas
conversacionais postuladas por Grice.

unitins • letras • 6º PERÍODO  55


CAPÍTULO 4 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

O paciente acorda após a cirurgia e se depara com um homem em pé ao


lado da cama.
– E então, doutor, na cirurgia correu tudo bem?
– Eu não sou o doutor, sou São Pedro.”
Houve alguma violação das máximas conversacionais para que o texto
ficasse engraçado?
Você deve ter notado que o locutor perguntou uma coisa e obteve outra
como resposta. A máxima da relevância foi violada, pois a resposta apre-
sentada não é relevante à pergunta do locutor. O lógico seria que a respos-
ta fosse algo do tipo “Não se preocupe, correu tudo bem, sim!”, ou “Você
sentiu-se mal, mas agora está tudo bem!”.
É essa violação de uma das máximas conversacionais propostas por Grice
que gera o humor, ou seja, gera o riso.
Vale lembrar que rir ou não de uma piada tem tudo a ver com a cultura dos
interlocutores. No caso apresentado, é importante verificar que há a crença
de vida após a morte e que São Pedro habitaria o céu, logo o paciente es-
taria, na verdade, dialogando com um ser que não estaria em um hospital,
mas em outro mundo.

No quinto capítulo, estudaremos os mecanismos de argumentatividade:


operadores argumentativos, marcadores de pressuposição, índices de modali-
dade, índices atidudinais, tempos verbais e índices de polifonia.

Referências
KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1997.
PINTO, J. P. Pragmática. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à
linguística: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. v. 2.
SILVA, G. A. Teoria dos atos de fala. [s/d]. Disponível em: <http://www.filo-
logia.org.br/viiifelin/41.htm>. Acesso em: 1 maio 2010.
WILSON, V. Motivações pragmáticas. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual
de linguística. São Paulo: Contexto, 2009.

Anotações

56  6º PERÍODO • letras • unitins


5
CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Discurso e argumentação

Introdução
Quando interagimos, temos sempre objetivos a serem atingidos: estabe-
lecer relações, causar efeitos, desencadear comportamentos, obter determinada
reação, ou seja, atuar sobre os outros. Portanto o uso da linguagem é essencial-
mente argumentativo.
A língua tem mecanismos que indicam a argumentatividade, que segundo
Ducrot, está inscrita na própria língua. Esses mecanismos são as marcas linguís-
ticas ou modalizadores. Neste capítulo, estudaremos alguns desses mecanismos:
operadores argumentativos, marcadores de pressuposição, índices de moda-
lidade, índices atidudinais, tempos verbais e índices de polifonia. Faremos a
abordagem desse assunto a partir de Koch (1997, 2002).
É interessante que você revise, na disciplina de Língua Portuguesa III: Estudos
Sintáticos, as conjunções coordenadas e subordinadas adverbiais, para compre-
ender o emprego dos operadores argumentativos; na disciplina de Língua
Portuguesa IV: Semântica e Pragmática, a pressuposição e os subentendidos,
para entender os marcadores de pressuposição. Em uma gramática normativa,
faça uma revisão dos verbos, para entender os tempos verbais.

5.1 Operadores argumentativos


Os operadores argumentativos têm a função de indicar a força argumenta-
tiva dos enunciados. Para explicar seu funcionamento, Ducrot utiliza duas noções
básicas, expostas a seguir.
• Classe argumentativa: é um conjunto de enunciados que servem de argu-
mento para uma mesma conclusão (a que, por convenção, se denomina
R). Analisemos o exemplo (1).
(1) João é o melhor candidato (conclusão R).
arg. 1 – tem uma boa formação em Economia.
arg. 2 – tem experiência no cargo.
arg. 3 – não se envolve em negócios.
Os argumentos 1, 2 e 3 são as classes argumentativas.

unitins • letras • 6º PERÍODO  57


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

• Escala argumentativa: ocorre quando dois ou mais enunciados de uma


classe se apresentam em gradação de força crescente. Examinemos o
exemplo (2).
(2) A apresentação foi coroada de sucesso (conclusão R).
arg. 1 – estiverem presentes personalidades do mundo artístico.
arg. 2 – estiveram presentes pessoas influentes nos meios políticos.
arg. 3 – esteve presente o Presidente da República (argumento mais
forte).
Analisemos os principais tipos de operadores argumentativos.
a) Operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala
orientada no sentido de determinada conclusão: até, mesmo, até
mesmo, inclusive.
No exemplo (2), normalmente diríamos: “A apresentação foi coroada
de sucesso: estiveram presentes personalidades do mundo artístico,
pessoas influentes nos meios políticos e até (mesmo, até mesmo, inclu-
sive) o Presidente da República.
b) Operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão
(relação de adição): e, também, ainda, nem, não só... mas também,
tanto... como, além de..., além disso..., a par de..., aliás etc.
No exemplo (1), teríamos várias opções de construção:
• João é o melhor candidato: tem uma boa formação em economia,
tem experiência no cargo e não se envolve em negócios;
• João é o melhor candidato: não só tem uma boa formação em
economia, mas também tem experiência no cargo e não se envolve
em negócios;
• João é o melhor candidato: além de ter uma boa formação em
economia, tem experiência no cargo e também (ainda) não se
envolve em negócios;
• João é o melhor candidato. Além de ter uma boa formação em
economia, tem experiência no cargo e não se envolve em negócios.
Aliás, é o único candidato que tem bons antecedentes.
c) Operadores que introduzem uma conclusão relativamente a argumentos
apresentados em enunciados anteriores (relação de conclusão): portanto,
logo, por conseguinte, pois, em decorrência, consequentemente etc.
Vejamos o exemplo (3).
(3) O custo de vida continua subindo vertiginosamente; as condições de
saúde do povo brasileiro são péssimas e a educação vai de mal a pior.

58  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Portanto (logo, por conseguinte...) não se pode dizer que o Brasil esteja
prestes a se integrar ao primeiro mundo.
d) Operadores que introduzem argumentos alternativos que levam a conclu-
sões opostas (relação de disjunção): ou, ou então, quer... quer, seja...
seja etc.
(4) Vai participar da passeata, ou prefere ficar em casa?
e) Operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos
com vistas a uma dada conclusão: mais que, menos que, tão... como etc.
(5) A: Peça à Rosa para fazer o contrato.
B: Maria é tão competente quanto Rosa.
Embora trate de um comparativo de igualdade, argumentativamente o
enunciado é favorável à Maria.
f) Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação ao enun-
ciado anterior (relação de causalidade): porque, que, já que, pois etc.
(6) José não atingiu a média, pois não levou a sério seus professores.
g) Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias (relação de oposição): mas (porém, contudo, todavia, no
entanto, entretanto etc.), embora (ainda que, posto que, apesar de
que etc.
Ao usar o mas e seus similares, o locutor introduz em seu discurso um
argumento possível para uma conclusão R, na sequência, opõe-lhe um
argumento decisivo para uma conclusão contrária não-R.
A diferença entre o mas e o embora diz respeito à estratégia argumen-
tativa utilizada pelo locutor. No caso do mas, ele emprega a “estratégia
do suspense”; e no do embora, a estratégia de antecipação.
(7) Embora fosse claramente culpado, o réu não foi condenado.
No exemplo (7), o uso do embora antecipa a ideia de que haverá uma
relação de contradição.
(8) O réu era claramente culpado, mas não foi condenado.
Já no exemplo (8), a primeira informação cria no leitor a expectativa da
condenação e a presença do mas contraria essa expectativa.
h) Operadores que têm por função introduzir no enunciado conteúdos pres-
supostos: já, ainda, agora etc.
(9) Luís ainda fuma.
O conteúdo pressuposto é que Luís já fumava antes.

unitins • letras • 6º PERÍODO  59


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Há outros tipos de operadores argumentativos. Koch (1997) nos chama


atenção para o fato de que os livros didáticos e as aulas de língua portuguesa
têm dado pouca atenção a esse assunto, uma vez que essas palavras não fazem
parte das dez classes gramaticais, elas são classificadas à parte como palavras
denotativas. No entanto elas são as responsáveis pela força argumentativa, em
grande parte, de nossos textos. Por isso é necessário que o professor trabalhe
esse assunto com os seus alunos.
Na sequência, conversaremos sobre outra marca linguística da argumen-
tação, os marcadores de pressuposição.

5.2 Marcadores de pressuposição


Pressupostos são ideias não expressas de maneira explícita, que decorrem
logicamente do sentido de certas palavras ou expressões contidas no enunciado.
A essas expressões chamamos de marcadores de pressuposição. Observe o
exemplo (10).
(10) O estudo de sociolinguística tornou-se muito importante para o ensino
de língua portuguesa.
A informação implícita que o verbo “tornar-se” introduz é a de que antes o
estudo de sociolinguística não era considerado muito importante para o ensino
de língua portuguesa.
Vejamos quais são os termos que, em geral, servem de marcadores de
pressuposição.
a) Verbos que indicam mudança ou permanência de estado, como perma-
necer, continuar, tornar-se, vir a ser, ficar, passar (a), deixar (de),
começar (a), principiar (a), converter-se, transformar-se, ganhar, perder.
Analisemos o exemplo (11).
(11) A leitura de obras literárias continua sendo essencial para bons
profissionais.
O verbo continuar indica que a leitura de obras literárias já era essen-
cial para bons profissionais.
b) Verbos que indicam um ponto de vista sobre o fato expresso pelo seu
complemento (por exemplo, pretender, supor, alegar, presumir, imaginar).
Examine o exemplo (12).
(12) Os alunos pretendem ler a obra literária indicada.
O verbo pretender pressupõe que seu objeto direto (ler a obra literária
indicada) é verdadeiro para o sujeito (no caso, os alunos) e aparente-
mente falso para o produtor do texto.
c) Adjetivos (ou palavras similares)
(13) Letras foi meu primeiro curso superior.

60  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Primeiro pressupõe:
• que fiz outros cursos superiores;
• que os outros foram feitos depois do curso de Letras.
d) Certos advérbios
(14) As decisões do professor são totalmente imparciais.
O advérbio totalmente pressupõe que não há nenhuma interferência de
interesses do professor, em nenhum caso.
e) Orações adjetivas
• Orações adjetivas explicativas: referem-se a todos os elementos ante-
riores, explicando-os. Pelo fato de ser uma relação de explicação,
sua supressão não interfere no sentido do texto.
(15) Os brasileiros, que querem punição para os corruptos, esperam
que a lei seja cumprida.
• Todos os brasileiros esperam que a lei seja cumprida.
• Todos os brasileiros querem punição para os corruptos.
O pressuposto é de que todos os brasileiros, sem exceção, esperam
que os corruptos sejam punidos. Essa interpretação é autorizada
porque a oração que querem punição para os corruptos está entre
vírgulas, ou seja, é uma oração adjetiva explicativa, que diz respeito
a todos os sujeitos citados anteriormente.
• Orações adjetivas restritivas: referem-se somente a parte do grupo
dos elementos anteriores, restringindo-os. Nesse caso, a supressão
da oração adjetiva compromete o sentido da frase.
(16) Os brasileiros que querem punição para os corruptos esperam
que a lei seja cumprida.
• Alguns brasileiros querem punição para os corruptos.
• Somente alguns brasileiros esperam que a lei seja cumprida.
Essa mesma oração, inserida no texto sem vírgulas, torna-se uma
oração adjetiva restritiva, ou seja, diz respeito somente aos brasi-
leiros que querem punição para os corruptos, e não a todos os
brasileiros, como na anterior.
f) Certas conjunções
(17) Estudei bastante durante o fim de semana, mas não me senti
cansado.
O pressuposto introduzido pela conjunção mas é o de que estudar é
cansativo.

unitins • letras • 6º PERÍODO  61


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

g) Verbos denominados “factivos” que são complementados pela enun-


ciação de um fato (pressuposto). De modo geral, são verbos de estado
psicológico, como lamentar, lastimar, sentir, saber etc.
(18) Lamento que Maria tenha sido demitida.
O fato de Maria ser demitida é o pressuposto.
Koch (1997) expõe que há a retórica da pressuposição, um recurso
argumentativo bastante utilizado no dia a dia, que consiste em apre-
sentar como se fosse pressuposto justamente aquilo que está querendo
veicular como informação nova. Trata-se de uma “manobra” argumenta-
tiva, como, por exemplo:
(19) Lamentamos não aceitar cheques.
O pressuposto é não aceitamos cheques. É uma forma cortês de veicular
informações que não atendem aos interesses do interlocutor.
h) Certos conectores circunstanciais, especialmente quando a oração por
eles introduzidas vem anteposta: desde que, antes que, depois que, visto
que etc.
(20) Desde que Ana começou o curso de Letras, não cumprimenta mais
seus vizinhos.
Desde que pressupõe que antes Ana conversava com seus vizinhos.
Nem sempre as informações implícitas são marcadas linguisticamente.
Quando isso ocorre, temos os subentendidos, que são insinuações contidas
no enunciado.
Eles servem, muitas vezes, para o falante proteger-se. Com ele, transmite
a informação que deseja dar a conhecer sem se comprometer. Lembre-se
das indiretas que, às vezes, você usa em seu dia a dia. Elas são exemplos
de subentendido!
Depois de analisarmos os operadores argumentativos e marcadores de pres-
suposição, veremos os índices de modalidade.

5.3 Índices de modalidade


Também conhecidos como modalizadores, os índices de modalidade sinalizam
o modo como aquilo que se diz é dito. Os principais tipos de modalidade são:
• necessário/possível
• certo/incerto/duvidoso
• obrigatório/facultativo
(21) É necessário que os alunos leiam mais.

62  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

É possível que os alunos leiam mais.


É certo que os alunos leiam mais.
É provável que os alunos leiam mais.
Nos enunciados do exemplo (21), as modalidades estão lexicalizadas na forma
de “é + adjetivo”. Todavia há outras formas de expressão da modalidade:
• advérbios ou locuções adverbiais: talvez, certamente, com certeza etc.;
• verbos auxiliares modais: poder, dever etc.;
• construções de auxiliar + infinitivo: ter de + infinitivo, precisar (neces-
sitar) + infinitivo etc.;
• orações modalizadoras: tenho a certeza de que..., não há dúvidas de
que..., há possibilidade de..., todos sabem que...
Analisemos alguns exemplos.
(22) Certamente os alunos lerão mais.
Com certeza os alunos lerão mais.
(23) Estou certa de que os alunos lerão mais.
Tenho a certeza de que os alunos lerão mais.
(24) Os alunos deverão ler mais.
Os alunos precisam ler mais.
(25) Os alunos terão de ler mais.
Em todos os exemplos, verificamos que, ao conteúdo proposicional, foi acres-
centada a indicação de modalidade a partir da qual ele deve ser interpretado.
Percebemos também que uma mesma modalidade pode ser expressa por meio
de recursos linguísticos diferentes.
Um mesmo indicador modal pode exprimir modalidades diferentes, como
podemos observar no exemplo (26).
(26) Todos os convidados devem usar traje social. (é obrigatório)
O tempo deve melhorar no próximo mês. (é possível)
A aula já deve ter terminado. (é provável)
Além dos índices de modalidade, existem os índices de atitude. É sobre estes
índices que conversaremos a seguir.

5.4 Índices atidudinais


São os indicadores de atitude ou estado psicológico com que o locutor se
apresenta diante dos enunciados que produz. Vejamos alguns exemplos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  63


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

(27) Infelizmente, não consegui ler toda a obra.


(28) Felizmente, conclui a leitura da obra.
(29) É com prazer que convido vocês para minha festa.
(30) Francamente, não gostei de sua atitude.
A atitude subjetiva do locutor pode traduzir-se numa avaliação ou valoração
a fatos, estados ou qualidades atribuídas a um referente por meio de um adjetivo
ou formas intensificadoras, como podemos notar nos exemplos (31) e (32).
(31) A professora deu uma excelente aula.
(32) A professora foi extremamente feliz em sua resposta.
Há, também, operadores que delimitam o domínio dentro do qual o enun-
ciado deve ser entendido (exemplo 33) ou o modo como ele é formulado pelo
locutor (exemplo 34).
(33) Geograficamente, o Brasil é um dos maiores países do mundo.
(34) Abordarei resumidamente esse assunto.
A seguir, examinaremos de que forma os tempos verbais caracterizam
os textos.

5.5 Tempos verbais no discurso


Weinrich citado por Koch (2002), ao estudar os tempos verbais do francês,
constatou três dimensões do sistema verbal ligadas à situação comunicativa:
atitude comunicativa, perspectiva comunicativa e relevo.
Em relação à atitude comunicativa, identificou dois grupos com emprego
distinto e que normalmente não se combinam em um mesmo período:
• mundo comentado: presente (estudo), pretérito perfeito composto (tenho
estudado), futuro de presente (estudarei), futuro do presente composto
(terei estudado), além das locuções verbais formadas por esses tempos
(estou estudando, vou estudar etc.);
• mundo narrado: pretérito perfeito simples (estudei), pretérito imperfeito
(estudava), pretérito mais-que-perfeito (estudara), futuro do pretérito
(estudaria) e locuções verbais formadas com tais tempos (estava estu-
dando, ia estudar etc.).
Ao mundo comentado, pertencem a lírica, o drama, o ensaio, o diálogo, o
comentário; ao mundo narrado, pertencem os tipos de relato, literários ou não.
Segundo Koch (2002), ao resumir uma história narrada no imperfeito ou perfeito
simples, usa-se o presente acompanhado ou não de outros verbos do primeiro
grupo. Esse uso se dá porque, em um resumo de novela, filme ou conto, serve
de base para se fazer a crítica, comentar a obra ou facilitar a outros essa tarefa.

64  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

É por essa razão que também as manchetes de jornais apresentam verbos no


presente (ou elidido): é a partir delas que se fará o comentário. É por essas
razões também que, em descrições em relatos, tem-se o verbo no imperfeito e,
em dentro do comentário, o verbo se apresenta no presente.
Quanto à perspectiva comunicativa, temos:
a) tempo zero: é tempo base, sem perspectiva.
• Mundo comentado: presente
• Mundo narrado: pretérito perfeito e pretérito imperfeito
b) tempo com perspectiva: são os demais tempos, que indicam a pros-
pecção ou retrospecção em relação ao tempo zero.
• Mundo comentado: prospecção – futuro do presente; retrospecção
– pretérito perfeito composto
• Mundo narrado: prospecção – futuro do pretérito; retrospecção –
pretérito mais-que-perfeito
Quando se usa um ou mais verbos do mundo narrado no mundo comentado,
ou vice-versa, temos a metáfora temporal. O uso de verbos do mundo narrado
no mundo comentado
[...] exprime um matiz de validez limitada, trazendo ao contexto
comentador o que é peculiar ao mundo narrado, como rela-
xamento, falta de compromisso. Limita-se, assim, a validez
do discurso, pela introdução de matizes que podem exprimir
cortesia, timidez, hipótese, incerteza, irrealidade etc. Já os
tempos do mundo comentado levam consigo algo de tensão,
compromisso e seriedade, dilatando a validez do relato ou
insistindo sobre ela. É o que acontece quando, numa narrativa,
se usa o presente histórico, por exemplo. Isto é, comenta-se
como se se narrasse ou narra-se como se se comentasse (KOCH,
2002, p. 39).

A autora nos mostra que o uso dos tempos verbais do mundo comentado
no interior do mundo narrado significa maior engajamento, atenção, rele-
vância. Já o uso de tempos verbais do mundo narrado em um texto do mundo
comentado significa menor comprometimento, distância, irrealidade, cortesia
etc. Para compreender melhor a metáfora temporal, analisemos os exemplos
(35) e (36).
(35) O MST estaria disposto a negociar com o Presidente.
No exemplo (35), o uso do futuro do pretérito não confirma a notícia (=
parece que). O locutor não se responsabiliza pela exatidão da notícia.
(36) A caravana caminhava lentamente pelo areal deserto. De repente, ouve-se
um forte ruído e, diante dos beduínos assustados, surge um disco voador.

unitins • letras • 6º PERÍODO  65


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

No exemplo (36), o uso do presente marca o momento culminante, mais


relevante da narrativa.
Segundo Koch (1997), a indicação de relevo ocorre somente no mundo
narrado. O pretérito perfeito indica o primeiro plano (ação propriamente dita) e
o pretérito imperfeito, o segundo plano (pano de fundo).
A classificação dos tempos verbais de Weinrich apresenta problemas no
português. O mais sério é a presença extremamente frequente do pretérito perfeito
simples tanto nos textos do mundo comentado quando do mundo narrado. Por
isso, conforme Koch (1997, p. 53), é necessário admitir “sua presença nos dois
‘mundos’, embora com valores diferentes: no mundo narrado ele é o tempo-zero
[...]; no mundo comentado, o tempo-zero é o presente, e o pretérito perfeito tem
valor retrospectivo com relação ao tempo-zero”.
Para finalizar o capítulo, veremos os índices de polifonia.

5.6 Índices de polifonia


São as várias vozes, num mesmo texto, que falam de perspectivas diferentes
com as quais o locutor se identifica ou não. Vejamos quais são as formas linguís-
ticas que funcionam como índices de polifonia.
a) Determinados operadores argumentativos
• Ao contrário, pelo contrário
(37) Maria não é feia. Pelo contrário, é uma mulher bastante atraente.
Os dois períodos não se opõem um ao outro, mas estão orientados
para a mesma direção. Na verdade, há outra voz que afirma que
Maria é feia, com a qual o locutor não concorda.
• Operadores conclusivos particularmente em casos em que não se
enuncia um dos argumentos (a premissa maior) para a conclusão
a que se deseja levar o interlocutor, por se tratar de uma máxima,
um provérbio, uma “verdade” aceita na cultura em que se vive (essa
voz “ressoa” no discurso).
(38) João é um dorminhoco. Não pode, portanto, vencer na vida.
Nesse exemplo, o locutor concorda com a premissa polifonicamente
introduzida (“quem cedo madruga, Deus ajuda”), argumentando no
mesmo sentido.
b) Marcadores de pressuposição
O conteúdo pressuposto por esses marcadores não é de responsabilidade
exclusiva do locutor, mas é algo partilhado por ele e seu interlocutor.
(39) José continua charmoso.
O pressuposto de que José já era charmoso é partilhado com mais alguém.

66  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

c) Uso do futuro do pretérito como metáfora temporal


(40) O governador estaria disposto a não renunciar ao mandato.
Devido ao uso do futuro do pretérito, o locutor não se responsabi-
liza pelo que é dito, atribuindo-o a outrem (não sou eu que o digo,
alguém falou).

d) Uso de aspas
O uso das aspas é, frequentemente, um modo de manter distância do
que se diz, colocando-o “na boca” de outros.
(41) As “carroças” brasileiras estão cada vez mais sofisticadas.
Além dessas formas linguísticas, expostas por Koch (1997), há outras
formas em que a polifonia se apresenta. Apontaremos alguns casos de
polifonia propostos por Ducrot, mencionados em Cardoso (1999).

a) Discurso citado
• No discurso direto, temos um único enunciado, um sujeito
falante, com dois locutores (L1 e L2) e duas enunciações.
(42) A professora disse: ler é indispensável.
O L1 é responsável pelo enunciado todo: “A professora disse:
ler é indispensável” (é uma das enunciações). O L2 é respon-
sável por “ler é indispensável” (é a outra enunciação).
• No discurso indireto, a polifonia ocorre numa fronteira menos
delimitada, pois o locutor incorpora linguisticamente na sua fala
a fala de L2, o que equivale a dizer que há uma única enun-
ciação e um único locutor.
• No discurso indireto livre, o locutor fala de perspectivas dife-
rentes, porém sem demarcá-las linguisticamente. Misturam as
vozes de dois enunciadores (E1 e E2), sem que se possa distin-
guir com clareza qual é o ponto de vista do narrador e qual é
o do personagem.

Reflita

Leia o trecho retirado do capítulo I de Vidas secas, de Graciliano Ramos.


Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-
se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um
pouco de lama.
Cavou a areia com as unhas, esperou que a água mare-
jasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado,

unitins • letras • 6º PERÍODO  67


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vi-


nham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas
estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente
cobria-se de cirros - e uma alegria doida enchia o cora-
ção de Fabiano.
Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se
como uma coisa, para bem dizer não se diferenciava
muito da bolandeira de seu Tomás. Agora, deitado,
apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria le-
vado a bolandeira de seu Tomás?
Nesse trecho, há exemplos de discurso indireto livre. De que forma a
polifonia se apresenta por meio desse discurso? Há outro(s) caso(s) de
polifonia?

b) Ironia
O locutor coloca em cena um enunciador e o faz dizer coisas
absurdas e assumir uma posição cuja responsabilidade o locutor
não quer admitir.
(43) Vocês veem, o meu marido esqueceu a data do casamento.
De fato, o marido não esqueceu a data do casamento, mas alguém
sustentava a ideia de que ele esqueceria.
c) Negação
Ducrot diferencia dois tipos de negação: a polêmica e a metalin-
guística. A negação polêmica introduz um ato de refutação.
(44) Maria não é feia.
O locutor põe em cena dois enunciadores: E1 que expõe que Maria
é feia, e E2 recusa o que é exposto por E1.
A negação metalinguística visa a atingir o próprio locutor do enun-
ciado oposto, do qual se contradizem os pressupostos.
(45) Maria não é feia, ela é linda!

Reflita

Por que o enunciado “O Brasil não é um dos piores contribuidores do


efeito estufa” é polifônico?

68  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

d) Mas
O mas constitui um operador argumentativo por excelência, pois
permite contrapor a perspectiva do locutor à de um enunciador.
(46) Ela não é bonita, mas é simpática.
Pelas reflexões feitas neste capítulo, ficou evidente que a argumentatividade
está presente em todo uso da linguagem humana, em qualquer tipo de texto e
não apenas naqueles tradicionalmente classificados como argumentativos. Não
há texto totalmente neutro, objetivo, imparcial. A suposta neutralidade de alguns
discursos, como o científico e o didático, é apenas uma máscara, uma forma de
representação: o locutor representa no teatro “como se” fosse neutro, “como se”
estivesse engajado, comprometido, “como se” não estivesse tentando orientar
o outro para determinadas conclusões, no sentido de obter dele determinados
comportamentos e reações (KOCH, 1997).

Saiba mais

Sugerimos a leitura da obra Ironia em perspectiva polifônica, de Beth Brait.

Referências
CARDOSO, S. H. B. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
KOCH, I. G. V. A inter-ação pela linguagem. 3. ed. São Paulo: Contexto,
1997.
______. Argumentação e linguagem. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

Anotações

unitins • letras • 6º PERÍODO  69


CAPÍTULO 5 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

70  6º PERÍODO • letras • unitins


6
Análise da conversação: CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

um percurso de trocas
e negociações

Introdução
Você, em algum momento, já parou para analisar como as pessoas falam,
como elas estabelecem certa ordem no diálogo e como isso é natural? Ninguém
grita no meio de um diálogo, assim do nada: “você falou, ele falou, agora é a
minha vez de falar, e, em seguida, será ele”. Essa “ordem” e essa certa “coope-
ração” ocorrem nas estratégias estabelecidas pelos sujeitos falantes no momento
da enunciação.
A análise do desempenho linguístico na fala não se serve apenas da gramá-
tica, do estudo sintático, morfológico, das estruturas verbais e não verbais e de
suas relações. É preciso mais que isso, é necessário algo novo que você estudará
neste capítulo: a análise da conversação (AC).
Temos certeza de que esse conteúdo despertará em você grande interesse,
afinal, quem não gostaria de perceber criticamente os recursos de polidez de
seu interlocutor, como ele utiliza as palavras em seu favor, de observar quais as
pausas adotadas por ele e como essas pausas o auxiliam na produção de um
efeito de verdade.
A análise da conversação surgiu, em meados da década de 1960, em
um contexto muito específico ligado à antropologia e à sociologia. Inicialmente
buscou apenas descrever as estruturas da conversação e seus mecanismos orga-
nizáveis. Atualmente, esses estudos buscam analisar conhecimentos linguísticos,
paralinguísticos e socioculturais que, necessariamente, precisam ser partilhados
para que a interação ocorra com certo sucesso.
Os processos cooperativos, presentes na atividade conversacional, são
outros elementos que devem ser considerados. Assim aspectos sociais, culturais,
conhecimentos linguísticos passaram a ser observados e analisados.
Neste capítulo, veremos os princípios que sustentam a análise da conver-
sação e quais as metodologias utilizadas. Adotaremos inicialmente a perspectiva
histórica para mostrar o surgimento das pesquisas em análise da conversação.
Ao final deste capítulo, você deverá ter compreendido o que é a análise da
conversação, como ela surgiu e como ela poderá contribuir para o ensino e o
aprendizado da linguagem.

unitins • letras • 6º PERÍODO  71


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Saiba mais

Ler artigos científicos embasados na teoria, na metodologia e nos prin-


cípios da análise da conversação também poderá contribuir. Sugerimos
que você leia a obra do professor Luiz Antônio Marcuschi, Análise da
conversação. Essa obra apresenta a evolução dos estudos nessa área,
além de apresentar de forma didática os princípios teórico-metodológicos
da análise da conversação.

6.1 Análise da conversação: surgimento


A semente da AC surgiu, na década de 1960, na linha da Etnometodologia
e na Antropologia Cognitiva. Segundo Marcuschi (2003, p. 6), essa área preo-
cupou-se, até a década de1970,
[...] sobretudo, com a descrição das estruturas da conversação
e seus mecanismos organizadores. Norteou-a o princípio básico
de que todos os aspectos da ação e interação social poderiam
ser examinados e descritos em termos de organização estrutural
convencionada ou institucionalizada. Isso explica a predominância
dos estudos eminentemente organizacionais da conversação.

Essa perspectiva de observação é herança da Etnometodologia, que se apre-


senta como uma abordagem interpretativa da sociologia. Essa área focaliza o
cotidiano de modo a considerá-lo relacionado às habilidades e aos métodos que
as pessoas usam para produzir suas ações.
Em certo sentido, o interesse desses estudiosos no campo da conversação
estava ligado à compreensão dos métodos que os praticantes, interlocutores,
utilizavam para produzi-la e interpretá-la.
A Etnometodologia está ligada à Sociologia da Comunicação e à
Antropologia Cognitiva. Sua perspectiva de pesquisa investiga a forma como as
pessoas se apropriam do conhecimento social. Nesse sentido, a relevância dos
processos de interação é evidente, ou seja, os processos pragmáticos e situacio-
nais revelam como se dá a atividade linguística cotidiana. A interação é o tema
do próximo tópico.

6.2 Interação
Para que a interação ocorra, é preciso bem mais que um emissor e um
receptor, há a necessidade indiscutível da colaboração entre eles, do engaja-
mento entre ambos para que a comunicação ocorra. É preciso que o emissor
considere o receptor, quem ele é, quais são conhecimentos prévios que o seu

72  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

interlocutor deverá obter para compreender a sua fala, o meio, a situação de


comunicação etc.
Para que a troca comunicativa, ou seja, para que o diálogo, meio mais
natural e legítimo de linguagem, ocorra, não basta que dois falantes usem a
fala alternadamente. É necessário que eles “se” falem e que apresentem “sinais
de colaboração e engajamento recíproco” recorrendo aos procedimentos que
favorecerão a interlocução efetiva.
Alguns exemplos desses sinais são as formas de cumprimento, de polidez,
ou as estratégias utilizadas para “confirmar” a fala do interlocutor, ou ainda,
“incentivar” a continuidade de sua fala.
O emissor, falante, indicará com quem está falando, inicialmente, por sua
colocação, ou postura corporal, ou seja, o olhar direcionado para a pessoa com
quem ele fala e o corpo direcionado para essa pessoa etc.
Em seguida, a produção de formas de tratamentos, a produção de recursos
que captam o interesse do interlocutor e recursos que asseguram que ele está, de
fato, atento ao que é falado, como as expressões “sabe”, “você entende”, “né”
etc. serão adotados.
A interação é uma “inter-ação”, como já diz a palavra. A “inter-ação” se dá
entre o eu que falo e o outro que me escuta. O outro, receptor, deverá produzir
alguns sinais que confirmem ao emissor que ele está atento ao ato comunica-
tivo. Esses sinais de escuta têm realizações verbais (“estou te acompanhando”,
“sim, “certo”) e não verbais (a afirmação com a cabeça, sorriso, franzimento
da testa etc.), que são indispensáveis para o bom funcionamento da troca. A
ausência deles poderá comprometer a comunicação e trazer perturbações ao
ato comunicativo.
Essas realizações, esses sinais, devem mostrar certa “sincronia interacional”,
tal como uma dança na qual o parceiro não poderá atrasar-se na realização de um
passo com risco de comprometer a dança. Aqui, também, ocorre o descompasso
entre os sinais, que poderá comprometer o jogo interacional da comunicação.
Como a interação pode ser analisada? Qual a metodologia que sustenta a
análise de um diálogo oral, por exemplo? É sobre esses assuntos que conversa-
remos a seguir.

6.3 Metodologia da AC
Segundo Marcuschi (2003, p. 7), “quanto à característica metodológica
básica, a AC procede pela indução: inexistem modelos a priori. Ela parte de
dados empíricos em situações reais”. A relevância e a superioridade do empí-
rico contribuem para que a AC seja realizada com poucas análises quantitativas.
Assim, na AC, prevalecem as descrições e as interpretações qualitativas.

unitins • letras • 6º PERÍODO  73


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Apesar de buscar, no universo real e singular, os elementos para a sua


análise, a AC objetiva, como qualquer ramo da ciência da linguagem, a elabo-
ração de pressupostos universais em uma dada língua, ou seja, analisa os casos
concretos, descreve, compara e verifica as regras utilizadas em situações reais
que, quando contrapostas a outros casos geram similitudes, nos permitem chegar
a conclusões universais.
Os estudiosos da AC procuraram investigar os aspectos essenciais para a
organização do texto conversacional no:
• macronível: estuda as fases conversacionais, que são aber-
tura, fechamento e parte central e o tema central e subtemas
da conversação;
• nível médio: investiga o turno conversacional, a tomada
de turnos, a sequência conversacional, os atos de fala e os
marcadores conversacionais;
• micronível: analisa os elementos internos do ato de fala,
que constituem a sua estrutura sintática, lexical, fonológica e
prosódia (DIONÍSIO, 2006, p. 70-71).

A AC se justifica por ser necessário estudarmos a conversação, o fato de


ela ser uma prática social comum ao ser humano que desempenha um papel
privilegiado na construção de identidades sociais e relações interpessoais e por
permitir a abordagem de aspectos que envolvem a sistematicidade da língua em
situação real de uso.

Saiba mais

Uma dica de leitura é a obra Análise da conversação, de Catherine Kerbrat-


Orecchioni, que propõe o estudo das relações que se constroem pelo viés
da troca verbal. O objetivo da análise conversacional é explicar as regras
que sustentam o funcionamento das trocas comunicativas de todos os gêne-
ros e decifrar o comportamento daqueles que se encontram engajados na
atividade comunicativa polifônica, complexa e dialógica.

A seguir, veremos como se dá a transcrição das conversações.

6.3.1 A transcrição das conversações


Como o corpus da AC é constituído por conversações produzidas em situa-
ções reais, é indispensável que elas sejam registradas, gravadas ou filmadas,
para que o analista, após a sua transcrição e observação, possa, de fato,
comprovar as suas observações e análises.

74  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

A transcrição deverá ser o mais fiel possível, pois a análise deverá concen-
trar-se na produção dos interlocutores e jamais nas interpretações e ou nas adap-
tações realizadas pelo pesquisador.
Não existe, segundo Marcuschi (2003), uma transcrição melhor que a outra.
O pesquisador deverá realizar a transcrição de acordo com os objetivos da
pesquisa e assinalar o que se mostra como fundamental para a sua pesquisa.
A transcrição deverá, portanto, ser legível e sem sobrecarga de símbolos que
possam comprometer o entendimento dos elementos da conversação.
Um legado importante do Projeto NURC, Projeto de Estudo Coordenado
da Norma Urbana Linguística Culta, sob orientação do professor Dino Pretti,
são as orientações para as normas de transcrição. Veja, no quadro a seguir,
algumas orientações que têm sido admitidas como referência para a transcrição
dos textos orais.

Quadro Normas para transcrição – Projeto NURC.

Ocorrências Sinais Exemplificação


H28
Os falantes devem ser
indicados em linha, com M33
1. Indicação dos falantes
letras ou alguma sigla Doc.
convencional
Inf.
2. Pausas ... não... isso é besteira...
3. Ênfase MAIÚSCULA Ela comprou um OSSO
: (pequeno)
Eu não tô querendo é dizer
4. Alongamento de uma
:: (médio) que... é: o eu fico até:: o:
vogal
tempo todo
::: (grande)
5. Silabização - do-minadora
ela é contra a mulher
6. Interrogação ?
machista... sabia?

7. Segmentos incompre- () borá gente... tenho aula...


ensíveis ou ininteligíveis (ininteligível) ( ) daqui

8. Truncamento de pala- eu... pre/ pretendo


/
vras ou desvio sintático comprar
9. Comentário do
(( )) M. H. é ((rindo))
transcritor
“mai Jandira eu vô dizê
a Anja agora que ela vai
10. Citações ““
apanhá a profissão de
madrinha agora mermo”

unitins • letras • 6º PERÍODO  75


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Ocorrências Sinais Exemplificação


H28. é... existe... [você ( )
11. Superposições de do homem...
[
vozes M33. [pera aí... você
acha... pera aí... pera aí
M33. [[mas eu garanto que
12. Simultaneidade de juita coisa
[[
vozes H. 28 [[eu acho eu acho é
a autoridade
13. Ortografia To, ta, vô, ahã, mhm
Fonte: Dionísio (2006, p. 76).

A AC analisa, segundo Dionísio (2006, p. 75), “materiais empíricos,


orais, contextuais, considerando também as realizações entonacionais e o
uso de gestos ocorridos durante o processamento da conversação”. As nossas
conversas, não resta dúvida, estão recheadas da mistura do verbal e do não
verbal. Steinberg citado por Dionísio (2006, p. 75-77) sistematizou os recursos
não verbais:
a) paralinguagem: sons emitidos pelo aparelho fonador, mas
que não fazem parte do sistema sonoro da língua usada;

b) cinésica: movimentos do corpo como gestos, postura,


expressão facial, olhar e riso;

c) proxêmica: a distância mantida entre os interlocutores;

d) tacêsica: o uso de toques durante a interação;

e) silêncio: a ausência de construções linguísticas e de recursos


de paralinguagem.

Para a AC, falamos com o corpo, com a voz e, por isso, o sistema de
transcrição deverá considerar todos esses recursos e contemplar informações
que assegurem o registro desses elementos para que, em uma análise, eles
produzam sentido e proporcionem maior fidelidade aos dados observados. Veja
um exemplo de transcrição:
L1 a minha carreira aqui na universidade é:: relativamente curta...
pelo seguinte... eh... eu já havia

trabalhado na Usp antes em mil novecentos e sessenta e seis eu


fui professor na Usp da Maria Antonia na

cadeira de língua inglesa... depois eu saí... não briguei com a


universidade eu tinha uma coisa interessante...

eu preferi... aceitar um emprego numa universidade boa dos


Estados Unidos

76  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

]
L2 que legal
[
L1 e... depois quando eu vim pra cá... uhn se for contar pela data
oficial de contrato assinado foi
em noventa e dois... né / então eu já vim pra cá aposentado por
outra universidade
]
L2 ah:: tá
(SILVA; PORTES; CONCEIÇÃO, s/d, p. 1)

Podemos afirmar que a conversação tem como uma de suas características


a alternância de turno. Turnos e organização conversacional são o tema da
próxima seção.

6.4 Turnos e sequências conversacionais


Podemos dizer que há dois tipos de conversação: a conversação simétrica
e a assimétrica.
Chamamos simétrica a conversação na qual o falante e o ouvinte ocupam a
cena, ambos os interlocutores contribuem efetivamente para o desenvolvimento
do tópico conversacional. No caso da conversação assimétrica, um dos parti-
cipantes só contribui com intervenções episódicas, secundárias em relação ao
tópico conversacional (Marcuschi, 2003).
Para entendermos a simetria e a assimetria, precisamos compreender que,
para a AC, a conversa é organizada a partir de turnos. Turno é o período,
o momento em que o falante faz ou diz enquanto tem a palavra, é o seu
uso da linguagem. Deve ser considerada também a produção não verbal,
como os gestos e o silêncio. Marcuschi (2003) defende que a produção do
falante enquanto ele está com a palavra, incluindo a possibilidade de silêncio,
é um turno.
Os turnos são caracterizados como turnos nucleares e turnos inseridos.
Os turnos que apresentam informações e que dão continuidade ao tópico em
andamento são considerados como turnos nucleares. Já os turnos inseridos não
apresentam conteúdos informativos e sim a indicação de que o interlocutor está
atento ao falante.
As estratégias de organização e manutenção dos turnos são variadas.
Vejamos um exemplo de entrevista analisada.
L1 não eu não gostei da ideia sinceramente gostei num sentido...
eu não tenho mais pilhas

unitins • letras • 6º PERÍODO  77


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

duzentas provas pra corrigir ((risos)) né... mas eu sempre gostei


de dar aula... né então... no começo / co
acostumar um pouquinho que não tinha que dar aula né ((riso))...
ma::is... o que que eu vou te dizer? você
quer sa / vocês querem saber só do meu tempo aqui da Usp?
Nessa passagem, de fato percebemos que L1 utiliza o elemento
“né” para “puxar” a atenção dos interlocutores. Contudo, após
usar o elemento “né”, lança mão dos elementos “mas” e” então”,
os quais são elementos utilizados por L1 para manter o turno e
não passá-lo às suas interlocutoras. Ao longo da conversação, L1
utiliza o elemento “ma::is” também para manter o seu turno.

L1 “no começo/ ço acostumar um pouquinho que não tinha que


dar aula né ((risos))... ma::is... o que que eu vou te dizer? você
quer sa / vocês querem saber só do meu tempo aqui da Usp?”

Nesse exemplo, verificamos que o elemento “ma::is” é usado


para manter seu turno enquanto formula um outro tópico, o
que ainda será “encaixado” no mesmo turno, sem passá-lo à
outra interlocutora.
O elemento em questão é utilizado diversas vezes ao longo das
falas de L1, geralmente com o mesmo objetivo, isto é, manter
seu turno e reformular a informação que virá a seguir.
(SILVA; PORTES; CONCEIÇÃO, s/d, p. 5)

A tomada de turno não ocorre de modo aleatório, como se houvesse um


campo de lutas absolutamente desordenado e no qual quem fosse mais forte
tomaria a palavra para si. A tomada de turno obedece a certas regras que
criamos e utilizamos com certa técnica.
O mecanismo, segundo Marcuschi (2003), que governa a tomada de turno
é um sistema espontâneo centrado em aspectos contextuais. As técnicas para
esse autor se resumem em:
Técnica I: O falante corrente escolhe o próximo falante, e este
toma a palavra iniciando o próximo turno;
Técnica II: o falante corrente para e o próximo falante obtém o
turno pela autoescolha (MARCUSCHI, 2003, p. 20).

Essas técnicas obedecem a algumas regras que, ao que tudo indica, estão
diretamente relacionadas aos aspectos culturais e sociais dos falantes. Apesar
das regras e das técnicas, percebemos que há falas simultâneas e sobreposi-
ções de vozes que podem comprometer a comunicação.

6.5 Marcadores conversacionais, importante, não é?


O texto oral é planejado e verbalizado ao mesmo tempo, há, portanto,
a necessidade de um raciocínio rápido para a estruturação das sequên-

78  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

cias. Em todos os momentos, os interlocutores podem empregar os opera-


dores conversacionais. Os marcadores podem desempenhar várias funções,
podem ser articuladores e estruturadores e podem contribuir para o monito-
ramento do ouvinte.
Eles podem ser marcas de aprovação, sinalizadores de hesitação, de
atenuação ou de reformulação, além da intenção e da interação do falante.
Em geral, os marcadores podem ser divididos em:
• marcadores de hesitação: ah, eh, ahn, pausas e alongamentos;
• marcadores de teste de participação ou busca do apoio: sabe?, né?,
certo?;
• marcadores de atenuação da atitude do falante: eu acho que;
• marcadores de apoio/monitoramento do ouvinte: ahn, ahn, uhn, sei.
Os marcadores podem ser utilizados em qualquer instante e por qual-
quer um dos falantes que participam da interação verbal.
Segundo Dionísio (2006), os marcadores conversacionais não contribuem
propriamente com informações novas para o desenvolvimento do tópico, mas
situam-no no contexto geral, particular ou pessoal da conversação.

Saiba mais

Leia mais sobre os marcadores conversacionais. Busque artigos que


apresentam a teoria e a análise de textos com os marcadores conver-
sacionais. Uma sugestão para leitura é o artigo Marcadores conver-
sacionais na linguagem jornalística, de Paulo de Tarso Galembeck
(UNESP/UEL) e Luciane Rampazo Blanco (UNESP). O artigo apre-
senta a importância de uma discussão sobre o papel exercido pelos
marcadores conversacionais na estruturação do discurso falado culto
(linguagem jornalística falada). Para tanto, os autores verificaram a
presença desses elementos nas três posições do turno conversacional
(inicial, medial, final) e a função por eles exercida em cada uma des-
sas posições.
O artigo está disponível no sítio <http://www.filologia.org.br/revis-
ta/artigo/7(20)05.htm>.

Veja, na figura a seguir, alguns dos principais marcadores conversacionais


que utilizamos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  79


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Figura Quadro proposto por Mascuschi para os sinais conversacionais verbais


utilizados pelos falantes: emissor e receptor.

Quadro dos sinais


conversacionais verbais

Sinais do falante Sinais do ouvinte


(orientam o ouvinte) (orientam o falante)

preposicionados posposicionados convergentes indagativos divergentes


ex. ex. ex.
no início de no início de no final de no final de “sim” “será?” “não”
turno unidade turno unidade “ahã” “não “duvido”
ex. comunicativa ex. comunicativa “mhm” diga” “discordo”
“olha” ex. “né” ex. “claro” “mesmo?” “essa não”
“veja” “então” “certo?” “né?” “pois não” “é?” “nada
“mas eu” “aí” “viu?” “não sabe?” “de fato” “ué” disso”
“eu acho” “daí” “entendeu?” “certo?” “claro, claro” “como?” “nunca”
“não, não” “portanto” “sacô?” “entende?” “isso” “como “peraí”
“epa” “agora veja” “é isso aí” “de acordo?” “ah sim” assim?” “calma”
“peraí” “porque” “que acha?” “tá?” “ótimo” “o quê?” etc.
“certo, mas” “e” “e então?” “não é?” “taí” etc.
“sim, sei, “mas” “diga lá” etc. etc.
mas” “assim” “é ou não
“quanto a “por é?”
isso” exemplo” etc.
“nada “digamos
disso” assim”
“você “quer dizer”
esquece” “eu acho”
“como “como você”
assim?” etc.
etc.

Fonte: Marcuschi (2003, p. 68).

A AC é centrada nos fenômenos de linguagem oral. Há um forte entendimento


de que a AC permite, por exemplo, analisar entrevistas, filmagens, gravações que
formam o corpus de pesquisa de múltiplas áreas da ciência.

A pesquisa de caráter qualitativo tem se mostrado cada vez mais importante no


estudo dos fenômenos que envolvem o homem. A AC permite que aspectos ligados à
subjetividade do sujeito sejam considerados no âmbito da ciência.

80  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Você, como futuro professor, precisa estar atento às manifestações orais de seus
alunos. É necessário trabalhar a oralidade de modo crítico para que o aluno observe
suas produções orais, reflita sobre elas e ultrapasse o ensino de línguas centrado na
gramática.

Reflita

Uma atividade interessante de aplicação da AC em contexto educacional é a


simulação de análises dos textos orais produzidos, por exemplo, pelos funcioná-
rios da escola. Em uma atividade como essa, você poderá provocar uma reflexão
sobre os aspectos conversacionais utilizados por todos nós o tempo todo.
Arrisque uma análise, veja a entrevista que está disponível no sítio <http://www.
youtube.com/watch?v=FHg_X6zqfxo>. É interessante que você perceba a cons-
trução das falas. Ao realizar a transcrição, você verá que Jô Soares e Marília
Gabriela utilizam a fala com recursos de pausa, silêncio, gestos, muitas entona-
ções diferentes, sorrisos.

No próximo capítulo, apresentaremos algumas possibilidades de aplicação das


teorias estudadas neste caderno. Lembre-se de consultar os PCN que apresentam as
orientações para o ensino da língua materna.

Referências
DIONÍSIO, Â. P. Análise da conversação. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.).
Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. v. 2.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. 5. ed. São Paulo: 2003.
SILVA, G. V. da; PORTES, G. A. A.; CONCEIÇÃO, L. D. da. Estratégias de manu-
tenção de turno. [s/d]. Disponível em: <http://www.usp.br/anagrama/Silva_Turno.
pdf>. Acesso em: 2 maio 2010.

Anotações

unitins • letras • 6º PERÍODO  81


CAPÍTULO 6 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

82  6º PERÍODO • letras • unitins


7
Ensino-aprendizagem: CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

análises de produções
discursivas

Introdução
O grande desafio que você encontrará a partir de agora não é compreender
a teoria. É evidente que você deverá se dedicar a esse propósito, estudando,
lendo artigos da área e a bibliografia básica sugerida, porém o desafio maior é
outro: compreender como essas teorias se ligam ao contexto educacional.
Este capítulo apresentará algumas situações de aplicação dessas teorias
no contexto educacional. Por isso é importante que você reveja o conteúdo
dos capítulos deste caderno quando surgirem dúvidas sobre as teorias
aqui apresentadas.
Esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de compreender as
ligações existentes entre a teoria e a sala de aula.

7.1 Discurso: ensino e aprendizagem


A missão da escola é levar o aluno a dominar diferentes universos semân-
ticos que são importantes para uma dada sociedade ou cultura. À escola fica
o desafio de oferecer condições para que os alunos se tornem realmente quali-
ficados para o exercício de diferentes tipos de discurso.
Por isso, em vez de técnicas de redação, exercícios estruturais, treina-
mento de habilidades de leitura e identificação de elementos formais que
constituem o texto, o professor deve privilegiar práticas escolares que levem à
formação de alunos leitores e produtores de textos, à construção de sentidos
que se renovam por meio da interação com o outro. Para tanto, é necessário
que o aluno, desde o início da escolaridade, seja exposto a uma grande
variedade de textos e discursos e levado a produzir sentidos a partir dos
textos que lê.
Há uma variedade de discursos que circulam socialmente. Cada um cons-
titui um espaço de regularidades associadas a certas condições de produção:
o discurso científico, o discurso literário, o discurso jornalístico, o discurso da
propaganda, o discurso religioso, para não citarmos outros. É de fundamental
importância o aluno leitor dominar algumas das regras que determinam o exer-
cício de sua função enunciativa.

unitins • letras • 6º PERÍODO  83


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Segundo Cardoso (1999), as práticas discursivas em sala de aula devem


estar voltadas para a característica mais fundamental de todo discurso: a hete-
rogeneidade. Esse elemento constitui uma condição de leitura dialógica, voltada
para mais de uma “voz” do discurso. É necessário que se enfatize que o dialo-
gismo é um elemento constitutivo da própria linguagem, dado que toda prática
de linguagem tem como referência o outro, um interlocutor.
Uma das sugestões de Cardoso (1999) é realizar um trabalho com o
discurso da propaganda e marketing, pois constitui material privilegiado para
a prática escolar de ensino e aprendizagem de língua materna. A reflexão
sobre a linguagem na sala de aula de aula por meio do funcionamento desse
tipo de discurso produzido em nossa sociedade, ao qual estamos expostos no
nosso dia a dia, sobretudo, pela mídia, pode ser um elemento poderoso para
ajudar a fazer da escola um espaço mais transformador do que reprodutor, a
formar alunos leitores e produtores de textos conscientes do lugar que ocupam
na sociedade e capazes de reagir criticamente àquilo que se institui.
Cardoso (1999, p. 95-96) enfatiza que o discurso da propaganda e marke-
ting oferece a oportunidade de se trabalhar com alunos:
1. aspectos pragmáticos: a relação entre eu (locutor) e tu
(alocutário), a representação do locutor e a do alocutário
e a forma de se influenciar alguém pelo discurso (no caso,
levar o alocutário a adquirir o produto); 2. aspectos discur-
sivos: discutir o papel da propaganda na nossa sociedade,
discutir a função da propaganda na mídia como um dos mais
importantes “aparelhos ideológicos” atualidade (se não o
mais importante), discutir o lugar social do alocutário (leitor
dos textos de propaganda como consumidor de produtos etc.
3. aspectos gramaticais: o léxico empregado (o vocabulário
de determinado campo semântico – futebol – utilizado num
outro campo semântico – tecnologia), a morfologia (a forma do
imperativo dos pronomes), a sintaxe (emprego do imperativo
e dos pronomes, sua função); 4. aspectos intersemióticos: a
diferença entre signos verbais (a palavra ou o sino linguístico,
constituído de um significante e um significado, enfatizando-se
que esse significado é constituído no interior das formações
discursivas) e signos não-verbais (a cor, a fotografia); 5. cons-
trução de novos textos, em que o aluno se coloca como locutor
e oferece seu produto (grifo nosso).

Portanto, quando nos comprometemos com um processo educativo interes-


sado em tornar o aluno cada vez mais capaz de interpretar textos que circulam
socialmente, não podemos privilegiar práticas em sala de aula que visem apenas
a elementos formais que constituem o texto. O que deve ser privilegiado são os
processos de constituição de seu sentido (CARDOSO, 1999).
Nas próximas seções, analisaremos algumas atividades práticas que aplicam
a teoria estudada.

84  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Reflita

Qual é a importância do conceito de discurso, como um conjunto de enun-


ciados que remetem a uma formação discursiva, para o ensino e a apren-
dizagem de língua materna?

7.2 A paródia como recurso para apresentar o dialogismo


bakhtiniano, a intertextualidade e a polifonia
A paródia é um dos recursos de criação que evidenciam a presença da
intertextualidade e, consequentemente, do dialogismo e da polifonia.
Uma opção interessante de ser trabalhada com os alunos é a apresentação
de textos que levem sua turma a discutir as diversas características do texto
original que permanecem na paródia.
Exemplificaremos com a canção Noite feliz e uma paródia feita a partir
dela. Essa canção pertence ao imaginário popular e à tradição cultural ligada
ao Natal. Você deve se lembrar da letra, acompanhe.

Noite feliz

Noite feliz! Noite feliz! Noite de paz! Noite de amor!


Ó Senhor, Deus de amor, Nas campinas ao pastor,
pobrezinho nasceu em Belém. Lindos anjos mandados por Deus,
Eis na lapa Jesus, nosso bem. Anunciam a nova dos céus;
Dorme em paz, ó Jesus. Nasce o bom Salvador!
Dorme em paz, ó Jesus. Noite de paz! Noite de amor!
Noite de paz! Noite de amor! Oh, que belo resplendor
Tudo dorme em redor, Ilumina a o Menino Jesus!
entre os astros que espargem a luz, No presépio, do mundo eis a luz,
indicando o Menino Jesus. Sol de eterno fulgor!
Brilha a estrela da paz.

Agora, veja a paródia realizada por Luciana R. Mallon.

Noite infeliz Passei muito mal!

Noite Infeliz... Oh! tinha que ser no Natal...


Quebrei o nariz... Com todo mundo na fila do
Pronto Socorro...
Fui para o hospital...

unitins • letras • 6º PERÍODO  85


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Estou passando mal... Então é Natal, fiz uma enorme


Quase morro, ô, ô, ô! lista de presentes...
Só o meu bolso e minha carteira que
Quero só paz, meu Jesus!
não saíram contentes.
Botei Meu Tênis Velho Na Janela
A Rena do Nariz Vermelho
do Quintal
Botei meu tênis rasgado... Fiz compras de Natal num dia
Na janela do quintal... quente...
Botei este tênis furado... Mas, esqueci de colocar protetor
Lá na noite de Natal! solar...
A minha pele ficou vermelha e
Mas depois de um tiroteio cruel... ardente...
Do outro lado da favela rival!
E o meu nariz não pára de coçar!
Apareceu um Papai – Noel...
E levou meu tênis, que mal! Eu sou a rena do nariz vermelho, que
não pára de sangrar...
Então, É Natal
Então é Natal, que tempo Eu sou a rena do nariz vermelho, o
traiçoeiro... trenó não irei puxar.
Eu já gastei todo meu décimo
terceiro!

Fonte: Disponível em: <http://www.textolivre.com.br/par %C3%B3dias/12475-


parodias-das-musicas-de-natal->. Acesso em: 1 maio 2010.

Percebemos, claramente, o diálogo entre a estrutura da música e da paródia.


Bakhtin (2006, p. 392) afirma que
Não existe nem a primeira nem a última palavra, e não existem
fronteiras para um contexto dialógico (ascende a um passado
infinito e tende para um futuro igualmente infinito). Inclusive os
sentidos passados, ou seja, gerados nos diálogos dos séculos
anteriores, nunca podem ser estáveis (concluídos de uma vez
para sempre, terminados); sempre vão mudar renovando-se no
processo posterior do diálogo.

A desconstrução e a reconstrução dos textos por meio da intertextualidade


são exemplos de materialização do dialogismo bakhtiniano. Conforme defende
esse teórico, produzimos textos que dialogam com um contexto histórico, social e
cultural. O texto é resultado, que é parte de um processo que considera palavras
anteriores e um percurso a ser seguido, ainda, para frente em um por vir infinito
de possibilidades, de vozes, por fim, palavras e textos.
Ao analisar os dois textos, reconhecemos a aproximação a partir de uma
temática: o natal. Há uma desconstrução de noite feliz/noite infeliz que sinaliza
mudança de significados. A palavra natal nos remete à noite de festa, alegria,

86  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

comemoração. Ao ler os dois textos, você percebeu que a alegria presente no


texto original dá lugar, na paródia, a uma sucessão de situações que contra-
riam a ideia inicial, há a presença de hospital, dor, fatalidade, caos, nada é
tranquilo, há, portanto, uma relação de desconstrução da atmosfera presente no
texto original.
A paródia tem a função de fazer rir, debochar ou ironizar o assunto tratado
no texto original. O tom humorístico pode ser analisado a partir da situação
exposta no texto. A palavra “feliz” com seu antônimo “infeliz”, a citação de
Jesus e o tema natalino colaboram para o diálogo entre os dois textos.
A paródia pode nos fazer refletir, pensar, ver as situações sobre outro prisma
de observação. Nesse sentido é um diálogo que favorece a nossa criticidade. É
o caso dos textos a seguir.

Atirei o pau no gato Não atirei o pau no gato


Atirei o pau no gato tô tô Não atire o pau no gato-tô
Mas o gato tô tô Por que isso-sô
Não morreu reu reu Não se fa-a-az
Dona Chica cá O gatinho-nhô
Admirou-se se É nosso amigo-gô
Do berro, do berro que Não devemos maltratar os
o gato deu: animais.
Miau! Miau!

Veja que, nessa situação, há um diálogo entre dois pontos de vista. Podemos
notar, no primeiro texto, uma voz que é negligente à dor do gatinho e acha
“normal” atirar a pedra no bichano, e outra voz que é contra a violência e
defende com carinho o bichano.
No segundo texto, percebemos que a voz que fala, ou seja, que dialoga
com a voz presente no texto original apresenta um novo olhar, um novo ponto
de vista. Nesse caso, há respeito aos animais e aos valores éticos e defesa da
não violência.

Saiba mais

Leia sobre os contos politicamente corretos. Veja como as estruturas da


narrativa foram mantidas, muitas vezes há a conservação dos mesmos per-
sonagens, do mesmo cenário, mesma situação problema ou conflito.
Em outros momentos há um ou mais personagens que entram para mudar a
narrativa. Na maioria deles, há uma nova forma de ser a situação original.
Há uma ideologia a ser defendida como no conto da gata borralheira.
Essa nova versão defende, agora, um posicionamento menos passivo da

unitins • letras • 6º PERÍODO  87


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

personagem, no qual o casamento não é a única alternativa para a felici-


dade. Nessa nova abordagem, a protagonista é “dona” de se destino. É
uma atualização para um texto clássico numa perspectiva mais feminista e
mais atual.
Leia mais sobre esses textos no livro Contos de fada politicamente corretos,
do autor James Finn Garner, publicado pela Ediouro.

O dialogo, a intertextualidade e a polifonia ocorrem em outras formas de


representação do pensamento humano, com base em outras linguagens, como a
música, os gestos ou a pintura, que é o caso do exemplo que segue.

Figura 1 Reprodução do quadro Figura 2 E releitura do quadro


Monalisa de Leonardo da Monalisa de Leonardo da
Vinci. Vinci. Gravura de Maurício
de Souza.

Fonte: Disponível em: <http://api.ning.


com/files/ijUpatUTWDTV*Nl0cA Fonte: Disponível em: <http://fotos.
gzTujXFKrxBnCY JvKOkvuHJew_/ imagensporfavor.com/img/pics/
monalisa.jpg>. Acesso em: 1 maio glitters/m/m%F4nica_-3474.jpg>.
2010. Acesso em: 1 maio 2010.

Perceba o diálogo entre as duas obras. A criação de Maurício de Souza


tem como fonte de inspiração a tela de Leonardo da Vinci. Observe a posição
das personagens, o cenário de fundo, a direção do olhar das duas, o sorriso
enigmático. Porém percebemos a tonalidade das cores muito mais vivas na tela
de Maurício de Sousa, a conservação do traço característico de Maurício, bem
como a permanência dos dentões da Mônica.

88  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

A nova criação apresenta um tom bem humorado, mais leve, menos tenso
e poderá ser utilizada em sala de aula, inclusive estimulando a criação dos
alunos que poderão apresentar desenhos, poemas e textos críticos a partir das
duas obras.
Com base nessas observações, você poderá trabalhar em sala de aula vários
tipos de texto buscando enfatizar o diálogo entre eles, além da polifonia e da
intertextualidade existente.
Os PCN (1998, p. 83) selecionam como atividades que precisam ser reali-
zadas no ensino médio:
1. elaboração de textos procurando incorporar na redação
traços da linguagem de grupos específicos;
2. estudo de textos em função da área de conhecimento, identifi-
cando jargões próprios da atividade em análise;
3. comparação de textos sobre o mesmo tema veiculados em
diferentes publicações (por exemplo, uma matéria sobre meio
ambiente para uma revista de divulgação científica e outra
para o suplemento infantil);
4. comparação entre textos sobre o mesmo tema, produzidos em
épocas diferentes;
5. comparação de duas traduções de um mesmo texto original,
analisando as escolhas estilísticas feitas pelos tradutores;
6. comparação entre um texto original e uma versão adap-
tada do mesmo texto, analisando as mudanças produzidas;
7. comparação de textos de um mesmo autor, produzido em
condições diferentes (um artigo para uma revista acadêmica e
outro para uma revista de vulgarização científica);
8. análise de fatos de variação presentes nos textos dos alunos;
9. análise e discussão de textos de publicidade ou de imprensa
que veiculem qualquer tipo de preconceito linguístico;
10. análise comparativa entre registro da fala ou de escrita e
os preceitos normativos estabelecidos pela gramática tradi-
cional. (PCN, 1998, p. 83)

Com base nesses dois exemplos de abordagens que trouxemos, você poderá
verificar que várias atividades previstas nos PCN podem e devem ser realizadas,
entre elas os itens 4 e 6.
Em sua prática, lembre, sempre, que a teoria nasce da prática. Foi obser-
vando os fenômenos de linguagem e da comunicação que as teorias de dialo-
gismo, polifonia e intertextualidade surgiram. É na prática comunicativa de seus
alunos que você terá subsídios para a aplicação dessas teorias de modo a atender
ao que é previsto para cada série do ensino fundamental e ensino médio.
Na próxima seção, veremos como podemos trabalhar a oralidade.

unitins • letras • 6º PERÍODO  89


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

7.3 Análise da conversação


A análise da conversação é um campo novo de estudo e pesquisa. As
técnicas de análise da conversação têm sido tomadas como base para atender
às mais diferentes finalidades, como entrevistas orais, registros orais formais e
informais etc.
Os PCN (1998, p. 25) defendem que é papel do professor favorecer
Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos
entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estra-
tégia de construção do conhecimento, pois permite a troca
de informações, o confronto de opiniões, a negociação dos
sentidos, a avaliação dos processos pedagógicos em que
estão envolvidos.

Você poderá realizar gravação, transcrição e análise em sala de aula,


por exemplo, de discursos de políticos. Uma entrevista concedida a um jornal
poderá fornecer muito material para análise. Você pode dividir a sala para
que alguns façam a transcrição e apresentem ao grupo e um grupo menor
proponha uma análise crítica da fala dos candidatos. Os alunos poderiam,
assim, compreender os recursos de pausa, silêncio, ironia, entonação em situa-
ção real.
Os PCN (1998, p. 86) determinam que é importante que o aluno
• amplie, progressivamente, o conjunto de conhecimentos discur-
sivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos
sentidos do texto;
• reconheça a contribuição complementar dos elementos não-
verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal);
• utilize a linguagem escrita, quando for necessário, como
apoio para registro, documentação e análise;
• amplie a capacidade de reconhecer as intenções do enun-
ciador, sendo capaz de aderir a ou recusar as posições ideo-
lógicas sustentadas em seu discurso.

Agindo assim, há fortes possibilidades de você ultrapassar o ensino conteu-


dista da língua portuguesa, ou seja, um ensino afastado da vida cotidiana. Você
poderá passar a ser um professor que capacitará seus alunos no uso eficiente da
língua em todas as suas possibilidades, formando o aluno para a cidadania.
A partir das análises aqui apresentadas, você compreendeu que a linguagem,
como discurso, materializa o contato entre o linguístico (a língua como sistema
de regras e categorias) e o não linguístico (um lugar de investimentos sociais,
históricos, ideológicos) por meio de sujeitos interagindo em situações concretas.
Percebeu que o sentido do texto não se dá apenas pelos elementos linguís-
ticos, mas também pela interação entre os interlocutores e pela relação do texto
com outros textos.

90  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

Referências
CARDOSO, S. H. B. Discurso e ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Ensino Médio. Disponível em: <http://www.cienciamao.if.usp.br/dados/pcn/_
linguaportuguesaparametroscurricularesnacionais-ensinofundamental.arquivo.
pdf>. Acesso em: 3 maio 2010.

Anotações

unitins • letras • 6º PERÍODO  91


CAPÍTULO 7 • língua portuguesa vi: discurso e ensino

92  6º PERÍODO • letras • unitins


Créditos

EQUIPE UNITINS
Organização de Conteúdos Acadêmicos Carlos Henrique Lopes de Almeida
Revisão Linguístico-Textual Neusa Teresinha Bohnen
Revisão Didático-Editorial Neusa Teresinha Bohnen
Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva
Revisão Digital Rogério Adriano Ferreira da Silva
Katia Gomes da Silva
Projeto Gráfico
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Capas Rogério Adriano Ferreira da Silva

produção editora EADCON


Caro alumno,
Tenemos el placer de presentarte el cuaderno de estudios de la asignatura
Lengua Española VI. De forma general entablaremos discusiones con el
objetivo de profundizar aspectos semánticos, pragmáticos y lingüísticos. Para
poder alcanzar estas metas todo el contenido programático fue dividido en
siete capítulos.

Presentación
En el primer capítulo presentaremos algunos de los usos verbales,
dando énfasis al desempeñado en las oraciones y la construcción de sus
significados, a la vez comentaremos las estructuras de las oraciones, ya en el
segundo capítulo abordaremos las diversas clasificaciones de las oraciones
coordinadas y yuxtapuestas. En el tercer capítulo veremos las conjunciones
subordinadas y las oraciones subordinadas sustantivas y sus categorías. Luego
en el cuarto capítulo abordaremos las oraciones adjetivas y adverbiales. Ya
en el quinto capítulo aprenderemos sobre el uso y los valores del verbo
quedar (se). Posteriormente, en el sexto capítulo, trabajaremos sentido de
involuntariedad de se. Y en el capítulo séptimo retomaremos temas discutidos
en los capítulos anteriores.
De esta forma pretendemos que este Cuaderno de Estudios sea un lugar de
explicaciones que complementen las teleclases y las respectivas investigaciones
bibliográficas necesarias en la dialéctica del proceso de enseñanza y
aprendizaje. No te olvides que la búsqueda incesante del conocimiento debe
formar parte de tu realidad.
¡Buenos estudios!
Prof. Carlos Henrique Lopes de Almeida
1
CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

La intencionalidad textual

Uno no es lo que es por lo que escribe, sino por lo que


ha leído.
Jorge Luis Borges

Introducción
Para iniciar esta nueva etapa de nuestros estudios, te invito a que reflexiones
sobre las diversas posibilidades de comunicación que el lenguaje propicia en
nuestro cotidiano. Para tanto, debes tener en cuenta que todo discurso está
cargado con una idea que puede aparecer de forma más evidente o menos
explícita, sin embargo siempre estará presente en todo acto de comunicación,
sea escrito o hablado. Más adelante comprenderás las razones que nos motivan
a empezar este capítulo entablando este argumento.
Para comprender mejor y colaborar con la comprensión de los temas que
pretendemos poner en marcha, no debes olvidarte que el origen de nuestra
lengua portuguesa es el mismo de la lengua española, consecuentemente varios
conceptos son muy parecidos, o incluso iguales. Además que, en este momento
del curso, ya tienes conocimientos adquiridos en los semestres anteriores, lo que
facilitará tu empresa investigativa. Para auxiliar tu aprendizaje es importante que
investigues y accedas a sitios electrónicos que puedan auxiliarte, allí encontrarás
ejemplos y conceptos teóricos que podrán ayudarte. Al terminar esta clase
esperamos que seas capaz de conocer algunos aspectos importantes sobre el
contexto histórico de América y reconocer el sentido de los verbos de actitud, así
como los componentes de las oraciones y algunas de sus clasificaciones según
su organización.
Empezaremos nuestro estudio con la lectura de un fragmento de una de las
cartas de Cristóbal Colón en la que el navegador presenta algunas impresiones
y describe las particularidades de la tierra a la cual ha llegado. Desde una
perspectiva más amplia debemos observar el texto como una suma de aspectos
subjetivos que reflejan por medio de la suma de los recursos lingüísticos respon-
sables por la organización del fragmento de la carta de Colón.
El primer aspecto que debemos tener en cuenta cuando leemos un texto es
que el lenguaje es el medio utilizado para comunicarse entre las personas. No
obstante, conocer el vocabulario y la gramática que componen una lengua no

unitins • letras • 6º PERÍODO  97


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

garantiza el éxito en la comunicación, es decir, múltiples factores influyen en la


organización del discurso, entre los cuales podemos mencionar la sintonía con el
contexto, aspectos culturales y entonación. Comprender un enunciado requiere
analizar las estructuras sintácticas, teniendo en cuenta la modalidad empleada
y la forma como lo ha presentado. Pensando en un texto escrito, esas huellas
están presentes en los signos utilizados para reflejar una pausa, la intensidad
de una pronunciación, entre otros. A la vez observar los signos morfemáticos
empleados: morfemas verbales y nominales, además de otras unidades que
integran la tesitura textual como adjetivos, preposiciones, adverbios (CEPEDA,
2002, p. 7-8).
Este acercamiento al texto nos revela la postura del emisor del discurso y,
consecuentemente, una comprensión más amplia de los propósitos presentes en
un discurso escrito u oral, sin embargo en esta circunstancia nos detendremos
en el escrito.

Para saber más

Accede al sitio electrónico para comprender mejor los conceptos sobre


pragmática, es una buena oportunidad para observar las diversas
posibilidades que pueden orientar la interpretación y la comprensión de
un texto. El texto presenta entrevistas con 12 jóvenes chilenos de diversos
grupos socioeconómicos y de diferentes edades, obteniendo entre sus
resultados la frecuencia de algunos recursos lingüísticos como, géneros
discursivos, modalidades declarativas, modos verbales, los intensificadores,
un estudio en el cual se constató las combinaciones surgidas a partir de
la interacción conversacional y las estructuras morfosintácticas empleadas
en su acto comunicativo: <http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0071-
17132002003700001&script=sci_arttext>.

El texto que escogimos ha sido una carta producida en el tiempo de las


navegaciones, entre las razones que justifican esta escoja, podemos señalar las
características textuales favorables ante nuestra exposición teórica. Este género
textual es una muestra en la cual podemos encontrar marcas lingüísticas que
reflejan sus intenciones.
Vamos a contextualizar este género textual para que podamos comprender
mejor el uso. Según Pizzaro (1993), la reflexión sobre los discursos producidos
en la situación histórica colonial debe considerar un espacio con problemas
específicos, que poseen ritmo y tiempos propios, exigiendo del lector un
tratamiento adecuado. Por ello me parece que debes investigar que representaron
las crónicas, cartas y diarios de navegación.

98  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

Para saber más

Vamos a detenernos un rato en esta dirección <http://letras-uruguay.


espaciolatino.com/aaa/sarco/cronistas_indianos.htm> , cuyo autor presenta
informaciones que pueden colaborar para desvelar la participación de esta
clase de literatura en nuestra formación, rápida explicación sobre el tema,
además de características que estuvieron muy presentes en la gran mayoría de
los textos que pertenecen a esta modalidad. Les aseguro que elucidará nuestro
paseo y a la vez saltaran algunas claves que nos ayudaran en este viaje.

Carta de Colón a los reyes católicos – “La tierra de Gracia”


Partí en nombre de la Santísima Trinidad el miércoles 30 de mayo de
1498 de Sanlúcar de Barrameda y navegué a las Islas Madera por camino
no acostumbrado, por evitar los perjuicios que me hubiera causado una
armada francesa que me aguardaba cerca del cabo de San Vicente, y de
allí a las Islas Canarias. De aquí partí con una nave y dos carabelas; envié
los otros navíos directamente a la Isla Española, y yo navegué rumbo al Sur
con propósito de llegar a la línea equinoccial, y de allí seguir al Poniente
hasta que la Española quedase al Norte. Llegando a las islas de Cabo Verde
(falso nombre, porque son tan secas que no vi en ellas cosa verde alguna)
con toda la gente enferma, no osé detenerme en ellas y navegué al Sudoeste
480 millas, donde anocheciendo tenía la Estrella Polar en cinco grados. Allí
me desamparó el viento y entré en una zona de calor y tan grande, que
creí que se me quemarían los navíos y la gente. El desorden fue tal que no
había persona que osase descender bajo cubierta a reparar las vasijas y
víveres. Duró este calor ocho días, el primero de los cuales fue soleado y los
siete siguientes de lluvia y nublados, que si hubiesen sido soleados como el
primero creo que no hubiéramos podido escapar de manera alguna.
Plugo a Nuestra Señora, al cabo de esos ocho días, darme buen viento
de Levante y yo seguí al Poniente, mas no osé declinar hacia el Sur porque
hallé grandísimo cambio en el cielo y las estrellas. Decidí, pues, mantener
rumbo Oeste y navegar a la altura de Sierra Leona hasta donde había
pensado encontrar tierra para reparar los navíos, remediar la escasez de
víveres y tomar agua, que ya no tenía. Al cabo de diecisiete días en que
Nuestro Señor me dio viento favorable, el martes 31 de julio, al mediodía,
avistamos tierra. Yo la esperaba desde el lunes anterior y había mantenido
el rumbo invariable hasta entonces, mas el martes, al salir el sol, careciendo
ya de agua, decidí dirigirme a las islas de los caribes y tomé esa dirección.
Como su Alta Majestad siempre ha usado de misericordia conmigo, por
suerte subió un marinero a la gavia y vio al Poniente tres montañas juntas.
Dijimos la Salve Regina y otras oraciones, y dimos todos muchas gracias a
Nuestro Señor; después dejé el camino al Norte y me dirigí a tierra;

unitins • letras • 6º PERÍODO  99


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

llegué con el crepúsculo al cabo que llamé de la Galea [hoy cabo Galeote]
después de haber bautizado a la isla con el nombre de Trinidad. Allí
hubiera encontrado puerto de haber sido más hondo; había casas, gente
y muy lindas tierras, tan hermosas y verdes como las huertas de Valencia
en marzo. Pesóme cuando no pude entrar a puerto, y recorrí la costa hasta
el extremo Oeste; navegadas cinco leguas hallé fondo y anclé las naves.
Al día siguiente me di a la vela buscando puerto para reparar los navíos
y tomar agua y víveres. Tomé una pipa de agua y con ella anduve hasta
llegar al cabo; allí hallé abrigo del viento de Levante y buen fondo, donde
mandé a echar el ancla, reparar los toneles y tomar agua y leña, y envié
gente a tierra a descansar de tanto tiempo que andaban penando.
A esta punta la llamé del Arenal [hoy punta de Icacos] y allí se halló la
tierra hollada de unos animales que tenían las patas como de cabra que,
según parece, había en abundancia, aunque no se vio sino uno muerto.
Al día siguiente vino del Oriente una gran canoa con 24 hombres, todos
mancebos, muy ataviados y armados de arcos, flechas y escudos, de buena
figura y no negros, sino más blancos que los otros que he visto en las Indias,
de lindos gestos y hermosos cuerpos, con los cabellos cortados al uso de
Castilla. Traían la cabeza atada con un pañuelo de algodón tejido a labores
y colores tan finos, que yo creí eran de gasa. Traían otro de estos pañuelos
ceñido a la cintura y se cubrían con él en lugar de taparrabo. Cuando llegó
la canoa sus ocupantes hablaron de lejos, y ni yo ni otro alguno les enten-
dimos, mas yo les mandaba a hacer señas de acercarse. En esto se pasaron
más de dos horas; si se aproximaban un poco, luego se alejaban.

Tras la lectura del fragmento de la carta, retomamos algunas de las


orientaciones teóricas que presentamos en el inicio del capítulo y podemos
reflexionar sobre algunas características lingüísticas presentes en el texto que
revelan rasgos e intenciones del emisor. La primera que podemos mencionar es
la formalidad, a todo momento encontramos adjetivos que destacan el respeto
y la relación de autoridad que se estable entre el emisor y el receptor. Como
ejemplo podemos aludir a Alta Majestad. Otro aspecto que podemos mencionar
es la relación respetosa con la religiosidad, a atribuir a la Santísima Trinidad un
papel fundamental para la realización de su empresa y en algunos momentos
justificar determinados hechos a las cuestiones divinas. De hecho, con pistas
como esas podemos interpretar algunos de los mensajes a partir de la suma de
todos los elementos particulares que participan de ese contexto.

Reflexiona

La atribución de las actitudes de creencia, ignorancia, conocimientos,


expectativas, preferencias, pedidos, proposiciones, expresiones de

100  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

gusto y disgusto etc, son iniciativas que generalmente asumimos ante


las proposiciones, es decir, encontramos derivaciones semánticas en el
interior de los textos, a ejemplo de los comentarios que hicimos con el
uso de algunas unidades como adjetivos y pronombres.
Como ejercicio, señala otras marcas textuales en la carta de Colón que
puedan generar esas derivaciones semánticas y busca ejemplos de nuestro
cotidiano que puedan ser comparados a los ejemplos que has retirado de
la carta.
Seguramente habrás encontrado diversos ejemplos en el texto, imagino
que entre las respuestas puedas haber destacado: “había casas, gente y
muy lindas tierras, tan hermosas y verdes como las huertas de Valencia en
marzo”. Para el autor, Colón, el referencial adecuado es Valencia, a que
compara el paisaje descripto.
Entre los ejemplos presentes en la actualidad que más se acercan a nuestra
idea están las publicidades, pues el lenguaje empleado genera una gran
cantidad de derivaciones semánticas. Los signos lingüísticos generan
mensajes que para completarse necesitan sintonía con los receptores y
pueden ser interpretadas por medio de diversas formas.

1.1 Verbos de actitud


Al tratar de delimitar el contenido gramatical que proponemos en este
capítulo, creímos que lo más coherente sería iniciar nuestra exposición con
la discusión de las construcciones en el plano lingüístico y los productos en el
plano semántico, es decir, mediante algunas estructuras como verbos, dentro
de tiempos y modos que generan una carga semántica. La clasificación de los
verbos de actitud puede variar según el teórico que oriente los estudios, otros
nombres que podemos señalar son: verbos de actitud, ítems lexicales modales,
modales epistémicos explícitos etc.
Dentro de una concepción sistémico-funcional Halliday los define como
metáfora interpersonal, pues en la modalidad explícita el hablante emite su
opinión codificada por medio del verbo, como podemos observar en el ejemplo
a seguir.
Creo que esta sopa no se cocinará nunca.

Verbo Cláusula subordinada

La proposición del verbo creer, en verdad no es creo, con la idea de


incertidumbre, sino la de así es, seguro de su opinión.
A seguir, te presentamos algunas combinaciones de verbos de actitud, cuyas
oraciones tienen el mismo sujeto en los dos verbos:

unitins • letras • 6º PERÍODO  101


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

Verbo en presente o pretérito + infinitivo.


Mira algunos ejemplos.
Espero llegar a tiempo a la fiesta.

(yo espero) (yo llego)

No quisiste saber mi opinión sobre la situación.

(tú no quisiste) (tú no supiste)

Verbo en presente o pretérito + infinitivo perfecto (hecho que se presenta


como terminado en algún momento de referencia).
No esperaba haber reunido tantos donativos a fin de mes.

(yo no esperaba) (yo reuní)

Queremos haber dejado mañana este país.

(nosotros queremos) (nosotros dejamos)

A seguir, te presentamos algunas combinaciones de verbos de actitud, cuyas


oraciones tienen sujetos diferentes en los dos verbos:
Ejemplos
Verbo en presente + que + presente de subjuntivo.
Mira algunos ejemplos:
Espero que llegues a tiempo a la fiesta.

(yo espero) (tú llegas)

Prefieren que esperes en el garaje.

(ellos prefieren) (tú esperas)

Verbo en presente + que + pretérito perfecto de subjuntivo (acontecimiento


que se presenta como concluido en algún momento futuro de referencia).
Esperan que la semana que viene hayas cumplido con tu propuesta.

(ellos esperan) (tú cumplirás)

102  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

No quiero que ese día ya hayan usado todo la tinta.

(yo no quiero) (ustedes usarán)

Verbo en pretérito + que + pretérito imperfecto de subjuntivo.


No esperaba que me trajeses/trajeras chocolates.

(yo no esperaba) (tú trajiste)


Quisieron que firmásemos/firmáramos el documento sin leerlo.

(ellos quisieron) (nosotros firmamos)

Reflexiona

Considerando las estructuras anteriormente presentadas, transforma las


frases cambiando el sujeto de cada verbo señalado por los que están entre
paréntesis.
Ejemplo: No creo que llegues a tiempo. (él – ellos)
No cree que lleguen a tiempo.
a) Espero poder participar de todos los partidos de la copa. (él – nosotros)
______________________________________________________________
b) Prefiero vivir en la capital porque hay más oportunidades. (ellos – tú)
______________________________________________________________
c) ¿Por qué preferiste quedarte en la playa durante el verano? (usted – tú)
______________________________________________________________
d) ¡Quería ir a fiestas todas las noches! (tú – yo)
______________________________________________________________
e) Prefería comprar carros nacionales para pagar menos. ( él – nosotros)
______________________________________________________________
Tras comparar y analizar el uso de las estructuras verbales presentes en la
unidad, seguramente habrás llegado a las siguientes respuestas:
a) Espera que podamos participar de todos los partidos de la copa.
b) Prefieren que vivas en la capital porque hay más oportunidades.
c) ¿Por qué prefiere que te quedes en la playa durante el verano?
d) Querías que fuera a fiestas todas las noches.
e) Prefiere que compremos carros nacionales para pagar menos.

Tras los ejercicios continuamos con más estructuras de verbos de actitud,


ahora con estructuras de oración principal y oración subordinada. Entre las

unitins • letras • 6º PERÍODO  103


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

particularidades que podemos señalar están el uso de “que” en algunas


oraciones y su ausencia en otras, como observamos en los ejemplos:
a) Les gusta que los llamen antes del desayuno.
b) Le importa que lo tuteen.
c) Les molesta que los traten mal.

a) A mí no me gusta hablar de cosas tristes.


b) A nosotros no nos importa cantar música repetida por otros.
c) A ustedes no les molesta bailar en el salón.
Otras características que podemos enfatizar en las estructuras son:
el sujeto de la oración principal y de la subordinada coincide, la persona del
objeto indirecto (OI) se expresa sobre su propia acción.
Presente condicional o pretérito + infinitivo.
Mira algunos ejemplos.
No me gusta llegar tarde a las fiestas.

(a mí) (yo llegar)


No les importaría trabajar por las mañanas.

(a ellos) (ellos trabajarían)


Me molestaba ser el único del equipo.

(a mí) (yo era el único)

El sujeto de la oración principal no coincide con el de la subordinada, la


persona del OI se expresa sobre la acción de otra persona.
Presente + que + presente de subjuntivo
Mira algunos ejemplos.
No me gusta que hables en inglés.

(a mí) (tú hablas)


No nos importa que salgan más temprano.

(a nosotros) (ellos salen)

104  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

Pretérito o condicional + que + imperfecto de subjuntivo.


Me molestó que me dijera toda la verdad así.

(a mí) (él me dijo)


Os gustaría que yo fuese vuestro vecino.

(a vosotros) (yo sería)


No le importaba que lo invitasen.

(a él) (ellos lo invitasen)

Atención al uso de los verbos importar y molestar, también son empleados con
la misma persona en las dos oraciones, para pedir un favor o solicitar una acción.
Ejemplos
¿Te importa abrir el auto?
¿Le molesta quedarse allí?

A la vez pueden ser utilizados con personas diferentes en las dos oraciones,
para solicitar acuerdo o pedir permiso.
Ejemplos
¿Le importa que prenda la luz?
¿Te molesta que hablemos en la pieza?

Reflexiona

Considerando el uso de los verbos importar y molestar analiza las frases a


seguir y escribe si corresponde a un favor o se pide permiso.
a) ¿Te importa que deje el auto aquí? Está tarde.
_____________________________ _______________________________
b) ¿Le importa esperar en el comedor? Pedro ya viene.
______________________________ ______________________________
c) ¿Le molestaría acercarse un poco a la cama?
______________________________ ______________________________
d) ¿Te importaría ir a la casa de Pablo?
______________________________ ______________________________
e) ¿Te molesta que mi amiga se quede a dormir, papá?
______________________________ ______________________________
Seguramente tras analizar las frases habrás llegado a las respuestas:

unitins • letras • 6º PERÍODO  105


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

a) pedir permiso;
b) favor;
c) favor;
d) favor;
e) pedir permiso.

Rincón Cultural
El Papiamento es derivado del español y del portugués, este dialecto es
hablado también en Aruba y Bonaire. Pero el idioma holandés es la lengua
oficial en Islas ABC, que junto con las islas Saba, San Eustaquio y San Martín
integran las Antillas Neerlandesas (antes Indias Occidentales Holandesas).
Su origen, posiblemente, ocurrió en la segunda mitad del siglo XVII, en
Curazao, de donde fue llevado a Bonaire, alrededor de 1700, y a Aruba,
hacia finales del siglo XVIII. Los sacerdotes católicos de Curazao lo utili-
zaban desde hacía muchos anos en el contexto religioso y con la población
negra.
Disponible en: <http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/HLE/papiamento.
doc>.

Tuvimos la oportunidad de reflexionar sobre la intencionalidad presente


en el texto, es decir, no podemos desconsiderar en ninguna circunstancia, la
modalidad implícita y la modalidad explicita, lo que posibilita las derivaciones
semánticas y un amplio campo para reflexiones.
Primeramente, leímos el fragmento de una de las cartas de navegación de
Cristóbal Colón, utilizamos el plano lingüístico para entablar una exposición
sobre el plano semántico y sus derivaciones, a la vez mencionamos la importancia
de una sintonía entre el emisor y el receptor, y la importancia de tener en cuenta
diversas particularidades del texto a la hora de interpretarlo.
Sobre el contenido gramatical, estudiamos los verbos de actitud,
relacionándolos a las estructuras de algunas oraciones, aspectos pragmáticos por
medio de estructuras que expresan el pedido de favor y pedido de permiso.
Vamos a continuar con los estudios de las estructuras lingüísticas, nos
detendremos con las relaciones entre oraciones, será un buen momento para
repasar el uso de las conjunciones, además de revisar otras unidades del
plano lingüístico.

106  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

¿Cómo se pronuncia?
Los fonemas consonánticos de Venezuela son 17, 06 oclusivos /p b/,
/t d/, /k g/, cuatro fricativos /s, f, ︣j, h/, uno africado / c/, tres nasales
/m, n , Ɲ/ una lateral /ʎ/ y dos vibrantes /r, r︣/. Se trata de un dialecto
caracterizado por el seseo (ausencia de /ɵ/ y por el yeísmo (ausencia de
/ʎ/). El fonema fricativo glotal sordo /h/ sustituye al fonema velar /x/,
igualmente fricativo y sordo (SEDANO; BENTIVOGLIO, 1996, p. 120).

Referencias
Alvar, M. Manual de dialectología: el español de América. Barcelona: Editorial
Ariel, 1996.
CEPEDA, G. Entonación, actitud modal y modalidad. Estud. filol., Valdivia, n. 37,
2002 . Disponible en: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S0071-17132002003700001&lng=es&nrm=iso>. accedido en 18 enero
2010. doi: 10.4067/S0071-17132002003700001.
COLÓN, C. Carta de Colón a los reyes católicos “La tierra de Gracia”. Disponible
en: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bk000388.pdf>.
Accedido el 19 ene. 2010.
El papiamento. Disponible en: <http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/HLE/
papiamento.doc>. Accedido el 19 ene. 2010.
FANJUL, A. Gramática de español: paso a paso. São Paulo, 2005.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Arnold,
1990.
PIZARRO, A. M. América Latina: palavra, literatura e cultura. São Paulo:
Memorial; Campinas: UNICAMP, 1993.

Anotaciones

unitins • letras • 6º PERÍODO  107


CAPÍTULO 1 • Língua espanhola vi

108  6º PERÍODO • letras • unitins


2
CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

Las oraciones

Las cosas son percibidas, los conceptos son pensados,


los valores son sentidos.
Max Scheler

Introducción
En el capítulo anterior presentamos el uso de algunas estructuras verbales
y comentamos algunos aspectos que pueden influir y generar las derivaciones
semánticas, a la vez asociamos y señalamos la importancia de la pragmática.
Continuamos nuestra interacción en el segundo capítulo enfocando el uso de
algunas expresiones de creencia y duda, posteriormente seguiremos la exposición
de las oraciones compuestas, deteniéndonos en sus clasificaciones y usos.
Conviene que busques en los cuadernos de contenidos anteriores
informaciones sobre el uso de las conjunciones, pues se trata de un aspecto
clave para la comprensión de las oraciones compuestas. Estudia, también,
el capítulo 1del cuaderno de contenidos de lengua española V, en el cual
aparecen algunos conceptos sobre la formación de oraciones que serán
importantes para la comprensión del tema que desdoblaremos.
Al concluir esta clase, esperamos que seas capaz de reflexionar sobre el uso
de las expresiones de creencia y duda, la formación de las oraciones compuestas,
además de algunas de sus clasificaciones.

Aniuta
Por la peor habitación del detestable Hotel Lisboa paseábase infatigablemente
el estudiante de tercer año de Medicina Stepan Klochkov. Al par que
paseaba, estudiaba en voz alta. Como llevaba largas horas entregado al
doble ejercicio, tenía la garganta seca y la frente cubierta de sudor.
Junto a la ventana, cuyos cristales empañaba la nieve congelada, estaba
sentada en una silla, cosiendo una camisa de hombre, Aniuta, morenilla de
unos veinticinco años, muy delgada, muy pálida, de dulces ojos grises.
En el reloj del corredor sonaron, catarrosas, las dos de la tarde; pero la
habitación no estaba aún arreglada. La cama hallábase deshecha, y se
veían, esparcidos por el aposento, libros y ropas. En un rincón había un
lavabo nada limpio, lleno de agua enjabonada.

unitins • letras • 6º PERÍODO  109


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

– El pulmón se divide en tres partes -recitaba Klochkov-. La parte superior


llega hasta cuarta o quinta costilla...
Para formarse idea de lo que acababa de decir, se palpó el pecho.
– Las costillas están dispuestas paralelamente unas a otras, como las teclas
de un piano – continuó – Para no errar en los cálculos, conviene orientarse
sobre un esqueleto o sobre un ser humano vivo... Ven, Aniuta, voy a
orientarme un poco...
Aniuta interrumpió la costura, se quitó el corpiño y se acercó. Klochkov
se sentó ante ella, frunció las cejas y empezó a palpar las costillas de la
muchacha.
– La primera costilla – observó – es difícil de tocar. Está detrás de la clavícula...
Esta es la segunda, esta es la tercera, esta es la cuarta... Es raro; estás delgada,
y, sin embargo, no es fácil orientarse sobre tu tórax... ¿Qué te pasa?
– ¡Tiene usted los dedos tan fríos!...
– ¡Bah! No te morirás... Bueno; esta es la tercera, esta es la cuarta... No,
así las confundiré... Voy a dibujarlas...
Cogió un pedazo de carboncillo y trazó en el pecho de Aniuta unas cuantas
líneas paralelas, correspondientes cada una a una costilla.
– ¡Muy bien! Ahora veo claro. Voy a auscultarte un poco. Levántate.
La muchacha se levantó y Klochkov empezó a golpearle con el dedo en
las costillas. Estaba tan absorto en la operación, que no advertía que los
labios, la nariz y las manos de Aniuta se habían puesto azules de frío. Ella,
sin embargo, no se movía, temiendo entorpecer el trabajo del estudiante.
“Si no me estoy quieta – pensaba – no saldrá bien de los exámenes.”
– ¡Si, ahora todo está claro! – dijo por fin él, cesando de golpear –. Siéntate
y no borres los dibujos hasta que yo acabe de aprenderme este maldito
capítulo del pulmón. Y comenzó de nuevo a pasearse, estudiando en voz
alta. Aniuta, con las rayas negras en el tórax, parecía tatuada. La pobre
temblaba de frío y pensaba. Solía hablar muy poco, casi siempre estaba
silenciosa, y pensaba, pensaba sin cesar.
Klochkov era el sexto de los jóvenes con quienes había vivido en los últimos
seis o siete años. Todos sus amigos anteriores habían ya acabado sus
estudios universitarios, habían ya concluido su carrera, y, naturalmente, la
habían olvidado hacía tiempo. Uno de ellos vivía en París, otros dos eran
médicos, el cuarto era pintor de fama, el quinto había llegado a catedrático.
Klochkov no tardaría en terminar también sus estudios. Le esperaba, sin
duda, un bonito porvenir, acaso la celebridad; pero a la sazón se hallaba
en la miseria. No tenían ni azúcar, ni té, ni tabaco. Aniuta apresuraba
cuanto podía su labor para llevarla al almacén, cobrar los veinticinco
copecs y comprar tabaco, té y azúcar.
– ¿Se puede? – preguntaron detrás de la puerta.
Aniuta se echó a toda prisa un chal sobre los hombros.
Entró el pintor Fetisov.
– Vengo a pedirle a usted un favor – le dijo a Klochkov –. ¿Tendría usted la
bondad de prestarme, por un par de horas, a su gentil amiga? Estoy pintan-
do un cuadro y necesito una modelo.
– ¡Con mucho gusto! – contestó Klochkov –. ¡Anda, Aniuta!
– ¿Cree usted que es un placer para mí? – murmuró ella.

110  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

– ¡Pero mujer! – exclamó Klochkov –. Es por el arte... Bien puedes hacer ese
pequeño sacrificio.
Aniuta comenzó a vestirse.
– ¿Qué cuadro es ése? – preguntó el estudiante.
– Psiquis. Un hermoso asunto; pero tropiezo con dificultades. Tengo que cambiar
todos los días de modelo. Ayer se me presentó una con las piernas azules.
“¿Por qué tiene usted las piernas azules?”, le pregunté. Y me contestó:
“Llevo unas medias que se destiñen...”
Usted siempre a vueltas con la Medicina, ¿eh? ¡Qué paciencia! Yo no
podría...
– La Medicina exige un trabajo serio.
– Es verdad... Perdóneme, Klochkov; pero vive usted... como un cerdo.
¡Que sucio está esto!
– ¿Qué quiere usted que yo le haga? No puedo remediarlo. Mi padre no
me manda más que doce rublos al mes, y con ese dinero no se puede vivir
muy decorosamente.
– Tiene usted razón; pero... podría usted vivir con un poco de limpieza. Un
hombre de cierta cultura no debe descuidar la estética, y usted... La cama
deshecha, los platos sucios...
– ¡Es verdad! – balbuceó confuso Klochkov –. Aniuta está hoy tan ocupada
que no ha tenido tiempo de arreglar la habitación.
Cuando el pintor y Aniuta se fueron, Klochkov se tendió en el sofá y siguió
estudiando; mas no tardó en quedarse dormido y no se despertó hasta una
hora después. La siesta le había puesto de mal humor. Recordó las palabras
de Fetisov, y, al fijarse en la pobreza y la suciedad del aposento, sintió una
especie de repulsión. En un porvenir próximo recibiría a los enfermos en
su lujoso gabinete, comería y tomaría el té en un comedor amplio y bien
amueblado, en compañía de su mujer, a quien respetaría todo el mundo...;
pero, a la sazón..., aquel cuarto sucio, aquellos platos, aquellas colillas
esparcidas por el suelo...
¡Qué asco! Aniuta, por su parte, no embellecía mucho el cuadro: iba mal
vestida, despeinada...
Y Klochkov decidió separarse de ella en seguida, a todo trance. ¡Estaba ya
hasta la coronilla!
Cuando la muchacha, de vuelta, estaba quitándose el abrigo, se levantó y
le dijo con acento solemne:
– Escucha, querida... Siéntate y atiende. Tenemos que separarnos. Yo no
puedo ni quiero ya vivir contigo.
Aniuta venía del estudio de Fetisov fatigada, nerviosa. El estar de pie tanto
tiempo había acentuado la demacración de su rostro. Miró a Klochkov sin
decir nada, temblándole los labios.
– Debes comprender que, tarde o temprano, hemos de separarnos. Es
fatal. Tú, que eres una buena muchacha y no tienes pelo de tonta, te harás
cargo.
Aniuta se puso de nuevo el abrigo en silencio, envolvió su labor en un
periódico, cogió las agujas, el hilo...
-Esto es de usted – dijo, apartando unos cuantos terrones de azúcar.
Y se volvió de espaldas para que Klochkov no la viese llorar.
– Pero ¿por qué lloras? – preguntó el estudiante.

unitins • letras • 6º PERÍODO  111


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

Tras de ir y venir, silencioso, durante un minuto a través de la habitación,


añadió con cierto embarazo:
– ¡Tiene gracia!... Demasiado sabes que, tarde o temprano, nuestra
separación es inevitable. No podemos vivir juntos toda la vida.
Ella estaba ya a punto, y se volvió hacia él, con el envoltorio bajo el brazo,
dispuesta a despedirse. A Klochkov le dio lástima...”Podría tenerla – pensó –
una semana más conmigo. ¡Sí, que se quede! Dentro de una semana le diré
que se vaya.”
Y, enfadado consigo mismo por su debilidad, le gritó con tono severo:
– Bueno; ¿qué haces ahí como un pasmarote? Una de dos: o te vas, o si no
quieres irte te quitas el abrigo y te quedas. ¡Quédate si quieres!
Aniuta se quitó el abrigo sin decir palabra, se sonó, suspiró, y con tácitos
pasos se dirigió a su silla de junto a la ventana. Klochkov cogió su libro
de medicina y empezó de nuevo a estudiar en voz alta, paseándose por el
aposento. “El pulmón se divide en tres partes. La parte superior...”
En el corredor alguien gritaba a voz en cuello:
– ¡Grigory, tráeme el samovar!
Anton Chejov
(Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bk00
0163.pdf>)

Tras la lectura del cuento del escritor ruso, te invitamos a reflexionar sobre
la tesitura textual, es decir, sobre el entramado de estructuras responsables por
las direcciones que se establecen en el texto, las relaciones entre las unidades y
las proposiciones serán una constante en este capítulo como mencionamos en la
introducción. Sin embargo, antes de empezar nuestra exposición de los contenidos
gramaticales, nos proponemos algunas observaciones sobre el texto.
¿Te gustó el texto? Es parte de la obra de un autor ruso, poco conocido en
nuestra cultura, sin embargo, de un talento artístico indiscutible, responsable por
obras que reflejan el contexto ruso a partir de una óptica extremamente cruda, a
la vez inquietudes humanas, considerado uno de los grandes representantes del
realismo ruso en fines del siglo XIX e inicio del XX.
Espero que hayas leído con atención el texto, observado la organización
de las ideas, buscado en el diccionario las palabras desconocidas, pues
nuestra actividad requiere del lector este acercamiento al texto. Si no lo has
hecho, ¡es el momento! Después del reconocimiento, podemos aplicar un mirar
direccionado al plano lingüístico, particularmente a la forma como se articulan
las oraciones. Puede parecerte un poco diferente en el inicio, pero debemos
considerar que todos los textos tienen periodos que se asocian a otros para la
producción de la tesitura textual y justamente nos toca en este capítulo analizar
algunas de esas relaciones.

112  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

Reflexiona

En el texto “Aniuta”, hay diferentes oraciones que, dado a su relación,


reciben una clasificación específica ¿qué te parece intentar un ejemplo?
Entre las posibilidades, seguramente habrás encontrado:
“Le esperaba, sin duda, un bonito porvenir, acaso la celebridad; pero a la
sazón se hallaba en la miseria”.
La oración subrayada tiene el sentido adversativo, a razón del sentido
restrictivo que desencadena la conjunción “pero”. Es decir, en la primera
oración, Aniuta pensaba que el futuro de Klochkov sería lleno de
realizaciones; la segunda oración aparece como oposición o restricción a
lo que fue dicho en la primera. El futuro de Klochkov puede ser promisor,
pero el momento que vive es de miseria.

2.1 Las oraciones


Algunos aspectos caracterizan la oración como un enunciado que se limita
entre dos pausas, acompañado de un contorno melódico, a veces interrumpida
por pausas intermedias de menor duración.
En cada situación de interacción y de habla concreta, el sentido de la oración
es cabal. Asimismo, según Llorach (1994, p. 333) las oraciones contienen
necesariamente por lo menos un verbo, que se vuelve responsable por la relación
predicativa. Debido a esa circunstancia, una oración puede ser constituida por
un solo verbo.
¿Te acuerdas de las orientaciones iniciales sobre el repaso de algunas
unidades del cuaderno de contenidos de los semestres pasados? pues ahí podrás
encontrar algunas informaciones que podrán ayudarte a mejor comprender
esas explicaciones.
Dando secuencia a nuestra explicación, ¡no debes olvidarte de la oraciones
compuestas!, pues la asociación entre las oraciones articuladas por el transpositor,
que generalmente es una conjunción, se establece cuando hay más de un
sintagma verbal. Generalmente son clasificadas como:
• coordinadas – son caracterizadas por la independencia de sus oraciones,
es decir, tienen la misma categoría sintáctica, unidas por nexos.
Ejemplo
Mis hermanos duermen/ y / mi madre trabaja.

(oración 1) conjunción (oración 2)

unitins • letras • 6º PERÍODO  113


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

Observemos que las dos oraciones anteriores tienen la misma categoría


sintáctica y no existe una dependencia entre ellas, a punto de comprometer
su significado.
• yuxtapuestas – esta situación es parecida con la coordinación, pues las
dos oraciones tienen la misma categoría sintáctica, sin embargo lo que
puede definir su relación es la ausencia de nexos explícitos entre ellas.
Ejemplo
Los alumnos estudian; sus profesores observan.

(oración 1) (oración 2)

Las dos oraciones que aparecen en el ejemplo se relacionan, sin embargo


mantienen su independencia y no hay nexo explícito entre las dos.
• subordinación – La relación entre las dos oraciones se desdobla mediante
la dependencia de una de las oraciones, la subordinada de la principal.
Ejemplo
No voy a la empresa hoy porque tengo otras actividades.

(oración 1) conjunción (oración 2)

Reflexiona

¿Qué te parece intentar reconocer las oraciones y sus respectivas


clasificaciones?
a) La ciencia apasiona a algunos ciudadanos; deja indiferentes a la mayoría.
______________________________________________________________
b) Continuaré estudiando aunque me cueste mucho.
______________________________________________________________
c) Los habitantes de esta ciudad estudian o se dedican a otras cosas.
______________________________________________________________
Seguramente habrás encontrado las siguientes respuestas, para la letra (a)
oraciones yuxtapuestas, pues las dos oraciones tienen la misma categoría
sintáctica y no tienen nexo explicito. La letra (b) presenta una oración principal
“continuaré estudiando” y la conjunción “aunque” con la función concesiva,
sirviendo como nexo para la oración subordinada. Y en la letra (c) aparecen
oraciones coordinadas, pues comparten la misma categoría sintáctica y son
unidas por el transpositor “o” con el sentido disyuntivo.

114  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

Para poder ilustrar las clasificaciones y a la vez presentar sus categorías,


retomaremos cada una de las definiciones anteriores y expondremos sus
estructuras. ¿Qué tal empezar nuestro recorrido por la coordinación?

CONJUNCIONES COORDINADAS
Función Conjunción
Copulativa Ni, y(e)
Disyuntiva O bien, o (u)
Antes bien, aunque, en cambio, más
Adversativa bien, no obstante, pero, por lo demás, sin
embargo, sino que

Para saber más

Para saber más


El estudio de las oraciones compuestas siempre ha sido temido por los
alumnos y encarado como algo difícil de presentarlo en clase. A seguir
te presentamos una dirección con algunas explicaciones que pueden
auxiliarte a la hora de estudiar o impartir tus clases sobre el tema. En el sitio:
<http://faroescolegio.iespana.es/temas/orac_compuesta.htm> encontrarás
explicaciones sobre el concepto de oración, estructura y explicaciones sobre
las oraciones yuxtapuestas y las coordinadas.

Abordaremos en nuestra exposición algunas de las categorías de las


oraciones coordinadas.
• Las copulativas: según Llorach (1994), son las que cumplen el papel
de unificar oraciones y elementos análogos de una misma oración.
Generalmente no hay obligatoriedad en la secuencia de las oraciones,
pues en la mayoría de las construcciones debe ser considerado el orden
real de los hechos.
Vamos a algunos ejemplos:
a) Pasan los días y la desesperación me pica los ojos.

(oración 1) conjunción (oración 2)

b) Ni pienses en conseguirlo tan fácilmente ni creas que es imposible.

conjunción (oración 1) conjunción (oración 2)

unitins • letras • 6º PERÍODO  115


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

c) La actriz representó “Bodas de sangre” y fue amiga personal del


autor de la obra.
(oración 1) conjunción (oración 2)

• Las disyuntivas: el grupo oracional disyuntivo puede estar formado por


más de dos oraciones, en la mayoría de los ejemplos son contenidos que
se excluyen simultáneamente.

a) Hable detenidamente sobre sus invenciones o manténgase callado.

(oración 1) conjunción (oración 2)

b) Invítala a una fiesta o salgan a cenar.

(oración 1) conjunción (oración 2)

c) Cuéntale todo lo que has visto o cállalo para siempre.

(oración 1) conjunción (oración 2)

• Las adversativas: este grupo oracional se unifica por medio de un


transpositor adversativo, contraponiendo las oraciones explícitamente
y en algunas circunstancias ocurriendo una restricción de la segunda
proposición en referencia a la primera.
a) No es que no tenga razón, sino que parece ser especial.

(oración 1) conjunción (oración 2)

b) Ese día era Martes, aunque no te lo puedo asegurar.

(oración 1) conjunción (oración 2)

c) Parece que llovió esta tarde, sin embargo no llovió.

(oración 1) conjunción (oración 2)

La diferencia sintáctica entre las oraciones yuxtapuestas y las coordinadas


es la presencia o ausencia de enlaces. Entre las yuxtapuestas hay pausas,
en el habla, y signos de puntuación, en la escrita. Aunque no presenten los
enlaces, se conectan por el significado, presentando diferentes relaciones
entre sí.

116  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

a) ¡Cálmate, raciocina, actúa! (adición, suma)


b) Los ricos tienen sus derechos respetados, los pobres no. (oposición)
A modo de concluir, la tesitura textual es un conjunto de relaciones entre las
oraciones que mediante su asociación se construyen direcciones que definirán el
sentido y el alcance del texto.

Rincón cultural
“¿Le gustaría un plátano a usted?” le pregunté a Yielena.
“Sí”, ella sonrió, pero no hizo ningún esfuerzo por tomar cualquiera de
los tres plátanos en la cesta de fruta. “¿Qué hago ahora?” pensé.
“¿Cuál le gustaría?” le pregunté torpemente.
“Ese”, me dijo, al apuntar a uno de los plátanos. Así es que, pensando
en la cortesía rusa, tomé el plátano que Yielena había escogido, lo pelé
a medias y se lo pasé. Las sonrisas en los rostros de Yielena y de Dmitri
me hicieron sentir que había obrado correctamente. Después de esta
experiencia yo pasé mucho tiempo contándole a todo mundo que la acción
caballeresca era pelarle los plátanos a las damas rusas. Un día, durante mi
tercer viaje, fui cortésmente desengañado sobre tal noción.
“¡Oh no!, Grigorii Davidovich”, un ruso me corrigió amablemente. “En
Rusia, cuando un hombre le pela un plátano a una dama esto significa que
él tiene un interés romántico por ella”. Cómo me sentí avergonzado. Y yo
le había estado orgullosamente contando a medio mundo sobre esta perla
de comprensión cultural.
Ciertas lecciones tienen que ser aprendidas en forma difícil. Algunos
bien intencionados artículos en la prensa popular y presentaciones sobre
diferencias culturales tienen el potencial para hacer más daño que bien
y tal vez no sean tan divertidos. Tal como mis plátanos, estos presentan
demasiadas generalizaciones o distorsiones.

Texto de Gregorio Billikopf Encina, Universidad de California. Disponible en:


<http://nature.berkeley.edu/ucce50/agro-laboral/7libro/7ala01.htm>.

En este capítulo leímos un texto de autor realista ruso de fines del siglo XIX
para el XX, oportunidad para conocer algo más de la literatura rusa. Además,
estudiamos algunos conceptos sobre las relaciones que se establecen entre
los grupos oracionales, deteniéndonos en la subordinación, coordinación y
yuxtaposición, en la última parte del capítulo presentamos algunas categorías de
las oraciones coordinadas y en la última parte la yuxtaposición. En la próxima
clase continuaremos nuestro estudio sobre estructuras oracionales subordinadas

unitins • letras • 6º PERÍODO  117


CAPÍTULO 2 • Língua espanhola vi

y sus categorías, además de presentar usos de expresiones de constatación y


algunos verbos de percepción.

¿Cómo se dice?
En el caudal de voces de origen hispano se emplean en la generalidad
del territorio argentino vocablos hoy en desuso en el español peninsular,
aunque muchos de ellos aparecen en otras zonas americanas. Entre ellos
deben mencionarse, por ejemplo, barranca (corte vertical y profundo
en el terreno, barrial (lugar cubierto de barro), lindo, pararse, pollera,
vidriera. Muchos de esos términos tienen origen marinero, habiendo sido
incorporados en los largos viajes hasta América. Todavía podríamos citar
otras influencias andaluces, leonesismos, galleguismos, portuguesismos,
muchas voces en una sola.
(MIRANDE, 1996, p. 217-128).

Referencias
CHEJOV, A. Aniuta. Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/down-
load/texto/bk000163.pdf>. Accedido el: 18 ene. 2010.
ENCINA, G. B. Diferencias culturales. Disponible en: <http://nature.berkeley.edu/
ucce50/agro-laboral/7libro/7ala01.htm> accedido el: 18 enero de 2010.
LLORACH, E. A. Gramática de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe,
1994.
MASIP, V. Fonología y ortografía españolas: curso integrado para brasileños.
Recife: Edições Bagaço, 2004.
MIRANDE, N. D. Argentina-Uruguay. In: Manual de dialectología hispánica: el
español de América. Barcelona: Ed. Ariel, 1996.

Anotaciones

118  6º PERÍODO • letras • unitins


3
CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

Las oraciones subordinadas


sustantivas

La libertad no es fruto que crezca en todos los climas, y


por ello no está al alcance de todos los pueblos.
Jean Jacques Rousseau

Introducción
En el capítulo anterior presentamos las conjunciones coordinadas, a la vez el
papel que desempeñan en las oraciones coordinadas, además de ejemplos que
corroboraron con breves explicaciones sobre las clasificaciones correspondientes.
En este capítulo analizaremos las estructuras de oraciones compuestas
subordinadas sustantivas, explicando y ejemplificando sus clasificaciones.
Una vez presentado el curso que seguiremos, conviene que busques en tu
cuaderno de contenidos del segundo semestre informaciones sobre el uso de las
conjunciones, pues será un aspecto clave para el análisis y comprensión de las
estructuras subordinantes, otra forma de estudiar los temas que discutiremos es
buscar sitios en internet y gramáticas que puedan auxiliarte ante este reto.

Para saber más

El reconocimiento y la descripción de estructuras de una lengua merecen


nuestra atención en el proceso de su aprendizaje como lengua extranjera, pues
comprender el funcionamiento de estos componentes será clarificador a la hora
de escoger los recursos lingüísticos más a coherencia en la enunciación. En
el sitio: <http://www.librosvivos.net/smtc/homeTC.asp?TemaClave=1091>
encontrarás explicaciones precisas que podrán colaborar en el análisis
de grupos oracionales, mediante la diferenciación de oraciones simples,
complejas, asimismo varios ejemplos sobre las diferentes clasificaciones.

Al concluir esta clase, esperamos que seas capaz de reflexionar e identificar


el uso adecuado de oraciones y sus relaciones subordinantes.
¿Qué tal leer un texto? Escogimos un cuento del autor uruguayo Horacio
Quiroga. Observa la lengua, las descripciones de los personajes, la relación entre

unitins • letras • 6º PERÍODO  119


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

los dos. Además debes tener en cuenta la tesitura textual, pues señalaremos tras
su lectura algunas oraciones y sus clasificaciones.

El solitario
Kassim era un hombre enfermizo, joyero de profesión, bien que no tuviera
tienda establecida. Trabajaba para las grandes casas, siendo su especialidad
el montaje de las piedras preciosas. Pocas manos como las suyas para los
engarces delicados. Con más arranque y habilidad comercial, hubiera sido
rico. Pero a los treinta y cinco años proseguía en su pieza, aderezada en
taller bajo la ventana.
Kassim, de cuerpo mezquino, rostro exangüe sombreado por rala barba
negra, tenía una mujer hermosa y fuertemente apasionada. La joven, de
origen callejero, había aspirado con su hermosura a un más alto enlace.
Esperó hasta los veinte años, provocando a los hombres y a sus vecinas
con su cuerpo. Temerosa al fin, aceptó nerviosamente a Kassim. No más
sueños de lujo, sin embargo. Su marido, hábil – artista aún, – carecía
completamente de carácter para hacer una fortuna. Por lo cual, mientras el
joyero trabajaba doblado sobre sus pinzas, ella, de codos, sostenía sobre
su marido una lenta y pesada mirada, para arrancarse luego bruscamente
y seguir con la vista tras los vidrios al transeúnte de posición que podía
haber sido su marido.
Cuanto ganaba Kassim, no obstante, era para ella. Los domingos trabajaba
también a fin de poderle ofrecer un suplemento. Cuando María deseaba una
joya – ¡y con cuánta pasión deseaba ella! – trabajaba de noche. Después
había tos y puntadas al costado; pero María tenía sus chispas de brillante.
Poco a poco el trato diario con las gemas llegó a hacerle amar las tareas del
artífice, y seguía con ardor las íntimas delicadezas del engarce. Pero cuando la
joya estaba concluida – debía partir, no era para ella,– caía más hondamente
en la decepción de su matrimonio. Se probaba la alhaja, deteniéndose ante
el espejo. Al fin la dejaba por ahí, y se iba a su cuarto. Kassim se levantaba
al oír sus sollozos, y la hallaba en la cama, sin querer escucharlo.
– Hago, sin embargo, cuanto puedo por ti,– decía él al fin, tristemente.
Los sollozos subían con esto, y el joyero se reinstalaba lentamente en
su banco.
Estas cosas se repitieron, tanto que Kassim no se levantaba ya a consolarla.
¡Consolarla! ¿De qué? Lo cual no obstaba para que Kassim prolongara más
sus veladas a fin de un mayor suplemento.
Era un hombre indeciso, irresoluto y callado. Las miradas de su mujer se
detenían ahora con más pesada fijeza sobre aquella muda tranquilidad.
– ¡Y eres un hombre, tú! – murmuraba.
Kassim, sobre sus engarces, no cesaba de mover los dedos.
– No eres feliz conmigo, María – expresaba al rato.
– ¡Feliz! ¡Y tienes el valor de decirlo! ¿Quién puede ser feliz contigo? ¡Ni la
última de las mujeres!... ¡Pobre diablo! – concluía con risa nerviosa, yéndose.
Kassim trabajaba esa noche hasta las tres de la mañana, y su mujer tenía luego
nuevas chispas que ella consideraba un instante con los labios apretados.

120  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

– Sí... ¡no es una diadema sorprendente!... ¿cuándo la hiciste?


– Desde el martes – mirábala él con descolorida ternura – dormías de noche...
– ¡Oh, podías haberte acostado!... ¡Inmensos, los brillantes!
Porque su pasión eran las voluminosas piedras que Kassim montaba. Seguía el
trabajo con loca hambre de que concluyera de una vez, y apenas aderezada
la alhaja, corría con ella al espejo. Luego, un ataque de sollozos.
– ¡Todos, cualquier marido, el último, haría un sacrificio para halagar a su
mujer! Y tú... y tú... ni un miserable vestido que ponerme, tengo!
Cuando se franquea cierto límite de respeto al varón, la mujer puede llegar
a decir a su marido cosas increíbles. La mujer de Kassim franqueó ese límite
con una pasión igual por lo menos a la que sentía por los brillantes. Una
tarde, al guardar sus joyas, Kassim notó la falta de un prendedor – cinco
mil pesos en dos solitarios. – Buscó en sus cajones de nuevo.
–¿No has visto el prendedor, María? Lo dejé aquí.
– Sí, lo he visto.
– ¿Dónde está? – se volvió extrañado.
– ¡Aquí!
Su mujer, los ojos encendidos y la boca burlona, se erguía con el prendedor
puesto.
– Te queda muy bien – dijo Kassim al rato. – Guardémoslo.
María se rió.
– Oh, ¡no! es mío.
– ¿Broma?...
– Sí, es broma! ¡es broma, sí! ¡Cómo te duele pensar que podría ser mío...
Mañana te lo doy. Hoy voy al teatro con él. Kassim se demudó.
– Haces mal... podrían verte. Perderían toda confianza en mí.
– ¡Oh! – cerró ella con rabioso fastidio, golpeando violentamente la
puerta.
Vuelta del teatro, colocó la joya sobre el velador. Kassim se levantó y la guardó
en su taller bajo llave. Al volver, su mujer estaba sentada en la cama.
– ¡Es decir, que temes que te la robe! ¡Qué soy una ladrona!
– No mires así... Has sido imprudente, nada más.
– ¡Ah! ¡Y a ti te lo confían! ¡A ti, a ti! ¡Y cuando tu mujer te pide un poco de
halago, y quiere... me llamas ladrona a mí! ¡Infame!
Se durmió al fin. Pero Kassim no durmió. Entregaron luego a Kassim para
montar un solitario, el brillante más admirable que hubiera pasado por
sus manos.
– Mira, María, qué piedra. No he visto otra igual.
Su mujer no dijo nada; pero Kassim la sintió respirar hondamente sobre
el solitario.
– Una agua admirable... – prosiguió él – costará nueve o diez mil pesos.
– Un anillo! – murmuró María al fin.
– No, es de hombre... Un alfiler.
A compás del montaje del solitario, Kassim recibió sobre su espalda
trabajadora cuanto ardía de rencor y cocotaje frustrado en su mujer. Diez
veces por día interrumpía a su marido para ir con el brillante ante el espejo.
Después se lo probaba con diferentes vestidos.
– Si quieres hacerlo después... – se atrevió Kassim. – Es un trabajo urgente.
Esperó respuesta en vano; su mujer abría el balcón.

unitins • letras • 6º PERÍODO  121


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

– María, ¡te pueden ver!


– ¡Toma! ¡ahí está tu piedra!
El solitario, violentamente arrancado, rodó por el piso. Kassim, lívido, lo
recogió examinándolo, y alzó luego desde el suelo la mirada a su mujer.
– Y bueno, ¿por qué me miras así? ¿Se hizo algo tu piedra?
– No – repuso Kassim. Y reanudó en seguida su tarea, aunque las manos le
temblaban hasta dar lástima.
Pero tuvo que levantarse al fin a ver a su mujer en el dormitorio, en plena crisis
de nervios. El pelo se había soltado y los ojos le salían de las órbitas.
– ¡Dame el brillante! – clamó. – ¡Dámelo! ¡Nos escaparemos! ¡Para mí!
¡Dámelo!
– María...– tartamudeó Kassim, tratando de desasirse.
– ¡Ah! – rugió su mujer enloquecida. – ¡Tú eres el ladrón, miserable!
¡Me has robado mi vida, ladrón, ladrón! Y creías que no me iba a desquitar...
cornudo! ¡Ajá! Mírame... no se te había ocurrido nunca, ¿eh? ¡Ah! – y se
llevó las dos manos a la garganta ahogada. Pero cuando Kassim se iba,
saltó de la cama y cayó, alcanzando a cogerlo de un botín.
– ¡No importa! ¡El brillante, dámelo! ¡No quiero más que eso! ¡Es mío,
Kassim miserable!
Kassim la ayudó a levantarse, lívido.
– Estás enferma, María. Después hablaremos... acuéstate.
– ¡Mi brillante!
– Bueno, veremos si es posible... acuéstate.
– Dámelo!
La bola montó de nuevo a la garganta. Kassim volvió a trabajar en su
solitario. Como sus manos tenían una seguridad matemática, faltaban
pocas horas ya. María se levantó para comer, y Kassim tuvo la solicitud de
siempre con ella. Al final de la cena su mujer lo miró de frente.
– Es mentira, Kassim – le dijo.
– ¡Oh! – repuso Kassim sonriendo – no es nada.
– ¡Te juro que es mentira! – insistió ella.
Kassim sonrió de nuevo, tocándole con torpe cariño la mano.
– ¡Loca! Te digo que no me acuerdo de nada.
Y se levantó a proseguir su tarea. Su mujer, con la cara entre las manos, lo
siguió con la vista.
– Y no me dice más que eso... – murmuró. Y con una honda náusea por
aquello pegajoso, fofo e inerte que era su marido, se fue a su cuarto. No
durmió bien. Despertó, tarde ya, y vió luz en el taller; su marido continuaba
trabajando. Una hora después, éste oyó un alarido.
– ¡Dámelo!
– Sí, es para ti; falta poco, María – repuso presuroso, levantándose. Pero su
mujer, tras ese grito de pesadilla, dormía de nuevo. A las dos de la mañana
Kassim pudo dar por terminada su tarea; el brillante resplandecía, firme y
varonil en su engarce. Con paso silencioso fue al dormitorio y encendió la
veladora. María dormía de espaldas, en la blancura helada de su camisón
y de la sábana. Fue al taller y volvió de nuevo. Contempló un rato el seno
casi descubierto, y con una descolorida sonrisa apartó un poco más el
camisón desprendido. Su mujer no lo sintió. No había mucha luz. El rostro
de Kassim adquirió de pronto una dura inmovilidad, y suspendiendo un

122  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

instante la joya a flor del seno desnudo, hundió, firme y perpendicular como
un clavo, el alfiler entero en el corazón de su mujer.
Hubo una brusca apertura de ojos, seguida de una lenta caída de párpados.
Los dedos se arquearon, y nada más. La joya, sacudida por la convulsión
del ganglio herido, tembló un instante desequilibrada. Kassim esperó un
momento; y cuando el solitario quedó por fin perfectamente inmóvil, pudo
entonces retirarse, cerrando tras de sí la puerta sin hacer ruido.
Horacio Quiroga
(Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/gu0
00048.pdf>).

Reflexiona

Espero que te haya gustado el texto, la lectura es un proceso complejo que


requiere a menudo un intenso ejercicio de relacionar, contraponer y asociar
informaciones, asimismo interaccionar con el enunciado produciendo
diversos caminos en la construcción de su significado y de las relaciones
estructurales presentes en el corpus textual. ¿Qué tal experimentar e
identificar algunas oraciones subordinadas sustantivas en el cuento leído?
Entre las posibilidades, seguramente habrás encontrado:
“la mujer puede llegar a decir a su marido cosas increíbles”
La mujer puede llagar a eso.
“Seguía el trabajo con loca hambre de que concluyera de una vez”
Seguía el trabajo con loca hambre de aquello.
“– ¡Te juro que es mentira!”
_ ¡ te juro eso!
“creías que no me iba a desquitar”
Creías eso.
Una de las formas de reconocer una oración subordinada sustantiva es
sustituirla por un sustantivo que exprese la misma idea o por un pronombre.
Los más adecuados son esto, eso, aquello o éste, ésta, ellos, éstas. Caso el
nexo sea un pronombre relativo, quien, el que, entre otros.

Vamos ahora a conocer un poco más sobre las oraciones subordinadas


sustantivas, conocidas también como completivas. Según Llorach (1994, p. 325-
328), su característica principal es comportase como sintagma nominal respecto
a la oración principal, entre las funciones que desempeñan están: complemento
del nombre, sujeto, atributo, complemento directo. De forma general pueden
tener un verbo en una forma finita o infinitiva, la primera es introducida por

unitins • letras • 6º PERÍODO  123


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

las conjunciones que y si, por un pronombre o un adverbio interrogativo. En


cambio, cuando el verbo está en infinitivo, en algunos casos será desnecesario
el uso de nexo, en otros utilizaremos la conjunción si o un pronombre o adverbio
interrogativo. A seguir las clasificaciones.
• Oración subordinada sustantiva de sujeto: ocurre cuando la oración
subordinada sustantiva desempeña la función de sujeto oracional, es
decir, el punto de referencia verbal o de tópico sobre el cual el verbo
desarrolla todas sus informaciones.
Ejemplo
Es triste que pienses eso.

Oración (O)

Sintagma verbal (SV) Sintagma nominal (SN) sujeto

Verbo (V) Sintagma Adjetivo Nexo (conjunción) O


(SAdj)
SN
SV

V
adjetivo SN (Complemento
directo)

Pronombre

Es triste que (tú) pienses eso.

Otros ejemplos de oraciones subordinadas sustantivas de sujeto:


a) Me gusta que me lleven en serio.
d) Comer demasiado azúcar es perjudicial.
e) Es impensable que la situación sea esa.

Reflexiona

Has observado la organización y las relaciones entre los componentes de la


oración, te invito a intentar hacer lo mismo con la oración a seguir:

124  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

a) Creías que me iba.


Seguramente habrás conseguido este modelo.

Oración (O)

SN (SV)

V SN

Nexo O

SN SV

pron V

(Tú) creías que me iba.

• Oración subordinada sustantiva de complemento directo: ocurre cuando


la oración subordinada sustantiva desempeña la función de complemento
directo, es decir, el punto de llegada de la acción verbal, completando
el sentido de los verbos transitivos.
Ejemplo
Marco desconocía qué haría.

Oración (O)

(SV)
SN

SN
V

Nexo O

SN SV

N
V SN

Marcos desconocía qué (él) haría (qué).

unitins • letras • 6º PERÍODO  125


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

Otros ejemplos de oraciones subordinadas de complemento directo:

a) Intentamos hacer el trabajo solos.

b) Espero que conozcan el camino.

c) Le preguntaron si todavía estaba casado.

Reflexiona

Has observado la organización y las relaciones entre los componentes de la


oración, te invito a intentar hacer lo mismo con la oración a seguir:
a) Prefiero que vayas a Paris.

Seguramente habrás conseguido este modelo.

Oración (O)

(SV)
SN

SN
V

Nexo O

SN SV

N V Sintagma prep.

prep SN

(yo) prefiero que (te) vayas a Paris.

• Oración subordinada sustantiva de atributo: ocurre cuando la oración


subordinada sustantiva es atributo de un verbo copulativo.

126  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

Ejemplo
Estáis que parecéis animales.

Oración (O)

(SV)
SN

SN
V

Nexo O

SN SV

V SN

(vosotros) estáis que (vosotros) parecéis animales.

Otros ejemplos
Pedro está que se sale.
La razón de mi tristeza es que he perdido trabajo.
Estudiar es esforzarse al máximo.
Asimismo, otra información importante para el reconocimiento de esta
clase de oración, según Masip (1999, p. 179), es que el atributo es un
sintagma nominal relacionado con el sujeto por medio de un verbo de
estado, copulativo o semicopulativo, semánticamente vacío, que sirve
como nexo entre el sujeto y el complemento.

Reflexiona

Has observado la organización y las relaciones entre los componentes de la


oración, te invito a intentar hacer lo mismo con la oración a seguir:
a) José está que muerde.
Seguramente habrás conseguido este modelo.

unitins • letras • 6º PERÍODO  127


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

Oración (O)

SN (SV)

V SN

Nexo O

SN SV

N V

José está que (ella) muerde.

• Oración subordinada sustantiva de complemento regido: es término que


introduce un complemento regido, es decir, una clase de suplemento que
funciona como complemento preposicional vinculado a un verbo por
fuerza de regencia, además el vínculo con entre el verbo y la preposición
es fijo, pues la preposición no puede ser cambiada, porque interferiría
en el significado de la oración.
Ejemplo
Insistían en que era inadecuado.

Oración (O)
SN (SV)

Sintagma prep.
V

Prep SN

O
Nexo

SN SV

V SAdj

(ellos) insistían en que (eso) era inadecuado.

128  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

• Oración subordinada de complemento circunstancial: es término que


introduce un complemento circunstancial, es decir, el sintagma nominal
indica el contexto en que ocurre la acción, se diferencia del tipo adverbial
pues tiene una locución con núcleo nominal.
Ejemplo
Los chicos lo hicieron sin que lo vieran.

Oración (O)

SN (SV)

SN V Sprep
SN

Sv
D N Pron P Nexo
SN

SN v

prono

Los chicos lo hicieron sin que (ellos) lo vieran.

Otros ejemplos:
Lo dijimos sin conocerlo de veras.
Había quedado con quien era su verdadero amigo.
Las mujeres lo gastaron sin que lo tuvieran.
• Oraciones sustantivas de complemento de nombre: es término de una
proposición que introduce un sintagma preposicional que asume la
función de complemento de nombre.
Ejemplos
Tiene la imaginación de quien ha leído mucho.
Tenía la seguridad de que viajara bien.
Da la impresión de que no quiere ser visto.

unitins • letras • 6º PERÍODO  129


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

Oración (O)

SN (SV)

SN
SPrep
SN
V
O
N N P Nexo
SN SV
S adj
N adj

(yo) tenía duda de que (eso) fuera correcto.

Oración (O)

SN (SV)

SN V Sprep
SN

O
D N Pron P Nexo
SN SV

SN v

prono

Los chicos lo hicieron sin que (ellos) lo vieran.

A modo de concluir, hemos observado como encontramos una estructura


compleja en las oraciones. Comprender su funcionamiento colabora y facilita la
producción textual.

En este capítulo leímos un texto de autor uruguayo de fines del siglo XIX
para el XX, oportunidad para conocer algo de la literatura uruguaya. Además,
estudiamos algunos conceptos sobre las relaciones que se establecen entre los
grupos oracionales, deteniéndonos en las oraciones subordinadas sustantivas.

130  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

En la próxima clase continuaremos nuestro estudio sobre estructuras oracionales


subordinadas y sus categorías.

Referencias
LLORACH, E. A. Gramática de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe,
1994.
MASIP, V. Fonología y ortografía españolas: curso integrado para brasileños.
Recife: Edições Bagaço, 2004.
QUIROGA, H. El solitario. Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/gu000048.pdf >. Accedido el: 18 ene. 2010.

Anotaciones

unitins • letras • 6º PERÍODO  131


CAPÍTULO 3 • Língua espanhola vi

132  6º PERÍODO • letras • unitins


4
CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

Las oraciones subordinadas


adjetivas y adverbiales

El hombre de talento es naturalmente inclinado a la


crítica, porque ve más cosas que los otros hombres y
las ve mejor.
Montesquieu

Introducción
En el capítulo anterior presentamos las oraciones subordinadas sustantivas, ya
en este capítulo, estudiaremos las oraciones subordinadas adjetivas y posteriormente
las subordinadas adverbiales, explicando y ejemplificando sus clasificaciones.
Una vez presentado el curso que seguiremos, te recomendamos de nuevo
que vuelvas al cuaderno de contenidos del segundo semestre para revisar las
conjunciones, así como buscar sitios en internet y gramáticas que puedan auxiliarte
ante este reto.

Para saber más

El estudio y reconocimiento de estructuras lingüísticas es fundamental para


todos los que se proponen producir un texto, pues las relaciones que se
establecen entre esas oraciones colaboran con los aspectos semánticos. En
el sitio: <http://www.ieslaaldea.com/documentos/doculengua/oraciones
circuns.pdf> encontrarás explicaciones precisas que podrán colaborar
en el análisis de grupos oracionales subordinados adverbiales, mediante
la diferenciación de oraciones y las explicaciones de cada una de sus
clasificaciones, también encontrarás informaciones que pueden auxiliarte a
la hora de reconocerlas.

Al concluir esta clase, esperamos que seas capaz de reflexionar e identi-


ficar el uso adecuado de oraciones y sus relaciones subordinantes adverbiales
y adjetivas.
¿Qué tal leer un texto? Escogimos otro cuento del autor uruguayo Horacio
Quiroga. Además del contenido, observa los aspectos sintácticos, sobre todo el
contenido gramatical que nos proponemos a estudiar en este capítulo.

unitins • letras • 6º PERÍODO  133


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

El almohadón de plumas
Su luna de miel fue un largo escalofrío. Rubia, angelical y tímida, el carácter
duro de su marido heló sus soñadas niñerías de novia. Lo quería mucho, sin
embargo, a veces con un ligero estremecimiento cuando volviendo de noche
juntos por la calle, echaba una furtiva mirada a la alta estatura de Jordán,
mudo desde hacía una hora. El, por su parte, la amaba profundamente, sin
darlo a conocer. Durante tres meses – se habían casado en abril – vivieron
una dicha especial. Sin duda hubiera ella deseado menos severidad en ese
rígido cielo de amor, más expansiva e incauta ternura; pero el impasible
semblante de su marido la contenía en seguida. La casa en que vivían
influía no poco en sus estremecimientos. La blancura del patio silencioso
– frisos, columnas y estatuas de mármol – producía una otoñal impresión
de palacio encantado. Dentro, el brillo glacial del estuco, sin el más leve
rasguño en las altas paredes, afirmaba aquella sensación de desapacible
frío. Al cruzar de una pieza a otra, los pasos hallaban eco en toda la casa,
como si un largo abandono hubiera sensibilizado su resonancia.
En ese extraño nido de amor, Alicia pasó todo el otoño. No obstante, había
concluido por echar un velo sobre sus antiguos sueños, y aún vivía dormida
en la casa hostil, sin querer pensar en nada hasta que llegaba su marido.
No es raro que adelgazara. Tuvo un ligero ataque de influenza que
se arrastró insidiosamente días y días; Alicia no se reponía nunca. Al
fin, una tarde pudo salir al jardín apoyada en el brazo de él. Miraba
indiferente a uno y otro lado. De pronto Jordán, con honda ternura, le
pasó la mano por la cabeza, y Alicia rompió en seguida en sollozos,
echándole los brazos al cuello. Lloró largamente todo su espanto callado,
redoblando el llanto a la menor tentativa de caricia. Luego los sollozos
fueron retardándose, y aún quedó largo rato escondida en su cuello, sin
moverse ni decir una palabra.
Fue ese el último día que Alicia estuvo levantada. Al día siguiente amaneció
desvanecida. El médico de Jordán la examinó con suma detención,
ordenándole calma y descanso absolutos.
– No sé – le dijo a Jordán en la puerta de calle, con la voz todavía baja.
– Tiene una gran debilidad que no me explico, y sin vómitos, nada... Si
mañana se despierta como hoy, llámeme en seguida.
Al otro día Alicia seguía peor. Hubo consulta. Se constató una anemia
de marcha agudísima, completamente inexplicable. Alicia no tuvo más
desmayos, pero se iba visiblemente a la muerte. Todo el día el dormitorio
estaba con las luces prendidas y en pleno silencio.
Se pasaban horas sin oír el menor ruido. Alicia dormitaba. Jordán vivía
casi en la sala, también con toda la luz encendida. Paseaba sin cesar de un
extremo a otro, con incansable obstinación. La alfombra ahogaba sus pasos.
A ratos entraba en el dormitorio y proseguía su mudo vaivén a lo largo de la
cama, mirando a su mujer cada vez que caminaba en su dirección.
Pronto Alicia comenzó a tener alucinaciones, confusas y flotantes al
principio, y que descendieron luego a ras del suelo. La joven, con los ojos
desmesuradamente abiertos, no hacía sino mirar la alfombra a uno y otro

134  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

lado del respaldo de la cama. Una noche se quedó de repente mirando


fijamente. Al rato abrió la boca para gritar, y sus narices y labios se perlaron
de sudor.
– ¡Jordán! ¡Jordán! – clamó, rígida de espanto, sin dejar de mirar la alfombra.
Jordán corrió al dormitorio, y al verlo aparecer Alicia dio un alarido de horror.
– ¡Soy yo, Alicia, soy yo!
Alicia lo miró con extravío, miró la alfombra, volvió a mirarlo, y después de
largo rato de estupefacta confrontación, se serenó. Sonrió y tomó entre las
suyas la mano de su marido, acariciándola temblando.
Entre sus alucinaciones más porfiadas, hubo un antropoide, apoyado en la
alfombra sobre los dedos, que tenía fijos en ella los ojos.
Los médicos volvieron inútilmente. Había allí delante de ellos una vida que se
acababa, desangrándose día a día, hora a hora, sin saber absolutamente
cómo. En la última consulta Alicia yacía en estupor mientras ellos la
pulsaban, pasándose de uno a otro la muñeca inerte.
La observaron largo rato en silencio y pasaron al comedor.
– Pst... – se encogió de hombros desalentado su médico. – Es un caso se-
rio... poco hay que hacer...
– ¡Sólo eso me faltaba! – resopló Jordán. Y tamborileó bruscamente sobre
la mesa.
Alicia fue extinguiéndose en subdelirio de anemia, agravado de tarde, pero
que remitía siempre en las primeras horas. Durante el día no avanzaba su
enfermedad, pero cada mañana amanecía lívida, en síncope casi. Parecía
que únicamente de noche se le fuera la vida en nuevas olas de sangre.
Tenía siempre al despertar la sensación de estar desplomada en la cama
con un millón de kilos encima. Desde el tercer día este hundimiento no la
abandonó más. Apenas podía mover la cabeza.
No quiso que le tocaran la cama, ni aún que le arreglaran el almohadón. Sus
terrores crepusculares avanzaron en forma de monstruos que se arrastraban
hasta la cama y trepaban dificultosamente por la colcha.
Perdió, luego, el conocimiento. Los dos días finales deliró sin cesar a media
voz. Las luces continuaban fúnebremente encendidas en el dormitorio y la
sala. En el silencio agónico de la casa, no se oía más que el delirio monótono
que salía de la cama, y el rumor ahogado de los eternos pasos de Jordán.
Murió, por fin. La sirvienta, que entró después a deshacer la cama, sola ya,
miró un rato extrañada el almohadón.
– Señor – llamó a Jordán en voz baja. – En el almohadón hay manchas que
parecen de sangre.
Jordán se acercó rápidamente y se dobló a su vez. Efectivamente, sobre la
funda, a ambos lados del hueco que había dejado la cabeza de Alicia, se
veían manchas de sangre.
– Parecen picaduras – murmuró la sirvienta después de un rato de inmóvil
observación.
– Levántelo a la luz – e dijo Jordán.
La sirvienta lo levantó, pero en seguida lo dejó caer, y se quedó mirando a
aquél, lívida y temblando. Sin saber por qué, Jordán sintió que los cabellos
se le erizaban.
– ¿Qué hay? – murmuró con la voz ronca.
– Pesa mucho – articuló la sirvienta, sin dejar de temblar.

unitins • letras • 6º PERÍODO  135


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

Jordán lo levantó; pesaba extraordinariamente. Salieron con él, y sobre la


mesa del comedor Jordán cortó funda y envoltura de un tajo.
Las plumas superiores volaron, y la sirvienta dio un grito de horror con toda
la boca abierta, llevándose las manos crispadas a los bandós: – sobre el
fondo, entre las plumas, moviendo lentamente las patas velludas, había un
animal monstruoso, una bola viviente y viscosa. Estaba tan hinchado que
apenas se le pronunciaba la boca.
Noche a noche, desde que Alicia había caído en cama, había aplicado
sigilosamente su boca – su trompa, mejor dicho – a las sienes de aquella,
chupándole la sangre. La picadura era casi imperceptible. La remoción dia-
ria del almohadón había impedido sin duda su desarrollo, pero desde que la
joven no pudo moverse, la succión fue vertiginosa.
En cinco días, en cinco noches, había vaciado a Alicia. Estos parásitos de las
aves, diminutos en el medio habitual, llegan a adquirir en ciertas condiciones
proporciones enormes. La sangre humana parece serles particularmente
favorable, y no es raro hallarlos en los almohadones de pluma.
Horacio Quiroga
(Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/gu000
048.pdf>).

Reflexiona

Tras la lectura del texto, te invito a que retires algunos ejemplos de expresiones
que puedan servir como marcas o referencias de tiempo, modo o lugar.
Entre las posibilidades, seguramente habrás encontrado: “cuando volviendo de
noche juntos por la calle”, “Si mañana se despierta como hoy”, entre otras.
Esas estructuras retiradas del texto orientan al lector y lo ubican considerando
el papel que cada uno asume en la cadena discursiva.

Vamos ahora a conocer un poco más sobre las oraciones subordinadas


adverbiales, que asumen la función de adverbio teniendo como referencia la
oración principal, informando circunstancias de modo, tiempo, lugar, etc. A
seguir, las clasificaciones.
• Oración subordinada adverbial de tiempo: desempeña la función de
complemento circunstancial de tiempo, entre los nexos más frecuentes
que suelen introducirla está cuando.
Ejemplo
Los chicos nos invitaron cuando lo vieron.

136  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

Oración (O)

SN (SV)

SN V SAdverbial
O

D N Pron Nexo
SN Sv

SN v
S adv.
prono

Los chicos nos invitaron cuando (ellos) lo vieron (cuando).

Otros ejemplos:
La secretaria nos llamó cuando lo supo.
Así que llegamos, Luis se fue.
Mientras cenábamos, los niños jugaban.

Reflexiona

Has observado la organización y las relaciones entre los componentes de la


oración, te invito a intentar hacer lo mismo con la oración a seguir:
a) La secretaria nos llamó cuando lo supo.
Seguramente habrás conseguido este modelo.

Oración (O)

SN (SV)

SN V SAdv.
O

N Pron Nexo
Sn Sv

Sn v
S adv.
prono

María nos llamó cuando (ella) lo supo (cuando).

unitins • letras • 6º PERÍODO  137


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

• Oración subordinada Adverbial de lugar: ocurre cuando la oración


subordinada adverbial de lugar desempeña la función de complemento
circunstancial de lugar, generalmente introducida por donde y adonde.
Asimismo puede desempeñar la función de complemento regido de un
verbo indicando atributo o dirección del verbo estar.

Ejemplos
Lo vimos donde tú lo habías visto.
Siempre compra donde puede.
Estaba donde lo dejaste.
Iremos adonde usted quiera.

Oración (O)

SN (SV)

V SAdverbial

SAdv
O

N Adv Nexo SV
SN

Verbo
S adv.

(él) siempre come donde (él) puede (donde)

Reflexiona

Has observado la organización y las relaciones entre los componentes de la


oración, te invito a intentar hacer lo mismo con la oración a seguir:
a) Lo vimos donde tú lo habías visto.
Seguramente habrás conseguido este modelo.

138  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

Oración (O)

SN (SV)

SN V SAadverbial

N Pron Nexo
SN SV

SN v

prono

(nosotros) Lo vimos donde tú lo habías visto.

• Oración subordinada adverbial de modo: desempeña la función de


complemento circunstancial de modo, es generalmente introducida por
“como”.
Ejemplos
Lo hizo como se lo dijiste.
Se disfrazó como habías dicho.
Organiza el trabajo como quieras.

Oración (O)

SN (SV)

SN V SAadverbial

N Pron Nexo SV
SN

SN v
SN

prono

(él) Lo hizo como (tú) se lo dijiste.

unitins • letras • 6º PERÍODO  139


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

• Oración subordinada adverbial causal: es la que expresa la causa que ha


dado lugar a la acción expresada por el verbo de la oración principal.
Responde a la pregunta ¿Por qué?
Ejemplo
La fiesta fue buena, ya que muchas personas interesantes fueron
invitadas.
Hay que comprar comida, que la nevera está desierta.
• Oración subordinada adverbial consecutiva: indica la consecuencia
producto de la acción de la oración principal, la oración subordinada
consecutiva expresa el efecto, diferente de la causal en la que la
subordinada expresa la causa.
Ejemplo
El profesor de literatura explica muy bien, así que el contenido resulta
muy sencillo.
Le golpearon con tanta fuerza que se quedó desmayado.
• Oración subordinada adverbial concesiva: expresa un obstáculo que
hace difícil la acción expresada por la oración principal, sin embargo
sin impedirla. Otra característica es que niega lo que parece lógico en
un primer momento.
La selección brasileña ganó el partido aunque no jugó bien.
Por más que me esfuerce, no consigo entender este contenido.
• Oración subordinada adverbial condicional: refleja una condición necesaria
para que se realice la acción del verbo de la oración principal.
Ejemplos
Estudiando todos los días, se puede aprobar el curso.
Si lo haces bien hecho, serás recompensado.
• Oración subordinada adverbial final: expresa la intención, objetivo o
finalidad de la acción de la oración principal, generalmente los nexos
empleados son: para que, a fin de que, con el objeto de que, con vistas
a que, entre otros.
Ejemplo
Se avisará oportunamente a los alumnos a fin de que nadie sea excluido.
Cierra la puerta para que no nos escuchen.
• Oración subordinada adverbial comparativa: desempeña el papel de
segundo término de una comparación establecida con un elemento

140  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

de la oración principal. Entre los modelos de oraciones comparativas


podemos encontrar: comparativas de igualdad, de superioridad y
de inferioridad.

Ejemplos
La fe es tan importante como el conocimiento. (igualdad)
Henrique trabaja más de lo que parece. (superioridad)
Este auto cuesta menos que aquél. (inferioridad)

Reflexiona

Has observado las clasificaciones de las oraciones subordinadas


adverbiales. Es el momento de practicar. Observa las oraciones y clasifícalas
correctamente.
a) Me llevó la revista para leerla en vacaciones.
b) Como había llegado temprano, fui a estudiar.
c) El dinero es tan importante como el amor.
d) Nuestro problema aumentó de modo que no encontramos solución.
Seguramente habrás conseguido este modelo
a) Final b) Causal c) Comparativa d) Consecutiva

Ahora vamos a estudiar las oraciones subordinadas adjetivas, las que


complementan a un sustantivo, desempeñando, así, la función de adjetivo. Esas
oraciones se clasifican en especificativas y explicativas.
• Oración subordinada adjetiva especificativa
Ejemplos
Van a arreglar los autos que están descompuestos.
Los soldados que llegaron son chinos.
Observa que los términos subrayados restringen o especifican el
significado del antecedente.
• Oración subordinada adjetiva explicativa
Ejemplos
Van a arreglar los autos, que están descompuestos.
Los soldados, que llegaron, son chinos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  141


CAPÍTULO 4 • Língua espanhola vi

Los términos en destaque informan características del antecedente, pero


no lo restringen.
El criterio ortográfico usado para distinguir las especificativas de las
explicativas es el uso de comas.

Oración (O)

SN SV
S adjetivo

O
V SAdj.
Nexo
SN SV adj
D N O

adv V S Adv.

El pueblo donde (yo) nací (donde) es hermoso.

A modo de concluir, hemos observado el funcionamiento de estructuras


subordinantes que asumen significados según la circunstancia en el caso de las
adverbiales y de restricción y explicación en el caso de las adjetivas.
En este capítulo leímos otro texto del autor uruguayo Horacio Quiroga
y estudiamos algunos conceptos sobre las relaciones que se establecen
entre los grupos oracionales, deteniéndonos en las oraciones subordinadas
adverbiales y las adjetivas. En la próxima clase trataremos de cambios de los
valores verbales.

Referencias
LLORACH, E. A. Gramática de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe,
1994.
MASIP, V. Fonología y ortografía españolas: curso integrado para brasileños.
Recife: Edições Bagaço, 2004.
QUIROGA, H. El solitario. Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/gu000048.pdf>. Accedido el: 18 ene. 2010.

142  6º PERÍODO • letras • unitins


5
CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

Cambios de valores verbales

No se es escritor por haber elegido decir ciertas cosas,


sino por la forma en que se digan.
Jean Paul Sartre

Introducción
En el capítulo anterior presentamos estructuras de oraciones compuestas,
las subordinadas adverbiales y las adjetivas, enfatizando como se construyen
las relaciones presentes en los periodos, asimismo, comentamos las funciones y
explicamos cómo reconocerlas.
A continuación, el tema que desarrollaremos enfocará el uso de algunas
estructuras con el verbo quedar (se) y sus significados, observando las diferentes
acepciones que pueden asumir a lo largo de diferentes contextos.
Una vez presentada nuestra propuesta, conviene que busques informaciones
sobre el uso del verbo quedar (se), una de las posibilidades es buscar en Internet
sitios que puedan auxiliarte, o en gramáticas que desarrollen apartados sobre
las funciones semánticas que asumen en las oraciones.

Para saber más

Son diversas las combinaciones entre elementos que componen la oración,


reforzando la funcionalidad del lenguaje, cuando pensamos que el cambio
u organización de los componentes de un periodo pueden establecer
nuevos rumbos significativos. A seguir te presentamos una dirección que
puede auxiliarte en la comprensión del tema de este capítulo. En ese
apartado encontrarás explicaciones sobre situaciones, combinaciones e
interpretaciones del uso del verbo quedar (se) en determinados contextos.
Accédelo y analiza los ejemplos presentados.
<http://culturitalia.uibk.ac.at/hispanoteca/Foro-preguntas/ARCHIVO-
Foro/Quedar-quedarse.htm>.

Al concluir esta clase, esperamos que seas capaz de reflexionar sobre el uso
del verbo quedar (se) en sus diversas utilizaciones y también conocer algunos
usos de los pronombres reflexivos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  143


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

Ahora ¿Vamos a leer un cuento? Es del escritor español Vicente Blasco Ibáñez.
Vas a conocer el personaje don Nicomedes, un funcionario de la justicia
española. Pero no se trata de un funcionario muy convencional. ¿Quieres conocer
su oficio? ¡Lee el cuento! seguro que te va a gustar.

Un funcionario
Tendido de espaldas en el camastro, y siguiendo con vaga mirada las grietas
del techo, el periodista Juan Yáñez, único huésped de la sala de políticos,
pensaba que había entrado aquella noche en el tercer mes de su encierro.
Las nueve... La corneta había lanzado en el patio las prolongadas notas
del toque de silencio; en los corredores sonaban con monótona igualdad
los pasos de los vigilantes, y de las cenadas cuadras, repletas de carne
humana, salía un rumor acompasado; semejante al fuelle de una fragua
lejana o a la respiración de un gigante dormido; parecía imposible que en
aquel viejo convento, tan silencioso, cuya mina resultaba más visible a la
cruda luz del gas, durmiesen mil hombres.
El pobre Yáñez, obligado a acostarse a las nueve, con una perpetua luz
ante los ojos, y sumido en un silencio aplastante, que hacía creer en la
posibilidad del mundo muerto, pensaba en lo duramente que iba saldando
su cuenta con las instituciones.
¡Maldito artículo! Cada línea iba a costarle una semana de encierro; cada
palabra, un día. Y Yáñez, recordando que aquella noche comenzaba la
temporada de ópera con Lohengrin, su ópera predilecta, veía los palcos
cargados de hombres desnudos y nucas adorables, entre destellos de
pedrería, reflejos de seda y airoso ondear de rizadas plumas.
“Las nueve... Ahora habrá salido el cisne, y el hijo de Parsifal lanzará sus
primeras notas entre los siseos de expectación del público... ¡Y yo aquí!
¡Cristo! No tengo mala ópera.”
Si; no era mala. Del calabozo de abajo, como si provinieran de un subterráneo,
llegaban los nidos con que delataba su existencia un bruto de la montaña, a
quien iban a ejecutar de un momento a otro, por un sinnúmero de asesinatos.
Era un chocar de cadenas que parecía el ruido de un montón de clavos y
llaves viejas, y de cuando en cuando, una voz débil repitiendo: “Pa...dre
nuestro, que es...tás en los cielos... San...ta María”, con la expresión tímida
y suplicante del niño que se duerme en brazos de su madre.
¡Siempre repitiendo la monótona cantilena, sin que pudieran hacerle callar!
Según opinión de los más, quería con esto fingirse loco para salvar el cuello;
tal vez catorce meses de aislamiento en un calabozo, esperando a todas
horas la muerte, habían acabado con su escaso seso de fiera instintiva.
Estaba Yáñez maldiciendo la injusticia de los hombres que, por unas
cuantas cuartillas, emborronadas en un momento de mal humor, le obligaba
a dormirse todas las noches arrullado por el delirio de un condenado a
muerte, cuando oyó fuertes voces y pasos apresurados en el mismo piso
donde estaba su departamento. – No: no dormiré ahí – gritaba una voz
trémula y atiplada – ¿Soy acaso algún criminal? Soy un funcionario de

144  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

Gracia y Justicia lo mismo que ustedes... y con treinta años de servicios.


Que pregunten por Nicomedes; todo el mundo me conoce; hasta los
periódicos han hablado de mi. Y después de alojarme en la cárcel, ¿aún
quieren hacerme dormir en un desván que ni para los presos sirve? Muchas
gracias. ¿Para esto me ordenan venir?... Estoy enfermo y no duermo ahí.
Que me traigan un médico; necesito un médico.
Y el periodista, a pesar de su situación, se reía regocijado por la entonación
afeminada y ridícula con que el de los treinta años de servicios pedía el
médico. Se repitió el murmullo de voces; discutían como si formasen consejo;
se oyeron pasos, cada vez más cercanos, y se abrió la puerta de la sala de
políticos, asomando por ella una gorra con galón de oro.
– Don Juan – dijo el empleado con cierta cortedad – , esta noche tendrá
usted compañía... Dispense usted, no es mía la culpa; la necesidad... En fin:
mañana ya dispondrá el jefe otra cosa. Pase usted... señor.
Y el señor (así, con entonación irónica) pasó la puerta, seguido de dos
presos: uno, con una maleta con mantas y bastones; otro, con un saco, cuya
lona marcaba las aristas de una caja ancha y de poca altura.
– Buenas noches, caballero.
Saludaba con humildad, con aquella voz trémula que hizo reír a Yáñez,
y al quitarse el sombrero descubrió una cabeza pequeña, cana y
cuidadosamente rapada. Era un cincuentón obeso, coloradote; la capa
parecía caerse de sus hombros, y un mazo de dijes, colgando de una gruesa
cadena de oro, repiqueteaba sobre su vientre al menor movimiento.
Sus ojos, pequeños, tenían los reflejos azulados del acero y la boca
parecía oprimida por unos bigotillos curvos y caídos como dos signos
de interrogación.
– Usted dispense – dijo, sentándose-, voy a molestarle mucho; pero no es
por culpa mía: he llegado en el tren de esta noche, y me encuentro con que
me dan para dormitorio un desván lleno de ratas. ¡Vaya un viaje!
– ¿Es usted preso?
– En este momento, sí – dijo sonriendo –; pero no le molestaré mucho con
mi presencia.
Y el panzudo burgués se mostraba obsequioso, humilde, como si pidiera
perdón por haber usurpado su puesto en la cárcel.
Yáñez le miraba fijamente; tanta timidez le asombraba. ¿Quién sería aquel
sujeto? Y por su imaginación danzaban ideas sueltas, apenas esbozadas,
que parecían buscarse y perseguirse para completar un pensamiento.
De pronto, al sonar a lo lejos otra vez el quejumbroso “Padre nuestro...”
de la fiera encerrada, el periodista se incorporó nerviosamente, como si
acabase de atrapar la idea fugitiva, fijando su vista en aquel saco que
estaba a los pies del recién llegado.
– ¿Qué lleva usted ahí?... ¿Es la caja de las herramientas? El hombre pareció
dudar, pero, al fin, se le impuso la enérgica expresión interrogativa e inclinó
la cabeza afirmativamente. Después el silencio se hizo largo y penoso.
Unos presos colocaban la cama de aquel hombre en un rincón de la
sala. Yáñez contemplaba fijamente a su compañero de hospedaje, que
permanecía con la cabeza baja.
Como rehuyendo sus miradas. Cuando la cama quedó hecha y los presos se
retiraron, cerrando el empleado la puerta con el cerrojo exterior, continuó el
penoso silencio. Por fin, aquel sujeto hizo un esfuerzo, y habló:

unitins • letras • 6º PERÍODO  145


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

– Voy a dar a usted una mala noche; pero no es mía la culpa; ellos me han
traído aquí. Yo me resistía, sabiendo que es usted una persona decente, que
sentirá mi presencia como lo peor que haya podido ocurrirle en esta casa.
El joven se sintió desarmado por tanta humildad.
– No, señor; yo estoy acostumbrado a todo – dijo con ironía. ¡Se hacen en
esta casa tan buenas amistades, que una más nada importa! Además, usted
no parece mala persona.
Y el periodista, que aún no se había limpiado de sus primeras lecturas
románticas, encontraba muy original aquella entrevista, y hasta sentía
cierta satisfacción.
– Yo vivo en Barcelona – continuó el viejo – ; pero mi compañero de este
distrito murió hace poco de la última borrachera, y ayer, al presentarme en
la Audiencia, me dijo un alguacil: “Nicomedes...” Porque yo soy Nicomedes
Terruño, ¿no ha oído usted hablar de mí?... Es extraño; la Prensa ha publicado
muchas veces mi nombre. “Nicomedes, de orden del señor presidente, que
tomes el tren de esta noche.” Vengo con el propósito de meterme en una fonda
hasta el día del trabajo, y desde la estación me traen aquí, por no sé qué
miedos y precauciones; y para mayor escarnio me quieren alojar con las ratas.
¿Ha visto usted? ¿Es esto manera de tratar a los funcionarios de Justicia?
– ¿Y lleva usted muchos años desempeñando el cargo?
– Treinta años, caballero; comencé en tiempos de Isabel Segunda. Soy el
decano de la clase, y cuento en mi lista hasta condenados políticos. Tengo
el orgullo de haber cumplido siempre mi deber. El de ahora será el ciento
dos: son muchos, ¿verdad? Pues con todos me he portado lo mejor que he
podido. Ninguno se habrá quejado de mí. Hasta los ha habido veteranos
del presidio, que al verme en el último momento, se tranquilizaban decían:
“Nicomedes, me satisface que seas tú.”
El funcionario iba animándose en vista de la atención benévola y curiosa
que le prestaba Yáñez. Iba tomando tierra: cada vez hablaba con más
desembarazo.
– Tengo también mi poquito de inventor – continuó – . Los aparatos lo fabrico yo
mismo, y en cuanto a limpieza, no hay más que pedir... ¿Quiere usted verlos?
El periodista saltó de la cama, como dispuesto a huir.
– No; muchas gracias; no se moleste. Le creo. Y miraba con repugnancia
aquellas manos, cuyas palmas eran rojizas y grasientas. Restos, tal vez, de
la limpieza reciente de que hablaba; pero a Yáñez le parecían impregnadas
de grasa humana, del zumo de aquel centenar que formaba su lista.
– ¿Y está usted satisfecho de la profesión? – preguntó para hacerle olvidar
el deseo de lucir sus invenciones.
– ¡Qué remedio!... Hay que conformarse. Mi único consuelo es que cada vez
se trabaja menos. Pero ¡cuán duro es este plan!... ¡Si yo lo hubiera sabido...!
Y quedó silencioso, mirando al suelo. – Todos contra mí – continuó. Yo he
visto muchas comedias. ¿Sabe usted? He visto que ciertos reyes antiguos
iban a todas partes llevando detrás al ejecutor de su justicia, vestido de
rojo, con el hacha al cuello, y hacían de él su amigo y consejero. ¡Aquello
era lógico! El encargado de cumplir la justicia me parece que es alguien, y
alguna consideración merece. Pero en estos tiempos todo son hipocresías.
Grita el fiscal pidiendo una cabeza en nombre de no sé cuántas cosas
respetables, y a todos les parece bien; llego yo después, cumpliendo sus

146  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

órdenes, y me escupen y me insultan. Diga, señor: ¿es esto justo?... Si entro


en una fonda, me ponen en la puerta apenas me conocen; en la calle todos
rehúyen mi contacto, y hasta en la Audiencia me tiran el sueldo a los pies,
como si yo no fuese un funcionario lo mismo que ellos, como si mi dinero no
figurase en el presupuesto... ¡Todos contra mí! Y después – añadió con voz
apenas perceptible – los otros enemigos... ¡Los otros! ¿Sabe usted? Los que
se fueron para no volver, y, sin embargo, vuelven; ese centenar de infelices
a los que traté con mimos de padre, haciéndoles el menor daño posible, y
que..., ¡ingratos!, vienen a mi apenas me ven solo.
– ¡Qué!... ¿Vuelven?
– Todas las noches. Los hay que me molestan poco; los últimos, apenas; me
parecen amigos de los que me despedí ayer; pero los antiguos, los de mi
primera época, cuando aún me emocionaba y me sentía torpe, ésos son
verdaderos demonios que apenas me ven solo en la oscuridad, desfilan sobre
mi pecho en interminable procesión, me oprimen, me asfixian, rozándome
los ojos con el borde de sus ropas. Me siguen a todas partes, y así como me
hago viejo, son más asiduos. Cuando me metieron en el desván, comencé
a verlos asomar por los rincones más oscuros. Por eso pedía un médico:
estaba enfermo; tenía miedo a la noche; quería luz, compañía.
– ¿Y siempre está usted solo?
– No: tengo familia allá en mi casita de las afueras de Barcelona; una familia
que no da disgustos; un perro, tres gatos y ocho gallinas. No entienden
a las personas, y por eso me respetan, me quieren como si yo fuera un
hombre igual a los demás. Envejecen tranquilamente a mi lado. Nunca se
me ha ocurrido matar una gallina; me desmayo viendo correr la sangre.
Y decía esto con la misma voz quejumbrosa de antes, débil, anonadado,
como si sintiera el lento desplome de su interior.
– ¿Y nunca tuvo usted familia?
– ¿Yo?... ¡Como todo el mundo! A usted se lo cuento, caballero. ¡Hace
tanto tiempo que no hablo! ... Mi mujer murió hace seis años. No crea
usted que era una de esas mujerzuelas borrachas y embrutecidas, que es
el papel que en las novelas se reserva siempre a la hembra del verdugo.
Era una moza de mi pueblo, con la que casé al volver del servicio. Tuvimos
un hijo y una hija; pan, poco; miseria, mucha, y, ¿qué quiere usted?, la
juventud y cierta brutalidad de carácter me lleva ron al oficio. No crea
que conseguí fácilmente el puesto: hasta necesité influencias. Al principio
me hacía gracia el odio de la gente: me sentía orgulloso por inspirar terror
y repugnancia. Presté mis servicios en muchas Audiencias, rodamos por
media España, y los chicos, cada vez más hermosos, hasta que, por fin,
caímos en Barcelona. ¡Qué gran época! La mejor de mi vida: en cinco o
seis años no hubo trabajo. Mis ahorros se convirtieron en una casita en las
afueras, y los vecinos apreciaban a don Nicomedes, un señor simpático,
empleado en la Audiencia. El chico, un ángel de Dios, trabajador, modosito
y callado, estaba en una casa de comercio; la niña, ¡cuánto siento no tener
aquí su retrato!, la niña, que era un serafín, con unos ojazos azules y una
trenza rubia, gruesa como mi brazo y que cuando correteaba por nuestro
huertecillo parecía una de esas señoritas que salen en las óperas, no iba
a Barcelona con su madre sin que algún joven viniera tras sus pasos. Tuvo
un novio formal; un buen muchacho, que pronto iba a ser médico. Cosas

unitins • letras • 6º PERÍODO  147


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

de ella y de su madre; yo fingía no ver nada, con esa bondadosa ceguera


de los padres que se reservan para el último momento. Pero, Señor, ¡cuán
felices éramos!
La voz de Nicomedes era cada vez más temblorosa: sus ojillos azules estaban
empañados. No lloraba; pero su grotesca obesidad se agitaba con los
estremecimientos del niño que hace esfuerzos para tragarse las lágrimas.
– Pero se le ocurrió a un desalmado de larga historia dejarse coger; le
sentenciaron a muerte, y hube de entrar en funciones cuando ya casi había
olvidado cuál era mi oficio. ¡Qué día aquel! Media ciudad me conoció
viéndome sobre el tablado, y hasta hubo periodistas que, como son peor
que una epidemia (usted dispense), averiguaron mi vida, presentándonos
en letras de molde a mí y a mi familia, como si fuéramos bichos raros, y
afirmando con admiración que teníamos facha de personas decentes. Nos
pusieron en moda. Pero ¡qué moda! Los vecinos cerraban puertas y ventanas
al verme, y aunque la ciudad es grande, siempre me conocían en las calles y
me insultaban. Un día, al entrar en casa, me recibió mi mujer como una loca.
¡La niña! ¡La niña!... La vi en la cama, con el rostro desencajado, verdoso,
¡ella, tan bonita!, y la lengua manchada de blanco. Estaba envenenada,
envenenada con fósforos, y había sufrido atroces dolores durante horas
enteras; callando para que el remedio llegase tarde... ¡y llegó! Al día
siguiente ya no vivía... La pobrecita tuvo valor. Amaba con toda su alma al
mediquen, y yo mismo leí la carta en la que el muchacho se despedía para
siempre por saber de quién era hija. No la lloré. ¿Tenía acaso tiempo? El
mundo se nos venía encima; la desgracia soplaba por todos lados; aquel
hogar tranquilo que nos habíamos fabricado, se desplomaba por sus cuatro
ángulos. Mi hijo..., también a mi hijo le arrojaron de la casa de comercio,
y fue inútil buscar nueva colocación ni apoyo en sus amigos. ¿Quién cruza
la palabra con el hijo del verdugo? ¡Pobrecito! ¡Como si a él le hubieran
dado a escoger el padre antes de venir al mundo! ¿Qué culpa tenía, él,
tan bueno, de que yo le hubiese engendrado? Pasaba todo el día en casa,
huyendo de la gente, en un rincón del huertecillo, triste y descuidado desde
la muerte de la niña. ¿”En qué piensas”, Antonio?, le preguntaba. “Papá,
pienso en Anita.” El pobre me engañaba. Pensaba en él, en lo cruelmente
que nos habíamos equivocado, creyéndonos por una temporada iguales
a los demás, y cometiendo la insolencia de querer ser felices. El batacazo
sufrido fue terrible; imposible levantarse. Antonio desapareció.
– ¿Y nada ha sabido usted de su hijo? – dijo Yáñez, interesado por la
lúgubre historia.
– Si, a los cuatro días. Le pescaron frente a Barcelona; salió envuelto en redes,
hinchado y descompuesto... Usted ya adivinará lo demás. La pobre vieja se
fue poco a poco, como si los chicos tirasen de ella desde arriba; y yo, el malo,
el empedernido, me he quedado aquí, solo, completamente solo, sin el recurso
siquiera de beber, porque si me emborracho vienen ellos, ¿sabe usted?, ellos,
mis perseguidores, a enloquecerme con el aleteo de sus ropas negras, como
si fuesen enormes cuervos, y me pongo a morir... Y, sin embargo, no los odio.
¡Infelices! Casi lloro cuando los veo en el banquillo. Otros son los que me
han hecho mal. Si el mundo se convirtiera en una sola persona; si todos los
desconocidos que me robaron a los míos con su desprecio y su odio tuvieran
un solo cuello y me lo entregaran, ¡ay, cómo apretaría! ..., ¡con qué gusto!...

148  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

Y hablando a gritos se había puesto en pie, agitando con fuerza sus


puños, como si retorciese una palanca imaginaria. Ya no era el mismo ser
tímido, panzudo y quejumbroso. En sus ojos brillaban pintas rojas como
salpicaduras de sangre; el bigote se erizaba, y su estatura parecía mayor,
como si la bestia feroz que dormía dentro de él, al despertar, hubiese dado
un formidable estirón a la envoltura.
En el silencio de la cárcel resonaba cada vez más claro el doloroso
canturreo que venía del calabozo: “Pa. ..dre... nues.. .tro, que estás... en
los cielos...” Don Nicomedes no lo odia. Paseaba furioso por la habitación,
conmoviendo con sus pasos el piso que servía de techo a su víctima. Por fin,
se fijó en el monótono quejido.
– ¡Cómo canta ese infeliz! – murmuró – . ¡Cuán lejos estará de saber que
estoy yo aquí, sobre su cabeza!
Se sentó desalentado y permaneció silencioso mucho tiempo, hasta que sus
pensamientos, su afán de protesta, le obligaron a hablar.
– Mire usted, señor: conozco que soy un hombre malo y que la gente debe
despreciarme. Pero lo que me irrita es la falta de lógica. Si lo que yo hago
es un crimen, que supriman la pena de muerte y reventará de hambre en
un rincón como un perro. Pero si es necesario matar para tranquilidad de
los buenos, entonces, ¿por qué se me odia? El fiscal que pide la cabeza del
malo nada sería sin mí, que obedezco; todos somos ruedas de la misma
máquina, y ¡vive Dios! Que merecemos igual respeto, porque yo soy un
funcionario, con treinta años de servicios.
Vicente Blasco Ibáñez
(Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bk0
00047.pdf>).

¿Qué te pareció el texto? Es parte de la obra de un autor español, atento a


los detalles y argumentos fuertes para entablar una discusión sobre determinadas
posturas y relaciones en la sociedad.
Es un cuento que invita al lector a detenerse en la riqueza de las descripciones
y provoca naturalmente un ambiente de reflexión sobre los ideales que construimos,
asimismo, la forma como nos vemos y la forma como somos vistos. Te invito a
que realices un ejercicio de producción textual.

Reflexiona

Habrás observado la forma como se relacionan el periodista y el señor


Nicomedes, tu actividad será proponer nuevas direcciones para esa
narrativa, cuidado con los componentes textuales.
Entre los posibles caminos a seguir, podrías atribuir al destino el acercamiento
de los dos, por un lado el periodista es arrestado a razón de la carta enviada

unitins • letras • 6º PERÍODO  149


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

inconsecuentemente, generando cambios en la vida de las personas, entre


las cuales encontramos al señor Nicomedes, por razones políticas sufre
persecuciones después de la llegada de una carta a las televisiones locales.
Esta sería una de las formas para conducir tu narrativa breve, claro que
para ello utilizarás diálogos y descripciones más detalladas.

No podemos olvidar los aspectos gramaticales expuestos en el inicio de


este apartado, es un buen momento para constatar el significado de algunos
términos, así podremos identificar, según Masip (2004, p.147), los cambios
semánticos como una consecuencia de las relaciones que se establecen entre los
componentes de las oraciones señaladas:
Cuando la cama quedó hecha y los presos se retiraron […]

permanecer
En el ejemplo anterior, el verbo quedar aparece como sinónimo de permanecer
y es empleado para los tipos de sujeto que ser refieran a cosas u objetos.

Reflexiona

¿Qué tal buscar otro ejemplo de uso del verbo quedar en el texto? Acuér-
date que debes explicarlo.
[…] y yo, el malo, el empedernido, me he quedado aquí, solo, completa-
mente solo […]

Permanecer
En el empleo destacado el verbo quedar (se) se refiere a permanecer y tiene
como sujeto al señor Nicomedes.

El uso del verbo quedar (se) puede asumir diferentes sentidos, a seguir te
presentaremos algunos ejemplos.
Los autos quedarán en este garaje.

Permanecer
La forma verbal subrayada tiene el valor de permanecer y es empleada
generalmente con esa estructura cuando el sujeto es una cosa u objeto.

150  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

Mañana me quedaré a dormir en la casa de María.

Permanecer
La estructura verbal subrayada tiene el valor de permanecer y es empleada
con esa estructura cuando el sujeto es una persona.
Trae más panes. Sólo quedan dos.

Restar
El verbo señalado tiene el sentido de restar y el sujeto son los panes.
Hoy no queda nadie en casa.

Restar
El sentido del verbo subrayado es de restar y tiene como sujeto nadie.
La calle quedó destruida tras la lluvia.

resultar
El significado del verbo señalado corresponde a resultar y tiene un objeto o
cosa como sujeto.
Marta se quedó impresionada al verla.

resultar

La estructura destacada tiene el sentido de resultar y el sujeto es Marta.


El edificio queda cerca de aquí.

localización

El valor del verbo destacado corresponde a la localización del edificio, es


decir, tiene como sujeto un lugar.
Esa remera le queda muy bien con ese pantalón.

lucir
Esos anteojos te quedan muy grandes.

lucir

unitins • letras • 6º PERÍODO  151


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

El sentido del verbo quedar (se) en los dos casos corresponde a adecuarse
un adorno, ropa, color de cabello, a alguien. La estructura generalmente
es de pronombre OI + quedar y puede ser empleada con cosa o persona
como sujeto.
Quedé con José en ir a tomar un té.

concertar preposición
Julia y Mariana quedaron en venir a casa.

concertar preposición
Correcto, quedamos en la entrada del cine.

cita preposición
¿Quedamos a las 9h o a las 9h 30?

cita preposición
El grupo irá al cine. Quedamos el martes.

encuentro

En los ejemplos anteriores hemos observado el uso del verbo quedar (se) con
el sentido de concertar una cita, un compromiso o un encuentro. Otro aspecto
que merece atención en su estructura verbal es la presencia de la preposición y
algunas circunstancializaciones, refiriéndose a lugar, hora, determinada fecha
entre otros referenciales.

Reflexiona

Considerando los modelos y valores presentados anteriormente indica el


sentido adecuado de los verbos destacados en las frases a seguir:
1. No necesitamos tomar un taxi; el centro comercial queda muy cerca de aquí.
______________________________________________________________
2. Perdón, ¿dónde queda el cine oro?
______________________________________________________________
3. Es mejor que vayas a hablar con Carlos, pues se quedó muy enojado contigo.
______________________________________________________________
4. En el encuentro de la semana pasada no resolvimos todo; aún quedan
algunos problemas.
______________________________________________________________

152  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

Respuestas
1. Localización, pues se refiere a la ubicación en relación a su orientación.
2. Localización, pues está relacionado a la localización del cine.
3. Resultado, producto de una acción.
4. Restar, parte de las actividades propuestas no se han realizado.

5.1 Algunos usos de los pronombres reflexivos


Cuando su referencial es el sujeto, empleamos se en función de complemento
indirecto o directo. El sujeto realiza y recibe la acción. En la circunstancia en
que no sea el referente, aparecen complementos directos: la, las, lo y los.
Complementos indirectos: le y les. Esta diferencia es fundamentalmente semántica
y no sintáctica. En la ausencia de un sintagma nominal que cumpla la función de
complemente directo el se asume ese papel, y cuando lo hay, asume la función
de indirecto.
El chico se ducha.

quien ejecuta y recibe la acción

Reflexivo, complemento directo, pues la acción es ejecutada y recae sobre


el mismo individuo.
Al hermano lo arregla su madre.

recae la acción quien ejecuta


No reflexivo, complemento directo, pues la ejecutora de la acción es su
madre, y recae sobre otro individuo que es el hermano.
La chica se lava la cara.

quien ejecuta recae la acción

Reflexivo, complemento indirecto, la existencia del sintagma nominal determina


el complemento indirecto.
A la chica le lava la cabeza su madre.

recae la acción quien ejecuta

No reflexivo, complemento indirecto, pues la madre hace la acción que


recae sobre la chica.

unitins • letras • 6º PERÍODO  153


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

En algunas situaciones tiene el valor de factitivo, pues no se refiere al ejecutor


de la acción, sino quien indirectamente participa, mediante las órdenes para la
realización de la acción.
Nos hicimos una casa en la ciudad.
No significa que haya participado de la construcción de la casa, sino que
haya contratado a los albañiles e ingenieros.
La semana pasada me corté el cabello.
No significa que haya participado directamente de la acción de cortar el
cabello, sino que el peluquero lo haya hecho mediante sus órdenes.
Vimos como el verbo quedar (se) puede asumir diferentes valores a partir del
contexto en el cual esté implicado, también observamos el uso de los reflexivos
como una forma de reconocerlos y comprender su sentido en la organización de
las oraciones.

Rincón cultural
El español centroamericano presenta algunas particularidades con el
uso de los pronombres de tratamiento, por un lado encontraremos el uso
de usted como marcador de distanciamiento, respeto o cortesía, lo que no
se aleja radicalmente de la otra parte del mundo de hispanohablantes. Las
particularidades saltan a nuestros ojos cuando que expresar solidaridad,
familiaridad o afecto, pues existen tres modos de manifestarlo, utilizando las
estructuras vos, usted y tú, conocidos también como voseo, tuteo o ustedeo.
En países como El Salvador y Guatemala, además de la función
pronominal, en determinadas circunstancias tiene valor expresivo en el final
de la frase, en esas realidades el pronombre tú es más empleado como
marcador de solidaridad.
El uso de Usted en determinados contextos como marcador de familiaridad,
ocurre en Parte de América Central, y generalmente entre jóvenes y personas
mayores, sin embargo vamos a observar que ocurre un intercambio entre los
tres pronombres en esa realidad de centroamericana.
(PACHECO, 1996, p. 107).

En este capítulo leímos un texto de autor español Vicente Blasco Ibáñez de


fines del siglo XIX, propusimos una reflexión sobre algunas de las escenas que
son descriptas en la narrativa. En el apartado gramatical estudiamos algunos
usos y los diferentes valores del verbo quedar (se), enfocando estructuras y
sentidos, en la última parte nos detuvimos en los reflexivos. En la próxima clase
continuaremos nuestro estudio sobre estructuras verbales y también estudiaremos

154  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

marcadores discursivos que indican pertenencia sin uso de posesivos y uso de se


para expresar involuntariedad.

¿Cómo se dice?
En algunas zonas rurales de El Salvador y Guatemala, encontramos
variaciones de timbres de las vocales átonas: dispertar, sepoltura, escribir,
dicir, escuro, menistro, fechuría.
Situación contraria ocurre en algunas zonas territoriales de Costa Rica
y El Salvador, el ensordecimiento de las vocales finales: noch…, puent…,
La lengua se presente con sus diversas variantes.
(PACHECO, 1996, p. 102).

Referencias
IBAÑEZ, V. B. El funcionario. Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.
br/download/texto/bk000047.pdf>. Accedido el: 18 ene. 2010.
MASIP, V. Fonología y ortografía españolas: curso integrado para brasileños.
Recife: Edições Bagaço, 2004.
PACHECO, M. A. Q. El español de América Central. In: Manual de dialectología
hispánica: el español de América. Barcelona: Ed. Ariel, 1996.

Anotaciones

unitins • letras • 6º PERÍODO  155


CAPÍTULO 5 • Língua espanhola vi

156  6º PERÍODO • letras • unitins


6
CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

Estrategias de lectura

Al escribir proyectas un mundo a tu medida.


Jesús Fernández Santos

Introducción
En el capítulo anterior presentamos el uso de algunas estructuras verbales
con el verbo quedar (se), a la vez presentamos algunos usos de los reflexivos y
como lectura tuvimos un cuento del escritor español Vicente Blasco Ibáñez.
Tras la exposición sobre los temas desarrollados en el capítulo anterior,
iniciaremos el sexto capítulo reflexionando sobre algunas acepciones de lectura,
el lector y algunas estrategias para interactuar con el texto, a la vez presentaremos
estructuras de involuntariedad con el uso de se, asimismo, analizaremos estructuras
de pertenencia sin el posesivo.
Una vez presentado el curso que seguiremos, conviene que busques en
<http://intercentres.cult.gva.es/ieselclot/HTML/departaments/angles/lectura.
htm>, algunas informaciones sobre estrategias de lectura. En esa página
encontrarás orientaciones que pueden sumarse a la exposición que haremos en
este capítulo, además de auxiliarte en tus lecturas.
Al concluir esta clase, esperamos que seas capaz de reflexionar sobre
algunas estrategias de lectura y la importancia del lector en la construcción
significativa, uso de se con el valor de involuntariedad y recursos estructurales
que signifiquen pertenencia sin el uso de posesivos.
Ahora les invito a leer otro cuento de Horacio Quiroga. ¿Sabes lo que es una
mordedura de culebra? ¿Ya la sufriste o conoces a alguien que la haya sufrido?
En el cuento un hombre la ha sufrido. Léelo para saber que ha pasado con él
después de una mordedura de yararacusú.

A la deriva
El hombre pisó algo blanduzco, y en seguida sintió la mordedura en el pie.
Saltó adelante, y al volverse con un juramento, vio una yararacusú que
arrollada sobre sí misma esperaba otro ataque.

unitins • letras • 6º PERÍODO  157


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

El hombre echó una veloz ojeada a su pie, donde dos gotitas de sangre
engrosaban dificultosamente, y sacó el machete de la cintura. La víbora vio
la amenaza y hundió más la cabeza en el centro mismo de su espiral; pero
el machete cayó de plano, dislocándole las vértebras.
El hombre se bajó hasta la mordedura, quitó las gotitas de sangre, y durante
un instante contempló. Un dolor agudo nacía de los dos puntitos violeta y
comenzaba a invadir todo el pie. Apresuradamente se ligó el tobillo con su
pañuelo y siguió por la picada hacia su rancho.
El dolor en el pie aumentaba, con sensación de tirante abultamiento, y de
pronto el hombre sintió dos o tres fulgurantes puntadas que como relámpagos
habían irradiado desde la herida hasta la mitad de la pantorrilla. Movía la
pierna con dificultad; una metálica sequedad de garganta seguida de sed
quemante le arrancó un nuevo juramento.
Llegó por fin al rancho, y se echó de brazos sobre la rueda de un trapiche.
Los dos puntitos violeta desaparecían ahora en la monstruosa hinchazón del
pie entero. La piel parecía adelgazada y a punto de ceder de tensa. Quiso
llamar a su mujer y la voz se quebró en un ronco arrastre de garganta
reseca. La sed lo devoraba.
– ¡Dorotea! – alcanzó a lanzar en un estertor. – ¡Dame caña!
Su mujer corrió con un vaso lleno, que el hombre sorbió en tres tragos. Pero
no había sentido gusto alguno.
– ¡Te pedí caña, no agua! – rugió de nuevo. – ¡Dame caña!
– ¡Pero es caña, Paulino! – protestó la mujer espantada.
– ¡No, me diste agua! ¡Quiero caña, te digo!
La mujer corrió otra vez, volviendo con la damajuana. El hombre tragó uno
tras otro dos vasos, pero no sintió nada en la garganta.
– Bueno; esto se pone feo – murmuró entonces, mirando su pie lívido y
ya con lustre gangrenoso. Sobre la honda ligadura del pañuelo, la carne
desbordaba como una monstruosa morcilla.
Los dolores fulgurantes se sucedían en continuos relampagueos y llegaban
ahora a la ingle. La atroz sequedad de garganta que el aliento parecía
caldear más, aumentaba a la par. Cuando pretendió incorporarse, un
fulminante vómito lo mantuvo medio minuto con la frente apoyada en la
rueda de palo.
Pero el hombre no quería morir, y descendiendo hasta la costa subió a su
canoa. Se sentó en la popa y comenzó a palear hasta el centro del Paraná.
Allí la corriente del río, que en las inmediaciones del Iguazú corre seis
millas, lo llevaría antes de cinco horas a Tacurú-Pucú.
El hombre, con sombría energía, pudo efectivamente llegar hasta el medio
del río; pero allí sus manos dormidas dejaron caer la pala en la canoa, y
tras un nuevo vómito – de sangre esta vez – dirigió una mirada al sol que
ya trasponía el monte.
La pierna entera, hasta medio muslo, era ya un bloque deforme y durísimo
que reventaba la ropa. El hombre cortó la ligadura y abrió el pantalón
con su cuchillo: el bajo vientre desbordó hinchado, con grandes manchas
lívidas y terriblemente dolorido.
El hombre pensó que no podría jamás llegar él solo a Tacurú-Pucú, y se
decidió a pedir ayuda a su compadre Alves, aunque hacía mucho tiempo
que estaban disgustados.

158  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

La corriente del río se precipitaba ahora hacia la costa brasileña, y el


hombre pudo fácilmente atracar. Se arrastró por la picada en cuesta arriba,
pero a los veinte metros, exhausto, quedó tendido de pecho.
– ¡Alves! – gritó con cuanta fuerza pudo; y prestó oído en vano.
– ¡Compadre Alves! ¡No me niegue este favor! – clamó de nuevo, alzando
la cabeza del suelo. – En el silencio de la selva no se oyó un solo rumor. El
hombre tuvo aún valor para llegar hasta su canoa, y la corriente, cogiéndola
de nuevo, la llevó velozmente a la deriva.
El Paraná corre allí en el fondo de una inmensa hoya, cuyas paredes, altas
de cien metros, encajonan fúnebremente el río. Desde las orillas bordeadas
de negros bloques de basalto, asciende el bosque, negro también. Adelante,
a los costados, detrás, la eterna muralla lúgubre, en cuyo fondo el río
arremolinado se precipita en incesantes borbollones de agua fangosa. El
paisaje es agresivo, y reina en él un silencio de muerte. Al atardecer, sin
embargo, su belleza sombría y calma cobra una majestad única.
El sol había caído ya cuando el hombre, semi-tendido en el fondo de la
canoa, tuvo un violento escalofrío. Y de pronto, con asombro, enderezó
pesadamente la cabeza: se sentía mejor. La pierna le dolía apenas, la sed
disminuía, y su pecho, libre ya, se abría en lenta inspiración.
El veneno comenzaba a irse, no había duda. Se hallaba casi bien, y aunque
no tenía fuerzas para mover la mano, contaba con la caída del rocío para
reponerse del todo. Calculó que antes de tres horas estaría en Tacurú-Pucú.
El bienestar avanzaba, y con él una somnolencia llena de recuerdos. No
sentía ya nada ni en la pierna ni en el vientre. ¿Viviría aún su compadre
Gaona en Tacurú-Pucú? Acaso viera también a su ex-patrón míster Dougald,
y al recibidor del obraje. ¿Llegaría pronto? El cielo, al poniente, se abría
ahora en pantalla de oro, y el río se había coloreado también. Desde la
costa paraguaya, ya entenebrecida, el monte dejaba caer sobre el río su
frescura crepuscular, en penetrantes efluvios de azahar y miel silvestre. Una
pareja de guacamayos cruzó muy alto y en silencio hacia el Paraguay.
Allá abajo, sobre el río de oro, la canoa derivaba velozmente, girando a
ratos sobre sí misma ante el borbollón de un remolino. El hombre que iba
en ella se sentía cada vez mejor, y pensaba entretanto en el tiempo justo
que había pasado sin ver a su ex-patrón Dougald. ¿Tres años? Tal vez no,
no tanto. ¿Dos años y nueve meses? Acaso. ¿Ocho meses y medio? Eso sí,
seguramente.
De pronto sintió que estaba helado hasta el pecho. ¿Qué sería? Y la
respiración también...
Al recibidor de maderas de míster Dougald, Lorenzo Cubilla, lo había
conocido en Puerto Deseado, un viernes santo... ¿Viernes? Sí, o jueves...
El hombre estiró lentamente los dedos de la mano.
– Un jueves...
Y cesó de respirar.
Horacio Quiroga
(Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bk0
00163.pdf>).

unitins • letras • 6º PERÍODO  159


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

Diferentemente do los capítulos anteriores, no les voy a dejar conducir


el barco de la decodificación e interpretación solos, les presentaré algunos
conceptos sobre lectura, a la vez algunas estrategias que puedan auxiliarlos en
su labor docente.

6.1 Lectura y estrategias


Solemos escuchar de todos los involucrados en nuestra formación frases
como ¡leer es muy importante!, ¡debes leer!, ¡para mejorar tu producción textual
tienes que leer! Ninguna está mal, sin embargo leer es algo que requiere algunos
pasos, poco conocidos o tal vez no considerados por diversas razones.
Iniciemos nuestro camino con preguntas como ¿qué significa leer? ¿para qué
leer? y principalmente, ¿cómo leer? Las respuestas para esas preguntas deben
considerar como punto inicial algunos de los elementos que están involucrados en
el proceso de lectura. Empecemos por el autor, una figura que por medio de sus
idiosincrasias con implicaciones contextuales y sistémicas de la lengua, construye
por medio del discurso su representación mental. Algunas son extremamente
complejas, otras no requieren del lector un conocimiento previo tan profundizado,
sin embargo su protagonismo como decodificador y edificador de sentido en la
lectura es fundamental.
Presentada una idea inicial, podemos proponer algunas respuestas a las
preguntas anteriores, entre las cuales iniciamos con una acepción para leer,
actividad que requiere del lector una sintonía con el tema, el sistema lingüístico
empleado por el autor, en algunas circunstancias reconocer y contextualizar
el autor, asimismo reconocer, reproducir y significar lo que está dicho y lo no
dicho, es decir la lectura es una constante resignificación protagonizada por
el lector.
El sentido de lectura ha sido objeto de muchas investigaciones en diversas
instituciones de enseñanza, nuestro propósito no es agotar el tema, incluso
porque no vamos a conseguirlo, pero proponer algunas orientaciones que
puedan facilitar la lectura y las actividades que, como profesor o futuro profesor,
propones en el aula.
Esperamos que todo lector analice, critique, resinifique las informaciones al
contextualizarlas, manifieste su placer mediante un texto o lo rechace a razón
de su ideología, pero la interacción motivará una reacción. Podemos trabajar
con anticipaciones e hipótesis a lo largo de nuestra lectura, es una forma de
dialogar con el texto, pues ponemos como referenciales de contrapunto nuestras
experiencias, creencias y conceptos que nos definen como sujeto.
El título, el autor, el soporte o medio de vehiculación, el género textual, la
tipología textual, la forma como está dispuesto el texto y la organización de
las informaciones.

160  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

¿Qué les parece empezar con el título? Generalmente es algo que el autor
utiliza para provocar y estimular nuestra curiosidad, asimismo es un adelantamiento
de lo que posiblemente veremos, caso continuemos la lectura, es decir, es abrir la
puerta ofreciendo pocas informaciones sobre lo que encontraremos.

Reflexiona

A mí me encanta la práctica, imagino que quieran empezar a ejercitar ese


diálogo con el texto, es un momento para considerar las orientaciones,
entablar un diálogo con el autor. No se vayan a olvidar de la importancia
que ustedes tienen a la hora de construir el significado del texto, por ello
mucha atención y disciplina.

6.2 Involuntariedad con el uso de se


En la mayoría de las veces empleamos frases que expresan nuestra
involuntariedad en algunas situaciones, es decir, algo ocurre y estamos implicados,
sin embargo no tuvimos la intención. Además de esas estructuras, encontramos el
se, una partícula que expresa la involuntariedad del sujeto sobre el acontecimiento.
Ejemplo

Estaba comiendo un perro caliente y se me cayó de las manos.

singular singular
involuntariedad

El verbo caer está en singular pues concuerda con el perro caliente que en
esa circunstancia es la cosa afectada.
A seguir te presentaremos algunas estructuras para que comprendas el uso
de se como involuntariedad.

A José se le descompuso el auto.

Persona afectada pronombre de OI Verbo en 3ª persona singular

Involuntariedad singular
Acontecimiento involuntario

unitins • letras • 6º PERÍODO  161


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

A los brasileños se les nota el acento al hablar.

Personas afectadas pronombre de OI Verbo en 3ª persona singular

Involuntariedad singular

Acontecimiento involuntario

A vosotros se os han perdido los recibos.

Personas afectadas pronombre de OI Verbo en 3ª persona plural

Involuntariedad plural

Acontecimiento involuntario

A los chicos se les rompieron los vasos.

Personas afectadas pronombre de OI Verbo en 3ª persona plural

Personas afectadas plural

Involuntariedad Acontecimiento involuntario

Otras estructuras que indican involuntariedad. Ejemplos:

El tiempo se nos acaba, debemos apurarnos.

involuntariedad acontecimiento involuntario

No dejes que los animales se te escapen al campo.

involuntariedad acontecimiento

Se te estropeará la falda si la lavas con jabón azul.

162  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

¿No se les ha ocurrido un plan mejor?


Se me olvidó cerrar el candado.
Nuestras llaves se nos han perdido en la multitud.
Esa mugre se le ha pegado a Jorge.
Por el gusto de la comida, se me ha quemado un poco.
Con la falda transparente se te ve la ropa interior.

Reflexiona

Considerando las explicaciones anteriores, te presentamos algunas frases


para que puedas practicar.
Transforma las oraciones voluntarias en involuntarias. Observa el ejemplo.
Han apagado el incendio. Se les ha apagado el incendio
Paré el motor del avión. ___________________________________________
Ha estropeado el equipo de sonido._________________________________
Quemaste el estofado. ____________________________________________
Partieron los cristales al medio. _____________________________________
Han pinchado la pelota. ___________________________________________
Posibles respuestas
Se me paró el motor del avión.
Se le ha estropeado el equipo de sonido.
Se te ha quemado el estofado.
Se les partieron los cristales al medio.

6.3 Posesivo dativo


Nuestra primera actitud para comprender este contenido es definir el posesivo
dativo. Sobre ese tema Dimitrescu (1990, p. 404) afirma que es la construcción
gramatical en la que un clítico pronominal en dativo actúa como correferencial con
un Sintagma Nominal, el cual entra en una relación semántica de posesión con otro
SN de la misma oración. Un ejemplo:

Juan le cortó el pelo a María.

Clítico pronominal Sintagma nominal


en dativo

unitins • letras • 6º PERÍODO  163


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

Observemos que entre “el pelo” y “a María” existe una relación semántica
de posesión, es decir, el pelo es el objeto poseído por María, que a la vez es
diferente del sujeto Juan.

Vamos a otros ejemplos:

Me arregala los cabellos el miesmo peluquero de siempre.

Clítico pronominal Sintagma nominal


en dativo

Relación semántica de posesión entre los cabellos


y El pronombre que se refiere a mis cabellos.

Os han llenado la casa de animales.

Clítico pronominal Sintagma nominal


en dativo

Relación semántica de posesión entre la casa y el


pronombre que se refiere a vuestra casa.

Más ejemplos:
Le sellaron los papeles.

La relación semántica de posesión ocurre entre el/ella/usted y los papeles


(sus papeles).

6.3.1 Forma reflexivas


En este contexto el poseedor es el sujeto, ejemplo:
Te operaste la boca.

Jorge se tiñó el cabello.

Esa estructura es la más empleada para referirse a las partes del cuerpo,
acciones y pertenecías personales.

164  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

Reflexiona

Teniendo en cuenta los conceptos y explicaciones sobre el posesivo dativo,


relaciona las frases de la primera columna con las de la segunda columna
y añade los pronombres correspondientes.
a) Hoy se dedicó a preparar su equipaje. (  ) ___ ensuciaron varias fotos.
b) Deberías escribir el texto para la noche. (  ) no ____ ha pagado el
cheque.
c) Tuve un sorpresa desagradable en el banco: (  ) ____doblé varias
remeras.
d) _____ lastimé el ojo. (  ) ¿Ya ______ arreglaron el ordenador?
e) Mis amigos se pusieron a jugar con mi balón (  ) Preferí no pintar ____
los ojos.
Las posibles respuestas son
La secuencia de las letras es: e, c,a,b, d. La secuencia de los pronombres es
Me ensuciaron varias fotos.
No me ha pagado el cheque.
Se dobló varias remeras.
Me lastimé el ojo.
Me arreglaron el ordenador.

A modo de concluir, la importancia de la lectura en nuestra formación es


algo indiscutible, repensarla y comprender ese proceso es fundamental para
aprovecharlo mejor, así podremos interpretar y comprender estructuras como el
posesivo dativo y la involuntariedad de se.

Rincón cultural
El castellano boliviano está condicionado por la geografía boliviana
como variante dialectal de español, presenta tres regiones en las cuales
encontramos varios tipos dialectales determinados, en gran medida, por la
influencia del sustrato, por el bilingüismo y por las consecuencias emergentes
de las lenguas en contacto en las tres zonas. En la 1ª zona que abarca la
región andina centro y sudoccidental comprendiendo los departamentos de La
Paz, Oruro, Cochabamba, Potosí y Chuquisaca encontraremos un castellano
que se mezcla con el aimara, en algunas regiones el castellano que se mezcla
con el quechua. En la segunda zona, región de los departamentos Pando,
Bení y Santa Cruz, entre las lenguas que influencian el castellano están: el
tupi-guaraní, chimán, ignaciano, trinitario, quechua, movima y yuracaré. En
la tercera zona, que comprende el departamento de Tarija con influjos de las
lenguas quechua, mataco y guaraní (ALVAR, 1996, p.173).

unitins • letras • 6º PERÍODO  165


CAPÍTULO 6 • Língua espanhola vi

En este capítulo leímos un texto de Horacio Quiroga, utilizándolo para una


reflexión sobre los conceptos de lectura, lector y autor, comentando la importancia
de la sintonía y el papel de resinificación a partir de las comparaciones entre
los referenciales del autor del texto y su lector. Además, estudiamos estructuras
y conceptos que explican las relaciones de involuntariedad construidas con la
partícula se, en la última parte del aparto nos detuvimos en las expresiones y
su formación con el dativo posesivo. En la próxima clase continuaremos nuestro
estudio retomando y profundizando nuestros estudios sobre el plano lingüístico,
dando énfasis a algunos aspectos gramaticales estudiados anteriormente, de
paso, lectura e interpretación de textos que servirán como trasfondo para
nuestras reflexiones.

¿Cómo se dice?
El superdialecto central andino
En la zona central andina, suele conservar la s implosiva, pero
también la aspiración de la s, tanto intervocálica como posvocálica. Por
otro lado, frecuentemente se llega a elidir la s intervolcálica, ejemplo
nehesita, nohotros, noótros. Otro rasgo interesantes es la preservación de
la identidad fonológica de r y l, conservando la r final y solo en zonas
próximas al surperdialecto costeño se da la n velar.
(MONTES, 1996, p. 138).

Referencias
DIMITRESCO, D. El dativo posesivo en español y en rumano. Disponible en:
<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/2358062 0981225
075343679/p0000001.htm#I_0_> accedido el: 18 enero de 2010>.
MONTES, J. J. Argentina-Uruguay. In: Manual de dialectología hispánica: el
español de América. Barcelona: Ed. Ariel, 1996.
QUIROGA. H. A la deriva. Disponible en: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/bk000163.pdf>. Accedido el: 18 ene. 2010.

Anotaciones

166  6º PERÍODO • letras • unitins


7
CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

Usos de la lengua

No se es escritor por haber elegido decir ciertas cosas,


sino por la forma en que se digan.
Jean Paul Sartre

Introducción
En el capítulo anterior presentamos estructuras implicadas en la elaboración
de de la relación semántica de dativo posesivo, otro tema desarrollado ha sido
el se de involuntariedad, en la introducción del capítulo tuvimos un texto de
Horacio Quiroga y a la vez, entablamos una exposición sobre el concepto de
lectura y los implicados en la construcción del significado del texto.
En este último capítulo retomaremos algunos temas mediante actividades
y textos, una buena oportunidad para retomar discusiones y profundizar aún
tus estudios sobre la lengua española. Te invitamos a que revisites los capítulos
anteriores y utilices una gramática para auxiliarte.

Para saber más

Son diversas las combinaciones entre elementos que componen la oración,


reforzando la funcionalidad del lenguaje, cuando pensamos que el cambio
u organización de los componentes de un periodo pueden establecer nue-
vos rumbos significativos. A seguir te presentamos una dirección que puede
auxiliarte en la comprensión del tema en este capítulo. En ese apartado
encontrarás explicaciones sobre situaciones, combinaciones e interpreta-
ciones del uso del verbo quedarse en determinados contextos. Accédelo y
analiza los ejemplos presentados: <http://culturitalia.uibk.ac.at/hispanote-
ca/Foro-preguntas/ARCHIVO-Foro/Quedar-quedarse.htm>.

Al concluir esta clase, esperamos que seas capaz de emplear los temas
gramaticales estudiados a lo largo de este cuaderno de contenidos.
En este capítulo te presentamos un texto del gran escritor estadounidense
Edgar Allan Poe. Se trata de una descripción de los más variados tipos humanos
que nos lleva a reflexionar sobre la vida, la propia condición humana.

unitins • letras • 6º PERÍODO  167


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

El hombre de la multitud
Con razón se ha dicho de cierto libro alemán que es “lässt sich nicht lesen”
(que no se deja leer). De igual modo existen algunos secretos que no se
dejan descubrir. Hay hombres que mueren por la noche en sus camas,
estrechando las manos de sus espectrales confesores y mirándoles con ojos
lastimeros. Que mueren con la desesperación en el alma y opresiones en la
garganta que no permiten ser descritas. De vez en cuando, la conciencia
humana soporta cargas de un horror tan pesado que sólo pueden arrojarse
en la misma tumba. De este modo, la mayoría de las veces queda sin
descubrir el fondo de los crímenes.
No hace mucho tiempo, al declinar el día de una tarde otoñal, me encontraba
yo sentado junto a la gran cristalera en rotonda del café D..., en Londres.
Había pasado varios meses enfermo, pero ahora me hallaba convaleciente
y al recuperar las fuerzas me sentía en uno de esos felices estados de ánimo
que constituyen precisamente, el reverso del tedio; estados de ánimo de
una gran agudeza, cuando la película de la visión mental desaparece y el
intelecto electrificado sobrepasa con mucho su condición normal, del mismo
modo que la razón viva y la voz pura de Leibniz supera la retórica débil y
confusa de las Geórgicas. Simplemente respirar era una delicia y obtenía
un placer positivo incluso de las fuentes que originariamente lo son de dolor.
Me sentía tranquilo y con un profundo interés por todo. Con un cigarro en
la boca y un periódico sobre mis rodillas, había estado distrayéndome
gran parte de la tarde, ora recorriendo los anuncios, ora observando la
mezclada concurrencia del establecimiento, sin dejar, de vez en cuando,
de atisbar la calle a través de los ventanales empuñados por el humo. Esta
última era una de las vías principales de la ciudad y durante todo el día
rebosaba de animación.
Conforme iba haciéndose de noche, el gentío aumentaba. Cuando se
encendieron las luces, dos densas y continuas corrientes de transeúntes
comenzaron a entrar y salir del establecimiento. Nunca me había encontrado
en una situación como aquélla y, por tanto, aquel mar tumultuoso de cabezas
humanas me llenaba de una emoción deliciosamente nueva. Dejé de prestar
atención a lo que sucedía en el interior del hotel para absorberme de lleno
en la contemplación del exterior. Al principio mis observaciones adoptaron
un cariz abstracto y general. Miraba a los transeúntes en masa y pensaba
en ellos como formando una unidad amalgamada por sus características
comunes. Pronto, sin embargo, descendí a los detalles y observé con
minucioso interés las innumerables variedades de tipos, vestidos, aires,
portes, aspectos y fisonomías.
La gran mayoría de los que pasaban tenían el aire satisfecho de gente
ocupada y su única preocupación parecía ser la de abrirse paso entre la
muchedumbre. Llevaban las cejas fruncidas y volvían sus ojos rápidamente
en todas direcciones. Cuando eran empujados por otros transeúntes no
daban el menor signo de impaciencia, sino que se componían un poco
la ropa y continuaban su camino. Otros, todavía una gran mayoría,
se movían intranquilos, mostraban el rostro enrojecido y hablaban

168  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

gesticulando consigo mismo, como si precisamente se encontraran


aislados por la misma densidad de la concurrencia que les rodeaba.
Cuando se veían obstaculizados en su avance, esta gente dejaba pronto
de murmurar para sí, pero doblaban sus gestos y esperaban con una
sonrisa ausente e inexpresiva en los labios el paso de las personas que
impedían el suyo. Si les empujaban, se disculpaban con una inclinación
ante los mismos que les habían empujado y parecían abrumados por
la confusión. En estos dos grupos que he señalado no había nada
especialmente característico.
Sus prendas de vestir pertenecían a esa clase que se ha dado en
llamar, decente. Sin lugar a dudas, se trataba de familias distinguidas:
comerciantes, abogados, hombres de negocios, rentistas, los eupátridas
y la clase media de la población, gente empleada y gente ocupada en
sus mismos negocios. Todos ellos no llamaban demasiado la atención.
La tribu de los empleados era inconfundible, y yo en este punto distinguía
dos grupos muy marcados. Por un lado, los jóvenes empleados de casas
florecientes, jóvenes de chaquetas ajustadas, botines brillantes, cabello
engomado y labios desdeñosos. Dejando aparte un cierto empaque que
yo me atrevía a llamar de mesa de despacho, a falta de otra palabra, las
maneras de esta clase de personas me parecían un exacto facsímil de las
que se habían considerado como la perfección del buen tono cerca de doce
o dieciocho meses antes. Usaban la gracia de desecho de la aristocracia,
y ésta, pienso, puede ser la mejor definición de los mismos.
Los altos empleados de firmas sólidas resultaban inconfundibles. Se les
conocía por sus chaquetas y pantalones blancos o marrones, diseñados
para sentarse cómodamente, con corbatas negras y chalecos del mismo
color, zapatos anchos y de sólida apariencia. Todos eran algo calvos y
sus erguidas orejas, a causa de sostener los palilleros, habían adquirido el
hábito de separarse en sus extremidades superiores. Me di cuenta de que
al quitarse o ponerse el sombrero, siempre utilizaban las dos manos y que
usaban relojes de cortas cadenas de oro de un modelo sólido y anticuado.
Tenían la afectación de la respetabilidad, si es que realmente puede existir
una afectación tan honorable.
Había muchos individuos de aspecto osado a quienes pronto reconocí
como pertenecientes a la raza de los rateros elegantes que infestan todas
las grandes ciudades. Vigilé con atención a esta calaña y me resultó difícil
imaginar cómo podrían ser confundidos por caballeros por los mismos
caballeros. Los puños de sus camisas, demasiado salientes, y sus aires de
excesiva franqueza, habrían bastado para delatarlos.
Los tahúres, de los que identifiqué no pocos, eran todavía más fáciles de
reconocer. Usaban gran variedad de trajes, desde el tramposo camorrista
con chaleco de terciopelo, corbata de fantasía, cadena dorada y botones
de filigrana, hasta el clérigo expulsado, tan parcamente vestido que
nadie podía estar más alejado de sospechar de él. Todos, no obstante, se
distinguían por cierto color moreno de su curtido cutis, por un apagamiento
de los ojos y por la palidez de sus labios apretados. Además, había también
otros dos rasgos, por los cuales yo siempre los distinguía: una tonalidad
baja y cautelosa en la conversación y un pulgar excesivamente estirado,
hasta formar ángulo recto con los demás dedos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  169


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

Muy a menudo, en compañía de aquellos pícaros, he observado otra clase


de hombres algo diferentes en sus costumbres, pero, en definitiva, pájaros del
mismo plumaje. Se les podría definir como caballeros que viven del cuerno.
Parecen dividirse en dos batallones para devorar al público: el de los dandys
y el de los falsos militares. En el primer grupo los rasgos característicos son:
cabellos largos y sonrisas; en el segundo, levitas y ceños fruncidos.
Descendiendo en la escala de lo que se llama nobleza, encontré temas
de meditación más oscuros y profundos. Vi traficantes judíos con ojos de
halcón que brillaban en unas caras cuya única expresión era de abyecta
humildad. Porfiados mendigos profesionales que apartaban a los pobres
de mejor aspecto y a quienes sólo la desesperación les había lanzado en
medio de la noche a implorar caridad. Inválidos débiles y depauperados
a quienes la muerte había señalado con su mano y que se retorcían y se
tambaleaban entre la muchedumbre, mirando suplicantes a todas partes
como en busca de alguna posibilidad de consuelo, de alguna esperanza
perdida. Modestas jóvenes que volvían de una larga y prolongada
labor hacia un hogar sin alegría y que retrocedían, más temerosas que
indignadas, ante las miradas de los rufianes, cuyo contacto directo no
podían evitar a pesar suyo. Prostitutas de todo género y edad: inequívocas
bellezas en toda la flor de su feminidad que hacían recordar la estatua
de Luciano, estatuas cuya superficie era como el mármol de Paros y cuyo
interior estaba lleno de inmundicias; la repulsiva, completamente hundida
en el fango; la arrugada y pintarrajeada bruja que intenta una última
apariencia de juventud; la que es todavía una niña de formas sin modelar,
pero que ya está entregada a las terribles coqueterías de su tráfico y
ardiendo con feroz ambición por verse colocada al nivel de las mayores
en el vicio... Borrachos innumerables e indescriptibles, unos harapientos y
llenos de remiendos, haciendo eses, desarticulados, con caras tumefactas
y ojos empañados; vestidos otros con trajes, aunque ya ajados y sucios,
de aire fanfarrón y caras rubicundas, llevando los que en su día debieron
ser buenos y que entonces estaban escrupulosamente bien cepillados;
hombres que caminan con paso que resulta de una firmeza y elasticidad
fuera de lo común, pero cuyos rostros están espantosamente pálidos y
cuyos ojos brillan feroces y enrojecidos mientras procuran asirse con
manos temblorosas a cualquier objeto que …
(­Fragmento retirado en: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=6791>).

Tras la lectura del cuento de Edgar Allan Poe, te invitamos a reflexionar sobre
algunos de los aspectos textuales para una mejor comprensión de la lectura. En
el capítulo anterior presentamos un guión con orientaciones, ¿qué tal empezar
a utilizarlas?
Como primer ejercicio, puedes presentar tus impresiones sobre ese fragmento,
después realiza una investigación sobre el autor, es una manera de acercarte

170  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

y ampliar las posibilidades que puedan sumarse para entenderlo. Para ello
te recomendamos que visites el sitio: <http://www.biografiasyvidas.com/
biografia/p/poe.htm>. Es un buen inicio. En ese apartado encontrarás algunas
informaciones sobre su vida personal, sus actividades laborales, algunas de las
obras públicas. Asimismo, es interesante conocer otros textos del autor, como el
famoso “Filosofía de la composición”. En esta página <http://www.pinturayartistas.
com/filosofia-de-la-composicion-de-edgar-allan-poe>, encontrarás informaciones
sobre la obra y algunos rasgos definidores de un buen texto literario. Y para
encerrar, puedes hacer una reseña comercial. Vamos a explicártelo ahora. Las
primeras condiciones que debes tener en cuenta son el estímulo y la provocación
del lector, pues debes convencerlo a leer ese libro, a la vez resumir la historia del
cuento, dejando al lector curioso y con ganas de explotar los labirintos de esa
narrativa, no debes ser muy extenso, no ultrapasar una página, ahora que ya lo
sabes, vamos a poner en marcha nuestra actividad.
Vamos a iniciar la reseña y deberás continuarla.
Concebido por Edgar Allan Poe, el cuento El Hombre de la multitud, presenta
la realidad de un observador atento a las masas que circulan por las calles. En
determinados momentos de la narrativa podemos reflexionar sobre descripciones
que nos conducen a la elaboración de conceptos entre la colectividad anónima y
la individualidad enigmática, fruto de los avances y las transformaciones sociales,
una lectura como esta es obligatoria para …
Bien, tienes el inicio de la reseña, continúala.
Como el objeto de este capítulo es reflexionar sobre los contenidos estudiados
a lo largo del curso, más específicamente los desarrollados este semestre, conviene
llevar a cabo nuestro reto. En el primer capítulo explicamos el uso de algunos
verbos de actitud, ¿te acuerdas? Muy bien, las estructuras tienen implícitas las
cargas semánticas, es decir, estructuras a las que echamos un vistazo y requieren
un análisis más detenido, pues tienen una significación más compleja. El texto
inicial es un terreno muy adecuado para ejercitarlas. Voy a presentar un modelo
y ustedes deben buscar otros ejemplos, además de contestar a los ejercicios que
proponemos a seguir.

Actividad 1

1. No esperaban que fueran inconfundibles.


(no esperaban, eran inconfundibles)

2. Parecen dividirse en dos batallones para devorar al público: el de los dandys


y el de los falsos militares.
Esperan dividirse en dos batallones para devorar al público: el de los dandys
y el de los falsos militares.

unitins • letras • 6º PERÍODO  171


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

(ellos esperan, ellos se dividen)


Ahora te toca a ti buscar en el texto oraciones y adaptarlas.

Actividad 2

Pon el verbo en la forma correspondiente y explica la actitud.

a) Espero que la calidad y no la cantidad ___________ (ser) la prioridad de


todos en la empresa.

b) No quiero que _______________ (volver) a atender los llamados diciendo


¡sí!, ¡tienen que decir el nombre de nuestra empresa!

c) Prefiero que ____________ (terminar) sus actividades extras hoy.

Posible respuesta
• Sea, el sujeto quiere que la calidad sea el principal objetivo y no la
cantidad.
• Vuelvan, el sujeto quiere que digan el nombre de la empresa siempre
que atiendan los llamados.
• Terminen, el sujeto efectivamente quiere que terminen las actividades
extras hoy.
El próximo tema son las oraciones coordinadas y las subordinadas, para
retomar este contenido retiraremos ejemplos del texto o haremos adaptaciones,
después los explicaremos.

Cuando se encendieron las luces, dos densas y continuas corrientes de

oración subordinada oración principal

transeúntes comenzaron a entrar y salir del establecimiento.

La oración subordinada está circunstancializando y depende de la primera


para preservar su sentido, mientras que la segunda se caracteriza como
principal pues es independiente en su sentido, es decir, estando sola no
comprometerá su sentido.
Oración coordinada Conjunción coordinada de adición

Vigilé con atención a esta calaña y me resultó difícil imaginar cómo podrían
ser confundidos por caballeros por los mismos caballeros

Oración coordinada

172  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

Las dos oraciones son independientes y tienen una relación de coordinación


pues tienen la misma categoría sintáctica y son unidas por una conjunción. A
seguir analizaremos una oración y posteriormente te presentamos ejercicios.

O
O

SN (SV)
O

SN SV
V SN
Nombre
Nexo V SN
D N

Juan leía la revista y Jorge escuchaba música.

Mariana vino pero llegó tarde.


Posibles respuestas:

O
O

SN (SV)
O

SN SV
V
Nombre Sadv
Nexo V

Adv

Mariana vino pero (ella) llegó tarde.

El próximo tema es el uso del verbo quedar (se) y sus diferentes sentidos,
pues como estudiamos en el capítulo 5, generalmente ese verbo asume el valor
de permanecer, restar, resultar, locarlizarse, adecuarse a algo o a alguien,
concertar un compromiso, encuentro o cita. Hemos retirado un ejemplo del
texto, obsérvalo:

unitins • letras • 6º PERÍODO  173


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

De este modo, la mayoría de las veces queda sin descubrir el fondo de los
crímenes.
Permanecer

El sentido del verbo quedarse en el periodo retirado del cuento de Poe, es


de permanecer, es decir, la mayoría de los crímenes permanece sin descubrir
el fondo. Busca en el texto estructuras en que puedas realizar las debidas
adaptaciones para ejemplificar el uso de quedar (se).
Posibles respuestas.
“De igual modo existen algunos secretos que no se dejan descubrir. Hay
hombres que mueren por la noche en sus camas, estrechando las manos de sus
espectrales confesores y mirándoles con ojos lastimeros.”
De igual modo quedan algunos secretos a descubrirse. Hay hombres que
mueren por la noche en sus camas, estrechando las manos de sus espectrales
confesores y mirándolos con ojos lastimeros.
En la adaptación cambiamos el verbo existir, que tiene el valor de confirmación
de algo, y colocamos el verbo quedar con el sentido de restar.
Actividad
Completa las oraciones a seguir y explica el valor que asume el quedar
(se).
a) Según las previsiones, en Haití miles de personas todavía __________
bajo los destrozos.
______________________________________________________________
b) Tras las acusaciones, el presidente de la república ha __________ sin
argumentos coherentes.
______________________________________________________________
c) El
­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ uniforme que nos dieron es diminuto y _______________ muy corto, es
decir, inadecuado.
______________________________________________________________
d) ¿A qué hora ____________________? Pues vamos, tienes que apurarte,
necesitamos llamar un taxi.
__________________________________________________________________
Posibles respuestas:
a) Quedan, en el sentido de restar, todavía restan personas.
b) Quedado, ha quedado sin algo, no tiene argumentos.
c) Nos queda, se refiere a la ropa adecuarse.

174  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

d) Quedamos, se refiere a concertar un compromiso.


Por lo tanto, hemos observado la importancia de algunos temas y elaborado
algunas actividades que han servido para revisarlos y a la vez profundizarlos.

Rincón cultural
Si en Buenos Aires una mujer quiere comprarse un vestido y pregunta
dónde hay un comercio de modas, recibirá la siguiente respuesta:
Siga esta vereda (acera), y a las cinco cuadras (manzanas) ha de ver
un negocio que tiene polleras (faldas) y sacos (chaquetas) en la vidriera
(escaparate).
Un español va a México y para el desayuno le ofrecen bolillos, humildes
panecillos que no hay que confundir con las teleras, en Guadalajara
llamadas virotes y en Veracruz cojinillos. Al salir del bar puede decidirse a
tomar un camión (ómnibus, que en Puerto Rico o Cuba llaman la guagua)
o si llama al ruletero (taxista que da más vueltas por la ciudad que una
ruleta). A no ser que alguien le ofrezca amistosamente un aventoncito (un
empujoncito), que es una manera muy cordial de acercarle al punto de
destino. En Venezuela a esta clase de empujoncito se le llama colita, y en
Puerto Rico, un pon.
Si quiere limpiarse los zapatos en la calle en México, tiene que recurrir
a un bolero que se los bolea en un santiamén (Cantinflas ha hecho una
película famosa con el título de El bolero de Raquel).
Si llama por teléfono en México, apenar descolgar el auricular oye
¡bueno!, lo que le parece una aprobación un poco precipitada. Pasea por
la ciudad y le llaman la atención los letreros se renta por todas partes (se
venden coches, pisos, casas, etc.). Otros anuncios: ventas al mayoreo y al
menudeo; ricas botanas todos los días (lo que español se llaman tapas; en
Argentina, ingredientes; en Venezuela, pasapalos).
En México se ven establecimientos llamados tlapalerías (venta de toda
clase de pinturas, en alemán se diría ‘Farbenhandlund’; incluye también
ferretería), misceláneas (tiendas de quincalla), rosticerías.
Si te ha gusta, accede al texto completo en: <http://culturitalia.uibk.
ac.at/hispanoteca/kulturkunde-la/el%20espa%C3%B1ol%20americano.
htm>; encontrarás más informaciones sobre ese tema.

En este capítulo leímos un texto del autor estadounidense Edgar Allan Poe,
a la vez, desdoblamos actividades relacionadas a la interpretación textual, así
como la práctica de la expresión escrita. En el apartado gramatical estudiamos
algunos usos de los verbos de actitud, de paso los diferentes valores del
verbo quedar (se), enfocando estructuras y sentidos, también las relaciones de
coordinación y subordinación mediante actividades de análisis estructural. No

unitins • letras • 6º PERÍODO  175


CAPÍTULO 7 • Língua espanhola vi

podemos olvidar la producción de la reseña enfocando el cuento de Poe y las


estrategias para componerla. En la parte final del capítulo nos detuvimos en las
características consonantales en Antillas, asimismo, en un conjunto de palabras,
traduciendo la idea de las variantes y sus aportes lingüísticos, un continente lleno
de diferencias.

¿Cómo se dice?
Entre algunas de las características del consonantismo en Antillas están
la realización labiodental fricativa sorda [f], en convivencia con la variante
bilabial [ ], favorecida por el diptongo /ué/, como en [ wéra] fuera, [
wé] fue, [ wégo] fuego, [ wérsa] fuerza.
La antigua aspiración de la f- latina ha quedado en palabra propias
del español de Puerto Rico como las formadas sobre humo o huir, del
tipo [ah már].
(PACHECO, 1996, p. 102).

Referencias
LÓPEZ, J. F. El español de América. Disponible en: http://culturitalia.uibk.ac.at/
hispanoteca/kulturkunde-la/el%20espa%C3%B1ol%20americano.htm. Accedio
en: 28 ene. 2010.
PACHECO, M. A. Q. El español de América Central. In: Manual de dialectología
hispánica: el español de América. Barcelona: Ed. Ariel, 1996.
POE, E. A. El Hombre de la multitud. Disponible en: <http://www.dominiopu-
blico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=6791>.
Accedido el: 18 ene. 2010.

Anotaciones

176  6º PERÍODO • letras • unitins


Créditos

EQUIPE UNITINS
Organização de Conteúdos Acadêmicos Kyldes Batista Vicente
Revisão Linguístico-Textual Silvéria Aparecida Basniak Schier
Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva
Revisão Digital Leyciane Lima Oliveira
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Projeto Gráfico Katia Gomes da Silva
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Capas Rogério Adriano Ferreira da Silva

PRODUÇÃO EDITORA EADCON


Tradicionalmente, a História da Literatura Brasileira divide-se em duas
grandes eras, por sua vez estruturadas por meio de diferentes épocas. A Era
Colonial, compreendida entre os anos de 1500 e 1808/1836, trata das
manifestações literárias do Período Colonial, subdividindo-se nas seguintes
épocas: Literatura de Informação e Literatura Jesuítica (1500-1601), Barroco
(1601-1768) e Arcadismo (1768-1836). A Era Nacional, compreendida

Apresentação
entre os anos de 1836 aos nossos dias, estuda as manifestações literárias
do Brasil a partir da proclamação de sua independência cultural, subdividin-
do-se, por sua vez, nas seguintes épocas: Romantismo (1836- 1881), Realismo
(1881-1902), Simbolismo (1893-1922), Pré-Modernismo (1902-1922) e
Modernismo (1922 à atualidade, inclusas as tendências contemporâneas).
Neste caderno, estudaremos as manifestações literárias da Era Colonial,
mais o Romantismo brasileiro, manifestação da Era Nacional. O Padre
José de Anchieta será o foco da primeira época; Gregório de Matos (Boca
do Inferno) e Padre Antônio Vieira serão estudados no Barroco; Cláudio
Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga serão objeto do Arcadismo;
Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves (no gênero lírico) e José
de Alencar e Manuel Antônio de Almeida (na prosa de ficção) serão temas
do Romantismo.
Não pretendemos esgotar aqui nenhuma discussão sobre temas e aspectos
característicos da Literatura brasileira. Objetivamos, no entanto, despertar seu
interesse para essa área do conhecimento que, além de assegurar a expansão
de sua cultura, gratifica-o com um prazer inefável: o prazer estético.
Desejo a você bons estudos e bom proveito ao longo dos sete capítulos.
Prof.ª Kyldes Batista Vicente
1
CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Literatura de Informação,
Literatura Jesuítica e Barroco

Introdução
O sentimento nativista é uma das constantes fundamentais da evolução da
Literatura brasileira, é, portanto, uma de suas principais características. Esse
traço cultural é que fundamenta o paralelo que podemos fazer entre as manifes-
tações literárias do Brasil Colônia e as de Portugal colonizador, para chegarmos
ao verdadeiro autor ou escritor brasileiro.
Neste capítulo, deteremos nosso olhar nos aspectos que fundamentam esse
sentimento, consideraremos que a Literatura brasileira da Era Colonial não é um
simples prolongamento da Literatura portuguesa, mas uma produção artística
que lança suas raízes e constrói seu caminho rumo à emancipação que se dará
com o advento do Romantismo.
Para que você possa compreender os aspectos histórico-estéticos dos primór-
dios da Literatura brasileira e do Barroco e discutir traços característicos da
obra de Padre José de Anchieta, Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos,
faz-se necessário que disponha de informações básicas da história do Brasil dos
séculos XVI e XVII.

1.1 Literatura de Informação e Literatura Jesuítica: aspectos


históricos
A descoberta do Brasil foi consequência do expansionismo mercantilista
europeu: atendeu aos interesses econômicos da monarquia absolutista portu-
guesa. Pero Vaz de Caminha, na carta que escreveu a D. Manuel, em 1500,
sobre essa descoberta, manifestava preocupações com as possibilidades econô-
micas desse evento. Outros cronistas, cujos escritos chegaram até nós, também
registraram essa mesma preocupação. Isso significa dizer que Portugal olhava a
terra descoberta pelo viés econômico, na medida em que, desde o princípio, se
preocupava com o que ela poderia oferecer à metrópole.
Foi em função dessa perspectiva que se deu a exploração econômica do
país, feita, inicialmente, pela extração do pau-brasil e pelo uso da mão de obra
indígena. O domínio português não foi isento de sobressaltos: corsários franceses
ameaçaram tomar posse da terra. Após diversas incursões, fixaram-se na Baía de
Guanabara e fundaram a França Antártica, entre 1555 e 1567. Entre os coloni-
zadores franceses, estava o humanista Jean de Léry, que, em 1578, escreveu em

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  181


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

francês uma obra intitulada Viagem à terra do Brasil, uma das primeiras obras que
se preocupou com a descrição do povo, sua raça e língua e sua cultura material.
As invasões francesas fizeram com que o sistema de feitorias evoluísse para
as capitanias hereditárias, que desenvolveram para um governo centralizado,
por meio da nomeação de um governador-geral, que dispunha de força militar.
A exploração da cana-de-açúcar também potencializou essas mudanças políti-
co-administrativas. Os missionários da Companhia de Jesus, ordem da Igreja
Católica, tiveram grande importância nesse período: a atividade intelectual da
Colônia foi exclusividade dos jesuítas, que doutrinaram índios e colonizadores.
Essas circunstâncias marcaram a literatura produzida no século XVI no Brasil:
as qualidades estéticas de uma obra literária puderam levá-la a se perpetuar no
tempo. Apesar disso, a literatura foi uma prática social vinculada ao contexto
socioeconômico e cultural em que foi produzida. Por essa razão, não se pode
estudar a arte literária ou qualquer outra modalidade de arte sem localizá-la no
eixo temporal.
Literatura e História seguem, portanto, caminhos paralelos e dialeticamente
interinfluentes: a História influencia a Literatura e esta, por sua vez, deixa marcas
na História. É tendo em vista essa relação de complementaridade, que, neste
capítulo, estudaremos as manifestações literárias do século XVI, vendo-a pela
ótica dos interesses econômicos do mercantilismo europeu.

1.2 Literatura de Informação e Literatura Jesuítica:


características gerais
Os primeiros textos da Literatura Brasileira tinham objetivos práticos: informar
sobre a terra, para facilitar a exploração colonialista, e catequizar índios e
colonos, também por razões políticas. A ambiguidade do Renascimento portu-
guês estava refletida nessas produções, uma vez que, de um lado, eram extre-
mamente práticas e, do outro, presas à religiosidade.
Os temas dessas primeiras obras – informações geográficas e etnográficas
sobre a terra – eram brasileiros, mas o tratamento dado a eles e a visão que os
informava – a visão medieval edênica que persistia no Renascimento Ibérico –
eram do português colonialista. Por isso a natureza era vista como um paraíso
terrestre, e o índio, como uma inocência primitiva. Na carta de Caminha, por
exemplo, há um fragmento emblemático sobre essa questão: “suas vergonhas
tão nuas e com tanta inocência descobertas que não havia, nisso, nenhuma
vergonha” (CAMINHA, 1985, p. 9).
Observe que há nesse fragmento um trocadilho com a palavra “vergonha”.
Esse recurso é um indício de arte literária e do pensamento humanista do
Renascimento europeu, que aparece mais vincado em Jean de Léry, reformista

182  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

francês que viu criticamente a antropofagia dos índios, afastando-se da visão


preconceituosa manifestada por muitos colonialistas:
Não abominemos [...] demasiado a crueldade dos selvagens
antropófagos. Existem entre nós criaturas tão abomináveis, se não
mais, e mais detestáveis do que aquelas que só investem contra
nações inimigas de que têm vingança a tomar. Não é preciso ir
à América, nem mesmo sair de nosso país, para ver coisas tão
monstruosas (LÉRY, 1980, p. 19).

Ao longo do século XVI, os colonialistas substituíram as fantasias de um mundo


paradisíaco por uma visão utilitarista. Em função das necessidades práticas de
ordem econômica, deliberou-se escravizar os índios; eles deveriam ser vistos nos
aspectos que revelassem sua condição de animais primitivos e bárbaros. Até os
jesuítas, mesmo os tendo defendido da escravidão, consideravam seus costumes
perniciosos. Esse preconceito foi claramente manifestado pelo Padre José da
Nóbrega, em seu livro Diálogo sobre a conversão do gentio.
Alfredo Bosi (2001, p. 15) expõe que
Os primeiros escritos da nossa vida documentam precisamente a
instauração do processo [colonial]: são informações que viajantes
e missionários europeus colheram sobre a natureza e o homem
brasileiro. Enquanto informação, não pertence à categoria do lite-
rário, mas à pura crônica histórica [...]. No entanto, a pré-história
de nossas letras interessa como reflexo da visão do mundo e da
linguagem que nos legaram os primeiros observadores do país.
É graças a essas tomadas diretas da paisagem, do índio e dos
grupos sociais nascentes, que captamos as condições primitivas
de uma cultura que só mais tarde poderia contar com o fenômeno
da palavra arte.

Em face disso, perguntamos: esses documentos valem apenas como testemu-


nhos do tempo? Claro que não. A inteligência brasileira, em vários momentos,
reagindo contra processos de europeização, buscou nas raízes da terra e do
nativo imagens para se firmar. Os cronistas, então, voltaram a ser lidos. José
de Alencar, Mário de Andrade e Oswald de Andrade revisitaram-nos. Veja-se,
nesse fato, “[...] o interesse obliquamente estético da ‘literatura’ de informação”
(BOSI, 2001, p. 16).
Entre os primeiros escritos de nossa vida, destacam-se os seguintes textos:
• a Carta, de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel, que deu conta do
descobrimento da nova terra e revelou as primeiras impressões que teve
da natureza e dos indígenas;
• o Diário de navegação, de Pero Lopes de Sousa, escrivão do grupo de
Martim Afonso de Sousa (1530);
• o Tratado da terra do Brasil e a História da província de Santa Cruz a que
vulgarmente chamamos Brasil, de Pero Magalhães Gândavo (1576);

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  183


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• a Narrativa epistolar e os tratados da terra e da gente do Brasil, de


Fernão Cardim (1583);
• o Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1587);
• os Diálogos da grandeza do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão
(1618);
• as Cartas dos missionários jesuítas, escritas nos primeiros séculos da
catequese;
• o Diálogo sobre a conversão dos gentios, do Padre Manuel da Nóbrega;
• a História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador (1627).
Os objetivos e as dimensões deste caderno não permitem que se trate de
todos os documentos apresentados anteriormente. Por isso elegemos a Carta
de Caminha a D. Manuel, por ser uma autêntica certidão de nosso nascimento,
e alguns fragmentos de textos de Padre José de Anchieta. Em ambos os casos,
encontramos o debruçar-se sobre a terra e o nativo, com um espírito ingênuo e ao
mesmo tempo prático.

1.2.1 A Carta de Pero Vaz de Caminha e poemas do Padre José de


Anchieta: fragmentos e análise crítica
A Carta de Caminha tem conotações jornalísticas de um texto histórico. João
Alves das Neves, na Introdução da edição publicada pelo Elos Clube de São
Paulo (1985), confirma essa informação:
Umas vezes, limita-se a narrar, na primeira pessoa. Em outras, escla-
rece. Nalgumas passagens, interpreta. E, não raro, opina. Um texto,
por consequência, onde se acham reunidos os primeiros elementos
do jornalismo atual, partindo da informação, continuando pela
interpretação e chegando à opinião (CAMINHA, 1985, p. 14).

Sobre o achamento da terra, Caminha (1985, p. 13) diz:


Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os
outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento
desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou,
não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza,
assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e
falar – o saiba pior que todos fazer!

Em relação ao contato com os índios, afirma:


E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito,
segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os
capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E
o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele
rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia
homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel
chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.

184  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em
direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem
os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala
nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa.
Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de
linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles
lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com
uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papa-
gaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas,
miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que
o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus
por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do
mar (Caminha, 1985, p. 15).

O relato é perfeito. O repórter maneja o idioma com facilidade, o que pressupõe


sólidas bases culturais e uma invulgar experiência de redação. O escrivão especial
que foi Pero Vaz de Caminha, dia a dia e hora a hora, tudo anotou e explicou,
ligando os fatos e apresentando-os cronologicamente encadeados. Ainda sobre os
índios, a descrição é precisa e correta, serena e objetiva:
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons
rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura
alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir
suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de
grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido
nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa,
e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um
furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que
lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de
xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa,
nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia
alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia
por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa,
de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de
penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto,
mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E
andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição
branda como, de maneira tal que a cabeleira era mui redonda e
mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a
levantar (CAMINHA, 1985, p. 17-18).

Ao finalizar a Carta, Caminha apresenta sua opinião sobre a terra e sugere


o que de melhor se pode fazer nela:
Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o
sul, vimos até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós
deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem
vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar
em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  185


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes


arvoredos. De ponta a ponta é toda praia [...] muito chã e muito
formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande;
porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvo-
redos – terra que nos parecia muito extensa.
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou
outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra
em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de
Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os
achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal
maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela
tudo; por causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que
será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que
Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do
que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de
Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e
fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento
da nossa fé! (CAMINHA, 1985, p. 23).

Pelos estratos apresentados anteriormente, o texto de Pero Vaz de Caminha,


se considerado pelo plano meramente informativo ou sob os aspectos interpreta-
tivo e opinativo, não deixa dúvidas sobre sua importância jornalística.
Paralelamente à crônica leiga, representada por escritores como Pero Vaz
de Caminha, Pero Lopes de Sousa, Pero de Magalhães Gândavo etc., aparece
a crônica dos jesuítas, com suas intenções pedagógicas e morais. Manuel da
Nóbrega e Fernão Cardim são nomes significativos do século XVI, mas, pela
relevância literária, o Padre José de Anchieta merece um lugar de destaque.
Os missionários da Companhia de Jesus, trazidos para o Brasil assim que
foi fundada a ordem, uniram à sua fé ibérica e medieval uma preocupação
constante com a conversão do gentio, o que se pode constatar por meio de seus
escritos catequéticos. Enquanto Padre Manuel da Nóbrega nos deixou textos que
revelam seu caráter prático de administrador, e Fernão Cardim, informes sobre
as capitanias que percorreu, as obras de José de Anchieta são exemplos do veio
místico que toda obra religiosa pressupõe.
Imersa na devoção católica, a poesia de José de Anchieta “[...] corre o risco
de ser lida como um todo homogêneo” (BOSI, 1994, p. 64). Um exame mais
detido, no entanto, revela suas diferenças internas de forma e sentido.
Quando escrevia para os nativos e colonos que já entendiam a língua
geral da costa, Anchieta adotava, quase sempre, o idioma tupi. No interior
dos códigos tupi, procurava moldar uma forma poética que se aproximasse das
medidas trovadorescas, mas mais próximas das variantes populares ibéricas.
Nesse rol, entram o verso redondilho e as quintilhas:

186  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Jandé, rubeté, Iesu


Jandé rokobé meengára,
Oimomboreausukatú
Jandé amotareymbára
Jesus, nosso verdadeiro Pai,
Senhor da nossa existência, aniquilou
Nosso inimigo.

(ANCHIETA citado por BOSI, 1994, p. 64)

A transposição da mensagem católica para a fala do índio exigia um esforço


particular: penetrar no imaginário do outro. Foi esse o grande empenho de nosso
primeiro apóstolo. Não foi uma tarefa fácil:
Na passagem de uma esfera simbólica para a outra, Anchieta
encontrou óbices por vezes incontornáveis [...] A nova represen-
tação do sagrado assim produzida já não era nem a teologia
cristã nem a crença tupi, mas uma terceira esfera simbólica, uma
espécie de mitologia paralela que só a situação colonial tornara
possível (BOSI, 1994, p. 65).

O Anchieta, poeta e dramaturgo, é o escritor que interessa a quem se dedica


a estudar nossa Literatura colonial. Seus autos são definitivamente pastorais, no
sentido clerical da palavra. Destinam-se, portanto, à edificação do índio e do
colono branco nas cerimônias litúrgicas. Na Festa de São Lourenço, Na Vila
da Vitória e Na Visitação de Santa Isabel são autos que se enquadram nessa
perspectiva. Ao contrário dos autos, destinados à conversão de índios e colonos,
seus poemas já podem ser considerados literatura, no sentido artístico do termo,
uma vez que suas estruturas lhes garantem literariedade, o que se pode verificar
na leitura de um trecho do poema Do Santíssimo Sacramento.

Ó que pão, ó que comida,


ó que divino manjar
se nos dá no santo altar
cada dia!

Filho da Virgem Maria,


que Deus-Padre cá mandou
e por nós na cruz passou
crua morte,

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  187


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

e para que nos conforte


se deixou no sacramento
para dar-nos, com aumento,
sua graça,

esta divina fogaça


é manjar de lutadores,
galardão de vencedores
esforçados,

deleite de namorados,
que, co gosto deste pão,
deixam a deleitação
transitória [...]

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

Saiba mais

Para ler todo o poema Do Santíssimo Sacramento, visite o sítio Jornal de


Poesia: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/janc01.html>.

A vocação poética de Anchieta pode ser verificada também nos trechos


de A Santa Inês, poema composto quando da chegada ao Brasil da imagem
daquela santa:

Cordeirinha linda,
Como folga o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Cordeirinha santa,
De Jesus querida,
Vossa santa vinda

188  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O Diabo espanta.
Por isso vos canta
Com prazer o povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo.

Nossa culpa escura


Fugirá depressa,
Pois vossa cabeça
Vem com luz tão pura.
Vossa fermosura
Honra é do povo,
Porque vossa vinda
Lhe dá lume novo [...]

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

Saiba mais

Para ler o poema A Santa Inês integralmente, visite o sítio Jornal de Poesia:
<http://www.jornaldepoesia.jor.br/janc02.html>.

Os fragmentos dos poemas apresentados anteriormente não deixam dúvida:


trata-se de poesia religiosa à disposição das intenções catequéticas e pedagó-
gicas de Anchieta. Nota-se, além disso,
[...] uma emoção profunda cruzar as estrofes, oriunda do autên-
tico sentimento de fé experimentado pelo poeta. E tal congra-
çamento entre a funcionalidade ensinante das composições e a
veracidade do conteúdo constitui evidente marca dessa poesia e
atestado de sua qualidade estética (MOISÉS, 1984, p. 26).

Do ponto de vista da essência doutrinária, os poemas, cujos trechos foram


transcritos anteriormente, revelam um homem primitivo, ainda vinculado à
Idade Média, uma vez que respiram uma fé inabalável ainda não contami-
nada pelos ventos críticos da Renascença. Mesmo assim, parecem prenunciar
o Barroco.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  189


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Saiba mais

Veja filmes ambientados no período colonial e que mostram os primeiros


contatos entre índios e europeus:
• Como era gostoso o meu francês, do diretor Nélson Pereira do Santos,
que utiliza os relatos do alemão Hans Staden e crônicas de Jean de
Léry para mostrar como a antropofagia de determinada tribo indígena
brasileira é vista como forma de adquirir o conhecimento do inimigo (no
caso o francês);
• 1492: a conquista do paraíso, de Ridley Scott, que mostra a viagem de
Cristóvão Colombo e ilustra o cotidiano das grandes navegações. O
filme é baseado em pergaminhos da época descobertos pela roteirista;
• Desmundo, de Alain Fresnot, que é adaptado do livro de Ana Miranda.
É ambientado no Brasil colonial e conta a história de jovens órfãs que
eram enviadas pela rainha de Portugal para se casarem com os primei-
ros colonizadores.

1.3 Literatura barroca: aspectos históricos e traços estéticos


Uma compreensão adequada do Barroco exige que se faça um retrocesso
na história e se chegue à Idade Média. No período medieval, a figura de Deus
domina toda a cultura. Esse fato gera uma visão de mundo conhecida por
Teocentrismo: Deus é o centro do Universo.
Em face disso, a vida terrena, material, passageira é um estágio em que o
homem prepara sua alma para a salvação ou para a condenação eterna. O
espírito é considerado como o bem supremo; a matéria, como algo pecaminoso.
A vida carnal, portanto, é uma espécie de ilusão, uma imperfeição, o que leva o
homem a procurar uma vida suprema no plano divino. Em linhas gerais, foi essa
a visão de mundo que dominou na Idade Média.
Os séculos XVI e XVII vivenciaram grandes mudanças políticas, econômicas e
filosóficas. Nesse contexto, surge uma tendência oposta à anterior conhecida como
Renascimento, que era outra maneira de enxergar o mundo: o Antropocentrismo,
o homem como o centro do Universo.
Na concepção antropocêntrica, o homem não é apenas uma imagem de
Deus, mas um ser humano com natureza física. Diante disso, o espiritualismo e
a religiosidade medievais são deslocados e cedem espaço à valorização dos
aspectos materiais da existência. Trata-se do declínio do Teocentrismo e da perda
de liderança por parte da Igreja.

190  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

A religiosidade medieval, no entanto, não desaparece, apenas perde sua


hegemonia; continua existindo de forma latente e volta a evidenciar-se na época
barroca. O gráfico a seguir é um esquema dessa situação.

Idade Média Renascimento Barroco

Teocentrismo Antropocentrismo Teocentrismo x Antropocentrismo

Os avanços das concepções antropocêntricas do mundo são reforçados


pela Reforma Protestante. A Igreja reage. Surge o movimento denominado
Contra-Reforma, basicamente uma tentativa de harmonização das novidades
postas pelo Renascimento com a tradição religiosa medieval, para trazer nova-
mente à tona a tradição cristã, relegada ao segundo plano pelo Renascimento
e pela Reforma Protestante.
A Contra-Reforma não é a causa que determinou o Barroco, mas está intima-
mente relacionada a essa estética.
Nas obras barrocas, encontram-se duas formas de realização textual: o
cultismo e o conceptismo. A vertente cultista preocupa-se com o preciosismo
linguístico: o rebuscamento é uma de suas marcas. Já a vertente conceptista
volta-se mais para discussão das ideias e dos conceitos. Por isso, pretende ser
mais racional e clara. Não existe um texto que seja exclusivamente cultista ou
conceptista. Ambas as formas de realização textual convivem numa mesma
obra, havendo predomínio de uma sobre a outra, o que define se um texto se
enquadra na primeira ou na segunda vertente.
O Barroco chegou ao Brasil pelas mãos dos portugueses, no momento em
que ainda não se pode falar em oposição entre Teocentrismo e Antropocentrismo,
uma vez que, na época, nosso país era recém-descoberto – a vida cultural prati-
camente inexistia; Bahia e Pernambuco eram as únicas províncias onde havia
atividade cultural, potencializada pela economia açucareira. Além disso, não
existia um sistema no qual a literatura estivesse inserida – não dispúnhamos
sequer de tipografia, fato que impedia a publicação de livros e jornais. É por
isso que, na literatura barroca brasileira, apareceram apenas autores isolados,
que refletiam, em suas obras, o Barroco português. Entre esses autores, desta-
camos Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos.

1.3.1 Padre Antônio Vieira: aspectos da vida e da obra


Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa, em 1608, e faleceu na Bahia,
em 1697. Aos seis anos de idade, chegou ao Brasil e, poucos anos depois,
ingressou no Colégio dos Jesuítas do qual não se afastou mais. Em 1633, iniciou
sua carreira de pregador. Em 1641, quando foi para Portugal, já havia pronun-
ciado alguns sermões hoje famosos, como: Sermão de Santo Antônio, Sermão
da Visitação de Nossa Senhora à Santa Isabel e Sermão pelo Bom Sucesso das
Armas de Portugal contra as de Espanha.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  191


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Em Portugal, participou, de forma efetiva, da vida política da época,


chegando a fazer a defesa dos judeus proscritos. Anos depois, regressou ao
Brasil e foi para o Maranhão, onde defendeu os índios, entrou em conflitos com
colonos e foi expulso. De volta a Portugal, foi perseguido e processado pela
Santa Inquisição. Absolvido mais tarde, viajou para a Itália, retornou a Portugal
e regressou definitivamente para a Bahia. Suas obras são compostas por sermões
(quinze volumes) e cartas (três volumes).
Entre cultismo e conceptismo, Padre Antônio Vieira inclinou-se mais para
o primeiro, chegando, inclusive, a fazer um sermão intitulado Sermão da
Sexagésima, no qual criticou o cultismo e orientou a construção do sermão para
que a palavra de Deus pudesse ser compreendida e vivenciada. Isso significa
dizer que a lógica e a clareza das ideias são os fundamentos dos sermões desse
orador, o que contraria a disposição preciosista dos escritores cultistas.
Castello (1972, p. 90) assim se refere ao Padre Antônio Vieira:
Tendo repartido a sua vida e a sua obra entre Brasil e Portugal é,
ao mesmo tempo, pelo interesse vivo e contínuo que representa
para nós, um escritor que se situa nas duas literaturas, não só
no tempo restrito de sua atuação, quanto posteriormente através
da evolução e progressiva caracterização da literatura brasileira.
[...] E, o que é mais importante, soube impor-se como escritor
imperecível permanentemente vivo e atuante. Portador de talento,
imaginação e fantasia, utilizou a língua com pleno domínio, de tal
forma que soube amoldá-la às sutilezas do raciocínio conceptista
nos seus inumeráveis desdobramentos silogísticos e na frequência
saturante das correspondências alegóricas.

Castello (1972, p. 91) assegura que


O homem de ação política, o sacerdote, o missionário, está
sempre passo a passo com o orador e com o não menos admi-
rável prosador de numerosa correspondência. Conciliou, iden-
tificou mesmo a sua formação jesuítica com o estilo da época,
no que foi favorecido pelo extraordinário domínio da língua,
[...] pela sensibilidade, convicções, humanidade e patriotismo.
É o homem barroco refletido pelo escritor barroco ou o escritor
barroco identificado no homem barroco [...].

Os temas dos sermões do Padre Antônio Vieira são religiosos, políticos ou


sociais e estão sempre relacionados com o presente. A exposição do tema é
feita com rigor e energia: ele interroga, responde, interpela e suplica, censura
e propõe num processo que culmina na discussão da proposta do sermão. Um
exemplo desse procedimento pode ser identificado no Sermão da Sexagésima,
peça na qual o pregador intenta revelar as razões da ineficácia da palavra de
numerosos pregadores daquele momento histórico:
Fazer pouco fruto a palavra de Deus no mundo pode proceder de um
de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte,

192  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um


sermão, há de haver três concursos: a de concorrer o pregador com
a doutrina, persuadindo; a de concorrer o ouvinte com o entendi-
mento, percebendo; a de concorrer Deus com a graça, alumiando
[...] (VIEIRA citado por CASTELLO, 1972, p. 94).

A obra de Padre Antônio Vieira, historicamente considerada, é depoimento,


advertência e crítica. Considerando-a do ponto de vista literário, é uma inesti-
mável conquista da língua e uma sedução que prende e fascina. Vieira foi, sem
dúvida, o mais autêntico e fecundo escritor barroco em língua portuguesa.

Saiba mais

Para que você possa ler o texto completo do Sermão da Sexagésima, do


Sermão de Santo Antônio, do Sermão da Visitação de Nossa Senhora à
Santa Isabel e do Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra
as de Espanha, acesse o sítio <www.dominiopublico.gov.br>.

1.3.2 Gregório de Matos: aspectos da vida e da obra


Gregório de Matos Guerra nasceu na Bahia, em 1636. Filho de pessoas
abastadas, chegou a estudar na Universidade de Coimbra. Quando voltou ao
Brasil, ocupou postos importantes da vida burocrática. Sua veia satírica e sua
vida desregrada levaram-no à demissão e ao desterro para Angola. Ao retornar
do exílio, não pode fixar-se na Bahia. Por essa razão, mudou-se para o Recife,
onde morreu em 1696.
Conforme já discutimos anteriormente, a alma barroca oscila entre o mundo
terreno e a perspectiva da salvação eterna. Essa oscilação apresenta-se aguçada
em Gregório de Matos. A forte presença, em sua obra, dos elementos contradi-
tórios de sua época (corpo, alma, matéria, espírito) deve-se a, pelo menos, dois
fatos: à educação contra-reformista dos jesuítas que controlavam todo o sistema
de ensino (espírito); à origem abastada, que facilitava o estupro e o aproveita-
mento das cativas.
A obra poética de Gregório de Matos é vasta, desigual e, às vezes, de
autoria duvidosa, mas pode ser dividida em duas matrizes básicas: lírica e satí-
rica. A lírica, por sua vez, divide-se em religiosa e amorosa.
O Gregório de Matos lírico-amoroso se define pelo erotismo, por meio do
qual revela uma sensualidade ora grosseira, ora de fineza rara. O fundamento
de sua visão do amor é a religiosidade contra-reformista: ele tem consciência
de que o tempo elimina as alegrias corpóreas, que a vida e a beleza são

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  193


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

passageiras e que é necessário aproveitá-las. Trata-se de uma referência direta


à transitoriedade das coisas, exemplificada no soneto dedicado a Maria dos
Povos e inspirado pelo poema espanhol de Gôngora. Analisemos essas carac-
terísticas no poema exposto a seguir.

A Maria dos Povos, sua futura Esposa

Discreta e formosíssima Maria,


Enquanto estamos vendo a qualquer hora,
Em tuas faces a rosa Aurora,
Em teus olhos e boca, o Sol e o dia:

Enquanto, com gentil descortesia,


O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Da madeixa que mais primas te envia:

Goza, goza da flor da mocidade,


Que o tempo troca, a toda a ligeireza,
E imprime a cada flor sua pisada.

Oh não aguardes, que a madura idade


Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

A consciência da transitoriedade da vida e das coisas terrenas encontra-se,


também, no soneto À instabilidade das cousas do Mundo, exposto a seguir.

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,


Depois da luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?


Se é tão formosa a luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

194  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Mas no Sol, e na luz, falta a firmeza;


Na formosura, não se dê constância:
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,


Pois tem qualquer dos bens por natureza,
A firmeza somente na inconstância.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

Como lírico religioso, o poeta se ajoelha diante de Deus, confessa arrepen-


der-se de ter pecado e promete redimir-se. Essa imagem do homem ajoelhado é
constante no soneto A Jesus Cristo Nosso Senhor:

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,


Da vossa alta clemência me despido:
Porque, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,


A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada


Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história:

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;


Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

Ao contrário do poeta arrependido e humilhado (o eu-poético lírico-religioso),


o eu-poético do Gregório de Matos satírico cultiva uma poesia de inegável
mordacidade, satirizando uma sociedade em plena decadência econômica (o

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  195


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

açúcar do Brasil começava a enfrentar a concorrência do açúcar antilhano)


e oprimida pelos grilhões do sistema colonial. Ninguém escapou à ironia do
poeta. Os figurões portugueses, os padres, os colonos, os degredados lusos que
vinham para o Brasil e aqui enriqueciam, os nativos e os negros são seus alvos
prediletos e sistematicamente ridicularizados. Vejamos essas características no
poema exposto a seguir.

Que falta nesta cidade? — Verdade.


Que mais por sua desonra? — Honra.
Falta mais que se lhe ponha? — Vergonha.

O demo a viver se exponha,


Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste socrócio? — Negócio.


Quem causa tal perdição? — Ambição.
E o maior desta loucura? — Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.

Quais são seus doces objetos? — Pretos.


Tem outros bens mais maciços? — Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos? — Mulatos.

Dou ao demo os insensatos,


Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos? — Meirinhos.


Quem faz as farinhas tardas? — Guardas.
Quem as tem nos aposentos? — Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,


E a terra fica esfaimando,
Porque os vão atravessando
Meirinhos, guardas, sargentos.

196  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

E que justiça a resguarda? — Bastarda.


É grátis distribuída? — Vendida.
Que tem, que a todos assusta? — Injusta.
[...]
Valha-nos Deus, o que custa
que El-Rei nos dá de graça,
Que anda a justiça na praça
Bastarda, vendida, injusta.

A Câmara não acode? — Não pode.


Pois não tem todo o poder? — Não quer.
que o governo a convence? — Não vence.

Quem haverá que tal pense,


Que uma Câmara tão nobre,
Por ver-se mísera e pobre,
Não pode, não quer, não vence.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

Saiba mais

Esse poema completo e outros de Gregório de Matos podem ser lidos no


sítio Jornal de Poesia <http://www.jornaldepoesia.jor.br/grego.html> ou
no sítio Domínio Público <www.dominiopublico.gov.br>.

Toda a fama de Gregório de Matos deve-se à sua poesia satírica, associada


ao poeta boêmio, desregrado e frustrado, cheio de revoltas, que foi o vate
baiano. Os contrastes entre a obra lírica e a satírica revigoram o Barroco em
Gregório de Matos. Entretanto é na poesia lírica (religiosa e amorosa) que ele
se revela mais autenticamente poeta barroco. As razões desse fato são o senti-
mento que manifesta e os processos técnicos e expressivos de que se utiliza para
expressar esses sentimentos.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  197


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Saiba mais

No filme Palavra e utopia, de Manuel de Oliveira, a vida do Padre Antônio


Vieira é contada em três fases: juventude, adulta e velhice.
Ambientado em 1572, o filme A Rainha Margot, de Patrice Chéreau, mos-
tra conflitos entre católicos e protestantes na França: o episódio de São
Bartolomeu (massacre de protestantes promovido pela família Médici nas
ruas de Paris) é o clímax do enredo. E mais: a música, o cenário, o ves-
tuário e as cerimônias religiosas oferecem excelente ilustração para os
estudos do pensamento barroco.
O Judeu retrata a vida do dramaturgo brasileiro Antônio José da Silva, per-
seguido pela Santa Inquisição e morto na fogueira em 1739.

Para sua melhor compreensão e memorização do conteúdo deste capítulo,


apresentamos, a seguir, num esquema didático, seu resumo.

Quadro Literatura no Brasil (séculos XVI e XVII).

Literatura Literatura
Barroco
Informativa Jesuítica
• Sobre o Brasil, para • Informativa em geral. • Arte da Contra-Reforma.
europeus (cartas, rela-
• Teatro de Padre José • Conflito entre corpo e alma.
tórios, documentos).
de Anchieta.
• Forma conturbada.
• A Carta de Pero Vaz
de Caminha. • Tema: o fluir do tempo.
• Padre Antônio Vieira
(Sermões).
• Gregório de Matos (poesia
lírica religiosa, poesia lírica
e poesia satírica).

Portanto, neste capítulo, estudamos a Literatura de Informação e a Literatura


Jesuítica, destacamos a Carta de Pero Vaz de Caminha e a poesia do Padre
José de Anchieta. Vimos, ainda, aspectos da vida e da obra de dois escritores
barrocos: Padre Antônio Vieira e Gregório de Matos Guerra. E por fim, anali-
samos os aspectos líricos (amoroso e religioso) e satíricos da obra de Gregório
de Matos.

No próximo capítulo, falaremos sobre o Arcadismo, suas características e a


poesia de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.

198  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Referências
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
______. História concisa da Literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001.
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta a El-Rey D. Manoel I de Portugal sobre o achamento
do Brasil. Introdução de João Alves das Neves. São Paulo: Elos Clube, 1985.
CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: manifestações literárias da Era
Colonial. São Paulo: Cultrix, 1972.
LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/
Edusp, 1980.
JORNAL DE POESIA. Gregório de Matos. Disponível em: <http://www.jornal de
poesia.jor.br/grego.html>. Acesso em: 4 dez. 2009.
______. José de Anchieta. Disponível em: <http://www.jornal de poesia.jor.br/
janc.html>. Acesso em: 4 dez. 2009.
MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo:
Cultrix, 1984.

Anotações

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  199


CAPÍTULO 1 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

200  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


2
CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Arcadismo

Introdução
O progresso científico dos séculos XVII e XVIII, com a formulação da lei da
gravidade por Newton e a classificação dos seres vivos pela biologia, implicou
uma visão racionalista e científica do mundo. A burguesia, em ascensão,
confiava plenamente na razão, tida como universal e imutável no espaço e no
tempo. A razão, portanto, era sinônimo de bom senso e impedia o ser humano
entregar-se aos caprichos da imaginação e da fantasia. Em face desse quadro,
o estilo Barroco, exagerado, extremamente emocional e desequilibrado, não
podia mais predominar.
Neste capítulo, estudaremos os aspectos históricos, os traços estéticos e os
dois principais representantes do Arcadismo. Para que você possa identificar as
principais características do Arcadismo e verificar as marcas do Arcadismo na
poesia de Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, é necessário
que tenha consciência de que o Arcadismo está vinculado ao Iluminismo, que
é o conjunto de tendências que marcaram o fim do século XVII e o século XVIII.
Precisa também ter em mente que as palavras-chave da filosofia iluminista são:
razão e ciência, consideradas, na época, base para a análise e explicação do
mundo. Some-se a isso compreender que o Arcadismo ou Neoclassicismo surgiu
como uma reação contra o Barroco.

2.1 Arcadismo: aspectos históricos


Durante o período Barroco (século XVII) foram construídos palácios e igrejas,
cujas solenidades causaram respeito e admiração pelo que significavam: o
Poder de Deus e o Poder do Estado. No século XVIII, foram construídas casas
graciosas e belos jardins, anúncio de um novo sentido de vida. As pedras mais
simples substituíram o mármore, o bronze e o ouro; e as cores sérias das igrejas
e dos castelos foram substituídas pelo pastel, pelo verde e pelo rosa: o íntimo e
o frívolo foram preferíveis ao pomposo.
O Arcadismo ou Neoclassicismo, manifestações artísticas do século XVIII,
refletiam a ideologia da classe aristocrática em decadência e da alta burguesia,
ambas insatisfeitas com o absolutismo real, com a solenidade do Barroco e com
as formas sociais de convivência rígidas, artificiais e complicadas.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  201


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

A filosofia do Iluminismo conciliou, em seu primeiro momento, os interesses


da burguesia com certas parcelas da nobreza. O mecanismo utilizado para
efetivar essa conciliação era o despotismo esclarecido. Além disso, a filosofia
iluminista afirmava que todas as coisas podiam ser compreendidas, resolvidas e
decididas pelo poder da razão, o que significava um golpe definitivo na visão
barroca de mundo, cuja base era mais o sensitivo do que o racional. O século
XVIII procurou simplificar a arte, em suas várias manifestações (pintura, música,
literatura e arquitetura), por meio da imitação dos clássicos e pela aproximação
com a natureza.

O despotismo esclarecido foi uma forma reformista de governar caracte-


rística da Europa, era apoiada por princípios iluministas. Desenvolveu-se
no Leste europeu onde a economia ainda era atrasada e a burguesia era
muito fraca ou inexistente. O despotismo esclarecido visava a acelerar o
processo de modernização de alguns países e assim aumentar seu poder e
prestígio a fim de enfraquecer a oposição ao seu governo. Argumentavam
que governavam em nome da felicidade dos povos.

No Brasil, o Arcadismo ou Neoclassicismo coincidiu com a crise da lavoura


açucareira e a descoberta das primeiras minas de ouro e pedras preciosas. Essa
nova realidade deslocou o eixo econômico do país da região Nordeste para a
região de Minas Gerais, onde acontecia a extração dos minérios, e para o Rio
de Janeiro, onde se localizava o porto de escoamento desses minérios.
A riqueza acumulada por essa nova situação econômica estruturou uma
organização social, na qual começava a despontar o gosto pela cultura. É então
que surgiu o primeiro grupo de escritores com alguma integração entre si: o
grupo mineiro. As ideias iluministas no Brasil fomentavam os ideais de libertação
do país. A Inconfidência Mineira de 1789 foi um exemplo dessa influência.
Muitos escritores árcades participaram desse “momento revolucionário”.
Antes do Arcadismo, a literatura brasileira não passava de manifestações
isoladas. A partir dele, começou a se integrar num sistema estruturado, englo-
bando autor, obra e público, ainda que de maneira incipiente.
O Arcadismo no Brasil teve início em 1768 com Obras, de Cláudio Manuel
da Costa, e se desenvolveu até 1836, quando Gonçalves de Magalhães publicou
Suspiros Poéticos e Saudades e deu início à revolução romântica. O Arcadismo
foi um movimento eminentemente poético e de repúdio aos exageros praticados
pelo Barroco. Arregimentou, pela primeira vez em nossa história literária, um

202  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

grupo de escritores mais ou menos coesos em seus objetivos: Tomás Antônio


Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto,
Basílio da Gama, Frei José de Santa Rita Durão.

2.2 Arcadismo: traços estéticos


Antes de discriminarmos as marcas estéticas do Arcadismo ou Neoclassicismo,
é necessário que compreendamos o que designam os vocábulos Arcadismo,
Neoclassicismo e Classicismo.
Arcadismo deriva de Arcádia, região da Grécia que identificava a vida
ideal. Nessa região, os pastores dedicavam-se à arte e viviam de maneira
equilibrada e harmoniosa. O Neoclassicismo (neo: novo) decorre do fato de
os autores do período proporem a imitação dos escritores clássicos, voltando
à Antiguidade Greco-Romana ou imitando os escritores do Renascimento.
Imitação, aqui, não significa cópia de tudo o que foi feito pelos clássicos:
o objetivo dos escritores árcades era adotar as convenções artísticas que os
clássicos haviam estabelecido.
Em literatura, Classicismo é o nome que se dá ao estilo em moda no
Renascimento. A concepção de mundo renascentista era antropocêntrica.
Os artistas, por sua vez, utilizavam um estilo que imitava o dos escritores da
Antiguidade Greco-Romana, também chamados de clássicos. Os renascentistas
consideravam que os clássicos da Antiguidade haviam atingido a perfeição
artística. Por essa razão, deviam ser tomados como modelos.
A visão de mundo desse período é racional e cientificista, implantada a
partir do Iluminismo. Essa visão repudiava o estilo barroco, porque o conside-
rava de mau gosto. Em seu lugar, buscava reinstalar os padrões clássicos de
arte, cujas convenções podem ser assim resumidas:
• a compreensão do universo por meio da razão e do raciocínio deixaria
em segundo plano a imaginação e a fantasia;
• a valorização do homem não contemplaria exclusivamente seu lado
espiritual, mas o consideraria como ser terreno e físico;
• a arte deveria ser universal – preocupar-se com os problemas, verdades
e situações eternas do homem, não se limitando a sentimentos de ordem
individual ou a vicissitudes puramente pessoais;
• a arte deveria imitar a natureza. Natureza aqui não se referia apenas à
paisagem, mas também à natureza humana: o sentimento e a alma do
ser humano;
• a obra deveria apresentar verossimilhança – eliminava-se qualquer fato
ou ideia incomum, produto da simples fantasia.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  203


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O Classicismo já existira na arte e combinava com as ideias do século XVIII.


O que se verificava, portanto, era a aceitação e a retomada dos princípios artís-
ticos clássicos num estilo considerado novo: Arcadismo ou Neoclassicismo.
As convenções apresentadas anteriormente norteavam as características da
estética do arcadismo apresentadas a seguir.
• Bucolismo – o árcade, partindo de uma concepção da vida como algo
simples, despojada de ambições, glória ou fortuna, elegeu a vida
pastoril como modelo de excelência: os pastores viviam em contato com
a natureza. Por essa razão, os escritores árcades recorriam a pseu-
dônimos, como Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) e Glauceste Satúrnio
(Cláudio Manuel da Costa). Tratava-se de um fingimento poético que
ajudava a dar maior verossimilhança a situações bucólicas, frequentes
nos poemas árcades. Veja o exemplo dessa característica no fragmento
de um poema de Cláudio Manuel da Costa a seguir:

Sou pastor, não te nego; os meus montados


São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a selva florescente
A doce companhia dos meus gados [...]

(COSTA, 1966, p. 25).

• Exaltação da natureza – opondo-se ao dinamismo da natureza focali-


zada pelos poetas barrocos, nos textos árcades, a natureza era retra-
tada de forma simples e tranquila. O exemplo a seguir é de Frei de
Santa Rita Durão:

Ouvem-se as avezinhas junto à fonte


Saudando a manhã com voz sonora.

(CASA DA TORRE, s/d, s/p).

• Tranquilidade no relacionamento amoroso – nos textos árcades, o rela-


cionamento amoroso aparecia envolvido numa atmosfera de tranquili-
dade. Não havia paixões exacerbadas. Um exemplo dessa caracterís-
tica é o poema Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, do qual
apresentaremos a Lira XIX:

204  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Enquanto pasta alegre o manso gado,


Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
Na regular beleza,
Que em tudo quanto vive, nos descobre
A sábia natureza.

Atende, como aquela vaca preta


O novilhinho seu dos mais separa,
E o lambe, enquanto chupa a lisa teta.
Atende mais, ó cara,
Como a ruiva cadela
Suporta que lhe morda o filho o corpo,
E salte em cima dela.

Repara, como cheia de ternura


Entre as asas ao filho essa ave aquenta,
Como aquela esgravata a terra dura,
E os seus assim sustenta;
Como se encoleriza,
E salta sem receio a todo o vulto,
Que junto deles pisa.

Que gosto não terá a esposa amante,


Quando der ao filhinho o peito brando,
E refletir então no seu semblante!
Quando, Marília, quando
Disser consigo: “É esta
“De teu querido pai a mesma barba,
“A mesma boca, e testa.”

Que gosto não terá a mãe, que toca,


Quando o tem nos seus braços, c’o dedinho
Nas faces graciosas, e na boca
Do inocente filhinho!
Quando, Marília bela,
O tenro infante já com risos mudos
Começa a conhecê-la!

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  205


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Que prazer não terão os pais ao verem


Com as mães um dos filhos abraçados;
Jogar outros luta, outros correrem
Nos cordeiros montados!
Que estado de ventura!
Que até naquilo, que de peso serve,
Inspira Amor, doçura.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

• Universalidade – os temas explorados pelo poeta árcade exemplificam


situações que ilustram ocorrências comuns à maioria dos homens: o
poeta árcade não se prende a dramas individuais. O trecho a seguir, da
Lira I, de Marília de Dirceu, revela essa característica:

Os teus olhos espalham luz divina,


A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

• Equilíbrio entre a razão e a fantasia – o Arcadismo, estética orientada


pelo racionalismo, não permite a explosão da subjetividade, como no
Romantismo, nem da sensibilidade, como no Barroco. Ao contrário de
um e do outro, esse movimento estético prima pela busca do equilíbrio
entre subjetividade e racionalidade. Por essa razão, o poeta, para asse-
gurar o decoro e a dignidade, expressa sentimentos comuns, genéricos
e medianos, na medida em que reduz suas criações a fórmulas conven-
cionais. O amor, por exemplo, perde o conteúdo passional e a impulsi-
vidade. Torna-se um jogo de galanteios, marcado pela elegância e pela

206  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

discrição: as regras desse jogo impõem o comedimento; o amor pode


ser apenas o fingimento do amor. Releia o trecho do poema Marília de
Dirceu (Lira XIX), citado anteriormente.
• Presença de entidades mitológicas – o poeta árcade reaproveita os
seres da mitologia greco-romana, deuses e entidades pagãs, fazendo-os
conviver com outros seres do universo cristão. O exemplo a seguir é de
Silva Alvarenga:

Dum lado o Sol Nascido no Ocidente,


E a Mística Cidade, doutro lado
Cedem ao pó e à roedora traça.
Por cima o Lavatório da Consciência,
Peregrino da América, os Segredos
Da Natureza, a Fênix Renascida,
Lenitivos da Dor e os Olhos de Água.
Por baixo está de Sam Patrício a Cova:
A miséria escreveu do Limoeiro
Para entreter os cegos e os rapazes.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

• O predomínio da lógica, a utilização de períodos curtos e de versos


brancos – o escritor árcade se recusava a usar o jogo de palavras e as
complicadas construções da linguagem barroca. Em vez disso, preferia
a clareza e a ordem lógica na escrita, expedientes assegurados pela
utilização de períodos curtos.
O projeto literário do Arcadismo era divulgar os ideais de uma sociedade mais
igualitária e justa. Para atingir esse objetivo, os autores recorreram à repetição
insistente de um cenário acolhedor e natural. A proposta de uma vida que valo-
rizasse menos a pompa e a sofisticação das cortes europeias concretizava-se na
simplicidade dos pastores preocupados apenas com seu rebanho e o desfrute dos
prazeres da natureza. Por isso cada poema árcade é uma espécie de propaganda
que pretendia modificar a mentalidade das elites daquele período. O combate à
futilidade, portanto, era um dos principais objetivos dos autores da época.
A retomada de temas que expressavam algumas filosofias de vida do mundo
antigo estava na origem da imitação dos clássicos gregos e latinos feita pelos
árcades. Esses temas eram apresentados por expressões latinas. Delas, as mais
conhecidas, segundo Bosi (2001), são:

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  207


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• fugere urbem – fuga da cidade, da urbanização, afirmação das quali-


dades da vida campesina;
• aurea mediocritas – significava, literalmente, mediocridade áurea,
dourada. Simbolizava a valorização das coisas cotidianas e simples,
identificadas pela razão e pelo bom senso;
• locus amoenus – lugar ameno, tranquilo, agradável, onde os amantes se
encontravam para desfrutar os prazeres da natureza;
• inutilia truncat: cortar o inútil – princípio muito valorizado pelos árcades:
eliminação dos excessos, evitando o uso mais elaborado da linguagem.
Subjacente a esse princípio, estava o desejo de separar o bom do defei-
tuoso, para garantir aos textos literários aproximar-se da perfeição da
natureza que buscavam imitar.

2.3 A poesia lírica

2.3.1 Cláudio Manuel da Costa (1729-1789): aspectos da vida e da obra


Cláudio Manuel da Costa nasceu em 5 de junho de 1729, em Mariana,
Estado de Minas Gerais. Frequentou o Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro e,
em 1749, foi para a Universidade de Coimbra estudar Direito. Sua produção
dessa época teve caráter barroco. Quando regressou ao Brasil, radicou-se em
Vila Rica e dedicou-se à prática da advocacia. Exerceu, entre 1762 e 1765, as
funções de secretário do governo da Capitania. O ponto alto de sua carreira
poética aconteceu em 1768, quando publica, em Coimbra, suas Obras. É dele
a ideia da fundação de uma Academia em Vila Rica, a exemplo da Arcádia
Romana: Colônia Ultramarina. Envolveu-se na Inconfidência Mineira, foi preso e,
imerso em profunda depressão, suicidou-se em 4 de julho de 1789. Entre suas
obras estão o poemeto épico Vila Rica (1839), o drama musicado O Parnaso
Obsequioso (1931) e poemas esparsos. Seu espólio literário foi reunido, em
1903, sob o título de Obras Poéticas.
A obra de Cláudio Manuel da Costa é o exemplo de uma das feições assu-
midas pela poesia arcádica brasileira: a neoclássica, uma vez que revela um
poeta integralmente voltado para o mundo e o estilo de cultura dos greco-latinos
e dos clássicos portugueses. Aproxima-se dos greco-latinos pelo culto da simpli-
cidade, da solidão e da paisagem bucólica. Aparenta-se com os quinhentistas
portugueses, particularmente com Camões, pelos demais componentes de sua
mundividência, ao que se soma a circunstância de ter escolhido o soneto como
forma predileta. Por coincidência ou não, um fato é inegável: “[...] sua poesia
prolonga uma atmosfera lírica e moral que descortinamos na poesia camoniana,
evidente no emprego constante da antítese, do paradoxo e do racionalismo [...]”
(MOISÉS, 1984, p. 83).

208  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O tema do amor convive com o da autorreflexão (o confronto do ser e do


não ser, do estar e do não estar, e da consciência magoada do bem perdido).
O soneto a seguir apresenta o amor como tema, emoldurado por um contexto
bucólico, no qual a natureza se confunde com o estado d’alma do eu-lírico. Os
dois quartetos (versos de 1 a 8) revelam bem esse fato, na medida em que rela-
cionam a natureza com a alegria e a tristeza do eu-poético, ideia que pode ser
constatada pela descrição da natureza e sua relação com cena alegre e urna é
já funesta: a mesma natureza reflete, em momentos sucessivos, a alegria e a dor
amorosa do eu-poético:

VIII

Este é o rio, a montanha é esta,


Estes os troncos, estes os rochedos;
São estes inda os mesmos arvoredos;
Esta é a mesma rústica floresta.

Tudo cheio de horror se manifesta,


Rio, montanha, troncos, e penedos;
Que de amor nos suavíssimos enredos
Foi cena alegre, e urna é já funesta.

Oh quão lembrado estou de haver subido


Aquele monte, e às vezes, que baixando
Deixei do pranto o vale umedecido!

Tudo me está a memória retratando;


Que da mesma saudade o infame ruído
Vem as mortas espécies despertando.

(COSTA, 1966, p. 26).

A temática do amor é desenvolvida também no soneto a seguir. Agora,


no entanto, esse sentimento é abordado de uma forma universal: apresentado
como um sentimento a que todos os homens estão vulneráveis, por isso grafado
com letra maiúscula. Uma leitura horizontal deste poema revela que o Amor é um
mal necessário e esperado pela esperança errante, mas esse sentimento, fugaz e
enganador, se revela e se esconde, num jogo perverso no qual nem permanece
o dano certo, nem a glória tampouco está segura: o Amor não é apenas dano,
nem simplesmente glória. Como disse Camões é dor que desatina sem doer.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  209


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

XLV

A cada instante, Amor, a cada instante


No duvidoso mar de meu cuidado
Sinto de novo um mal, e desmaiado
Entrego aos ventos a esperança errante.

Por entre a sombra fúnebre, e distante


Rompe o vulto do alívio mal formado;
Ora mais claramente debuxado,
Ora mais frágil, ora mais constante.

Corre o desejo ao vê-lo descoberto;


Logo aos olhos mais longe se afigura,
O que se imaginava muito perto.

Faz-se parcial da dita a desventura;


Porque nem permanece o dano certo,
Nem a glória tão pouco está segura.

(COSTA, 1966, p. 26).

Literariamente, Cláudio Manuel da Costa é um curioso caso de poeta de


transição: em se tratando de escolha, filia-se a princípios estéticos do Arcadismo;
em termos instintivos, não supera as influências barrocas e camonianas, marcas
de sua juventude intelectual. Em face disso, pode-se dizer dele que foi racional-
mente um árcade e emotivamente um barroco.

Saiba mais

Leia outros poemas de Cláudio Manuel da Costa na Biblioteca Virtual do


Estudante de Língua Portuguesa <http://www.bibvirt.futuro.usp.br> ou Jor-
nal de Poesia <www.jornaldepoesia.jor.br>.

210  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

2.3.2 Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810): aspectos da vida e da obra


Filho de um magistrado brasileiro, nasceu em Portugal, passou a infância
na Bahia e formou-se na Universidade de Coimbra. Chegou a Vila Rica na
última década do século XVIII para exercer a função de procurador. Participou
da Conjuração Mineira, foi julgado e degredado para a África (Moçambique),
onde morreu mais tarde. Marília de Dirceu (1792) e Cartas Chilenas (1845) são
as duas obras deixadas por esse poeta.

Conjuração Mineira, também conhecida por Inconfidência Mineira, foi uma


tentativa de revolta abortada pelo governo em 1789, na então capitania
de Minas Gerais, no Brasil, principalmente contra a execução da derrama
e o domínio português.

Marília de Dirceu é a única obra lírica de Tomás Antônio Gonzaga. Nela,


o poeta mostra-se árcade por excelência: os elementos estruturadores de seu
poema são o pastoralismo, a galanteira, a clareza, o controle da subjetividade
e o racionalismo neoclássico. Essa obra é considerada autobiográfica, mas nos
limites que os princípios árcades impunham à confissão passional.
Nos poemas dessa obra, um pastor celebra a pastora Marília, num tom
aparentemente apaixonado. No extrato apresentado a seguir, encontramos as
seguintes características: o enquadramento dos impulsos afetivos nos limites do
amor galante, o controle da expressão sentimental, transformada num conjunto
de frases feitas sobre os encantos da amada, as qualidades de Dirceu e o futuro
relacionamento de ambos:

Tu, Marília, agora vendo


De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que ele foi quem me venceu.

(GONZAGA, 1986, p. 13).

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  211


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O eu-poético, o pastor Dirceu, um pacato funcionário público, sonha com


a tranquilidade do casamento, alheio a qualquer sobressalto. Ao imaginar seu
convívio com ela, Marília, Dirceu se esquece da condição pastoril, afirmando
sua verdadeira profissão. Ao mesmo tempo, garante à futura esposa não viver a
realidade cotidiana do Brasil do século XVIII:

Tu não verás, Marília, cem cativos


Tirarem o cascalho, e a rica, terra,
Ou dos cercos dos rios caudalosos,
Ou da minada serra.

Não verás separar ao hábil negro


Do pesado esmeril a grossa areia,
E já brilharem os granetes de ouro
No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos;


Queimar as capoeiras ainda novas;
Servir de adubo à terra a fértil cinza;
Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes


Das secas folhas do cheiroso fumo;
Nem espremer entre as dentadas rodas
Da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa


Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grandes livros,
E decidir os pleitos

(GONZAGA, 1986, p. 17).

A situação econômica estável é outro aspecto do poema, encontrável no


momento em que Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) revela a Marília suas ideias
matrimoniais:

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,


Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,

212  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Dos frios gelos, e dos sóis queimado.


Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!

(GONZAGA, 1986, p. 18).

Ligado às concepções rígidas do Arcadismo, o comedimento amoroso e a


discreta paixão são traços de Tomás Antônio Gonzaga em Marília de Dirceu.
Neste poema, contudo, pode-se constatar certa malícia e erotismo dissimulados,
configurando um dos poucos momentos de emoção genuína. O poeta não se
esquece de que o tempo passa e que essa passagem torna os corpos entorpe-
cidos (carpe diem):

Ornemos nossas testas com as flores.


E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;
E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.

Com os anos, Marília, o gosto falta,


E se entorpece o corpo já cansado;
triste o velho cordeiro está deitado,
e o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
É dote, que só goza a mocidade:
Rugam-se as faces, o cabelo alveja,
Mal chega a longa idade.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  213


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Que havemos de esperar, Marília bela?


Que vão passando os florescentes dias?
As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! Não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças
E ao semblante a graça

(GONZAGA, 1986, p. 23).

Gonzaga se expressa de maneira graciosa e singela. Sua forma é simples,


direta e envolvente. Usando o pseudônimo de Critilo, ironizou os abusos admi-
nistrativos do governador de Minas Gerais nas Cartas Chilenas, pretensamente
nativistas.

2.4 A poesia épica: Basílio da Gama e Frei de Santa Rita Durão


Basílio da Gama (1741-1795) e Santa Rita Durão (1722-1784), ao contrário
dos líricos Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, tentaram
realizar uma epopeia. O primeiro, a exemplo de Homero e Camões, explorou o
tema da tomada das missões pela expedição de Gomes Freire de Andrade, no
poema narrativo O Uraguai, composto por cinco cantos em versos brancos. O
segundo estruturou a epopeia Caramuru, publicada doze anos após O Uraguai.
Não existe continuidade entre essas obras: Basílio da Gama era admirador do
Marquês de Pombal; Santa Rita Durão, padre. Seu poema narrativo tem inspi-
ração religiosa.

Saiba mais

No primeiro canto de O Uraguai, Gomes Freire de Andrade revela os


motivos da expedição. No segundo, ocorre a batalha entre conquistadores
e índios. Estes, apesar da valentia de Cacambo e Sepé, seus principais
chefes, são derrotados. No terceiro canto, Cacambo é preso e envenenado
pelo jesuíta Balda (os motivos não são esclarecidos nesse conto). No quarto
canto, tudo se revela: Balda queria casar o índio Baldeta, provavelmente
seu filho, com Lindoia, esposa de Cacambo. Mas ela prefere se deixar
picar por uma serpente e morre. No último canto, dá-se a vitória final da
expedição luso-espanhola e a descrição do templo central das missões. Leia
o texto completo em: <www.dominiopublico.gov.br>

214  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O Caramuru é a apologia do trabalho de colonização e catequese do


europeu. Diogo Álvares, mesmo não sendo padre, interessa-se por con-
duzir o índio ao caminho do cristianismo. O poema narra a lenda desse
aventureiro, náufrago na costa da Bahia, recolhido por índios que depois
tenta catequizar e colonizar. Noiva-se com Paraguaçu e embarca com ela
para a Europa para pedir a bênção da realeza da França. As cortes ficam
deslumbradas com o exotismo da dupla dos trópicos. Na partida do lito-
ral brasileiro, jovens donzelas indígenas nadam, desesperadas, atrás do
navio, em busca de um gesto do “Filho do Trovão” (Caramuru). A índia
Moema morre tragada pelas ondas nesta cena. Leia o texto completo em:
<www.dominiopublico.gov.br>

Para sua melhor compreensão e memorização do conteúdo deste capítulo,


apresentamos, a seguir, num esquema didático, seu resumo.

Quadro Arcadismo (século XVIII).

Características Autores e obras


• Racionalismo. Líricos:
• Busca da simplicidade. • Cláudio Manuel da Costa
(Obras poéticas e Vila Rica).
• Imitação dos clássicos.
• Tomás Antônio Gonzaga
• Retorno à natureza.
(Marília de Dirceu e Cartas Chilenas).
• Pastoralismo.
Épicos:
• Bucolismo.
• Basílio da Gama (O Uraguai).
• Amor galante.
• Santa Rita Durão (Caramuru).
• Ressurgimento das academias.
• Decorrência da atividade mineradora.
• Relação com a Inconfidência Mineira.

Portanto, neste capítulo, estudamos o Arcadismo e suas relações com o


contexto sócio-histórico, as características do Arcadismo e seus principais repre-
sentantes: Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga (poesia lírica),
Basílio da Gama e Santa Rita Durão (poesia épica).
No próximo capítulo, estudaremos os aspectos históricos e as características
fundamentais do Romantismo.

Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  215


CAPÍTULO 2 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

CANDIDO, Antônio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura brasi-


leira: história e antologia. São Paulo: Difel, 1985.
CASA DA TORRE. Caramuru, de Frei de Santa Rita Durão. Disponível em: <http://
www.casadatorre.org.br/caramuru2.html>. Acesso em: 12 mar. 2010.
COSTA, Cláudio Manoel da. Poemas. São Paulo: Cultrix, 1966.
GONZAGA, Tomaz Antonio. Marília de Dirceu. São Paulo: Ediouro, 1986.
JORNAL DE POESIA. Silva Alvarenga. Disponível em: <http://www.revista.agulha.
nom.br/sav.html>. Acesso em: 12 mar. 2010.
______. Tomás Antônio Gonzaga. Disponível em: <http://www.revista.agulha.
nom.br/tomaz1.html#lira15>. Acesso em: 12 mar. 2010.
MOISÉS, Massaud. A Literatura brasileira através dos textos. São Paulo:
Cultrix, 1984.

Anotações

216  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


3
Romantismo: aspectos CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

histórico-literários e
características fundamentais

Introdução
Mais do que um programa de ação de um grupo de poetas, romancistas,
filósofos ou músicos, o Romantismo foi um vasto movimento que abrigou, ao
mesmo tempo, conservadorismo e desejo libertário, inovação formal e repetição
de fórmulas consagradas, namoro com o poder e revolta radical. Foi, portanto,
um conjunto heterogêneo de tendências, cuja riqueza e diversidade não podem
ser expressas por generalizações apressadas.

Didaticamente, talvez seja possível pensar que o Romantismo foi marcado por
algumas preocupações recorrentes: anticlassicismo, visão individualista, desejo
de romper a normatividade e deslocar os excessos do racionalismo. Liberdade,
paixão e emoção: formam o tripé no qual se assenta boa parte do Romantismo.

O Romantismo pode ser circunscrito a um período que foi do final do


século XVIII a meados do século XIX, aproximadamente. Com mais de meio
século de duração, esse movimento apresentou variáveis quase antitéticas
e nuances tão diferenciadas, fato que não permitiu pensar a existência de
um único Romantismo, mas de Romantismos. A doutrina filosófica em que se
apoiam os princípios burgueses aos quais o Romantismo esteve vinculado é
o Liberalismo. Essa doutrina valorizou a iniciativa individual e a capacidade
criadora de cada um.

Para você compreender os aspectos histórico-literários do Romantismo e


discutir as características que fundamentam o Romantismo, é importante que
tenha em mente a relação entre literatura romântica e burguesia: o primeiro
efeito positivo da vitória da burguesia para a literatura foi o surgimento de um
novo público leitor. Mais diversificado e numeroso, esse público já não tinha
nenhuma identificação com a arte neoclássica da aristocracia. Era um público
que consumia livros. Os escritores não eram mais dependentes do mecenatismo:
descobriram que podiam sobreviver com a venda de suas obras, agora merca-
doria de larga aceitação. É importante, também, que você não se esqueça de
que Romantismo e democratização da arte são coincidentes. Para Vitor Hugo,
por exemplo, o Romantismo era o liberalismo em literatura. Filho da burguesia, o
Romantismo mostrou-se ambíguo diante dela, exaltando-a ou protestando contra
seus mecanismos.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  217


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

3.1 Aspectos históricos e literários do Romantismo


O Romantismo é um estilo de época associado à Revolução Francesa, à
ascensão da burguesia e ao Liberalismo. Após a Revolução Francesa, ocorreu
um acentuado progresso político, social e econômico da burguesia, transfor-
mação que, aos poucos, levou os burgueses à direção da nova ordem social,
antes de responsabilidade da aristocracia de sangue.

Saiba mais

O filme Danton, o processo da revolução, dirigido por Andrzej Wajda, foca-


liza Danton e Robespierre, líderes da Revolução Francesa. O filme é aponta-
do como a produção mais didática sobre os primeiros anos da Revolução.

A ascensão da burguesia ao poder político implicou a busca de uma arte


na qual pudesse reconhecer-se. O movimento romântico surgiu para responder
a esse anseio: até o século XVIII, a arte esteve voltada para os nobres e seus
valores. Assim que a burguesia conquistou o poder político, decorrência natural
de seu prestígio econômico, sentiu a necessidade de construir suas referências
artísticas e definir padrões estéticos nos quais pudesse se reconhecer, diferen-
ciando-a da nobreza deposta. Surgiu, então, o movimento romântico, verda-
deira revolução na produção artística.
Anunciado pelas obras de Jean-Jacques Rousseau, ideólogo da burguesia,
pelo romance inglês do século XVIII e pelo movimento Sturn und Drang, na
Alemanha (movimento que valorizava o folclore, o nacional e o popular em
oposição ao universalismo clássico), o Romantismo consolidou-se, junto ao
público europeu, no final do século XVIII, com a publicação do romance Werther,
de Goethe, síntese do espírito coletivo daquela época.
Esse romance trata da luta íntima do jovem Werther, que se debate entre a
noção de honra e o sentimento amoroso e da subsequente vitória da paixão,
consolidada pela declaração amorosa a Charlotte, esposa de seu melhor amigo.
Em face da negativa da mulher, o jovem suicida-se. Esse desfecho comoveu a
classe média europeia. Dali em diante, suicídios por amor se multiplicaram,
levando à proibição do romance.
A Alemanha, a Inglaterra e a França foram o berço das três tendências mais
importantes da estética romântica: o nacionalismo, o gosto pelo pitoresco e pelo
grotesco e a temática social. O nacionalismo romântico alemão esteve vinculado
ao conceito de alma do povo: cada povo era único e criativo; expressava seu
gênio na linguagem, na literatura, nos monumentos e nas tradições populares.
Essa noção levou muitos escritores românticos a cantar, ora em verso, ora em
prosa, as grandes qualidades de sua terra natal. O romance histórico nasce
dessa preocupação com a nacionalidade.

218  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Saiba mais

O homem da máscara de ferro e Os três mosqueteiros, ambos de Alexandre


Dumas (mestre do romance francês), podem ser conferidos também nas adap-
tações para o cinema.

A onda de nostalgia provocada pelos romances históricos levou ao resgate


do gótico medieval. Associado à melancolia romântica, esse resgate fortaleceu a
expressão de sentimentos e emoções. A morte, os cemitérios e as ruínas desper-
taram o interesse de uma série de escritores que exploraram temas sobrenaturais.
As mais célebres histórias de terror originaram-se nessa tendência romântica.
Na França, berço da revolução burguesa, o Romantismo assume uma feição
mais voltada para as questões sociais: a Revolução Francesa teve como lema os
ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade entre os homens. Vitor Hugo, com
o romance Os miseráveis, é um marco da literatura social romântica na França.
Nesse romance, o autor assume a função política da literatura por considerá-la
tão importante quanto à literária. Sua postura influenciou poetas e romancistas
que fizeram do tema da liberdade sua fonte de inspiração.
A valorização da liberdade individual e da livre expressão da sensibilidade,
reflexos da filosofia liberal, fundamentam a arte romântica, que revela um mundo
burguês e se torna meio de combate à mentalidade aristocrática do período
anterior. Por isso, ao se pensar em Romantismo, contempla-se, necessariamente,
as ideias de liberalismo, individualismo, emotividade e mudança.
Veja, a seguir, um quadro sucinto do Romantismo.

Quadro 1 Arte da burguesia em ascensão.


Implantação definitiva do
Ascensão da burguesia Revolução Francesa
capitalismo

• liberalismo (jurídico,
• livre concorrência
filosófico e social)
• vitória do capital
• democratização da
industrial
vida política
• criação de escolas
• alfabetização geral
• desenvolvimento da imprensa

Novo público leitor

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  219


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

3.2 Características fundamentais do Romantismo


As transformações da mentalidade ocidental no século XVIII levaram à revo-
lução romântica. Se fôssemos reunir numa única qualidade o espírito dessa esté-
tica, essa qualidade seria
[...] a crença na imaginação comunicava aos poetas uma extraor-
dinária capacidade de criar mundos imaginários, acreditando por
outro lado na realidade deles. O exercício dessa qualidade era
que os fazia poetas. Por outro lado, a ênfase na imaginação tinha
significação religiosa e metafísica. Graças à imaginação criadora,
o poeta era dotado de uma capacidade peculiar de penetrar num
mundo invisível situado além do visível, a qual o tornava um visio-
nário, aspirando saudoso por um mundo diferente, no passado ou
no futuro, outro mundo mais satisfatório do que o familiar. Essa
visão de outro mundo ilumina e dá significação eterna às coisas
sensíveis, cuja percepção se torna vívida por essa interpretação
do familiar e do transcendente (COUTINHO, 1969, p. 4).

O movimento romântico não pode ser confundido com o estado de alma


romântico. O primeiro é um movimento ou escola de âmbito universal, circuns-
crito entre os meados do século XVIII e do século XIX. O estado de alma ou
temperamento romântico é uma constante universal oposta à atitude clássica:
o temperamento clássico se caracteriza pelo primado da razão, do decoro,
da contensão; o romântico é exaltado, entusiasta, colorido, emocional e apai-
xonado. O clássico é absolutista. O romântico é relativista e busca satisfação
na natureza, no regional, no pitoresco, no selvagem. Pela imaginação, intenta
escapar do mundo real para um passado remoto ou para lugares fantasiosos.
O impulso básico do romântico é a fé. Sua norma, a liberdade. Suas fontes
de inspiração, a alma, o inconsciente, a emoção e a paixão. O romântico,
temperamental, exaltado e melancólico procura idealizar a realidade e não
pretende reproduzi-la.
Essas são as qualidades básicas do temperamento romântico. Podem ser
encontradas em artistas de diversos tempos e nações. O instante supremo de
sua realização foi o século XVIII, quando compôs um movimento universal e
unificado: o Romantismo.
Didaticamente falando, as principais características do Romantismo são
descritas a seguir.
• Individualismo e subjetivismo: a atitude romântica é pessoal e íntima.
O mundo é visto por meio da personalidade do artista. O que importa
é a atitude pessoal, o mundo interior, o estado de alma decorrente da
realidade exterior. “Romantismo é subjetivismo, é a libertação do mundo
interior, do inconsciente; é o primado exuberante da emoção, imagi-
nação, paixão, intuição, liberdade pessoal e interior” (COUTINHO,
1969, p. 6). Romantismo é o exercício da liberdade pelo indivíduo.

220  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O fragmento a seguir, de Rousseau, sobre o reinado do indivíduo,


apresenta, de forma sucinta, a questão do individualismo e subjeti-
vismo no Romantismo:
Tomo uma resolução de que jamais houve exemplo e que não terá
imitador. Quero mostrar aos meus semelhantes um homem em toda
a verdade de sua natureza, e esse homem serei eu. Somente eu.
Conheço meu coração e conheço os homens. Não sou da mesma
massa daqueles com quem lidei; ouso crer que não sou feito como
os outros. Mesmo que não tenha maior mérito, pelo menos sou
diferente (ROUSSEAU citado por PERRY, 1985, p. 468).

• Ilogismo: consiste em não haver lógica na atitude romântica. A regra é


a oscilação entre pólos opostos. Portanto, ora temos alegria, ora melan-
colia, ora entusiasmo, ora tristeza.
• Senso de mistério: consiste na atração do espírito romântico pelo
mistério da existência. Para o romântico, a existência aparece envolta
de sobrenatural e terror. Como individualista, o romântico enfrenta o
mundo com espanto permanente: a beleza, a melancolia, a própria
vida lhe parecem sempre novos, o que lhe desperta reações originais e
independentes de convenções e tradições.
• Escapismo: consiste no desejo romântico de fugir da realidade. Nesse
intento, busca um mundo idealizado, criado, pela imaginação, à imagem
de suas emoções e desejos. O escapismo romântico constrói um mundo
novo por meio do sonho.
• Reformismo: consiste na busca de um novo, o que revela o sentimento
revolucionário do romântico, vinculado aos movimentos democráticos e
libertários da época.
• Sonho: consiste, também, no desejo de um mundo novo, pelo aspecto
sonhador do temperamento romântico. O romântico substitui o conhe-
cido pelo desconhecido do sonho, representado, muitas vezes, por
símbolos e mitos.
• Fé: consiste no fato de, em vez da razão, ser a fé que comanda o espí-
rito romântico. Somente o pão não o satisfaz: idealista, desejando um
mundo novo, acredita no espírito e em sua capacidade de reformar o
mundo. Valoriza, ainda, a faculdade mística e a intuição.
• Culto da natureza: consiste na supervalorização da natureza pelo
Romantismo: lugar de refúgio, puro, não contaminado pela sociedade;
por isso espaço de cura física e espiritual. Além disso, a natureza é fonte
de inspiração, guia e proteção amiga. A ideia de “bom selvagem”,
de homem simples e bom em estado de natureza, vinda de Rousseau,
fundamenta esse culto. Ao culto da natureza está vinculado o exotismo:
gosto pelas paisagens exóticas e incomuns.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  221


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• Retorno ao passado: consiste numa outra forma de escapismo que se


traduz na fuga para a natureza e na volta para o passado, na busca de
uma civilização melhor do que a contemporânea ao homem romântico.
Épocas antigas, Idade Média e passado nacional provêm a literatura
romântica de ambiente, tipos e argumentos na perspectiva dessa revalo-
rização do passado. Por isso a história é valorizada e estudada.
• Pitoresco: consiste no fato de que, além de no tempo, a remotidão ser
valorizada no espaço. Isso atrai muito o romântico. Resultado: gosto
das florestas, das longes terras (selvagens, orientais, ricas de pitoresco)
ou simplesmente de diferentes fisionomias e costumes. Vem daí a melan-
colia comunicada pelos lugares estranhos e que gera saudade e dor de
ausência, próprias do Romantismo. “O pitoresco e a cor local tornam-se
um meio de expressão lírica e sentimental, e, por fim, de excitação de
sensações” (COUTINHO, 1969, p. 7).
• Exagero: consiste no fato de o romântico, na busca da perfeição, fugir
para um mundo em que coloca tudo o que imagina de bom, bravo,
amoroso, puro. Esse mundo pode estar situado no passado, no futuro ou
em lugar distante. É um mundo de perfeição e sonho.

Saiba mais

O filme O morro dos ventos uivantes, adaptação do romance homônimo de


Emile Brontë (um dos mais conhecidos romances românticos ingleses), é a
típica história de amor infeliz: jovens apaixonados (Catherine e Heathcliff)
são separados por questões sociais e econômicas.

O Romantismo distingue-se, ainda, por traços formais e estruturais expostos


a seguir.
• Ausência de regras e de formas prescritas: decorrência da liberdade,
espontaneidade e individualismo. A regra suprema é a inspiração indi-
vidual; é ela que dita a maneira própria de elocução. Por isso há, no
Romantismo, o predomínio do conteúdo sobre a forma. Enquanto o
clássico se prende às regras e os realistas, aos fatos, o romântico é
movido por sua vontade, emoções e reflexões, o que resulta num estilo
moldado pela própria individualidade.
• Construção de tipos multifacetados: o clássico procura simplificar as
personagens, mas os românticos encaram a natureza humana em sua
complexidade. Daí, a construção de tipos multifacetados, mais próxima
do natural e do humano.

222  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• Marcas estilísticas: o Romantismo faz a revisão do conceito de gênero


da poética neoclássica – as orientações de Boileau, Aristóteles e
Horácio perdem a importância que tinham até então. Por isso à noção
de gênero como algo fixo, imóvel, puro e isolado, correspondendo à
hierarquização social do século XVIII, o Romantismo opõe as ideias de
possibilidade, mistura, evolução, transformação e desaparecimento dos
gêneros, dando lugar ao surgimento de outros. Trata-se, portanto, da
supressão do espírito sistemático e absolutista que antes predominava
na compreensão do problema. Em resumo, a fixação de regras é substi-
tuída pelo caráter descritivo e analítico na construção das obras.
• Mistura de gêneros: para o Romantismo, a distinção dos gêneros era
arbitrária. Por essa razão, reivindica sua mistura, como reflexo da
subversão social decorrente da Revolução Francesa que rompe com a
antiga hierarquização social. Enfim, seduzido pela complexidade da
vida e obediente a essa complexidade, o romântico opta pela mistura
dos gêneros. Na obra romântica, portanto, aparecem, lado a lado, a
poesia e a prosa, o sublime e o grotesco, o sério e o cômico, a vida e a
morte, o divino e o terrestre.
• Preferência pelo lirismo: para o romântico, a poesia se origina no coração,
fonte suprema das emoções. À arte cabe apenas a operação de fazer
versos, porque a forma é natural e primitiva, decorrente da sensibilidade
e da imaginação individuais, bem como da paixão e do amor – poesia,
neste caso, é sinônimo de autoexpressão. Disso resulta a substituição
das antigas denominações específicas de ode, elegia, canção, pelas
denominações genéricas de poesia, poesia lírica, lirismo e poema. A
poesia romântica foi pessoal, intimista e amorosa, mas explorou, ainda,
a temática filosófica e religiosa. A esses aspectos, somam-se, também, o
aspecto social e reformista, além do narrativo épico.
• Revolução no gênero teatral: o Romantismo destrói a tragédia como
gênero fixo, consagrado por leis imutáveis, substituindo-a pelo drama,
cuja estrutura e forma são livres e diversas, mais bem apropriadas às
tendências do espírito do século XIX. Assim as regras referentes às
unidades de tempo e lugar, próprias da poética neoclássica, não são
respeitadas pelo autor romântico. Mas a unidade de ação, criada pela
personagem, permanece. Coutinho (1969, p. 9) expõe que,
Renunciando a essas unidades, o drama romântico virou-se para
o passado nacional e, para a história moderna, em lugar da anti-
guidade greco-latina, em busca da forma nova, a “cor local”, os
costumes, base da realidade e característica essencial da socie-
dade. Mas o drama romântico distinguiu-se ainda pela união do
nobre e do grotesco, do grave e do burlesco, do belo e do feio,
no pressuposto de que o contraste é que chama a atenção, além
de assim mostrar-se mais fiel à realidade. Por último, o drama
romântico misturou o verso e a prosa.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  223


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• A importância do romance: no Romantismo, o romance tem a mesma


importância da poesia lírica. Esse gênero oferece ao espírito român-
tico melhores oportunidades de realização dos ideais de liberdade e
realismo. Além disso, proporciona melhor atmosfera para o sentimen-
talismo, o idealismo, o senso do pitoresco e do histórico e para preo-
cupação social. O Romantismo cultiva, principalmente, a poesia lírica,
o drama e o romance. Este explora a temática social e de costume,
psicológica e sentimental, gótica e de aventuras, histórica e medieval
ou nacional. Para contemplar esse espectro temático, o romance sofre
inovações em sua estrutura, inspiração, temática, além de reformas na
língua e no estilo, para atender à tendência para a liberdade. Coutinho
(1969, p. 10) acrescenta que,
Sem renunciar à sintaxe e à disciplina poética, o romântico reagiu,
em geral, contra a tirania da gramática e combateu o estilo nobre
e pomposo que considerava incompatível com o natural e com
o real e defendeu o uso de uma língua libertada, simples, sem
ênfase, coloquial, mais rica.

No quadro 2, apresentamos um esquema das características temáticas e


estéticas do Romantismo.

Quadro 2 Características do Romantismo.


Características
Individualismo e subjetivismo
Sentimentalismo (paixão, tristeza, angústia)
Culto à natureza
Histórico: medievalismo
Valorização do passado
Individual: infância
Sonho, fantasia, imaginação, idealização
Escapismo
Desobediência às regras
Mistura de gêneros
Liberdade artística
Surgimento do drama
Afirmação do romance

Saiba mais

Assista ao filme Minha amada imortal, de Bernard Rose. O filme narra a


vida e a obra de Beethoven, um dos maiores gênios da música clássica. E
ainda: ouça a Quinta sinfonia, Ludwig van Beethoven, em que o compositor

224  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

transmite toda a fúria das paixões e das arrebatadoras transformações


revolucionárias.

3.3 O Romantismo brasileiro (1836-1881)


O Romantismo brasileiro é decorrência da independência política e de
suas consequências socioculturais: novo público leitor, instituições universitárias,
jornais e, particularmente, o nacionalismo ufanista, que invadiu o país após
1822, tem os escritores como seus principais intérpretes.

Nacionalismo ufanista: defesa exaltada dos valores nacionais, com vistas à


definição da identidade local.

O objetivo ideológico do Romantismo brasileiro, principalmente da primeira


geração, era contribuir para a grandeza da nação, por meio de uma literatura
espelho do novo mundo e de sua paisagem física e humana. Nesse objetivo,
há um sentimento de missão: revelar o Brasil por intermédio de uma literatura
autônoma que nos expressasse.
Para atingir esse objetivo particularista, os valores do Romantismo europeu
foram adaptados pelos escritores brasileiros. Opondo-se ao Classicismo – o que
no caso brasileiro significa dominação portuguesa – o Romantismo voltava-se
para a natureza, particularmente para sua realidade exótica. Essas preocupa-
ções contribuíram para o desenvolvimento de uma literatura ufanista, conforme
referimos anteriormente. A representação do nacionalismo romântico brasileiro
se deu por meio do indianismo, do regionalismo, da natureza e da procura da
língua brasileira.
• O indianismo – partindo do modelo do bom selvagem rousseauniano, o
Romantismo brasileiro construiu um modelo de herói representativo do
passado e da tradição do país, naquele momento jovem e sem passado
ou tradição. Contraditoriamente, a construção desse herói ignorou a
cultura indígena e contemplou a imagem do cavaleiro medieval. No
entanto, o índio (primitivo habitante da terra) representava o próprio
instinto da nacionalidade: a imagem positiva do indígena oferecia às
elites nacionais o orgulho de uma ascendência nobre. Isso ajudava a
legitimar seu poder no Brasil pós-independência.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  225


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• O regionalismo – o regionalismo romântico, derivado da consciência


eufórica de um país novo, procurou afirmar as particularidades e a iden-
tidade de cada região nacional, para torná-las literárias e, em consequ-
ência, tornar literário o Brasil. Esse regionalismo, no entanto, não passou
de simples moldura, uma vez que a intriga romanesca era urbana e gravi-
tava em torno de esquemas românticos próprios do folhetim. A linguagem
citadina ocupava o lugar da fala regional das regiões retratadas.
• A natureza – a terra era identificada com a pátria. Por isso, os fenô-
menos naturais tornaram-se representativos da grandeza do país: juven-
tude, vitalidade, exuberância, tornaram-se compensação da pobreza
social e, ao mesmo tempo, simbolizavam as potencialidades do país.
• Procura da língua brasileira – escritores românticos como José de Alencar
reivindicaram para a literatura brasileira uma língua própria, por isso,
pode-se constatar nas obras dos autores românticos, certa sujeição da
técnica expressiva à sensibilidade local. O uso de vocabulário original
e a colocação pronominal são exemplos disso.
Com essas marcas, o movimento romântico no Brasil foi deflagrado com a
publicação da Revista Niterói, em Paris, em 1836. Trazendo uma epígrafe que
defendia a ideia “Tudo pelo Brasil e para o Brasil”, essa revista, elaborada por
intelectuais que estudavam na Europa, propunha investigar as Letras, as Artes
e as Ciências no Brasil. Gonçalves de Magalhães destacou-se no grupo. Ainda
em 1836, ele publicou um livro de poemas: Suspiros poéticos e saudades, obra
que introduziu o espírito romântico no Brasil. Leia, a seguir, algumas estrofes
dessa obra, nas quais estão presentes características da literatura romântica
brasileira, referentes ao papel e ao caráter do poeta e à natureza como mani-
festação do eu-lírico:

O VATE

Por que cantas, oh Vate? por que cantas?


Qual é tua missão? O que és tu mesmo?
Para ti nada é morto, nada é mudo;
Co’o sol, e o céu, e a terra, e a noite falas.
Tudo te escuta; e para responder-te,
Missão e natureza do poeta.
Do passado o cadáver se remove,
E do túmulo seu a fronte eleva;
O presente te atende; e no futuro
Eternos vão soar os teus acentos!

226  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Quando o vento em furor açouta as comas


Dos brasílicos bosques, voz tremenda
Igual a do trovão ao longe atroa,
E uma nuvem de flores se levanta,
Que o ar com seus eflúvios embalsama; A natureza como expressão
Assim, quando te agita o entusiasmo, do sentimento do eu-lírico.
Dos lábios teus emana alma torrente
Troante e recendente de perfumes.
[...]

Umas vezes soberbo, impetuoso,


Qual águia que sublime o céu devassa,
E do céu sobre a terra os olhos desce,
Poeta como gênio inspirado.
Teu ígneo, alado gênio, no ar suspenso:
Não, oh mortais, não vos pertenço, (exclama)
Eu sou órgão de um Deus; um Deus me inspira;
Seu intérprete sou; oh terra! ouvi-me.

Outras vezes, nas selvas meditando,


Sobre um tronco sentado, junto a um rio,
Que embalança da lua a argêntea cópia;
Como entre as folhas sussurrante vento
Valorização da natureza e
Gemer parece, e de algum mal carpir-se,
relação do mundo exterior e
Tu gemes, e co’o verme te comparas, estado da alma.
Que arrasta pelo chão a inútil vida;
E vês nas águas, que a teus pés deslizam,
A imagem de teus dias fugitivos.
[...]

(MAGALHÃES, s/d, p. 29)

O Romantismo no Brasil evoluiu por meio de três gerações, cada uma delas
assumindo uma perspectiva própria, mas sem comprometer a transferência das
características de uma a outra, numa interpenetração muito acentuada.

Portanto, neste capítulo, estudamos os aspectos histórico-literários do


Romantismo e discutimos as características fundamentais do Romantismo.

No próximo capítulo, apresentaremos os aspectos do primeiro momento do


Romantismo no Brasil e a poesia de Gonçalves Dias.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  227


CAPÍTULO 3 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Referências
CANDIDO, Antônio; CASTELLO, Aderaldo. Presença da Literatura brasileira:
história e antologia. São Paulo: Difel, 1985.
COUTINHO, Afrânio (Dir.). A Literatura no Brasil: Romantismo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Sul Americana S.A., 1969.
MAGALHÃES, Domingos Gonçalves de. Suspiros poéticos e saudades. Trechos
escolhidos por José Aderaldo Castello. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro.
Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 10 nov. 2008.
PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 1985.

Anotações

228  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


4
Primeiro momento do CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Romantismo no Brasil
(1836-1840)

Introdução
A Gonçalves de Magalhães, por meio de Suspiros poéticos e saudades, cabe
a precedência cronológica dos versos românticos na literatura brasileira. Nessa
obra, o poeta realiza a transformação lírica de algumas de suas ideias sobre
o Romantismo, considerado como oportunidade de afirmação de uma literatura
nacional: destruía os artifícios e os esquemas neoclássicos, na medida em que
propunha a valorização da natureza, do índio e de uma religiosidade panteísta.
Faltava, no entanto, a Gonçalves de Magalhães, uma autêntica emoção
poética. Por isso os sentimentos que ele explora em seus poemas apresentam-se
de maneira retórica, enfática e, frequentemente, despoetizados. Mesmo assim,
o autor de Suspiros poéticos e saudades foi considerado o maior poeta pátrio,
símbolo da literatura brasileira. Essa posição foi deslocada pela publicação de
A Confederação dos Tamoios, tentativa de realização de um indianismo épico,
dando origem a críticas como as de José de Alencar sobre o artificialismo de
sua composição. Restou a Gonçalves de Magalhães, portanto, a incontestável
importância histórica: o Romantismo no Brasil fora por ele introduzido.
No contexto do primeiro momento do Romantismo no Brasil, o destaque
cabe a Gonçalves Dias. Esse poeta conseguiu equilibrar os temas sentimentais e
exóticos com uma linguagem simples, na medida em que fugiu da ênfase decla-
matória e da vulgaridade.
A obra de Gonçalves Dias articula-se em torno de quatro temas principais:
o índio, a natureza, a saudade da pátria e o amor. Os três primeiros estão
diretamente relacionados ao ideal de construção da nacionalidade, proposta
do primeiro momento do Romantismo. Por essa razão, esse poeta indianista foi
escolhido como destaque neste capítulo.
Para você compreender a relação entre Romantismo e nacionalismo e identi-
ficar as principais características do primeiro momento do Romantismo brasileiro
em Gonçalves Dias, é necessário que tenha compreendido as relações entre
Romantismo, burguesia e revolução social, discutidas no capítulo anterior.

4.1 Primeiro momento do Romantismo brasileiro: aspectos


histórico-culturais
A eclosão do Romantismo brasileiro foi um fenômeno do processo de afir-
mação da consciência da Nação, rumo à sua autonomia. Coutinho (1969, p. 14)
expõe que

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  229


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O progresso geral do país durante a fase da permanência da


corte portuguesa (1808-1821), imediatamente seguida pela
Independência (1822), teve indisputável expressão cultural e lite-
rária. O Rio de Janeiro tornou-se, além de sede do governo, a
capital literária, e, com a liberdade de prelos, desencadeou-se
intenso movimento de imprensa por todo o país, em que se
misturavam a literatura e a política numa feição bem típica da
época. À agitação intelectual que caracteriza a fase posterior à
Independência, há que aliar uma grande curiosidade acerca do
país – sua história, sua vida social, econômica e comercial, sua
raça, flora e fauna [...].

A fusão de política e literatura, trabalhando pela autonomia cultural e polí-


tica do país, a atitude intencionalmente revolucionária de renovação da literatura
brasileira, a intenção antilusa, indicando a transferência do eixo de inspiração
da literatura para a França e a preferência dada ao tema do indianismo revelam
a necessidade de adaptação dos moldes estrangeiros às circunstâncias nacio-
nais, na esteira dos acontecimentos sociais e políticos, também inegavelmente
revolucionários, que acompanharam o processo de Independência em 1822 e
a ascensão da burguesia.
O Romantismo, no Brasil, configura-se, pois, entre 1808 e 1836, para
o Pré-Romantismo; de 1836 a 1860, para o Romantismo propriamente dito,
assim dividido:
• 1836 -1840: primeiro momento
• 1840 -1850: segundo momento
• 1850 -1860: terceiro momento
O primeiro momento do Romantismo inicia-se pelo grupo fluminense por
meio do manifesto romântico de 1836, intitulado Niterói, Revista Brasiliense.
Nesse manifesto, convivem tendências contraditórias, envolvendo conservado-
rismo e resíduos classicistas com a marcha deliberada rumo à nova estética. Por
isso esse momento não pertence mais à fase pré-romântica, mas desempenha o
papel de iniciação e introdução do Romantismo, na medida em que cultiva a
poesia religiosa e mística, nacionalismo e lusofobia, com influências inglesa e
francesa, particularmente a primeira.
No que se refere ao nacionalismo e à lusofobia, “o objetivo era a criação
do caráter nacional da literatura, em oposição à marca portuguesa, conside-
rada de importação e de opressão nesse momento de luta pela autonomia”
(COUTINHO, 1969, p. 17).
Nessa perspectiva, o indianismo foi o tema mais representativo do nacio-
nalismo literário: o índio passou a figurar como o legítimo representante de
nossa raça. Se, durante o processo de colonização, ele foi relegado ao segundo
plano, ficando restrito a regiões aonde não chegavam fazendas e engenhos,

230  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

nos textos românticos é representado de forma idealizada: sempre bom, nobre,


bonito e cavaleiro generoso.
A essa primeira geração, pertencem Gonçalves de Magalhães (1811-1877),
com Suspiros poéticos e saudades (1836) e Confederação dos Tamoios (1857),
e Gonçalves Dias (1823-1864), com Primeiros cantos (1846), Segundos cantos
(1848), Sextilhas de Frei Antão (1848) e Últimos cantos (1851).
Conforme indicado no título deste capítulo, nosso foco é Gonçalves Dias,
assunto do próximo item.

4.2 Gonçalves Dias: aspectos da vida e da obra


Antônio Gonçalves Dias nasceu na cidade de Caxias, Maranhão, e morreu
num naufrágio, na costa do mesmo Estado, numa viagem de retorno da Europa,
em 1864. Filho de um comerciante português e de uma mestiça, estudou leis em
Coimbra, onde conheceu, por volta de 1840, a poesia romântico-nacionalista de
Almeida Garrett e Alexandre Herculano, poetas portugueses que influenciariam
para sempre a sua linguagem poética. Retornou ao Brasil em 1845 e se apro-
ximou do grupo de Gonçalves de Magalhães, no Rio de Janeiro. Foi professor
de latim e História do Brasil do Colégio Pedro II na mesma cidade.
A publicação dos Primeiros cantos, em 1846, fixou seu nome como grande
poeta, ratificado, em seguida, pelos Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão
e pelos Últimos cantos. Nessas obras, explorou os grandes temas românticos
– natureza, pátria e religião – e o do amor impossível de raiz autobiográfica.
Deixou um poema épico inacabado: Os Timbiras.
Gonçalves Dias foi o primeiro autêntico poeta do nosso Romantismo: “[...] sua
personalidade de artista soube transformar os temas comuns em obras poéticas
duradouras que o situam muito acima dos predecessores” (BOSI, 2001, p. 114). O
poeta maranhense, ao contrário de seus contemporâneos, influenciados pela litera-
tura francesa, tem muito de português no trato da língua e na cadência do lirismo.
O núcleo americano, vinculado ao nome do poeta pela riqueza expressiva, na
verdade, é exíguo no conjunto de sua obra, marcada por grandes temas român-
ticos do amor, da natureza e de Deus. Entretanto é na força do Gonçalves Dias
indianista que reside a verdade artística do mito do bom selvagem, constante na
literatura brasileira desde os árcades. O que foi moda mais tarde, em Gonçalves
Dias é matéria de poesia. Noutras palavras, o indianismo no autor de Primeiros
cantos distingue-se pela qualidade e não pela quantidade de temas explorados.
Nele, o índio vincula-se à glória do colono que se tornara brasileiro.
Os versos de Gonçalves Dias eram compostos em ritmos ágeis e numa linguagem
precisa: versos breves e fortemente cadenciados, sabiamente construídos alternando
sons duros e vibrantes, o que se pode verificar no poema a seguir.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  231


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

O Canto do Guerreiro

I
Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
– Ouvi-me, Guerreiros.
– Ouvi meu cantar.

II
Valente na guerra
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
– Guerreiros, ouvi-me;
– Quem há, como eu sou?

III
Quem guia nos ares
A frecha imprumada,
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza,
Na altura arrojada
Onde eu a mandar?
– Guerreiros, ouvi-me,
– Ouvi meu cantar.

IV
Quem tantos imigos
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
– Guerreiros, ouvi-me:
– Quem há, como eu sou?

232  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

V
Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?!
A onça raivosa
Meus passos conhece,
O inimigo estremece,
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
– Quem há mais valente,
– Mais destro do que eu?

VI
Se as matas estrujo
Co os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
– Quem é mais valente,
– Mais forte quem é?

VII
Lá vão pelas matas;
Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as malas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,
São eles – guerreiros,
Que faço avançar.
[...]

(DIAS, s/d, s/p)

Saiba mais

O Canto do Piaga é outro poema de Gonçalves Dias que exemplifica essa


questão dos versos breves e cadenciados. Leia-o completo no sítio <www.
dominiopublico.gov.br>.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  233


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

I-Juca Pirama (o que deve ser morto) é outro poema emblemático da poesia
indianista de Gonçalves Dias. Dividido em dez cantos, narra o drama de I-Juca
Pirama, último descendente dos tupis, feito prisioneiro dos timbiras. Condenado
à morte, I-Juca Pirama pede clemência, uma vez que é arrimo de seu pai. O
canto VIII narra o reencontro entre o jovem tupi e seu pai, que o amaldiçoa e o
renega devido à covardia do filho.

Tu choraste em presença da morte?


Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

Possas tu, isolado na terra,


Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!

Não encontres doçura no dia,


Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

Que a teus passos a relva se torre;


Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!

234  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Sempre o céu, como um teto incendido,


Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.

Um amigo não tenhas piedoso


Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.

(DIAS, s/d, s/p)

Em Gonçalves Dias, a valorização do índio é mais do que uma convenção


poética: é a reafirmação dos propósitos nacionalistas, consequência do nati-
vismo decorrente da Independência. Essa literatura, em geral, é mesclada por
elementos pitorescos (habitantes da terra) com elementos europeus (mito do
bom selvagem) e com elementos idealistas: os índios são falsos e inverossímeis.
Alguns elementos etnográficos, como roupagens, armas, costumes etc., dão um
tom verdadeiro às obras. O maior conhecimento de Gonçalves Dias sobre a vida
aborígene e o uso poético de um índio ainda não envolvido pela ação coloniza-
dora do homem branco garantem a superioridade do poeta maranhense sobre
outros criadores indianistas.
Como poeta da natureza, Gonçalves Dias canta o mar, as florestas e a
luminosidade do sol brasileiro. Os poemas que tratam dessa temática foram
por ele mesmo denominados de poesias americanas. Os espetáculos da natu-
reza conduzem os pensamentos do eu-lírico a Deus. Disso resulta uma cele-
bração panteística.
Poesia da natureza entrelaça-se com a poesia saudosista. Nostálgico, o
poeta maranhense lembra a infância, os amores idos e vividos e, sobretudo,
um homem que se sente exilado na Europa e que é arrastado pela lembrança
(saudade) de sua terra natal, como exemplifica o poema Canção do exílio, um
clássico de nossa literatura.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  235


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nosso bosque tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

(DIAS, s/d, s/p)

Outro aspecto constante na obra de Gonçalves Dias é o amoroso, desen-


volvido sob o prisma do sofrimento. Nesse poeta, o amor jamais se concretiza
no contexto real; quase sempre é ilusão perdida e impossibilidade vital de
relacionamento. A esperança e a vivência, a intenção e o gesto limitam os
abismos da experiência concreta, que não passa de fracasso. Apaixonar-se
é predispor-se à angústia e à solidão. Mesmo assim, o eu-poético confessa
sua afetividade e suplica a paixão da mulher. Não encontrando resposta,
desespera-se.

236  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Saiba mais

Se eu morresse de amor é um dos poemas de amor de Gonçalves Dias.


Nele, o eu-poético dá dignidade ao sofrimento. Leia-o no sítio <www.domi-
niopublico.gov.br>.

Ainda uma vez Adeus! é seu poema de amor mais conhecido. Leia um frag-
mento dele a seguir.

Enfim te vejo! – enfim posso,


Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti! [...]

Mas que tens? Não me conheces?


De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!

VI

Nenhuma voz me diriges!...


Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias – bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  237


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

VII
Oh! se lutei!... mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?

VIII

Devera, sim; mas pensava,


Que de mim t’esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T’esperavam; e em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!

IX

Que me enganei, ora o vejo;


Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar! [...]

XIII

Louco, julguei adornar-me


Com palmas d’alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
C’o que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.

238  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

XIV
Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!

XV
És doutro agora, e pr’a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!

XVI
Dói-te de mim, que t’imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

XVII
Adeus qu’eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  239


CAPÍTULO 4 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

XVIII
Lerás porém algum dia
Meus versos d’alma arrancados,
D’amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; – e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, – de compaixão.

(DIAS, s/d, s/p)

Saiba mais

Esse poema também está no sítio <www.dominiopublico.gov.br>. Confira!

A poesia de Gonçalves Dias integra os gêneros lírico, épico e dramático:


canto, ação e narrativa. Sob as três faces, esse poeta foi diferente de si mesmo
tantas vezes quantas quis.
Portanto, neste capítulo, estudamos os aspectos literários e históricos do
primeiro momento do Romantismo no Brasil e discutimos as características da
poesia de Gonçalves Dias.
A década de 1940 presenciou o amadurecimento da tradição literária
nacionalista. Os anos seguintes viram surgir a poesia marcada pelo extremo
subjetivismo, à moda de Byron e Musset. É quando surge a temática emotiva do
amor e da morte, da dúvida e da ironia, do entusiasmo e do tédio. Álvares de
Azevedo e Casimiro de Abreu, que serão estudados no próximo capítulo, são
representantes desse momento.

Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001.
COUTINHO, Afrânio (Dir.). A Literatura no Brasil: Romantismo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Sul Americana S.A., 1969.
DIAS, Gonçalves. Primeiros cantos. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro.
Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 10 nov. 2008.

240  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


5
CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Segundo momento do
Romantismo no Brasil

Introdução
Destaca-se, no Romantismo, um grupo de poetas de características bem
definidas, objetivadas e refletidas no individualismo, estilo de vida, melancolia,
desespero, mal do século, delírio doloroso e desesperante e no exagero do senti-
mento e da paixão. Esses poetas, amadurecidos precocemente, mortos em sua
maioria prematuramente, tiveram desse fato certa intuição: viveram uma vida
desenfreada e de orgia, incompreendidos em sua morbidez e originalidade.
Byron e Musset foram os modelos literários por eles adotados. Alguns poetas
desse grupo tiveram grande popularidade. Álvares de Azevedo e Casimiro de
Abreu, objetos de estudo deste capítulo, são poetas de grande ressonância
popular. Além deles, figuraram no grupo Fagundes Varela e Junqueira Freire.
Para você compreender as principais características do segundo momento
do Romantismo brasileiro e identificar as características da obra de Álvares de
Azevedo e de Casimiro de Abreu e suas relações com o segundo momento do
Romantismo, é necessário que não se esqueça da relação existente entre libera-
lismo, individualismo e subjetivismo, reflexos das transformações que implicaram a
substituição da aristocracia pela burguesia, no comando da sociedade ocidental.

5.1 Álvares de Azevedo: aspectos da vida e da obra


Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo, em 1831, e
morreu no Rio de Janeiro, em 1852. Cursou Humanidades no Colégio Pedro
II e Direito em São Paulo, sua terra natal. Envolveu-se com o byronismo e o
satanismo dos grupos boêmios de seu tempo, tomando parte nos desmandos
da Sociedade Epicureia. Mesmo assim, revelou talento precoce e grande capa-
cidade de estudo. Álvares de Azevedo morreu tuberculoso aos vinte anos de
idade. Não viu sua obra reunida em livro: Lira dos vinte anos (poemas, 1853),
Noite na taverna (contos, 1855), O Conde Lopo (poema, 1886) e Macário
(drama, 1855).

5.1.1 A poesia
A poesia de Álvares de Azevedo oferece farta documentação para a psica-
nálise. Nessa perspectiva, tem sido lida por alguns críticos modernos. De acordo
com Bosi (2001, p. 120-121), “todo um complexo psicológico se articulou em
uma linguagem e em um estilo novo, que se manteve por quase trinta anos na
esfera da história literária e sobreviveu [...] até hoje [...]”.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  241


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

A produção de Azevedo, ao recusar o indianismo e o nacionalismo e


preferir a confissão íntima e o extravasamento subjetivo, representa, tipicamente,
a segunda geração romântica. Trata-se da primeira afirmação relevante do indi-
vidualismo romântico no Brasil: “[...] o individualismo estava nele representado
por uma liberdade de espírito que os seus predecessores não conheceram ou
não ousaram ter” (COUTINHO, 1969, p. 132).
O rompimento da poesia brasileira da tradição clássica surgiu francamente
em seus versos, que desvelaram os horizontes de nossas letras, abrindo-lhes novas
e ilimitadas perspectivas. O grito de sua poesia foi outro grito de independência
do Brasil, agora no campo artístico. Coutinho (1969, p. 132) afirma que
Sua poesia não revela nenhuma impregnação afetiva e enfática
da realidade nacional ou do momento histórico em que viveu.
Esporádias ou meramente circunstanciais as manifestações do
instituto da nacionalidade que o arrebataram momentanea-
mente do subjetivismo lírico em que se encontrava o clima ideal.
Naturalmente, pulsava nele uma consciência social e crítica, [...]
mas, distraído pelo cosmopolitismo intelectual, [...] não sentiu
estranhadamente a nossa natureza, e, longe de exaltar-lhe os
encantos ou a selvagem majestade, parece ter vivido de algum
modo esmagado ou constrangido pelo ambiente físico brasileiro.

A atitude retraída de Álvares de Azevedo perante a natureza, na qual não


encontrava respostas às excentricidades de seu espírito, o transformou num poeta
ímpar entre os românticos. Melancólico e rebelde, trazia em si o desencanto da
paisagem local, mas a ela recorreu, incidentalmente, às vezes, para dar corpo e
consistência às suas criações abstratas, marcadas, quase sempre, pelo exótico,
o lúgubre e o macabro: projeção de uma alma ferida pelo mal do século. Os
temas preferidos por Álvares de Azevedo são o amor, a morte e o tédio.
• O amor – o eu-poético revela um medo implícito das relações amorosas.
A mulher, para ele, é símbolo de erotismo (prostituta) ou de pureza
virginal (virgem). Ora desprezível, ora inatingível, nunca está a seu
alcance. O amor, representado numa série de poemas, é um amor frus-
trado: neles, a preparação erótica e o desejo do sexo são destruídos ao
encontrar a amada adormecida e preferir não profaná-la.

Não acordes tão cedo! Enquanto dormes


Eu posso dar-te beijos em segredo
Medo das relações
Mas, quando nos teus olhos raia a vida, amorosas.
Não ouso te fitar... Eu tenho medo!

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

242  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Ó minha amante, minha doce virgem, Amor frustrado pela


Eu não te profanei, e dormes pura destruição das preli-
No sono do mistério, qual na vida, minares eróticas e da
Podes sonhar apenas na ventura. vontade do sexo.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

O amor é o tema mais importante da poética de Álvares de Azevedo e


reflete o rigorismo da organização e das convenções sociais da socie-
dade de seu tempo: as mulheres deviam ficar longe dos homens até o
casamento idealizado pelo grupo. Como consequência, elas formavam
dois grandes grupos, que instigavam a imaginação carnal dos jovens: de
um lado, a moça de boa família, casta, indiferente ao desejo, reservada
e distante; do outro, a mulher degradada pela pobreza e pela condição
social desvalida, por isso disponível às necessidades do sexo.
Essa realidade social conferia às naturais aventuras dos jovens, um
aspecto romanesco e impressionante, quando transposta para a litera-
tura, gerava uma idealização do amor e uma visão impura da carne.
Por isso a imaginação dos neófitos oscilava entre a donzela inacessível e
a prostituta sensual; uma oscilação entre a pureza e a impureza, reflexo
dos costumes da sociedade de então, contamina grande parte da obra
de Álvares de Azevedo.
• A morte – é o aspecto mais famoso da obra de Álvares de Azevedo. É nos
poemas sobre a morte que identificamos, com maior clareza, as qualidades
expressivas desse poeta. Como uma sombra fantástica que o rondava
sempre, versou frequentemente sobre ela e chegou a antevê-la e profetizá-la
para si. Numa palavra: nunca a esqueceu. Mesmo tendo feito opção pela
morte (morreu aos vinte anos de idade), não se livra do desespero e da
angústia provocados pela aproximação da “leviana prostituta” (a morte).
É pela morte que o poeta pretende solucionar suas crises e suprimir suas
dores. Mas, ao encará-la, não pode se esquecer dos afetos e do futuro que
vai comprometer e lamenta a perda desses bens. Leia, a seguir, o poema Se
eu morresse amanhã e confira a beleza amargurada que ele transmite:

Se eu morresse amanhã, viria ao menos


Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  243


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Quanta glória pressinto em meu futuro!


Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n’alva


Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora


A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

• O tédio (mal do século) – quando Álvares de Azevedo abandona suas


fantasias eróticas, seus sonhos de amor e sua obsessão pela morte,
surgem os melhores momentos de sua poesia: aqueles marcados por
uma espécie de cansaço existencial – o tédio. A visão das coisas que o
cercam, despojada da exacerbação afetiva dos românticos, faz com que
ele descubra o cotidiano e o mundo prosaico, retirando-o do universo
do sublime. O senso de humor, em sua obra, resulta, muitas vezes,
dessa descoberta do cotidiano.
O tédio, além de conduzi-lo às coisas concretas, leva-o à prática do
autoinventário: o poeta, sem o véu da fantasia, contempla-se a si mesmo
e registra sua dúvida em relação ao sentido da vida, à sua solidão e à sua
impotência. É o tédio que o arrasta para o real e lhe dá a consciência da
necessidade de um ideal para viver. Esse conflito entre o real e o ideal
aniquila o poeta. Ideias íntimas exemplifica bem esse embate:

Em frente do meu leito, em negro quadro


A minha amante dorme. É uma estampa
De bela adormecida. A rósea face
Parece em visos de um amor lascivo
De fogos vagabundos acender? se...
E com a nívea mão recata o seio...

244  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Oh! quantas vezes, ideal mimoso,


Não encheste minh’alma de ventura,
Quando louco, sedento e arquejante,
Meus tristes lábios imprimi ardentes
No poento vidro que te guarda o sono!

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

Apresentamos, esquematicamente, no quadro a seguir, a temática da poesia


de Álvares de Azevedo.

Quadro Temática da poesia de Álvares de Azevedo.

• orgia
Amor
• medo
Morte
• cotidiano
Tédio
• autoanálise (dúvida)

5.1.2 A prosa
Noite na Taverna, livro de contos, é a obra em prosa de Álvares de Azevedo.
Compõe-se de contos satânicos, devassos, melodramáticos, cheios de crimes,
amoralismos, incestos e violações: sete jovens bebem na taverna. Quando a
fumaça dos cigarros se mistura com os eflúvios das bebidas alcoólicas, cada um
deles conta uma história criminosa que teria vivido, envolvendo o desejo carnal,
aspecto destrutivo do sentimento amoroso: para o romântico, o verdadeiro amor
só é possível depois da morte.

Saiba mais

Confira, no sítio <http://www.dominiopublico.gov.br>, a grandeza dessa


narrativa de nosso mais destacado poeta ultrarromântico, Álvares de Azevedo,
vate que sempre explorou o tema dos desesperos passionais, tratados de forma
séria ou irônica, e expressando, sempre, uma visão idealizada do amor.

Poeta único entre os ultrarromânticos apresenta um modo contrastante de


abordar os temas da época, traço que o faz romper o tom monocórdico da lite-
ratura até então, na medida em que desafia a concepção homogênea e estática
de literatura.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  245


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Saiba mais

A adaptação de Frankenstein, de Mary Shelley, para o cinema é uma dica


para você conhecer um pouco mais sobre o romance inglês. Outra dica é
o filme Drácula, adaptado do romance de Bram Stoker. O texto e o filme
narram a história de como um guerreiro se transformou no morto-vivo mais
famoso de todos os tempos. Confira, sempre, o texto literário e o texto
adaptado. Vale a pena!

5.2 Casimiro de Abreu: aspectos da vida e da obra


Casimiro José Marques de Abreu nasceu no Rio de Janeiro, em 1839, e
morreu em 1860, no mesmo Estado. Em Nova Friburgo (Rio de Janeiro), fez parte
do curso de Humanidades. Sem completar os estudos básicos, foi enviado, em
1852, ao pai, um comerciante português de espírito prático, para ser iniciado
na prática comercial. Um ano mais tarde, vai para Lisboa, a fim de comple-
mentar essa prática.
Em Portugal, a literatura foi dominando seus interesses intelectuais e seu talento.
Por isso, após dois anos, iniciou sua carreira de escritor, ao publicar poemas e
ensaios de ficção em periódicos como O panorama, Ilustração luso-brasileira e
O progresso. Ainda nessa época, fez representar a peça Camões e o Jaú, cena
dramática em um ato. Os anos de Casimiro em Lisboa não foram apenas de início
promissor de vida literária. Foram, sobretudo, de elaboração de um conjunto de
poemas intitulado Canções do exílio, o melhor de sua obra poética.
Regressou ao Brasil em 1857 e começou a trabalhar num escritório no Rio
de Janeiro. O ano de 1858 presenciou o agravamento de seu natural estado de
desalento e de contrariedade com a vida que lhe fora imposta pelo pai (traba-
lhar num escritório), mas foi também um dos anos mais fecundos de sua ativi-
dade poética: no ano seguinte, com auxílio de seu pai, publicou seu primeiro
livro de poemas: Primaveras.
A poesia de Casimiro de Abreu foi eleita pela preferência popular. Esse fato,
segundo alguns críticos, deve-se à confluência entre a obra de arte e o homem
comum, assegurada pela simplicidade de sua linguagem, pelo tom coloquial,
pela juventude e ingenuidade de sua expressão, pelo exagero a sensibilidade
de seu verso e pela correlação entre essas virtudes e da sensibilidade popular,
características fundamentais de sua obra.
Os vocábulos “primavera”, “esperança”, “amor” e “saudade” denunciam
os aspectos psicológicos que dominam seus versos: “Tanto essas palavras, pela

246  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

carga de significações vulgares, quanto às situações focalizadas pelo poeta,


constituem manifestações simples de sentimento do comum dos homens, mormente
dos adolescentes” (COUTINHO, 1969, p. 153).
Na poesia de Casimiro de Abreu, prevalece a temática da saudade. Saudade
da pátria. Saudade da família. Saudade do lar. Saudade da infância. Essa insis-
tência num sentimento genuinamente brasileiro revela a tendência à evasão no
tempo e no espaço. O amor e a mulher são temas que também aparecem em
suas obras, mas quase sempre idealizados. O poema Meus oito anos é exemplo
emblemático dessa tendência à evasão que caracteriza o eu-lírico:

Oh! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias


Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d’amor!

Que aurora, que sol, que vida,


Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar! [...]

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  247


CAPÍTULO 5 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Saiba mais

O poema completo pode ser lido em <http://www.dominiopublico.gov.br>.


Confira!

Leveza e suavidade são marcas da poesia desse poeta, resultantes de seu


olhar ingênuo para as questões do amor. Além disso, seus poemas falam de
aspectos comuns da vida. Essa evocação sentimental de pequenos objetos e cenas
culminam na valorização dos elementos prosaicos e no uso da linguagem colo-
quial, que só reaparecerá nos versos modernistas de Manuel Bandeira. Ritmo fácil,
singeleza de pensamento, ausência de abstrações, caráter recitativo e tratamento
sentimental: essas características garantiram o sucesso dos poemas de Casimiro
de Abreu, notadamente de Meus oito anos, apresentado anteriormente.
Portanto, neste capítulo, estudamos as principais características do segundo
momento do Romantismo brasileiro e as características das obras de Álvares de
Azevedo e de Casimiro de Abreu.
A crise do Brasil puramente rural, o lento e firme crescimento da cultura
urbana e dos ideais democráticos e o despontar de uma espécie de repulsa
pelos princípios da sociedade escravista, que manchavam o Segundo Império,
impõem novos modelos poéticos, fundamentados, agora, em Vitor Hugo. Castro
Alves, tema do próximo capítulo, é o maior representante do terceiro momento
do Romantismo no Brasil. Daremos ênfase ao Poeta dos Escravos.

Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001.
COUTINHO, Afrânio (Dir.). A Literatura no Brasil: Romantismo. 2. ed. Rio de
Janeiro: Sul Americana S.A., 1969.
JORNAL DE POESIA. Álvares de Azevedo. Disponível em: <http://www.revista.
agulha.nom.br/avz7.html#seeumorresse>. Acesso em: 12 mar. 2010.
______. Casimiro de Abreu. Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.
br/casi.html#meus>. Acesso em: 12 mar. 2010.

Anotações

248  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


6
CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Terceiro momento do
Romantismo no Brasil

Introdução
A partir da década de 1860, os senhores rurais e parcelas da burguesia,
então classe dominante brasileira, começam a sofrer uma divisão: a ideologia
das elites, até então confundida com os verdadeiros interesses do Brasil, passa
a revelar os interesses antagônicos das classes que disputam a hegemonia na
direção da sociedade.
Intelectuais da classe média urbana, escritores, jornalistas e militares
começam a perceber a distância que se coloca entre os interesses dos proprie-
tários rurais e os do resto da população. Por isso, nesse momento, a literatura
passa a desempenhar um papel crítico, superando o egocentrismo dos escritores
do segundo momento do Romantismo.
Tem-se, agora, a literatura de cunho social, comprometida com questões
como o abolicionismo, na medida em que critica a inércia do Segundo Reinado
(1840-1889). Castro Alves é a grande expressão desse momento.
Para você compreender as características do terceiro momento do Romantismo
no Brasil e identificar as marcas da poesia social de Castro Alves, é impor-
tante que tenha consciência da crise que atingiu a classe dominante brasileira
(senhores rurais e parcelas da burguesia), a partir da década de 1860.

6.1 Castro Alves: aspectos da vida e da obra


Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em Curralinho (hoje Castro Alves),
Bahia, em 1847, e morreu em Salvador, em 1871. Filho de médico, fez estudos
secundários no Ginásio Baiano e o Curso de Direito em Recife, no momento
em que já se iniciava a campanha liberal abolicionista, da qual seria um dos
líderes, junto com Tobias Barreto.
A atriz Eugênia Câmara foi a grande paixão de sua vida. Para ela, escreveu
o drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, encenada em Salvador quando o
poeta encaminhava-se para São Paulo, para continuar seus estudos. Rui Barbosa,
Joaquim Nabuco e Salvador de Mendonça foram seus colegas. Ficou pouco
tempo em São Paulo. Acidentado numa caça, quando lhe foi ferido o pé, voltou
para a Bahia, para se operar. Seu organismo, debilitado pela tuberculose, não
resistiu, e o poeta morreu aos 24 anos de idade.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  249


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Espumas flutuantes foram publicadas em Salvador, em 1871. Postumamente,


vieram à luz A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os escravos (1883) e Hinos
do Equador (1921).
Castro Alves foi novo não apenas pela tendência libertária, mas também
pelos versos de substância amorosa, marcados pela franqueza na expressão de
seus desejos e dos encantos da mulher amada. Com ele, surgiu uma renovada
lírica erótica, mais forte e mais limpa, liberta de culpas sem perdão. Castro Alves
foi o poeta de palavra aberta, a revelar a realidade de uma nação que sobre-
vivia do suor e do sangue escravizado.
Personalidade poética inquieta e aventureira, confunde-se com os profetas
que ditam salmos bíblicos do alto da montanha. No trecho a seguir, do poema
Poeta, por exemplo, há um vaticínio sobre o poeta e a natureza, num tom que
remete a um salmo religioso:

Todo o universo é um templo – o céu a cúpula imensa,


Os astros – lâmpadas de ouro no espaço a cintilar,
A ventania – é o órgão que enche a nave extensa,
Tu és o sacerdote da terra – imenso altar.

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

Castro Alves deu ao Romantismo um sentido social e revolucionário.


Para atingir esse intento, superou o individualismo extremado dos poetas
da segunda geração do Romantismo no Brasil. Aproximou-se, portanto, do
Realismo. Seu padrão poético refletiu o poeta francês Vitor Hugo, burguês
progressista e cantor da liberdade e do futuro. Sua obra, refletindo a influência
de seu mestre, tomou duas direções: poesia social, na qual discutiu questões
liberais, humanitárias e igualitárias, e poesia lírica, voltada para o amor
sensual e a natureza.

Saiba mais

Procure conhecer o romance Os miseráveis, de Vitor Hugo, e também a


sua adaptação para o cinema, dirigida pelo americano Billie August ou a
dirigida pelo francês Josée Dayan.

250  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

6.1.1 A poesia social


Caso típico do intelectual convertido em homem de ação, Castro Alves, por
ser consciente do papel do letrado na sociedade, não realizou apenas uma
poesia humanitária; participou, ativamente, de toda a propaganda abolicio-
nista e republicana, militância que prejudicou muitas vezes sua obra literária.
Sua poesia foi arma de combate a serviço da justiça e da igualdade, uma vez
que cantou todas as causas libertárias. Porém o que ficou gravado na memória
popular foram seus poemas de temática abolicionista.
Os poemas abolicionistas de Castro Alves refletem um contexto sociopolítico
de uma sociedade agrária, na qual o móvel econômico era o escravo. Nesse
contexto, as pressões internacionais, as críticas das classes urbanas nacionais e
a habilidade de certos proprietários possibilitaram o surgimento de uma litera-
tura compromissada com a denúncia, na qual ele se enquadra.
Conhecidos como condoreiros, os poemas liberais desse poeta baiano são
indignados, ferozes, grandiloquentes e bombásticos. Em alguns desses poemas,
o autor não se contenta em dizer o essencial: cai na retórica provocada por
imagens pedantes, antíteses exóticas e repetições desnecessárias. O tom oratório
dessas composições se explica pelo fato de serem feitas para declamação em
público. O público, por sua vez, esperava uma poesia discursiva.
Há em sua obra, no entanto, vários poemas condoreiros nos quais alcança
uma eloquência não retórica, vibrátil, visualmente sugestiva e auditivamente
impressionante. Um exemplo disso é o poema O navio negreiro.

‘Stamos em pleno mar... Doudo no espaço


Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

‘Stamos em pleno mar... Do firmamento


Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

‘Stamos em pleno mar... Dois infinitos


Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  251


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

‘Stamos em pleno mar... . Abrindo as velas


Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes


Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço. [...]

Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados


Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,


Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...

252  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

São mulheres desgraçadas,


Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N’alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,


Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...


Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p’ra não mais s’erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,


A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  253


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Ontem plena liberdade,


A vontade por poder...
Hoje... cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer...
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

Saiba mais

Vale a pena conferir os poemas de Castro Alves integralmente no sítio do


domínio público <http://www.dominiopublico.gov.br>.

Outro poema emblemático da obra de Castro Alves é Vozes d’África, no


qual o poeta representa a dor de civilizações subjugadas:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?


Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

254  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Qual Prometeu tu me amarraste um dia


Do deserto na rubra penedia
— Infinito: galé! ...
Por abutre — me deste o sol candente, 
E a terra de Suez — foi a corrente 
Que me ligaste ao pé...

O cavalo estafado do Beduíno 


Sob a vergasta tomba ressupino 
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja, 
Quando o chicote do simoun dardeja 
O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas... 


Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas 
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes 
Embala-se coberta de brilhantes 
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia... 


Ganges amoroso beija a praia 
Coberta de corais...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
— Pagodes colossais...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ...


A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista — corta o mármor de Carrara; 
Poetisa — tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã! ...

Sempre a láurea lhe cabe no litígio...


Ora uma c’roa, ora o barrete frígio 
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela — doudo amante 
Segue cativo o passo delirante 
Da grande meretriz.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  255


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

[...]
Basta, Senhor!  De teu potente braço 
Role através dos astros e do espaço 
Perdão p’ra os crimes meus! 
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus!  Senhor, meu Deus!...

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

Além disso, compreendeu o significado da educação para um país de analfa-


betos. Por isso, num poema intitulado O livro e a América, celebra a instrução:

Oh! Bendito o que semeia


Livros, livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!

O livro caindo n’alma


É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p).

6.1.2 A poesia lírica


Castro Alves tem, a respeito do amor, uma visão típica do romântico, mas
seu lirismo difere das concepções predominantes na poesia romântica brasileira:
não considera o amor impossível de ser realizado, como Gonçalves Dias, não
se esquiva, como Álvares de Azevedo, tampouco negaceia, como Casimiro de
Abreu. Ao contrário de todos eles, apresenta as relações amorosas com virili-
dade, sensualidade e objetividade, revelando um homem e um poeta sexual-
mente realizados, acontecimento ímpar em nossa poesia romântica: explora a
volúpia carnal sem subterfúgios e dissimulações.
Castro Alves sabe cantar as doçuras da união dos corpos. Sabe, também,
falar de fêmeas e machos reais. Nessa tarefa, substitui a retórica da poesia
social por uma linguagem simples, envolvente e coloquial. Sobretudo, poetizou
as mulheres em versos ardentes, nos quais as descreve, confessa a elas suas
paixões e as possui num clima de delírio.

256  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Falta alguma coisa aos poemas amorosos desse poeta? Talvez um pouco de
preocupação com a afetividade que transcende o contato sexual puro e simples.
Seria ele superficial? Talvez: seus versos, mesmo sendo belos, carecem de
verdades envolvendo a comunicação amorosa, apenas relatada. Identifica-se,
nessa postura, o “Don Juan”, para quem as mulheres não passam de simples
objeto de satisfação dos desejos eróticos. O poema Adormecida é um exemplo
da sensualidade do poeta baiano, embora vigiada pelos padrões de comporta-
mento em moda no Romantismo. Mas enaltece o amor masculino, donjuanesco
e que pressupõe a realização dos apelos sexuais:

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia


Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste


Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,


Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago


Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante


Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...


Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia


Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor! – tu és a virgem das campinas!
“Virgem! – tu és a flor de minha vida!...”

(JORNAL DE POESIA, s/d, s/p)

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  257


CAPÍTULO 6 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Apesar da poesia lírica que praticou, Castro Alves celebrizou-se em nossa


literatura pelos poemas antiescravistas que escreveu, em obras como A cachoeira
de Paulo Afonso, Os escravos e Espumas flutuantes, seguindo um preceito
humanista de adesão ao combate ao tráfico negreiro. Voltado para a ideia
do progresso e do futuro, ao contrário dos românticos da segunda geração,
presos ao imobilismo e ao saudosismo, o poeta de Curralinhos compreendia
que, na concepção de progresso social por ele adotada, não cabiam a figura
do escravo e do imperador, partes de um sistema injusto que atravancavam o
progresso e mereciam ser prontamente removidos. O escravo por uma questão
de dignidade do ser humano. O imperador para permitir à sociedade desen-
volver todas as suas potencialidades.
A afirmação da nacionalidade, que, na primeira geração romântica, passava
pela valorização do índio, em Castro Alves consistia em acertar o passo com o
progresso. Para isso, era necessário suprimir a escravidão: “Do índio ao negro
estávamos diante de instâncias de uma batalha poético-ideológica, cujo fim último
seria [...] ajudar a colocar o Brasil nos trilhos da História” (CITELLI, 1993, p. 65)
Castro Alves é o traço de união entre o Romantismo agonizante e o
Parnasianismo emergente. Sua poesia, última floração do lirismo sentimental,
prenuncia a dissolução das estruturas estéticas do Romantismo.
Portanto, neste capítulo, estudamos o terceiro momento do Romantismo no
Brasil, dando destaque a Castro Alves.
No próximo capítulo, estudaremos a prosa de ficção no Romantismo Brasileiro,
especialmente José de Alencar e Manuel Antônio de Almeida.

Referências
CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1993.
JORNAL DE POESIA. Castro Alves. Disponível em: <http://www.revista.agulha.
nom.br/calves1ind.html>. Acesso em: 12 mar. 2010.
PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 1985.

Anotações

258  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


7
CAPÍTULO 7 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

A prosa de ficção no
Romantismo brasileiro

Introdução
Victor Hugo, Alexandre Dumas, Eugène Seu e Walter Scott são romancistas
europeus, cujas obras tornaram-se populares no Brasil. Essa popularidade deveu-se
a publicações dessas obras em jornais, depois de 1830, fato que contribui para
a formação de um público leitor para o romance, gênero narrativo ainda desco-
nhecido pelos brasileiros.
Essas narrativas, seja na Europa, seja nas traduções brasileiras, eram
editadas em capítulos, o que promovia o aumento da tiragem dos periódicos.
Acontecimentos bombásticos, emoções desenfreadas, linguagem acessível,
ausência de abstração, tudo isso entusiasmava os leitores pelo desenvolvimento
das histórias narradas. Ansiosos, eles esperavam o último capítulo, no qual tudo
era ajustado e explicado. Era o folhetim. Para escrevê-lo, o artista submetia-se às
exigências do público leitor, formado por burgueses, e dos diretores de jornais.
Houve casos em que o autor foi obrigado a ressuscitar uma personagem porque
os leitores, inconformados com a morte dela, ameaçam o sucesso de venda do
periódico que publica a história.
Os folhetins não podiam criticar os valores da época, nem reivindicar o verda-
deiro humanismo. Tinham de se sujeitar, obrigatoriamente, aos valores ideológicos
do público leitor. Por essa razão, não passavam de arte de evasão e alienação da
realidade. Os românticos, na maioria das vezes, assumem a estrutura do folhetim.

Quadro 1 Estrutura do folhetim.


Harmonia Desarmonia Harmonia final
Felicidade. Conflito. Estabelecimento da felici-
dade, ordenação definitiva
Ordem social burguesa. Crise da sociedade
da sociedade burguesa,
burguesa.
com o triunfo de seus
valores.

O sucesso dos folhetins europeus nos jornais brasileiros favoreceu o apare-


cimento de adaptações, feitas por escritores menores, até que, em 1844, vem a
público A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, não mais uma simples cópia
das narrativas europeias. Surgia o romance brasileiro. Juntaram-se a esse autor, na
construção desse romance, nomes como José de Alencar, Bernardo Guimarães,
Franklin Távora, Visconde de Taunay e Manuel Antônio de Almeida (BOSI, 2001).

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  259


CAPÍTULO 7 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

Neste capítulo, focalizaremos a vida e a obra de José de Alencar e de Manuel


Antônio de Almeida: Alencar por causa de sua importância na linha nacionalista
do Romantismo, opção que o levou a construir uma obra romanesca abrangendo
todo o Brasil, particularmente em sua totalidade física; Almeida por ser um roman-
cista em trânsito para o Realismo.

Para você identificar as características da prosa romântica no Brasil e perceber


as relações entre a prosa romântica e a construção da identidade nacional, não
pode se esquecer de que o Romantismo no Brasil coincide com o processo de
construção da identidade nacional e define os limites entre cultura portuguesa e
cultura brasileira.

7.1 José de Alencar: aspectos da vida e da obra


José Martiniano de Alencar nasceu em 1829, em Mecejana, Ceará, e morreu
em 1877, no Rio de Janeiro. Filho do senador José Martiniano de Alencar, um
dos animadores do Clube da Maioridade, que levou D. Pedro II ao trono em
1840, ainda menino, Alencar mudou-se para o Rio de Janeiro, onde recebeu
educação primária e secundária.

Entre 1845 e 1850, cursou Direito em São Paulo e Olinda. Nesse período,
compôs Os contrabandistas, novela histórica. Formado, começou a advogar
no Rio de Janeiro. A literatura, no entanto, o absorveu. Primeiro como cronista
do Correio Mercantil. Depois como redator do Diário do Rio de Janeiro. Neste
jornal, aparecem, em folhetim, seus primeiros romances de ambientação carioca:
Cinco minutos (1856), A viuvinha (1857) e O guarani (1857), romance que o
tornaria célebre.

De 1857 a 1860, Alencar dedicou-se ao teatro. Após a morte de seu pai


(1860), entrou para a política, elegendo-se sucessivas vezes deputado provin-
cial pelo Ceará. Entre 1868 e 1870, ocupou a pasta da Justiça do Ministério
Conservador de D. Pedro II. Ao contrário de seu pai, sempre a favor das teses
liberais, esse romancista assumiu, na vida pública, posições conservadoras.
Foi, antes de tudo, um individualista mais que um homem voltado para a
causa pública.

Na década de 1860, escreveu As minas de prata, Lucíola, Diva, Iracema.


Na década seguinte, A pata da gazela, Sonhos d’Ouro, Til, Alfarrábios, A
Guerra dos Mascates, Ubirajara, Senhora, O sertanejo, além de um drama:
O jesuíta. Em 1877, Alencar foi à Europa para tratar-se da tuberculose que já
o acometera na juventude. Não obtendo sucesso no tratamento, retornou, no
mesmo ano, ao Rio de Janeiro, onde faleceu. Postumamente, foram publicados o
romance Encarnação e a autobiografia Como e por que sou romancista, obras
de grande importância literária.

260  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 7 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

A produção romanesca de José de Alencar pode ser dividida em três


vertentes: romances urbanos, romances regionalistas e romances históricos e
indianistas. O quadro a seguir apresenta uma distribuição de suas principais
obras nas diversas vertentes.

Quadro 2 Principais obras da prosa romântica de José de Alencar.

Romances Romances históricos e


Romances urbanos
regionalistas indianistas
Cinco minutos – 1856 O gaúcho – 1870 O guarani – 1857
A viuvinha – 1857 O tronco do ipê – 1871 As minas de prata – 1862
Lucíola – 1862 Til – 1872 Iracema – 1865
Diva – 1864 O sertanejo – 1875 Alfarrábios – 1873
A pata da gazela – 1870 A Guerra dos Mascates – 1873
Sonhos d’Ouro – 1872 Ubirajara – 1874
Senhora – 1875
Encarnação – 1877

Essa divisão da obra alencariana revela a amplitude geográfica, histórica


e social do projeto literário do escritor: inserido na perspectiva nacionalista do
Romantismo, intentou realizar uma obra romanesca abrangendo todo o Brasil,
particularmente em sua totalidade física, mas sem ignorar as coordenadas histó-
ricas do país. Nesse aspecto, construiu relatos históricos e indianistas, situados
no período colonial. Alencar não se esqueceu, também, da vida cotidiana do
Rio de Janeiro, aspecto explorado em seus romances urbanos. Em resumo, seu
propósito era construir um grande painel envolvendo os diversos aspectos da
realidade nacional.

A obra de Alencar converge elementos da estrutura do folhetim, o naciona-


lismo ufanista e a visão ideal da existência. Por ter consolidado o romance brasi-
leiro, esse autor cearense continua desfrutando de grande prestígio histórico.
Esse prestígio fundamenta-se, também:

• no questionamento dos problemas relativos à autonomia de nossa lite-


ratura, na medida em que busca separá-la, definitivamente, das influên-
cias portuguesas;

• na problematização da questão da língua brasileira;

• na busca da essência da nacionalidade.

O que caracteriza os diferentes tipos de romance construídos por José


de Alencar?

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  261


CAPÍTULO 7 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

• Romances urbanos: exploram a tensão entre o espírito nacional e a


invasão estrangeira, numa corte na qual a imitação dos costumes euro-
peus misturavam-se com a mediocridade local.

Saiba mais

Senhora é o romance clássico da vertente urbanista. Leia-o no sítio <http://


www.dominiopublico.gov.br>.

• Romances regionalistas: foram construídos a partir do nacionalismo que


constituiu uma das principais ideias do autor. Seu objetivo era integrar
as regiões ao corpo da nação centralizada, uma vez que é o porta-voz
artístico da unificação nacional. O resultado disso pe uma literatura
mítica, que celebra os encantos regionais, mas ineficiente na descrição
das peculiaridades e no atraso das províncias periféricas do Brasil.

Saiba mais

O Sertanejo representa bem essa vertente. Você poderá encontrá-lo no sítio


<http://www.dominiopublico.gov.br>.

• Romances históricos e indianistas: localizados no passado histórico,


deveriam representar, no plano literário, nossas origens e nossa
formação como povo, desejando construir a representação de um
Brasil glorioso, positivo e com problemas restritos à dimensão pessoal
das personagens.

Saiba mais

O Guarani exemplifica essa vertente, além de ser um dos clássicos da litera-


tura brasileira. Busque-o no sítio <http://www.dominiopublico.gov.br>.

262  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 7 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

José de Alencar é o mais importante escritor do Romantismo brasileiro.


Conforme exposto anteriormente, sua obra contempla o indianismo, a história, o
regionalismo e as questões urbanas, grandes temas da literatura de sua época.
Com sua obra, ele possibilitou o surgimento dos chamados escritores serta-
nistas, preocupados em revelar o Brasil rural, não litorâneo, nem europeu, como
Bernardo Guimarães, Franklin Távora, Visconde de Taunay (CANDIDO, 2002).

7.2 Manuel Antônio de Almeida: aspectos da vida e da obra


Manuel Antônio de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, em 1830. De família
pobre, frequentou o curso de Medicina, que não concluiu por causa da dedi-
cação exaustiva ao jornalismo: foi redator e revisor do Correio Mercantil. Nesse
periódico, publicou, em fascículos, seu único romance: Memórias de um Sargento
de Milícias (1853), escrito aos 23 anos de idade.
Foi diretor da Tipografia Nacional. Nessa função, tornou-se amigo e protetor
de Machado de Assis. Almeida pretendia ingressar na carreira política, com esse
intento, dirige-se, de vapor, à cidade de Campos (RJ). A embarcação naufragou
e ele morreu. Era o ano de 1861.
Memórias de um Sargento de Milícias, apesar de apresentar inegáveis quali-
dades, não despertou o entusiasmo do público leitor romântico. É uma narrativa
de costumes, que representa o Brasil da época de D. João VI. Procissões, vida
religiosa, festas, danças, músicas e organização policial e administrativa são
apresentados minuciosamente, conferindo ao relato um caráter realista.
Além dos costumes sociais, essa narrativa faz uma análise crítica e irônica
dos costumes morais, confrontando ordem x desordem nas representações de
Leonardo (agente principal da desordem) e do Major Vidigal (agente principal
da ordem). O antagonismo entre essas duas personagens evolui até as últimas
páginas do romance, revelando que não há diferença entre ordem/desordem,
moralidade/amoralidade, uma vez que a passagem de uma à outra não encontra
obstáculos. Memórias de um Sargento de Milícias é, enfim, um desmascaramento
da sociedade brasileira de então.

Saiba mais

Você poderá ler o romance acessando <http://www.dominiopublico.gov.br>.

A segunda metade do século XIX assiste à decadência da concepção espi-


ritualista que caracteriza o Romantismo e ao surgimento de uma concepção

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  263


CAPÍTULO 7 • LITERATURA BRASILEIRA I: DO PERÍODO COLONIAL AO ROMANTISMO

científica e materialista, decorrente da grande importância atribuída à ciência,


considerada, na época, como único instrumento capaz de explicar a realidade
e gerar riqueza. O espírito científico, portanto, era considerado critério supremo
de compreensão e análise da realidade. Com base em seus pressupostos, surge
o Realismo-Naturalismo, que sucede o movimento romântico.
Portanto, estudamos, neste capítulo, a prosa de ficção romântica, com foco
em José de Alencar e Manuel Antônio de Almeida.

Referências
ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Ática, 1992.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001.
CANDIDO, Antônio. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas FFLCH/
USP, 2002.

Anotações

264  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


Créditos

EQUIPE UNITINS
Organização de Conteúdos Acadêmicos Patrícia Roberta de Almeida Castro Machado
Revisão Linguístico-Textual Domenico Sturiale
Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva
Revisão Digital Leyciane Lima Oliveira
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Projeto Gráfico Katia Gomes da Silva
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Capas Rogério Adriano Ferreira da Silva

PRODUÇÃO EDITORA EADCON


Estimado Alumno,
Estamos muy felices por presentarte el cuaderno de contenidos y ejerci-
cios de la asignatura Metodología de la Enseñanza de la Lengua Española y
Respectivas Literaturas. El objetivo que tenemos con este material es demos-
trar algunas de las teorías que fundamentan la práctica didáctico-pedagógica
en Lengua Española y en sus respectivas Literaturas.

Presentación
Para atender este reto, el cuaderno se encuentra dividido en siete clases
que explotan temas desde los enfoques y métodos en la enseñanza de lenguas
hasta actividades prácticas que pueden ser realizadas en clase, pasando por
el estudio de los documentos que basan el trabajo con la Lengua Española
tanto en la enseñanza fundamental como en la secundaria.
La primera clase trabaja los métodos y enfoques de la enseñanza de lenguas
extranjeras, haciendo un recorrido por los paradigmas lingüísticos y psicolin-
güísticos. En la segunda clase, vamos a analizar algunas estrategias de apren-
dizaje que los alumnos utilizan para aprender una lengua extranjera, especí-
ficamente el Español como Lengua Extranjera (E/LE). Después, en la tercera
clase, trabajaremos con las destrezas y las competencias comunicativas que
deberían ser desarrolladas en los procesos de enseñanza y aprendizaje de E/
LE. Ya, en la cuarta clase, nos especificaremos en los estudios sobre la intercultu-
ralidad y la reflexión crítica. Posteriormente, en la quinta clase, discutiremos la
relación entre lo lúdico y las clases de E/LE. En la sexta clase, reflexionaremos
sobre los documentos que basan la enseñanza de E/LE tanto a nivel nacional
como a nivel internacional. Y, al final, en la séptima clase, profundizaremos
nuestro estudio con relación a los Parámetros Curriculares Nacionales (PCN).
¡Bienvenidos al estudio de las metodologías en Lengua Española y respec-
tivas Literaturas! ¡Qué realices una excelente pasantía en Lengua Española!
Prof.ª Patricia Roberta de Almeida Castro Machado
1
CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Enfoques y métodos en la
enseñanza de lenguas

Enseñar es aprender dos veces.


Joseph Joubert

Introducción
Para hacer un recorrido por los paradigmas lingüísticos y psicolingüísticos
y estudiar y reconocer los métodos de enseñanza de idiomas, es necesario
recordar y repasar lo estudiado en las clases de lingüística, principalmente lo
que se refiere al estudio sobre la adquisición de lenguas. También se requiere la
observación crítica de los modelos de enseñanza y aprendizaje por los cuales
has pasado, en ambientes tanto formales (instituciones de enseñanza) como
informales (en casa, con los amigos y otros), porque estas son las experiencias
prácticas que ya tenemos y que deben ser contrastadas con la teoría, que será
expuesta en esta clase, para repensar la práctica de enseñanza de lenguas
extranjeras y, específicamente, de la lengua española.
Durante estudios e investigaciones relacionados a la didáctica de lenguas
extranjeras, muchos fueron los métodos y los enfoques formulados para que se
desarrollara su proceso de enseñanza y aprendizaje. Antes mismo de que la
Lingüística fuera considerada una ciencia, ya existía la preocupación de aprender
lenguas extranjeras, sea por razones comerciales o, incluso, bélicas. Esta preo-
cupación conllevó a la investigación sobre cómo se podría mejor aprender o
adquirir un segundo idioma.
En esta clase, vamos a conocer (o reconocer) los métodos y los enfoques en
la enseñanza de lenguas, específicamente del Español como Lengua Extranjera
(E/LE). Por tanto seguimos con la discusión sobre algunos conocimientos introduc-
torios, buscando una posible definición para las palabras método y enfoque.

1.1 ¿Qué son enfoques y métodos?


El enfoque es una forma de ver y comprender el proceso de enseñanza y
aprendizaje de lenguas. Mientras el método puede ser guiado por un tipo de
enfoque, seguir determinado diseño y obedecer a procedimientos específicos
(RICHARDS; RODGERS, 1998). De acuerdo con Richards y Rodgers (1998,
p. 35), el método se constituye de tres elementos, como nos muestra la ilustra-
ción siguiente:

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  269


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Figura 1 Tres elementos que constituyen un método.

Método

Enfoque Diseño Procedimento

a) Una teoría sobre a) Los objetivos gene- a) Técnicas, prácticas y


la naturaleza de la rales y específicos del conductas de clase
lengua. método. observadas cuando se
b) Una teoría sobre la b) Un modelo de utiliza el método.
naturaleza del aprendi- programa.
zaje de una lengua. c) Tipos de actividades
de aprendizaje y de
enseñanza.
d) Los papeles del alumno.
e) Los papeles del
profesor.
f) El papel de los mate-
riales de enseñanza.
Fuente: Adaptado de Richards y Rodgers (1998, p. 35).

El enfoque forma parte del método porque se refiere a las teorías que basan
la práctica docente. El diseño corresponde al programa, sus objetivos, sus acti-
vidades y los papeles que desempeñan el profesor, el alumno y los materiales
didácticos en el proceso de enseñanza y aprendizaje. Y el procedimiento, por
su vez, se refiere al modo de actuación y a la postura adoptada por docentes y
discentes durante la clase.
Sabiendo que cada método es formado a partir de un tipo de enfoque, diseño
y procedimientos específicos, a continuación vamos a conocer los métodos elabo-
rados para la enseñanza y el aprendizaje de lenguas extranjeras, por medio de
estudios tanto del área de la Lingüística como del área de la Psicolingüística y de
la Teoría de Adquisición de Lenguas.

1.1.1 Método de gramática y traducción


También llamado Método Tradicional, su concepción de enseñanza se basa
en la “aplicación de reglas gramaticales para la traducción de una lengua a
otra, y al aprendizaje de palabras como elementos aislados” (ABADÍA, 2000,
p. 26). La enseñanza de E/LE se fundamenta en la traducción de estructuras
gramaticales y de léxico para la lengua materna u otra lengua. Por eso, los

270  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

materiales más usados se restringen al libro de texto y a un diccionario bilingüe,


conllevando a un predominio de lo escrito sobre lo oral, es decir, se privilegia
más la forma escrita de la lengua que su producción oral.
Este método fue bastante utilizado desde el año de 1840 hasta comienzos del
siglo XX (ABADÍA, 2000, p. 26), incluso, hasta hoy, podemos encontrarlo presente
en algunos libros de texto y en las clases de lengua extranjera (LE). Sin embargo, no
presenta ningún estudio teórico específico, por eso no sigue un enfoque determinado,
no hay base teórica. Lo que podemos intentar hacer, por tanto, es analizar su concepto
de lengua y de aprendizaje y, después, trazar su diseño y procedimientos.
En el Método de Gramática y Traducción, la lengua es tomada como un conjunto
de reglas gramaticales y, para aprenderla, es necesario que se conozca toda su
estructuración. La lengua materna (LM) sirve como referencia en este proceso de
aprendizaje, que enfoca la gramática a través de un proceso deductivo, es decir,
se analizan y se memorizan reglas y vocabulario aislados y descontextualizados.
El diseño tiene como objetivo que el alumno sea capaz de hacer traduc-
ciones. Para eso, el modelo de programa es seleccionado y organizado a partir
de criterios gramaticales. Las actividades son realizadas con ejercicios de traduc-
ción, conjugación de verbos y lectura en voz alta, siempre privilegiando lo escrito
sobre lo oral. El alumno adopta una conducta pasiva y su papel es el de simple-
mente memorizar las reglas gramaticales y las listas de vocabulario descontextua­
lizado. El profesor es el protagonista del proceso de enseñanza y aprendizaje y
es él quien proporciona los conocimientos lingüísticos a los aprendientes.
En el procedimiento de la clase, se explican las reglas gramaticales de la
LE comparándolas con la LM, los alumnos memorizan y hacen traducciones. El
profesor y los estudiantes no interactúan entre sí y el error es considerado como
algo negativo que debe ser corregido en el mismo tiempo en que ocurre.
Con más estudios sobre las posibilidades de enseñar una LE, el Método
Tradicional sufre algunas críticas como las expuestas a continuación:
• se enseña una lengua viva, usada para la comunicación con otros, con
procedimientos de la enseñanza de una lengua muerta;
• lo escrito prevalece sobre lo oral, siendo que los dos tienen igual impor-
tancia en la comunicación;
• la lengua no puede ser desmesurada en elementos aislados con la
memorización de reglas y de listas de vocabulario descontextualizadas.
Hay que formar frases, ya que aplicación de reglas y combinación de
palabras sueltas normalmente no transmite el contenido de un mensaje;
• se crea una falsa expectativa de aprendizaje que puede llevar a una
frustración cuando el alumno concluye que no consigue relacionar el
conocimiento gramatical y lexical aprendido de forma pasiva al uso
lingüístico práctico y activo.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  271


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

En contraposición al Método de Gramática y Traducción se elaboró el


Método Directo que vamos a estudiar en la próxima sección.

1.1.2 Método directo (o natural)


Comienza a fundamentarse a partir de finales del siglo XIX y tiene mayor
difusión en la primera mitad del siglo XX. También puede ser nombrado por
Método Antigramatical, Método Reformista, Método Racional, Método Concreto
o Método Intuitivo.
La orientación metodológica propuesta da mayor énfasis al lenguaje oral
que al lenguaje escrito, diferentemente de lo que se planteaba en el Método de
Gramática y Traducción, estudiado en la sección anterior. Se considera que una
LE debe ser aprendida de la misma forma como se aprende la LM, es decir, para
aprender una LE, debemos pasar por el mismo procedimiento que un niño o un
bebé pasa, al aprender su LM. Por eso, en el proceso de enseñanza y apren-
dizaje sólo se admite el uso de la LE, para intentar hacer que el alumno pase
a pensar y actuar en este idioma. Las comparaciones con la LM son evitadas.
Conforme Abadía (2000, p. 43), en 1886, se fundó la Asociación Internacional
de Fonética que tenía como propósito cambiar la forma cómo se enseñaba una
LE, excluyendo las reglas rígidas del Método de Gramática y Traducción. Por
tanto la Asociación defendía:
• la primacía de la lengua hablada, frente al tradicional predominio de
los textos escritos;
• la práctica fonética para alcanzar una buena pronunciación;
• el uso de textos y diálogos contextualizados como eje del proceso de
enseñanza y aprendizaje;
• un enfoque inductivo en la enseñanza de la gramática;
• y la enseñanza de nuevos significados por medio de asociaciones dentro de
la lengua meta y no recurriendo a la lengua materna de la/del estudiante.
Como se está aprendiendo una lengua viva, se considera que este estudio debe
ocurrir llevando en consideración el contexto de habla. La gramática pasa a ser
trabajada a partir de los ejemplos y muestras de lengua fornecidos por el profesor
para, después, llegar a las reglas y a su explicación. La traducción es evitada, puesto
que se considera que la LM del aprendiente actúa como un factor de interferencia
que dificulta, e incluso impide, la interpretación directa de los contenidos en la LE.
El Método Directo tampoco se basa en una metodología específica. Lo que
nos permite decir que este tipo de método no sigue ningún enfoque determinado.
Sin embargo, el concepto de lengua que nos presenta afirma que la enseñanza
debe privilegiar el lenguaje oral coloquial, dando mayor importancia a la foné-
tica y estudiando la gramática de modo inductivo (a partir de ejemplos). El apren-
dizaje de una LE es comparado a la adquisición de la LM, se cree en un proceso

272  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

de imitación de un modelo lingüístico presentado por el profesor (técnicas de oír


y repetir), asociación de léxico e inducción de reglas gramaticales.
Según el diseño de este método, tenemos los siguientes objetivos:
desarrollar la capacidad de entender y hacerse entender en la
lengua que se aprende. Conseguir que la/el estudiante empiece a
pensar en la nueva lengua y construya un nuevo sistema lingüístico
independiente del de su lengua materna” (ABADÍA, 2000, p. 58).

El modelo de aprendizaje busca la enseñanza de lo coloquial en la lengua,


sin hacer uso de la traducción y presentando las situaciones de habla de modo
a ampliar gradualmente la complejidad del estudio. Las actividades tienen como
principal herramienta la elaboración de preguntas, por parte del docente, y la
contestación de las mismas interrogaciones, por parte del discente. Siendo que
para el aprendizaje lexical también son usados objetos y figuras.
El alumno deja de ser pasivo y pasa a actuar más activamente en las clases,
contestando a las preguntas formuladas por el profesor. Y el profesor sigue siendo
el protagonista del proceso de enseñanza y aprendizaje. Los manuales didác-
ticos son usados como referencias y no como una guía esencial y reguladora de
los procedimientos de clase que, por su vez, ocurren a través de “demostraciones
visuales, asociaciones de ideas, ejemplos y operaciones analógicas” (ABADÍA,
2000, p. 59). Los errores cometidos por los alumnos son, normalmente, corre-
gidos en el mismo instante en que se producen.
Aunque haya cambiado bastante el pensamiento sobre la enseñanza de
lenguas extranjeras, otras investigaciones fueron realizadas y otros métodos
fueron formulados y este modelo metodológico sufrió algunas críticas, como:
• su aplicación parece ser más adecuada a clases particulares para una
única persona y no para grandes grupos de alumnos que, por su parte,
deben estar extremadamente motivados al aprendizaje de la lengua;
• adquirir una LM y aprender una LE son procesos bastantes diferentes. La
LM se adquiere informalmente en contextos naturales de aprendizaje y
la LE suele ser aprendida formalmente en instituciones de enseñanza;
• el aprendizaje de la lengua parece ocurrir desordenadamente.
El Método Directo es considerado el precursor del Método Audiolingual que
fue propuesto tras la Segunda Guerra Mundial y que, a continuación, vamos a
analizar. Así como, también, será examinado el llamado Método Audiovisual.

1.1.3 Métodos audiolingual y audiovisual


Estas dos vertientes fueron desarrolladas al mismo tiempo y en lugares distintos.
El Audiolingualismo, o también llamado Método audio-oral, es el producto de
las investigaciones estadounidenses, mientras el Método Audiovisual es europeo
(francés). En esta sección vamos a estudiar primero el Método Audiolingual y,

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  273


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

posteriormente, el Método Audiovisual hasta llegar al Método Situacional (en la


sección siguiente) que es una variedad del Audiolingualismo.
Con la Segunda Guerra Mundial se sintió la necesidad de elaborar métodos
eficaces para la enseñanza rápida de lenguas extranjeras y la formación de intér-
pretes, ya que el militarismo tenía pocos conocedores de idiomas extranjeros (como
el chino y el japonés, principalmente). Los militares ofrecían cursos intensivos que
privilegiaban la práctica de la comprensión auditiva (oír) y de la expresión oral
(hablar). Los alumnos eran sometidos a horas seguidas en laboratorios de lenguas,
donde escuchaban palabras, frases, oraciones y diálogos en la lengua extranjera,
para después repetirlas en voz alta. Por eso, el uso del término “audiolingual” que
es formado por dos vocablos latinos (audio = oír; lingua = lengua).
El enfoque del Método Audiolingual se fundamenta en los principios de la
Lingüística Estructural (BLOOMFIELD, 1933) y en la Teoría Conductista (SKINNER,
1957). La lengua es entendida como un conjunto de estructuras que deben ser
analizadas fonética, morfológica y sintácticamente. Aprender una lengua es lo
mismo que formar hábitos lingüísticos por medio de un proceso mecánico de audi-
ción y repetición. La adquisición de lenguas y la conducta lingüística pueden ser
explicadas a partir del modelo conductista de estímulo ⇒ respuesta ⇒ refuerzo.
De acuerdo con el diseño del Audiolingualismo, el objetivo que se tiene es
desarrollar las destrezas orales (hablar y oír) para que el aprendiente pueda ser
capaz de responder de forma rápida y correcta en momentos de comunicación
oral. El modelo del programa de estudio debe atender el trabajo con la fono-
logía, la morfología y la sintaxis, permitiendo el análisis contrastivo entre la LE y
la LM. Entre las actividades que se plantea están los diálogos que son repetidos
y memorizados y los pattern drills (ejercicios de repetición, sustitución, transfor-
mación…). El alumno es más pasivo.
Lo único que hace es reaccionar a los estímulos dados sin, a veces, ni
siquiera entender el significado de lo que repite. El profesor es considerado el
punto central del proceso de enseñanza y aprendizaje. Es él quien debe corregir
y controlar el aprendizaje de los estudiantes. Entre los materiales utilizados están
la posibilidad de grabar y reproducir las voces discentes.
En las clases de lengua extranjera, el procedimiento seguido busca evitar el
uso de la traducción. Hay muchas lecturas (repetitivas) de diálogos, frases y pala-
bras en voz alta, individual o colectivamente. Con relación a la corrección de los
errores relacionados a la pronunciación y a la gramática, esta acción docente
ocurre de forma directa e inmediata al momento en que fue cometida la falla. La
mayor preocupación es con la forma (la estructura) y no con el uso de la lengua.
Las críticas sufridas por este método son, entre otras:
• la dificultad de transferir lo aprendido a situaciones concretas de comu-
nicación fuera de las clases;

274  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

• la exclusión del potencial cognitivo y creativo del aprendiente, debido


al modelo conductista, que hace que el discente simplemente imite al
profesor y a las muestras de lengua llevadas a la clase.
El Método Audiovisual, por su vez, sigue el mismo enfoque, diseño y procedi-
mientos del Método Audiolingual que acabamos de estudiar. La diferencia entre
los dos es que en el Audiovisual la lengua oral, frecuentemente, es presentada
asociada a imágenes. En el uso de un diálogo, por ejemplo, primero se visua-
liza la situación a través de ilustraciones y, después, se trabaja las expresiones
linguísticas. Es decir, “la comprensión global de la situación comunicativa ha de
ser previa al estudio de las estructuras lingüísticas” (ABADÍA, 2000, p. 74).

1.1.4 Método situacional


Como ya mencionado, este método corresponde a una variante británica
del Audiolingualismo. Su enfoque también se fundamenta en el estructuralismo
(teoría lingüística) y en el conductismo (teoría psicolingüística). Se considera que
el uso de la lengua, de sus estructuras y de su léxico se relaciona directamente a
un contexto situacional. El aprendizaje mejora cuando el habla es estudiada en
su contexto. Su objetivo es capacitar al alumno a responder satisfactoriamente
en situaciones de comunicación oral en la LE. Se usan los mismos tipos de activi-
dades del Método Audiolingual, además de practicar la creatividad en la expre-
sión oral, llevando lo aprendido a simulaciones de situaciones similares. Sin
embargo, la forma (estructura) sigue siendo más predominante que el concepto
de situación y el uso de la lengua, es decir, “la relevancia del significado en el
método situacional es […] meramente anecdótica” (ZANÓN, 1988, p. 48). El
alumno es pasivo, su participación se reduce a escuchar, repetir y responder
a preguntas y órdenes. El profesor es el modelo de hablante que presenta las
estructuras y controla el proceso de enseñanza y aprendizaje. El libro de texto es
el material central utilizado durante las clases.
Como este método es considerado una variante del Método Audiolingual,
las críticas sufridas son compartidas entre los dos. A continuación, vamos a ver
una diseminación de métodos que rompen con estos modelos metodológicos
basados en las teorías estructuralista y conductista. Son métodos que se funda-
mentan en la teoría lingüística de Chomsky, con el Generativismo, y en la teoría
psicolinguística de Piaget, con el constructivismo.

1.1.5 Respuesta física total


Este método fue presentado por el profesor de psicología James Asher, en
1965. Su enfoque sigue las orientaciones del Generativismo (Chomsky) y del
Constructivismo (Piaget). La adquisición de la LE es explicada como un proceso
de la utilización y explotación psicomotriz, es decir, el aprendiente debe expe-
rimentar el idioma a través del movimiento corporal. Las estructuras gramati-
cales son desarrolladas por el uso de instrucciones seguidas por los alumnos

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  275


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

y se supone que lo cognitivo viene antes de lo lingüístico. Por eso, primero


se intenta hacer que los estudiantes comprendan las instrucciones (las órdenes)
para, después, producir. El objetivo es que el alumno sea capaz de desarrollar
una competencia oral que le posibilite comunicarse de forma desinhibida con
otros hablantes de la LE. Las actividades más comunes son drills que expresan
órdenes y que provoquen acciones físicas. El discente tiene como papel escuchar
las órdenes seleccionadas por el profesor (director de escena) y obedecerlas
como si fueran los actores. Los materiales más significativos, al comienzo, son la
voz, la acción y los gestos.

1.1.6 Método silencioso


También tiene como enfoque la teoría lingüística del Generativismo y la
teoría psicolingüística del Constructivismo. Fue elaborado por Caleb Gattegno y
presentado en el año de 1972. El tiempo del discurso del profesor es reducido y
el alumno tiene la posibilidad de producir en la LE, obedeciendo su propio tiempo
de aprendizaje y asimilación de los contenidos lingüísticos. No se requiere la
memorización o repetición de estructuras lingüísticas, sino la creación y la descu-
bierta del idioma. Por eso, las actividades son realizadas con estímulos visuales
y la comunicación oral es más valorada que la explicación gramatical. El alumno
pasa a ser el responsable por su propio desarrollo cognitivo y el docente es casi
que un observador del proceso de aprendizaje de cada uno de sus aprendices.

1.1.7 Método comunitario o Aprendizaje comunitario


Elaborado por psiquiatra y profesor de psicología Charles Curran, en 1976, es
otro método que también se fundamenta en el Generativismo y en el Conductismo.
Además de seguir los modelos de aprendizaje de la Psicología Humanista.
Las necesidades cognitivas y afectivas del aprendiente son llevadas en consi-
deración al aprender una LE. Por eso, este método es llevado a cabo a partir de
cinco etapas:
1. fortalecer la autoconfianza y la seguridad;
2. buscar que el alumno se independice del profesor;
3. intentar expresarse de forma autónoma;
4. sentir seguridad y tener dominio del idioma que le permitan al discente
hacer comentarios y análisis sobre la lengua;
5. intentar usar estructuras y estilos lingüísticos más rebuscados.
La lengua debe ser considerada integralmente, así como el aprendizaje y
la persona que aprende. Se busca la construcción de la autonomía discente en
los procesos de enseñanza y aprendizaje de LE. El aprendizaje es considerado
como el resultado de lo que se alcanza en colaboración con otros y el profesor
tiene como una de sus funciones la preparación de un ambiente seguro para

276  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

el crecimiento y el aprendizaje de los aprendices. Los manuales didácticos son


arrinconados, porque se considera inhibidor del desarrollo discente.

1.1.8 Sugestopedia
Presentada por el psiquiatra Georgi Lozanov, en 1978, busca la aplicación
de técnicas de relajación y de sugerencia para el desarrollo del aprendizaje de
lenguas extranjeras.
El aprendizaje ocurre a través de la sugerencia y del relajamiento que
pueden ser provocados por la ambientación y por el uso de músicas clásicas
(barrocas, por ejemplo). El objetivo es que el alumno demuestre una compe-
tencia conversacional rápida. Para eso, las actividades más comunes son:
preguntas y respuestas, dramatizaciones, ejercicios de audio, listas de vocabu-
lario y diálogos. El aprendiz es pasivo, los materiales (textos, músicas, muebles
del aula entre otros) es que actúan sobre él. Mientras el profesor tiene el papel de
sugestionar el estudiante al aprendizaje, utilizándose de recursos diversos como
la propia aula y la disposición de sus muebles.

1.2 Enseñanza comunicativa o Enfoque comunicativo


Con estudios de la lingüística, de la sociolingüística, de la antropología
y de la filosofía del lenguaje, los conceptos formulados por Chomsky en el
Generativismo fueron repensados, criticados y ampliados. La idea de hablante-
oyente ideal, por ejemplo, es rechazada y el concepto de competencia lingüís-
tica (la estructura de la lengua) es ampliado, con el estudio del antropólogo D.
Hymes que defiende la competencia comunicativa, comprendiendo la caracterís-
tica social de la lengua y no sólo lo estructural.
Los estudios de la Pragmática, con Austin (1990) y Searle (1981), relacio-
nados a la naturaleza de los actos de habla, también influyeron en el desarrollo
de la enseñanza comunicativa. El contexto, la situación y los individuos que se
comunican pasaron a ser considerados en la interpretación del significado de los
enunciados producidos. Además, las investigaciones del Sociointeraccionismo
(Vygotsk) influenciaron en la concepción del enfoque comunicativo para la
enseñanza de lenguas extranjeras.

Actos de habla
Acto locucionario:
• enunciación de las palabras y oraciones.
Acto ilocucionario:
• intención de lo enunciado.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  277


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Acto perlocucionario:
• efecto provocado debido a lo enunciado.

Abadía (2000, p. 86) dice que la orientación de la enseñanza comunicativa


se basa en dos principios fundamentales:
• En primer lugar, la enseñanza en clase tiene que ver con el uso
de la lengua y no del conocimiento lingüístico. […]
• El segundo principio tiene que ver con el aprendizaje: el uso
de la lengua en situaciones reales hace que el aprendizaje
sea más eficaz. […]

Este enfoque busca el desarrollo de destrezas lingüísticas de expresión


(hablar y escribir) y de comprensión (oír y leer) contextualizadas. El aprendiente
es activo, además de ser considerado el centro del proceso de enseñanza y
aprendizaje. El profesor actúa como un facilitador de este proceso que intenta
conducir al alumno a su independencia (autonomía).
Saber actuar, a través de la LE, en diferentes situaciones en que se necesita
el uso lingüístico es uno de los objetivos de este tipo de enseñanza. Por eso,
entre las actividades propuestas está el juego de roles, es decir la simulación
de situaciones y el uso de actos de habla pertinentes a contextos específicos.
Este enfoque pretende hacer que el individuo aprenda a comunicarse en la LE,
porque hablar una lengua no es lo mismo que comunicarse en ella.
Sin embargo, a finales de los años setenta, se defendía la enseñanza de
LE pensada por procesos y no por contenidos a ser trabajados. Entonces, los
espacios para la comunicación real en las clases deberían ser creados. De ahí
que se repensó el enfoque comunicativo y se originó el Enfoque por Tareas que
es estudiado en la sección siguiente.

1.2.1 Enseñanza comunicativa: enfoque por tareas


Comienza en la década de los ochenta, buscando el establecimiento de una
comunicación real en las clases de LE, es decir, que la enseñanza y el aprendi-
zaje ocurran a partir de la propia realidad del aula.
Este tipo de enseñanza no se configura como un método y tampoco como
un enfoque (a pesar de su nombre). Las tareas son una propuesta para el diseño
de la enseñanza comunicativa, que reformula la forma como trabajar las activi-
dades, caracterizando y recomendando el uso de la LE, por los alumnos y por el
profesor, durante las clases.
Hay, por lo menos, tres posibilidades de procedimientos en este tipo de
diseño: las tareas, los proyectos y la simulación.

278  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Las tareas, normalmente, aparecen dispuestas al final de cada unidad de


los manuales didácticos que, por su vez, son organizados con otras actividades
auxiliares para la realización de esta tarea final. Los ejercicios solicitados exigen
esfuerzo y autonomía por parte del alumno, puesto que necesitan investigaciones
y raciocinio crítico.
Los proyectos son más amplios y ocupan mayor extensión en el curso de una
LE. Para su elaboración una herramienta bastante utilizada es la Internet, ya que
como dice Abadía (2000, p. 106), la “Internet constituye una buena herramienta
de trabajo como fuente de información y ventana abierta al mundo, ya que nos
ofrece la posibilidad de trabajar con materiales auténticos en la lengua meta, no
adaptados para la enseñanza”.
Y la simulación es una técnica usada para la práctica de LE que ofrece al
alumno la posibilidad de actuar, en distintas situaciones, valiéndose de la comu-
nicación (real) en la lengua que se está aprendiendo.
En la enseñanza comunicativa, sea ella por tareas o no, la negociación de
los significados juega un papel importante. Alumnos y profesores se unen para
el desarrollo del proceso de enseñanza y aprendizaje, es decir, uno aprende con
el otro y, a partir de negociaciones, se decide formas de trabajo, de actividades,
de evaluaciones, entre otros.

1.3 Consideraciones finales


Existen varios métodos para la enseñanza de lenguas extranjeras que fueron
formulados en momentos históricos y teóricos específicos. Cada uno de estos
modelos metodológicos sigue propósitos y objetivos determinados que conllevan
a un tipo práctica en las clases que proponen el desarrollo de la enseñanza
y del aprendizaje de una lengua extranjera. Sin embargo, “en la enseñanza
de lenguas extranjeras, la práctica didáctica se caracteriza por la coexistencia
de diferentes corrientes metodológicas y por el eclecticismo” (ABADÍA, 2000,
p.  80). En otras palabras, al enseñar una lengua debemos buscar entender
cuáles son las necesidades del curso y de nuestros alumnos para, a partir de
cualquier momento, adoptar y utilizar un método u otro que pueda facilitar el
alcance de los objetivos propuestos para cada clase.
Cada persona aprende de formas diferentes, utilizándose de estrategias
distintas, porque somos individuos y alumnos con formaciones socioculturales
propias que pueden ser semejantes, pero jamás idénticas a las de otros. Por lo
tanto, vamos a estudiar qué diferentes estrategias de aprendizaje pueden ser
usadas en el proceso de enseñanza y aprendizaje de lenguas extranjeras y,
específicamente, de E/LE.
El siguiente recuadro, basado en el texto de Abadía (2000), retoma el
contenido trabajado durante la clase de forma más sistemática, categorizando
algunos de los métodos de enseñanza de lenguas extranjeras.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  279


280 
6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS
Quadro Métodos de enseñanza y aprendizaje.
Teoría
Lingüística Teoría de Tipo de Papel del Papel del Papel del
Método Objetivos Programa
(concepto Aprendizaje Actividades Alumno Profesor Material
de lengua)
Sistema Memorizar y Controlar las Fonología, Diálogos, drills, Es entre- Dominador Uso frecuente
estructural formar hábitos. estructuras, los morfología repetición y nado a y contro- del laboratorio
regido por sonidos y las y sintaxis memorización. hablar en lador de los de lengua.
Audiolingual reglas y de formas de la (análisis la lengua conocimientos.
(audiovisual) organización lengua. contrastivo). extranjera.
jerárquica.

Conjunto de Memorizar y Enseñar lo Lista de estruc- Repetición, Escuchar Es como Centralización


estructuras formar hábitos. básico de turas y léxico drills. No se y repetir, un modelo. en el libro de
relacionado a las cuatro (nivelado por permite el responder a Corrige texto (bastante
Situacional situaciones. destrezas y de su dificultad error. preguntas y errores y estructurado).
la gramática. gramatical). órdenes. evalúa los
progresos.

Memorización Hacer Desarrollar Diálogos Preguntas y Actitud Crear situa- Textos, audios,
de textos sugerencias. competencia de 1200 respuestas, pasiva (los ciones para los muebles
completos. conversacional palabras dramatiza- materiales sugestionar al de la clase y
Sugestopedia rápida (estudio graduados de ciones, ejerci- deben alumno. música.
de listas de acuerdo a su cios de lectura. actuar
vocabulario gramática. sobre él).
– comprensión).
CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS
Teoría
Lingüística Teoría de Tipo de Papel del Papel del Papel del
Método Objetivos Programa
(concepto Aprendizaje Actividades Alumno Profesor Material
de lengua)
Cada lengua Aprender una Promover Gramática y Responder Proceso de Enseñar, Colores, cartas
tiene ritmo L2 es distinto de pronunciación léxico (organi- a órdenes, crecimiento evaluar, de pronuncia-
único, el una L1. y fluidez casi zación según preguntas personal desapa- ción, léxico
léxico y las nativa. la complejidad y estímulos (autonomía recer, seguir codificado por
Silencioso
estructuras son gramatical). visuales. e indepen- impasible. colores.
la clave. dencia).

Sistema Aprender una Comunicarse de Gramática Drills de Escucha y Director de Voz, acción,
estructuralista L2 es como forma natural y léxico órdenes para hace. escena (los reacción y
(gramática). aprender una con hablantes (significado). llevar a reac- alumnos son gestos.
Respuesta L1. nativos. ciones físicas. los actores).
física total

Se da más Adquisición Desarrollar Actividades Input compren- Realizar Fuente La realidad


importancia (natural y destrezas comunicativas sible. Se pone actividades de input (promoción de
al significado subconsciente). comunicativas con temas en primer lugar para la comprensible. la compren-
Directo que a la Aprendizaje básicas. conforme la el significado y comunica- Crear clima sión y de la
(natural) gramática. (consciente). necesidad de no la forma. ción real. sin ansiedad. comunicación).
los alumnos.
CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO 


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282 
6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS
Teoría
Lingüística Teoría de Tipo de Papel del Papel del Papel del
Método Objetivos Programa
(concepto Aprendizaje Actividades Alumno Profesor Material
de lengua)
La lengua es Proceso social Perseguir una No programa, Traducción, Aprendizaje Proporciona No hay libro
comunica- de la persona competencia los temas son trabajos en desar- un ambiente de texto. Los
ción, proceso en su totalidad. cercana a los sugeridos por grupo, graba- rollado en seguro para materiales son
cultural, nativos. los alumnos ciones, trans- colabora- los estudiantes formulados
educacional y y reformu- cripciones, ción con aprender y durante el
de desarrollo. lados por el reflexión, los otros crecer. curso.
Comunitario
profesor. observación, alumnos.
conversación
libre.

Expresión del Comunicación Depende de las Funciones, Compartir Negociar, Facilitador Promoción
significado real, lenguaje necesidades de estructuras, informaciones, interac- del proceso del uso
(interacción y significa- los alumnos. nociones, negociación tuar, dar y de comuni- comunicativo
comunicación). tivo y tareas temas, tareas. del significado recibir. cación y de del lenguaje
significativas. e interacción. aprendizaje. (material
Analizador auténtico y
Comunicativo
de las tareas).
necesidades.
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CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Referencias
ABADÍA, P. M. Métodos y enfoques en la enseñanza/aprendizaje del español
como lengua extranjera. Madrid: Edelsa, 2000.
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ações. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1990.
BLOOMFIELD, L. Language. Nueva York: Holt, 1933.
RICHARDS, J. C.; RODGERS, T. S. Enfoques y métodos en la enseñanza de
idiomas. Colección Cambridge de Didáctica de Lenguas. Madrid: Cambridge
University Press, 1998.
SEARLE, J. R. Os actos de fala: um ensaio de filosofia da linguagem. Coimbra:
Almedina, 1981.
SKINNER, B. F. Verbal Behavior. Nueva York: Appleton-Century-Crofts, 1957.
ZANÓN, J. Psicolingüística y didáctica de las lenguas: una aproximación histó-
rica y conceptual I. Madrid: Revista Clave 2, 1988.

Anotaciones



















UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  283


CAPÍTULO 1 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

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2
CAPÍTULO 2 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Estrategias de aprendizaje

No hay que empezar siempre por la noción primera de


las cosas que se estudian, sino por aquello que puede
facilitar el aprendizaje.
Aristóteles

Introducción
Para demarcar algunas posibles estrategias de aprendizaje que los alumnos
adoptan al aprender una lengua extranjera y analizar los tipos de alumnos exis-
tentes, necesitas observarte a ti mismo como alumno y analizar las estrategias
que utilizas para aprender y asimilar informaciones nuevas. Además, debes
intentar relacionar los métodos de enseñanza de lenguas (estudiados en la clase
anterior) a las posibles estrategias que pueden ser usadas para el aprendizaje
de la Lengua Española.
Cada uno tiene una forma propia y personal de aprender y de percibir el
mundo. Somos individuos diferentes unos de los otros, que pasamos por expe-
riencias distintas y, por eso, presentamos formaciones socioculturales específicas
y aprendemos de modos desemejantes. En las clases de E/LE podemos encontrar
diversos tipos de alumnos con vivencias propias y formas de aprendizaje perso-
nales, por eso, esta clase, busca:
• comprender qué son las estrategias para el aprendizaje de lenguas
extranjeras;
• entender qué tipo de alumnos podemos encontrar en las aulas de clase
de E/LE;
• reflexionar sobre el papel que juega la motivación en el proceso de
enseñanza y aprendizaje de E/LE;
• discutir sobre la relación profesor-alumno.
Comenzamos, entonces, por la conceptualización de estrategias de
aprendizaje.

2.1 ¿Qué son estrategias de aprendizaje?


Las estrategias de aprendizaje son todas las maniobras que hacemos para
intentar asimilar mejor el contenido que queremos aprender. De acuerdo con
Gargallo (1999, p. 38), el concepto de estrategias de aprendizaje “se refiere

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  285


CAPÍTULO 2 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

al conjunto de planes, mecanismos u operaciones mentales que el individuo que


aprende una lengua pone en marcha de forma consciente para que el proceso
de aprendizaje se efectúe y se agilice”. Los alumnos no son pasivos en el proceso
de aprendizaje. Al entrar en contacto con nuevas informaciones, son realizadas
operaciones mentales que caracterizan recursos y posibilidades para asimilar
el contenido. Consciente y, también, inconscientemente (WILLIAMS; BURDEN,
1999), utilizamos varias estrategias para aprender una LE.
Las estrategias de aprendizaje y su estudio nos llevan a la búsqueda de
“aprender a aprender” (DELORS, 2003), es decir, cuando entendemos los
recursos que pueden ser utilizados para aprender algo y nuestra forma personal
de aprender, podemos pasar a comprendernos como alumnos y aprender a utilizar
las estrategias que consideramos necesarias para nuestro propio aprendizaje.

2.1.1 Estrategias para aprender lenguas extranjeras


Son varios los estudios (ESPINET, 1997; GARGALLO, 1999; OXFORD, 1990)
sobre las estrategias de aprendizaje usadas por los discentes para aprender
una LE. De acuerdo con Baralo (1999), existen dos estrategias que suelen ser
comunes a todos los estudiantes de lenguas extranjeras, son ellas:
• reducción de la lengua que se está aprendiendo a un sistema simple
(principalmente en los primeros estadios del aprendizaje);
• hipergeneralización de las reglas a partir de las muestras de lengua que
el aprendiente entró en contacto de modo más frecuente (ej.: regulariza-
ción de la conjugación verbal).
Estas dos estrategias son recursos utilizados, inconscientemente, para intentar
facilitar el proceso de aprendizaje de una LE y “pueden dar lugar a errores que
son normales dentro del proceso de aprendizaje, que son propios del sujeto que
está en vías de construir el conocimiento interlingüístico” (BARALO, 1999, p. 49).
Oxford (1990) establece algunos caminos que el aprendiente de LE puede seguir
para desarrollar la competencia comunicativa. Estas direcciones son divididas entre
estrategias directas e indirectas, como nos muestra el siguiente recuadro.

Quadro Estrategias de aprendizaje.

ESTRATEGIAS DIRECTAS ESTRATEGIAS INDIRECTAS


De memoria Metacognitivas
1. Crear asociaciones mentales. 1. Delimitar lo que se va a aprender.
2. Asociar imágenes y sonidos. 2. Ordenar y planear lo que se va a
aprender.
3. Dar respuestas físicas.
3. Evaluar el aprendizaje analizando los
problemas y buscando soluciones.

286  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

ESTRATEGIAS DIRECTAS ESTRATEGIAS INDIRECTAS


Cognitivas Afectivas
1. Practicar los contenidos 1. Reducir la ansiedad.
comunicativos. 2. Animarse.
2. Codificar y descodificar mensajes. 3. Controlar las emociones.
3. Analizar y razonar.
4. Utilizar recursos para organizar la
información y poder utilizarla.
Compensatorias Sociales
1. Adivinar el sentido. 1. Pedir aclaraciones, verificaciones o
repeticiones.
2. Resolver problemas de comunicación.
2. Interactuar con los demás.
3. Empatizar con los demás.
Fuente: Adaptado de Gargallo (1999).

Williams y Burden (1999, p. 152) señalan otras estrategias utilizadas por


los alumnos de modo tanto consciente como inconsciente:
• repetir palabras una y otra vez;
• escuchar atentamente para distinguir palabras;
• intentar deducir las reglas de ese idioma formando hipótesis sobre su
funcionamiento;
• ensayar esas hipótesis para ver si sirven;
• examinarse a sí mismo para ver si se recuerdan palabras;
• adivinar los significados de palabras desconocidas;
• utilizar los conocimientos de las reglas del idioma para intentar hacer
frases nuevas;
• ensayar en la mente lo que se va a decir;
• practicar individualmente los sonidos del idioma;
• pedir a alguien que repita lo que ha dicho;
• simular que se comprende algo para no interrumpir la comunicación.
Todas esas acciones son estratagemas para aprender una LE y todas ellas
requieren la práctica y la reflexión sobre la lengua, además de la autoevaluación
para comprobar los resultados del aprendizaje. Cada aprendiz elige las estrate-
gias que le parecen mejor para el aprendizaje, de acuerdo con su perfil de alumno
de LE, porque cada uno hace operaciones mentales propias y personales que
condicen con su formación sociocultural. A veces una estrategia puede funcionar
bien para un individuo y para otro no, visto que hay tipos diversos de alumnos.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  287


CAPÍTULO 2 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

2.2 Tipos de alumnos


Si pretendemos promover un proceso de enseñanza y aprendizaje centrali-
zado en el alumno, es decir, ver al aprendiz como componente principal de este
proceso, tenemos, primeramente, que concienciarnos de las diferencias existentes
entre cada uno de ellos y, posteriormente, saber respetarlas y enseñarles a los otros
a que también sepan respetar las características propias que cada uno presenta.
Con relación al aprendizaje de lenguas extranjeras, se puede observar por lo
menos dos tipos de diferencias básicas entre los alumnos que podemos encontrar en
el aula. Estas diversidades y estilos de aprendizaje son expuestos a continuación.

2.2.1 Analítico y global


Estos son dos tipos diferentes de alumnos que pueden caracterizar la forma
de aprendizaje de una persona, siendo que un individuo puede presentar tanto
especificidades propias de uno de esos tipos como de los dos. Espinet (1997,
p. 19) dice que
el aprendiz analítico es aquél al que le gusta el lenguaje: analizar
sus partes, practicar estructuras,… Aquél que muchas veces no
habla si no está seguro de que lo hará con corrección. El aprendiz
global, en cambio, prefiere enfrentarse a muestras auténticas de
lengua porque es más tolerante con la ambigüedad del lenguaje;
es el tipo de alumno que encuentra tediosos los ejercicios tradicio-
nales y con frecuencia habla aunque cometa errores.

La enseñanza tradicional de lenguas favorece al alumno analítico, aunque


el alumno global suele ser el que presenta mayor facilidad para el aprendizaje
de lenguas. Sin embargo, no se debe intentar favorecer a un tipo de alumno o
a otro, sino ofrecer posibilidades para que la diversidad discente pueda desar-
rollarse en su aprendizaje.

2.2.2 Visual, auditivo y cinestésico


Los sentidos y preferencias sensoriales también pueden influir en la percep-
ción y asimilación de contenidos, en el proceso de aprendizaje de un individuo.
Espinet (1997, p. 20) dice que
algunos alumnos aprenden mejor si perciben el lenguaje auditi-
vamente, es decir, cuando se le presentan muestras orales de la
lengua; otros necesitan percibir el lenguaje visualmente, o sea,
aprenden mejor cuando se les presentan muestras escritas de la
nueva lengua. Finalmente, existen personas incapaces de perma-
necer sentadas en unos pupitres durante una o más horas y que
necesitan manipular objetos, precisan actividad física y requieren
descansos más frecuentes entre actividades. Son personas con un
estilo de aprendizaje cinestésico. (grifos de la autora).

Cada tipo de alumno formula y elige sus propias estrategias, de acuerdo con
lo que mejor se adapta a su estilo personal para aprender una LE.

288  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 2 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Pero, si el aprendiz, aunque siguiendo estrategias propias a su tipo de


alumno y a su preferencia sensorial, no encuentra razón para aprender una
LE, su aprendizaje puede ser desmotivado y su desarrollo perjudicado. En otras
palabras, la motivación en el proceso de enseñanza y aprendizaje de una LE se
hace necesaria para el éxito del alumno.

2.3 Motivación en el proceso de enseñanza y aprendizaje de E/LE


La motivación es indispensable a la hora de aprender un idioma extranjero,
porque influencia directamente en el desarrollo de este proceso. No se puede
enseñar lo que no se quiere aprender y, normalmente, no damos atención sufi-
ciente a lo que no consideramos necesario saber. Si nos encontramos motivados
a aprender una LE, suele ser más fácil y placentero este estudio.
Espinet (1997, p. 6) conceptúa la motivación como “un fenómeno complejo
que tiene varios componentes: determinación o impulso personal, necesidad de
progreso y éxito, curiosidad, deseo de nuevas experiencias etc.”. Un individuo
puede sentirse motivado por factores externos e internos, es decir, tanto elementos
externos (la relación establecida con el profesor y con los compañeros de clase,
por ejemplo) como elementos internos (la empatía por las comunidades y países
donde se usa la LE, por ejemplo). Por eso podemos afirmar que el profesor no es
el único responsable por la motivación de sus alumnos.
En las palabras de Williams y Burden (1999, p. 129), “la motivación es más
que una simple estimulación del interés. También supone el sostenimiento de ese
interés y la inversión de tiempo y energía para desarrollar el necesario esfuerzo
conducente al logro de ciertas metas”. Mantener la motivación durante todo el
curso del aprendizaje de la LE es que suele ser uno de los mayores retos del
proceso de enseñanza y aprendizaje de un idioma extranjero.
Sin embargo, no todo que puede motivar a un individuo sirve de motivación
a otra persona. Cada uno posee formas diferentes de aprender y sus intereses
se difieren, aunque algunas veces se asemejen. “Los individuos se diferencian en
lo que les motiva a aprender un idioma y lo que les lleva a seguir intentándolo
hasta que han conseguido un nivel de competencia que les satisface” (WILLIAMS;
BURDEN, 1999, p. 127).

2.4 Relación profesor-alumno


Esta relación juega un papel importante en el mantenimiento de la motiva-
ción en el proceso de enseñanza y aprendizaje de una LE. La interacción entre el
profesor y el alumno y entre los alumnos es el procedimiento educativo que suele
conducir al aprendizaje. Pero, esta interacción establece una relación y conductas
propias al profesor y a los alumnos, que pueden facilitar o dificultar el aprendizaje
del discente, puesto que la forma como el profesor y los alumnos actúan en clase
puede colaborar, o no, para el desarrollo de la enseñanza y del aprendizaje.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  289


CAPÍTULO 2 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Tradicionalmente, la relación profesor-alumno es entendida como una rela-


ción de autoridad-subordinación, esto es, el profesor es quien controla todo
el proceso de enseñanza y el alumno ocupa una posición más pasiva. Por lo
contrario, al centralizar el alumno y no la enseñanza en el proceso de aprendi-
zaje, la relación profesor-alumno pasa a seguir rumbos distintos. El profesor es
considerado un mediador entre los conocimientos y sus alumnos, su papel no es
más el de un profesional que dicta informaciones nuevas, sino de una persona
que construye y reconstruye los conocimientos con sus alumnos.
La relación profesor-alumno es algo bastante complejo, pues trabajamos con
seres humanos que son complejos por naturaleza.

2.5 Consideraciones finales


En una clase, nos encontramos con personalidades distintas que interactúan
entre sí a partir de sus propias experiencias. Por esto, las estrategias que usamos
para aprender algo no siempre son las mismas y lo que nos motiva a aprender
una LE, tampoco suele ser idéntico a lo que le motiva a otro.
En esta clase pudimos comprender que existen varios tipos de alumnos en
una clase y que cada uno realiza estrategias conscientes e inconscientes para
aprender la LE que están estudiando. También, vimos que para un aprendizaje
eficaz es importante que el aprendiz se sienta motivado y quiera, realmente,
aprender. La relación entre profesor y alumno pasa por este constante motivar y,
como observamos, debe ser de respeto mutuo.
A continuación vamos a comprender qué son las destrezas lingüísticas y la
competencia comunicativa de un hablante, reflexionando sobre la importancia
de su desarrollo en el proceso de enseñanza y aprendizaje de E/LE.

Referencias
BARALO, M. La adquisición del español como lengua extranjera. Madrid: Arco
Libros, 1999.
DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez;
Brasília: MEC/UNESCO, 2003.
ESPINET, M. D. La comunicación en la clase de español como lengua extranjera:
orientaciones didácticas y actividades. Madrid: La Factoría de Ediciones, 1997.
GARGALLO, I. S. Lingüística aplicada a la enseñanza-aprendizaje del español
como lengua extranjera. Madrid: Arco/Libros, 1999.
OXFORD, R. Language learning strategies. Rowley: Newbury House, 1990.
WILLIAMS, M.; BURDEN R. L. Psicología para profesores de idiomas: enfoque
del constructivismo social. Madrid: Cambridge University Press, 1999.

290  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


3
CAPÍTULO 3 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Las destrezas lingüísticas y la


competencia comunicativa

Recuerde que no basta con decir una cosa correcta en el


lugar correcto, es mejor todavía pensar en no decir algo
incorrecto en un momento tentador
Benjamin Franklin.

Introducción
Para demostrar la diferencia y la relación entre las destrezas lingüís-
ticas y la competencia comunicativa y aclarar la relación entre las destrezas
lingüísticas, la competencia comunicativa y la enseñanza de la lengua
española, es importante que observes las formas de comunicación entre los
seres humanos y cómo se da la interacción comunicativa entre personas con
procesos de formación sociocultural distintos. También resulta necesario que
retomes lo estudiado en las clases anteriores, principalmente la Clase uno,
que discute sobre las varias metodologías de aprendizaje de LE y sus funda-
mentaciones teóricas.

Muchos confunden las destrezas lingüísticas de un hablante con las compe-


tencias comunicativas que se puede desarrollar para una comunicación más
eficaz. Por esto, en esta clase vamos a reflexionar sobre qué son las destrezas
comunicativas de un hablante y qué es la competencia comunicativa que este
hablante puede desarrollar.

Además, vamos a pensar en el proceso de enseñanza y aprendizaje de


E/LE, incluyendo el desarrollo tanto de las destrezas como de la competencia
comunicativa.

A continuación, comenzaremos con la especificación de las destrezas lingüís­


ticas y sus componentes.

3.1 Destrezas lingüísticas


Las destrezas lingüísticas son las habilidades que el usuario de la lengua
puede demostrar en la comunicación, oral y escrita, con otras personas. Hay
cuatro destrezas que son consideradas básicas al hablante de un idioma tanto
extranjero como materno. Son ellas: hablar, oír, leer y escribir, como ilustrado
en la secuencia.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  291


CAPÍTULO 3 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Figura 1 Habilidades básicas de un hablante.

Destrezas
Lingüísticas

Hablar Leer Oír Escribir


(expresión oral) (comprensnión (expresión oral (expresión escrita)
lectora o escrita) o auditiva)

Las habilidades de oír y leer, tradicionalmente, fueron consideradas como


destrezas pasivas. Mientras las habilidades de hablar y escribir fueron conside-
radas como activas.
Sin embargo, no se puede decir que alguna de esas destrezas sea pasiva.
Cuando leemos algo nos interactuamos con el texto y hacemos relaciones con
otras experiencias, no recibimos las informaciones simplemente de modo pasivo.
Lo mismo pasa al escuchar algo, también interactuamos con lo que oímos, rela-
cionándolo a nuestras experiencias previas. Tanto lo oído como lo escrito deben
ser interpretados y esa tarea no corresponde a ninguna actitud pasiva.
Giovannini y otros (1996, p. 7) escriben que “la comprensión oral tiene por
objetivo general desarrollar la capacidad del alumno para entender el contenido de
mensajes transmitidos oralmente”. No se pretende la comprensión correcta de cada
palabra del texto oído, sino la comprensión de lo que se quiere decir, una vez que,
normalmente, oímos a diversos sonidos y escuchamos sólo lo que nos interesa.
Por su vez, la comprensión lectora busca actividades que tengan como obje-
tivo general “desarrollar la capacidad del alumno para entender el contenido de
mensajes escritos” (GIOVANNINI et al., 1996, p. 25).
Para que esta comprensión ocurra de forma más eficaz, el alumno debe
presentar conocimientos de la estructura de la lengua y de su vocabulario, cono-
cimientos socioculturales y conocimientos acerca del tema. La lectura puede ser
una actividad que se realiza individual y silenciosamente. Pero, también puede
ser realizada en grupos de lectura.
El desarrollo de la expresión oral debe buscar capacitar el alumno a expresar
sus necesidades. Por eso, las actividades para la práctica de esta destreza no
deben ser direccionadas sólo para el ejercicio de la gramática, sino también
para que el alumno pueda ser un usuario efectivo de la lengua, porque el
objetivo general de esta habilidad es “desarrollar la capacidad del alumno de
expresar oralmente el contenido de un mensaje y de mantener una conversa-
ción” (GIOVANNINI y otros, 1996, p. 49).
Por fin, es muy importante aprender a comunicarse por escrito, visto que
también podemos interactuar con los demás a través de cartas, correos elec-
trónicos, chat y otros. Aprender a escribir no es copiar el habla, pues la forma

292  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

escrita no siempre coincide con la forma hablada. Por eso, el objetivo general
de la expresión escrita “es el de desarrollar los mecanismos para que el alumno
pueda comunicarse por escrito” (GIOVANNINI y otros, 1996, p. 75).

3.2 Competencia comunicativa


Por su vez, la competencia comunicativa corresponde a la competencia que
una persona demuestra en la interacción y comunicación con los demás. Según
Vilaseca (2000, p. 14),
con el desarrollo del conocimiento de la lengua que ha tenido
lugar en las últimas tres décadas ha quedado atrás la convicción
de que únicamente con el dominio de la fonología, la morfología
y la sintaxis y un adecuado conocimiento del léxico se aseguraba
un dominio suficiente de la lengua.

Para poder hablar, leer, escribir y escuchar con mayor eficacia, se hace
necesario el desarrollo de la competencia comunicativa.
De acuerdo con Canale (1995), esta competencia se subdivide en cuatro
otras competencias, como demostrado en la figura siguiente, que agrega la
competencia gramatical o lingüística (conocimiento estructural de la lengua), la
competencia estratégica (las maniobras utilizadas durante la comunicación para
sostenerla, como paráfrasis y recursos extralingüísticos), la competencia discur-
siva (cohesión y coherencia) y la competencia sociolingüística (saber adaptar el
lenguaje al contexto de uso).

Figura 2 Áreas de conocimiento y habilidad de la competencia comunicativa.

Competencia
Comunicativa

Competencia Competencia Competencia Competencia


lingüística o estratégica discursiva sociolingüística
gramatical

Posteriormente, se percibió la necesidad de añadir otra competencia: la


social y cultural o sociocultural.
Conforme Vilaseca (2000, p. 26), “cada lengua se sitúa en un contexto
sociocultural e implica el uso de un marco de referencia particular que es en
parte diferente del que posee quien aprende una lengua extranjera”. El alumno
forma parte de un grupo sociocultural distinto de los grupos socioculturales de
la LE que aprende. Además, tenemos que ser conscientes de que el uso de la
lengua es una forma de expresión cultural. Por consiguiente, es imprescindible
un estudio pragmático de la lengua, es decir, un estudio que demuestre el uso
lingüístico en la interacción comunicativa con todas sus especificidades.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  293


CAPÍTULO 3 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Actualmente, varias investigaciones señalan otra competencia necesaria en


el proceso comunicativo: la competencia intercultural.
Cada vez más entramos en contacto con individuos pertenecientes a grupos
socioculturales distintos de los nuestros y tenemos que demostrar una postura
respetuosa frente a esas diferencias para que la relación establecida sea más
pacífica. En los términos de Vilaseca (2000, p. 32), “el concepto de compe-
tencia intercultural va más allá del concepto de competencia sociocultural […]. El
acento recae sobre el aspecto cultural de la enseñanza de la lengua. Se trata de
una cuestión de conocimiento, actitudes y destrezas”. Desarrollar la competencia
intercultural significa desarrollar valores de respeto al prójimo y tolerancia a las
diferencias. Por esto, esta competencia puede ser definida por identificar
la habilidad de una persona de actuar de forma adecuada y
flexible al enfrentarse con acciones, actitudes y expectativas
de personas de otras culturas. La adecuación y la flexibilidad
implican poseer un conocimiento de las diferencias culturales
entre la cultura extranjera y la propia; además, tener la habilidad
de poder solucionar problemas interculturales como consecuencia
de dichas diferencias. La competencia intercultural incluye la
capacidad de estabilizar la propia identidad en el proceso de
mediación entre culturas y la de ayudar a otras personas a estabi-
lizar la suya (MEYER citado por VILASECA, 2000, p. 38).
La competencia intercultural no significa abandonar la cultura propia de
cada uno para adoptar la cultura extranjera, sino concienciarse de la multicul-
turalidad en el mundo y saber adoptar una postura tolerante y respetuosa en
medio a esta complejidad de los seres humanos.

3.3 La enseñanza de español como lengua extranjera (E/LE)


La enseñanza tradicional de LE se esforzaba en el estudio de la competencia
lingüística, atribuyendo a las otras competencias un papel secundario. Actualmente,
se percibe que todas las competencias son igualmente importantes y necesarias en
el proceso de la interacción comunicativa entre los hablantes de una lengua.
En el estudio de E/LE trabajamos con una lengua viva que expresa, en su
uso, toda su complejidad ofertada por los grupos sociales a los cuales forma
parte integrante en la interacción comunicativa. En las clases de E/LE se hace
necesario percibir el mundo plural en que vivimos, introduciendo y respetando
tanto las culturas de los alumnos como las culturas extranjeras y la propia forma-
ción cultural del docente, una vez que
el objetivo de la enseñanza y el aprendizaje de una lengua extran-
jera debe ser realista en relación con lo que se puede enseñar y
aprender. El alumno tiene un bagaje cultural propio que debe ser
tenido en cuenta, ya que influye en cómo ve él la nueva cultura.
(VILASECA, 2000, p. 34).
Los conocimientos previos del alumno deben ser considerados en el proceso
de enseñanza y aprendizaje del E/LE. Además, la LE debe ser entendida en su

294  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 3 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

contexto de uso, con informaciones a los alumnos sobre elementos pragmáticos,


discursivos y socioculturales, incluso en los niveles iniciales del aprendizaje del
E/LE (COTS, 1994).

3.4 Consideraciones finales


Al usar una lengua, sea hablando, escribiendo, leyendo o escuchando,
demostramos la competencia comunicativa que hemos desarrollado.
Por consiguiente, es importante concienciarse de que cada competencia se
interrelaciona entre sí, puesto que en la interacción comunicativa hacemos uso
de cada una no de forma aislada, sino como un conjunto de saberes necesarios
para el desenvolver de una comunicación.
El uso lingüístico es un reflejo de la cultura. Consecuentemente, en la
enseñanza de lenguas, se debe demostrar esta relación entre lengua y cultura,
con el objetivo de evitar malentendidos durante una interacción comunicativa.
Estudiamos la diferencia entre las destrezas lingüísticas y la competencia
lingüística de un hablante. Además de establecer una relación entre esas habili-
dades y las competencias con la enseñanza de E/LE.
Vamos a profundizarnos un poco más en los estudios sobre los encuentros
interculturales, detallando algunas de las posturas comunes que adoptamos al
entrar en contacto con individuos con formaciones socioculturales diferentes de
la nuestra. También, trabajaremos el término reflexión crítica y su relación con la
formación de profesores de LE y con la práctica de este docente.

Referencias
CANALE, M. De la competencia comunicativa a la pedagogía comunicativa del
lenguaje. In: LLOVERA et al. Competencia comunicativa. Madrid: Edelsa, 1995.
COTS, J. M. Un enfoque sociopragmático en la enseñanza de una lengua extran-
jera. Madrid: Signos, 1994.
GIOVANNINI, A. et al. Profesor en acción 3: destrezas. Colección investigación
didáctica. Madri: Edelsa, 1996.
VILASECA, À. O. Hacia la competencia intercultural en el aprendizaje de una
lengua extranjera. Madrid: Edinumen, 2000.

Anotaciones



UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  295


CAPÍTULO 3 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

296  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


4
CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

La interculturalidad y
la reflexión crítica

Cuando existe respeto por uno mismo y por los demás; la


comunicación se hace más fácil.
Rooder Fifighti

Introducción
Para discutir sobre las nuevas tendencias para el estudio de lenguas extran-
jeras y indicar la reflexión crítica como una posibilidad para el desarrollo de
la autonomía discente en el proceso de enseñanza y aprendizaje de idiomas,
debes regresar a la clase anterior y retomar los estudios sobre la competencia
comunicativa. Además, resulta importante que leas los siguientes artículos que
pueden ser encontrados en Internet:
1. CASAL, I. I. Construyendo la competencia intercultural: sobre creencias,
conocimientos y destrezas. Disponible en: <http://www.aulaintercul-
tural.org/article.php3?id_article=316>;
2. CASAL, I. I. Diversidad cultural en el aula de E/LE: la interculturalidad
como desafío y como provocación. Disponible en: <http://www.ucm.
es/info/especulo/ele/intercul.html>.
A partir de la lectura de estos artículos, podrás comprender mejor algunos
conceptos que serán trabajados, en esta clase, como el de interculturalidad.
También, será posible observar la importancia de la inclusión de aspectos cultu-
rales en el aula de E/LE.
La preocupación con la enseñanza de lenguas extranjeras se intensificó más
con la constante aproximación entre grupos socioculturales distintos, sea por
razones comerciales, bélicas u otras. En consecuencia, fueron formulados varios
métodos de enseñanza (ver la clase uno) que llevaban en cuenta el contacto con
miembros de culturas extranjeras, aunque este acercamiento no siempre se diera
de forma armónica.
Sin embargo, conviene conceptualizar el término cultura antes de seguir con
los estudios de esta clase.

4.1 ¿Qué es cultura?


Cada área del conocimiento humano tiene una definición propia del vocablo
cultura.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  297


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

La estética, o concepción humanista, considera que la cultura “se acrecienta


en la medida que se eleva hacia las manifestaciones más altas del espíritu y la
creatividad humana en las bellas artes” (MILLÁN, 2006, p. 3). Este concepto
corresponde a la cultura musical, del teatro, de la literatura, de la pintura, de la
escultura, del cine y de las artes en general, lo que lo deja incompleto por consi-
derar sólo la llamada cultura clásica o cultura con C mayúscula. Contraponiéndose
con la cultura con c minúsculo o cultura popular (MIQUEL; SANS, 1992).
Millán (2006, p. 4-5) dice que para la antropología, el término cultura
está ligado a la apreciación y análisis de elementos tales como
valores, costumbres, normas, estilos de vida, formas, o imple-
mentos materiales, la organización social, etc. (…) aprecia el
presente mirando hacia el pasado que le dio forma, porque cual-
quiera de los elementos de la cultura nombrados, provienen de
las tradiciones del pasado, con sus mitos y leyendas y sus costum-
bres de tiempos lejanos.

Podemos observar variedades culturales específicas, como las culturas de un


país, de un determinado grupo social o, incluso, de un individuo, percibiendo los
valores, las costumbres y los modos de vida de cada uno. Que son originarios
de experiencias anteriores.
Ya el concepto de cultura para la sociología busca la apreciación del
momento presente con relación al futuro de la sociedad, porque “la cultura es
una construcción del ser humano, un mapa mental de significado, un guía de
comportamiento que hace el mundo inteligible […]. La cultura define nuestras
relaciones con los otros miembros de la sociedad” (RODRÍGUEZ, 2002, p. 12).
El psicoanálisis, “entiende la cultura como una manera de estar en el mundo,
una forma de desarrollar la identidad cultural y presta más atención al individuo
que a la colectividad” (RODRÍGUEZ, 2002, p. 12).
Conforme Miquel (1997, p. 3), para la Lingüística, “la cultura – cualquier
cultura – es una convención, resultado de la suma de otras convenciones (lingüís­
ticas, rituales, simbólicas, de comportamiento)”. En resumen, la cultura es “el
comportamiento en que se basa la comunicación y, por tanto, interlocutores de
similar formación cultural participan en una comunicación más simple, rápida y
completa que interlocutores de culturas diferentes” (RODRÍGUEZ, 2002, p. 12).
La concepción de cultura que consideramos más completa es la de la semió-
tica. Geertz (1989, p. 103) dice que
el concepto de cultura al cual me atento no posee referencias
múltiples ni cualquier ambigüedad fuera de lo común, según me
parece: él denota un patrón de significados transmitido históri-
camente, incorporado en símbolos, un sistema de concepciones
heredadas expresas en formas simbólicas por medio de las cuales
los hombres comunican, perpetúan y desarrollan su conocimiento
y sus actividades con relación a la vida.

298  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

En la semiótica, la cultura pasa a ser considerada como un enmarañado de


significados denotados por los símbolos a cada individuo que la interpreta.
La cultura es mutable y dinámica al paso histórico y a cada relación inter-
personal. Además, cada persona presenta una formación sociocultural única, es
decir, no existen dos o más personas con formaciones socioculturales idénticas.
Cuando vamos a aprender sobre la cultura extranjera, tenemos que llevar en
consideración que el contexto sociocultural es bastante complejo y los elementos
culturales que percibimos (los que están expuestos) son inferiores a los que no
vemos (los que están ocultos, esto es, los internos). Es lo que nos demuestra la
ilustración siguiente, en que la cultura, término esencialmente plural, es presen-
tada en forma de icebergs, puesto que lo que se manifiesta (lo visible a nuestros
ojos) se refiere solamente a una punta, a la parte menor del iceberg. Mientras lo
que no aparece y que constituye la base de la formación cultural de un individuo
es la parte mayor y que difícilmente puede ser observada.

Figura 1 La analogía del iceberg de la cultura.

Cultura externa

Aprendido explicitamente
Comportamiento Comportamiento Consciente
Seguramente se transforma

Creencias Creencias Cultura interna


Aprendido implicitamente
Valores y Valores y Inconsciente
patrones de patrones de Dificuldade para mudar
pensamiento pensamiento

Fuente: Morgan (2001, p. 238).

El comportamiento forma parte de la cultura externa que es aprendida al


observar la actuación de las personas en situaciones y contextos distintos. La
cultura interna, por su vez, guarda las creencias, valores y patrones de pensa-
miento de cada ser humano, que le son propios e individuales.
El contacto intercultural puede transformar la cultura interna de una persona
que, en consecuencia, puede expresar este cambio de actitud a través de la
cultura externa. Por eso, nos hace necesario entender qué son encuentros inter-
culturales y qué posturas solemos y/o deberíamos adoptar en estos encuentros.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  299


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

4.2 Encuentros interculturales


Estos encuentros ocurren a cada instante en que personas con formaciones
socioculturales distintas entran en contacto unas con las otras. Estos individuos
pueden pertenecer a países diferentes o, incluso, a una misma región o grupo
social, ya que cada uno de nosotros construimos nuestros conocimientos sociocul-
turales de acuerdo con la visión particular de mundo que tenemos. Y, como vivimos
en un mundo globalizado, los encuentros interculturales con miembros de otros
países se intensifican cada vez más. La lengua española, por ejemplo, está cada
vez más presente en nuestras vidas, a través de las canciones, de las noticias en el
telediario, de las telenovelas, de la Internet y otros medios de comunicación.
Sin embargo, estos encuentros no son siempre armónicos, al contrario, es
común que haya choques culturales, es decir, conflictos y fallos comunicativos.
Conforme Oberg citado por Casal (2004, p. 7), en encuentros interculturales,
la causa del choque cultural entre individuos en la interacción comunicativa es
la ansiedad que resulta de la pérdida de todo signo, símbolo o señal
que conocemos para llevar a cabo la interacción social. Estos signos
símbolos y señales incluyen las múltiples formas en las que nos orien-
tamos en las situaciones de la vida diaria: cuándo debemos estre-
char la mano y qué debemos decir al saludar a las personas, cuándo
y cómo dar la propina, (…) cuándo acepta y cuándo rechazar una
invitación, cuándo debemos bromear y cuándo debemos hablar en
forma seria. Estas señales pueden ser palabras o gestos expresivos
adquiridos durante el periodo de nuestra socialización. Son parte
de nuestra cultura, como lo es nuestro lenguaje y creencias.

Estos signos, símbolos y señales son compartidos entre los miembros de un


grupo sociocultural y, si no seguidos, pueden provocar extrañamiento y fallos en
la comunicación, en otras palabras, un choque cultural.
El acercamiento a la cultura extranjera suele provocar diversas conductas
entre las personas que participan de este encuentro. Las posturas consideradas
prototípicas (CASAL, 1999 y 2006) son la etnocentrista, la relativista y la inter-
cultural, que son presentadas a continuación.

4.2.1 Posturas etnocéntrica, relativista e intercultural


El etnocentrismo es considerado una postura negativa, porque se refiere
a “una visión del mundo en que nuestro propio grupo es tomado como centro
de todo y todos los otros son tomados y sentidos a través de nuestros valores,
nuestros modelos, nuestras definiciones de qué es la existencia” (ROCHA, 2003,
p. 7). Adoptar una postura etnocéntrica es sentir la propia cultura como la
mejor y las demás como extrañas, curiosas, en fin, inferiores a la del etnocén-
trico. Esta es la postura más común al ser humano en encuentros interculturales.
Nosotros solemos ser etnocéntricos cuando entramos en contacto con hechos dife-
rentes a los que estamos acostumbrados. Por ejemplo, al saber que el guacamole

300  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

es una comida mexicana hecha con aguacate, sal, pimienta, limón y tomate,
normalmente presentamos sentimientos y actitudes de superioridad y aversión,
pensando que nuestra comida es mejor y que aguacate se come con leche y
azúcar en las vitaminas. Así, por veces rechazamos el contacto y la convivencia
con lo desconocido, con lo diferente.
El relativismo cultural propone que se conozca las culturas ajenas para que
se establezca una relación igualitaria entre culturas distintas. Pero, no promueve
el encuentro intercultural. Cada cultura es reconocida, se busca el respeto, la
tolerancia y la comprensión entre culturas, pero cada cual debe permanecer en
su respecto lugar. Ya que no se propone el encuentro intercultural, el relativismo
puede ofrecer tres riesgos (CASAL, 1999, p. 16):
• Guetización o separación: en que no existe ningún interés en
hacer contacto con las otras culturas.
• Romantismo: crea una imagen deturpada de lo real, haciendo
que las culturas del otro sean vistas de forma exagerada-
mente positiva, perdiendo el sentido crítico de análisis y
observación.
• Conservadorismo: transmite la idea de que es necesario
conservar las culturas y, por esto, lo mejor es que ellas no se
mesclen, que no entren en contacto unas con las otras.

La postura intercultural corresponde al desarrollo de la competencia inter-


cultural y va más allá del relativismo, porque busca el encuentro intercultural,
basado en respeto y en la comprensión.
Sin embargo, los seres humanos somos bastante complejos, conflictitos y
contradictorios de naturaleza. Adoptar una postura intercultural no es fácil y
debe ser aprendida. Bennett (1993, p. 21) dice que
la sensibilidad intercultural no es natural. Ella no forma parte de
nuestro pasado primario, ni caracterizó la mayoría de la historia
humana. El contacto intercultural normalmente fue marcado por
matanza, opresión o genocidio. La continuación de este patrón en
el mundo actual de interdependencia […] por poco no es inmoral o
improductiva – es autodestructiva. Aún buscando un modo diferente,
nosotros no heredamos ningún modelo de la historia para guiarnos.

Históricamente tenemos ejemplos de posturas etnocéntricas entre los seres


humanos. Esta conducta provocó, incluso, algunas acciones bélicas entre países.
Por eso, necesitamos desarrollar y ejercitar cada vez más nuestra sensibilidad inter-
cultural, lo que nos exige mayor reflexión sobre el mundo plural en que vivimos.

4.3 El profesor como un profesional reflexivo


Pensar es una característica específica de los seres humanos y los profesores,
como seres humanos que son, también se utilizan de ese atributo. Sin embargo,
la expresión profesor reflexivo indica un movimiento teórico que se estableció

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  301


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

desde inicios de los años noventa, en la comprensión del trabajo del profesor
(PIMENTA, 2005). Los estudios sobre la formación de profesores de LE destaca
dos tipos de reflexión que se puede ejercer en la actuación docente: la reflexión
práctica y la reflexión crítica.

4.3.1 Reflexión práctica


Schön (1998) es un estudioso que intentó construir un currículo que pudiera
formar profesionales reflexivos, capaces de repensar su práctica profesional.
Para esto fueron clasificadas cuatro acciones, que buscan el ejercicio de la refle-
xión durante la actuación profesional y están ilustradas a continuación:

Figura 2 Las cuatro acciones del profesor reflexivo de Schön

Conocimiento demonstrado en el momento


Conocimiento de la práctica, es decir, son los saberes que
en la acción orientan a los profesores durante la acción
en aula de clase.

Es realizada durante la propia acción y


puede promover la reformulación de lo que
Reflexión en la
se está haciendo (si lo considera necesario)
acción
para adaptarse a las nuevas situaciones
Acciones
que van surgiendo.
(Schön,
1998)
Se refiere a la reflexión pos-clase, cuando
Reflexión sobre se analisan los acontecimientos y los signifi-
la acción cados atribuidos a las acciones realizadas
en aula de clase.

Es una meta-reflexión, que corresponde al


Reflexión sobre
desarrollo de nuevos raciocinios, nuevas
la reflexión en
formas de pensar, comprender, actuar y
la acción
buscar soluciones para los problemas.

La reflexión propuesta por Schön es considerada una reflexión práctica,


pues las acciones reflexivas se relacionan únicamente al momento de la práctica,
como si este instante estuviera aislado de su contexto.
Los estudios de Schön son criticados justamente por la reflexión propuesta
ser considerada inmediatista, individualista y reduccionista (PIMENTA, 2005).
Se propone que la reflexión suceda en el mismo momento de la práctica.
El profesor, por ejemplo, al dar su clase puede percibir que algo salió de

302  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

lo planeado, entonces su actitud debe ser la de repensar sus acciones para


reformular su práctica simultáneamente al procedimiento de la clase. Por
eso, la reflexión práctica es considerada inmediatista y criticada porque,
así, no lleva en consideración los factores externos a la clase. Es también
individualista, pues la reflexión ocurre de forma aislada, es decir, el docente
no comparte sus experiencias con los demás, su desarrollo profesional es
individual y no colectivo. Y reduccionista, porque se reduce al momento de
la actuación docente.
Nombramos este movimiento reflexivo como práctico justamente porque la
preocupación mayor es con la propia actuación profesional. Los elementos que
la contextualizan y la influencia no son considerados, lo que pasa a ser cuestio-
nado dando comienzo al movimiento reflexivo crítico.

4.3.2 Reflexión crítica


La reflexión es mucho más que un mero pensamiento sobre determinado
asunto, ella tiene un compromiso crítico (KEMMIS, 1985), ya que corresponde
a un proceso de análisis de factores sociales, culturales, políticos, históricos,
económicos y otros que influencian, consciente o inconscientemente, en la prác-
tica docente.
Profesores y alumnos deben reflexionar críticamente sobre el proceso de
enseñanza y aprendizaje y sobre todos los factores que lo influencian directa e
indirectamente; cuestionándose a sí mismos y cuestionando sus prácticas a fin
de conocerse y buscar la transformación de lo que se considera necesario para
la mejoría educacional. Esta transformación debe siempre ser buscada, porque
no existe perfección y tenemos que, por lo menos, intentar buscar mejorar tanto
la práctica docente como la postura discente. Por esto, la reflexión crítica se
configura como un posible camino para la transformación. Además, parece más
fácil transformar cuando tenemos consciencia de los procesos socioculturales,
políticos, económicos, históricos y geográficos que nos influyen, pues pasamos
a demostrar una visión más general de nuestro alrededor que puede ejercer
influencia en nuestras escojas.
Ofrecer momentos reflexivos antes, durante o después de las clases, entre
alumnos, entre profesores o entre alumnos y profesores (o, incluso, entre otros
miembros de la comunidad escolar, como: padres, madres, directores, coordina-
dores, personal de la limpieza y de la merienda, etc.) es muy importante para
el desarrollo no sólo de los alumnos y profesores, sino también para toda la
comunidad escolar y extraescolar, puesto que tienden a posibilitar la reconstruc-
ción colaborativa de una práctica social que objetiva el crecimiento de todos. La
opción por una postura crítica y reflexiva suele hacer que alumnos y profesores
dejen de ser pasivos, con relación a los procesos de enseñanza y aprendizaje,
demostrando una actitud más crítica, consciente y autónoma.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  303


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

González y Fernández (2005, p. 48) dicen que


los objetivos a ser establecidos para la enseñanza de lengua
española [...] deben contemplar la reflexión – seria y profunda –
en todos los ámbitos, en especial sobre lo “extranjero” y sus (inter)
relaciones con lo “nacional”, de forma a tornar (más) conscientes
las nociones de ciudadanía, de identidad, de plurilingüismo y de
multiculturalismo, conceptos estos relacionados tanto a la lengua
materna como a la lengua extranjera. Para tanto, es necesario
llevar en cuenta no sólo la lengua extranjera, sino, también, la
realidad local/regional donde se da su enseñanza.

La lengua extranjera es un medio para que ocurra la interrelación personal.


Por eso, la reflexión crítica en los procesos de enseñanza y aprendizaje de E/
LE requiere, también, intentar comprender las representaciones socioculturales
propias y ajenas, ya que el contacto entre individuos de formaciones sociocultu-
rales distintas suele conducir a actitudes diferenciadas (e, incluso, prejuiciosas).

4.4 Consideraciones finales


En los procesos de enseñanza y aprendizaje de E/LE, debemos, como profe-
sores, ser mediadores entre las culturas expuestas en las clases y las culturas
hispánicas.
Es esencial que el alumno sea llevado a reflexionar críticamente sobre las
culturas extranjeras y sus propias culturas, a fin de conocerse a sí mismos y a los
otros para establecer relaciones interculturales.
Reflexionamos sobre la importancia de ejercitar la postura intercultural en las
situaciones de encuentros interculturales. Además, discutimos sobre la formación
reflexiva y crítica de los profesores de LE, en especial, de los docentes de E/LE.
Aprender una LE no necesita ser un proceso espinoso y las actividades lúdicas
son una posibilidad para dejar este aprendizaje más placentero y agradable. A
continuación, vamos a comprender cómo lo lúdico puede auxiliar en el proceso
de enseñanza y aprendizaje de E/LE.

Referencias
CASAL, I. I. Comunicación intercultural y enseñanza de lenguas extranjeras:
hacia la superación del etnocentrismo. Boletín de ASELE, n. 21, 1999.
______. Construyendo la competencia intercultural: sobre creencias, conoci-
mientos y destrezas. Disponible en: <http://www.aulaintercultural.org\article.
php3id-article=316>. Accedido el: 23 mayo 2004.
______. Diversidad cultural en el aula de E/LE: la interculturalidad como desafío
y como provocación. Disponible en: <http://www.ucm.es/info/especulo/ele/
intercul.html>. Accedido el: 20 feb. 2006.

304  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

MILLÁN, T. R. A. Para comprender el concepto de cultura. Disponible en: <http://


members.tripod.co.uk/tomaustin/ant/cultura.htm>. Accedido el: 6 jun. 2006.
MIQUEL, L. Lengua y cultura desde una perspectiva pragmática: algunos ejemplos
aplicados al español. In: Revista Frecuencia, n. 5, julio. Madrid: Edinumem, 1997.
MIQUEL, L.; SANS, N. El componente cultural: un ingrediente más de las clases
de lengua. In: Cable, n. 9, abril. Barcelona: Difusión, 1992.
MORGAN, C. M. Encuentros interculturales. In: BYRAM, M.; FLEMING, M.
Perspectivas interculturales en el aprendizaje de idiomas: enfoques a través del
teatro y la etnografía. Madrid: Cambridge University Press, 2001.
PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.;
GHEDIN, E. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São
Paulo: Cortez, 2005.
ROCHA, E. P. G. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Primeiros
passos)
RODRÍGUEZ, M. F. C. La enseñanza de la cultura en el aula. In: RODRÍGUEZ, M.
F. C. La enseñanza de la cultura en la clase de español de los negocios. Madrid:
Arco Libros, 2002.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino
e a aprendizagem. Porto Alegre: Artimed Editora, 1998.

Anotaciones















UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  305


CAPÍTULO 4 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

306  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


5
CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Lo lúdico en la
enseñanza de lenguas

Nada más serio en el mundo que un niño riendo y


jugando.
Richard

Introducción
Para estudiar sobre la presencia de lo lúdico en clases de lengua extranjera
y presentar propuestas de actividades lúdicas para la enseñanza y aprendizaje
del español y sus literaturas, conviene que retomes lo estudiado en las clases
anteriores, principalmente a lo que se refiere a las destrezas lingüísticas y a
la competencia comunicativa de un individuo. Este repaso puede ayudarte a
comprender mejor esta clase y a percibir los métodos, estrategias, destrezas y
competencias utilizadas en cada actividad lúdica.
Desde niños aprendemos a jugar y aprendemos con los juegos. El ejercicio de
estas actividades lúdicas es natural entre los seres humanos y puede resultar en impor-
tantes estrategias para auxiliar a profesores y a alumnos en el proceso de enseñanza
y aprendizaje. Según Salvat (2008), el juego está presente en la especie humana y
existen en las más variadas formas de expresión cultural. Para este investigador,
el juego fue introducido en la escuela como algo más que un
entretenimiento o una diversión, los educadores intuyeron algo
que muchos años después ha sido corroborado por numerosas
investigaciones: los juegos tienen un potencial educativo impor-
tante. Pero el valor de los juegos no es sólo su factor motivacional
sino que a través del juego se puede aprender, se pueden desar-
rollar destrezas, habilidades, estrategias (SALVAT, 2008, p. 1).

Sin embargo, es necesario que se incluya el juego en las clases de E/LE con
objetivos definidos y preestablecidos, pues jugar por jugar lo hacemos en casa
entre los amigos.

5.1 Motivación en el proceso de enseñanza y aprendizaje de E/LE


Cuando queremos aprender algo, normalmente nos esforzamos más y, conse-
cuentemente, pasa a ser mayor la probabilidad de que ese aprendizaje se concretice.
El concepto de motivación en el aprendizaje ha sufrido varios cambios
conforme el desarrollo de los estudios psicológicos. A partir de las teorías conduc-
tistas, por ejemplo, la motivación humana para aprender algo “se explicaba en

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  307


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

función de las necesidades biológicas que se satisfacían durante los primeros


años de aprendizaje y el tipo de recompensa o refuerzo que se ofrecía en los
primeros intentos por aprender” (WILLIAMS; BURDEN, 1999, p. 120). En las
clases de idiomas es común que el profesor intente motivar a sus alumnos con
prácticas conductistas, buscando la motivación a través tanto de elogios como
de premios.
Sin embargo, lo que le motiva a uno no siempre le motiva a otro. Cada indi-
viduo expresa un tipo de motivación diferenciada de los demás a pesar de que la
motivación también sea “objeto de influencias sociales y contextua­les” (WILLIAMS;
BURDEN, 1999, p. 128). El contexto sociocultural en que se encuentra el indi-
viduo, corrientemente, ejerce influencia sobre sus gustos, creencias y escojas.
Es tarea del profesor intentar estimular el interés de los alumnos por la asig-
natura que imparte, a través de actividades y actitudes que les parecen signifi-
cativas a los discentes. Pero, la motivación del aprendiente para el aprendizaje
de lenguas extranjeras no depende sólo del profesor. El alumno forma parte
esencial en la creación y en el mantenimiento motivacional durante el proceso
de enseñanza y aprendizaje.
Las personas poden recibir motivaciones en grados diversos, tanto a nivel
interno como a nivel externo, es decir, factores externos al individuo, como la
influencia de otras personas, y factores internos, como los propios sentimientos,
pueden motivar positiva o negativamente el alumno en el proceso educacional.
Williams y Burden (1999, p. 128) dicen que
la motivación se puede representar como un estado de activación
cognitiva y emocional, que produce una decisión consciente de
actuar y que da lugar a un periodo de esfuerzo intelectual y/o
físico sostenido, con el fin de lograr una meta o metas previa-
mente establecidas.

Las actividades lúdicas son una posibilidad para el desarrollo y mantenimiento


de la motivación durante las clases y en todo proceso de enseñanza y aprendizaje.

5.2 Materiales para la enseñanza y el aprendizaje de E/LE


Son varios los tipos de materiales que se puede utilizar, en las clases de
español, y sus usos varían de acuerdo con los objetivos establecidos para el
desarrollo de la clase.
Entre estos materiales, hay, por lo menos, dos tipos más conocidos:
los manua­les didácticos y los materiales auténticos. A continuación vamos a
comprender a qué se refiere cada uno de ellos.

5.2.1 Manuales didácticos


También llamados libros didácticos, los manuales son obras elaboradas
específicamente para la enseñanza y el aprendizaje de una asignatura. Existen

308  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

manuales con métodos y enfoques distintos, que serán analizados con mayores
detalles en otro momento.
En Brasil, contamos con algunas editoriales que publican materiales de E/LE, como
manuales, libros literarios, cintas de audio, vídeos y otros. Además de poder contar,
también, con producciones extranjeras, siendo la mayoría producida en España.

5.2.2 Materiales auténticos


Este tipo de material corresponde a aquellos materiales elaborados por una
cultura y que no presentan, como primer objetivo, la enseñanza. Espinet (1997,
p. 46) dice que “llamamos material auténtico a aquellos materiales que no han
sido diseñados expresamente para el aprendizaje de una lengua extranjera y
que por lo tanto pueden despertar el interés del alumnado gracias a su condición
de material de uso cotidiano”.
Como ejemplos de materiales auténticos, tenemos: las revistas, los folletos
de supermercado u otros, las canciones, los periódicos, las películas, los comics,
los chistes, los programas televisivos y radiofónicos y otros. Materiales estos que
pueden ayudar en la motivación de los alumnos para el aprendizaje de E/LE, pues
ejemplifican el uso lingüístico a través medios de comunicación diversificados.
Muchas actividades lúdicas son realizadas con el uso de materiales auténticos.
Sin embargo, es importante resaltar que la autenticidad de estos materiales es veraz
cuando son utilizados dentro de una cultura. Mientras, cuando usados pedagógica-
mente, pierden su carácter de autenticidad y pasan a ser materiales didácticos.

5.2.3 La Internet en las clases de E/LE


Los materiales auténticos, también, pueden ser accedidos a través de la
Internet. Existen revistas y periódicos on-line, con noticias recientes, viñetas, acti-
vidades, juegos y fotos, por ejemplo, que posibilitan una gama de materiales que,
bien explotados, tienden a motivar el proceso de enseñanza y aprendizaje.
Pero, no todos estos materiales son fiables, puesto que algunos documentos
encontrados en Internet poseen incorrecciones lingüísticas o, incluso, falsas infor-
maciones. Lo esencial es que busquemos fuentes más íntegras y sepamos selec-
cionar lo que encontramos, buscando la veracidad de los hechos.

5.3 Práctica de las destrezas lingüísticas y de las competencias


comunicativas a través de lo lúdico
A través de las actividades lúdicas, podemos ejercitar las destrezas lingüís-
ticas de un hablante, puesto que los juegos traen la posibilidad de practicar las
comprensiones auditiva y escrita y las expresiones oral y escrita.
Además, las competencias que forman parte de la llamada competencia
comunicativa de un hablante, también pueden ser explotadas y ejercitadas por
medio de lo lúdico.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  309


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

En la siguiente sección, demostramos algunos posibles juegos que pueden


ser practicados en clases de E/LE y exponemos las habilidades y competencias
que pueden ser trabajadas en estas respectivas actividades.

5.3.1 Actividades lúdicas


En esta sección seleccionamos algunas actividades lúdicas que pueden ser
utilizadas en clases de E/LE. Vamos a presentarlas y demostrar el desarrollo de
las destrezas y competencias que cada juego destaca.
a) Jugando con el alfabeto (COSTA; MARRA, 1995, p. 11)

Destrezas: comprensión lectora y auditiva, expresión oral.


Competencias: lingüística.
Nivel: inicial.
Material: tarjetas con palabras.
Objetivo: practicar el alfabeto y la correspondencia sonidos/grafía.

Desarrollo

Los alumnos son separados en dos grandes equipos. Cada equipo recibe
una lista de diez palabras (las tarjetas). Decidido el equipo que empezará el
juego, el primer jugador deletrea una de las palabras de la lista para uno de
los jugadores del otro equipo, que deberá escribir la palabra en la pizarra,
pronunciarla en voz alta e intentar descifrar su significado. Enseguida, el
equipo del jugador que escribió la palabra en la pizarra pasa a deletrear
una de las palabras de su lista. Se sigue así hasta que las palabras de las
dos listas hayan sido todas deletreadas.

Sugerencias

• Se puede atribuir puntuación para los aciertos y los equívocos de los


alumnos durante el juego.

• Además, también se puede pedirles a los alumnos que ellos mismos, en


sus equipos, preparen una lista de palabras para su grupo, con la ayuda
del diccionario.

b) No vale decir que no (COSTA; MARRA, 1995, p. 57)

Destrezas: todas.
Competencias: todas.
Nivel: intermedio.
cartas de baraja de un único palo (oros, bastos, copas o
Material:
espadas).
fomentar la comunicación verbal y llevar a la desinhibición
Objetivo:
y al conocimiento del grupo.

310  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Desarrollo
Éste es un juego de preguntas y respuestas en el cual los participantes no pueden
negarse a realizar la tarea que les corresponde. Se organiza el aula con los
alumnos sentados en círculo. Cada carta de la baraja debe corresponder a una
tarea a ser realizada por los alumnos. Cada uno retira su carta y espera que le
sea revelada la tarea que debe cumplir. El primer jugador muestra su carta a
todos y el profesor le indica la tarea que le corresponde y que debe realizar. El
juego sigue con la presentación de las cartas, la revelación de la tarea corres-
pondiente y su ejecución por el alumno. Algunos posibles ejemplos de tareas son:
• As de oros: relata lo realizado en las últimas vacaciones. Señala una
anécdota divertida de este período.
• Dos de oros: si pudieras comenzar de nuevo este año, ¿qué cosas volve-
rías a vivir tal como las viviste y cuáles tratarías de hacer de nuevo?
• Tres de oros: mira a los presentes. Seguramente hay alguien frente a
quien sientes la necesidad de decirle algo o pedirle algo que jamás te
animaste a hacer. Hazlo ahora.
• Cuatro de oros: eres el director de la película “Blancanieves y los siete
enanitos”. Elige entre los participantes del juego, incluyéndote a ti, a
todos los personajes de la película y di por qué.
• Cinco de oros: pide a todos los jugadores que te definan con una sola
palabra. Después dirás con cuáles de estas palabras te sientes verdade-
ramente identificado y por qué.
• Seis de oros: cuenta un chiste o canta una canción conocida.
• Siete de oros: el participante de tu izquierda te va a decir un tema a
partir del cual deberás improvisar un monólogo de un minuto.
• Ocho de oros: toma un texto al azar y lee en voz alta diez líneas también
tomadas al azar para decir luego qué sentiste al leerlo y qué ideas se te
han ocurrido a partir de él.
• Nueve de oros: nombra a tres personas a las que admiras, cuenta qué
cosas de ellas ejercen algún atractivo en ti ¿por qué?
• Diez de oros: conoces los llamados “pecados capitales”: gula, envidia,
pereza, soberbia, avaricia, lujuria, ira. Di qué relaciones tienes con
cada uno de ellos.
• Sota de oros: si no hubieras nacido en tu país de origen, ¿en qué país
te hubiera gustado nacer?
• Caballo de oros: durante un minuto seguido, sin parar de hablar, inten-
tarás explicar las razones que te indujeron a aprender español.
• Rey de oros: durante un minuto deberás imitar a los siguientes perso-
najes: un periodista televisivo y un sindicalista.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  311


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

c) La carta

Destrezas: todas.
Competencias: todas.
Nivel: intermedio y avanzado
Material: sobres direccionados a los alumnos y la letra de una canción.
trabajar la interacción en lengua española en contextos
Objetivo:
significativos de comunicación.

Desarrollo
El profesor selecciona una canción romántica y la transforma en el formato
de una carta, omitiendo los versos repetidos, añadiendo la fecha del día de
la clase y una despedida, como ejemplificamos con la canción “Mi historia
entre tus dedos”, cantada por Gianluca, en la secuencia:

Viernes, 8 de febrero de 2008


Cariño,
Yo pienso que no son tan inútiles las noches que te di. Te
marchas y ¿qué? Yo no intento discutírtelo. Lo sabes y lo sé.
Al menos quédate sólo esta noche, prometo no tocarte. ¡Estás
segura! Hay veces que me voy sintiendo solo, porque conozco
esta sonrisa tan definitiva, tu sonrisa que a mí mismo me abrió
tu paraíso. Se dice que con cada hombre hay una como tú,
pero mi sitio luego ocuparás con alguno igual que yo o mejor,
lo dudo… ¿Por qué esta vez agachas la mirada? Me pides
que sigamos siendo amigos, ¿amigos para qué? ¡Maldita sea!
A un amigo lo perdono, pero a ti te amo. Pueden parecer ba-
nales mis instintos naturales.
Hay una cosa que no te he dicho aún: que mis problemas se
llaman tú. Sólo por eso tú me ves hacerme el duro, para sentir-
me un poquito más seguro. Y si no quieres ni decir en qué he
fallado, recuerda que también a ti te he perdonado, en cam-
bio tú vives diciendo: “no te quiero” y te me vas… Nuestra his-
toria entre tus dedos. ¿Qué vas a hacer? ¿Buscar una excusa
y luego marcharse? Porque de mí no debieras preocuparte, no
debes provocarme, que yo te escribiré un par de canciones,
tratando de ocultar mis emociones, pensando, pero poco, en
las palabras. Te hablaré de la sonrisa tan definitiva, tu sonrisa
que a mí mismo me abrió tu paraíso.
¡Te quiero mucho!

Las cartas preparadas deben ser puestas dentro de un sobre direccionado a


cada alumno. Durante la clase, cada alumno recibirá su carta correspondiente

312  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

y la podrá leer tranquilamente. Después, el profesor les pide que contesten la


carta. Escrita la respuesta a la carta, el profesor les revela a los alumnos que se
trataba de una canción y les pone la misma para escuchar. Para terminar, los
alumnos tienen la oportunidad de leer las repuestas que le han dado, anterior-
mente, a la supuesta carta recibida.

5.4 Consideraciones finales


El aprendizaje eficaz, tanto de una LE como de cualquier otra asignatura,
depende, en una gran parte, de la motivación que el aprendiz siente durante
este proceso. El uso de materiales auténticos y de actividades lúdicas son medios
para intentar alcanzar un grado motivacional necesario al desarrollo del apren-
dizaje por el aprendiente, porque tienden a promover más interacción entre los
alumnos, el profesor y la lengua que se está estudiando.
Sin embargo, es importante recordar que lo que le motiva a uno no siempre
es factor determinante para motivar a otro, es decir, un juego o un material
auténtico seleccionado por el profesor puede ayudar en la motivación de algunos
alumnos y en la de otros no. Lo importante es arriesgarse, buscando actividades
y materiales variados para que podamos intentar abarcar, de modo más general,
nuestro grupo de estudiantes.
Tuvimos la oportunidad de entender la relación entre actividades lúdicas y
las clases de E/LE. También, aprendimos algunos posibles juegos que posibilitan
la práctica tanto de las destrezas lingüísticas (hablar, leer, oír y escribir) como
de la competencia comunicativa (estratégica, lingüística, sociolingüística, discur-
siva, sociocultural e intercultural).
Puedes encontrar otras sugerencias de actividades lúdicas en las siguientes
direcciones electrónicas:
• <http://www.cvc.cervantes.es/ensenanza/default.htm>
• <http://www.cvc.cervantes.es/aula/didactired/default.htm>
• <http://www.cvc.cervantes.es/aula/quijote_aula/default.htm>
• <http://www.cvc.cervantes.es/aula/lecturas/default.htm>
• <http://personal.telefonica.terra.es/web/poesiainfantil/transformar.htm>
La enseñanza de E/LE cuenta con algunos documentos que la fundamentan,
como la Ley n. 11.161, el Marco Común Europeo y las Orientaciones Curriculares
para la enseñanza secundaria. A seguir, vamos a estudiar estos documentos.

Referencias
COSTA, A. L. E. S.; MARRA, P. A. Juegos para la clase de español como lengua
extranjera. Madrid: La Factoría de Ediciones, 1995.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  313


CAPÍTULO 5 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

DELGADO, M. I. M. Mar adentro: una propuesta didáctica en la clase de ELE.


Disponible en: <http://www.mec.es/redele/revista4/mena.shtml>. Accedido
el: 27 feb. 2008.
ESPINET, M. D. La comunicación en la clase de español como lengua extran-
jera: orientaciones didácticas y actividades. Madrid: La Factoría de Ediciones,
1997.
GORDILLO, C. R. Diseño de actividades lúdicas para la clase de E/LE sobre
tebeos españoles con material de Internet. Disponible en: <http://www.ub.es/
filhis/culturele/rojastebeos.html>. Accedido el: 27 feb. 2008.
SALVAT, B. G. La dimensión socioeducativa de los videojuegos. Disponible en:
<http://www.uib.es/depart/gte/gte/edutec-e/Revelec12/gros.html>. Accedido
el: 19 feb. 2008.
WILLIAMS, M.; BURDEN, R. L. Psicología para profesores de idiomas. Madrid:
Cambridge University Press, 1999.

Anotaciones




















314  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


6
CAPÍTULO 6 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Documentos que basan


la enseñanza de E/LE

El amor como principio, el orden como base, el progreso


como fin.
Auguste Comte

Introducción
Para comentar la Ley n. 11.161 de la obligatoriedad de la enseñanza del
español en lo secundario y analizar el Marco Común Europeo de Referencia
para las Lenguas, consulta la dirección <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_
Ato2004-2006/2005/Lei/L11161.htm> que presenta la Ley n. 11.161 sobre
la obligatoriedad de la lengua española en el currículo de la enseñanza secun-
daria. También puedes acceder el sitio <http://cvc.cervantes.es/obref/marco/>
y bajar, en archivo pdf, el documento del Marco Común Europeo. Además, acce-
diendo a <portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>,
puedes bajar, en archivo pdf, las orientaciones curriculares para la enseñanza
secundaria (PCN) del Ministerio de Educación y Cultura de Brasil (MEC). En las
Orientaciones hay una parte específica para los conocimientos de español.
La enseñanza de E/LE se fundamenta en diversas investigaciones que gene-
raron importantes documentos, como: la Ley n. 11.161 que determina la obli-
gatoriedad de la lengua española en el currículo de la enseñanza secundaria
en Brasil, el Marco Común Europeo de Referencia para las Lenguas: aprendi-
zaje, enseñanza, evaluación que es el resultado de investigaciones del Consejo
de Europa y las Orientaciones Curriculares para la Enseñanza Secundaria que
orienta y sugiere a los profesores posibilidades para el desarrollo del proceso de
enseñanza y aprendizaje de E/LE en Brasil, ya que es un documento elaborado
a partir del Ministerio de Educación y Cultura de Brasil (MEC).
En esta clase, vamos a estudiar qué dice la Ley n. 11.161 y qué nos indica el
Marco Común Europeo. El estudio más detallado y específico de las Orientaciones
Curriculares de MEC se encuentra en la clase siguiente.

6.1 La Ley n. 11.161


Esta ley fue decretada por el Congreso Nacional de Brasil y sancionada, el
5 de agosto de 2005, por el presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Está constituida
por siete artículos que tratan específicamente sobre la enseñanza de la lengua
española en Brasil.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  315


CAPÍTULO 6 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

A partir de este documento, el español pasa a ser una disciplina de oferta


obligatoria, en las escuelas brasileñas, para los alumnos de la enseñanza secun-
daria y de oferta facultativa a los alumnos de la enseñanza fundamental, siendo
que el plazo establecido para atender a esta ley es el de cinco años, es decir,
hasta el 2010.

6.2 El Marco Común Europeo


Este documento fue preparado por el Ministerio de Educación, Cultura y
Deporte europeo y forma parte del proyecto general de política lingüística del
Consejo de Europa.
En líneas generales, su objetivo es unificar y elaborar directrices para el
proceso de enseñanza y aprendizaje de lenguas extranjeras. Por tanto, trata
sobre cuestiones relativas al enfoque, uso lingüístico, currículo, evaluación y
otros que trataremos a continuación.

6.2.1 Enfoque
De acuerdo con el Marco Común Europeo, el enfoque a ser adoptado en la
enseñanza de idiomas extranjeros,
en sentido general, se centra en la acción en la medida en que
considera a los usuarios y alumnos que aprenden una lengua
principalmente como agentes sociales, es decir, como miembros
de una sociedad que tiene tareas (no sólo relacionadas con la
lengua) que llevar a cabo en una serie determinada de circuns-
tancias, en un entorno específico y dentro de un campo de acción
concreto. (MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA Y DEPORTE,
2002, p. 9).

Es decir, este enfoque debe considerar el ser humano como miembro actu-
ante de un grupo social. Para esto, es necesario un trabajo que busque el desar-
rollo de competencias comunicativas y habilidades lingüísticas, que posibiliten la
actuación del individuo en la sociedad.
Además, debemos llevar en cuenta y tener consciencia de los diferentes
contextos y situaciones comunicativas, en los cuales podemos nos encontrar, ya
que estos entornos ejercen influencia en la conducta lingüística.

6.2.2 Niveles
Cada estadio del estudio de la lengua extranjera representa un nivel de
desarrollo lingüístico en que el aprendiente se ubica y “por lo que respeta a la
gradación, se puede establecer una distinción importante entre la definición de
niveles de dominio de la lengua, como en una escala de niveles comunes de refe-
rencia, y la evaluación de grados de aprovechamiento en relación con un obje-
tivo de un nivel concreto” (MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA Y DEPORTE,
2002, p. 43). El nivel corresponde al dominio presentado de la lengua y al

316  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 6 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

desarrollo y aprovechamiento del estudio, de acuerdo con los objetivos preesta-


blecidos para cada nivel de enseñanza.

6.2.3 Uso de la lengua y el alumno


La comunicación verbal debe ser comprendida holísticamente, es decir,
englobando todos sus elementos y características, como lo lingüístico y lo extra-
lingüístico, las culturas, las relaciones sociales y otros.
En el proceso de enseñanza y aprendizaje de lenguas, el estudiante debe
pasar a ser un usuario de la lengua que estudia.
Sin embargo, es importante concienciarse de que el aprendiente
de una lengua y de su correspondiente cultura, ya sea segunda
lengua o lengua extranjera, no deja de ser competente en su
lengua y cultura maternas; así como tampoco esta nueva compe-
tencia se mantiene separada totalmente de la antigua. El alumno
no adquiere dos formas de actuar y de comunicarse distintas
y que no se relacionan, sino que se convierte en plurilingüe y
desarrolla una interculturalidad (MINISTERIO DE EDUCACIÓN
CULTURA Y DEPORTE, 2002, p. 47).

El objetivo es que el estudiante se sensibilice por las diferencias e intente, no


sustituir una forma de actuar por otra, sino reforzar su propia identidad cultural
y respetar las identidades culturales ajenas.

6.2.4 Competencias
Según el Marco Común Europeo, “todas las competencias humanas contri-
buyen de una forma u otra a la capacidad comunicativa del usuario, y se
pueden considerar aspectos de la competencia comunicativa” (MINISTERIO DE
EDUCACIÓN CULTURA Y DEPORTE, 2002, p. 99).
En la enseñanza y aprendizaje de lenguas, se debe intentar desarrollar
competencias para la comunicación, como: competencias estratégicas, lingüís-
ticas, discursivas, sociolingüísticas, socioculturales e interculturales.
El conocimiento de mundo que el discente trae al aula, también, debe ser
llevado en consideración durante el aprendizaje que va desarrollando sobre las
formas de ver y actuar en el mundo, pertenecientes a otros grupos socioculturales.
Además, es importante que la autonomía discente sea provocada y estimulada
al aprender una lengua y culturas extranjeras, porque así el estudiante puede inde-
pendizarse en sus estudios, no dependiendo únicamente de la figura docente.

6.2.5 Proceso de enseñanza y aprendizaje de E/LE


La enseñanza y el aprendizaje de idiomas deben basarse en las necesi-
dades de los discentes y en sus objetivos en los estudios. Conforme el Marco
Común Europeo,

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  317


CAPÍTULO 6 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

las afirmaciones respecto a los fines y a los objetivos del aprendi-


zaje y de la enseñanza de lenguas deberían fundamentarse en la
apreciación de las necesidades de los alumnos y de la sociedad,
en las tareas, en las actividades y en los procesos lingüísticos que
los alumnos tienen que llevar a cabo para satisfacer esas nece-
sidades, y en las competencias y estrategias que deben desar-
rollar para conseguirlo (MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA
Y DEPORTE, 2002, p. 129).

Para eso, los docentes “deberían darse cuenta de que sus acciones, […],
son una parte muy importante de la situación de aprendizaje o de la adquisi-
ción de una lengua. Sus acciones constituyen modelos que los alumnos pueden
seguir en su uso posterior de la lengua y en su práctica como futuros profesores”
(MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA Y DEPORTE, 2002, p. 142).
El profesor de LE, como usuario de la lengua que enseña, muchas veces,
sirve como un modelo de hablante a sus alumnos, lo que puede ejercer una gran
influencia en sus actitudes, las actitudes de los aprendices, como hablantes.

6.2.6 Tareas
Son actividades comunicativas que buscan promover la construcción o
reconstrucción de los conocimientos en ámbito comunitario. En otras palabras,
“las tareas de aula, bien reflejen el uso de la <<vida real>>, bien sean de
carácter esencialmente <<pedagógico>>, son comunicativas, ya que exigen
que los alumnos comprendan, negocien y expresen significados, con el fin de
alcanzar un objetivo comunicativo” (MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA Y
DEPORTE, 2002, p. 156).
La negociación de significados es esencial tanto en la comunicación como
en el aprendizaje de idiomas, pues implica a los participantes, buscando un
consenso sobre la evolución comunicativa y didáctico-pedagógica y, posible-
mente, resultando en mayor autonomía en el aprendizaje.

6.2.7 Currículo
Corresponde a la estructuración de un curso, en nuestro caso, de E/LE. Sin
embargo, no podemos olvidarnos de que el aprendizaje no ocurre sólo en las
instituciones educativas (contexto formal de aprendizaje), sino también en casa,
con los amigos, con la familia, en el trabajo, en un paseo y otros (contexto
informal de aprendizaje).
El Marco Común Europeo “acepta la idea de que el currículo educativo no
queda limitado al centro escolar y no finaliza en él, supone aceptar también que
la competencia plurilingüe y pluricultural puede iniciarse antes de la escuela
y continuar su desarrollo fuera del centro escolar en formas paralelas a su
desarrollo en la escuela” (MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA Y DEPORTE,
2002, p. 173).

318  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 6 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

6.2.8 Evaluación
Se defiende una evaluación continua que analice el desarrollo discente
durante todo el curso. Los conceptos fundamentales para la realización de esta
evaluación son: validez (si el constructo teórico es correspondiente a lo traba-
jado en clase), fiabilidad (precisión de las decisiones) y viabilidad (si la evalua-
ción es viable).
En lenguas extranjeras, es necesario tanto desarrollar las cuatro destrezas
lingüísticas básicas de un hablante (hablar, leer, oír y escribir) como evaluarlas.
Así como debemos analizar la evolución de las competencias comunicativas
presentadas por el estudiante, durante el curso del aprendizaje de este idioma.

6.3 Los Parámetros Curriculares Nacionales


Ahora nombrados Orientaciones Curriculares para la Enseñanza Secundaria,
se componen de tres libros: Ciencias de la naturaleza, matemáticas y sus tecnolo-
gías, Ciencias humanas y sus tecnologías, Lenguajes, códigos y sus tecnologías.
El ejemplar que nos toca es este último que orienta el proceso de enseñanza y
aprendizaje de las asignaturas relacionadas al arte, a la educación física, a las
lenguas extranjeras, al español de forma específica, a la lengua portuguesa y
a las literaturas. Sin embargo, tratamos de este documento, con mayor especifi-
cidad, en la clase siguiente.

6.4 Consideraciones finales


El proceso de enseñanza y aprendizaje de E/LE, además de presentar base
teórico-científica, también está reglamentado por una ley que lo asegura en los
currículos de la enseñanza secundaria brasileña. Por consiguiente, en los nuevos
Parámetros Curriculares Nacionales de MEC, hay un capítulo específico para la
enseñanza de la lengua española.
Conocimos algunos de los documentos que reglamentan y orientan la
enseñanza de E/LE en Brasil y en el mundo. Estos documentos son: el Marco Común
Europeo, la Ley brasileña n. 11.161 y los Parámetros Curriculares Nacionales.
Siendo que este último aparece con más detalles en la clase siguiente.
Vamos a dedicarnos exclusivamente al estudio de las Orientaciones
Curriculares para la enseñanza secundaria, elaborada por el Ministerio de
Educación y Cultura Brasileño.

Referencia
MINISTERIO DE EDUCACIÓN CULTURA Y DEPORTE. Marco Común Europeo
de Referencia para las Lenguas: aprendizaje, enseñanza, evaluación. Madrid:
Anaya, 2002.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  319


CAPÍTULO 6 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Anotaciones


































320  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


7
Orientaciones curriculares
CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

para la enseñanza de
español y sus literaturas

La mejor estructura no garantizará los resultados ni el ren-


dimiento. Pero la estructura equivocada es una garantía
de fracaso.
Peter Drucker

Introducción
Para estudiar los Parámetros Curriculares Nacionales específicos para la
enseñanza del español y reflexionar sobre la enseñanza de la lengua española,
retoma lo estudiado en la clase anterior y relee los documentos sobre la Ley n.
11.161 y el Marco Común Europeo. En especial, ten en manos las Orientaciones
Curriculares de MEC relativas a los conocimientos sobre español que pueden ser
encontradas, en archivo pdf, a partir de la siguiente dirección: <portal.mec.gov.
br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>.

En esta clase, vamos a estudiar uno de los principales documentos para


la enseñanza de la lengua española en las escuelas brasileñas de enseñanza
secundaria. Sin embargo, a pesar de especificarse con relación a lo secun-
dario, las orientaciones también pueden y deben ser consideradas en la
enseñanza fundamental.

Como ya hemos comentado en la clase anterior, los Parámetros Curriculares


Nacionales, conocidos por PCN, recibieron, en su última versión, el nombre
Orientaciones Curriculares para la Enseñanza Secundaria.

Este documento fue elaborado por el Ministerio de Educación y Cultura


brasileño (MEC), que, también, es responsable por su distribución y disemina-
ción entre las escuelas de nivel secundario en Brasil. Siendo que su última versión
fue publicada en 2006 y cuenta con un capítulo sobre los conocimientos de
lengua extranjera y otro capítulo más dedicado, específicamente, al proceso de
enseñanza y aprendizaje de E/LE.

7.1 Orientaciones curriculares para la enseñanza secundaria


de E/LE
De acuerdo con los autores de este documento, estas orientaciones no
tienen el objetivo de presentar una propuesta cerrada, con secuencia de conte-
nidos, actividades, enfoques y soluciones a los retos del trabajo del docente

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  321


CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

de E/LE. Al contrario, es más bien una reflexión pautada sobre cuestiones


referentes a la práctica del profesor de E/LE y al proceso de enseñanza y
aprendizaje que se podría buscar desarrollar, en las escuelas de nivel secun-
dario, en Brasil.

Por la proximidad entre la lengua española y la lengua portuguesa, algunos


consideran el español como un idioma fácil que no necesita ser estudiado. Sin
embargo, la globalización y el Tratado de Mercosur atribuyeron mayor destaque
a la lengua española en Brasil, ampliando sus horizontes de posibilidades y
necesidades educacionales:
la “lengua fácil”, “lengua que no se necesita estudiar” (hablas
que circulan por el censo común), ganan un nuevo lugar y un
nuevo estatuto a partir de la firma del Tratado de Mercosur,
pasa a ocupar nuevos y más amplios espacios, se convierte en
objeto de atenciones, preocupaciones y proyecciones cuanto a
su alcance, su éxito y sus consecuencias, por parte de varios
segmentos de la sociedad, sea en el ámbito de los negocios,
en el ámbito educativo, académico, político, y en el discurso
de la imprenta, que a veces se muestra favorable, otras veces
contraria, otras reticente, pero raramente indiferente a esa nueva
situación (BRASIL, 2006, p. 128).

En este documento, la enseñanza de lenguas extranjeras es vista de forma


más amplia, no siendo comprendida simplemente como una asignatura más en
el currículo de la enseñanza secundaria brasileña. Entre sus atribuciones está
la de intentar “interferir positivamente en la relación que los estudiantes brasi-
leños guardan con la propia lengua, en especial con la escrita”. (BRASIL, 2006,
p.  133). En otras palabras, buscar “llevar el estudiante a verse y constituirse
como sujeto a partir del contacto y de la exposición al otro, a la diferencia, al
reconocimiento de la diversidad” (BRASIL, 2006, p. 133).

Con relación a la enseñanza y al aprendizaje de E/LE y a lo expuesto


anteriormente, resulta importante comprender la multiculturalidad existente en el
mundo y, en especial, la que constituye el llamado mundo hispánico.

7.1.1 Complejidad del mundo hispánico


Existen 22 países que poseen la lengua española como idioma oficial
(Guatemala, México, Costa Rica, Puerto Rico, Cuba, República Dominicana,
El Salvador, Nicaragua, Panamá, Venezuela, Colombia, Perú, Ecuador, Chile,
Paraguay, Uruguay, Argentina, España, Filipinas, Honduras, Bolivia, Guinea
Ecuatorial) y otros países más, como los Estados Unidos, donde el español es
bastante utilizado, pero no presenta el carácter de lengua oficial.

También podemos observar casos de países como Filipinas, ubicada en el


continente asiático, en que la lengua española es una de sus lenguas oficiales,
así como el inglés y el filipino, pero está desapareciendo.

322  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Toda esta diversidad geográfica y cultural implica, también, en la diver-


sidad comunicacional y, por consiguiente, en las variedades lingüísticas. Pero,
es importante tener consciencia de que son 22 (veintidós) países que tienen el
español como lengua oficial, mas no son sólo 22 (veintidós) realidades sociocul-
turales presentes en el mundo hispánico. Cada grupo sociocultural se organiza
de acuerdo con sus convenciones y costumbres; y el habla es una de las formas
de expresión de estas culturas. Por eso, está marcado por elementos lingüísticos
característicos del grupo sociocultural a que pertenece.

7.1.2 Variedades lingüísticas del español


Como constantemente convivimos con las diferencias, sea de forma armo-
niosa o no, y como el lenguaje puede funcionar como un vehículo de expresión
de esas distinciones, a través de los diferentes modos del uso lingüístico, es decir,
de la existencia de múltiples variedades lingüísticas, surgen algunas dudas con
relación a la enseñanza y al aprendizaje de E/LE:
• qué variedad los profesores deben enseñar;
• qué variedades los alumnos deben aprender;
• qué variedad está presente en el manual didáctico adoptado.
Independiente de la variedad lingüística utilizada por el profesor y por el
manual didáctico, creemos que el estudiante debe concienciarse de que vive
en un mundo multicultural y, por tanto, debe aprender a convivir armoniosa-
mente con las diferencias, desarrollando y ejercitando una postura intercultural
en momentos de encuentros entre personas pertenecientes a culturas distintas.
En otras palabras, los profesores no deben enseñar una variedad específica
en detrimento de las otras. Tampoco hay una variedad específica que el alumno
debe aprender. Y la variedad presentada en el manual didáctico, si diferente de
la utilizada por el profesor, debe servir como una posibilidad para ilustrar las
distinciones lingüísticas existentes en el mundo hispánico.

7.1.3 Enseñanza y aprendizaje de lenguas próximas


La lengua portuguesa y la lengua española son consideradas lenguas próximas,
porque provienen del mismo origen lingüístico (el latín vulgar) y por compartir parte
de su léxico. Esto, muchas veces, provoca en los estudiantes brasileños la sensa-
ción de que aprender español es fácil. Según las Orientaciones Curriculares,
la promesa de facilidad que la Lengua Española trae inicialmente
a los aprendientes brasileños se ve muy rápidamente frustrada,
y es bastante común que estudiantes pasen de una expectativa
­positiva con relación a la rapidez del aprendizaje del Español
para una etapa que puede ir de la desconfianza y miedo a
la conclusión de imposibilidad que lleva a grandes índices de
desistencia (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO y SECRETARIA DE
EDUCAÇÃO BÁSICA, 2006, p. 140).

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  323


CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

Saiba mais

Las variedades lingüísticas pueden ser percibidas por medio de varios ele-
mentos, como: la pronuncia, el léxico, la estructura de las oraciones, la
preferencia vocabular, las jergas y argotes y otros.

Nuestra dificultad es que la cercanía entre la lengua materna (portugués) y


la lengua extranjera (español) puede conducir a mezclas entre los dos idiomas,
configurando en la formación de una lengua exótica que no resulta ni en portu-
gués y tampoco en español. Estamos hablando sobre el fenómeno titulado
como portuñol.

El portuñol es una interlengua que debe ser comprendida como un proceso


natural del aprendizaje de la lengua española por parte de hablantes de la
lengua portuguesa. El problema que puede advenir del uso de esa mezcla es el
de mantenerse y contentarse con el portuñol, no buscando desarrollarse más en
el estudio del idioma español.

La lengua materna, sin duda, ejerce un papel bastante importante en el


aprendizaje de una lengua extranjera, puesto que es el modelo de lengua
que se tiene como base para llegar a aprender otro idioma. Sin embargo,
la influencia de la lengua materna en el idioma que se aprende puede llevar
a mezclas entre ambas lenguas. Por eso, hay que tener cuidado para saber
separar los dos idiomas, en las diversas situaciones comunicativas en que
podemos encontrarnos.

7.1.4 Objetivos y contenidos que deberían ser llevados en cuenta en


la enseñanza del español
Uno de los retos principales en la enseñanza de E/LE es establecer una
comunicación intercultural entre individuos con formaciones socioculturales
distintas, ya que aprender una lengua supone aprender y entrar en contacto con
las costumbres, creencias y valores de los pueblos que utilizan esta lengua como
vehículo de comunicación y interacción.

Conocer las culturas ajenas es importante en el aprendizaje de una lengua


extranjera, pero la pretensión no debe ser la de adoptar los puntos de vista
extranjeros en lugar de los propios que forman la identidad de cada uno. Este
conocimiento debe tener como objetivo la comprensión del otro para el estableci-
miento de encuentros interculturales más pacíficos. Por esto, “es necesario llevar
en cuenta no sólo la lengua extranjera, pero, también, la realidad local/regional
donde se da su enseñanza” (BRASIL, 2006, p. 149).

324  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

De acuerdo con las Orientaciones Curriculares, el currículo de E/LE en la


enseñanza secundaria podría proporcionar a los aprendientes algunas refle-
xiones acerca de
• políticas: formas de governo, estruturas governamentais, rela-
ções de poder e de soberania, direito a voto, representações
partidárias, etc.;
• econômicas: poder aquisitivo, orçamento – público, privado
e pessoal –, estratégias de publicidade e consumo, recursos
agrícolas e industriais, mercado de trabalho etc.;
• educação: sistema educativo, estrutura educacional, inclusão/
exclu­são (social e étnica), função política e social da educação
etc.;
• sociais: habitação, escalas e representações sociais, saúde,
segurança, transportes etc.;
• esportes: valorização e prestígio social, fins da sua prática
(profissional, econômico, prazer, saúde...), locais de reali-
zação, custos etc.;
• lazer: opções em função de fatores econômicos, educacionais
e sociais;
• informação: papel da imprensa, confiabilidade, acesso à
informação, meios de divulgação da informação (jornais,
revistas, rádio, televisão, Internet) etc.;
• línguas e linguagens: questões relativas a políticas lingüís-
ticas, à diversidade de línguas presentes nos diversos países,
às línguas indígenas, ao seu reconhecimento e preservação,
ao papel da língua estudada na formação do estudante, na
história e na sociedade contemporânea (questões globais e
locais), no processo de globalização; aos efeitos da globa-
lização sobre as línguas e linguagens etc. (BRASIL, 2006,
p. 149-150).

También, conforme las Orientaciones Curriculares, otros aspectos a ser


considerados en la enseñanza de lengua española, en el nivel secundario, son
el desarrollo de:

• la competencia (inter)pluricultural

• la competencia comunicativa

• la comprensión oral

• la producción oral

• la comprensión lectora

• la producción escrita

Estas competencias y destrezas se interrelacionan y se completan, por eso


no deben ser entendidas como puntos a ser trabajados aisladamente durante el
curso de E/LE.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  325


CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

7.2 Consideraciones finales


No hay, y tampoco puede existir, una receta para un proceso eficaz de
enseñanza y aprendizaje de E/LE o de cualquier otra asignatura del currículo de
la enseñanza secundaria o fundamental.
Los varios métodos y enfoques investigados tienen como objetivo auxiliar
el profesor en su actuación profesional. No podemos menospreciar ninguno de
ellos, puesto que cada uno trajo, y puede seguir trayendo su contribución, de
acuerdo con los objetivos propuestos por el docente en cada una de sus activi-
dades planteadas para la clase.

Referencia
BRASIL Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações
curriculares para o ensino médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
Brasília, 2006.

Anotaciones




















326  6º PERÍODO • LETRAS • UNITINS


CAPÍTULO 7 • ABORDAGENS METODOLÓGICAS DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA ESPANHOLA E RESPECTIVAS LITERATURAS

ANEJO

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 11.161, DE 5 DE AGOSTO DE 2005.
Dispõe sobre o ensino da língua espanhola.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola
e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente,
nos currículos plenos do ensino médio.
§ 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco
anos, a partir da implantação desta Lei.
§ 2o É facultada a inclusão da língua espanhola nos currículos plenos do
ensino fundamental de 5a a 8a séries.
Art. 2o A oferta da língua espanhola pelas redes públicas de ensino deverá
ser feita no horário regular de aula dos alunos.
Art. 3o Os sistemas públicos de ensino implantarão Centros de Ensino de
Língua Estrangeira, cuja programação incluirá, necessariamente, a oferta
de língua espanhola.
Art. 4o A rede privada poderá tornar disponível esta oferta por meio de
diferentes estratégias que incluam desde aulas convencionais no horário
normal dos alunos até a matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua
Moderna.
Art. 5o Os Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal emitirão
as normas necessárias à execução desta Lei, de acordo com as condições
e peculiaridades de cada unidade federada.
Art. 6o A União, no âmbito da política nacional de educação, estimulará e
apoiará os sistemas estaduais e do Distrito Federal na execução desta Lei.
Art. 7o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília, 5 de agosto de 2005; 184o da Independência e 117o da Repú-
blica.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Fernando Haddad
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2005.

UNITINS • LETRAS • 6º PERÍODO  327


Créditos

EQUIPE UNITINS
Organização de Conteúdos Acadêmicos Rodrigo Barbosa e Silva
Revisão Linguístico-Textual Ivan Cupertino Dutra
Revisão Didático-Editorial Silvéria Aparecida Basniak Schier
Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva
Revisão Digital Leyciane Lima Oliveira
Vladimir Alencastro Feitosa
Projeto Gráfico Katia Gomes da Silva
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Capas Rogério Adriano Ferreira da Silva

Equipe EADCON
Coordenador Editorial William Marlos da Costa
Assistentes de Edição Cristiane Marthendal de Oliveira
Jaqueline Nascimento
Lisiane Marcele dos Santos
Silvia Milena Bernsdorf
Thaisa Socher
Programação Visual e Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues
Bruna Maria Cantador
Denise Pires Pierin
Kátia Cristina Oliveira dos Santos
Sandro Niemicz
Prezado estudante,
A avaliação é uma das grandes áreas da educação.
No ambiente escolar, a avaliação sofre inúmeras críticas, tanto dos que
passam pelos efeitos do seu processo, quanto dos que a executam. São alunos
e professores queixando-se da sua estrutura, dos seus instrumentos, da abor-

Apresentação
dagem destacada etc.
No meio desse campo minado, faz-se necessário refletir sobre o modo
como a avaliação se apresenta no processo de ensino e aprendizagem.
No transcorrer dos capítulos, apresentaremos as concepções e as funções
da avaliação, ficando sempre atentos à visão educacional à qual ela está
relacionada. Também mostraremos a articulação que deve ocorrer com o
planejamento executado pelo professor.
A avaliação não pode mais ser concebida como um simples mecanismo,
descontextualizado de todo processo de ensino e aprendizagem, cujo obje-
tivo é classificar o aluno para determinar se ele será aprovado ou reprovado
ao fim de um determinado período.
A finalidade da avaliação, para o professor nos tempos atuais, tempos
de uma educação com tendências progressistas, é conhecer o aluno, cons-
tatar o que está sendo aprendido e adequar o trabalho em sala de aula, a
partir do julgamento global do processo pedagógico.
O foco da avaliação não fica restrito à aprendizagem do aluno. Avaliamos
para melhorar, não é mesmo? Assim a escola, como um todo, precisa se trans-
formar e romper as barreiras em busca de um sistema educacional e, por
consequência, avaliativo, de qualidade.
Bons estudos!
Prof. Rodrigo Barbosa e Silva
1
CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Concepções de avaliação

Introdução
Vamos estabelecer um diálogo com aqueles que estão ao nosso lado?
Pois bem, discuta com algum colega ou grupo de estudantes da classe sobre a
concepção pessoal a respeito da avaliação no processo de ensino-aprendizagem.
Fazer tal reflexão será importante, pois, além de permitir que você conheça a
concepção de seus colegas (você verá que há diferentes opiniões, diferentes
modos de conceber e interpretar a avaliação no contexto escolar), permitirá que
você faça uma contraposição dessas concepções com as que serão apresen-
tadas neste capítulo e, a partir delas, possa firmar sua própria concepção sobre
a avaliação e suas funções no processo de ensino-aprendizagem. Além disso,
acreditamos que esse procedimento facilitará a elaboração de uma leitura mais
crítica em relação à avaliação na instituição escolar.
Antes de focarmos nossas atenções na avaliação, acreditamos que seja
necessário contextualizar o meio no qual ela está inserida, ou seja, é preciso
falar sobre o processo ensino-aprendizagem.
Muito embora seja comum relacionarmos esse processo ao cotidiano escolar,
de modo geral, estamos sempre aprendendo por meio de diferentes atividades
que realizamos ao longo de nossas vidas. Não é somente na escola que apren-
demos. Bonilla (2005, p. 79) afirma que
[...] é fundamental entendermos a educação de forma mais
abrangente, para além do espaço escolar, pois todo ser humano,
desde o nascimento até a morte, está em permanente processo
de aprendizagem e subjetivação, quer seja no mundo cultural
em que vive, quer seja nos distintos espaços sociais e linguísticos
por onde transita – família, grupos de iguais, escola, trabalho,
movimentos sociais, poder público – ou ainda ao longo de seu
processo de singularização.

Como foi possível observar na citação, a aprendizagem é um processo em


que incorporamos novos padrões, novos costumes, novas formas de perceber
a vida, de agir diante dos problemas, de pensar diante das diferentes situa-
ções encontradas no cotidiano em que vivemos. Com essa perspectiva, podemos
afirmar que a aprendizagem preconiza uma relação cognitiva entre o sujeito e
o objeto de conhecimento.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  333


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

A cognição é um fazer, uma prática, uma ação. O processo cognitivo tam-


bém é um processo mental, um processo de conhecimento em que a cog-
nição inclui atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação,
pensamento e discurso.

Esse objeto de conhecimento pode ser aqui entendido como o mundo em que
vivemos. Desse modo, o sujeito age sobre o mundo com o intuito de apropriá-lo,
transformá-lo. Porém sofre uma reação imediata, o que provoca alterações nas
suas estruturas cognitivas, no seu modo de pensar e de ser. Esse processo, na
verdade, é um processo de aprendizagem no qual o homem vai se formando a
cada nova experiência em sua vida. As relações cotidianas, que estabelecemos
em diferentes lugares e que colaboram com a nossa formação, compreendem
aquilo que, atualmente, faz parte de dois processos educativos diferenciados: o
da educação informal e o da educação não formal.

Na educação não formal, existe uma intencionalidade dos sujeitos em criar


ou buscar determinadas qualidades e/ou objetivos. A informal decorre de
processos espontâneos ou naturais, ainda que seja carregada de valores e
representações (GOHN, 1999).
Na educação não formal, por sua vez, há clara a proposta de criar um
ambiente educativo com a finalidade de formar as pessoas que participam
de tal processo. Entretanto vale logo destacar que esse ambiente não se
relaciona à escola que conhecemos, com estrutura, horários, normas e pro-
cedimentos.
A educação informal é aquela em que não há uma intencionalidade explí-
cita em educar o outro.
Diariamente, participamos de relações sociais e sequer percebemos que
estamos nos educando e educando aquele que está ao nosso lado. São
processos espontâneos, informais que, mesmo que estejam carregados de
valores e representações, não têm o objetivo explícito de estabelecer uma
prática educativa. A educação informal perpassa toda caminhada de vida
do ser humano e se apresenta de maneira não organizada.

Embutida nesse contexto em que acontecem tais alterações está a avalia­


­ção, uma atividade constante na prática de diferentes profissionais em diversas

334  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

áreas. Um exemplo simples são as indústrias que estão sempre avaliando não
apenas o controle de qualidade dos seus produtos, mas também sua acei-
tação no mercado.
No entanto nosso interesse aqui é a educação formal, ou seja, a educação
escolar, aquela vivenciada principalmente no ambiente escolar. A função primeira
da escola é o ensino. A escola é o local que melhor exemplifica a dinâmica da
educação formal pela qual os homens passam. Ela colabora para a formação de
sujeitos sociais. É ela a instituição responsável pela sistematização dos conheci-
mentos historicamente construídos pela humanidade.
Neste capítulo, analisaremos o que é avaliação, quais são as concepções e
as funções de avaliação.

1.1 Conceitos e concepções de avaliação


Na escola, o ensino-aprendizagem não se dá de modo mecânico, acontece
devido ao encontro entre professor e aluno, cuja relação possibilita a propa-
gação e a apropriação desses conhecimentos. Portanto temos aqui uma relação
intrínseca entre o ensino e a aprendizagem. A relação entre esses dois pontos –
ensino e aprendizagem – é a base pedagógica de qualquer instituição escolar.
Quando passamos por um processo de ensino, também estamos passando por
um processo de aprendizagem. Nesse meio, acontece também a avaliação, o
objeto de estudo deste caderno.
Quando o assunto é avaliação, é muito comum verificarmos que os educa-
dores, de modo geral, direcionam o olhar apenas, e tão somente, aos resultados
obtidos pelos alunos no processo de aprendizagem. A avaliação da aprendi-
zagem vem, com isso, ganhando, ao longo dos anos, um espaço amplo nos
processos de ensino. Podemos inclusive dizer, sem exagero, que a prática educa-
tiva de uma maneira geral passou a ser direcionada por tal avaliação.
Entretanto há décadas que é possível encontrar pesquisas e estudos que
enxergam a avaliação além dos limites da aprendizagem dos alunos. De acordo
com essa visão mais ampla, mais aberta do processo avaliativo, o aluno não
é mais o único sujeito da avaliação. As atenções também são voltadas à turma
como um todo, ao professor, ao coletivo de professores etc. Da mesma maneira,
o objeto da avaliação não fica delimitado, única e exclusivamente, ao processo
de aprendizagem dos alunos. O trabalho do professor, por exemplo, é outro
elemento possível de estudo da avaliação.
Zabala (1998) construiu um quadro que nos ajuda a compreender essas
diferentes definições a respeito da avaliação. Vejamos, então, que é possível
perceber o processo ensino-aprendizagem, com seus sujeitos e objetos da
avaliação, de maneira individual ou coletiva.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  335


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Quadro 1 Processo avaliativo individual X coletivo.

PROCESSO INDIVIDUAL Sujeito Aluno Professor


ENSINO/APRENDIZAGEM Objeto Processo aprendizagem Processo ensino

PROCESSO GRUPAL Sujeito Grupo/classe Equipe docente


ENSINO/APRENDIZAGEM Objeto Processo aprendizagem Processo ensino
Fonte: Zabala (1998, p. 196).

O processo ensino-aprendizagem, sendo individual ou coletivo, tem dois


importantes elementos em sua construção, alunos e professores. Serão as carac-
terísticas de trabalho, definidas no planejamento do professor, que nos mostrarão
se o processo será individual ou coletivo. O desenvolvimento das atividades
pedagógicas, ao longo de um determinado período letivo, nunca é o mesmo. O
ambiente da sala de aula permite aos professores e aos alunos diferentes cami-
nhos rumo à aprendizagem. Tais propostas metodológicas variam de acordo
com os conteúdos a serem estudados, com os recursos didáticos necessários ao
conteúdo, com as características dos alunos, com o tempo destacado para o
desenvolvimento da proposta de trabalho etc.
Já verificamos que a avaliação é um trabalho didático que caminha conjunta-
mente com o processo ensino-aprendizagem. Basicamente, é por meio dos resul-
tados obtidos no transcorrer da prática educativa que é feita a verificação do
que os alunos conseguiram aprender e do que o professor conseguiu ensinar.
Concebendo a educação como a vivência de diferentes experiências que
proporcionam o desenvolvimento global do ser humano, é que encaramos a
avaliação como uma tarefa de reflexão sobre a qualidade desses acontecimentos
em nossas vidas. Quando pensamos no espaço escolar, estamos preocupados
com o trabalho desenvolvido por professores e alunos.
Sempre que formos pesquisar sobre a avaliação, é claro que a conceitua­
ç­ ão encontrada estará articulada a uma determinada concepção de educação.
Vejamos algumas dessas concepções citadas por Romão (1998, p. 56-57) em
um interessante levantamento a respeito dessas definições, perpassando por
autores consagrados e por publicações mais recentes.
• Avaliação é o processo de atribuição de símbolos a fenô-
menos com o objetivo de caracterizar o valor do fenômeno,
geralmente com referência a algum padrão de natureza
social, cultural ou científica (JAMES BRADFIELD; STEWART
MOREDOCK).
• Avaliar é julgar ou fazer a apreciação de alguém ou alguma
coisa, tendo como base uma escala de valores [ou] interpretar
dados quantitativos e qualitativos para obter um parecer ou
julgamento de valor, tendo por base padrões ou critérios
(REGINA CAZAUX HAYDT).

336  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

• O conceito de avaliação da aprendizagem que tradicional-


mente tem como alvo o julgamento e a classificação do aluno
necessita ser redirecionado [...] desponta como finalidade
principal da avaliação o fornecer sobre o processo pedagó-
gico informações que permitam aos agentes escolares decidir
sobre intervenções e redirecionamentos que se fizerem neces-
sários em face do projeto educativo definido coletivamente
e comprometido com a garantia da aprendizagem do aluno
(SANDRA ZÁKIA LIAN SOUSA).
• A avaliação consistirá em estabelecer uma comparação do
que foi alcançado com o que se pretende atingir. [Avaliaremos]
quando estivermos examinando o que queremos, o que
estamos construindo e o que conseguimos, analisando sua
validade e eficiência (= máxima produção com um mínimo de
esforço) (ILZA SANT’ANNA).
• A avaliação é um juízo de qualidade sobre dados relevantes
para uma tomada de decisão (CIPRIANO LUCKESI).

Partindo dessas diferentes definições, é possível separar as concepções de


avaliação em dois grupos distintos, opostos, quando pensamos em uma teoria
da educação: um grupo com visão de mundo positivista e outro com uma visão
dialética. Sobre isso, Romão (1998, p. 58) ensina que
Se encaramos a vida como algo dado, tendemos para uma episte-
mologia positivista e, consequentemente, para um sistema educa-
cional perseguidor de “verdades absolutas” e “padronizadas”.
Se, pelo contrário, encaramos a vida como processo, tendemos
para uma teoria dialética do conhecimento e, por isso mesmo,
engendradora de uma concepção educacional preocupada com
a criação e a transformação (grifo do autor).

Falando especificamente da avaliação da aprendizagem, percebemos que


a realidade aponta para essas duas concepções pedagógicas antagônicas,
conforme pode ser observado na citação anterior.
Para tais concepções, de um lado, a avaliação deve sempre ter uma finali-
dade diagnóstica, objetivando diagnosticar as dificuldades dos alunos, para que
sejam reformulados os projetos ou os procedimentos didático-pedagógicos utili-
zados no processo ensino-aprendizagem. E, junto a esse processo, a avaliação
deve acontecer de maneira contínua. Percebemos, com isso, que a ênfase é
dada ao processo e não aos resultados.
Por outro lado, a segunda posição prioriza o quantitativo. Nessa concepção,
a avaliação deve ocorrer periodicamente, inclusive, nos finais dos projetos, nas
unidades didáticas, nas aulas etc. Isso acontece, pois, nessa linha de pensa-
mento, a avaliação tem a função classificatória, o que denota uma visão positi-
vista. A ênfase, nesse caso, é dada ao produto, e esse é o motivo da importância

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  337


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

dada ao aspecto quantitativo, visto que tal adoção de critério facilita a compa-
ração de desempenhos.
Haydt (1999) esclarece e amplia a contextualização apresentada anterior-
mente. Entendemos que a avaliação é uma tarefa que se apresenta de modo
bastante complexo. Quando encontramos reduções conceituais afirmando que
avaliação é sinônimo de prova, exame, nota, conceito, aprovação, repro-
vação, boletim, recuperação etc., por certo, estamos diante de uma concepção
educacional mais tradicional, porém predominante ainda em nossos dias.
Nela, o processo educativo acontece de acordo com o sistema de transmissão/
recepção, situação em que a avaliação fica restrita à quantidade de informa-
ções guardadas pelo aluno. Nessa perspectiva, a avaliação assume um caráter
seletivo e competitivo.
Em uma concepção educacional mais moderna, na qual o aluno aprende a
construir seus próprios conhecimentos em uma relação dialógica e mediadora
com o seu professor, a avaliação ganha uma maior conotação. Sua presença
não se restringe à atribuição de nota, ela está preocupada em verificar se os
objetivos do processo ensino-aprendizagem estão sendo atingidos, assumindo
um caminho orientador e cooperativo.
Diante do exposto, surge o seguinte questionamento: será que existe possi-
bilidade de unir o tradicional e o moderno? O retrógrado e o progressivo?
É um tema complicado, difícil, inclusive, de ser discutido com os professores.
Contudo acreditamos que, no mínimo, é preciso haver um diálogo entre essas
duas correntes.
Concordamos com Romão (1998, p. 58) quando ele afirma que as dife-
rentes características de cada concepção não caracterizam um mal em si. Porém
a “mútua exclusão que se instalou radicalmente entre elas, cada uma recha-
çando a outra e autovalorizando-se como única alternativa científica e válida”
(ROMÃO, 1998, p. 58), colaborou na implantação desse antagonismo.
Entendemos que o primeiro passo para que haja a aproximação, a comple-
mentaridade, que estamos hipotetizando aqui, seja o reconhecimento de uma
só concepção na vida integral do professor. De nada adianta ele verbalizar sua
adesão à avaliação progressiva e, concomitantemente, praticar na sala de aula
uma avaliação retrógrada.
Ludke e Mediano (1992), pesquisando junto aos professores da rede de
ensino de uma grande cidade brasileira, comprovaram que a dicotomia apresen-
tada anteriormente ocorre, frequentemente, no interior de um mesmo professor.
Aliás, a grande maioria dos professores incorpora e valida o discurso teórico da
primeira concepção, contudo essa mesma maioria aplica a segunda no seu dia
a dia profissional.

338  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

É preciso estabilizar essa relação, mesmo com todos os problemas encon-


trados no fazer pedagógico. É preciso coerência entre teoria e prática. E a
avaliação é peça fundamental na procura do equilíbrio teórico-prático, pois
ela funciona como recurso de problematização e de reflexão sobre a própria
ação docente.

Saiba mais

Um livro de fácil leitura que colabora para o entendimento dos princípios


avaliativos é Avaliação da aprendizagem escolar, de Celso Antunes, pu-
blicado pela editora Vozes. É um livro pequenino, tipo pocket book, pe-
queno e barato, fácil de ser carregado, que pode ser lido no ônibus, na
fila do banco ou enquanto aguarda uma consulta médica, por exemplo.
Esse exemplar, especificamente, pertence à coleção Na sala de Aula, a
qual contém outros títulos relacionados diretamente ao cotidiano escolar
que apresentam problemas e sugestões de solução, abrem caminhos para
práticas docentes renovadas e transformadoras.

Tendo conhecimento sobre as concepções de avaliação que percorrem o


universo pedagógico, estudaremos agora as funções da avaliação. Quando
refletimos sobre esse aspecto, quase sempre ouvimos dos professores a explícita
contradição entre as finalidades anunciadas e o processo efetivamente aplicado.
Em muitos dos casos, tal contradição é gerada a partir da idealização que se
tem da avaliação e a realidade que encontramos nas escolas. E é justamente
nesse meio de incertezas, dúvidas, cobranças e, em alguns casos, péssimas
condições de trabalho, que surgem tantas concepções de avaliação, conforme
vimos anteriormente.

1.2 Funções da avaliação


São inúmeras as referências bibliográficas que abordam as funções da
avaliação. De modo geral, elas dizem respeito à melhoria do processo de ensino-
aprendizagem à luz de uma determinada concepção de educação (conhecer o
aluno, identificar as dificuldades, verificar se os objetivos propostos foram atin-
gidos, promover mudanças na prática educativa etc.), à promoção da motivação
entre os sujeitos participantes e também às questões da autoridade existente nas
relações que são estabelecidas no cotidiano da escola.
No quadro 2, apresentamos as principais modalidades e funções da
avaliação. Observe-o com atenção.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  339


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Quadro 2 Modalidades e funções da avaliação.

Modalidade Propósito Época


Função
(tipo) (para que usar) (quando aplicar)
Verificar a presença
ou ausência de pré-
requisitos para novas Início do ano ou
aprendizagens. semestre letivos, ou no
Diagnóstica Diagnosticar
Detectar dificuldades início de uma unidade
específicas de aprendi- de ensino.
zagem, tentando identi-
ficar suas causas.

Constatar se os objetivos
estabelecidos foram
alcançados pelos alunos. Durante o ano letivo, isto
Formativa Controlar é, ao longo do processo
Fornecer dados para ensino-aprendizagem.
aperfeiçoar o processo
ensino-aprendizagem.

Classificar os resul-
tados de aprendizagem Ao final de um ano ou
alcançados pelos alunos, semestre letivo, ou ao
Somativa Classificar
de acordo com níveis final de uma unidade de
de aproveitamento ensino.
estabelecidos.
Fonte: Haydt (2002, p. 19).

Ao analisarmos o quadro 2, percebemos a necessidade de se envolver os


três tipos de avaliação no contexto do processo pedagógico. Cada modalidade
avaliativa tem uma função específica que, pensada globalmente, contribui para
o sucesso do trabalho do professor, isto é, para a aprendizagem dos alunos.
Segundo Afonso (2005), a avaliação pode ser compreendida como a pedra
angular da instituição escolar, pois, por meio dela, podemos ter uma visão geral
do processo educativo que ali se desenvolve. Para o referido autor, a avaliação
tem as seguintes funções:
• condicionar os fluxos de entrada e de saída do sistema
escolar, bem como as passagens entre os diferentes subsis-
temas, classes e cursos;
• tornar possível o controle parcial sobre os professores – quer
por parte dos administradores da educação, quer por parte
dos próprios pares;
• definir as informações e as mensagens a transmitir aos pais e
aos organismos de tutela;

340  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

• constituir um elemento importante na gestão da tema na


medida em que influencia as aprendizagens, o sistema de
disciplina e as próprias motivações dos alunos;
• fornecer ao professor informações importantes sobre a sua
própria imagem profissional e sobre os métodos pedagógicos
que utiliza (AFONSO, 2005, p. 18).

Para que compreendamos as funções apontadas, ou qualquer outra relacio-


nada à avaliação, é necessário que façamos uma relação com a teoria educa-
cional na qual ela está inserida. Percebe-se que as funções da avaliação estão
intimamente ligadas ao todo pedagógico, desde os processos técnico-adminis-
trativos às ações de cunho mais pedagógico. A avaliação não fica restrita à sala
de aula. A aprendizagem dos alunos está relacionada aos diferentes aspectos
que compõem o processo pedagógico.
Para fechar nossas reflexões acerca das concepções de avaliação, procu-
ramos contextualizar o meio no qual a avaliação acontece. Discutimos sobre
o processo ensino-aprendizagem, direcionando o olhar à prática exercida na
esfera escolar e onde, portanto, a avaliação também acontece.
Procuramos relacionar, indiretamente, por meio das funções da avaliação,
a ação de avaliar a aprendizagem do aluno ao próprio processo de avaliação
do trabalho do professor. Desse modo, o professor tem indicativos que podem
ajudá-lo na sequência da sua prática pedagógica. A avaliação, então, colabora
diretamente na melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem.
A avaliação é um processo contínuo, que não tem um fim em si mesmo.
Ela é um meio que nos permite verificar se alcançamos, ou não, os objetivos
traçados inicialmente. Também indica os avanços e as dificuldades encontradas
no decorrer do processo educativo, para que possamos, se necessário, refor-
mular o trabalho que está em andamento e vivenciar novas práticas, novos
procedimentos.
No próximo capítulo, traçaremos a trajetória da avaliação no Brasil, no
século XX, sem nos atentaremos a especificamente delimitar datas, mas períodos
significativos. Também, continuaremos a abordagem sobre a vertente qualitativa
da avaliação, enfocando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
de 1996. Veremos como a LDB aborda, em seus artigos, o ato de avaliar no
contexto educacional.

Referências
AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação educacional: regulação e emancipação.
3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
BONILLA, Maria Helena Silveira. A práxis pedagógica presente e futura e os
conceitos de verdade e realidade frente às crises do conhecimento científico

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  341


CAPÍTULO 1 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

no século XX. In: PRETTO, Nélson de Luca (Org.). p. 69-81. Tecnologia e novas
educações. Salvador: EDUFBA, 2005.
GOHN, M. da G. Educação não formal e cultura política. São Paulo: Cortez,
1999.
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Avaliação do processo ensino-aprendizagem.
6. ed. São Paulo: Ática, 2002.
______. Curso de didática geral. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999.
LUDKE, Menga; MEDIANO, Zélia. Avaliação na escola de 1º grau: uma análise
sociológica. Campinas: Papirus, 1992.
ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São
Paulo: Cortez, 1998.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed,
1998.

Anotações




















342  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


2
Um olhar histórico sobre a CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

avaliação e as exigências
na LDB n. 9.394/96

Introdução
Para uma melhor compreensão das abordagens deste capítulo, sugerimos
que você veja no sítio do Youtube uma série de três vídeos gravados em tele-
aulas da Unitins sobre a linha do tempo da História da Educação. Você poderá
encontrá-los nos seguintes sítios:
• linha do tempo I:
<http://www.youtube.com/watch?v=P-G_Xt5jkSA&feature=related>
• linha do tempo II:
<http://www.youtube.com/watch?v=zarGX_uCaXI&feature=related>
• linha do tempo III:
<http://www.youtube.com/watch?v=sMH-MzOKbzQ&feature=relat>
Além dessas sugestões, caso queira, você também poderá fazer a leitura de
outros materiais que abordem essa temática. Dessa forma, você compreenderá
melhor este capítulo, pois terá, previamente, uma visão geral sobre a história
da Educação no país, o que inclui a avaliação. A partir desse conhecimento
prévio, você conseguirá situar-se diante dos acontecimentos históricos que serão
citados nesse capítulo, inclusive no que diz respeito à LDB (Lei de Diretrizes e
Bases) n. 9.394/96.
A avaliação é um dos temas mais presentes nos debates sobre a educação
nacional. Uma das razões dessa presença refere-se às exigências da LDB
n. 9.394/96, quanto à avaliação – direta ou indiretamente. Essas exigências
contemplam a avaliação do rendimento escolar dos alunos e, até mesmo, das
instituições. Por isso, neste capítulo, veremos como a avaliação é contemplada
na LDB. O termo avaliação aparece mais de 15 vezes entre os 92 artigos da
referida lei. Porém para os objetivos desse tema, relacionamos os artigos 23 e
24 por serem específicos da ava0liação escolar na Educação Básica.
Outra razão de a avaliação ser um tema presente é porque ela faz parte
do trabalho docente: verificar e julgar o rendimento dos alunos, avaliar os resul-
tados e a eficácia do ensino.
Assim, baseado nesses pressupostos relacionados à importância do tema
avaliação, diversas reformas ocorreram na educação nos últimos anos. Assim
apresentaremos de forma sucinta também a história da avaliação educacional

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  343


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

no Brasil, focalizando especialmente a avaliação do ensino-aprendizagem


nas escolas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, revisaremos as vertentes
históricas que mais se destacaram na avaliação, analisaremos as princi-
pais transformações ocorridas no currículo escolar, enfatizando o processo
ensino‑aprendizagem.
A avaliação passou a ser palavra de ordem nos últimos tempos, como
proposta redentora de vários dos problemas educacionais. No entanto a
avaliação permanece na cena da educação nacional como uma ação formal e
como mecanismo de controle da permanência ou não do aluno na escola, legi-
timando os processos de hierarquização, diferenciação e de controle social por
parte da instituição escolar.

2.1 A avaliação da aprendizagem no Brasil


Historicamente, alunos e professores sempre estiveram no foco das atenções
dos pesquisadores da área de avaliação. No Brasil, especificamente, diferentes
perspectivas foram sendo observadas ao longo do tempo.
Para historiarmos a evolução que aqui se deu, delinearemos essa trajetória
com destaque para três grandes momentos nas três últimas décadas do século
XX. Para fazermos a retrospectiva histórica sobre a avaliação em nosso país,
baseamo-nos em Saul (1999). O trabalho produzido pela autora oferece aos
leitores um apanhado geral sobre a questão, sem se preocupar com demarcação
de datas. Com a utilização da terminologia focos de atenção, há uma organi-
zação dos diferentes momentos da avaliação no Brasil.
Chamamos sua atenção, desde já, para o fato de que os processos foram acon-
tecendo sucessivamente, de modo que, no contexto dos períodos, ocorreu sobre-
posição entre eles, sendo alguns predominantes em outra época e ainda estarem
presentes nas práticas educativas atuais. Além disso, as características da avaliação
sofrem variações conforme a concepção de educação que se faz presente.
Vejamos, então, no quadro a seguir, os três grandes momentos históricos
sobre a avaliação no Brasil.

Quadro Características históricas da avaliação.

Momento Características
O foco da avaliação é a aprendizagem dos alunos. Nesta
época não há registro de literatura preocupada com outros
1968/1970 objetos como os materiais curriculares ou projetos institucionais.
a avaliação da O principal objetivo é o controle do planejamento, de tal modo
aprendizagem que a avaliação deve preocupar-se em julgar o comportamento
dos alunos. A instrução programada, com o uso de instrumentos
como a prova objetiva e os testes, é valorizada nesse enfoque do

344  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Momento Características
processo avaliativo. Avaliação, então, é “sinônimo de medida,
valorizada principalmente pelas suas características de objetivi-
1968/1970 dade, fidedignidade e possibilidade de manipulação matemá-
a avaliação da tica dos dados”. Entretanto “recebeu sérias críticas em função
aprendizagem de ser uma noção simplista, inflexível e limitada, levando ao
risco de relegar a um plano secundário aspectos importantes do
processo ensino-aprendizagem” (SAUL, 1999, p. 29).
A avaliação continua preocupada com o controle do planeja-
A partir da década mento e com o comportamento dos alunos. Contudo há a agre-
de 1970 gação de mais um elemento do processo avaliativo: o currículo.
a avaliação de Nessa corrente, “proliferam os materiais pedagógicos para o
currículo aluno, acompanhados dos manuais instrucionais para os profes-
sores” (LIMA, 1998, p. 70).
Os dois primeiros momentos (avaliação da aprendizagem e
avaliação de currículo) caracterizam propostas de ordem
A partir da década
quantitativa. Porém, a partir dos anos 1980, as publicações
de 1980
acadêmicas apontam para uma nova abordagem no campo
abordagem
da avaliação no Brasil. Esse novo olhar representa uma trans-
qualitativa
formação na estrutura da avaliação, marcando o início de um
novo paradigma alternativo.

Com o quadro anterior, fica fácil percebermos que, apesar de contextua-


lizarmos a história da avaliação educacional no Brasil em três momentos, na
verdade há duas grandes abordagens a respeito dessa temática: a abordagem
quantitativa e a abordagem qualitativa. Vejamos, a seguir, um pouco mais das
características dessas duas vertentes da avaliação.
A vertente sob a égide do quantitativo liga-se à abordagem posi-
tivista dos modelos da ciência experimental. Este tipo de abor-
dagem conduz a um tecnicismo burocrático. [...] As correntes
quantitativas buscaram, e de fato produziram, vasto material
instrumental para proceder à avaliação, de modo a manter-se
o mais próximo possível da objetividade e, ao mesmo tempo,
fornecer dados mais seguros no que tange à eficiência/eficácia
da aprendizagem. Tendo por objetivo mudanças comportamen-
tais observáveis e mensuráveis, que por sua vez têm como meta
a tomada de decisão, estes materiais encontraram receptividade
graças à inexistência de instrumental para processos qualita-
tivos. Estas correntes positivistas e pragmáticas permanecem
como centro das proposições da área de Recursos Humanos das
empresas, cuja meta quantitativa de produtividade é o suporte à
proliferação desta visão da avaliação de desempenho.
No campo do qualitativo, é necessário reconhecer-se sua
complexidade, tendo em vista o seu caráter relativo, inten-
cional e valorativo, através do qual passamos, com certeza, por
aspectos simbólicos e culturais. [...] As correntes qualitativas,
ao contrário, passaram a questionar precisamente as limitações

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  345


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

dos testes padronizados para se ter compreensão daquilo que


o professor ensina e o que o aluno aprende. A ideia de mensu-
ração de comportamentos é extremamente estática, contradi-
tória com a dinâmica psicológica e social dos indivíduos (LIMA,
1998, p. 71-72, grifo nosso).

Mesmo sabendo dessas duas vertentes que se fazem presentes até os dias
atuais, no dia a dia da educação escolar brasileira, é preciso ter consciência
de que elas não são estanques. Na vertente qualitativa da avaliação, podemos
encontrar também traços da vertente quantitativa, principalmente naquilo que
se refere ao uso de alguns instrumentos. O ato de avaliar não deve perder as
características de um processo permanente e, acima de tudo, de um diagnóstico
da aprendizagem dos alunos. Parece-nos claro que, atualmente, a avaliação
deve ser concebida qualitativamente, preocupada com aprendizagem efetiva
dos alunos. De nada adiantam testes e fórmulas de mensuração de conheci-
mentos (se é que possível isso), se o objetivo primordial do processo de ensino
do professor não estiver voltado à aprendizagem dos seus alunos. Por falar
nisso, vamos, a seguir, voltar nosso olhar ao profissional docente, mais precisa-
mente, à sua formação pedagógica.

2.2 Qualidade na formação docente


Não podemos mais conceber o ato de avaliar direcionado somente ao aluno,
assim outra característica importante da avaliação qualitativa está voltada ao
trabalho do professor. A ação pedagógica do professor também precisa ser
avaliada. E um dos caminhos avaliativos é a própria prática desse profissional.
Quando falamos em formação docente está implícita a ideia de formação
contínua. O profissional realmente comprometido com uma educação de quali-
dade não para no tempo, está sempre buscando novas possibilidades, tanto
teóricas quanto práticas, para o desenvolvimento do seu trabalho.
Sabemos que a atitude humana é uma atividade de transformação da natu-
reza e da sociedade. Não basta somente conhecermos e interpretarmos o mundo
do ponto de vista teórico, é preciso transformá-lo na prática.
Essa práxis humana é caracterizada por dois processos. O primeiro processo,
produto do conhecimento, implica que os atos dirigidos à transformação de
objetos ou de situações se iniciem com um resultado idealmente concebido, ou
seja, o início de toda ação humana se dá no plano da consciência, do pensa-
mento. É a atividade humana de conhecer.
O segundo processo, o planejamento de finalidades, é o término da ação
que produz um resultado previamente esperado e efetivo. Não significa que
o produto seja necessariamente igual àquele que foi planejado, contudo esse
produto foi orientado por esse planejamento. Temos, então, uma atividade teleo­
lógica, isto é, uma atividade que busca um determinado fim.

346  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Teleologia:
• doutrina acerca das causas finais;
• teoria que pretende explicar os seres pelo fim a que aparentemente
são destinados.

A atividade humana é uma atividade transformadora. O sujeito age sobre


o meio com a utilização de diferentes instrumentos. O produto de sua ação é a
atividade transformadora da realidade. Essa transformação da realidade carac-
teriza a atividade humana como práxis.
A profissão de professor constitui-se em uma práxis política, como forma de
intervenção da realidade social. A ação pedagógica consiste, na verdade, em
uma práxis pedagógica.
A possibilidade que o professor tem de ultrapassar a barreira do ideal e
transformar sua ação em produtos de uma realidade modificada torna-se clara à
medida que os alunos tomam consciência de suas posições sociais como sujeitos
que, também, transformam e formam a sua história.
Para continuarmos abordando a vertente qualitativa da avaliação, enfo-
caremos agora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
Vejamos como a LDB aborda, em seus artigos, o ato de avaliar no contexto
educacional.

Saiba mais

Você sabia que na internet é possível ter acesso ao texto, na íntegra, da LDB,
com todas as alterações feitas desde a sua sanção no final de 1996? Pois
bem, no sítio <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>,
você fica por dentro de todos os artigos da mais importante lei do Brasil
sobre educação. No sítio da Presidência da República, aliás, você encontra
toda a legislação brasileira. Fica aqui a dica de consulta legislativa aos seus
estudos!

2.3 Há novidades na LDB referentes à avaliação?


Para melhor compreensão da discussão que faremos, transcrevemos os
artigos 23 e 24 da LDB 9.394/96. O artigo 23 dispõe que

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  347


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Art. 23 – A educação básica poderá organizar-se em séries anuais,


períodos, semestres, ciclos, alternância regular de períodos de
estudos, grupos não seriados, com base na idade, na compe-
tência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização,
sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o
recomendar.
§ 1º – A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando
se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País
e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.
§ 2º – O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades
locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo
sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas
previsto nesta Lei.

Se compararmos a LDB 9.394/96 com a LDB anterior, ou seja, a Lei


5692/71, será possível percebermos que não há grandes alterações quan-
to à possibilidade de existência de diferentes calendários ao longo do ano
letivo, além da própria liberdade proporcionada à escola para que acon-
teça uma reclassificação dos seus alunos. Esses pontos já estavam previstos
na LDB de 1971.

Notamos que a grande novidade no artigo 23 diz respeito à possibili-


dade de organização da Educação Básica não apenas na forma de séries,
apontando os ciclos como uma alternativa factível de organização do processo
ensino‑aprendizagem.
Brandão (2003, p. 67) emite sua opinião a respeito dos ciclos afirmando que
Os ciclos escolares, entendidos como o agrupamento de duas
ou mais séries sem que entre elas ocorra a reprovação de alunos
só funcionam pedagogicamente quando acompanhados de
processos de avaliação periódica e de processos de recuperação
paralela e permanente. Os processos de avaliação periódica
informam aos professores o quanto cada aluno aprendeu dos
conteúdos ministrados. Ao se identificar que a aprendizagem
dos conteúdos ensinados não está acontecendo para o aluno,
ou grupo de alunos, iniciam-se os processos de recuperação.
Esses processos devem possuir duas características principais: ser
permanentes, durante todo o ano letivo, e ser oferecido parale-
lamente ao período em que esse(s) aluno(s) frequenta(m) a série
escolar regular.

Desde que entrou em vigor, um dos pontos mais debatidos da LDB/96 é


dos ciclos de estudos. Houve (e ainda há) muitos equívocos de interpretação

348  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

por parte dos educadores, alguns por desconhecimento, outros por levian-
dade. Desse modo, a progressão continuada se transformou em promoção/
aprovação automática. Já está mais do que provado que repetência, repro-
vação, na grande maioria dos casos, não é o caminho para a aprendizagem.
Concordamos com o professor Brandão, quando afirma que os processos de
recuperação devem acompanhar as atividades regulares dos estudantes ao
longo de todo o ano letivo.
Desse modo, as reprovações, por falta de aprendizagem, não ocorreriam ao
final do ano. Contudo, para que esse processo qualitativo de educação ocorra,
é preciso trabalho, muito trabalho de todos os envolvidos no cotidiano escolar,
desde a família até os professores, principalmente. Trabalho com responsabili-
dade, organização e planejamento.
O artigo 24 dispõe que
Art. 24 – A Educação Básica, nos níveis fundamental e médio,
será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I – a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuí­­­­­­­
­das por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar,
excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
II – a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira
do ensino fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveita-
mento, a série ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras
escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante
avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvol-
vimento e experiência do candidato e permita sua inscrição
na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do
respectivo sistema de ensino;
III – nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por
série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão
parcial, desde que preservada a sequência do currículo, obser-
vadas as normas do respectivo sistema de ensino;
IV – poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de série
distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria
para o ensino de línguas estrangeiras, artes ou outros compo-
nentes curriculares;
V – a verificação do rendimento escolar observará os seguintes
critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno,
com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantita-
tivos e dos resultados ao longo do período sobre os de even-
tuais provas finais;

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  349


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com


atraso escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante veri-
ficação do aprendizado;
d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência
paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendi-
mento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de
ensino e seus regimentos;
VI – o controle de frequência fica a cargo da escola, conforme o
disposto no seu regimento e nas formas do respectivo sistema de
ensino, exigida a frequência mínima de setenta e cinco por cento
do total de horas letivas para aprovação;
VII – cabe a cada instituição de ensino expedir históricos esco-
lares, declarações de conclusão de série e diplomas ou certifi-
cados de conclusão de cursos, com as especificações cabíveis.

O artigo 24, especialmente no inciso V, volta-se para estabelecer critérios de


sustentação da avaliação do rendimento escolar para dois tipos de avaliação: a
quantitativa e a qualitativa.
Enquanto as escolas particulares e públicas tentam adequar-se às regras
da LDB/96, várias inquietações sobre avaliação vão aflorando entre os educa-
dores, os alunos, os pais e a sociedade em geral. Ressaltamos que não há muita
novidade em avaliação nos termos da Lei, pois a Lei 5.692/71
[...] já se referia a uma avaliação formativa e à prevalência dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos, e a análise do desem-
penho global do estudante através do acompanhamento contínuo
[...] (HOFFMANN, 2003, p. 34).

Portanto o que há de novo é a imposição da Lei aos sistemas públicos e


particulares de ensino. Busca-se a efetivação de um processo avaliativo contínuo,
qualitativo e mediador. Esse processo se faz urgente principalmente diante dos
índices assustadores de evasão escolar, repetência e distorção idade-série de
que temos tido notícia, bem como, infelizmente, de decisões muitas vezes arbi-
trárias e ilógicas sustentadas pelas escolas na avaliação de estudantes em todos
os níveis educacionais.
Vimos, então, que a legislação anterior já adotava mecanismo idêntico.
A avaliação qualitativa se sustenta no processo contínuo e cumulativo da
avaliação, assim é menos processo de medição e mais busca de aferição de
conhecimento contextualizado.
Os demais incisos também já haviam sido contemplados em legislações
anteriores. Mas não é essa coincidência entre legislações que nos interessa
discutir e sim o desafio das práticas efetivas da avaliação contínua e cumulativa,

350  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

da aceleração de estudos para estudantes com atraso escolar (distorção idade/


série), do avanço nos cursos e nas séries e dos estudos de recuperação.
Sabemos que a não resolução dessas questões, principalmente sob o ponto
de vista da operacionalidade pedagógica, tem repercussão direta sobre o fenô-
meno da repetência e da evasão escolar.
Hoffmann (2003, p. 35) assevera que,
[...] se vários teóricos alertaram nas últimas décadas sobre o
caráter de acompanhamento contínuo da avaliação do desem-
penho dos alunos, tal concepção permanece inédita em muitas
instituições. Não há efetivamente o acompanhamento do processo
de aprendizagem dos alunos e muito menos com o significado
de prevenir as dificuldades, observando-os, refletindo sobre a
natureza das suas manifestações, replanejando e tomando deci-
sões de caráter pedagógico com base nos resultados dos testes e
tarefas realizadas.

Da leitura da citação, podemos considerar que a construção do conheci-


mento se dá de forma dinâmica e progressiva, não há como estabelecer um
início, um meio ou um fim nesse ínterim, portanto também a avaliação deve
acompanhar essa continuidade, não acontecendo de forma fragmentada, parce-
lada ou por etapas. Por isso é voz corrente do discurso educacional que em
avaliação escolar o discurso é um, porém a prática.
A prática de avaliação não vai se transformar por decreto, isto é, não é a
força ou até mesmo a coação de uma lei que vai mudar a nossa prática, mas a
consciência do compromisso de cada educador, e da escola como um todo, com
a realidade social que enfrenta.
Assim, baseados nos estudos de Hoffmann (2003), afirmamos que o processo
avaliativo mediador, como indica a LDB/96, baseia-se em alguns princípios.
Vejamos quais são esses princípios.
• Princípio da avaliação enquanto investigação docente: o processo de
avaliação representa um compromisso do professor em investigar e
acompanhar o processo de aprendizagem do aluno em seu cotidiano,
contínua e gradativamente, buscar compreender e participar da cami-
nhada do aluno, tanto quanto intervir, fazer provocações intelectuais
significativas, oportunizar a expressão de ideias, proporcionar diversi-
dade de atividades de aprendizagem, bem como estar disposto a dar
repetidas explicações, bem como sugerir leituras e demais encaminha-
mentos pedagógicos.
• Princípio da complementaridade das observações sobre o desempenho
dos alunos: é muito relativa uma decisão (aprovação ou reprovação de
um aluno) com base em instrumentos de avaliação fragmentados. Em
vista disso, faz-se necessária uma extensiva análise do desempenho do

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  351


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

estudante, por meio de observações, interpretações das sequências de


atividades por ele desenvolvidas e suas diversas manifestações pelo
coletivo dos educadores que trabalham (convivem) com ele. Para o
desenvolvimento construtivo, é importante a sequência e a articulação
dos diversos momentos vividos pelo indivíduo que aprende, inclusive
interpretando a natureza de seus erros e acertos e procedendo a
análises qualitativas de suas atividades. Infelizmente, o número por si
(quantidade de erros e/ou acertos em determinada atividade – análise
quantitativa) não revela a real situação cognitiva do acadêmico.
• Princípio da provisoriedade dos registros de avaliação: nenhum juízo
sobre um aluno é definitivo, nem mesmo absoluto, por isso as decisões
devem ter por base o histórico do processo de conhecimento de quem
está sendo avaliado.
Podemos agora entender que o processo avaliativo mediador é preventivo
no sentido de ter uma atenção constante às dificuldades apresentadas pelos
alunos e cumulativo por proporcionar uma análise global do aluno.
Cumulativo é diferente de somativo. Cumulativo são dados quantitativos e
qualitativos, que se complementam. Já o termo qualitativo suscita diversas inter-
pretações e, muitas vezes, está relacionado apenas ao emocional, ao afetivo
ou ao atitudinal. Essa interpretação carece de complementação, pois a preva-
lência dos aspectos quantitativos refere-se à análise qualitativa do desempenho
do aluno ser importante na hora de dimensionar sua nota ou seu conceito, enfim,
na hora de decidir seu destino na continuidade de seus estudos.
Hoffmann (2003, p. 39) afirma que
O desenvolvimento global do aluno só poderá ser analisado
qualitativamente, no sentido da observação do seu desempenho
em todas as áreas. Para tanto o essencial é entender-se o quali-
tativo como descritivo, para além do classificatório, numérico ou
comparativo. [...] o qualitativo [...] é decorrente da consistente
observação e interpretação do professor das manifestações doa
alunos [...] (grifo do autor).

A análise qualitativa refere-se à compreensão de atitudes, de interesses,


bem como à observação do desenvolvimento cognitivo e intelectual de quem
está sendo avaliado, tanto quanto do seu desenvolvimento físico e motor. Não
se pode permitir que toda a questão da avaliação acabe ligada diretamente ao
problema do fracasso na escola. Infelizmente, esse problema é quase sempre
atribuído ao aluno, quando já percebemos que se trata, na verdade, sobretudo,
de efeitos da organização escolar. Carneiro (1998, p. 90) destaca que
A falta de estratégias pedagógicas e de recursos diversificados
para o trabalho com crianças, preconceito, salas lotadas e
transferências mal realizadas entre escolas são causas de
fracasso escolar. Em regra, o aluno que apresenta dificuldades

352  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

de adaptação à escola não tem problemas patológicos que


justifiquem o baixo rendimento. A escola é que desenvolve um
trabalho dissociado da realidade do aluno.

O trabalho dissociado da realidade do estudante não pode acontecer. O


processo de ensino-aprendizagem deve ocorrer em consonância com o contexto
vivenciado pelo aluno. Portanto, procurando desenvolver um senso crítico a
respeito do assunto, delimitamos, neste capítulo, os passos da avaliação no
cenário nacional, percorrendo diferentes épocas da história do nosso país.
Foi possível percebermos que, grosso modo, há duas grandes correntes
distintas que contextualizam a avaliação no campo educacional: a abordagem
quantitativa e a abordagem qualitativa. A partir dessas abordagens, conhecemos
e analisamos a avaliação escolar à luz da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei n. 9.394/96), reconhecendo os artigos 23 e 24 como específicos
da avaliação escolar na Educação Básica. Compreendemos os termos especí-
ficos da avaliação na LDB e ainda vimos algumas interpretações de educadores
renomados sobre os referidos artigos.
Concluindo o assunto, é importante que entendamos que a avaliação da
aprendizagem exige que ela seja um instrumento auxiliar da aprendizagem.
No próximo capítulo, veremos qual o contexto do processo avaliativo nas
diferentes modalidades de ensino de tal forma que possamos identificar a relação
professor-aluno existente em cada um dos contextos que serão apresentados.

Referências
BRANDÃO, C. da F. LDB: passo a passo: lei de diretrizes e bases da educação
nacional (Lei n. 9.394/96), comentada e interpretada artigo a artigo. São Paulo:
Avercamp, 2003.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília: Congresso Nacional, 1996.
CARNEIRO, M. A. LDB fácil: leitura crítico compreensiva: artigo a artigo.
Petrópolis: Vozes, 1998.
HOFFMANN, J. M. L. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-
escola à universidade. 20. ed. Porto Alegre: Mediação, 2003.
______. Contos e contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. 6. ed. Porto
Alegre: Mediação, 2001.
LIMA, A. de O. Avaliação escolar: julgamento ou construção. 5. ed. Petrópolis:
Vozes, 1998.
SAUL, A. M. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à prática de avaliação
e reformulação de currículo. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  353


CAPÍTULO 2 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Anotações

































354  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


3
A avaliação nos diferentes CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

níveis de ensino e o
poder docente

Introdução
O estudo da relação entre ensino e avaliação requer, sem sombra de
dúvidas, a análise da maneira como se organiza o trabalho pedagógico nas
unidades escolares, pois essa organização tem assumido relevante importância
na compreensão do processo de ensino-aprendizagem, mediado pela avaliação.
Dessa forma, o ato de avaliar assume certas especificidades para os variados
níveis de ensino. E é justamente sobre essas particularidades que discutiremos
neste capítulo.
No que diz respeito à relação entre professor e aluno, pretendemos fazer
mais que uma analogia. Pretendemos aqui mostrar como se dá a relação entre
professor e aluno, investigar a autoridade docente no processo educativo, refletir
sobre questões relativas ao cotidiano da sala de aula e mostrar a opinião dos
alunos a respeito do bom professor e do professor referindo-se ao bom aluno.
Para que você tenha mais facilidade para acompanhar o desenvolvimento
de todo esse conteúdo, veja o vídeo Ciclo de aprendizagem e avaliação, no sítio
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_
action=&co_obra=20282>. Nesse vídeo estão expostas diferentes concepções
sobre objetivos da avaliação. Também contém uma experiência do uso da
avaliação em uma escola que utiliza o ciclo. É importante que você acesse esse
vídeo, pois nele, verá que, para cada nível, existe a necessidade de uma forma
de avaliação diferenciada. Observará também, de maneira indireta, a relação
estabelecida entre os professores e os alunos.

3.1 Objetivo da avaliação


A avaliação assume a função de nutrir, apoiar e nortear a intervenção peda-
gógica quando não se restringe ao simples julgamento do sucesso ou do fracasso
do aluno. Acontece de maneira sucessiva e ordenada por meio da interpretação
qualitativa do conhecimento que o aluno construiu. Adotar tal visão possibilita
ao avaliador conhecer o quanto o aluno se aproximou ou não dos objetivos
propostos quanto à aprendizagem em determinado momento. Dessa maneira,
pode-se dizer que a avaliação das aprendizagens está ligada às oportunidades
oferecidas, o que significa, também, levar em consideração a adequação daquilo
que está sendo proposto (conhecimento, conteúdo) aos conhecimentos prévios
dos alunos e aos desafios que eles estão em condições de enfrentar.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  355


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Hoffmann (1991) faz uma observação interessante. Segundo a autora, da


pré-escola à universidade, crianças e adolescentes são invariavelmente senten-
ciados pela forma como agem na escola ou pelas tarefas que realizam.
Dessa forma, a maneira como a escola percebe seus alunos e o modo como
lida com eles, necessariamente, é o que constituirá práticas (in)adequadas que
serão refletidas no processo de aprendizagem.
A avaliação da aprendizagem se faz presente nos diferentes níveis esco-
lares. A partir de agora, relembraremos em quais deles você provavelmente
atuará, seja enquanto docente ou na parte administrativa (gestor, coorde-
nador etc.) e, concomitante a isso, discutiremos qual seria o papel principal
da avaliação nos diferentes níveis. Lembrando que citaremos apenas os princi-
pais, afinal, cada instituição deve adequar o processo avaliativo utilizado às
necessidades locais.

3.1.1 Avaliação na Educação Infantil


A Educação Infantil tem estabelecido, em sua organização, que o atendi-
mento se dê da seguinte forma: crianças de zero a três anos em creches, e de
quatro a cinco anos em pré-escolas.
Sabemos que auxiliar a criança desde cedo a ampliar sua relação com
o saber (domínio de diferentes linguagens, valores éticos, culturais etc.) não é
tarefa fácil, até porque a Educação Infantil exerce grande influência na vida das
crianças, por serem vivenciados aí seus primeiros anos de vida.
A LDB n. 9394/96, no Art. 31 da Seção II – Da Educação Infantil, afirma que
“a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento,
sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”.
A avaliação na Educação Infantil pode assumir a finalidade de constatar o
ajustamento do desenvolvimento do educando aos objetivos propostos, levando
em consideração as características da faixa etária. A avaliação, nesse nível de
ensino, pode também assumir a intencionalidade de desenvolver no aluno os
pré-requisitos importantes para o início da aprendizagem sistemática.
Hoffmann (2006, p. 86) afirma que a avaliação na Educação Infantil precisa
fornecer
[...] um clima sem tensões e limitações. O que será possível se o
educador se distanciar definitivamente do modelo de avaliação
do ensino regular e perseguir, de fato, uma perspectiva de
acompanhamento, confiante nas possibilidades de as crianças
se desenvolverem e vivenciarem as situações de forma própria e
diferenciada da do adulto. O que não significa confundir atendi-
mento aos interesses das crianças com permissividade ou impro-
visação de atividades pelo professor.

356  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

A partir da citação anterior, podemos concluir que a autora considera a


avaliação um momento de grande importância para a Educação Infantil. A
mesma autora faz um demonstrativo de alguns princípios avaliativos baseados
em uma concepção construtivista de Educação Infantil. Veja o quadro a seguir.

Quadro Concepção construtivista de avaliação.

Princípios Concepção de Proposta de


construtivistas criança avaliação
• Possibilidades de vivên- • Criança como ser • Avaliação como
cias por meio das quais político e social, acompanhamento
a criança possa ampliar sujeito de seu próprio no processo de
suas descobertas sobre desenvolvimento. desenvolvimento.
o mundo.
• Autônoma (com capa- • Observação da
• Ação educativa cidade e liberdade de criança fundamen-
baseada na confiança, tomar decisões). tada no conhecimento
nas possibilidades das de suas etapas de
• Crítica e criativa (obser-
crianças e na valori- desenvolvimento.
vadora, questionadora e
zação de suas manifes-
inventiva). • Possibilidades de novos
tações e interesses.
desafios com base na
• Participativa (agindo
• Organização de reflexão teórica.
com cooperação e
oportunidades de:
reciprocidade). • Registro das manifesta-
• conhecimento social ções das crianças e de
aspectos significativos
• conhecimento
de seu desenvolvimento.
lógico-matemático
• Diálogo frequente e
• conhecimento
sistemático entre os
espaço-temporal
adultos que lidam com
• representação a criança e os pais ou
• desenvolvimento responsáveis.
motor

De acordo com o quadro, é importante que o professor da Educação Infantil


confie e valorize o agir da criança no processo avaliativo.

Saiba mais

Sabendo que, no currículo do nosso curso de Pedagogia, há disciplinas vol-


tadas, especificamente, ao universo da Educação Infantil, sugerimos aqui um
livro bastante conhecido na literatura pedagógica, no qual, por meio de vivên-
cias do cotidiano, a autora Madalena Freire apresenta possibilidades efetivas
de se avaliar a aprendizagem dos pequeninos. O título da obra é A paixão
de conhecer o mundo, publicada pela editora Paz e Terra. Boa leitura!

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  357


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

3.1.2 Avaliação no Ensino Fundamental


Essa é a etapa considerada obrigatória da Educação Básica. Deve ser de
pelo menos quatro horas de trabalho diário em sala de aula a jornada escolar,
podendo ser por tempo integral de acordo com o sistema de ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/96), no Art. 32,
afirma que o objetivo desse nível de ensino é formar cidadãos, mediante:
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema polí-
tico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta
a sociedade;
III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo
em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação
de atitudes e valores;
IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solida-
riedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a
vida social.

É possível perceber que o Ensino Fundamental não se volta apenas às ques-


tões da educação de conteúdos escolares. Há a necessidade de se envolver
valores de uma educação social humanizadora, solidária, entre aqueles que
participam do processo pedagógico.
O Ensino Fundamental está dividido em duas fases: anos iniciais e anos
finais. Nos anos iniciais, geralmente um professor é encarregado do processo de
ensino e aprendizagem de uma turma, e, nos anos finais, as turmas têm diversos
professores. Cada um é responsável por sua área e cada um trabalha com os
alunos em seu horário.
No Ensino Fundamental, a avaliação de aproveitamento escolar do aluno
tem por objetivo a verificação qualitativa e quantitativa das aprendizagens,
predominando o aspecto qualitativo sobre o quantitativo (LDB n. 9.394/96,
Art. 23, § V). Podem ser considerados como objetivos da avaliação:
• acompanhar e verificar o desempenho e a aprendizagem dos conhe­ci­
mentos;
• verificar se o aluno transfere conhecimento na resolução de situações
novas;
• avaliar se o aluno está se apropriando dos conhecimentos e se estes
estão sendo significativos e contínuos;
• detectar, analisar e retomar a defasagem no aprendizado, repensar
novas estratégias de trabalho em classe etc.
Vale relembrar que os objetivos mais específicos devem/podem ser estipu-
lados a partir dos objetivos propostos pela instituição educacional.

358  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

3.1.3 Avaliação no Ensino Médio


É a última etapa da Educação Básica. A LDB n. 9.394/96, no Art. 35, diz
que a duração mínima deve ser de três anos, tendo como finalidade
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adqui-
ridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de
se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou
aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no
ensino de cada disciplina.

Ainda de acordo com a LDB n. 9.394/96, no Art. 36, o Ensino Médio


deverá adotar as seguintes diretrizes:
II – [...] metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a
iniciativa dos estudantes; [...]
§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação
serão organizados de tal forma que ao final do Ensino Médio o
educando demonstre:
I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem
a produção moderna;
II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.

Conforme tais diretrizes descritas na LDB n. 9.394/96, a avaliação no


Ensino Médio deve servir para demonstrar ao professor como está o processo
ensino-aprendizagem dos educandos na aquisição de determinados princípios
científicos e conhecimentos. O professor atento deve fazer os ajustes necessá-
rios para que, ao final do Ensino Médio, o aluno consiga atingir os objetivos
propostos para esse nível de ensino.

3.1.4 Avaliação na Educação Profissional


A finalidade aqui é desenvolver competências, habilidades para uma vida
produtiva, ou seja, vida profissional. A Educação Profissional é desenvolvida por
meio de cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, Educação
Profissional Técnica (nível médio) e Educação Profissional Tecnológica de gradua­
­ção e pós-graduação (Decreto n. 5.145/04).
A LDB n. 9.394/96 afirma, no Art. 41, que
O conhecimento adquirido na Educação Profissional e Tecnoló­
gica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação,
reconhecimento e certificação para prosseguimento ou con­­
clusão de estudos.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  359


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Novamente, a avaliação assume o papel de orientadora para o professor no


que diz respeito ao processo ensino-aprendizagem.

3.1.5 Avaliação na Educação Especial


De acordo com a Constituição Federal de 1988, a oferta de Educação
Especial é dever do Estado, devendo os portadores de necessidades especiais
ter atendimento especializado (Art. 205 e 208). A Declaração de Salamanca
(1994) explica que o conceito de “necessidades especiais” não se limita ao de
deficiência, envolvendo “todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem
de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagem” (DECLARAÇÃO
DE SALAMANCA, 1994, s. p).
Genericamente, podemos dizer que, para avaliar na Educação Especial,
devem ser consideradas as situações singulares, os perfis dos alunos, as peculia-
ridades biológicas, psicológicas e sociais de acordo com a faixa etária.
Se avaliar em qualquer outro nível já é alvo de grandes discussões, imagine
na Educação Especial. Assim é importante que tal avaliação seja feita individual­­
mente, levando em consideração os fatores citados anteriormente, pois cada
aluno apresenta seu próprio ritmo e a avaliação deve atender aos objetivos que
foram propostos para ele.
Para tanto, o professor pode fazer uso de um relatório, contendo pareceres
acompanhados de fichas de observação (período e contínua) sobre o desenvol-
vimento ou situação escolar do aluno.

3.1.6 Avaliação na Educação de Jovens e Adultos – EJA


A Educação de Jovens e Adultos é destinada àqueles que não tiveram
acesso, na idade própria, ao Ensino Fundamental ou Ensino Médio, ou ainda,
para quem deseja dar continuidade aos estudos nesse nível.
Quando o assunto é avaliação na EJA, assim como em outros níveis, existem
variadas visões, porém todas convergem para o fato de que há necessidade
de que as práticas avaliativas estejam inseridas em uma proposta que não
esteja restrita à aferição da apreensão do conteúdo estudado em sala. Luckesi
(1997, p. 32) fala sobre a prática de uma avaliação que seja preocupada com
a transformação da sociedade a favor de todos os seres humanos. E essa é uma
das preocupações da EJA: auxiliar o desenvolvimento do jovem ou do adulto
enquanto ser social.
Na EJA, a avaliação da aprendizagem pode ser feita a partir de diferentes
maneiras:
• observação;
• diálogo;
• organização do material produzido em uma pasta ou portfólio;

360  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

• por meio de diferentes atividades realizadas em sala de aula;


• autoavaliação, entre outros.
Nesse processo, o professor da EJA pode valer-se de diferentes recursos
para registrar o progresso de alunos:
• registro das observações sobre o conhecimento dos alunos (progresso,
dificuldades etc.);
• avaliações diárias ou semanais (essa autoavaliação está ligada ao
trabalho que o professor desenvolveu em sala, como se fosse um registro
dos pontos principais da prática pedagógica desenvolvida).
A avaliação na EJA deve ser permanente, deixar de ser um julgamento
final do aproveitamento do aluno. Tendo essa visão, a avaliação fornece ao
professor dados da realidade presenciada, dá viabilidade para que elementos
importantes sejam oferecidos para o planejamento do professor, o que resultará
em aulas mais atrativas.
Independentemente do nível de ensino em que o professor está atuando, é
importante que ele reflita sobre algumas maneiras como a avaliação é tida no
processo de ensino-aprendizagem. Veiga (1996, p. 155) expõe que,
Na dinâmica interna da sala de aula, exerce-se a avaliação como
uma função classificatória e autoritária, o que vem reforçando o
princípio da fragmentação, da parcelarização do conhecimento.
O professor cumpre uma exigência burocrática, e o aluno, por sua
vez, sofre as requentesm perversas do processo avaliativo. [...]
Há, assim, uma concepção reducionista e autoritária do processo
de avaliação. Reducionista por predominar uma visão quantita-
tiva de avaliação, centrada no aluno. A nota reflete apenas o
desempenho cognitivo do aluno e é um momento estanque do
processo, servindo para decidir se ele deve ser aprovado ou não.
É autoritária, pois o poder de avaliar é do professor, que deter-
mina se o aluno deve ou não ser aprovado.

Agindo contrário a isso, Hoffmann (1991, s. p) afirma que


O sentindo fundamental da ação avaliativa é o movimento, a trans-
formação [...] o que implica um processo de interação educador e
educando, num engajamento de pessoas a que nenhum educador
pode se furtar sob pena de ver completamente descaracterizada
a avaliação em seu sentido dinâmico.

Avaliar, nesse sentido, deixa de significar o que discutimos durante a maioria


dos capítulos deste caderno, um julgamento sobre o que o aluno aprendeu e
passa a servir para revelar o que ele já sabe, inclui os caminhos que percorreu
para alcançar o nível de conhecimento que está demonstrando, permite também
a visualização dos meios que o professor poderá usar para ajudar o aluno a
construir outros conhecimentos e avança nas dificuldades demonstradas.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  361


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Vejamos, então, como que a escola deve (re)construir sua prática pedagó-
gica de tal modo que a avaliação apresente características qualitativas, objeti-
vando a verdadeira aprendizagem dos estudantes.

3.2 Reconstrução da prática avaliativa na escola


Caso realmente queiramos uma prática avaliativa diferente, transformada,
é preciso que a escola repense sua prática pedagógica como um todo, afinal
a avaliação está relacionada com as demais ações que ali são desenvolvidas.
Sacristán (1991) nos aponta que a avaliação escolar deve contemplar quatro
elementos: expressão de um juízo, evidências ou indícios, procedimento técnico
e tomada de decisões.
Indica, ainda, três momentos interdependentes da avaliação.
• Coleta de dados por meio de procedimentos técnicos: coleta de informa-
ções sobre o aluno.
• Expressão de um juízo: expressão de um juízo de valor sobre o aluno
que emergem de indicadores da realidade da sala de aula e que
delimitam a qualidade a ser atingida, tendo em vista os objetivos
pré-determinados.
• Tomada de decisão por parte do professor: determina ao aluno uma
posição favorável de aprovação ou recuperação e demonstra a compreen­
­são do progresso, dos limites e das dificuldades que o aluno está encon-
trando para atingir os objetivos do processo ensino-aprendizagem.
Baseado no que foi citado anteriormente, percebemos que o professor pode
ser o principal agente da mudança. Perrenoud (1999, p. 18) afirma que “a
avaliação tradicional, não satisfeita em criar fracasso, empobrece as aprendi-
zagens e induz, nos professores, didáticas conservadoras e, nos alunos, estra-
tégias utilitaristas”. Dessa maneira, poderíamos afirmar que um bom professor
não faria uso da avaliação tradicional. Baseados nesse princípio, podemos nos
perguntar: o que é ser um bom professor?

3.3 A questão do “bom” do professor


A ideia que defendemos aqui é posição do bom enquanto um significado da
competência. Não queremos direcionar apenas à atitude moral da pessoa, mas
apontar a necessidade de perceber o lado técnico e político que envolve a ação
pedagógica do professor.
Competência técnica e competência política são os dois poderes que
envolvem o dia a dia de um professor. O diálogo entre eles acontece por inter-
médio da ética, que se faz presente na estrutura do saber dentro da escola. Rios
(2002, p. 49) expõe seu ponto de vista:

362  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Quero então centrar minha reflexão na dimensão ética da compe-


tência do educador. [...] Penso que precisamos levar isso em
consideração para evitar uma polêmica que tem frequentemente
se estabelecido entre educadores que até defendem posições
semelhantes. A polêmica tem se manifestado ora acusando-se
a competência técnica de tecnicista, ora acusando-se a compe-
tência política de um certo politicismo. Acredito que é preciso
recuperar no próprio caráter dialético da prática educativa a arti-
culação entre os dois pólos da competência, e me parece fértil
esse caminho que passa pela ética, embora a preocupação com
a questão dos valores que constituem a moralidade possa even-
tualmente nos conduzir ao risco de um certo romantismo [...] que
devemos recusar.

O professor contemporâneo, considerado bom, é aquele que, além da


competência, da habilidade interpessoal, do equilíbrio emocional, tem consciên­
­cia de que sua prática não deve ter como fator único e indispensável apenas o
desenvolvimento cognitivo, mas também o desenvolvimento humano.
Visto que professor e aluno são os dois principais sujeitos de uma prática
educativa escolar, é importante destacarmos aqui também a relação de poder
existente entre professor e aluno, enquanto um jogo de poder. Cada qual, com
suas características, exerce a sua função no contexto do relacionamento: ensinar
e aprender.
É muito difícil realizar uma restrição da relação que é estabelecida na sala
de aula, espaço em que acontece a troca de influência entre um e outro.
Quando falamos em influência, estamos falando em poder. Afinal, na sala
de aula, há um jogo de poder entre seus componentes. Esse poder pode ser
explícito ou implícito, mas sempre se faz presente no contato entre professor e
aluno. Cabe a nós refletirmos um pouquinho sobre ele.
Quem nunca ouviu esse velho provérbio, “manda quem pode, obedece quem
tem juízo”? A palavra poder remete, historicamente, às questões de controle e
de obediência. Duas situações que, nesse exemplo, se completam. O poder está
intimamente ligado às questões de ordem prática. Ter poder é ter como fazer.
Uma pessoa que tem poder pode exercê-lo a qualquer momento. Mas, afinal,
onde está o poder em uma sala de aula?
Para nós, o poder está, principalmente, no aspecto de influência que um
sujeito exerce perante os demais. Parece fácil identificar quem seja esse sujeito,
não é? Sim, sim, o professor!
As características da ação docente refletem bem o que estamos dizendo
aqui. O exercício do magistério nos permite exercer, diante de nossos alunos,
uma enorme influência. O professor tem um importante papel de formação na
vida de seus alunos. E não estamos aqui falando sobre a aprendizagem de dife-
rentes conhecimentos das diferentes áreas do saber. Estamos, sim, pensando nas

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  363


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

influências para a formação dos valores, das crenças, dos gostos, dos interesses
e dos modos de comportamento.
Vamos utilizar aqui duas pesquisas realizadas com universitários para perce-
bermos qual a visão que os estudantes têm de seus professores.
A primeira pesquisa, realizada pela professora Maria Isabel da Cunha
(2000), teve como objetivo verificar a percepção dos alunos da Universidade
Federal de Pelotas sobre o que seria um bom professor. Foi possível perceber
que há uma junção entre as condições de conhecimento da matéria de ensino
e a consequente organização das aulas, com as relações afetivas estabelecidas
com o grupo-classe.
A questão da afetividade ficou evidenciada na pesquisa. Aspectos relacio-
nados ao calor humano foram os que mais apareceram nos relatos dos estu-
dantes. Segundo eles, a proximidade, o companheirismo, a disponibilidade
para conversar, a preocupação com a vida estudantil são demonstrações de que
o professor consegue entendê-los, fazendo-o ser um bom professor.
No nosso entender, os aspectos levantados pelos alunos são importantes.
Porém é fundamental a união da afetividade com o profissionalismo. Os alunos
também verbalizaram esse aspecto. Vejamos.
Escolho este professor como o melhor pela forma com que nos
faz pensar, colocando o conteúdo teórico não como verdade
acabada, mas questionando-o.
O que me agrada no professor X é que ele está sempre pronto
a responder as nossas dúvidas, ele até estimula a gente a ter
dúvidas.
O professor Y é o melhor porque ele transmite para gente o gosto
que ele tem pela Matemática. Ele nos mostra o prazer de aprender
(CUNHA, 2000, p. 146).

Para nós aqui está o principal: a maneira como o professor cuida da sua
disciplina, desencadeia aproximações ou distanciamentos do prazer que o aluno
sentirá diante do ato de estudar, de aprender.
É claro que o posicionamento humano do professor com seus alunos cola-
bora, e muito, na ação pedagógica, pois pode facilitar, inclusive, o desenvolvi-
mento metodológico de suas aulas, objetivando o estreitamento do caminho exis-
tente até o objeto do conhecimento. Sobre esse aspecto, Cunha (2000, p. 148)
assevera que
É importante dizer que os alunos não apontam como melhores
professores os chamados “bonzinhos”. Ao contrário. O aluno
valoriza o professor que é exigente, que cobra participação e
tarefas. Ele percebe que esta é também uma forma de interesse,
se articula com a prática cotidiana da sala de aula.

O lado bonzinho de um professor é bastante discutido. Já vimos aqui que


ser um bom professor é ser um profissional competente. No que tange à opinião

364  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

dos estudantes universitários, há uma passagem que nos chama a atenção. E é


importante que reflitamos sobre ela, pois envolve alunos que, depois de formados,
exerceriam o magistério, pois faziam um curso de formação de professores. Esse
é o foco da segunda pesquisa, realizada pela professora Vani Moreira Kenski
(1991) com estudantes da Universidade de Campinas.
Foi feita uma análise das lembranças que os universitários tinham da época em
que foram estudantes da Educação Básica. Foi revelado que os estagiários ficam
[...] de certa forma atrelados a modelos retirados de exemplos de
prática docente de professores que marcaram sua vivência escolar
(nem sempre positiva), e passa a considerá-los “sua identidade”,
tornando-se personagem que interpreta um professor. Dessa forma,
ele não consegue dar o “salto”, estabelecer seu espaço crítico, e
criar, através de identificações e separações, a sua própria identi-
dade de mestre (KENSKI, 1991, p. 42, grifo nosso).

Fizemos questão de grifar o trecho anterior para destacar a relevância que


um professor exerce sobre os alunos. Qualquer professor que passou em nossas
vidas pode vir a ser, então, o modelo da nossa prática profissional. Com isso,
corremos o risco de seguir um modelo, por exemplo, de professor não-compe-
tente, bravo, autoritário, e com isso, elaborar e aplicar uma avaliação influen-
ciada pelo autoritarismo.
Acreditamos que a avaliação corre o risco de vir a ser um processo auto-
ritário, sim. Mas para que isso aconteça, vai depender muito da postura do
professor no contexto em que ela se apresenta. Já vimos aqui, na temática sobre
as concepções de avaliação, que há tipos e tipos de avaliação.
Pensamos que o processo avaliativo precisa caminhar em uma via de mão‑‑dupla
e extrapolar os limites, as responsabilidades, do professor. O aluno também precisa
participar, aprender a refletir sobre o processo pelo qual está inserido e identificar
suas dificuldades e as possibilidades de superação. Sousa (2001, p. 149) aponta,
sobre a postura do aluno diante da prática educativa, que
Diagnosticar a si mesmo implica compreender os parâmetros a
que se está sujeito, analisar o próprio desempenho, com base
nisso, e propor-se metas para superar dificuldades. Essa não é
uma tarefa que o aluno pode realizar sozinho. Essa é uma tarefa
educativa que a avaliação pode realizar quando conduzida pelo
professor tendo em vista a autonomia do aluno.

Observando o que nos diz a citação, essa é a postura que a escola, no


geral, e o professor, especificamente, precisam adotar, ou seja, a luta perma-
nente por uma educação de qualidade. E isso perpassa também a questão da
avaliação, que pode ser efetivada por meio de relações solidárias, de ajuda
mútua, entre alunos e professor, sem práticas unilaterais, que levaria ao autori-
tarismo e, por consequência, descaracterizaria o conceito de educação demo-
crática que aqui defendemos.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  365


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Zaballa (1998, p. 210), quando aborda a relação entre alunos e profes-


sores, diz que
Dificilmente podemos conceber a avaliação como formativa se
não nos desfizermos de algumas maneiras de fazer que impeçam
mudar as relações entre alunos e professor. Conseguir um clima
de respeito mútuo, de colaboração, de compromisso com um obje-
tivo comum é condição indispensável para que a atuação docente
possa se adequar às necessidades de uma formação que leve em
conta as possibilidades reais de cada aluno [...] um clima de
cooperação e cumplicidade é a melhor maneira de que dispomos
para realizar uma avaliação que pretende ser formativa.

Assim vale repetir algo já citado neste capítulo: o professor pode ser o
principal agente da mudança. No processo de avaliação, é importante que a
qualidade e o processo de aprendizagem predominem sobre o quantitativo.
No próximo capítulo, mostraremos que o planejamento e a avaliação
da aprendizagem são interdependentes e complementares. Veremos que
não é possível efetivar um processo avaliativo de qualidade sem os devidos
momentos de planejamento, em que o professor (re)pensa seu trabalho e os
caminhos que deverão ser percorridos com objetivo de que haja a aprendi-
zagem escolar.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,
1988.
______. Decreto n. 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do
Art. 36 e os Arts. 39 a 41 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras provi-
dências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2004/Decreto/D5154.htm>. Acesso em: 2 ago. 2009.
______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/LEIS/l9394.htm>. Acesso em: 2 ago. 2009.
CUNHA, Maria Isabel da. A relação professor-aluno. In: VEIGA, I. P. A. (Org.).
Repensando a didática. 16. ed. Campinas: Papirus, 2000.
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HOFFMANN, Jussara M. L. Arquivo VII – Avaliação: mito ou um desafio? Agosto
de 1991. Disponível em: <http://www.jussarahoffmann.com.br/site/arquivo.
asp?id=7>. Acesso em: 10 ago. 2009.

366  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

HOFFMANN, Jussara M. L. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva constru-


tivista. 36. ed. Porto Alegre: Mediação, 2006.
LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposi-
ções. São Paulo: Cortez, 1997.
KENSKI, Vani Moreira. A vivência escolar dos estagiários e a prática de pesquisa
em estágios supervisionados. In: PICONEZ, Stela C. B. A prática de ensino e o
estágio supervisionado. Campinas: Papirus, 1991.
PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre:
Artes Médicas Sul, 1999.
RIOS, Teresinha Azeredo. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 2002.
SACRISTÁN, J. G. El curriculum: uma reflexión sobre a prática. 3. ed. Madri:
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SOUSA, Clarilza Prado de. A avaliação do rendimento escolar: sedimentação
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ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed,
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Anotações














UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  367


CAPÍTULO 3 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

368  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


4
Planejamento e CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

avaliação na escola:
articulação fundamental

Introdução
Visto que a atividade educativa carrega a intencionalidade de garantir que a
aprendizagem se efetive, cada etapa, ou mesmo procedimento da ação docente,
deve ser prevista antecipadamente. Concomitante a esse planejamento, a avaliação,
que nada mais é do que um julgamento para a tomada de decisões, deve incidir
sobre toda ação planejada, proporcionando a revisão sempre que necessário.
Sabemos que nós, professores, temos muita dificuldade em realizar uma
avaliação que demonstre claramente os avanços e as dificuldades de nossos alunos,
que contribua para tomarmos decisões sobre o processo de ensino e aprendizagem
e que possibilite aos nossos alunos e a nós mesmos a efetivação da autoavaliação.
Então o que podemos fazer? Como o planejamento auxilia no processo de
avaliação? Como transformar a avaliação em um instrumento de reflexão da prática
pedagógica? Neste capítulo, conheceremos as características da atual forma de
organização do trabalho na escola e na sala de aula estabelecendo relações entre
essa organização e o processo de avaliação. Faremos uma análise das caracterís-
ticas da nova forma de organização do trabalho pedagógico da escola, estabele-
cendo conexões entre ensino e avaliação. Analisaremos como o planejamento e a
avaliação constituem permanente desafio para quem exerce a tarefa de ensinar.
Para você compreender a atividade educativa como uma ação intencional e,
como tal, sujeita ao planejamento e à avaliação e vincular a avaliação à prática
pedagógica cotidiana no ambiente escolar, é importante que assista previamente
ao vídeo Projetos educacionais e avaliação no sítio Domínio Público: <req://www.
dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=20284>. Esse vídeo demonstra a importância do planejamento atrelado
à avaliação. Expõe também exemplos desse processo a partir do contexto social
em que a escola está inserida, auxiliando na construção de um pensamento crítico
a respeito da avaliação dentro do processo de ensino-aprendizagem, em que a
avaliação perpassa o ato de planejar e de executar.

4.1 Critérios de avaliação


No nosso cotidiano institucional, os critérios de avaliação são formados no
decorrer da própria avaliação, a observação da qualidade da avaliação perma-
nece diretamente ligada a fatores circunstanciais.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  369


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

As avaliações contínuas são pouco praticadas pela falta de experiência na


observação de alunos em atividades diversas e diferenciadas, como: exposição
oral, atividades em grupo, atividades de campo ou extraclasse, entre outras.
A prática que – de fato – predomina em nossas instituições escolares é a
prova cumulativa no final de cada unidade, bimestre, semestre ou ano. Enfim, a
avaliação é praticada como verificação de conhecimentos.
Se pretendermos assumir a avaliação como um instrumento auxiliar da nossa
prática pedagógica cotidiana, é necessário fortalecermos o caráter diagnóstico
previamente ao classificatório. Portanto precisamos superar o paradigma da
avaliação como mecanismo de nivelamento e até mesmo de punição dos alunos.
Devemos trabalhar com o conceito de avaliação como atividade diagnósti-
co-formativa, assim ela terá – para nós professores – utilidade como instrumento
de reflexão sobre os resultados da aprendizagem ou sobre o desempenho dos
alunos em face de uma atividade executada e permitirá – a nós/professores e a
eles/alunos – uma tomada de consciência mais realista do nosso trabalho.
Precisamos ter consciência de que o trabalho pedagógico se processa
lentamente, que seus efeitos sobre os educandos são construtivos e cumulativos,
supondo alterações nem sempre perceptíveis ao condutor da aprendizagem
quando nos prendemos – apenas – a resultados imediatos de desempenho
expressos em uma avaliação finalística.
Se as alterações são de difícil percepção por esses instrumentos, é neces-
sário criarmos e utilizarmos outros mecanismos de acompanhamento, como
fichas, autoavaliações, exposições orais. Na verdade, não existe uma receita.
O trabalho de desenvolvimento de novos instrumentos deve ser a cada momento
repensado e refeito, pois cada sala de aula é única, não é mesmo? Muitas
vezes, o que for muito bom como referência para uma determinada situação,
não o será para outra e assim por diante.
A avaliação diagnóstico-formativa deve ser entendida como um retorno refle-
xivo sobre o processo de aprendizagem, em uma tomada de consciência sobre sua
função de apoio e estímulo, pois é retrospectiva e prospectiva (PENA, 2003).
Muitos professores se preocupam bastante com os conteúdos, mas muitas
vezes não têm clareza do porquê de suas escolhas, ou mesmo do que esperar
do aluno sobre determinado conteúdo. Tanto o professor, quanto o aluno
devem saber a razão pela qual se está ensinando e para que se esteja apren-
dendo. Assim a avaliação diagnóstico-formativa adquire status de relevância
no processo educativo. Lembra-se de que no capítulo 1 estudamos um pouco
sobre tais avaliações? Para relembrar, a avaliação diagnóstica é aquela que
verifica os avanços e as dificuldades do aluno e auxilia na tomada de decisões,
e a avaliação formativa é a que permite o redirecionamento da ação docente
durante o processo.

370  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Só assim o ato de avaliar vai, conforme assevera Pena (2003, p. 146-147),


[...] ajudar a tomada de decisões racionais e abertas propor-
cionando informações e provocando a exploração das próprias
posições de valor de quem decide.
Para viabilizar esse tipo de avaliação, deve-se realizar análise cons-
tante da clareza dos objetivos de ensino pré-estabelecidos, o que
implica mudança na concepção de planejamento e avaliação.
A decisão de trabalhar com objetivos e registrar os avanços feitos
pelos alunos em termos desses objetivos conflitou, em parte, com
a exigência regulamentar do colégio de expressar o aproveita-
mento do aluno em notas na escala de zero a 10 no final de cada
bimestre. Este fato fez com que várias reuniões fossem destinadas
a discussões para encontrar uma forma de expressar a correspon-
dência dos objetivos atingidos, segundo observações e constata-
ções do professor, com as notas a serem atribuídas aos alunos.
O registro dos objetivos alcançados possibilitou ao professor
acompanhar adequadamente o progresso dos alunos, ao invés
de limitar-se a uma avaliação mecânica e formal expressa por
número de pontos atingidos.
A prática de registro, a complexidade que envolve refletir sobre
a dissonância cognitiva, o conflito gerado sobre o sentimento de
impotência perante as dificuldades de determinados alunos e,
por que não dizer, o enfrentamento com alguns pais, o número
excessivo de alunos em sala e a rotatividade de professores foram
fatores negativos no desenvolvimento do projeto.

Podemos observar na citação uma avaliação com características formativas


leva a uma reflexão constante sobre a prática pedagógica e revela aspectos que
muitas vezes queremos deixar encobertos (até de nós mesmos), como:
• o absurdo e a inutilidade de certos conteúdos do ensino;
• a dissonância entre objetivos e práticas;
• a imprecisão do nível de maestria desejado;
• a ignorância em que vive o sistema escolar quanto aos efeitos do ensino
em termos reais (PERRENOUD, 1993).
Os aspectos apontados por Perrenoud são comuns em muitas escolas brasi-
leiras, infelizmente, fruto de processos desencontrados entre equipe docente,
equipe técnica e equipe administrativa. Não são raros os exemplos em que o
exercício do planejamento não ocorre na rotina de trabalho dos educadores. É
preciso que haja reflexão constante da prática educativa de modo que as ações
pedagógicas não sejam oriundas apenas de um processo mecânico.

4.2 O caminho da reflexão


O profissional que se propuser a assumir um novo modelo de avaliação,
revendo antigos paradigmas e estabelecendo critérios coerentes com a abor-
dagem pedagógica, avançará nesse caminho.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  371


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

A sala de aula deve se tornar um espaço de reflexão de aluno e professor, em


que este ator (educador) adote para com aquele (aluno) um novo posicionamento,
estabeleça com ele objetivos claros e requentes/alcançáveis e torne os educandos
corresponsáveis no processo e não só pelo processo. É importante avançar nas
reflexões para questionamentos sobre a própria organização do currículo e as
concepções de conhecimentos estabelecidos e transmitidos pelas disciplinas.
Concluímos com Pena (2003, p. 149) que
[...] mudanças profundas no processo de avaliação implicam na
transformação de todo o contexto pedagógico, ou seja, na forma
como os objetivos educacionais são estabelecidos em termos de
conhecimento, na própria concepção de aprendizagem com a
qual trabalham os professores, na maneira de conceber o plane-
jamento, em suma, em todo trabalho pedagógico. [...] a mudança
não depende apenas da conscientização do professor, mas, prin-
cipalmente, do apoio técnico-pedagógico-administrativo.

Para facilitarmos tal construção de resultados e estimulação da visão crítica,


é importante não agirmos aleatoriamente. E é nessa ação construtiva que entra
o planejamento, inclusive no processo de avaliação.

4.3 O planejamento da ação educativa


A avaliação perpassa os atos de planejar e executar, isto é, deve estar
presente para fazer que tudo seja (re)pensado durante o percurso do que foi
planejado, não apenas lá no final, quando já está tudo pronto.
De acordo com Luckesi (2002), a avaliação se faz presente não só na hora
de identificarmos a perspectiva político-social com a qual pretendemos executar
o trabalho, como também na seleção de meios e ainda na execução do projeto,
tendo em vista sua efetivação.
Assim Luckesi (2002, p. 118-119) afirma que
[...] a avaliação como crítica de percurso, é uma ferramenta neces-
sária ao ser humano no processo de construção dos resultados
que planificou produzir, assim como o é no redimensionamento
da direção da ação. A avaliação é uma ferramenta da qual o ser
humano não se livra. Ela faz parte de seu modo de agir e, por
isso, é necessário que seja usada da melhor forma possível.

O planejamento e a avaliação não são, portanto, dois momentos estanques:


o planejamento dimensiona o que se vai construir; a avaliação subsidia essa
construção, porque fundamenta novas decisões.
A avaliação indica duas direções: a própria produção do projeto, ou o seu
redimensionamento, e um sistema de crítica do próprio projeto que se elaborou
e que se deseja levar em frente.
Importa-nos, agora, analisar diretamente o planejamento em nosso trabalho
institucionalizado: a escola.

372  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

O planejamento serve para conhecer a realidade em que se vai atuar;


sugerir ações sobre essa realidade, desenvolver atividades e avaliar seus resul-
tados permanentemente. No entanto, ainda hoje, há docentes que resistem ao
planejamento, pois acham que é perda de tempo, que não vale a pena, que é
uma mera atividade de preenchimento de instrumentos diversos para cumprir
formalidades burocráticas.

Saiba mais

Que tal assistir um vídeo produzido pela TV Escola (MEC) que destaca,
de modo simples e objetivo, a importância do planejamento no exercí-
cio docente? A sugestão é O planejamernto tintim por tintim, da coleção
Escola em discussão. Intelectuais acadêmicos e professores da Educação
Básica opinam sobre as reais possibilidades de se concretizar um plane-
jamento em sintonia com os processos avaliativos. Vale a pena conferir
no sítio <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.
do?select_action=&co_obra=50407>.

Para planejarmos nossa ação educativa, precisamos estar de posse de


alguns itens específicos, que nos possibilitem a melhor decisão sobre o que se
pretende fazer sobre o modo de atingir aquilo que se pretende.
Especificamente sobre o processo ensino-aprendizagem, precisamos estar
seguros sobre o que desejamos fazer com a educação. Dessa forma, é preciso
termos o seguinte conjunto de conhecimentos:
• filosofia da educação – determinar quais são os valores e seus signifi-
cados – perspectiva axiológica;
• ciências histórico-sociais – ter conhecimento sobre o educando, compreen­­
dendo-o como inserido social e historicamente;
• fatores bio-psíquicos e de desenvolvimento – compreender os processos
de formação biológica e psicológica do público-alvo – psicologia do
desenvolvimento e da aprendizagem;
• conteúdos específicos e interdisciplinares – ter conhecimento seguro
e atualizado dos conteúdos científicos significativos com os quais
trabalhamos.
O planejamento é, portanto, um modo de ordenar nossa ação, tendo em
vista os fins almejados e tendo por base conhecimentos diversos que deem
suporte objetivo à ação.
A atividade e o momento de planejar o pedagógico é um ato coletivo, não
só pelo fato de sermos seres humanos e – por isso – seres sociais, mas indo além

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  373


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

devido ao fato de que o ato de ensino-aprendizagem é uma ação coletiva. Se


o planejamento é coletivo, a execução só poderá se dar no coletivo e, conse-
quentemente, ser vista e avaliada coletivamente. O planejamento participativo
é uma forma de envolver todos nas decisões sobre aonde se quer chegar e
como chegar lá.
O processo de ação-reflexão-ação é fundamental para a garantia da quali-
dade do processo de ensino-aprendizagem e para o autodesenvolvimento do
educador. Tal linha de pensamento é aquilo que chamamos, nos parágrafos
anteriores, de reflexão crítica sobre os atos que praticamos.
A atividade de avaliar caracteriza-se como um recurso que subsidia o cres-
cimento individual e coletivo do educador, tanto quanto a construção de um
resultado satisfatório.
Luckesi (2002, p. 165) reforça essa concepção quando afirma que o
[...] planejamento e a avaliação são atos que estão a serviço da
construção de resultados satisfatórios. Enquanto o planejamento
traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia os redimen-
sionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da
ação. A avaliação é o ato de investigar os resultados intermediá-
rios ou finais de uma ação, subsidiando sempre sua melhora.

A leitura da citação anterior nos permite concluir que, além da ação peda-
gógica e educativa propriamente dita, a avaliação da aprendizagem também
deve ser vista como auxiliar da função do professor na construção de uma
aprendizagem bem sucedida.
O professor que tem consciência da sua função, quando assume uma sala
de aula, sabe o que pretende conseguir. Por isso, antes de iniciar seu trabalho,
ele já traça os objetivos a serem alcançados. Sem esse alvo, sabe que correrá
o risco de fracassar. Mas esse alvo/objetivo não pode ser algo vago, precisa
ser especificado de maneira clara e objetiva, afinal, será ele quem direcionará
as atividades de ensino-aprendizagem a serem desenvolvidos pelo educador.
Elaborar um plano de ensino e definir os objetivos é importante ação a ser
tomada. Aliás, perpassa todo o processo ensino-aprendizagem, inclusive da
avaliação.
Planejamento, ação e avaliação são meios (recursos) da ação pedagó-
gica em busca da construção de resultados satisfatórios tanto para o educando
quanto para o educador.
O ato de planejar implica escolhas e se estrutura em opções filosófico‑po-
líticas. No Brasil, o planejamento em educação, desde o chão da escola até
os altos escalões ministeriais, tem sido conduzido como uma atividade neutra,
sem comprometimentos. Sendo uma técnica neutra, basta se prever a adminis-
tração dos recursos (meios) disponíveis da forma mais eficiente possível.

374  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Diversas vezes o planejamento é apresentado como se fosse um fim em si


mesmo, ou, quando muito, um modo de apenas definir o uso de técnicas. Pouco
ou quase nada se discute sobre o significado social ou político das ações que
estão sendo planejadas.
Isso acontece pelo fato de haver
[...] um senso comum que impera, especialmente na atividade
educativa, de que o ato de planejar é um ato simplesmente
técnico. Essa postura parece tão ‘natural’ que os educadores,
ao planejarem suas ações, na maior parte das vezes, não se
perguntam a que resultados políticos podem conduzir suas ações
(LUCKESI, 2002, p. 108).

O planejamento não é nem exclusivamente um ato técnico, nem unicamente


um ato filosófico e científico. Ele se constitui uma ação:
• político-social – está comprometida com as finalidades sociais e políticas.
• científica – não se pode planejar sem um conhecimento da realidade.
• técnica – exige uma definição de meios eficientes para se obterem resul-
tados eficazes.
Didaticamente, o planejamento também tem sido encarado como uma ativi-
dade neutra. Nas escolas, tal atividade tem sido um modo de operacionalizar o
uso de recursos: materiais, financeiros, humanos e didáticos. Os momentos desti-
nados ao planejamento (geralmente uma semana no início do ano ou semestre)
restringem-se ao preenchimento de formulários com colunas específicas para:
objetivos, conteúdos, atividades, material didático, método de ensino, avaliação
e cronograma.
Com essa postura, o educador assume que a prática educativa é uma coisa
estática, definitiva, como se fosse suficiente o fato de apenas operacionalizá-la,
sem necessidade de redimensioná-la. Podemos afirmar, com clareza, que esse
tipo de atitude, de fato, não é planejar.

Uma avaliação, para ser ponderada como sendo válida, deve ser realizada
em função dos objetivos antecipados, pois, do contrário, o professor obterá
dados isolados que terão pouco valor para determinar o que cada aluno
realmente aprendeu. É somente a partir da formulação dos objetivos que
o educador consegue nortear o processo ensino-aprendizagem e, a partir
deste, definir o que e como julgar, ou seja, o que e como avaliar. Assim
podemos afirmar que o processo de avaliação se inicia com a demarcação
dos objetivos (HAYDT, 2002).

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  375


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

O planejamento deve efetivar uma discussão política da ação que se vai


realizar, diretamente relacionada com o Projeto Político Pedagógico da escola.
O planejamento coletivo/participativo é uma forma de planejar que envolve
todos os atores da ação educativa nas decisões sobre aonde se quer chegar e
de que maneira chegar. Na sala de aula, se o educando também tiver a possibi-
lidade de participar das decisões, o resultado será ainda melhor.
Se já não é suficiente para o planejamento escolar pensar nos meios, nas
técnicas e nos recursos tecnológicos, como fazer o planejamento escolar?

4.4 Possibilidades do planejamento escolar


O planejamento escolar deve, além de ser coletivo/participativo, contem-
plar os fins e os valores que devem orientar a educação, ganhando, assim, a
dimensão de uma decisão política, científica e técnica. É necessário ultrapassar
o âmbito puramente técnico, sem abandoná-lo, integrando-o em uma dimensão
social e política.
A avaliação é um olhar constante e crítico sobre o que se fará e sobre o
que se está fazendo. Esse olhar permite tomar decisões sobre as maneiras e as
formas de melhorar a qualidade da construção do projeto. A avaliação contribui
para identificar impasses e encontrar alternativas de superação, subsidiando o
acréscimo de soluções alternativas, quando necessárias.
Apesar da sua importância, o planejamento não pode funcionar como um
engessamento, nem para os profissionais da educação, nem para os alunos. As
ações previstas precisam ser constantemente avaliadas, as decisões revistas e,
quando necessário, modificadas.
Portanto precisamos, enquanto educadores, nos lembrar que enquanto
“planejamento é o ato pelo que decidimos o que construir, a avaliação é o ato
crítico que nos subsidia na verificação de como estamos construindo o nosso
projeto” (LUCKESI, 2002, p. 118).
Assim a revisão das decisões e a adoção de novas medidas, longe de
demonstrar fracasso do educador ou da equipe, revelam compromisso e compe-
tência na condução do processo ensino-aprendizagem.
No próximo capítulo, continuaremos a caminhada! Discutiremos a possibi-
lidade da utilização de diferentes instrumentos na prática avaliativa, ou seja, a
adoção de uma nova abordagem avaliativa no contexto escolar. Para tanto, é
preciso refletir sobre os instrumentos casuais utilizados nesse processo. E, assim,
daremos uma atenção especial à prova, instrumento comum a todos.

Referências
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Avaliação do processo ensino-aprendizagem. 6. ed.
São Paulo: Ática, 2002.

376  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. 14. ed. São Paulo: Cortez,


2002.
PENA, M. de los D. J. Avaliação de aprendizagem: instrumento de reflexão
da prática pedagógica. In: ALONSO, M. (Org.). O trabalho docente: teoria &
prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas profissão docente e formação. Lisboa:
Dom Quixote, 1993.
ROMÃO, José Eustáquio. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São
Paulo: Cortez, 1998.

Anotações
























UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  377


CAPÍTULO 4 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

378  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


5
Avaliação escolar: CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

procedimentos e instrumentos
usados na escola

Introdução
Vamos estabelecer um diálogo com professores do Ensino Fundamental? Pois
bem, discuta com alguns professores sobre qual é o instrumento de avaliação mais
utilizado em sua prática pedagógica. Faça uma lista de tais instrumentos. Esse
contato com outra pessoa, que faz parte do mundo profissional da educação,
servirá como base para iniciarmos as discussões que serão feitas neste capítulo.
Aqui, veremos que o instrumento de avaliação comumente utilizado é a prova.
E a comprovação disso será esse diálogo que você estabelecerá previamente
com tais professores. Esse conhecimento prévio servirá para que você faça uma
reflexão sobre o tema que será abordado.
Esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de compreender a
importância da utilização de diferentes instrumentos na composição dos referen-
ciais necessários à prática de uma avaliação processual e perceber que a prova
não é o único instrumento de avaliação no cotidiano da sala de aula.
Durante o estudo dos capítulos anteriores falamos da dificuldade encontrada,
no dia a dia das aulas, na realização de um processo avaliativo que possibilite
uma ampla visão de como está sendo desenvolvido o processo ensino‑aprendi-
zagem de um determinado grupo-classe. Inúmeros fatores dificultam a prática
educativa desenvolvida pelo professor (salas de aula numerosas, precariedade
dos materiais, falta de apoio da equipe técnica, ausência de recursos pedagó-
gicos, dupla jornada de trabalho etc.), porém não podemos nos prender a essas
questões, afirmando que uma prática diferente não possa ser exercida.
Pois é, a prova, em milhares de ocasiões, nas mais diferentes escolas, tem
um significado histórico de lembranças não tão agradáveis:
• preocupação;
• desassossego;
• nervosismo;
• ansiedade;
• medo.
O texto a seguir, retirado de Vasconcellos (2000, p. 103), pode ser visto
como uma caricatura que se tem a respeito da prova. A pequena redação
demonstra a preocupação que um aluno tem assim que fica sabendo o dia em
que ela será realizada. É sobre essa aversão, esse medo, que queremos refletir
nas próximas páginas.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  379


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

5.1 História do exame


Se formos buscar uma retrospectiva histórica a respeito da prova, veremos
que ela está relacionada aos exames ditos tradicionais. É muito comum incluirmos

380  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

a prova em um contexto estrutural dos sistemas de ensino. Parece-nos quase


impossível imaginar uma prática escolar, por exemplo, que não faça uso da
prova. Mas nem sempre foi assim.
Sobre a sociologia dos exames, vale lembrar que não há registros de
exames regulares antes da Idade Média, mesmo a sociedade já contando com a
presença de instituições escolares. A evolução dos exames, na verdade, acontece
com a formação da sociedade moderna, sendo firmado pela classe burguesa
que procurava “substituir os privilégios garantidos por nascimentos e fortuna
na sociedade aristocrática pela competência alcançada mediante o estudo e a
ação” (AFONSO, 2005, p. 30).
Passeron citado por Afonso (2005, p. 30) ensina que o exame, no sistema
de ensino, foi marcando presença pela
[...] sobrevivência característica de uma época histórica (a do
nascimento do Estado burguês e do capitalismo) na qual as
burocracias estatais e privadas pediam ao sistema escolar que
lhes fornecesse indivíduos hierarquizados e catalogados uma
vez por todas.

É fácil perceber que os processos educativos, como o próprio nome sugere,


foram se transformando ao longo do tempo. São processos, ou seja, algo dinâ-
mico, mutável. Isso não acontece só com a área da educação. Todo processo
científico é marcado pelo seu tempo. Com relação à avaliação, ao longo do
século XIX, os exames foram sendo usados como instrumento de controle do
Estado perante os processos de formação dos indivíduos, mediante a compro-
vação dos saberes acumulados na trajetória de vida. A avaliação, então, funcio-
nava como um recurso de fiscalização, intimidação, controlado pelo professor.

5.2 Instrumento classificatório


Atualmente a avaliação, além de exercer a tradicional função de classificar,
tem exercido a função de diagnosticar dificuldades específicas e controlar se
os objetivos que haviam sido previstos no processo ensino-aprendizagem estão
sendo alcançados.
Vale lembrar que, durante a aplicação dos instrumentos de avaliação, o
professor precisa conscientizar-se de que não é possível medir toda a aprendi-
zagem dos alunos, pois os instrumentos viabilizam apenas amostras dos resul-
tados alcançados. Por isso o professor deve fazer uso de todos os recursos
disponíveis de avaliação, para que assim possa obter o maior número possível
de dados e tornar a avaliação válida.
Deduzimos, com isso, que o desenvolvimento do processo ensino-aprendi-
zagem deve ser seguido de uma avaliação constante. Isso, por si só, evita a
situação exposta anteriormente dada por Vasconcellos (2000) sobre o medo que

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  381


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

o aluno tem da prova. Verificações periódicas servem como incentivo ao aluno


que não estuda apenas às vésperas da prova e sim sistematicamente.
Vale lembrar que não basta também apenas aumentar o número de provas
ou avaliações, isso por si só não contribui em nada para melhoria da aprendi-
zagem. O aluno precisa ter consciência dos seus erros e acertos, ter oportuni-
dade de corrigir os erros (ou seja, aprender aquilo que não havia aprendido).
Concomitante a isso, afirmamos, durante o texto das outras temáticas, que a
avaliação necessita ser compreendida como um instrumento de reflexão sobre a
prática pedagógica. É preciso ficar claro que a prova é também um instrumento
da avaliação. Não o único! É importante para o professor saber que há outros
instrumentos e outras técnicas de avaliação. Haydt (1999, p. 206) aponta os
aspectos que temos de levar em consideração na seleção desses instrumentos e
dessas técnicas:
• [...] os objetivos visados para o ensino-aprendizagem (apli-
cação de conhecimentos, habilidades, atitudes);
• a natureza do componente curricular ou área de estudo;
• os métodos e os procedimentos usados no ensino e as situa-
ções de aprendizagem;
• as condições de tempo do professor;
• o número de alunos da classe.

A qualidade da avaliação relaciona-se à qualidade dos instrumentos que


são utilizados durante o processo. É claro que, se um professor utiliza somente a
prova como instrumento de avaliação, suas chances de praticar uma educação
de qualidade ficam delimitadas. Pior ainda fica essa realidade quando as
provas são realizadas uma vez por mês ou, sabe-se lá, a cada dois meses. Vale
uma pergunta: e os outros dias de aula, para quê serviram? Só de acúmulo de
conteúdos para o aluno provar, no dia da prova, que conseguiu assimilá-los?
Acreditamos que, desse modo, o processo avaliativo de nada ajuda para que
o aluno construa seus conhecimentos. Entretanto vale lembrar que acrescentar
outros instrumentos ao processo, sem se preocupar com a qualidade deles,
apenas dá continuidade à impropriedade da avaliação.
Fica então a dúvida: será que a prova não é um bom instrumento de
avaliação?
Para respondermos à dúvida anteriormente levantada, é preciso saber, afinal,
qual o objetivo que se tem com a sua aplicação. A prova, relativamente, pode
servir, para alguns professores, como um instrumento de apoio ao trabalho do
professor, mas o que temos visto nas práticas escolares atuais (e nós passamos
também por isso!) é a sua utilidade como uma forma de bem-estar ao trabalho
do professor ou de determinação da instituição.
Vasconcellos (1998, p. 65) assevera que

382  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

É mais cômodo (permite um tempo para “respirar”, corrige tudo


de uma vez etc.); o professor tem a visão de “sempre foi assim”;
não percebe a necessidade de mudar; não sabe como fazer dife-
rente; sente-se seguro assim, já que existe uma legitimação social
para este tipo de prática; existe a possibilidade de usá-la como
ameaça para o aluno (forma de controle do comportamento); e
localiza o problema no aluno; não se questiona o processo.

É este o “X” da questão: os modelos de avaliação que temos presenciado


por aí não fazem questionamento sobre o processo escolar, tanto de ensino do
professor quanto de aprendizagem do aluno. O que a prova tem feito é simples-
mente classificar os alunos a cada período pré-determinado da sua vida. Não há
uma relação com o processo ensino-aprendizagem como um todo. Dessa reali-
dade, surge o aluno preocupado somente com o produto dos dias frequentados
na escola, ou seja, com as notas das provas.
Veja bem, não podemos confundir a avaliação com a prova e, muito menos,
com a nota aplicada a esta última. Avaliação é um processo amplo, a prova
é um instrumento da avaliação, que gera uma nota, que é uma das maneiras
de ser concretizada a avaliação. Desse modo, é preciso que fique claro que
“podemos atribuir nota sem ser por prova, bem como podemos avaliar sem ser
por nota” (VASCONCELLOS, 2000, p. 44).
O professor não pode exigir que seus alunos simplesmente esqueçam a
nota, afinal ela existe e, em muitos casos, reprova. Entendemos que o melhor
caminho ao professor é fazer com que seus alunos percebam que a nota é uma
consequência do processo de aprendizagem pelo qual estão passando.
Se o aluno aprender, ele terá uma boa nota. Todavia uma boa nota nem
sempre é sinal de que o aluno aprendeu. Temos aqui duas diferentes situações:
memorizar determinados conteúdos pode até ajudar no momento da prova, mas
e depois? Quantos e quantos conteúdos pensamos ter aprendido, quando, na
verdade, apenas decoramos?
Vasconsellos (1998, p. 66) faz uma alusão ao universo chamado prova. O
autor explicita que,
Na pesquisa com os professores, a prova aparece ao mesmo
tempo como prática mais utilizada e como a prática mais consi-
derada como “não tão adequada”. Como justificativa da não
adequação foram apontados o fato de ser por escrito, individual,
ter tempo determinado para realização etc. Ora, entendemos
que a questão central da prova não é o fato de ser escrita ou
individual; a nosso ver, o grande nó está no seu caráter de termi-
nalidade, de intransitividade ou melhor de irreversibilidade, qual
seja, acaba fossilizando um determinado momento da produção
do sujeito (concretizado na nota), não possibilitando a supe-
ração, o crescimento, condenando o aluno no futuro (não atingir
“média” para passar, por exemplo), bem como levando a baixar
sua autoestima.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  383


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Em decorrência destas interferências – além da própria questão


da qualidade do instrumento –, não se tem certeza de que aquilo
que o aluno expressou na prova realmente corresponde ao seu
conhecimento; pode haver influência seja da tensão emocional a
que estava submetido, seja da “cola” (mental ou material) a que
eventualmente recorreu.
Desta forma, a prova pode levar à não percepção e/ou não
compromisso com as necessidades do aluno, à acomodação com
escores ou medidas. Uma pergunta que surgiu mais de uma vez
e que faz pensar sobre o significado da prova: no dia em que
não houver mais reprovação – portanto, não existir mais o terror
em relação à avaliação – poderia se utilizar a prova como instru-
mento de avaliação? A nosso ver, o risco continuaria: o professor
se ater ao momento da prova e não ao processo. A existência da
reprovação potencializa o problema da prova, mas ele continua
existindo mesmo quando aquela deixa de ocorrer.
A prova acaba tendo um papel político-ideológico na medida em
que serve de legitimação do fracasso do aluno, em função do
seu revestimento de um certo caráter “objetivo”, de uma pretensa
“cientificidade”: o resultado obtido é tido como verdadeiro e
imutável, o que é um enorme equívoco, em face da fragilidade
de sua elaboração, aplicação e correção.

A ideia de Vasconsellos é justamente a discutida aqui neste capítulo. Não se


pode utilizar certa técnica de avaliação apenas aleatoriamente. O instrumento de
medida deve ser criteriosamente escolhido e de acordo com os objetivos previstos.
A escolha dos recursos utilizados no processo de avaliação deve depender dos
objetivos propostos para o ensino-aprendizagem, assim como do nível da classe.
A seguir, destacaremos alguns instrumentos e suas técnicas que podem faci-
litar o trabalho avaliativo do professor.

5.3 Técnicas e instrumentos de avaliação


Ao escolher o instrumento de avaliação (prova – dissertativa ou objetiva,
observação, relatórios, dossiês e portfólios, conselhos de classe etc.), o professor
precisa lembrar-se de que tal escolha deve ser adaptada à realidade da classe
com a qual trabalha.
Em diferentes situações, o aluno pode usar como suporte a escrita, a orali-
dade ou até mesmo o desenho, visto que todos esses suportes são formas de
comunicação. Nesses casos, por exemplo, o professor deve levar em conta
aquilo que ele considerará válido no processo de avaliação de acordo com os
objetivos propostos a serem alcançados. Deve tomar sempre o cuidado neces-
sário, afinal, dependendo do que ele utilizar como material de aprendizagem
ele poderá causar inibição ou rejeição nos alunos. Um exemplo é o contexto
em que o instrumento será utilizado. Suponhamos que um aluno goste de traba-
lhar isoladamente, sentindo-se mais seguro. Sabemos que, em uma atividade

384  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

individual, seus resultados serão melhores. Se o professor aplica um instrumento


de avaliação em grupo, o resultado de tal atividade requerida poderá ser o
resultado de um bloqueio por parte desse aluno. Não queremos dizer com isso
que o professor, nesse caso, deveria fazer uso de um instrumento de avaliação
para cada tipo de aluno que ele tem em sala de aula. O que queremos sugerir
é que a diversificação é uma atitude desejável quando o assunto é avaliação no
processo ensino-aprendizagem.

Saiba mais

Que tal conhecer um pouco mais seu aluno, além dos limites de aprendi-
zagem dos conteúdos? Isso é o que propõem as autoras Vera Oliveira e
Nadia Bossa por meio do livro Avaliação psicopedagógica da criança de
7 a 11 anos, publicado pela editora Vozes. Temas como relações sociais,
inclusive no ambiente escolar, servem como base inspiradora das reflexões
sobre os comportamentos da criança que frequenta os anos iniciais do En-
sino Fundamental. As autoras alertam aos pais e aos professores que tais
comportamentos são fontes reveladoras da organização interna infantil, da
visão que a crianças tem do mundo e de si mesma.

Cada professor, a partir do contexto e das necessidades de seus alunos,


utiliza os instrumentos de avaliação que mais lhe serão úteis. Haydt (2002,
p. 140) ensina que:
A técnica sociométrica mais conhecida e aplicada foi criada pelo
psiquiatra romeno J. L. Moreno, e consiste de algumas perguntas
a serem respondidas pelos alunos, razão pela qual, às vezes, é
também chamada de teste sociométrico. As perguntas são:
— Qual o ou a colega com quem você gostaria de estudar?
— Com quem você não gostaria de estudar?
— Qual o ou a colega com quem você gostaria de trabalhar?
— Com quem você não gostaria de trabalhar?
— Qual o ou a colega com quem você gostaria de se divertir?
— Com quem você não gostaria de se divertir?
A partir dessas perguntas, é realizada a tabulação das respostas
e elaborado o sociograma, que é a representação gráfica ou
pictórica da tabulação sociométrica. A técnica sociométrica e o
sociograma (que é a sua representação gráfica) permitem veri-
ficar como estão as relações sociais no ambiente da sala de aula,
reconhecer os líderes aceitos e identificar os alunos que, por
algum motivo, estão marginalizados (grifo nosso).

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  385


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

A seguir, apresentamos algumas possíveis técnicas e instrumentos que podem


ser utilizados no processo de avaliação.

Quadro Técnicas e instrumentos avaliativos.


Técnicas Instrumentos Observações
Testagem Prova objetiva ou Esteves (1973, p. 48) reserva o termo
(aplicação de teste construído “prova objetiva” apenas para designar o
testes) pelo professor teste elaborado pelo professor.
Divide-se em quatro grandes grupos:
Teste estan- • teste de inteligência
dardizado ou • teste de aptidão
padronizado • teste de personalidade
• teste de escolaridade ou conhecimentos
Esteves (1973, p. 74) esclarece que “a
distinção entre testes objetivos e subje-
Prova de tivos é mais uma questão de grau do que
Aplicação de dissertação de qualidade propriamente dita. Nenhum
provas subjetivas
Exame oral teste é completamente objetivo ou completa-
mente subjetivo. Alguns são mais objetivos,
variando entre eles o grau de objetividade”.
Questionário de
Autoavaliação
autoavaliação
Avaliação recí-
proca das
Sociograma
crianças: técnicas
sociométricas
Anedotário
Ficha cumulativa De acordo com Esteves (1973), o professor
pode realizar uma observação dos trabalhos
Observação Roteiro de do aluno ou, então, fazer uma observação
entrevista direta do seu comportamento. A observação
Roteiro de visita à pode ser casual ou sistemática.
casa do aluno
No estudo de caso,
“Consiste em uma análise cuidadosa e
todas as técnicas e
completa das condições de vida da criança”.
instrumentos mencio-
(ESTEVES, p. 100). O estudo de caso é reali-
nados anteriormen­te
Estudo de caso zado quando o aluno apresenta maiores difi-
devem ser utilizados
culdades de ajustamento, e por isso precisa
para obter o maior
de atenção mais demorada e encaminha-
número possível de
mento para clínica médica ou psicológica.
informações.
Fonte: Haydt (2002, p. 57).

Conforme vimos no quadro, a variedade de instrumentos de avaliação que


o professor pode utilizar é grande. Porém, alguns são de difícil utilização na

386  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

aula devido a inúmeros problemas. Assim, a partir da prática desenvolvida, o


professor deve optar por aquelas que lhe forem mais adequadas.
Para concluir nossas discussões acerca dos instrumentos de avaliação,
podemos afirmar que constatamos como a prova se apresenta de modo polê-
mico na organização pedagógica de uma escola. Não queremos, de modo
algum, fazer uma apologia ao fim da avaliação. O que apresentamos, ao longo
dessa temática, foram justificativas que demonstram o quanto a prova pode ser
ineficaz no contexto do processo avaliativo.
É preciso, é claro, que o aluno produza conhecimentos e que se expresse
durante o processo educativo, entretanto isso não precisa (não deve!) acontecer
somente pelo intermédio da prova.
No próximo capítulo, envolveremos algumas concepções contemporâneas
sobre a avaliação em nossos estudos de tal modo que possamos percebê-la
como um momento dialógico e mediador entre os sujeitos participantes do
processo de ensino-aprendizagem que objetiva a ampla transformação da
prática pedagógica.

Referências
AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação educacional: regulação e emancipação.
3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
HAYDT, Regina Célia Cazaux. Avaliação do processo ensino-aprendizagem.
6. ed. São Paulo: Ática, 2002.
______. Curso de didática geral. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999.
VASCONCELLOS, C. dos S. Avaliação: concepção dialético-libertadora do
processo de avaliação escolar. 11. ed. São Paulo: Libertad, 2000.
______. Avaliação da aprendizagem: práticas de mudança por uma prática
transformadora. São Paulo: Libertad, 1998.

Anotações







UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  387


CAPÍTULO 5 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

388  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


6
Avaliação: erros e CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

acertos em questão para


repensar o processo

Introdução
Como pré-requisito deste capítulo, pedimos que você vá ao sítio do Youtube
e assista ao vídeo da música é Estudo errado, de Gabriel, o Pensador. Esse
vídeo é uma crítica ao estudo tradicional, o que, consequentemente, envolve
a avaliação. Muitas vezes uma boa nota não significa, necessariamente, que
houve aprendizagem, e o contrário também pode ser uma verdade. Assista a
esse vídeo e, durante a leitura do capítulo, faça uma correlação entre o que ele
diz e entre as abordagens que destacaremos a seguir. Você encontra o vídeo
no sítio <req://www.youtube.com/watch?v=lIs56BcezG8>. Tal conhecimento
prévio é importante, pois fará a ponte entre a avaliação tradicional que ali
é citada e a nova concepção de avaliação que discutimos no decorrer deste
caderno, assim como também, entre o conceito que a avaliação tradicional tem
sobre erros e acertos.
Lembra-se do capítulo 1? Nele, tratamos das concepções da avaliação. Pois
bem, observamos que existe uma concepção baseada na visão positivista. Nasce
daí o sistema de avaliação fundamentado no julgamento de erros e acertos.
Infelizmente, o erro está associado à ideia de fracasso quando tratamos do
campo da educação. É igual pensarmos em goiabada, sempre nos lembramos
de queijo.
Mas será que fazer tal alusão é sempre correto? É justamente isso que
discutiremos neste capítulo. Trataremos da concepção existente acerca do erro
e dos benefícios que ele pode trazer ao processo de ensino-aprendizagem. É
isso mesmo! Você não leu errado. Benefícios! Você entenderá do que estamos
falando mais adiante. Também abordaremos três novos paradigmas a respeito
da avaliação que permitem uma mudança não apenas no discurso do processo
de avaliação da aprendizagem, mas principalmente, da prática.

6.1 Avaliação como medição


É comum vermos a seguinte cena: o professor ensina o conteúdo, dias
depois, ou meses depois (geralmente um bimestre), aplica uma prova sobre o
assunto dado, corrige a prova, conta os erros e acertos, entrega os resultados
e parte para uma nova etapa (apresentação de novos conteúdos). Onde está o
erro? Sim, essa também é a pergunta que muitos estudiosos da área têm feito.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  389


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

O que houve com os erros dos alunos? Foram desprezados e somente os acertos
levados em conta?
Luckesi (1995) denomina tal prática de verificação e não avaliação. E só a
verificação não é algo suficiente no processo de ensino-aprendizagem. Muitos
pensadores têm, ao longo dos anos, associado a ideia de erro a palavras
como esperança.
Quando o professor adota o par erro e fracasso está, na verdade, despre-
zando um e potencializando o outro. Sabemos que o erro pode ser um dado,
pois é detectado na avaliação, mas o erro não precisa necessariamente ser o
indutor do fracasso. Só o será se houver uma interpretação errônea. Quer um
exemplo? Digamos que um professor do 5º ano faça a correção de uma prova
dissertativa da disciplina de português. Nela, ele poderá encontrar diversos erros
gramaticais, ortográficos e achar que a produção do aluno foi um fracasso. No
entanto outro professor da mesma área poderá fazer tal correção e considerar
a produção textual do aluno excelente. Ou seja, em uma mesma prova, com os
mesmos erros, dois professores diferentes podem fazer avaliações diferenciadas.
Enquanto um prioriza determinado fator, considerando falhas graves, o outro
pode perfeitamente priorizar outros fatores e considerar os erros pontes para
novas construções de conhecimentos.
Esse exemplo demonstrou que erro não é sinônimo de fracasso, tampouco
o fracasso é sempre algo atrelado somente ao aluno. Verificamos com isso que
errar não significa necessariamente fracasso no processo de aprendizagem e,
muito menos, de ensino.

Saiba mais

Para ter uma melhor concepção da ideia de fracasso atribuída ao erro, in-
dicamos que você leia o artigo de Adriana Marcondes Machado intitulado
Avaliação e fracasso: a produção coletiva da queixa escolar, do livro Erro
e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas, organizado por Júlio
Groppa Aquino.

A avaliação do processo de ensino-aprendizagem requer que o professor


saiba distinguir entre o que pode ser um simples erro de informação e problemas
no desempenho de capacidades. O erro, como veremos a seguir, pode e deve ser
retificado, mas a “avaliação do desenvolvimento de capacidades não comporta
com precisão, e em termos absolutos, o certo ou errado, ainda que possa estar
aquém ou além do que esperamos” (AQUINO, 1997, p. 16). Lembrando que
devemos levar em consideração os objetivos previamente estabelecidos para o
nível de escolaridade e para a faixa etária.

390  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Observemos o exemplo, a seguir, citado por Hoffmann (2006, p. 52).


Paulo Ricardo respondeu às seguintes questões da prova de ciên-
cias / 3ª série:
1. Como são os ossos das aves?
Os ossos das aves são ocos, são pneumáticos.
2. Como é feita a impermeabilização das pernas das aves?
É feita em consultórios.
A segunda resposta do aluno surpreende, é curiosa, diferente.
Resumiu-se o professor a considerá-la errada e ponto final. Não
teve ele curiosidade sobre as ideias do aluno que o levaram a
responder assim.
O pensamento do menino traçou caminhos um tanto curiosos
para chegar à resposta. Conversando com ele, a mãe descobriu
seus “entendimentos” e “desentendimentos” a respeito do assunto
tão complicado para sua idade: Paulo relacionou, inicialmente,
os dois termos que aparecem anteriormente: “pneumáticos” e
“impermeabilização”, como se tivessem sentidos análogos. Ele
entendeu o significado do pneumático e sua resposta demonstra
isso. Respondeu à segunda questão a partir de tal entendimento
e pensando em quem seria responsável no cuidado com ossos.
Como seu irmão, de braço quebrado, fora ao consultório médico
em dias anteriores, chegou àquela resposta.

O exemplo mencionado na citação demonstra o quanto o professor precisa


ficar atento à produção dos alunos. Um simples diálogo com o aluno Paulo
Ricardo daria ao professor subsídios para compreender o porquê da referida
resposta à segunda questão. Isso ajudaria, inclusive, no redimensionamento
do planejamento executado, fazendo que houvesse um aproveitamento do erro
demonstrado pelo aluno.
Agora veja o segundo exemplo também citado pela mesma autora.
Lúcia, na 5ª série, leu um texto do qual fazia parte o seguinte
parágrafo:
Dona Brígida Pontes pediu licença para examinar a pobrezinha
e logo descobriu – o que é um olho clínico! – que a tartaruga era
macho. Falou:
— Se o senhor quiser, levo-o para minha casa, deixo junto com a
“Negrinha”. (Negrinha é a tartaruga-fêmea de dona Brígida)
O Doutor Onisvaldo concordou. Engraçado que, ao que tudo
indica, a dupla se deu muito bem. “Negrinha” ficou mais viçosa
e a tartaruga do doutor ganhou vitalidade e até uma espantosa
agilidade. Estão morando juntos, talvez até definitivamente...
(Diaféria, 1982, p. 23).
Ela respondeu às seguintes questões, entre outras, de “interpre-
tação do texto:

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  391


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

1. Quais os efeitos advindos da solução adotada por dona


Brígida?
A tartaruga havia melhorado e até ficou mais esperta.
2. Explique a expressão do texto: “– o que é um olho clínico!”
Um olho clínico é se uma tartaruga é macho ou fêmea.
A menina teve suas duas respostas consideradas erradas pela
professora de português. A primeira resposta foi considerada
errada por não ser cópia fiel do texto, e a professora disse isso
claramente quando a questionei: “- Eu queria que a aluna respon-
desse: “ganhou vitalidade e até uma espantosa agilidade”. A
segunda resposta o foi porque a aluna escreveu de fato o que
entendeu sobre a expressão presente no texto (olho clínico),
deveras difícil de explicar até mesmo para um adulto que dela se
utilize! (HOFFMANN, 2006, p. 53).

De acordo com Hoffmann (2006) esse caso comum é sério, pois em uma
situação como essa, a professora espera que a aluna faça cópia, ou seja, na
verdade, ela não está fazendo a avaliação baseado em fazer análise e reflexão
sobre as possibilidades dos alunos no seu processo de construção de conheci-
mento. Copiar respostas de um texto significa que o aluno não precisou fazer
reflexão e entendimento próprio, tornando-se passivo.
Estamos querendo dizer com isso que corrigir tais exemplos como errados
é uma atitude equivocada do professor? Não! Mas reduzir a avaliação à
concepção de medida é usar o processo avaliativo como algo simplista. O
processo de avaliação deve ser algo aprofundado nas causas e nas consequên-
cias dos erros. O erro e sua detecção podem ser um ponto de partida para a
continuidade do processo ensino-aprendizagem.
Mas, nessa continuidade, é necessário que exista reflexão sobre cada
resposta do aluno. Não há como generalizar diferentes erros e aplicar a todos
os mesmos procedimentos de intervenção. É aquela velha questão manter o
equilíbrio. Não se pode sempre dar a resposta certa ao aluno, ou considerar
que todo erro possa ser construtivo e que a partir dele o aluno pode descobrir
respostas.
Baseado no que foi exposto anteriormente, você deve estar confuso! Mas
o que estamos tentando expor é que a exacerbada valorização do acerto e a
punição do erro devem ser invertidas. No processo avaliativo, a criança precisa
ser respeitada. A correção do erro deve favorecer a ela não apenas a compreen­
­são, mas também o desenvolvimento da autonomia.
A avaliação dentro do processo de ensino-aprendizagem deve ser algo
contínuo, cumulativo e sistemático e objetivar não apenas o resultado, mas como
investigação com relação a como está o processo ensino-aprendizagem.
Portanto o erro ocupa não apenas o sinônimo de ausência de conheci-
mento, mas um novo ponto de partida que possibilitará ao professor tomar novas

392  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

decisões e reformulações no processo ensino-aprendizagem e como ponto de


chegada no sentido de apontar ao professor o conhecimento que o aluno conse-
guiu construir até então.
Conseguiu perceber que até aqui procuramos contextualizar a avaliação
sempre em busca de um direcionamento qualitativo ao seu processo? A avaliação
é uma etapa da prática pedagógica que possibilita a tomada de decisões para
um possível redirecionamento em busca dos objetivos. Cabe lembrar que essa
etapa não deve ficar restrita a um determinado período do processo. O próprio
nome já diz, é um processo de educação, um processo de avaliação. Portanto a
avaliação deve acontecer, como citamos anteriormente, de maneira contínua, de
modo que seja empregada como um componente orientador da ação docente.
É com a perspectiva de orientação, tendo por objetivo a mudança da reali-
dade vigente, que apresentamos a seguir três eixos norteadores para a avaliação.
Antes disso, queremos reforçar que estamos considerando a avaliação enquanto
uma postura de olho vivo por parte dos educadores, colaborando para que
sejam tomadas decisões relevantes alusivas ao processo ensino-aprendizagem.

6.2 Que caminho seguir?


Acreditamos que a alternativa é encarar a avaliação como uma possibili-
dade real, concreta, de democratização do ensino, modificando o rótulo de
classificatória para diagnóstica. Diagnosticar para transformar. Essa transfor-
mação pode vir a ser efetivada por três novos pontos de vista, três novos para-
digmas, que se completam, a respeito da avaliação: dialogar, mediar e eman-
cipar. Vamos a eles.

6.2.1 Avaliação emancipatória


A professora Ana Maria Saul, que atuou por muito tempo ao lado do grande
mestre Paulo Freire, concebe a avaliação como um percurso para a emanci-
pação não só dos sujeitos participantes do processo, mas de todo o projeto
educacional envolvido. Saul (1999, p. 61) explica que
A avaliação emancipatória caracteriza-se como um processo de
descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando a
transformá-la. Destina-se à avaliação de programas educacionais
ou sociais. Ela está situada em uma vertente político-pedagógica
cujo interesse primordial é emancipador, ou seja, libertador,
visando a provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de
condicionamentos deterministas. O compromisso principal desta
avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indireta-
mente envolvidas em uma ação educacional escrevam a sua
“própria história” e gerem as suas próprias alternativas de ação.
A avaliação emancipatória tem dois objetivos básicos: iluminar o
caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  393


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

de torná-las autodeterminadas. O primeiro objetivo indica que essa


avaliação está comprometida com o futuro, com o que se pretende
transformar, a partir do autoconhecimento crítico do concreto, do
real, que possibilita a clarificação de alternativas para a revisão
desse real. O segundo objetivo “aposta” no valor emancipador dessa
abordagem, para os agentes que integram um programa educa-
cional. Acredita que esse processo pode permitir que o homem, por
meio da consciência crítica, imprima uma direção as suas ações
nos contextos em que se situa, de acordo com valores que elege e
com os quais se compromete no decurso de sua historicidade.
Os conceitos básicos envolvidos nesta proposta são: emanci-
pação, decisão democrática, transformação e crítica educativa.

O paradigma emancipatório no campo da avaliação nos processos educa-


tivos do Brasil foi ganhando força a partir do final da década de 1990 e inspirou
diferentes gestões públicas a pensarem, organizarem e estruturarem os sistemas
de ensino a partir de bases democráticas populares. Na avaliação emancipa-
tória, a atuação dos diferentes sujeitos que compõem a escola é fundamental na
construção de uma proposta crítica e participativa.
Dessa forma, a avaliação emancipatória deve facilitar os diferentes procedi-
mentos para que a escola cumpra com sua função social que é a de conscienti-
zação daqueles que participam do seu cotidiano.

6.2.2 Avaliação mediadora


A palavra mediação tem como sinônimos intermediação, intervenção, entre
outras. Assim, em uma avaliação mediadora, precisa justamente haver interfe-
rência de um mediador para o alcance de objetivos. Para isso, alguns princípios
devem ser levados em conta. Hoffmann (2003, p. 56) diz que os princípios
coerentes a uma ação avaliativa mediadora são:
• oportunizar aos alunos muitos momentos de expressar suas
ideias;
• oportunizar discussão entre os alunos a partir de situações
desencadeadoras;
• realizar várias tarefas individuais, menores e sucessivas, inves-
tigando teoricamente, procurando entender razões para as
respostas apresentadas pelos estudantes;
• ao invés do certo/errado e da atribuição de pontos, fazer
comentários sobre as tarefas dos alunos, auxiliando-os a
­localizar as dificuldades, oferecendo-lhes oportunidades de
descobrirem melhores soluções;
• transformar os registros de avaliação em anotações significa-
tivas sobre o comportamento dos alunos em seu processo de
construção de conhecimento.

Somente esses princípios, porém, não são garantia de que tenhamos uma
prática avaliativa mediadora. O comportamento profissional dos educadores

394  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

denuncia se a docência é composta por tal avaliação. A seguir, Hoffmann (2003,


p. 75) descreve a postura esperada de um educador mediador:
Analisar teoricamente as várias manifestações dos alunos em
situa­­ção de aprendizagem (verbais ou escritas, outras produções),
para acompanhar as hipóteses que vêm formulando a respeito de
determinados assuntos, em diferentes áreas de conhecimento, de
forma a exercer uma ação educativa que lhes favoreça a desco-
berta de melhores soluções ou a reformulação de hipóteses preli-
minarmente formuladas.

Percebemos que há um acompanhamento das ações estudantis que visa,


paulatinamente, ao acesso aos saberes e aos conhecimentos historicamente cons-
truídos pela humanidade. O educador, então, faz a mediação entre o conheci-
mento e os estudantes; e a avaliação mediadora, por sua vez, medeia todo o
processo pedagógico.

6.2.3 Avaliação dialógica


Como o próprio nome sugere, a avaliação dialógica, proposta pelo professor
José Eustáquio Romão (1998), tem como principal característica o diálogo, a
negociação, entre professor e estudantes.
Romão (1998, p. 102) destaca que,
Na avaliação da aprendizagem [dialógica, cidadã] realizada
com o aluno, os resultados não devem constituir uma monografia
ou uma dissertação do professor sobre os avanços e recuos do
aluno, nem muito menos uma preleção corretiva dos “erros come-
tidos”, mas uma reflexão problematizadora coletiva, a ser devol-
vida ao aluno para que ele, com o professor, retome o processo
de aprendizagem. Neste sentido, a sala de aula se transforma em
um “círculo de investigação” do conhecimento e dos processos de
abordagem do conhecimento.
Na perspectiva dessa concepção, podemos vislumbrar os
seguintes passos necessários da avaliação:
1. identificação do que vai ser avaliado;
2. constituição, negociação e estabelecimento de padrões;
3. construção dos instrumentos de medida e de avaliação;
4. procedimento da medida e da avaliação;
5. análise dos resultados e tomada de decisão quanto aos passos
seguintes no processo de aprendizagem.

Essa avaliação serve como subsídio para as outras avaliações, também na


perspectiva de possibilitar a emancipação do aluno enquanto sujeito ativo do
processo ensino-aprendizagem. A avaliação dialógica é efetivada no interior da
sala de aula entre o desenvolvimento dos conteúdos. Professor e alunos nego-
ciam, debatem o processo de ensino-aprendizagem de modo que os resultados
alcançados pelo coletivo colaborem na reestruturação do planejamento e nas
novas práticas a serem executadas.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  395


CAPÍTULO 6 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Para finalizar, cabe ao professor trabalhar os diferentes tipos de erros dos


alunos e localizar o causador (que geralmente envolve diferentes fatores, inclusive,
condições do aluno para aprender), adotando, assim, uma nova metodologia
que tenda a sanar a dificuldade apontada, no sentido de colaborar para criar
um contexto estimulador e socializador para a formação do cidadão crítico que
a escolar quer formar. O erro deve deixar de significar derrota e ser conside-
rada uma postura de experimentação do aluno, da qual o professor partirá para
ajudá-lo, motivando-o a aprender cada vez mais.
As três concepções vistas nos oferecem uma ideia clara de como deve ser
encarada a avaliação: mediadora entre o processo de ensino do professor e a
aprendizagem do aluno; emancipatória, libertando-se de certos paradigmas que
a acompanham ao longo da história da educação; e dialógica, referência entre
os sujeitos que dela participam.
Tendo estudado essas referências contemporâneas para o processo avalia-
tivo, resta-nos reportar aos principais documentos oficiais brasileiros que confi-
guram o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.

Referências
AQUINO, J. G. (Org.). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas/práticas.
São Paulo: Summus, 1997.
HOFFMANN, J. M. L. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-
escola à universidade. 20. ed. Porto Alegre: Mediação, 2003.
______. Avaliação: mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 36. ed. Porto
Alegre: Mediação, 2006.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São
Paulo: Cortez, 1995.
ROMÃO, J. E. Avaliação dialógica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez,
1998.
SAUL, A. M. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à prática de avaliação
e reformulação de currículo. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1999.

Anotações





396  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


7
CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Sistema Nacional de Avaliação

Introdução
Esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de compreender o
Sistema Nacional de Avaliação e analisá-lo à luz das discussões levantadas no
decorrer dos capítulos anteriores. Para você alcançar esses objetivos, é interes-
sante que leia os textos indicados no Saiba Mais. Faça uma leitura atenta das
perguntas frequentes feitas a respeito do sistema oficial de avaliação empre-
gado em nosso país.
Grife aquilo que achar interessante ou aquilo de que você discorda baseado
em todo o estudo que fizemos em capítulos anteriores sobre a avaliação. Tal
leitura prévia lhe permitirá compreender melhor a discussão que será levantada
neste capítulo acerca do Sistema Nacional de Avaliação.
Especialmente a partir da década de 1990, a sociedade brasileira tem
acompanhado ações governamentais de aplicação de testes unificados nacio-
nalmente, nos diversos níveis educativos (Fundamental, Médio e Superior), com
o objetivo de aferir o desempenho dos alunos. Tais testes são justificados como
instrumentos controladores da qualidade do ensino que está sendo ministrado
nas escolas brasileiras.
Como educadores em formação, é necessário vermos esse processo com olhos
críticos, pois a avaliação não é uma ação neutra, isto é, desprovida de significados
filosóficos e políticos, ao contrário, a determinação de critérios de avaliação revela
(desvela) a posição, as crenças e a visão de mundo de quem a propõe.
Os exames nacionais, em vigor, enfatizam a medição do desempenho
escolar por meio de testes padronizados, o que os vincula a uma concepção
objetivista de avaliação. Vejamos a seguir alguns exemplos das intervenções
avaliativas que o governo brasileiro tem implantado.

7.1 Avaliações nacionais


Anualmente o INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira – realiza o Censo Escolar, que se constitui de um levantamento
de dados estatístico-educacionais de âmbito nacional. Esse censo é o principal
instrumento de coleta de informações da Educação Básica. Abrange as diferentes
etapas e modalidades (ensino regular – Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Médio), Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  397


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

De acordo com informações retiradas do sítio do INEP, os dados coletados


e processados, ao término, servem para diferentes fins, entre eles, relacionado
ao tema deste caderno (avaliação), traçar um panorama nacional da Educação
Básica e execução de programas na área da educação. Os resultados desse
censo sobre aprovação e reprovação, abandono escolar, juntamente com outras
avaliações do Inep, são utilizados para o cálculo do Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB). Esse apontador serve de base para as metas do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), do Ministério da Educação.
Atualmente, a educação escolar brasileira conta com exames nacionais em
diferentes níveis de ensino. Vejamos quais são.
• Provinha Brasil: instrumento para identificar o desempenho de alunos
em processo de alfabetização, no 2º ano de escolaridade do Ensino
Fundamental.
• SAEB e Prova Brasil: são avaliações para diagnóstico, desenvolvidas
pelo INEP/MEC, que objetivam avaliar a qualidade do ensino oferecido
pelo sistema educacional brasileiro e que incluem Ensino Fundamental
e Médio.
• ENEM: é o Exame Nacional do Ensino Médio. Tem por objetivos avaliar
o desempenho dos alunos ao fim da escolaridade básica. Pode parti-
cipar quem já concluiu o Ensino Médio ou quem está concluindo. O
ENEM também é usado como critério de seleção para estudantes que
pretendem concorrer a uma bolsa no Programa Universidade para
Todos (ProUni). Atualmente cerca de 500 universidades já usam para o
ingresso de estudantes o resultado do exame.
• ENADE: é o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, que integra
o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).
Ele tem o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de
gradua­ção em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades
e competências.
De acordo com Libâneo, Oliveira e Toschi (2003), as pesquisas sobre
avaliação, no Brasil, tiveram início na década de 1930, e, desde então, são
identificados dois marcos interpretativos de avaliação. No primeiro, que vai de
1930 a 1970, a ênfase recai nos testes padronizados, para medição de habi-
lidades e aptidões dos alunos, tendo em vista a eficiência, a neutralidade e a
objetividade nos instrumentos de avaliação.
A partir da década de 1980, no processo de redemocratização do país,
surgem discussões sobre um modelo de avaliação que leve em conta as questões
de poder e de conflito em toda a estrutura escolar/educacional, questionando
sobre o que se avalia. Tal concepção põe em evidência as implicações sociais e
educacionais do rendimento escolar.

398  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

As avaliações nacionais em curso – SAEB, ENEM e ENADE – desconsi-


deram o último marco teórico e se mantêm no anterior, pautado na aplicação
de testes para medição de rendimento dos alunos, pelo controle dos resul-
tados pelo Estado, pela classificação e comparação das escolas, que vem
sendo chamado de rankeamento. Os resultados dos exames nacionais de
avaliação são utilizados para estabelecer um ranking institucional, indicando
os centros de excelência.
Libâneo, Oliveira Toschi (2003, p. 206) concluem que
Criticar as avaliações nacionais, todavia, não significa ser
contrário à avaliação em si; revela, antes, que se considera
insuficiente apenas a avaliação do aluno, uma vez que outros
componentes devem ser levados em conta, como as condições
das escolas, a formação dos professores etc. Se o objetivo da
avaliação é conhecer para intervir de forma mais eficiente nos
problemas detectados, o que explicaria a premiação das escolas
cujos alunos apresentam melhor desempenho e a punição das
mais fracas? A lógica da intervenção não deveria ser outra?

Portanto avaliar não significa levar em consideração apenas um ou outro


resultado isolado, o processo avaliativo envolve todo o contexto em que ele é
desenvolvido. Por isso é importante sempre situarmos o momento histórico em que
o processo avaliativo está inserido. Vejamos, então, as principais reformas ocor-
ridas nos últimos anos que influenciaram a avaliação educacional brasileira.

7.2 Avaliação, reformas educativas e contexto atual


As políticas educacionais, em âmbito internacional, vêm passando por
intensas mudanças, fruto da fase atual do capitalismo, capitaneado pelo neoli-
beralismo. A palavra de ordem é sintonia, isto é, sintonizar os sistemas educa-
cionais ao modelo neoliberal.
A tendência mais facilmente detectada nas reformas educativas ocorridas
no mundo inteiro (Inglaterra e Estados Unidos da América – década de 1980;
Espanha e Portugal – 1986; França – 1989; México – 1992; Argentina – 1993
e Brasil – de 1980 até hoje) é a de reagregar a educação à economia, reeditan-
do-se a teoria do capital humano.

Saiba mais

A teoria do capital humano apresenta-se sob duas perspectivas articuladas.


Na primeira, a melhor capacitação do trabalhador aparece como fator de
aumento da produtividade. A qualidade da mão-de-obra obtida graças à
formação escolar e profissional potencializaria a capacidade de trabalho
e de produção. Os acréscimos marginais de formação proporcionariam
acréscimos marginais superiores de capacidade produtiva, o que permitiria

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  399


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

maiores ganhos para as empresas e, também, para os trabalhadores. Na


segunda perspectiva, a teoria do capital humano destaca as estratégias
individuais com relação a meios e fins. Cada trabalhador aplicaria um
cálculo custo-benefício no que diz respeito à constituição de seu capital
pessoal, avaliando se o investimento e o esforço empregados na formação
seriam compensados em termos de melhor remuneração pelo mercado no
futuro (CATTANI, 1997).

Assim a acentuação das análises mais globalizantes das relações entre a


educação e o desenvolvimento econômico acaba interferindo e propulsando a
avaliação dos sistemas educacionais e do conjunto das escolas.

Reflita

Mas por que a necessidade de subordinação da educação à economia?


Justifica-se tal subordinação em função do novo paradigma de produção,
das novas tecnologias que requerem profissionais mais qualificados, que
com flexibilidade possam atender às novas demandas do mercado de tra-
balho: espírito empreendedor para enfrentar a competitividade econômica
internacional = globalização.

É por isso que não podemos desvincular a educação de todo o contexto


social em que ela está inserida. As práticas educativas precisam de dinheiro
para ser concretizadas qualitativamente. Contudo é preciso ficarmos atentos às
reais intenções dos organismos internacionais como:
• BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento;
• FMI – Fundo Monetário Internacional;
• BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento;
• UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências
e Cultura.
Na obra Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO
da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI, conhecida como
Relatório Jacques Delors, já se indicava que as opções educativas implicam a
sociedade no seu conjunto, em sua completude, exigem, assim, a abertura de
um debate democrático sobre a educação, não só sobre os seus meios, mas
também sobre suas finalidades.

400  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Recomenda-se, na obra, que os princípios apresentados, ou seja, os quatro


pilares (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a viver
juntos) não devem ser negligenciados “para bem de todos” (DELORS, 2000,
p. 170). O relatório indica a necessidade de se desencadear um dispositivo de
avaliação objetivo e público, que possa apreender a situação do sistema educa-
tivo, assim como o seu impacto no resto da sociedade.
Jacques Delors (2000) alerta para o fato de que toda e qualquer avaliação
que tenha valor pedagógico:
• proporcione aos diferentes atores um conhecimento mais perfeito da sua
atuação;
• difunda a capacidade de inovação;
• dê a conhecer iniciativas de sucesso e suas condições de realização.
No fundo, a avaliação leva a reconsiderar a hierarquia e a compatibilidade
das opções e dos meios à luz dos resultados.
Há então uma inversão de subordinação, como nos explica Libâneo (2004,
p. 240):
Os rumos que as práticas avaliativas vêm tomando no âmbito
do sistema brasileiro, ao contrário da posição formulada ante-
riormente, encaminham-se para subordinação do trabalho dos
professores e, portanto, da avaliação que fazem, aos critérios da
avaliação do sistema. Nesse caso, não são os objetivos de ensino
que irão determinar as formas de avaliação, mas a avaliação é
que acabará por determinar os objetivos, ou seja, dependendo
das finalidades postas pelos governos em relação à avaliação
do sistema de ensino, ter-se-á uma escola funcional a serviço dos
interesses de agências externas à escola.

Com a globalização da economia e a aceleração das mudanças tecnoló-


gicas, as organizações dedicam-se ao planejamento das políticas educacionais
dos países em desenvolvimento com o objetivo de ajustar as políticas educacionais
às exigências da produção, do consumo, dos mercados e da competitividade.
Shiroma, Moraes e Evangelista (2000) apontam que o atual programa de
reformas educativas do governo federal é extenso e dá prioridade a interven-
ções de natureza avaliativa. A avaliação global do sistema escolar, no Brasil,
é feita pelo Ministério da Educação, por meio do INEP. Além das provas de
acompanhamento da evolução e do desempenho dos alunos, avalia também as
instituições e faz pesquisas censitárias.
Os problemas são até bem identificados/diagnosticados, mas a aplicação
das reformas não tem levado ao atendimento das condições necessárias à efeti-
vação das mudanças educativas. Se o objetivo da avaliação educacional do
sistema é a melhoria da qualidade, dos resultados do rendimento escolar, acaba-
se não considerando os processos que levam a uma qualidade do aprendizado,
pois a ênfase está nos resultados.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  401


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Infelizmente, a avaliação do sistema escolar está, ainda, apenas estabele-


cendo mecanismos externos de controle por meio dos testes padronizados.

7.3 Avaliação do rendimento escolar


Vejamos agora o que é e como são aplicados os instrumentos de Avaliação
Nacional de Educação da Educação Básica. É importante que você faça uma
leitura atenta desses textos, pois serão os indicadores com os quais você irá
lidar no seu trabalho. Começaremos com um texto retirado do portal do INEP
sobre a Provinha Brasil. Lembra-se dela? Nós a citamos anteriormente. Veja
as Perguntas e Respostas retiradas do sítio <http://provinhabrasil.inep.gov.
br>. Lembre-se de que todos esses textos a seguir foram retirados na íntegra
do portal citado.

Perguntas e respostas
O que é a Provinha Brasil?
A Provinha Brasil é uma avaliação diagnóstica que permite auxi-
liar professores, coordenadores e gestores a identificar o desempenho
de alunos em processo de alfabetização, no 2º ano de escolaridade do
Ensino Fundamental. A intenção é que as informações geradas ajudem a
compreender quais são as capacidades já dominadas pelos alunos e quais
deverão ser apreendidas ao longo do ano escolar.
Para que serve?
A Provinha Brasil serve para oferecer às redes de ensino um instru-
mento para acompanhar a evolução da qualidade da alfabetização,
prevenindo assim, o diagnóstico tardio dos déficits de letramento. Dessa
forma, contribui para a melhoria da qualidade de ensino e a redução das
desigualdades, em consonância com as metas e políticas estabelecidas
pelas diretrizes da educação nacional.
Por que avaliar?
Para saber, a tempo de sanar eventuais problemas, quais capaci-
dades de leitura os alunos possuem e quais capacidades eles não possuem.
Foram identificados, em alunos da 4ª série, problemas como baixa
proficiência nas provas de leitura – e a falta de domínio de leitura
pode inviabilizar o bom prosseguimento dos estudos. Assim, para atuar
preventivamente, é necessário detectar dificuldades e defasagens dos
alunos na fase inicial de modo que as intervenções possam acontecer
no momento certo.
Quem avalia?
O Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) elaborou um
conjunto de instrumentos de avaliação disponibilizado aos gestores das
redes. A aplicação fica a critério das Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação.

402  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Quem aplica?
O teste foi elaborado de forma que o próprio professor possa aplicá-lo.
No entanto, a critério do gestor, outras pessoas podem aplicar o teste, como
professores de outras turmas ou coordenadores pedagógicos de outras
escolas, desde que devidamente capacitados. Como essa avaliação tem
características distintas das realizadas no quotidiano escolar, para aplicá-la,
é necessário seguir atentamente as orientações contidas no documento
“Caderno do professor/aplicador”.
Quem corrige?
Os resultados também poderão ser corrigidos pelo próprio professor da
turma (ou pelo aplicador do testes), a partir do Guia de Correção, que traz
as orientações de como corrigir os testes e de como interpretar os dados.
Assim, o professor poderá saber o nível de desempenho de sua turma de
modo imediato. Da mesma forma, os resultados de cada turma poderão
ser coletados e agregados de modo a ser ter um panorama da escola, da
regional de ensino ou de toda a rede (municipal ou estadual).
Quem será avaliado?
A Provinha Brasil foi preparada para avaliar a aprendizagem das
crianças após um ano de escolarização. Nas escolas cujo Ensino Fundamental
tem duração de nove anos (onde as crianças ingressaram aos seis anos de
idade), os estudantes deverão fazer o teste no 2º ano (quando tiverem sete
anos). Já nas escolas que ainda mantêm o Ensino Fundamental com duração
de oito anos (ingresso das crianças aos sete anos de idade), os estudantes
deverão fazer o teste na 2ª série (quando tiverem oito anos).
Apesar da diferença na média de idades dos alunos que farão o teste,
isto não representa problema, visto que o foco dessa avaliação está na
contribuição da educação formal para a alfabetização – por isso se tomou
como referência os anos de escolaridade.
O que será avaliado?
Na Provinha Brasil serão avaliadas habilidades relativas à alfabeti-
zação e ao letramento inicial dos estudantes.
Como nem todas as habilidades a serem desenvolvidas durante o
processo de alfabetização são passíveis de verificação por meio da Provinha
Brasil, em vista das características específicas do instrumento e da metodo-
logia utilizada foi necessário selecionar algumas dessas habilidades para
construir o teste.
Assim, as habilidades definidas para avaliar a leitura e a escrita são
aquelas que podem dar informações relevantes em função dos objetivos
propostos e das condições impostas no âmbito desta avaliação.
Tais habilidades foram organizadas e descritas na “Provinha Brasil – Matriz
de Referência Para Avaliação da Alfabetização e do Letramento Inicial”.
As habilidades constantes na Matriz de Referência estão fundamen-
tadas na concepção de que alfabetização e letramento são processos a

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  403


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

serem desenvolvidos de forma complementar e paralela, entendendo-se


a alfabetização como o desenvolvimento da compreensão das regras de
funcionamento do sistema de escrita alfabética e letramento como as possi-
bilidades de usos e funções sociais da linguagem escrita, isto é, o processo
de inserção e participação dos sujeitos na cultura escrita.
A matriz é apenas uma referência para a construção do teste, é dife-
rente de uma proposta curricular ou programa de ensino, estes últimos mais
amplos e complexos.

A Provinha Brasil interessa, particularmente, aos professores e demais educa-


dores que lidam com o Ensino Fundamental, anos iniciais, mais precisamente
com o processo de alfabetização das crianças menores. Mas esse exame não
é o único. Vejamos agora algumas informações sobre o SAEB e a Prova Brasil,
que são os exames que compõem o Sistema de Avaliação da Educação Básica,
por isso estamos dando maior atenção a eles. Algumas da Perguntas frequentes
contidas no sítio foram suprimidas nesse texto. Copiamos apenas aquelas que
seriam mais adequadas ao assunto em questão.

1. O que é Prova Brasil e o que é Saeb?


São avaliações para diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas pelo
Inep/MEC, que objetivam avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo
sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questioná-
rios socioeconômicos.
Nos testes, os estudantes respondem a itens (questões) de Língua
Portuguesa, com foco em leitura, e Matemática, com foco na resolução
de problemas. No questionário socioeconômico, os estudantes fornecem
informações sobre fatores de contexto que podem estar associados ao
desempenho.
Professores e diretores das turmas e escolas avaliadas também
respondem a questionários que coletam dados demográficos, perfil profis-
sional e de condições de trabalho.
2. Para que servem a Prova Brasil e o Saeb?
A partir das informações do Saeb e da Prova Brasil, o MEC e as secre-
tarias estaduais e municipais de Educação podem definir ações voltadas
ao aprimoramento da qualidade da educação no país e a redução das
desigualdades existentes, promovendo, por exemplo, a correção de distor-
ções e debilidades identificadas e direcionando seus recursos técnicos e
financeiros para áreas identificadas como prioritárias.
As médias de desempenho nessas avaliações também subsidiam o
cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), ao lado
das taxas de aprovação nessas esferas.
Além disto, os dados também estão disponíveis a toda a sociedade
que, a partir dos resultados, pode acompanhar as políticas implementadas

404  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

pelas diferentes esferas de governo. No caso da Prova Brasil ainda pode ser
observado o desempenho específico das escolas públicas urbanas do País.
Os dados dessas avaliações são comparáveis ao longo do tempo, ou
seja, pode-se acompanhar a evolução dos desempenhos das escolas, das
redes e do sistema como um todo.
3. Qual a diferença entre as duas provas?
A base metodológica das duas provas é a mesma, a diferença está na
população de estudantes aos quais são aplicadas e, consequentemente,
aos resultados que cada uma oferece. Ambas avaliam as mesmas disci-
plinas, Língua Portuguesa e Matemática.
A Prova Brasil avalia alunos de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental,
da rede pública e urbana de ensino. Considerando este universo de refe-
rência, a avaliação é censitária, e assim oferece resultados de cada escola
participante, das redes no âmbito dos municípios, dos estados, das regiões
e do Brasil.
O Saeb, por sua vez, é uma avaliação por amostra, isso significa
que nem todas as turmas e estudantes das séries avaliadas participam da
prova. A amostra de turmas e escolas sorteadas para participarem do Saeb
é representativa das redes estadual, municipal e particular no âmbito do
País, das regiões e dos estados. Dessa forma, não há resultado do Saeb
por escola e por município.
Participam do Saeb alunos de 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental,
e também os da 3ª série do Ensino Médio regular, tanto da rede pública
quanto da rede privada, em área urbana e rural (neste último caso, apenas
para a 4ª série, no nível das regiões geográficas). Os resultados do Saeb, em
conjunto com as taxas de aprovação escolar, são a base de cálculo para o
Ideb de cada estado e do Distrito Federal e, consequentemente, do Brasil.
4. No que essas avaliações diferem das provas tradicionais/clássicas?
Diferentemente das provas que o professor aplica em sala de aula,
a metodologia adotada na construção e aplicação dos testes do Saeb e
Prova Brasil é adequada para avaliar redes ou sistemas de ensino, e não
alunos individualmente.
Os resultados são produzidos a partir da aferição das habilidades
e competências propostas nos currículos para serem desenvolvidas pelos
alunos em determinada etapa da educação formal. Como os currículos
são muito extensos, um aluno não responde a todas as habilidades neles
previstas, em uma única prova. Um conjunto de alunos responde a várias
provas. Desta forma, os resultados não refletem a porcentagem de acertos
de um aluno respondendo a uma prova, mas a de um conjunto de alunos,
respondendo às habilidades do currículo proposto, distribuídas em várias
provas diferentes.
Como cada grupo de alunos representa uma unidade dentro do sistema
de ensino, por exemplo, uma escola ou uma rede, tem-se o resultado para
cada unidade prevista e não para os alunos individualmente.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  405


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

5. Os resultados podem ser comparados ao longo dos anos?


Sim. A metodologia utilizada permite que se compare o desempenho
das redes e escolas ao longo do tempo. Assim, enquanto determinadas
avaliações não permitem a comparação em função de graus diferentes de
dificuldade em suas edições, os instrumentos utilizados no Saeb e na Prova
Brasil permitem fazer tal comparação.
6. O que cai nas provas?
A Prova Brasil e o Saeb são avaliações elaboradas a partir de Matrizes
de Referência, um documento onde estão descritas as habilidades a serem
avaliadas e as orientações para a elaboração das questões. Essas matrizes
reúnem o conteúdo a ser avaliado em cada disciplina e série.
A construção das Matrizes de Referência teve como base a consulta aos
Parâmetros Curriculares Nacionais e as propostas curriculares dos estados
brasileiros e de alguns municípios, alcançando-se uma síntese do que havia
de comum entre elas. Para estabelecimento das matrizes também foram
consultados professores das redes municipal, estadual e privada na 4ª e
8ª série do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio, nas disci-
plinas de Língua Portuguesa e Matemática. Foi realizado, ainda, exame
de livros didáticos mais utilizados nas mesmas redes e séries. Em seguida,
foram incorporadas análises de professores e especialistas nas áreas do
conhecimento avaliadas. A opção teórica adotada é a que pressupõe a
existência de competências cognitivas e habilidades a serem desenvolvidas
pelo aluno no processo de ensino-aprendizagem.
7. As matrizes de referência são equivalentes às matrizes curriculares?
As matrizes de referência não podem ser confundidas com as matrizes
curriculares, pois não englobam todo o currículo escolar. Também não
podem ser confundidas com procedimentos ou estratégias de ensino.
8. As escolas são obrigadas a participar?
A participação no Saeb e na Prova Brasil é voluntária. Para o Saeb,
são feitos sorteios das escolas que irão participar da avaliação. Quanto à
Prova Brasil, a adesão é feita pelas secretarias estaduais e municipais de
educação.
Cabe ressaltar, porém, que o comprometimento dos participantes é
fundamental para a qualidade dos resultados apurados, e é fundamental
para que a escola ou rede participe para que tenha seu Ideb calculado.
9. Qual é a participação das Secretarias Estaduais e Municipais de
Educação?
As secretarias de Educação são o elo do Inep/MEC com todas as
escolas avaliadas, sejam estaduais, municipais ou particulares (no caso do
Saeb), e ajudam a articular a aplicação da prova no estado.
10. Com o Saeb e Prova Brasil o governo federal pretende acabar com os
sistemas Estaduais e Municipais de Avaliação?
As avaliações federais, as estaduais e as municipais são independentes.
A Prova Brasil e o Saeb são conduzidos nacionalmente pelo Governo Federal,

406  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

enquanto as avaliações estaduais e municipais podem ter metodologia


própria e são concebidas e realizadas pelos governos estaduais e muni-
cipais. Em muitos casos há a cooperação técnica entre governo federal,
estadual e municipal, ou seja, há congruência entre algumas avaliações
estaduais com a Prova Brasil e o Saeb.
Um dos objetivos da Prova Brasil e do Saeb é estimular a cultura da
avaliação, fomentando, assim, a implementação de avaliações estaduais
e municipais. Neste sentido, o Inep pode auxiliar, sob certas condições, os
estados e municípios a estruturarem e levarem adiante suas avaliações, por
meio do seu Banco Nacional de Itens.
11. Como a prova é organizada?
Ao todo, são confeccionados 21 tipos diferentes de cadernos de prova
para cada série, sendo que cada aluno responde a apenas um caderno
de prova. Desta forma, dois alunos não respondem necessariamente às
mesmas questões.
Cada caderno de prova é constituído por quatro blocos, sendo que dois
são destinados a respostas de Língua Portuguesa e os outros dois abordam
questões de Matemática. Os testes são de múltipla escolha, com quatro ou
cinco alternativas de resposta para cada questão, sendo que apenas uma
está correta.
Os alunos de 4ª série responderão a 22 itens de português e a 22 itens
de matemática. Já os estudantes de 8º série e do 3º ano do Ensino Médio
responderão a 26 itens de português e a 26 de matemática. O tempo total
estipulado para a realização das provas é de 2 horas e 30 minutos.
Existem, no total, 77 itens de cada disciplina na 4ª série e 91 itens de
cada disciplina na 8ª série do Ensino Fundamental e no 3º ano do Ensino
Médio distribuídos pelos 21 cadernos de prova.
12. Como é a aplicação da prova?
As provas são aplicadas por profissionais de uma empresa contratada
exclusivamente para esse fim. Esses aplicadores são treinados e capaci-
tados para manterem os critérios e a padronização dos testes em âmbito
nacional. As datas e os horários das provas são agendados pelos aplica-
dores, que entram em contato com as escolas.
Durante a realização das provas para os alunos de 4ª série, caberá ao
aplicador ler as orientações dos testes e explicar a forma de preenchimento
das respostas. No entanto, as questões das provas não serão lidas pelo
aplicador.
Para os alunos de 8ª série e do 3º anos do Ensino Médio, os aplica-
dores farão apenas a leitura das orientações do teste. Caberá aos próprios
alunos lerem os procedimentos para preenchimento do formulário de
respostas e a interpretação das questões.
Crianças portadoras de necessidades especiais também poderão parti-
cipar das avaliações.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  407


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

13. Além das provas, os estudantes respondem a outros questionários?


Sim. Logo após a realização dos testes, os alunos deverão responder
a um questionário socioeconômico e cultural, com 44 questões, que serve
para a caracterização dos estudantes.
Professores de Língua Portuguesa e Matemática das séries avaliadas, além
dos diretores das escolas, também são convidados a responder questionários
que possibilitam conhecer a formação profissional, práticas pedagógicas,
nível socioeconômico e cultural, estilos de liderança e formas de gestão.
Os questionários destinados aos professores e diretores são entregues pelos
aplicadores antes da realização dos testes por parte dos alunos e devem ser
recolhidos ao final da prova.
São coletadas, ainda, informações sobre o clima acadêmico da
escola, clima disciplinar, recursos pedagógicos disponíveis, infra-estrutura
e recursos humanos. Na mesma ocasião, é preenchido pelos aplicadores
dos testes um formulário sobre as condições de infraestrutura das escolas
que participam da avaliação. De posse desses dados, é possível o estudo
dos fatores associados ao desempenho dos alunos.
14. Como o professor pode preparar seus alunos para fazerem a prova?
O trabalho normal da escola, cuidando para que cada aluno tenha um
adequado processo de aprendizagem, garante o bom desempenho nestes
exames.
De todo modo, pode-se conhecer e entender as matrizes de referência
da avaliação disponíveis no sitio do Inep. Nela, os descritores estão deta-
lhados e há exemplos de questões (itens), que podem ser examinados pela
comunidade escolar.
15. Como são calculadas as notas? (apresentação dos resultados)
As médias do Saeb e da Prova Brasil não vão de zero a dez, como
as avaliações tradicionais cujas notas refletem o volume de conteúdo que
o estudante acerta.
Para entender o que significam as notas dessas duas avaliações em
larga escala deve-se partir do pressuposto que, diferente de uma prova
clássica como a que o professor aplica a seus alunos em sala de aula, os
testes da Prova Brasil e do Saeb são construídos metodologicamente para
avaliar sistemas de ensino, e não alunos.
As médias são apresentadas em uma escala de desempenho capaz
de descrever, em cada nível, as competências e as habilidades que os estu-
dantes desses sistemas demonstram ter desenvolvido. Há uma escala descrita
para as habilidades em Língua Portuguesa e outra para Matemática.
Dentro de cada uma das disciplinas, a escala é única e acumulativa,
para todas as séries avaliadas – a lógica é a de que quanto mais o estudante
caminha ao longo da escala, mais habilidades terá acumulado. Portanto, é
esperado que alunos da 4ª série alcancem médias numéricas menores que
os de 8ª série e estes alcancem médias menores que as alcançadas pelos
alunos de 3º ano do Ensino Médio.

408  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

16. Como saber se a nota na prova está boa ou ruim?


Ao apresentar os resultados da Prova Brasil e do Saeb, o MEC não
tem o intuito de ranquear sistemas, ou impor parâmetros de qualidade que
firam a autonomia das redes de ensino.
O objetivo é que os resultados apresentados sejam incorporados pelos
professores, diretores, gestores e pela própria sociedade, e que fomentem o
debate e um trabalho pedagógico que subsidiem a melhoria da qualidade
educacional dos sistemas.
Cada nível da escala apresenta as habilidades que os alunos
desenvolveram, com base na média de desempenho e distribuição dos
alunos de cada rede ou escola nesta escala e sua interpretação peda-
gógica, a rede ou a escola pode se comparar seus resultados com seus
próprios objetivos, observando, por exemplo, até que ponto as habili-
dades que foram planejadas para seres trabalhadas com seus alunos
foram alcançados.
17. Os resultados são comparáveis ao longo dos anos?
Sim. A Prova Brasil e o Saeb utilizam recursos metodológicos para
garantir a comparabilidade dos seus resultados, como por exemplo, a utili-
zação da Teoria de Resposta ao Item (TRI) e a manutenção de itens ancoras
ao longo da história da avaliação.
18. É preciso fazer o Saeb e Prova Brasil para ter Ideb?
Sim. As médias de desempenho nas avaliações são utilizadas para o
cálculo do Ideb, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que é o
eixo do Programa de Metas Compromisso Todos pela Educação, do PDE
(Plano de Desenvolvimento da Educação). Assim, a avaliação passa a ser a
primeira ação concreta para se aderir às metas do Compromisso e receber
o apoio técnico/financeiro do MEC.

A Prova Brasil interessa mais diretamente aos professores do Ensino


Fundamental, anos iniciais, que atuam com estudantes que já passaram pelo
processo de alfabetização e estão prestes a entrar no chamado anos finais
desse nível de Ensino. É interessante perceber que a Prova Brasil está ligada à
Provinha Brasil, já que ambas contextualizam o trabalho realizado pelas escolas
nos primeiros anos obrigatórios de vida estudantil das crianças. Contudo o foco
de atuação da Prova Brasil não para nos anos iniciais, pois os estudantes dos
anos finais são chamados a participarem dessa avaliação de rendimento antes
de adentrarem no Ensino Médio.
O Saeb, por sua vez, tem semelhanças com a Prova Brasil, pois os estu-
dantes dos anos iniciais e finais realizam tal avaliação. Porém esse exame vai
além já que envolve aqueles que já cursam o Ensino Médio.

UNITINS • PEDAGOGIA • 6º PERÍODO  409


CAPÍTULO 7 • AVALIAÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM

Saiba mais

Caso queira ler na íntegra todas as perguntas, acesse o sítio <http://pro-


vabrasil.inep.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=14&It
emid=13>. Boa leitura!

Para finalizar, após toda a contextualização dos instrumentos que compõem


o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, gostaríamos de salientar
a necessidade de o docente se perceber como sujeito importante do referido
processo. É preciso, então, compreender que o cenário pedagógico ultrapassar
os limites da sala de aula. O profissional da educação deve ter consciência
da importância de políticas públicas que tenham como objetivo fundamental a
melhoria da educação brasileira e, com isso, colaborar com a sua atuação nas
diferentes unidades de ensino.

Referências
CATTANI, A. D. Teoria do capital humano, teoria do. In: ______. (Org.). Trabalho
e tecnologia: dicionário crítico. Petrópolis: Vozes, 1997.
INEP. Disponível em: <http://provinhabrasil.inep.gov.br>. Acesso em: 22 jul. 2009.
LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F. de; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas,
estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5. ed. Goiânia:
Alternativa, 2004.
SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M. de; EVANGELISTA, O. Política educa-
cional. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
UNESCO. Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. 4. ed. São Paulo:
Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.

Anotações

410  6º PERÍODO • PEDAGOGIA • UNITINS


Créditos

EQUIPE UNITINS
Organização de Conteúdos Acadêmicos Denise Sodré Dorjó
Revisão Linguístico-Textual Sibéria Sales Queiroz Lima
Domenico Sturiale
Gerente de Divisão de Material Impresso Katia Gomes da Silva
Revisão Digital Leyciane Lima Oliveira
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Projeto Gráfico Katia Gomes da Silva
Rogério Adriano Ferreira da Silva
Capas Rogério Adriano Ferreira da Silva

procução editora EADCON


Caro aluno,
No quinto período, o estágio contemplou a observação do processo de
ensino-aprendizagem com a língua portuguesa e suas respectivas literaturas,
no ensino fundamental e médio. Agora, neste estágio temos como objetivo
refletir sobre a organização e a elaboração do planejamento, a aplicação
e a avaliação do processo de ensino-aprendizagem em língua espanhola e

Apresentação
respectivas literaturas.
Para melhor orientá-lo nesta etapa de seus estudos, procuramos desen-
volver, neste caderno, as discussões sobre alguns temas que acreditamos
serem importantes e necessários para um trabalho que facilite a apren-
dizagem significativa nas salas de aula de língua espanhola. Tais discus-
sões buscam oportunizar aos alunos o direito de falar, de se expressarem,
confrontar opiniões e saberes, conhecer e melhorar as suas possibilidades de
expressão e comunicação.
Relembrar a observação do período anterior, durante o decorrer das
aulas, permitirá a compreensão de que os processos que envolvem os atos de
ensinar e aprender a língua espanhola acontecem à medida que o professor
age como mediador e deixa seus alunos experimentarem, pesquisarem, mani-
pularem a língua em várias situações comunicativas que acontecem nas rela-
ções sociais.
Nessa perspectiva, convidamos você a refletir sobre a organização e os
desafios que surgem na prática docente do ensino de línguas, com o objetivo
de ampliar seus conhecimentos sobre a relação entre teoria e prática nos
processos educacionais da língua espanhola nos anos finais do ensino funda-
mental e médio.
Abordaremos situações que permitirão exercitar seu senso crítico em
relação ao ensino e às competências linguísticas, sobre os erros que ocorrem
e a importância do replanejamento nessas situações. Assim, o seu trabalho
docente poderá ser planejado com a finalidade de proporcionar aos alunos
a aprendizagem dos conteúdos referentes à língua espanhola.
Bons estudos!
Prof.ª Denise Sodré
1
Relação teoria e prática e CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado ii

aprendizagem signif icativa
da Língua Espanhola

Introdução
O estágio é um período do curso em que podemos discutir peculiaridades
do dia a dia de um docente, situações observadas e vividas em sala de aula,
bem como, experimentar situações inusitadas que podem surgir. Essas situações,
se já vivenciadas e pensadas, permitem ao professor agir de forma eficiente e
eficaz, diferentemente do que aconteceria caso fosse pego de surpresa.
Pedagogicamente, podemos afirmar que o aprendizado acontece por meio
da experiência, pois é por meio da prática que absorvemos o que aprendemos.
Por isso, o estágio é um período especial para o acadêmico, futuro professor, já
que oportuniza relacionar teoria e prática.
O estágio é o espaço privilegiado do curso para adquirir subsídios para
atuar em uma sala de aula, pois o conhecimento de como outros educadores
trabalham, a troca de informações com docentes mais experientes, a observação
e a reflexão possibilitam o desenvolvimento da capacidade de reorganizar as
ações para poder orientar a prática quando necessário.
Ao final das discussões deste capítulo, você deverá ter compreendido que há
uma relação convergente entre teoria e prática no ensino do espanhol e que a
aprendizagem de uma segunda língua não é um processo simples, pois depende
de um número significativo de variáveis.
Não podemos esquecer que a leitura e compreensão das propostas das
Orientações Nacionais para o Ensino da Língua Estrangeira são fundamentais
para que nossas reflexões sejam proveitosas.

1.1 Considerações iniciais


É comum ouvirmos a fala de que é necessária a junção da teoria com a
prática, mas no momento em que trabalhamos em sala de aula é perceptível que
há professores que ficam apenas na teoria. Essa postura distancia o aluno de
uma aprendizagem significativa.
A aprendizagem escolar se torna significativa no momento em que o aluno
relaciona os conteúdos aprendidos com a sua realidade cotidiana.

unitins • letras • 6º PERÍODO  415


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado Ii

Reflita

Campos (2001, p. 128), em seu livro Psicologia da aprendizagem, expõe


que “o significado do material a ser aprendido tem grande importância
no que se refere à rapidez da aprendizagem e tenacidade da retenção”.
Todo aprendizado mobiliza várias habilidades e competências que, iso-
ladas, não têm significado. Atribuir significado àquilo que é ensinado
satisfaz os interesses do aprendiz, motiva, faz com que ele saiba a utili-
dade daquilo que está aprendendo, consequentemente, a aprendizagem
acontece. Você concorda?

O ensino da língua estrangeira deve ser realizado nas práticas sociais exis-
tentes nos vários grupos de uma sociedade, bem como nos diferentes momentos
da sua história.
Com esse objetivo, o professor deve traçar o seu percurso, escolher suas
estratégias e metodologias, intervir pedagogicamente para que o ensino da
língua possibilite o desenvolvimento individual e social dos alunos.
Muitos professores, ainda, apresentam, em suas aulas, apenas conteúdos
gramaticais sem nenhuma interação comunicativa. Isso interfere significativa-
mente na qualidade do ensino e nos resultados do processo de ensino-aprendi-
zagem. Nas aulas de língua estrangeira, além do estudo descritivo da língua,
é necessário que sejam trabalhados elementos comunicacionais referentes ao
uso linguístico.
Nessa direção, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL,
2006, p.133) apresentam que
As ideias arroladas apontam para a recuperação do papel
crucial que o conhecimento de uma língua estrangeira, de modo
geral e do Espanhol em particular, pode ter nesse nível de ensino:
levar o estudante a ver-se e constituir-se como sujeito a partir do
contato e da exposição ao outro, à diferença, ao reconhecimento
da diversidade.

A citação evidencia que o professor que trabalha com ensino de uma língua
estrangeira deve pautar-se em uma ótica menos instrumental. Ele deve opor-
tunizar ao aluno o contato significativo com a língua estrangeira de modo a
permitir que o estudante estabeleça uma relação positiva entre a língua estran-
geira e a sua própria língua. Dessa forma, o aluno se perceberá como sujeito.
Você deve estar se perguntando como isso deve ocorrer durante a atuação
do professor de Língua Espanhola em sala de aula?

416  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado ii

Este capítulo apresentará reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem


de língua estrangeira, na perspectiva de que não se pode conceber a teoria sem
a prática, e tampouco a prática sem a teoria. Você deverá compreender que as
teorias pedagógicas emergem da prática docente, em sala de aula.
Iniciaremos nossas discussões sobre como planejar e articular teorias a respeito
da relação existente entre o ensino de língua espanhola e as situações significa-
tivas de aprendizagem. Falaremos, ainda, sobre quais são as competências que o
professor de língua estrangeira precisa adquirir para ministrar suas aulas.

1.2 Coisas que um professor de língua estrangeira deve saber


Primeiramente, apontamos como essencial, na intervenção pedagógica, a
adoção de situações que desafiem o aluno e que despertem o seu interesse para
o estudo de uma segunda língua. Atividades e situações que capacitem o aluno
para o fato de vivenciar e lidar com a língua em situações sociais reais.

Saiba mais

Para facilitar a compreensão dos conteúdos apresentados neste capítulo,


é importante que você leia o artigo O professor de línguas estrangeiras e
o seu conhecimento pessoal da prática: princípios e metáforas, escrito por
Telles e Osório (1999), que se encontra disponível no sítio: <http://rle.
ucpel.tche.br/php/edicoes/v2n2/B_Telles&Osorio.pdf>. E, ainda, o arti-
go A conjugação teoria/prática na sala de aula comunicativa de ILE: uma
experiência de pesquisa-ação, escrito por Melo (2002), que se encontra
disponível no sítio: <http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v5n1/I_tatia-
na.pdf>.

O contato com uma segunda língua gera expectativas devido às diferentes


culturas, às diferenças na estrutura das línguas, no vocabulário e, também, na
sua pronúncia. Para sanar essas dificuldades, o próprio aluno traça caminhos,
conforme as facilidades e dificuldades que sua língua de origem oferece. Surge
daí a importância de o professor estar sempre mediando o processo de aprendi-
zagem em situações reais em sala de aula.
Erros? São perfeitamente comuns na aprendizagem de uma segunda
língua. Podemos afirmar que são cometidos erros pessoais que são imprevisí-
veis. Há também erros previsíveis, aqueles que resultam da influência da nossa
língua materna.
Por que falamos de erros previsíveis? Porque estão relacionados a recursos
que utilizamos para estruturar nosso discurso em língua portuguesa. Temos a

unitins • letras • 6º PERÍODO  417


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado Ii

tendência de transferir e utilizar esses recursos no discurso realizado com outra


língua. Esses erros, normalmente, ocorrem sem que o aprendiz perceba.
Nesse sentido, Boésio (2003) afirma que, na prática de ensino de língua
espanhola, é importante possibilitar o desenvolvimento de uma consciência
linguística nos aprendizes, destacando as similaridades e as diferenças estru-
turais que ocorrem entre a língua portuguesa e a espanhola, para, assim, mini-
mizar as interferências.
Por causa desses particulares é que, muitas vezes, o aluno diz que não
consegue aprender uma segunda língua. Você, professor, deve auxiliar seu aluno
a reconhecer as próprias dificuldades. Caberá a você o papel de incentivá-lo a
buscar soluções, para transpor esses obstáculos.
Ouvir, falar, ler e escrever são competências que todos podem desenvolver.
Sabemos que as pessoas apresentam aptidões diferentes, porém, todos nós
temos capacidade de nos comunicarmos e, por isso, todos nós temos aptidão
para o aprendizado de línguas.
Os alunos possuem habilidades distintas, tal como são distintas as suas
realidades e histórias de vida. Apresentam também oportunidades diferentes.
Alguns têm computadores, livros, e podem conviver com as tecnologias da infor-
mação. Esses, muitas vezes, têm famílias que incentivam, que dão toda espécie
de suporte. No entanto há aqueles que estão longe dessa realidade.
O que fazer? Excluí-los do processo, porque não tiveram as mesmas opor-
tunidades dos colegas? Vencer desafios faz parte da profissão. Afinal de contas
estamos falando de pessoas que sofrem a influência do meio, da família, da
vida. Por isso, paciência, flexibilidade e criatividade são características impor-
tantes para que o professor de línguas possa desenvolver um trabalho que leve
os alunos ao aprendizado.
Lembre-se de que o sucesso dos alunos é também o sucesso do professor.
Vença desafios, encontre estratégias para alcançar não só as suas expectativas
profissionais, mas também as reais expectativas do aluno no que se refere ao
processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira. Organize suas
aulas de forma a auxiliar os alunos a desenvolverem a habilidade comunicativa
em língua espanhola.
Uma estratégia para desenvolver o gosto pelas aulas de espanhol é tornar
essas aulas uma porta para novos conhecimentos. As aulas devem ser um espaço
de descobrimento, discussão e estímulo ao aprendizado da língua estrangeira.
Uma metodologia instigante é lançar alguns questionamentos, sobre a língua
em estudo, o porquê das diferenças, por exemplo, entre os usos de usted/ustedes
na língua espanhola e as diferentes marcas que estabelecem no processo comu-
nicativo. Veja:

418  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado ii

Os espanhóis e os hispano-americanos utilizam a forma vosotros/vosotras?


Os pronomes usted/ustedes podem equivaler a senhor/senhora? Quando?
Usted/ustedes podem receber diferentes valores nas várias culturas?

O professor deve instigar o aluno a realizar pesquisas a partir das proble-


máticas apresentadas em sala de aula. Assim, formará o aluno com maior
capacidade de problematização, permitindo-lhe a descoberta das respostas.
O aluno deverá perceber que as línguas são fenômenos culturais e que,
em determinadas circunstâncias, um pronome, como usted/ustedes, pode
assumir um ar de autoridade e, em outras culturas, poderá ser utilizado em
situações informais.
Percebemos, portanto a necessidade de uma prática reflexiva e crítica que
permita a compreensão da complexidade que envolve os processos educacio-
nais, principalmente no ensino de línguas.
Nessa perspectiva, o professor de língua estrangeira deveria
• empenhar-se em afetar a vida de seus alunos, objetivo moral
que representa a espinha dorsal que dá suporte aos outros
requisitos;
• aprofundar o conhecimento pedagógico, um conhecimento
mais sofisticado sobre ensinar e aprender;
• conscientizar-se sobre os amplos problemas de política educa-
cional e desenvolvimento social;
• trabalhar de modo interativo e colaborativo;
• aprender a trabalhar em novas estruturas-redes de apren-
dizagem;
• desenvolver o hábito e as habilidades de indagação e apren-
dizagem contínuas;
• mergulhar nos mistérios, nos altos e baixos da complexidade
dinâmica do processo de transformação;
• não pode ser um indivíduo isolado dos colegas de profissão e
da comunidade em que está inserido;
• fazer questionamentos constantes a respeito de sua própria
atuação e de sua inserção na sociedade;
• estar preparado para enfrentar os riscos e incertezas do
processo de transformação;
• tornar-se um pesquisador de sua própria prática (ALVAREZ,
2006, p. 88).

unitins • letras • 6º PERÍODO  419


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado Ii

Ao ler as palavras de Alvarez (2006), você pode compreender como é


complexa a tarefa do professor de Língua Espanhola. É nesse contexto que a obser-
vação do espaço da sala de aula e das metodologias utilizadas contribui para a
aquisição de conhecimento e reflexão do futuro professor de língua estrangeira.

1.3 Construção do professor-pesquisador


No contexto educacional, há a preocupação de o professor assumir posturas
mais investigativas nos processos educacionais, visto que uma prática que oportu-
nize a aprendizagem significativa foge ao que, muitas vezes, ocorre no processo
de ensino-aprendizagem.
No processo mecânico, ocorrerá pouca interação sobre o que está sendo
ensinado e o que o aluno já conhece. Isso significa que o aluno não conseguirá
ir além do que é posto.
Na situação contrária, em uma prática ativa, o professor precisa expressar
simbolicamente os conceitos e relacioná-los a informações relevantes, caso
contrário a ele caberá apenas o papel de aplicador de teorias, um exercício
meramente técnico, no qual sua tarefa se resumirá à aplicação de teorias cons-
truídas por pesquisadores externos à sua realidade e à realidade dos processos
educacionais nos quais ele se encontra envolvido. Consequentemente, essas
ações podem estabelecer um maior distanciamento entre teoria e prática e
provocar uma sensação de que, no papel, a teoria é muito bonita, mas, na
prática, inaplicável.
No entanto o que buscamos é justamente o contrário, ou seja, temos como
meta enfatizar a relação intrínseca entre teoria e prática, como momentos que se
completam e não como pontos opostos e desvinculados. Para que essa relação
ocorra de fato, é necessário que o professor deixe de apenas receber teorias
externas e passe ele mesmo a teorizar sobre a sua prática, pois
Uma teoria não é o conhecimento; ela permite o conhecimento;
não é a chegada; é a possibilidade de uma partida; não é uma
solução; é a possibilidade de tratar o problema; e só cumpre
o seu papel cognitivo com a plena atividade mental do sujeito
(Mourin; Ciurana; Motta, 2003, p. 24).

Na realidade, a teoria abre o caminho. Você não encontrará pronto e


acabado o método para ensinar língua espanhola. Você o aprenderá no percurso,
já que, várias vezes, poderá mudar sua trajetória para alcançar o resultado
esperado, ou seja, uma aprendizagem significativa, em que as linguagens, além
de forma de comunicação e expressão, sejam compreendidas, também, como
constituintes de significados, conhecimentos e valores.
Nessa perspectiva, o professor tem a possibilidade de conquistar sua auto-
nomia teórica, valorizando as suas próprias teorias práticas, advindas das suas
experiências, reflexões e análises críticas da realidade que vivencia a cada

420  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado ii

momento, em sala de aula, quando está movimentando os processos de ensino


e aprendizagem, por meio da disciplina que leciona.
Os métodos de ensino são os caminhos que o professor oferece ao aluno
para mobilizar o que aprendeu em situações comunicacionais reais.
Um método ativo é a abordagem comunicativa em que o aluno aprende a
se comunicar na língua estrangeira por meio da interação com outros alunos e
com o professor, buscando sempre focar-se no uso real da língua. Esse método
possibilita a aptidão para produzir textos orais ou escritos e compreender ouvir
o texto produzido por seus interlocutores em situações comunicativas reais.
Na perspectiva de uma abordagem comunicativa, o professor deve opor-
tunizar situações para que o aluno intervenha diretamente no processo de sua
aprendizagem. Assim, o aluno deverá perceber que ele pode e deve criar meca-
nismos que o conduzam à finalização do seu trabalho.
Mais uma vez o aluno é visto como o centro do processo de seu aprendi-
zado, pois suas experiências e seus conhecimentos enriquecerão o seu apren-
dizado em sala de aula. O aluno é ativo, pois ele observa, pensa, usa a língua
e reflete sobre ela. Cabe ao professor promover atividades em que seus alunos
utilizem a língua adequadamente a cada contexto comunicativo.
Os conteúdos a serem trabalhados devem ser definidos de acordo com as
situações comunicativas reais. Por isso, é importante trabalharmos com textos de
fato presentes no cotidiano. Gêneros textuais como notícia, propaganda, charge
etc. apresentam uma variedade de possibilidades relacionadas às situações
comunicativas, ao léxico e às estruturas linguísticas que você deverá abordar
em suas aulas.
Assim, a fundamentação de métodos ativos parte do pressuposto de que,
para conseguir uma comunicação eficaz, é necessário praticar, experimentar e
utilizar constantemente a língua espanhola.
Logo, o processo de ensino e aprendizagem eficiente e eficaz de uma língua
estrangeira vai além da simples transmissão e aquisição de conhecimentos grama-
ticais. Ele deverá possibilitar ao aluno o desenvolvimento das capacidades de
ouvir, discutir, falar, escrever, descobrir, interpretar situações, pensar de modo
criativo, fazer suposições e inferências, e aperfeiçoar as possibilidades de comu-
nicação criando significados por meio da língua.

Saiba mais

No caso do papel do professor na sociedade contemporânea, cabe uma


discussão interessante sobre a necessidade de o professor assumir uma atitu-
de de busca e de construção de conhecimentos para traçar os caminhos de

unitins • letras • 6º PERÍODO  421


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado Ii

sua prática pedagógica de línguas. Com o objetivo de aprofundar essas re-


flexões, sugiro a leitura do material disponibilizado no sítio: <http://www.
ufpi.br/mesteduc/eventos/ivencontro/GT2/professor_pensador. pdf>.

1.4 Teoria e prática: uma relação perfeita


No ensino de línguas são várias as bases teóricas que sustentam a nossa prática
docente, como, por exemplo, a abordagem comunicativa. Vale lembrar, porém, que
há, ainda, as teorias implícitas que se referem às crenças do professor sobre o que
é um bom ensino da língua estrangeira e que estão presentes em todo o período de
formação universitária e continuada do professor de língua estrangeira.
Essas teorias emergem da prática docente, do seu dia a dia em sala de aula,
das suas percepções pessoais e das suas representações. O que, consequente-
mente, reforça a ideia de que a teoria e a prática se autocomplementam.
Essas relações, estabelecidas entre as teorias implícitas e as práticas do professor
de língua estrangeira em sala de aula, resultam em sua prática docente.
São vários os nomes dados a essas teorias advindas da observação da prática
do professor de língua estrangeira. Alguns autores preferem o termo “crenças”, outros
optam por “teorias pessoais” ou “teorias práticas” ou, ainda, “representações”.

Saiba mais

Para refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem de línguas consulte


o sítio: <http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v7n1/G_Ana_Maria_Bar-
celos2.pdf>. Nele você encontrará informações importantes sobre a apren-
dizagem de línguas, as crenças de alunos e de professores. Você poderá
refletir, também, sobre o aprendiz como pessoa completa e, portanto, com
dimensões comportamentais, cognitivas, afetivas, sociais, experienciais que
influenciam em sua aprendizagem.

As teorias dos professores de língua estrangeira sobre os processos de ensino


e aprendizagem influenciam, direta e indiretamente, a sua prática pedagógica.
Elas afetam a conduta que os professores adotam em sala de aula.
Kudiess (2005, p. 43) expõe que
As crenças afetam a tomada de decisão do professor. Tanto o
conhecimento condicional [...] quanto as orientações de valores
(que nada mais são do que sistemas organizados de crenças)

422  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado ii

influenciam a forma de planejar do professor, as decisões curri-


culares e de ensino.

Assim, as teorias práticas do professor influenciam todo o processo de


ensino-aprendizagem, desde o planejamento até a regência. Essas teorias não
são imutáveis, pois, durante nosso desenvolvimento pessoal e profissional, a
nossa opinião pode se transformar e, em consequência disso, a nossa prática
também ser ressignificada, pois
Os sistemas de crenças individuais dos professores trazem
também seus objetivos e valores sobre o processo de ensino e
aprendizagem da LE, bem como a definição de seu papel em sala
de aula. As crenças e os valores dos professores formam a sua
cultura de ensino [...] (Kudiess, 2005, p. 43).

Essas teorias se formam, se organizam e se reorganizam com a experiên-


cia do professor e com seus procedimentos de formação contínua. Por isso, a
necessidade de o professor estudar sempre, conhecer novas teorias para refletir
sempre sobre a sua práxis.

Reflita

Quais são as suas representações pessoais sobre os processos de ensino e


aprendizagem de uma língua estrangeira, especificamente, da língua espa-
nhola? Busque compreender quais são as implicações que suas crenças po-
dem exercer na sua prática enquanto professor de espanhol. Para você, como
seria um processo ideal de ensino e aprendizagem da língua espanhola? Ele
é passível de realização nas instituições educacionais que você conhece? Por
quê? Como é a realidade das instituições educacionais que você conhece?

Saiba mais

Para aprofundar suas reflexões, leia mais sobre o ensino de língua estran-
geira, no artigo Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na
Linguística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no con-
texto brasileiro, de Kleber Aparecido da Silva, disponível no sítio: <http://
rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v10n1/09Kleber.pdf>.

Portanto, tanto no ensino do espanhol quanto no ensino de outra língua


estrangeira, há uma conjugação entre teoria e prática em um percurso cíclico no

unitins • letras • 6º PERÍODO  423


CAPÍTULO 1 • estágio supervisionado Ii

qual devemos valorizar as teorias formais (estabelecidas pelo meio universitário)


e as teorias pessoais, originadas da observação e da análise crítica dos próprios
professores sobre sua prática.
Diante de tantos questionamentos, ressaltamos a necessidade de o professor
estar constantemente inserido em processos de formação. Um professor não está
pronto ao concluir um curso de graduação, visto que a própria realidade educa-
cional e social é mutável e exige constante aprendizado por parte do professor.
Alvarez (2006, p. 88) destaca que o professor precisa “tornar-se um pesqui-
sador de sua própria prática”. Essa será a nossa discussão do próximo capítulo.
Falaremos sobre a importância de o professor não se ver, apenas, como um
simples ministrante de aulas. O professor precisa se reconhecer como pesqui-
sador da sua prática. Tal postura reflete sobre suas ações em sala de aula,
levando-o a considerar os elementos externos e internos que influenciam o exer-
cício da sua profissão e o desenvolvimento dos seus alunos.

Referências
ALVAREZ, M. L. O. Aspectos da formação do professor de Língua Espanhola
na universidade: as duas caras da moeda. In: FIGUEIREDO, F. J. Q. de (Org.).
Anais do VI Seminário de Línguas Estrangeiras. Goiânia: UFG, CD-ROM, 2006.
p. 78-91.
BOÉSIO, C. P. D. Espanhol e português: proximidade, transferências, erros e
correções na flexão do infinitivo. Comunicação no II FILE – Fórum Internacional
de Língua Estrangeira. Pelotas: UCPEL, UFPEL, 2003.
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Linguagens, códigos e suas tecnologias.
In: BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da
Educação, 2006. v. 1.
CAMPOS, D. M. S. Psicologia da aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2001.
KUDIESS, E. As crenças e os sistemas de crenças do professor de Inglês sobre
o ensino e a aprendizagem da língua estrangeira no Sul do Brasil: sistemas,
origens e mudanças. In: Linguagem & Ensino, v. 8, n. 2, 2005, p. 39-96.
MELO, T. M. M. A conjugação teoria/prática na sala de aula comunicativa de ILE:
uma experiência de pesquisa-ação. In: Linguagem & Ensino. v. 5, n. 1, 2002.
MOURIN, E.; CIURANA, E. R.; MOTTA, R. D. Educar na era planetária: o pensa-
mento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana.
São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO, 2003.
TELLES, J. A.; OSÓRIO, E. M. R. O professor de línguas estrangeiras e o seu
conhecimento pessoal da prática princípios e metáforas. In: Linguagem & Ensino.
v. 2, n. 2, 1999.

424  6º PERÍODO • letras • unitins


2
CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado ii

A prática docente do
professor de língua
estrangeira

Introdução
Neste capítulo, apontaremos a importância de o professor ser pesquisador,
pois seu papel ultrapassa a função de transmissor de conhecimentos ou de elo
entre o saber e o aluno. Hoje, ele precisa tornar-se capaz de criar ou adaptar
situações de aprendizagem, de modo a adequá-las a seus alunos. Sua prática
deve reafirmar a relevância da noção de cidadania e deve possibilitar aos
alunos o desenvolvimento das habilidades de leitura, comunicação oral e prática
da escrita. Seguindo essa linha, há a necessidade de se variar metodologias, de
planejar e de executar aulas dinâmicas que atraiam os alunos para a aprendi-
zagem de uma segunda língua.
Segundo Morin (2000, p. 11), o ensino deve preocupar-se com uma “cultura
que permita compreender nossa condição e que nos ajude a viver, favorecendo,
ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre”. Conforme o autor, os
objetivos do ensino de línguas na escola devem buscar a formação total do indi-
víduo, o desenvolvimento de uma consciência social e da criatividade, além da
abertura a novos conhecimentos.
Ao final deste capítulo, você deverá ser capaz de compreender as
propostas das orientações nacionais para o ensino da língua estrangeira e
refletir sobre o importante papel que o professor ocupa no processo educativo
da língua estrangeira.
Você compreenderá melhor a discussão presente neste capítulo se ler o artigo
disponível no sítio: <http://www.inclusao.com.br/projeto_textos_48.htm>, que
apresenta uma reflexão sobre como a relação entre autonomia intelectual e inter-
disciplinaridade é imediata. É importante que você retome a leitura dos PCN de
Língua Estrangeira que evidencia que o ensino deve centrar-se no desenvolvi-
mento do aprendiz que deve utilizar, com proficiência, a língua estrangeira, em
seu cotidiano.

2.1 O ensino de línguas


O ensino de línguas deve ser estruturado a partir da concepção de que
a comunicação é um instrumento indispensável, na conjuntura sociopolítica

unitins • letras • 6º PERÍODO  425


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado Ii

e econômica atual, para a formação profissional, acadêmica e pessoal dos


sujeitos. Parte daí a importância de uma prática pedagógica que considera a
necessidade de o aprendiz assumir um papel ativo na aquisição da linguagem.
Nessa perspectiva, o docente necessita ter competência linguístico-comuni-
cativa em língua espanhola; planejar sua prática de modo a contextualizar os
conteúdos para possibilitar a compreensão da linguagem como prática social;
mediar o processo de aprendizagem de seus alunos com perguntas instigadoras,
abrir um canal de dúvidas e inquietações entre os alunos.
Depreendemos que, ao organizar as aulas de língua estrangeira, o professor
deve compreender a linguagem como prática social e planejar a prática peda-
gógica a partir do contexto social em que ela se dá, em favor sujeitos sociais que
se encontram dentro dos conflitos presentes da época em que vivem.
Nessa concepção, as práticas de ensino focalizam-se no uso real da
língua, possibilitando ao aluno a produção e a compreensão de textos orais
e escritos. Essa prática requer mais do que exercícios de cópia, tradução e
repetição com textos descontextualizados. Requer atividades que explorem
diferentes recursos, como TV, computador, jornais, revistas, histórias em
quadrinhos e outros.

Saiba mais

Nas aulas de língua estrangeira, o foco do professor não deve estar ape-
nas no conteúdo ensinado. Ele deve, também, observar a forma como
os alunos respondem à sua proposta pedagógica e encaram a apren-
dizagem. Nessa perspectiva, o professor deve possibilitar aos alunos o
desenvolvimento de sua metaconsciência e a corresponsabilidade pela
sua aprendizagem. Essa prática pedagógica permite ao aluno desenvol-
ver a sua habilidade de selecionar, implementar e avaliar as próprias
estratégias de aprendizagem. Leia mais sobre o assunto no sítio: <http://
w3.ufsm.br/desireemroth/dissertacoes/dissertacaoGisvaldoBAraujoSilva
%5B2%5D.pdf>.

Reiteramos que, como em todo ensino de línguas, é necessário entender a


prática pedagógica enquanto prática social:
[...] toda prática social é determinada por um jogo de forças (inte-
resses, motivações, intencionalidades); pelo grau de consciên-
cia de seus atores; pela visão de mundo que os orienta; pelo
contexto onde esta prática se dá; pelas necessidades e possibi-
lidades próprias a seus atores e próprias à realidade em que se
situam (CARVALHO; NETTO, 1994, p. 59).

426  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado ii

Sua prática de ensino deve ser determinada pelo contexto em que ocorre.
Por isso, é necessário compreender que a prática pedagógica de uma segunda
língua, semelhantemente ao que ocorre com as demais disciplinas, deve ter
como centro o aluno, cujos interesses e motivações atribuirão sentido ao
seu conhecimento.
Nessa perspectiva, o ensino da língua espanhola deve estar articulado da
seguinte forma: aprender a ler e compreender textos orais e escritos, escrever,
contar e conhecer fatos históricos. Os conteúdos devem ser trabalhados de uma
forma contextualizada para que os alunos possam compreender a linguagem
como prática social. Devem ser criadas situações para que os estudantes levantem
hipóteses, interpretem e utilizem a língua em situações comunicativas.
Seguiremos o que preceituam os PCN quando dizem que, para ensinar uma
língua, é necessário
Entender a linguagem como prática social, como possibilidade de
compreender e expressar opiniões, valores, sentimentos, informa-
ções, oralmente e por escrito. O estudo repetitivo de palavras e
estruturas apenas resultará no desinteresse do aluno em relação à
língua (BRASIL, 1998, p. 54).

Portanto, para oportunizar o uso da língua estrangeira em funções de comu-


nicação, é necessário que se propicie um ambiente em que se utilizem comandos,
cognatos, palavras-chave, recursos visuais e gestuais, pois
A aprendizagem de língua estrangeira é uma possibilidade de
aumentar a autopercepção do aluno como ser humano e como
cidadão. Por esse motivo, ela deve centrar-se no engajamento
discursivo do aprendiz, ou seja, em sua capacidade de se engajar
e engajar outros no discurso de modo a poder agir no mundo
social (BRASIL, 1998, p. 15).

Reflita

A sala de aula é um ambiente no qual o processo de aprendizagem se


realiza por meio de um conjunto de ações e reações produzidas por
professores e alunos e que resulta na aprendizagem de uma segunda lín-
gua. Nessa perspectiva, a interação da sala de aula pode ser planejada
antecipadamente?
Sua resposta a essa pergunta deve ser não, pois o ambiente da sala de
aula recebe do professor e dos alunos características culturais, crenças e
expectativas específicas que surgirão nos momentos da interação.
Não há, portanto, como planejar antecipadamente esses momentos de in-
teração que estão associados às características individuais e situacionais e
que são únicos.

unitins • letras • 6º PERÍODO  427


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado Ii

2.2 Atuando na sala de aula


No dia a dia da sala de aula, podemos observar que o trabalho do professor
determina que tipo de aprendizagem será construído. Se o objetivo do ensino
é que os alunos atribuam significados à sua aprendizagem, o professor deve
tornar a sala de aula um espaço aberto para a pesquisa e para a interação ativa
entre os alunos.
Assumir uma prática com esse objetivo requer que o professor planeje, pense
e produza seu próprio material, pois o livro didático é concebido para atender
ao geral, como se todas as pessoas de várias regiões do Brasil tivessem as
mesmas experiências, a mesma cultura, os mesmos conhecimentos. No entanto,
sabemos que as realidades são bem diferentes. Para promover uma aprendi-
zagem significativa, as atividades devem considerar as competências que os
alunos já desenvolveram. A realidade por eles vivenciada deve possibilitar o
aprofundamento de seus conhecimentos.
Nessa perspectiva, o professor deve estar sempre refletindo e analisando
como apresentar determinado conteúdo, que tipo de texto pode despertar o
interesse daquela turma, que tipo de atividade deve trabalhar. Sempre que o
resultado não for alcançado, é preciso repensar as escolhas didáticas, buscar
novos caminhos e novas estratégias.
É necessário lembrar que o mundo muda. Essas mudanças ocorrem rapi-
damente. Nós também precisamos pensar a prática pedagógica numa pers-
pectiva globalizante, ou seja, transformar os conteúdos das disciplinas em
instrumentos para a compreensão da realidade e em possíveis intervenções no
contexto vivencial.
Nessa perspectiva, nem sempre encontramos materiais prontos, textos e
atividades que valorizem a língua como elemento de cultura.

Reflita

Vamos pensar sobre situações de aprendizagem que possam evidenciar a


questão cultural de uma língua. Sobre o uso do verbo necessitar, em geral,
a gramática apresenta que se ele constrói com objeto direto, como nos
seguintes exemplos:
• “Vamos a necesitar tres coches”;
• “Necesitaba pensar en otros amigos para olvidarse de sí mismo”;
• “Necesito que me contesten ahora”.
Além do que prescreve a gramática, podemos também elaborar o seguinte
texto: “Don Raimondo necesitaba de la soledad para concentrarse”.
Comparando as duas situações, concluímos que a análise das construções
gramaticais em diferentes tipos de texto permite a percepção de que a lín-

428  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado ii

gua é viva. Em sua utilização cotidiana, o usuário escolhe a estrutura que


melhor atende a necessidade da situação de comunicação.
Você concorda com essa afirmativa?
Podemos afirmar que na prática docente as atividades de análise permi-
tirão aos estudantes observar diferentes usos da linguagem, levando-os a
formularem hipóteses e, consequentemente, a compreenderem o uso apro-
priado de algumas construções?

Portanto o professor habilita os alunos a refletirem sobre as situações de


uso da língua, esclarece possíveis dúvidas e as razões para os papéis e as
funções das palavras no discurso. É essencial que os professores sejam fluentes
na língua falada e escrita, sejam curiosos, procurem compreender a língua como
um espaço para eventos relacionados aos participantes, em situações reais de
produção do discurso.
No mundo real, fora da escola, não dissociamos o conhecimento, em situa-
ção alguma. Há uma relação global para compreender e solucionar determi-
nado fenômeno. O que se observa, porém, é que a escola, isola as disciplinas,
concebe o conhecimento como uma coisa pronta e definitiva.
Não isolar a língua espanhola do contexto social é fundamental para a
compreensão de como o conhecimento foi produzido, qual o contexto em que
emergiu, em que contexto atual ele seria válido, como se aplica em nossa reali-
dade. Dessa forma, os alunos poderão observar a interação, o uso das línguas
dentro e fora da escola, em situações sociais, não apenas como forma de
expressão e comunicação, mas como produtora de significados e valores.

2.3 A heterogeneidade da língua espanhola e o ensino


O ensino de língua espanhola precisa ir além dos aspectos linguísticos. É
necessário que o aluno compreenda que, como qualquer outra língua, o espa-
nhol está sujeito às interferências de fatores linguísticos e extralinguísticos.
As línguas apresentam uma característica muito peculiar representada pelas
variações linguísticas que podem manifestar-se em termos do vocabulário utili-
zado, da pronúncia, da morfologia e da sintaxe. Ainda, apresentam formas variá-
veis em épocas diferentes, o que significa que não são faladas uniformemente
por todos os falantes de uma sociedade.
As práticas de ensino devem deixar evidente que essa diferença é perfei-
tamente natural, pois a língua é um sistema de representação constituído por
palavras e por regras que se combinam em unidades portadoras de sentido.
Essas unidades são comuns a todos os membros de uma determinada socie-

unitins • letras • 6º PERÍODO  429


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado Ii

dade. Essa sociedade não é estática, não é dissociada do contexto socioeco-


nômico e cultural.
Nesse contexto, é preciso que o professor atue no sentido de desfazer a ideia
de que há um espanhol melhor que outro, como, o espanhol peninsular em relação
às variedades hispano-americanas. Ora, os falantes de uma língua adquirem,
natural e gradativamente, o conhecimento necessário para usá-la. Imaginem
falantes de determinada região abandonarem seus sotaques locais, o léxico pecu-
liar da região de origem, em obediência a determinada variante da língua.
De acordo com as orientações curriculares, é impossível trabalhar como se
houvesse um único espanhol, já que há variações locais marcantes, como por
exemplo, no uso de pronomes de tratamento. Vale pesquisar como a língua espa-
nhola é rica em formas de tratamento. Os alunos devem descobrir que o uso que
cada indivíduo faz da língua depende de várias circunstâncias: do que vai ser
falado, de que forma, do contexto, do nível social e cultural de quem fala etc.
Assim, percebemos que as línguas não são sistemas monolíticos, invariáveis
e imutáveis no espaço e no tempo, mas que são sistemas dinâmicos. Só existem
efetivamente no contexto das relações sociais. Por conseguinte, é um conjunto
aberto e múltiplo de práticas sociointeracionais, orais ou escritas, desenvolvidas
por um sujeito historicamente situado.

Reflita

Na língua portuguesa o uso das expressões “mais grande” e “mais peque-


no” tem o uso bem restrito. Essas formas devem ser usadas apenas para
fazer comparações entre duas qualidades de um mesmo elemento, como:
“A casa é mais grande que pequena”. Já em espanhol essas formas são
usadas e consideradas corretas, como: “Este niño me parece más grande
que mi hijo”; “Esta casa es más pequeña que la mía.” Chamar a atenção,
pesquisar e discutir sobre as diferenças e similaridades da língua espanho-
la e portuguesa pode despertar a curiosidade de nossos alunos. Pense nisso
na hora de planejar suas aulas.

Dessa forma, a leitura de textos coloquiais e literários de vários gêneros,


como cartas familiares, artigos jornalísticos, artigos de opinião, científicos,
e-mails, anúncios etc., possibilita ao aluno o contato com algumas variedades
regionais, sociais e culturais da língua, para que ele possa entender a heteroge-
neidade dos povos, das culturas e das linguagens.
Ao concluir este capítulo, é importante que você tenha entendido que sua
sala de aula é um espaço para atividades de pesquisa. Você deverá criar situa-

430  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado ii

ções para apresentar a língua viva de um povo com suas variações fonológicas,
morfológicas, sintáticas, pragmáticas.
Compreenda, ainda, que o ensino da língua estrangeira exige conhecimento,
experiência, reflexão, sabedoria, criatividade e ousadia, já que, para a efeti-
vação do processo de aprendizagem, é necessário que sejam criados ambientes
em que os alunos sejam aprendizes ativos, para escutar, falar, escrever, levantar
hipóteses, encontrar respostas.

Reflita

Ao longo dos nossos estudos, apontamos a necessidade de o professor


de Língua Espanhola estar sempre estudando, visto que o espanhol, como
qualquer outra língua, sofre modificações. Há variações significativas que
devem ser apresentadas ao aluno. Um exemplo é que na Argentina, no
Uruguai, no Paraguai, na Costa Rica, em Honduras, em El Salvador, na Ni-
carágua e na Guatemala, nas minorias significativas do Chile, da Bolívia,
da Colômbia, da Venezuela, do Peru e do México, o pronome “vos” tem
substituído quase que por completo a forma “tu”, independentemente da
classe social ou de nível de escolaridade do falante. Você poderá apresen-
tar essa questão aos alunos provocando uma discussão em torno do mito
de uma língua uniforme e estática.
Estudar a língua e suas variações é importante para que você possa pla-
nejar suas aulas de forma a estimular a autonomia do aluno. Para isso,
deve poder contar com recursos, como internet (chat, e-mail, fórum), textos
diversos, músicas, filmes e outros. Você concorda?

No próximo capítulo, apresentaremos uma reflexão sobre a organização


das aulas de língua espanhola e sobre a necessidade de uma boa compreensão
teórica para uma boa prática. Destacaremos, ainda, que as ações em sala de
aula, além de planejadas pelo professor, são coproduzidas pelos alunos nos
momentos de interação em sala.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino
Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de
Educação Média e Tecnológica, 1999.
CARVALHO, M. do C. B.; NETTO, J. P. Cotidiano: conhecimento e crítica. 3. ed.
São Paulo: Cortez, 1994.

unitins • letras • 6º PERÍODO  431


CAPÍTULO 2 • estágio supervisionado Ii

MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo:


Cortez; Brasília: UNESCO, 2000.

Anotações

432  6º PERÍODO • letras • unitins


3
CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado ii

Planejamento e metodologias
de aulas de Língua Espanhola

Introdução
Neste capítulo, refletiremos sobre a prática pedagógica, como planejá-la e
o que planejar, pois conduzir o processo de ensino-aprendizagem exige conhe-
cimentos teóricos específicos de língua espanhola e a compreensão da comple-
xidade do próprio processo de ensino e aprendizagem. É necessário, ainda,
compreender a importância de você planejar sua prática, buscar e reestruturar
modelos, criar novos métodos. Vale lembrar que a prática é sua e as experiên-
cias pedagógicas fazem surgir teorias implícitas. É por isso que devemos olhar
para o processo de planejar a prática pedagógica com atenção e atitude inves-
tigativa e reflexiva.
Nessa perspectiva, é necessário ter um conceito revisto e ampliado sobre a
sala de aula, sobre as estratégias de ensino e, ainda, a compreensão de que o
planejamento da prática deve acontecer de modo a contextualizar os conteúdos,
possibilitando a compreensão da linguagem como prática social.
É nesse contexto que o professor de língua estrangeira necessita mediar
o processo de aprendizagem de seus alunos com perguntas instigadoras que
sejam capazes de estabelecer um canal de dúvidas e inquietações entre os
alunos, para que eles elaborem hipóteses e busquem comprová-las desenvol-
vendo saberes consistentes para que desenvolvam competências linguísticas
e comunicativas.
Para isso, esperamos que você compreenda que o ensino de uma língua
possibilita ao aluno o diálogo com o texto, de modo a conhecer a especificidade
do texto, seu diálogo com outros textos e a reconstrução de significados.
Neste capítulo, discutiremos sobre como organizar as aulas de língua espa-
nhola, para isso recomendamos a leitura do texto Processo de ensino/apren-
dizagem de Língua Estrangeira mediante um planejamento negociado entre
professor e alunos a partir de tarefas comunicativas. Esse texto está disponível
no sítio: <http://www.fafibe.br/revistaonline/arquivos/graziela_o_processo_
ensino_aprendizagem_tarefas.pdf>. Nele você encontrará concepções de
planejamento baseadas em tarefas comunicativas que direcionam as ações do
professor em sala de aula com o objetivo de promover e desenvolver a interação
comunicativa entre os aprendizes de uma língua estrangeira.

unitins • letras • 6º PERÍODO  433


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado Ii

Esperamos que você seja capaz de compreender a relação convergente


entre teoria e prática como essencial no ensino do espanhol como língua estran-
geira e entender que o sujeito é responsável por sua prática a partir dos seus
conhecimentos e do saber fazer.

3.1 Organização das aulas de Língua Espanhola


A comunicação é um instrumento indispensável na conjuntura sociopolítica e
econômica para a formação profissional, acadêmica e pessoal dos alunos. Essa
concepção evidencia a importância de uma prática pedagógica que considere a
necessidade de o aprendiz assumir o papel ativo na aquisição da linguagem.
Nessa perspectiva, o professor, para organizar suas aulas, deve partir de
uma compreensão da linguagem como prática social, assumindo uma visão
ampla dos conteúdos que deve incluir no curso e indo além das habilidades tradi-
cionais, como ouvir, falar, ler e escrever, e dos aspectos linguísticos e lexicais.
Deve oportunizar ao aluno a compreensão e expressão de opiniões, valores,
sentimentos e informações.
Nessa concepção, as práticas de ensino devem focalizar o uso real da
língua, possibilitando ao aluno o desenvolvimento das habilidades de produzir
seus textos orais e escritos, bem como de ouvir e compreender os textos orais e
escritos de outras pessoas.
O uso de TV, computador, jornais, revistas e textos literários deve ter como
finalidade a capacitação do indivíduo de modo que esse possa compreender
seu lugar na sociedade, bem como permitir o desenvolvimento do pensamento
crítico, levando o leitor a interagir com o real, interpretá-lo, compreendê-lo e
posicionar-se como sujeito social.
Nesse contexto, ao organizar sua prática com textos diversificados, o
professor possibilita ao aluno compreender os vários usos da língua, suas estru-
turas possíveis e os diferentes valores semânticos que podem ser atribuídos a
uma palavra. Essa prática provoca diferentes reflexões e leva o aluno a construir
significados, possibilita a interação e interferência na produção de sentidos do
discurso socialmente construído.
Planejar e executar uma prática que provoca reflexões e possibilita inte-
ragir e interferir na produção do discurso requer do docente competência
linguístico-comunicativa em língua espanhola. Ensinar a língua não é apenas
apresentar as relações entre os signos, por meio da fonologia e da morfossin-
taxe. É possibilitar a compreensão das relações entre os signos, seus usuários
e o contexto de uso.
A concepção do professor sobre o que significa ensinar, sobre quais conteú-
dos ensinar e sobre como ensinar é fruto de experiências particulares e, também,
da troca de experiências com outros professores.

434  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado ii

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www.hottopos.com.br/videtur6/selma.htm>, nele en-


contrará uma reflexão importante sobre metodologias que marcaram o ensi-
no-aprendizagem da língua estrangeira. O papel do professor no processo
ensino-aprendizagem e os princípios que embasam certas metodologias.

O professor deve escolher as atividades de ensino observando as condições


favoráveis apresentadas por Zabala (1996, p. 157), segundo o qual uma boa
proposta didática
a) permite que o aluno tome decisões razoáveis sobre como
desenvolvê-la e perceba as consequências de suas escolhas;
b) atribui ao aluno um papel ativo;
c) exige do aluno uma pesquisa de ideias, processos intelectuais,
acontecimentos ou fenômenos de ordem pessoal ou social e o
estimula a se envolver nela;
d) obriga o aluno a interagir com a sua realidade;
e) pode ser realizada por alunos de diversos níveis de capaci-
dade e interesses diferentes;
f) obriga o aluno a examinar em um novo contexto uma ideia,
um conceito etc.

O professor de língua estrangeira necessita estar atento aos processos que


envolvem o contexto de sala de aula e, ainda, sujeitar sua prática a uma crítica
permanente. Isso evidencia a necessidade de um desenvolvimento constante e
da compreensão de que as características de sua prática pedagógica dependem
de embasamento teórico específico da área de ensino-aprendizagem de língua
estrangeira e do seu constante aprimoramento, com base nas suas experiências
em sala de aula.

Reflita

O estudo de línguas estrangeiras deve oportunizar conhecimentos essen-


ciais que permitam ao estudante aproximar-se de várias culturas, o que
oportunizam a integração do aluno em um mundo globalizado. Isso implica
que o professor deve orientar sua prática enfatizando os letramentos múl-
tiplos, que objetivam: a) aumentar o repertório de práticas orais por meio
de diálogos; b) compreender a língua como um sistema de regras e, con-
sequentemente, ampliar o repertório das estruturas gramaticais; c) praticar
um ensino de línguas capaz de promover autonomia intelectual e maior

unitins • letras • 6º PERÍODO  435


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado Ii

capacidade de reflexão. Nessa perspectiva, o professor precisa estar em


constante atualização, em constante estudo, você não acha?

Entendemos que há a possibilidade de o aluno compreender os vários usos


da língua por meio da utilização de vários gêneros textuais. Esse é o tema de
nosso próximo item.

3.2 Gênero textual


O ensino da leitura precisa ultrapassar a decodificação das palavras, ele
precisa utilizar estratégias de leitura na busca da construção de significados de
um texto.
O professor precisa criar situações de leitura que envolvam o leitor, o texto,
a interação entre o leitor e o texto, o conhecimento prévio de mundo e o proces-
samento do conhecimento linguístico nos níveis ortográfico, fonológico, sintático
e semântico.
Isso implica que, na sala de aula, o professor deve planejar atividades
que acionem essas estratégias que estão relacionadas à superfície textual, ao
momento da enunciação e às relações extralinguísticas, o que viabilizará o
amadurecimento e a autonomia do leitor. Veja, a seguir, um exemplo.

Vamos a leer y analizar el texto, que es una especie de broma, entonces.


Una investigadora del IBGE llega a una casa en el pueblo:
– ¡Buenos Días! Estoy aquí para hacer una encuesta. ¿Puede ayudarme?
– Sí, puedo señora
– En esta tierra, ¿hay yuca?
– No, señora.
– ¿Hay papas?
– Tampoco, señora.
– ¿Frijoles?
– Jamás.
– ¿Arroz?
– ¡No!
– ¿Maíz?
– ¡Por supuesto que no!
– Entonces, ¿aquí no se puede plantar nada?
– Ah, si plantas es diferente.

436  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado ii

A leitura de uma piada deve oportunizar ao aluno o entendimento da


intenção do autor, que, nesse caso, não quer contar sobre a pesquisa, mas
sim levar as pessoas a refletirem sobre o fato de que, muitas vezes, as pessoas
reclamam da terra, reclamam da falta de ajuda do governo, mas não fazem a
sua parte, não trabalham essa terra para que a vida melhore.
O aluno deve compreender que o humor da piada está justamente na ironia
de afirmar que a terra não dá nada, quando na verdade nem foi tentado, pois
como ele mesmo disse nunca se plantou.
Essas inferências devem ser realizadas pelo leitor. Você professor, deve
promover o desenvolvimento dessa habilidade até que o estudante consiga ler de
forma autônoma, extraindo as informações implícitas e atribuindo-lhes sentido.

3.3 Texto literário e aulas de espanhol


A literatura é a arte de trabalhar com as palavras, ou seja, de utilizar as figuras
de linguagem. O texto literário deve ser expressivo, criativo e ter sonoridade.
A poesia e a prosa trabalham com a palavra e revelam o poder da criação
e da expressividade.
Para planejar o trabalho com o texto literário em sala de aula, devemos
partir da concepção de que ele tem várias funções. Devemos planejar nossa
prática pedagógica em literatura partindo da concepção de que o texto lite-
rário, como todas as artes, é escrito em determinado contexto histórico, social
e político. Portanto, esse texto reflete as relações sociais da época, o ambiente
político, os valores, os hábitos e a ideologia da sociedade e do autor do texto.
Por isso, o planejamento das aulas de literatura deve ser interdisciplinar. A lite-
ratura deve relacionar-se com a geografia e com a história, visto que o texto lite-
rário é carregado de intenções expressivas para retratar a realidade. O aluno
deve compreender que o que chamamos de estilo de época é a manifestação
de um grupo de artistas, de suas concepções e dos ideais de seu tempo.

Reflita

O uso de textos literários nas aulas de língua estrangeira limita-se apenas


ao trabalho com aspectos estruturais da língua?
Não. São materiais ricos,visto que permitem aos alunos conhecer a cultura
de outros povos, conhecer a história. E, ainda, a subjetividade e ambigui-
dade presentes no texto literário permitem o desenvolvimento de uma visão
crítica sobre as diversas interpretações que esse texto possibilita.
Para Barthes (2000, p.16-17) a literatura é
não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo
um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo com-

unitins • letras • 6º PERÍODO  437


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado Ii

plexo das pegadas de uma prática de escrever. Nela


viso, portanto, essencialmente, o texto, isto é, o tecido
dos significantes que constitui a obra, porque o texto é
o próprio aflorar da língua, e porque é no interior da
língua que a língua deve ser combatida, desviada: não
pela mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo
jogo das palavras de que ela é o teatro.
Assim, o texto literário trabalha com a língua com mais liberdade, utilizando-
se, muitas vezes, da linguagem fora dos padrões, é uma maneira particular
de usar a língua, talvez uma resistência à imposição.

O professor não pode trabalhar a literatura como se a obra fosse escrita de


maneira desvinculada dos valores da época. Portanto é necessário abordar a
literatura possibilitando ao aluno uma análise crítica do texto. Nesse processo de
despertar o gosto pela leitura e pela literatura, o professor precisa partir de textos
mais simples e, de forma progressiva, conforme o amadurecimento do leitor,
chegar aos textos clássicos.
A literatura possibilita ao aluno descobrir características diferentes entre os
seres humanos, entre os grupos sociais e desenvolver a consciência da realidade,
da cultura e da história de um povo, além das mudanças históricas que ocorrem
na língua de um povo.
O uso do texto literário permite ao professor trabalhar com a língua, com
suas possibilidades de uso, enriquecendo as análises das construções linguís-
ticas. Possibilita, ainda, ao aluno apropriar-se do universo literário e ampliar seus
horizontes e conhecimentos.
Nesse contexto, as atividades de leitura nas aulas de língua estrangeira devem
ser direcionadas à construção de sentidos. O aluno precisa conseguir estabelecer
relações entre o que está dito no texto e seus conhecimentos e conseguir inferir signi-
ficados a partir de informações que não estão no texto. Assim, esse leitor deve ser
crítico, levantar questionamentos, duvidar do que está sendo apresentado no texto.

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/RF?dd1=3233&dd


99=pdf>. Nele você encontrará um texto bem interessante, uma reflexão
sobre o caráter transgressivo da literatura no seio da linguagem. Sobre a
possibilidade da literatura ser uma linguagem sem poder, uma língua que
foge aos padrões, aos códigos linguísticos, uma forma de subversividade.

438  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado ii

O uso do texto literário somente é significativo se não for associado a exercí-


cios mecânicos. As atividades devem permitir a reflexão, a comparação entre as
variedades de uma língua, oportunizar, ampliar e articular conhecimentos.
Os textos das obras da literatura espanhola devem ser inseridos no processo
de ensino e aprendizagem para, por meio de interações comunicativas reais,
possibilitar ao aluno/leitor avaliar e julgar fatos, compreender o mundo por
meio de um contexto histórico.
O aluno vai descobrir que um texto literário possibilita conhecer a história e
o que os homens pensavam em outras épocas. Ele compreenderá que os textos
são fonte de conhecimento. Para isso, é necessário que:
• o professor contextualize o texto historicamente, revelando como era a
sociedade local, quais eram os princípios dessa sociedade no momento
em que ele foi escrito. Deverá apresentar, ainda, quem era o autor da
obra, suas concepções, suas relações políticas e sociais com a socie-
dade da época;
• os alunos façam leitura individual do texto para se familiarizarem com ele;
• o professor abra espaço para comentários e que faça alguns questiona-
mentos à turma, com a finalidade de refletir sobre a obra;
• o professor destaque trechos interessantes do texto, os comente e que
pergunte a opinião dos alunos sobre a narrativa;
• o professor compare o texto com a sociedade atual, como seria a reação
das pessoas se tal determinado fato acontecesse hoje;
• os alunos compreendam os significados das palavras de modo a contri-
buir para o seu vocabulário.
Vejamos uma atividade com o texto literário de Cervantes.

Don Quijote de La Mancha


Buen sucesso que el valeroso Don Quijote tuvo em la espantable y
jamás imaginada aventura de los molinos de viento, com otros sucesos
dignos de feliz recordación.
En esto, descubrieron treinta o cuarenta molinos de viento que hay en
aquel campo, y así­como Don Quijote los vio, dijo a su escudero:
– Lá ventura va guiando nuestras cosas mejor de lo que acertáramos
a desear; porque ves allí­, amigo Sancho Panza, donde se descubren
treinta o pocos más, desaforados gigantes, con quien pienso hacer batalla
y quitarles a todos las vidas, con cuyos despojos comenzaremos a
enriquecer; que ésta es buena guerra, y es gran sevicio de Dios quitar tan

unitins • letras • 6º PERÍODO  439


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado Ii

mala simiente de sobre la faz de la tierra.


– ¿Qué gigantes? – dijo Sancho Panza.
– Aquellos que allí­ves – respondió su amo – de los brazos largos, que
los suelen tener algunos de casi dos leguas.
– Mire vuestra merced – respondió Sancho – que aquellos que allí­
se parecen no son gigantes, sino molinos de viento, y lo que en ellos
parecen brazos son aspas, que, volteadas del viento, hacen andar la
piedra del molino.
– Bien parece – respondió Don Quijote – que no estás cursado en
esto de las aventuras: ellos son gigantes; y si tienes miedo, quítate de
ahí­, y ponte en oración en el espacio que yo voy a entrar con ellos en
fiera y desigual batalla.
Y deciendo esto, dio de espuelas a su caballo Rocinante, sin atender
a las voces de su escudero Sancho le daba, advirtiéndole ante, que, sin
duda alguna eran molinos de viento, y no gigantes, aquellos que iba a
acometer. Pero él iba tan puesto en que eran gigantes, que ni oi­a las voces
de su escudero Sancha, ni echaba de ver, auque estava y bien cerca, lo
que eran; antes iba diciendo en voces altas:
– No fuyades, cobardes y viles criaturas, que un solo caballero es
el que os acomete.Levantóse en esto un poco de viento, y las grandes
aspas comenzaron a moverse, lo cual visto pro Don Quijote, dijo. Pues
aunque mováis más brazos que los del gigante Briareo, me lo habéi
de pagar. Y en diciendo esto, y encomendándose de todo corazón a
su señora Dulcinea, pidiéndole que en tal trance le socorriese, bien
cubierto de su rodela, con Rocinante y embistió con el primero molino
que estaba delante; y dándole una lanzada en el aspa, la volvió el viento
con tanta furia, que hizo la lanza pedazos, llevándose tras sí­al caballo y
al caballero, dió Sancho Panza a socorrerle, a todo el correr e su asno, y
cuando llegó halló que no se podía menear: tal fue el golpe que dio con
el Rocinante.
– Válame Dios! – dijo Sancho –. ¿No le dije yo a vuestra merced que
mirase bien lo que hacía, que no eran sino molinos de viento, y no lo podía
ignorar sino quien llevase otros tales en la cabeza?
– Calla, amigo Sancho – respondió Don Quijote –, que las cosas de
la guerra, más que otras, están sujetas a continua mudanza (SAAVEDRA,
1855, p. 300).

Após a leitura do texto, é o momento de compartilhar opiniões, concordar


com a/ou discordar da opinião do colega, argumentar em favor ou contra
uma ideia.
Uma possibilidade é realizar alguns questionamentos aos alunos para
pensarem sobre a obra lida.

440  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado ii

• No texto de Cervantes, podemos ver o ser humano com vícios e virtudes?


• A leitura do texto possibilita dizer que Dom Quixote é religioso? Por quê?
• O que há na fala de Dom Quixote que podemos relacionar com a vida
das pessoas do nosso século?
• Há, no texto, palavras ou expressões que não são utilizadas na língua
espanhola atualmente?
Os questionamentos levarão os alunos a pensarem e a buscarem as respostas
no texto, podendo fazer inferências a partir dele.
O primeiro questionamento poderá ser respondido, quando o leitor perceber
que Cervantes opta, realmente, pela apresentação de um ser humano com
conflitos e mazelas, utopias e fracassos.
No segundo questionamento, os alunos podem perceber o trecho em que
Dom Quixote pede a Sancho que se ponha em oração. Essa atitude demonstra
como Dom Quixote se relaciona com o sagrado, com a fé e, por fim, com
a religião.
A terceira questão revela que, mesmo na vida real, estamos sempre em
busca de um super-herói que seja capaz de resolver os nossos problemas. O
quarto questionamento será respondido ao percebermos que a expressão “no
fuyades” é antiga. Na linguagem atual usamos “no huyáis”. O mesmo ocorre
com “Válame Dios!”, que atualmente é “Válgame Dios!”. Por fim, para responder
à última questão proposta, os alunos precisam perceber que Cervantes apre-
senta Dom Quixote como um homem forte e valente, que não tem medo de nada
e, por isso, não reclama de dor. Porém Sancho é um homem comum e, por isso,
reclama de qualquer tipo de dor, não demonstrando vergonha de expressar
suas fraquezas.
A leitura de textos literários possibilitará a compreensão de que a literatura
é viva, visto que a história, os fatos, as ações ficcionais são uma extensão da
realidade, de personagens que, muitas vezes, encontramos no cotidiano. Por
isso, o texto literário é um suporte, pois
Tanto as pessoas quanto as comunidades podem conhecer ou
captar, sempre tão-somente aspectos isolados da personalidade,
da essência dos indivíduos. [...] Por outro lado, todo homem pode,
mediante suas experiências sociais e individuais, obter um conhe-
cimento do homem que lhe permite averiguar se um determinado
indivíduo se manifestou num ato importante, decisivo, essencial,
ou seja, se determinadas ações do sujeito que ele quer conhecer
expressam algo decisivo sobre a sua essência. Com esse conhe-
cimento dos homens, pode-se também avaliar a possibilidade de
inferir o comportamento de um indivíduo em situações futuras,
ou a atitude do homem inteiro, partindo dessa ou daquela ação
(HELLER, 1972, p. 92).

unitins • letras • 6º PERÍODO  441


CAPÍTULO 3 • estágio supervisionado Ii

É preciso que o professor organize e planeje as atividades de leitura de


modo que elas sejam o suporte para o aluno compartilhar suas impressões e
perceber as repetições e limitações do que leu, as diferenças de estruturas, as
diferentes estratégias narrativas ou os valores que estão imbuídos no texto.
Desse modo, a aprendizagem pode ser concebida como meio de ampliar
horizontes culturais, oportunizando outras formas de entender a realidade ou o
seu entorno social. Essas atividades devem ser uma maneira de potencializar o
desenvolvimento da competência comunicativa.
O trabalho com textos deve conduzir o estudante a conceber a coexistência
dialógica dos diferentes gêneros discursivos, estabelecendo interações que vão
além do texto, ou seja, que estão no interdiscurso, como defendeu Bakhtin (1997)
em sua teoria sobre o dialogismo. As atividades didáticas com a literatura devem
oportunizar ao aluno mediações com a linguagem, com as mudanças da língua
no tempo, com as variações sociais de modo que a língua seja um suporte ideo-
lógico e de prestígio social.
No próximo capítulo, discutiremos sobre a organização das aulas de língua
espanhola de modo a desenvolver a compreensão auditiva e leitora.

Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARTHES, R. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HELLER, A. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
SAAVEDRA, M. de C. Don Quijote de la mancha. Disponível em: <http://books.
google.com.br/books?id=e84OAAAAYAAJ&printsec=frontcover&dq=bibliog
roup:%22Don+Quijote+de+la+Mancha%22&cd=3#v=onepage&q&f=false>.
Acesso em: 20 fev. 2010.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul
Ltda., 1998.

Anotações

442  6º PERÍODO • letras • unitins


4
Aulas de língua espanhola CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado ii

e compreensão
auditiva e leitora

Introdução
Compreendemos a língua como um instrumento de comunicação e a língua
estrangeira como um ato social que pressupõe alguém que fala ou escreve e
alguém que ouve ou lê, em um determinado espaço social e cultural e, ainda,
em um determinado momento histórico.
Nesse sentido, torna-se primordial desenvolver as habilidades de falar, ouvir,
escrever e ler em língua espanhola para compreender e ser compreendido, ou
seja, participar de forma eficaz em processos comunicativos sociais que usem
esse idioma.
Para tanto, cabe a você, professor, pensar em estratégias que possibilitem o
desenvolvimento das habilidades comunicativas que influenciam o desempenho
do aprendiz de língua estrangeira.
Seu trabalho deve ser planejado de forma a oportunizar o desenvolvimento da
leitura, da comunicação oral e da escrita a partir de práticas contextualizadas.
Nossa discussão, neste capítulo, permitirá conhecer a complexidade da
compreensão auditiva e leitora e dos fatores que interferem nesses processos.
Outro fator de destaque em nossas reflexões está relacionado às variadas estra-
tégias utilizadas pelos alunos.
Iniciaremos nossas discussões a partir da compreensão auditiva, mas,
antes disso, é importante que seja realizada uma leitura dos PCN de Língua
Estrangeira, em especial da parte contemplada nas páginas de 88 a 97. Os
PCN evidenciam o desenvolvimento da compreensão auditiva e leitora, que esse
envolve fatores cognitivos e sociais relativos ao processamento da informação.
A leitura das orientações curriculares para o ensino médio proporcionará a você
informações sobre a necessidade das práticas de linguagem, leitura e compre-
ensão oral, a partir das teorias de letramento e multiletramento.
Assim, esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de compre-
ender que os conteúdos a serem trabalhados nas aulas de língua estrangeira
devem proporcionar, além das habilidades tradicionais, o desenvolvimento
da compreensão auditiva e o entendimento de que a compreensão leitora
envolve uma enorme complexidade cognitiva e interativa entre autor, leitor,
texto e contexto.

unitins • letras • 6º PERÍODO  443


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado Ii

4.1 Compreensão auditiva


Audição é o sentido por meio do qual percebemos os sons. A compreensão
auditiva implica ouvir e entender o significado da linguagem dentro de um
contexto. Isso significa que a compreensão auditiva envolve o conhecimento dos
sons da linguagem, o ritmo e a entonação sequencial desses fonemas, envolve
também a memória sequencial e os conhecimentos gramaticais.
A compreensão auditiva é parte integrante do aprendizado. Por isso, a sala
de aula precisa ser um espaço em que se pratica a audição, pois as situações
de comunicação oral são compreendidas como processo ativo e, ao mesmo
tempo, complexo.
Planejar estratégias de ensino de uma língua estrangeira implica pensar em
atividades que oportunizem ao aluno participar de diálogos reais.
É necessário perceber que no processo de conversação, o processo audi-
tivo se realiza quase que automaticamente: o aluno ouve, seleciona os sons
e atribui significados à linguagem. Nessa perspectiva, aprender a falar uma
língua estrangeira não é só memorizar os sons dessa língua, é relacionar sons,
pensamentos, reflexões, verbalizações e construções de sentido.
Em um contexto de aprendizagem, para uma compreensão auditiva eficaz,
o aluno articula várias habilidades de decodificação, como:
• identificar a sequência de unidades fonéticas na cadeia da fala;
• identificar segmentos na cadeia da fala e criar um modelo métrico para
o enunciado;
• identificar sinais de atenção que um falante usa para itens lexicais em
relação ao discurso;
• identificar as funções possíveis para os contornos tonais sobre os
enunciados;
• ajustar as variações de sotaque ou de articulação.
Como o que está em jogo é compreender uma segunda língua, todas as
habilidades apresentadas estão envolvidas no momento de ouvir e compreender
o discurso. Essa compreensão não está dissociada dos processos de signifi-
cação, pois
A organização de qualquer sistema linguístico e o seu proces-
samento, por mais complexos e sofisticados que sejam, não têm
finalidades em si mesmos: servem para que possamos compre-
ender o que os outros estão querendo dizer (MUSSALIM; BENTES,
2003, p. 184).

Assim, os alunos, quando compreendem o que ouvem e o que leem, podem


de forma segura expor sua opinião em uma segunda língua e são estimulados a
interagir em sala e a participarem dos diálogos.

444  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado ii

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www.pucsp.br/liaac/teses/marcia_polaczek.pdf>.


Nele você encontrará informações importantes para compreender os fa-
tores envolvidos na atividade de compreensão oral em língua estrangeira
e, ainda, sobre estratégias utilizadas na audição de diálogos para desen-
volver a habilidade de compreender textos orais em língua estrangeira.
No texto, a autora destaca as estratégias que são utilizadas pelos alunos
apontando como eles processam a informação ouvida, valendo-se da infor-
mação linguística e do conhecimento prévio sobre o assunto.

Ler vai muito além do ato de decodificar palavras. Ler é utilizar estratégias
de leitura na busca da construção de significados de um texto, tal como veremos
no próximo tópico.

4.2 Compreensão leitora


A leitura envolve o leitor, o texto, a interação entre o leitor e o texto, o conhe-
cimento prévio de mundo e o processamento dos conhecimentos linguísticos nos
níveis ortográfico, fonológico, sintático e semântico.
O ensino da leitura precisa ir além de ensinar a decodificar palavras,
precisa utilizar estratégias de leitura na busca da construção de significados de
um texto.
Para esse trabalho significativo de leitura, podemos definir estratégias ou
procedimentos que podem ser conscientes ou inconscientes, tais como:
• dividir o texto em unidades significativas;
• estabelecer relações de sentido e de referência entre as partes;
• buscar a coerência entre as ideias apresentadas no texto;
• examinar a consistência das informações colhidas;
• inferir significado e o efeito pretendido pelo autor (RANGEL,
2005, p. 21).

Isso implica que, na sala de aula, o professor deverá planejar atividades


que acionem essas estratégias apresentadas por Rangel e que estão relacio-
nadas à superfície textual e, também, ao momento da enunciação e às relações
extralinguísticas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 20) afirmam que
[...] o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral,
mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer. Note-se

unitins • letras • 6º PERÍODO  445


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado Ii

também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira [...]


requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura
atende, por um lado, às necessidades da educação formal e,
por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto
social imediato.

Nessa percepção, o que se busca é um leitor intercultural, crítico e imagina-


tivo que, por meio de estratégias, faz inferências, autopredição, autoquestiona-
mento e compreende o significado do texto.
Nessa perspectiva, o professor precisa compreender que o objeto a ser
aprendido não é só um código formal linguístico, mas também uma nova forma
de discurso ligado à subjetividade do leitor. Por isso, necessitamos substituir a
prática tradicional, que oportuniza atividades de leitura para memorizar o voca-
bulário e itens gramaticais formais.
Práticas de ensino são atividades de leitura que incluem discussões sobre
o que o aluno leu, sobre os possíveis sentidos atribuídos pelo autor e os
sentidos atribuídos, no momento da leitura, pelo próprio leitor. Outro item
importante no processo de desenvolvimento da compreensão leitora é o uso
de textos autênticos.

Reflita

Os textos não autênticos, geralmente, são elaborados com tempos verbais


limitados e podem refletir, em alguns casos, uma narrativa artificial. As
adaptações visam a facilitar a compreensão do texto e o conhecimento
pode ser tratado de forma compartimentada. O professor pode ser levado
a pensar que dividir a dificuldade em parcelas poderá facilitar para o
aluno a sua compreensão do texto e dos processos linguísticos nele instau-
rados. Assim, como você pensa a adoção de adaptações literárias? Como
poderíamos trabalhar os textos clássicos sem correr o risco de simplifica-
ções ou reducionismos que prejudiquem o aprendizado da leitura e dos
recursos linguísticos?

O professor precisa compreender que o desenvolvimento da compreensão


leitora é um processo gradual e que mobiliza estratégias inconscientes ou cons-
cientes que o leitor coloca em prática ao ler o texto. Vejamos, no próximo tópico,
as estratégias cognitivas.

4.2.1 Estratégias cognitivas


Podemos definir estratégias cognitivas como procedimentos e comporta-
mentos automáticos de decodificação dos símbolos linguísticos e construção de

446  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado ii

significados. Elas estão relacionadas à superfície textual, ao momento da enun-


ciação e às relações extralinguísticas.
Assim, na busca de significados de um texto, consideramos o grau de maturi-
dade do leitor, a complexidade do texto, o objetivo da leitura e o conhecimento
prévio da turma sobre o assunto.
A compreensão de textos parte de uma representação mental e significativa
e é uma rede que se interliga ancorada no conhecimento de mundo que o leitor
tem no momento da leitura.
Acreditamos que somente o sujeito ativo e interativo consiga acionar essa
rede e consiga construir uma representação mental para compreender o texto.
O leitor se apoia em operações de processamentos cognitivos, em ações incons-
cientes e automatizadas das marcas formais do texto, ou seja, ele conhece o
código escrito, o que possibilita processar na memória as unidades maiores,
agrupá-las e analisá-las e, ainda, relacionar de forma lógica as ideias.
Entendemos que, na leitura, o nosso cérebro traz informações diferenciadas
de nível morfológico, sintático, semântico e discursivo. Logo, percebemos que
quanto maior for o envolvimento do leitor com o que ele lê, tanto maior será
a cooperação da memória no processo da leitura e, consequentemente, no
processo de compreensão do texto.

4.2.2 Estratégias metacognitivas


As estratégias metacognitivas são operações conscientes que o leitor realiza
ao fazer uma leitura. Isso significa que o leitor está sempre pensando sobre sua
própria leitura em função de objetivos já definidos. A metacognição implica
conhecer os próprios pensamentos, as estruturas dos mesmos e, ainda, orga-
nizar os processos cognitivos, monitorando resultados e buscando novos cami-
nhos para que a compreensão do conteúdo do texto se realize.
Podemos afirmar que a metacognição é gestão e controle do próprio conhe-
cimento e possibilita a formulação de hipóteses, o reconhecimento de palavras
e enunciados e possibilita fazer inferências e compreender um texto em um
processo gradual, no qual o leitor busca configurar esquemas que representam
as partes lidas.
Nesse processo, o leitor avalia e busca significados e funções das frases e
das ideias até chegar a uma unidade significativa. No percurso, algumas hipó-
teses são confirmadas e aceitas, outras são refutadas e substituídas. Na medida
em que o aluno lê, os conhecimentos são acionados, e o texto é interpretado.
Para compreender um texto precisamos acionar as informações relevantes
que se encontram em nossa memória. Isso implica acionar nossas habilidades
para perceber a estrutura do texto, a intenção do autor e indícios da intenção
deixados para atribuir significados não literais.

unitins • letras • 6º PERÍODO  447


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado Ii

Nesse sentido, nosso aluno é


[...] um sujeito intelectualmente ativo não é um sujeito que “faz
muita coisa” nem um sujeito que tem uma atividade observável.
Um sujeito ativo é um sujeito que compara, exclui, ordena, cate-
goriza, reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza etc.
em ação interiorizada [pensamento] ou em ação efetiva [segundo
seu nível de desenvolvimento] (PIAGET, 1983, p. 29).

O professor deve, sempre que necessário, intervir e deixar que o aluno


pense por si mesmo, construa argumentos, confronte suas ideias e atribua signi-
ficados ao que é lido.

4.3 Diferença entre leitura crítica e letramento crítico


Os textos devem possibilitar a reflexão sobre a realidade da sociedade.
Conforme as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2008), as ativi-
dades de leitura devem ser planejadas para oportunizar aos alunos o desenvol-
vimento da consciência crítica sobre o assunto lido.
A leitura crítica preocupa-se com a compreensão geral do texto, dos pontos
principais e das informações detalhadas do texto, bem como dos elementos
linguísticos que contribuem para a compreensão e a construção de sentidos. Já
a leitura como letramento crítico é uma ampliação da leitura crítica que busca
construir o sentido a partir do que se lê, ao contrário da leitura crítica que
procura extrair o sentido do texto.
Na leitura como letramento crítico, os sentidos devem ser construídos dentro
do contexto sócio-histórico com suas relações de poder. Nela, o aluno deve
desenvolver a consciência crítica sobre o assunto em questão, utilizando a
linguagem como prática sociocultural.
Na concepção da aula de língua estrangeira como espaço de reflexão
crítica sobre as ideologias que aparecem nos discursos, é necessário organizar e
planejar nossa prática didática relacionada à leitura a partir de uma abordagem
do letramento crítico, visto que essa abordagem permite ao aluno pensar por si,
explorando e negociando significados por meio de situações significativas.

Saiba mais

Para conhecer mais sobre aulas de língua estrangeira e letramento crítico,


acesse o sítio: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/ar-
quivos/379-4.pdf?PHPSESSID=2009051408162317>. Nele, você encon-
trará uma discussão sobre as estratégias de ensino da leitura na aborda-
gem de letramento e de práticas pedagógicas voltadas ao desenvolvimento
da formação de um cidadão crítico.

448  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado ii

Conforme as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2008), no letra-


mento crítico, o conhecimento não é natural ou neutro. Veja o quadro compara-
tivo exposto a seguir.

Quadro Diferenças entre leitura crítica e letramento crítico.

Área Leitura crítica Letramento crítico


Conhecimento por meio de experiência
Conhecimento

O conhecimento não é natural ou


sensorial e raciocínio.
neutro.
Fatos – realidade.
O conhecimento baseia-se em regras
Distinguem-se os fatos (objetivos) das
discursivas de cada comunidade, logo
inferências e dos julgamentos (subje-
o conhecimento é ideológico.
tivos) do leitor.
Não há um conhecimento definitivo
Realidade

sobre a realidade.
Pode ser conhecida, serve como refe-
A realidade não pode ser “capturada”
rência para a interpretação.
com a realidade; deve ser compreen-
dida em um contexto localizado.

Detectar as intenções do autor, a base O significado é sempre múltiplo, contes-


Autoria

para os níveis mais elevados da inter- tável, construído cultural e historicamente


pretação textual. e considera as relações de poder.
Educação

Desenvolvimento de níveis elevados de


Desenvolvimento de consciência crítica.
compreensão e interpretação.

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www.tise.cl/archivos/tise98/HTML/trabajos/desenv/


index.htm,c6e> e veja um estudo sobre os princípios fundamentais da leitu-
ra e as habilidades cognitivas e metacognitivas desenvolvidas por meio de
aplicações hipermídia.
O artigo afirma que quanto mais o leitor define seus objetivos de leitura,
utilizando seus conhecimentos prévios, tanto mais habilidades de leitura
desenvolve.
Em outro texto, você encontrará uma discussão interessante sobre a impor-
tância de os professores incentivarem e proporcionarem momentos em que
os alunos discutam suas ideias com os colegas e defendam suas opiniões.
Isso o fará pensar sobre o texto mais profundamente e de forma mais ativa,
podendo assim visualizar outras perspectivas de interpretação. Para essa
leitura acesse o sítio: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_art
text&pid=S141385572006000200019&lng=en&nrm=is>.

unitins • letras • 6º PERÍODO  449


CAPÍTULO 4 • estágio supervisionado Ii

Convidamos você a refletir, no próximo capítulo, sobre o ensino e a apren-


dizagem de uma língua estrangeira, o desenvolvimento da competência comuni-
cativa e o uso da linguagem em interações verbais orais e escritas.

Referências
BRASIL. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio. Brasília: MEC / SEF, 1998.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: Língua Estrangeira. Brasília: MEC
/ SEF, 1998.
MUSSALIM, F.; Bentes, A. C. Introdução à linguística: domínios e fronteiras.
3. ed. São Paulo: Cortez. 2003.
PIAGET, J. Gênese das estruturas lógicas elementares. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1983.
RANGEL, J. N. M. Leitura na escola: espaço para gostar de ler. Porto Alegre:
Mediação, 2005.

Anotações

450  6º PERÍODO • letras • unitins


5
CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado ii

O ensino de expressão oral e


escrita em Língua espanhola

Introdução
Convidamos você para uma discussão sobre o que é ensinar e aprender
uma língua estrangeira. Sobre o que é desenvolver uma competência comunica-
tiva e aprender a utilizar as palavras e suas combinações com significados reais
e em interações verbais.
Sobre as práticas de linguagem, apontaremos que a abordagem de ensino
do professor de língua estrangeira facilitará ou dificultará o desenvolvimento de
competências linguísticas necessárias à aquisição da língua oral e escrita. A
atuação do professor influenciará na forma com que o aprendiz desenvolverá
um desempenho linguístico satisfatório.
Vale lembrar que, no ensino de uma língua, a comunicação deve ser sempre
contextualizada a língua a que é efetivamente usada nas trocas sociais. Por isso
há a necessidade da prática linguística em atividades intraclasse e extraclasse,
essa prática favorecerá a aquisição de um conhecimento sistêmico da língua e o
conhecimento de organização textual em busca da construção de significados.
A leitura dos textos dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Estrangeira
poderá auxiliá-lo na compreensão dos assuntos abordados neste capítulo. As
orientações curriculares para o ensino médio, Linguagens códigos e suas tecno-
logias, também fornecem subsídios para a organização de suas futuras aulas de
língua espanhola. Elas buscam apresentar necessidades dos alunos e facilitar
o desenvolvimento das habilidades orais e escritas com o propósito de desen-
volver as competências comunicativas necessárias para um bom desempenho
nas diversas situações comunicativas reais de interações sociais.
Assim, esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de compre-
ender que a expressão oral em língua estrangeira é uma habilidade que pode
ser desenvolvida por meio da prática em sala de aula. Outro objetivo deste capí-
tulo é que você seja capaz de organizar suas aulas com atividades significativas
para auxiliar o aluno a desenvolver a habilidade de escrita.

5.1 Competência e desempenho


Vamos começar nossa discussão abordando a competência linguística e o
desempenho. O dicionário Aurélio (FERREIRA, 1975, p. 353) define competência

unitins • letras • 6º PERÍODO  451


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado Ii

como “qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer


determinada coisa, capacidade, habilidade ou aptidão”. A palavra desempenho
é definida como o “conjunto de características ou de possibilidades de atuação,
de cumprir ou executar algo” (FERREIRA, 1975, p. 449).
Que tal compreender a diferença por meio de um exemplo prático em sala
de aula? Desde o início do ano letivo, foi combinado entre professor e alunos
que, nas primeiras horas da aula das segundas-feiras, aconteceria um jornal
falado e que, a cada semana, um aluno seria o responsável por escrever, coletar
as informações e apresentar o jornal para os colegas. Para isso, o aluno faz a
pesquisa sobre o assunto e, depois, diante da turma, apresenta as notícias que
achou mais interessantes.
É dia de Pedro apresentar o telejornal em língua espanhola e ele inicia com
uma interrogação. Vejamos.
Usted sabe cómo hizo el año bisiesto?
Cada cuatro años, el mes de febrero aparece con 29 días. Esto es
porque el año civil convencional dura 365 días para completar y
la solar dura 365,25 días.
Así, la diferencia de 0,25 corresponde a un cuarto de día. Así,
cada cuatro años hay una diferencia de un día en comparación
con el calendario, digo, el calendario solar convencional.
Fue Tolomeo III (246-222 a.C) quien llegó a tener en el año
bisiesto, en 238 a.C, en Egipto, de la necesidad de sincronizar
los calendarios no afectar a la agricultura, la base económica de
los pueblos antiguos.
El nome, digo el nombre de “bisiesto” se produjo porque Julio
César eligió el mes de febrero y decidieron “hacer un bis en el
24, llamándola antediem bis-sextum Calendas Martii”.

Ao analisarmos a situação, observamos que Pedro, ao colocar em prática


seu conhecimento linguístico, por algum motivo, seja por distração, nervosismo
ou cansaço, trocou a letra “c” por “t” quando falou a palavra calendário e,
ainda, não utilizou a língua espanhola para falar a palavra “nome”.
Diante da situação, podemos afirmar que Pedro não sabe como pronunciar
a palavra “calendário” ou a palavra “nome”? Se a resposta fosse afirmativa,
poderíamos considerar o fato como um problema de competência, ou seja, o
aluno, ainda, não desenvolveu esse saber linguístico. Mas, diante da situação,
veja que, imediatamente, Pedro corrige sua pronúncia, o que deixa evidente o
seu conhecimento linguístico, pois ele busca a utilização correta e apropriada
do vocabulário.
Então podemos classificar esse “erro” como um problema de desempenho.
Pedro conhece e sabe como pronunciar as palavras “calendário” e “nome”,
mas por algum motivo, naquela situação, confundiu ao fazer a representação

452  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado ii

fônica do [k] e ao utilizar a palavra na língua materna em vez de utilizá-la em


língua espanhola.
Após a análise do fato, podemos afirmar que, no desenvolvimento da
expressão oral, competência e desempenho são diferentes. Competência linguís-
tica, conforme Bachman (2003), é o saber de vários conhecimentos linguísticos
específicos. São conhecimentos estruturais como: fatores gramaticais, vocabu-
lário, morfologia, sintaxe, fonética, fonologia, coerência, coesão e conheci-
mentos pragmáticos que compreendem fatores funcionais e sociolinguísticos.
O desempenho é saber utilizar a língua, conforme a situação de uso, ou
seja, do discurso real, em situações comunicativas de interação social.
Segundo Perini (1985, p. 27), desempenho é “o uso que fazemos da língua,
resultado desse complexo de fatores linguísticos e extralinguísticos. [...] O desem-
penho é, afinal, aquilo que efetivamente realizamos quando falamos, quando
ouvimos, escrevemos ou lemos”.
Para trabalhar nessa perspectiva, é papel do professor planejar suas aulas
pensando em um ambiente favorável à interação, com recursos que oportunizem
o processo satisfatório de aprendizagem de uma língua estrangeira. Esse apren-
dizado possibilitará ao aluno as competências linguísticas necessárias para um
bom desempenho linguístico na interação social.
E o que é interação? Como ocorre esse processo nas aulas de língua estran-
geira? Esse é nosso próximo assunto.

5.2 Interação nas aulas de línguas


Interação é a ação que se exerce entre duas ou mais pessoas, é uma
ação recíproca com o propósito de comunicação e ocorre com finalidades
específicas, como perguntar, responder, aceitar, recusar, julgar, discutir, entre
outras funções.
A escola deve ser um espaço físico e social de situações nas quais o aluno
precise utilizar as regras para produzir seu discurso e adequá-lo às especifici-
dades da comunidade em que está sendo produzido.
Segundo Silva (2006), no ensino de línguas é preciso “saber quando falar,
quando não falar, a quem falar, com quem falar, onde e de que maneira”.
Para Marchuschi (2001) interagir é uma atividade de cooperação discursiva,
na qual os interlocutores estão sempre empenhados na produção e interpretação
dos sentidos. É na utilização dos signos linguísticos e na estruturação dos enun-
ciados que se realiza o emprego das estruturas próprias para o diálogo e que
se desenvolve a capacidade oral. É, também, nesse ambiente de interação que
podemos analisar os recursos linguísticos utilizados pelos falantes nas diversas
situações socioculturais.

unitins • letras • 6º PERÍODO  453


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado Ii

O professor deve compreender seu papel de mediador, trazendo informa-


ções capazes de promover discussões na sala de aula e para que, nesse espaço,
haja a mesclagem de vozes. Essas vozes precisam entrar em um conflito cons-
trutivo, na busca de negociação de sentidos, pois as produções dos alunos se
completam, dialogam e dependem umas das outras para a produção e interpre-
tação dos significados que são fruto dessa interação oral.
Nessa perspectiva, uma atividade simples e que envolve o interesse e a
atenção dos alunos são as advinhas. Explorá-las pode ser uma estratégia inte-
ressante para o aprofundamento dos conhecimentos linguísticos da turma. Veja
um exemplo.

¿Qué pasa si no se dan a alguien? Y cuando das, no lo es? Exposición


de motivos.

Toda situação de atividade de produção oral deve ser definida de acordo


com o nível de formalidade e de acordo com os objetivos propostos para a
aula. O professor precisa contar com a possibilidade de que o aluno poderá
ou não concretizá-la.
No próximo tópico, conversaremos sobre a necessidade de trabalharmos a
oralidade em sala de aula e como esse trabalho poderá ser desenvolvido.

5.3 Sala de aula: oralidade


Aprender uma língua estrangeira é um processo bem mais complicado, pois
depende de um desempenho sistemático, ou seja, depende de exercício, de
prática e de estímulo.
O professor de uma língua estrangeira precisa entender que não se aprende
uma segunda língua apenas com atividades de repetição e memorização. Se
assim ocorresse, todas as pessoas aprenderiam a mesma coisa, ao mesmo tempo
e não seriam capazes de produzir enunciados diferentes dos que já ouviram.
Essa não é a realidade de uso de uma língua, pois, fora da sala de aula, o uso
de uma língua oferece estímulos, desperta motivações, sofre influências e está
relacionado aos espaços sociais.
Nessa perspectiva, o que ocorre com qualquer falante de uma língua, depois
que ele adquire a competência comunicativa é que, com um número finito de
palavras ou expressões, interage em diversas situações comunicativas e é capaz
de produzir diferentes textos orais e escritos.

454  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado ii

Portanto, o professor deve, em sala de aula, estimular o falar e o ouvir por


meio de práticas orais, que devem centrar-se em conversas autênticas, exposi-
ções argumentativas, embates de ideias e respostas a solicitações.
Nessa perspectiva, a mediação do professor em sala de aula é fundamental,
já que a eficiência interacional depende de quem fala e da compreensão de
quem ouve. Logo podemos afirmar que, em língua estrangeira, a pronúncia dos
sons, da tonicidade, do ritmo e da entoação facilitam ou dificultam a compre-
ensão e o sucesso da interação.
Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), o professor não
necessita ser um especialista em fonética e em fonologia. Ele necessita conhecer
elementos que podem vir a interferir no processo de aprendizagem:
• a interferência – uso do sistema fonético/fonológico da língua
materna que não corresponde ao da língua estrangeira,
gerando incompreensões. São fontes de problemas:
a) fonemas existentes na língua estrangeira e não existentes
na língua materna (e vice-versa);
b) fonemas que apresentam diferente distribuição na língua
estrangeira e na língua materna;
c) fonemas que apresentam diferentes realizações fonéticas;
• a relação entre ortografia e pronúncia, que não é a mesma
nas diferentes línguas (BRASIL, 1998, p. 102).

O conhecimento desses elementos auxiliará o processo de aprendizagem.


O professor deve fazer de sua sala de aula um espaço de interação, ou seja,
utilizar o tempo de suas aulas para oportunizar aos alunos a prática oral da
língua. Portanto podemos afirmar que, para iniciar o trabalho com uma língua
estrangeira, é necessário priorizar a oralidade.
Nesse sentido, concordamos com Marcurschi (2001, p. 36) quando aponta
a oralidade como “[...] o grande meio de expressão e de atividade comuni-
cativa”. O professor que transforma suas aulas em um ambiente agradável de
interação, falando em língua espanhola, mesmo no início, quando os alunos
ainda não dominam essa língua, e que abre espaço para que as interações
aconteçam na língua que está sendo ensinada terá mais chances de ter sucesso
em seu ensino e, consequentemente, oportunizará aos seus alunos a fluência da
língua espanhola.

5.4 Como trabalhar a oralidade


Sabemos que, para desenvolver a oralidade, é necessário que o aluno fale
sem medo de errar. Nesse sentido, é necessário que ele compreenda que, para a
produção de um texto oral, estão envolvidos três conhecimentos, ou seja, conhe-
cimento de mundo, sistêmico e de organização textual.

unitins • letras • 6º PERÍODO  455


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado Ii

O conhecimento sistêmico abrange os níveis da organização linguística: léxi-


co-semântico, morfológico, sintático, fonético e fonológico. Esse conhecimento possi-
bilita, partindo de escolhas gramaticais, a construção de textos orais e escritos.
O conhecimento de mundo refere-se às experiências construídas ao longo da
vida. São informações que ficam armazenadas na memória. É um conhecimento
variável de pessoa para pessoa.
O conhecimento da organização da estrutura do texto é o saber sobre como
a informação é organizada em diferentes tipos de textos, orais ou escritos, sejam
eles narrativas, descrições, entrevistas, cartas ou outros. Esse conhecimento possi-
bilita a produção e compreensão de diversos tipos de textos.

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/e.pdf>. Nele você


encontrará uma discussão interessante sobre a necessidade de o professor
de língua estrangeira modificar suas convicções sobre o que é a língua, so-
bre o que ensinar e o que aprender nas aulas de línguas. Esses reflexos pos-
sibilitam aos alunos, a partir dos conhecimentos adquiridos, manifestar-se
cada vez mais e com maior naturalidade na língua estrangeira estudada.

O primeiro passo para desempenhar a tarefa de produção de textos orais é


a realização de um combinado com os alunos sobre o fato de que, nas aulas de
espanhol, é necessário esquecer a língua portuguesa. Nada que for perguntado
em português será respondido, até mesmo o cumprimento no início da aula.
Segundo passo: abrir espaços para diálogos sobre assuntos de interesse da
faixa etária da turma. Por exemplo:

¡Buenos días, clase!


¿Qué hizo el fin de semana? ¿Quién tiene algo interesante que decirnos?
Alguien fue al cine? Y la playa? Que salió con los amigos? Se donde?
Compras. ¿Quién fue escribiendo con los amigos? Hey, estoy esperando,
puede comenzar a hablar.

Nesse espaço, todos vão querer falar. Um vai ajudar o outro a estruturar o
seu discurso.

456  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado ii

Outro recurso é a música. As atividades a partir da música são excelentes


exercícios fonéticos. Neles, o aluno estará exercitando distinção dos fonemas,
aperfeiçoará a audição e exercitará, ainda, a produção de sons da língua
(pronúncia), o ritmo e a entonação.
Para que nosso aluno aprenda a falar uma língua estrangeira, é preciso
que, primeiro, o deixemos escutar para, depois, falar, seguindo a ordem natural
das coisas.
Aprendemos a falar a língua materna antes de aprendermos a escrevê-la.
Logo com a língua estrangeira devemos seguir o mesmo processo.
O professor, além de conhecer a língua espanhola, deve ouvir e compre-
ender as necessidades individuais de seus alunos, e, ainda, oportunizar aulas
significativas e dinâmicas.

5.5 Sala de aula: escrita


É papel do professor de língua estrangeira promover situações de leitura
de textos em contextos diferentes para que ocorra a aquisição de vocabulário.
Sabemos que o léxico de uma língua, em um processo de aprendizagem, não
pode ser desconsiderado, pois é evidente que a sua aquisição é um dos processos
cognitivos envolvidos na compreensão e produção textual.
Ao produzir um texto em língua estrangeira, o aluno busca aplicar os conhe-
cimentos sobre a organização e sistematização que já carrega da sua língua
materna. Os Parâmetros Curriculares (1998, p. 97) explicam que
As diferenças na organização textual têm papel fundamental em
relação à produção de textos em língua estrangeira, além das
diferenças no nível sistêmico entre as línguas. As pesquisas no
campo de estudos contrastivos em relação aos sistemas e à orga-
nização textual de línguas diferentes têm chamado a atenção para
a importância de que o professor tenha acesso a esses contrates
para colaborar na aprendizagem das habilidades comunicativas
de produção.

No ensino de produção escrita, o professor é responsável pela confirmação


ou não das hipóteses levantadas pelos alunos quando esses buscam os conheci-
mentos já adquiridos na língua materna para escrever em outra língua.
Outra questão a compreender é que o processo de produção escrita está
associado ao processo de leitura. Podemos afirmar que, como na língua materna,
escrever em espanhol é um processo de construção e reconstrução de sentidos.
Portanto quanto mais desenvolvido o processo de leitura em língua estrangeira,
mais fácil será para o aluno escrever em outra língua.
Para estimular o aluno a escrever, é preciso de atos concretos. Conforme os
PCN: Língua Estrangeira (BRASIL, 1998, p.100), uma questão importante é o

unitins • letras • 6º PERÍODO  457


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado Ii

aproveitamento da língua estrangeira escrita no contexto sociocultural da situ-


ação escolar: “é uma experiência adquirida numa situação concreta de comuni-
cação, facilitadora da sua utilização em outros contextos”.
A adoção de atividades práticas que estimulem o aluno a escrever com obje-
tivos bem definidos e com destinatários diversificados pode tornar a atividade
de produção uma prática mais prazerosa, mesmo que apresente um certo grau
de dificuldade.
Acreditamos que o trabalho do professor deve se pautar em produções de
avisos, correspondências, propagandas, jornais murais ou impressos, convites,
notícias, elaboração de cartazes destinados a públicos diferenciados. Isso o
tornará mais crítico e atento à correção, já que outras pessoas farão parte desse
processo concreto de interação verbal.
Vale lembrar que essas atividades de produção textual devem ser organi-
zadas de forma a possibilitar a apropriação progressiva dos diferentes proce-
dimentos necessários à escrita. Sabemos que escrever tanto em língua materna
como estrangeira é uma competência. Por isso, é necessária uma prática contínua
de produção de frases, parágrafos e textos de diferentes gêneros.
Um exemplo prático é a criação de um fórum virtual para que os alunos
se comuniquem nos finais de semana, utilizando somente a língua espanhola.
Essa atividade será executada com prazer, pois estamos falando de uma
geração nativa digital que, na maioria das vezes, conversa mais via internet do
que pessoalmente.

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www.veramenezes.com/diarios.htm>. Nele você


encontrará um texto que apresenta uma experiência com o ensino de língua
estrangeira por meio do correio eletrônico, chat (bate-papo) e recursos da
World Wide Web. Há uma abordagem interessante sobre a interação na
sala de aula tradicional por meio de diários on-line. 
Essas experiências evidenciarão que a língua estrangeira tornou-se um
meio de comunicação natural no processo. Veja no sítio como essas ativi-
dades ocorreram e por que propiciaram uma interação mais espontânea
e menos ameaçadora. A aprendizagem ocorreu em contextos de uso mais
significativos para os alunos, o que aumentou o incentivo, a aprendizagem
autônoma, acomodar ritmos e necessidades diferentes.

As atividades propostas devem buscar a reflexão sobre a língua e não


devem ser atividades mecânicas, já que essas não contribuem em nada para

458  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado ii

a aprendizagem. Devem basear-se em experiências de leituras que auxiliam na


formação da imagem mental das palavras, das possibilidades de significados e
das diferenças estruturais da língua.
No processo de ensino da escrita de uma língua estrangeira, o professor
precisa compreender que o desenvolvimento da língua escrita não acontece
rapidamente e, muito menos, de forma espontânea. É necessária a prática. Para
isso, o erro deve ser visto como natural, como uma etapa da aprendizagem. Ao
professor cabe direcionar o aluno apontando as diferenças e semelhanças da
estrutura da língua estudada com a estrutura da língua materna.
A escrita, por ser uma linguagem artificial, requer que se atribua conceitos
e que se compreenda a organização. Para isso, é necessária uma intervenção
pedagógica. O ensino da escrita deve partir da análise de textos reais que
apresentam as diferenças e semelhanças da sistematização da língua para que
o aluno levante hipóteses e busque a confirmação delas.
Vejamos um exemplo prático: Carlos vai ao cinema e encontra-se com Ana.
No dia seguinte, ele escreve um bilhete para Miguel, seu amigo, contando sobre
o encontro.

El sábado por la noche, vi a Ana en el cine. No miró a los lados porque la


película fue interesante. Era Don Quijote. Y cabalgó el caballo por todo el
lugar. Ella sólo me vio en la salida. Ella estaba con sus padres. Conozco a
su familia por un largo tiempo. Al igual que su madre. Hablamos un poco.
Ella me invitó a ir a su casa. Nos despedimos, le dije: voy a visitar su casa
cuando se puede.

O texto, que produzimos, é bem simples e pequeno. Mesmo assim, é um


bom exemplo para que os alunos observem as diferenças de usos das proposi-
ções entre a língua portuguesa e a língua espanhola.
Em português, o objeto direto não exige a preposição, já em espanhol quando
o objeto direto é de pessoa ou está personificado é introduzido pela preposição
“a”. Para que a produção escrita saia de forma correta, o aluno precisa saber
que, na língua espanhola, o objeto direto referente à pessoa indeterminada,
precedido de um numeral ou quando se refere a coisas, objetos, lugares não
personificados não é precedido pela preposição “a”. Porém há casos, já expli-
cados anteriormente, nos quais é necessário o uso da preposição.
Portanto, cabe ao professor criar situações de aprendizagem para que o
aluno observe, analise as diferenças e pense sobre a língua. Como já salientamos,

unitins • letras • 6º PERÍODO  459


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado Ii

o desenvolvimento da competência comunicativa deve ser compreendido como


o desenvolvimento dos conhecimentos e das habilidades que permitem ao
aluno construir e usar a língua oral ou escrita de forma adequada a situações
apresentadas em contextos sociais. E para que a construção do conhecimento
ocorra, as definições devem vir associadas a experiências de aprendizagem
realizadas pelo uso da linguagem oral ou escrita em atividades de significado
real, dentro ou fora da sala de aula.

Saiba mais

Acesse o sítio: <http://www.stellabortoni.com.br/docs/f141Revista_Que-


rubim.doc> para subsidiar sua prática pedagógica em relação ao ensino
da oralidade e da escrita. Nele, você encontrará uma discussão sobre o
desenvolvimento da oralidade no ensino de língua estrangeira nos cursos
de Letras e a repercussão desse fato em escolas de ensino básico. O texto
também apresenta o conceito de competência comunicativa e desempenho
e a sua relação direta com a formação e a prática do professor.

Reflita

No ensino de uma língua estrangeira é muito significativo o input e output.


O input no ensino de línguas é tudo aquilo que o aluno recebe, lê e escuta,
ou seja, os textos orais e escritos que são apresentados aos alunos. Output
é tudo o que o aluno produz, fala e escreve. Assim, em nossas aulas de lín-
gua, trabalhamos com as habilidades de ler, escrever, falar e ouvir. Nesse
sentido, em relação ao ensino de língua estrangeira, ler e ouvir são ativida-
des de input, falar e escrever são atividades de output.
Nessa perspectiva, durante a nossa abordagem em aulas de língua estran-
geira, se utilizarmos atividades de input envolvidas em um contexto signifi-
cativo, poderemos facilitar a compreensão do aluno, pois no momento das
atividades ele ativará seus conhecimentos prévios automaticamente. Você
concorda com essa afirmativa? Por quê?

Saiba mais

Sobre estratégias de comunicação que contribuam para a interação em sala


de aula de língua estrangeira leia o texto disponível no sítio: <http://www.

460  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado ii

revistas.ufg.br/index.php/sig/article/view/3757/3524>. Veja como o


contexto interacional possibilita a comunicação e auxilia o processo de
aquisição de uma língua estrangeira, estimulando atitudes de cooperação
entre os alunos.

Concluímos nossa discussão apontando a necessidade de o professor ter desen-


volvido as habilidades e competências necessárias ao ensino de língua estrangeira
para que, por meio de situações concretas, ele torne a sua aula um espaço de inte-
ração, no qual os alunos possam praticar atividades verbais orais e escritas.
Nesse cenário, é importante que o ensino da língua estrangeira siga,
conforme a língua materna, a ordem natural, ou seja, que trabalhemos inicial-
mente a oralidade, já que a interação depende da capacidade de entender o
outro, para mais tarde trabalharmos a língua escrita, que é uma língua artificial,
organizada e sistematizada por meio de regras, o que a torna mais complexa.
As atividades de observação e análise das semelhanças e diferenças entre a
língua materna e a língua estrangeira ajudarão o professor a não incorrer no
erro de ensinar “portunhol”.
No próximo capítulo, convidamos você a refletir sobre o ensino e a apren-
dizagem de uma língua estrangeira a fim de permitir o desenvolvimento da
competência comunicativa. Falaremos sobre como utilizar a linguagem de modo
eficaz em interações verbais orais e escritas. Trataremos de algumas reflexões
linguísticas e do ensino das regras gramaticais.

Referências
BACHMAN, L. F. A habilidade comunicativa de linguagem. Linguagem & ensino,
v. 6, n. 1, jan./jun. 2003.
BRASIL. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacio-
nais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
______. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Ferreira, A. B. de H. Novo dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1975.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 2. ed.
São Paulo: Cortez, 2001.
MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introdução à linguística: domínios e fron-
teiras. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2003. v. 2.

unitins • letras • 6º PERÍODO  461


CAPÍTULO 5 • estágio supervisionado Ii

PERINI, M. A. A gramática gerativa: introdução ao estudo da sintaxe portu-


guesa. 2. ed. Belo Horizonte: Vigília, 1985.
SILVA, V. L. T. Competência comunicativa em língua estrangeira. Disponível em:
<http://65.54.169.250/cgibin/getmsg/COMPETÊNCIACOMUNICATIVAEM
LÍNGUA>. Acesso em: 20 fev. 2010.

Anotações

462  6º PERÍODO • letras • unitins


6
CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado ii

Reflexões linguísticas e o
ensino das regras gramaticais

Introdução
O estágio é um período oportuno para reflexões sobre a prática, sobre como
planejá-la e sobre o que planejar. Por isso, cabe-nos pensar em uma prática que
contribua para a aprendizagem e o desenvolvimento intelectual do seu aluno.
Nessa perspectiva, buscaremos subsidiar você para a organização de uma
prática pedagógica capaz de ensinar as regras gramaticais de forma reflexiva,
apresentando a língua em textos que estão presentes no cotidiano, abrindo
espaço para que o aluno reflita sobre fatos da língua, sobre semelhanças e dife-
renças entre a estrutura da língua materna e a da língua estrangeira e sobre as
particularidades de cada língua.
Vale lembrar que a gramática pode e deve melhorar a capacidade de arti-
culação do pensamento e, ainda, criar novas possibilidades de expressão oral
e escrita. É preciso compreendê-la e apresentá-la ao aluno para que ele a use
como recurso que contribui para a produção de textos orais e escritos.
Para auxiliar a compreensão dos conteúdos deste capítulo, recomendamos a
leitura das Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos
e suas tecnologias (2008) em que se fala da importância de se trabalharem as
regras gramaticais partindo de textos em contexto de uso.
Propomos, ainda, a leitura do texto ¿Hay que enseñar gramática a los
estudiantes de una lengua extranjera? que você encontrará no sítio: <http://
cvc.cervantes.es/literatura/cauce/pdf/cauce28/cauce28_05.pdf>. Esse texto
apresenta uma discussão sobre as necessidades gramaticais específicas de cada
situação de comunicação.
Neste capítulo, discutiremos sobre a importância de ensinarmos as regras
gramaticais que estruturam o uso das formas contextualizadas de linguagem e
de forma integrada às práticas de linguagem.
Lembramos, por fim, que não há mais espaço para um ensino isolado das
práticas sociais de linguagem, pois esse tipo de ensino não tem atingido o obje-
tivo do ensino de línguas estrangeiras.
Você compreenderá que o ensino de qualquer língua não pode ser centrado
somente em regras e terminologias, ou seja, em atividades artificiais, atividades
de estudo solitário de palavras e frases, de modo descontextualizado.

unitins • letras • 6º PERÍODO  463


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado Ii

Esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de organizar a


prática pedagógica no ensino da gramática contextualizada, por meio da
reflexão sobre a língua, e de planejar o ensino de espanhol utilizando como
recurso textos que circulam nas mídias, oportunizando situações significativas
de aprendizagem.

6.1 Gramática a partir da análise do discurso


As aulas de línguas devem ser planejadas de forma a proporcionar ao aluno
o levantamento de hipóteses que ele buscará confirmar ou refutar. O aprendi-
zado das regras gramaticais será ancorado à compreensão de situações de
uso. É do conhecimento de todo professor que o uso real da língua acontece em
situações de discurso, podendo ser ele oral e escrito. Por isso, o trabalho com a
gramática deve basear-se em textos, ou seja, na materialização do discurso.
Nossa sala de aula deve ser um espaço em que textos sejam manipulados
por nossos alunos em diversas situações. Os alunos devem aprender a montar
e desmontar tais textos, como se fossem quebra-cabeças, que se encaixam
conforme a necessidade da situação comunicativa.
Nessa perspectiva, você fará com que seu aluno descubra todas as possibili-
dades de uso da palavra, o poder que apresenta uma pontuação ou a variedade
de funções que uma palavra pode assumir. O aluno, nesse caso, torna-se um
pesquisador da língua estudada e um aprendiz ativo.
Nossa aula de espanhol não pode ser um momento para dar nomes às pala-
vras, ou para classificá-las quanto à morfologia e quanto à sintaxe. Precisamos
ir além dessas possibilidades e buscarmos a significação, pesquisando, anali-
sando e descobrindo o porquê de elas estarem ali.
É importante deixar claro que o ensino da gramática, seja ele em língua materna
ou língua estrangeira, não pode partir de atividades de repetição de regras.
É necessário compreender que as regras gramaticais, bem como os elementos
mórficos e sintáticos fazem parte dos conhecimentos linguísticos necessários
para a compreensão de como a língua se estrutura. Porém isso não quer dizer
que devemos ensinar a língua centrados na gramática. Esse tipo de ensino não
garante que o aluno consiga um bom desempenho no discurso.
A nossa proposta é ensinar a língua partindo do pressuposto de que o texto
se constitui como uma unidade significativa da língua. É por meio do texto que
nosso aluno deve aprender a língua, é por meio do texto que o aluno deve refletir
sobre a língua espanhola, analisando e entendendo as escolhas linguísticas.
É evidente que o ensino da gramática não deve limitar-se apenas à trans-
missão de informações ao aluno. Por isso, o professor não pode criar falsas
situações escolares simplificadas com definições para memorização, já que essa

464  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado ii

prática não facilita a construção dos conceitos gramaticais. Os conceitos grama-


ticais e linguísticos devem ser apresentados e manipulados nos discursos. Dessa
forma, ocorrerá a aprendizagem.
Um procedimento pedagógico centrado apenas na descrição do sistema
da língua não prepara o aluno para a diversidade da língua e para a multipli-
cidade dos enunciados. As atividades, nas aulas de língua estrangeira, devem
oportunizar aos alunos a compreensão das diferentes formas de utilização da
língua, os vários significados que podem ser atribuídos a uma mesma palavra e
as particularidades idiomáticas.

Reflita

Acreditar que o espanhol é muito parecido com o português pode levar


o aprendiz a grandes confusões durante a tradução. De fato algumas pa-
lavras em espanhol são grafadas da mesma forma que as da língua por-
tuguesa. Isso significa que aprender a língua espanhola é mais fácil? Isso
pode ser um engano, pois essas familiariades entre as línguas podem gerar
muitos erros, visto que os significados atribuídos a essas palavras aparente-
mente semelhantes na verdade são diferentes.

É necessário que o professor conheça a gramática da língua portuguesa e


a gramática da língua espanhola, o que possibilitará planejar atividades que
oportunizem a reflexão e o domínio das competências e habilidades necessárias
para a comunicação em língua espanhola.
As atividades de análise e reflexão permitem a aprendizagem. Por isso,
ao planejar uma aula sobre conjunções, o professor deve permitir que o aluno
analise e compreenda algumas diferenças em relação ao uso delas na língua
espanhola e na língua materna, como por exemplo, a palavra “apenas”, veja.

John llegó ayer a Londres. Apenas Ilegó, tuvo que salir de nuevo. Pero
apresuradamente podría decirle que su equipo perdió el campeonato,
apenas supo la notícia, se puso muy triste.

Ao ler o texto em espanhol, o aluno vai procurar dar sentido à informação


e, no primeiro momento, tenderá a atribuir o significado com que a palavra

unitins • letras • 6º PERÍODO  465


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado Ii

“apenas” é mais conhecida na língua materna, ou seja, “somente, dificilmente”.


Mas logo sua hipótese será refutada, quando perceber que com esse significado
o seu texto não estará claro. Então buscará outros significados.
Nesse processo, você, professor, deverá mediar essa reflexão, buscando
as outras possibilidades de uso da palavra “apenas”. Inicie solicitando uma
pesquisa no dicionário sobre os possíveis significados dessa palavra e sobre as
classes de palavras em que ela se insere.
Escreva, na lousa, todas as formas encontradas pelos alunos. Depois, aponte
que “apenas” em espanhol tem, nesse texto, a função de conjunção e estabelece
relação semântica de tempo entre as ideias.
É oportuno que você busque todas as outras possibilidades de escrever o
mesmo texto em espanhol, ou seja, quais conjunções podem, na língua espa-
nhola substituir a conjunção “apenas”. Veja.

John llegó ayer a Londres. Ni bien Ilegó, tuvo que salir de nuevo. Pero apre-
suradamente podría decirle que su equipo perdió el campeonato tan pronto
supo la notícia, se puso muy triste.

O ensino da língua, nessa concepção, vai além do reconhecimento de catego-


rias ou de classificações. O ensino é focado na análise e observação das escolhas
linguísticas dentro do estilo pessoal, bem como dentro do que é aceito pela estrutura
da língua. Essas escolhas também participam da construção de sentido do texto.
Nessa perspectiva, a aula de gramática é um momento de pesquisa, em que
a observação e a análise levam o aluno a formular hipóteses, testá-las e, final-
mente, chegar a descobertas sobre a estrutura da língua estudada.
Nessa perspectiva, Perini (1995, p. 31) diz que
As habilidades de raciocínio, de observação, de formulação e
testagem de hipóteses – em uma palavra, de independência de
pensamento – são pré-requisito à formação de indivíduos capazes
de aprender por si mesmos, criticar o que aprendem e criar conhe-
cimento novo. É justamente nesse setor que o estudo de gramática
pode dar sua contribuição mais relevante.

Conforme Perini (1995), o aluno precisa pensar sobre a língua e sobre as


várias possibilidades de estruturá-la, já que temos como um dos objetivos do
ensino da língua formar o leitor-escritor competente.

466  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado ii

Nesse sentido, Perrenoud (1999, p. 8) diz que “competência é mais que simples
aplicação de conhecimentos memorizados frente a uma dada situação concreta”.
Segundo as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2008) o conhe-
cimento gramatical em língua estrangeira deve
[...] levar o estudante a ser capaz de produzir enunciados simples
ou complexos que tenham uma função discursiva determinada.
Essa capacidade, obviamente, vai muito além da simples conju-
gação verbal, da exatidão no emprego das pessoas verbais ou
das regras de concordância, por exemplo. Assim, o foco da
gramática deve voltar-se para o papel que ela desempenha nas
relações interpessoais e discursivas.

Assumindo a concepção de que a língua permeia toda a nossa vida social,


devemos compreender a sua estrutura pela observação do seu uso.

Saiba mais

O sítio: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/
viewFile/657/549> apresenta o relato de uma experiência de ensino de
língua espanhola com um grupo de crianças de escola pública e evidencia
uma prática pedagógica pautada em textos, contos e histórias infantis. O
foco principal do trabalho foi o desenvolvimento da oralidade. Leia o artigo
e discuta-o com seus colegas de classe.

6.2 Ensino da gramática: uma forma de avançar na compreensão


Não é difícil compreender que a construção dos sentidos dos enunciados
não se faz apenas a partir da significação isoladas das palavras. Os elementos
extraverbais interferem na construção dos sentidos desses enunciados. Por essa
razão, concordamos com Bakhtin (1995, p. 95) quando afirma que
na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escu-
tamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, impor-
tantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc. A palavra
está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideoló-
gico ou vivencial.

A concepção que o professor tem de linguagem é de suma importância na


constituição do objeto de estudo. Se o docente considera a linguagem como um
sistema fechado, com certeza ele apoiará sua prática em uma teoria gramatical
baseada em aspectos puramente formais.

unitins • letras • 6º PERÍODO  467


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado Ii

No entanto se conceber a linguagem a partir de seu uso social, na interação,


em que a apropriação da linguagem é social, e os sujeitos da linguagem estão
imbricados no social que os envolve, o professor embasará sua prática na teoria
da gramática que considera os sujeitos como elementos constitutivos do ensino.
Um dos fatores que favorece o interesse do aluno em aprender outra língua
é a curiosidade. Por isso, que tal você apresentar aos alunos textos nos quais
aparece o pronome indefinido “quem” e, junto com eles, passar esse texto para
o plural? Essa estratégia poderá motivá-los e despertar sua curiosidade. No
momento em que você chegar ao enunciado: “¿Quién está ahí?, abra espaço
para a reflexão e questione: será que em espanhol essa estrutura vai para o
plural? Deixe que eles pensem, comentem, e, depois, apresente a diferença de
uso do pronome “quem”, que, diferentemente da nossa língua portuguesa, em
espanhol, vai para o plural quando necessário. Ainda, observe que o verbo
acompanha o pronome no plural, como no exemplo: ¿Quién está ahí?; ¿Quiénes
están ahí?
Vale lembrar que a língua espanhola não difere muito da língua portuguesa,
pois as duas são línguas românicas, o que justifica algumas semelhanças na
estrutura sintática. Por isso, um campo que certamente despertará o interesse dos
nossos alunos é o uso dos pronomes.
Compreenda que a prática da gramática deve partir da observação de situa-
ções concretas de uso da linguagem. O aluno já vivenciou tal estrutura dentro
do contexto. Fica mais fácil fazer a ponte entre a estrutura e a língua, pois favo-
recerá a compreensão da sistemática de uma língua.
O ensino por meio de aulas prescrevendo regras da gramática normativa,
sem oportunizar a análise da língua em uso, incorre no risco de prejudicar o
aprendizado de seu aluno.

Saiba mais

Faça a leitura do livro La enseñanza del español mediante tareas, orga-


nizado por Zanón e, parcialmente, disponível no Google Bocks por meio
do sítio: <http://books.google.com.br/books?id=uM9LFSxkF70C&printse
c=frontcover>.

A proposta para esse capítulo foi apresentar a importância de ensinarmos a


gramática contextualizada, partindo do pressuposto de que a linguagem é inse-
parável do fluxo de comunicação verbal. Portanto as regras gramaticais devem
ser analisadas em situações de uso dentro das produções de enunciados.

468  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado ii

Saiba mais

Você encontrará mais informações sobre as práticas de ensino da língua


espanhola nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio do Ministério
de Educação e Cultura (MEC) brasileiro. Lá há um capítulo sobre os conhe-
cimentos de línguas estrangeiras e outro específico sobre os conhecimentos
de espanhol. Para fazer a leitura acesse o sítio: <http://portal.mec.gov.
br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>.

No próximo capítulo, discutiremos sobre a avaliação como processo amplo,


fonte rica de transformações, ação ativa, meio e recurso para avaliar e possibi-
litar o desenvolvimento do desempenho do aluno.

Referências
BAKHTIN, M. (VOLOCHÍNOV, V. N). Marxismo e filosofia da linguagem. São
Paulo: HUCITEC, 1995.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacio-
nais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
______. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio. Brasília: MEC/SEF, 1998.
PERINI, M. A. A gramática gerativa: introdução ao estudo da sintaxe portu-
guesa. 2. ed. Belo Horizonte: Vigília, 1985.
PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artmed,
1999.

Anotações

unitins • letras • 6º PERÍODO  469


CAPÍTULO 6 • estágio supervisionado Ii

470  6º PERÍODO • letras • unitins


7
CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado ii

Avaliação e replanejamento
da prática

Introdução
Nossa proposta, neste capítulo, é discutir sobre a avaliação como um
processo que propicia a avaliação das experiências que nossa prática de ensino
proporciona ao aluno, como um processo que vai além da atribuição de notas.
A avaliação da aprendizagem precisa, para cumprir seu verdadeiro obje-
tivo, assumir a função de subsidiar a construção da aprendizagem bem-sucedida.
Para isso, apontamos como condição necessária que a avaliação se caracterize
como um meio subsidiário de crescimento e como meio de redirecionamento do
percurso da ação educativa.
A avaliação da aprendizagem consiste em um instrumento para garantir a
qualidade da aprendizagem do aluno. O modo como acontece essa avaliação
deve servir para auxiliar o avanço e o crescimento do aluno em termos de apro-
priação dos conhecimentos e das habilidades necessárias.
Focalizaremos o aprendizado de línguas estrangeiras, tendo como base a
reflexão crítica sobre o erro como uma etapa dos processos de aprendizagem
de uma língua estrangeira.
Sugerimos a leitura do artigo O que é mesmo o ato de avaliar a aprendi-
zagem?, do autor Cipriano Carlos Luckesi, publicado na Revista Pátio e que
se encontra disponível no sítio: <http://www.revistapatio.com.br/sumario_con-
teudo.aspx?id=149>. O artigo apresenta reflexões importantes que o ajudarão
a planejar, com coerência, o processo de avaliação da aprendizagem.
Outra leitura recomendada é o livro de Regina Cazaux Haydt, Avaliação do
processo de ensino-aprendizagem, publicado pela editora Ática. Esse livro apre-
senta a avaliação como processo de ensino-aprendizagem e aponta técnicas e
instrumentos de avaliação. A autora acena que, para avaliar de forma eficiente
o processo de ensino e aprendizagem, é importante observar as especificidades
do grupo e dos momentos avaliativos.
Outra leitura que indicamos é a do texto A transferência, a interferência e a
interlíngua no ensino de línguas próximas, que está disponível no sítio: <http://
www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000012002000100039
&script=sci_arttext>, além do texto Opções e implicações do gerenciamento do
erro em aulas de língua estrangeira, escrito por Cavalari (2006) e disponível

unitins • letras • 6º PERÍODO  471


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado Ii

em: <http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/edicoesanteriores/4publica-estu
dos-2006/sistema06/701.pdf>.
Assim, esperamos que, ao final deste capítulo, você seja capaz de compre-
ender que o processo de avaliação é fundamental para promover um ensino de
qualidade e de perceber que a avaliação deve ser contínua e dialógica para
possibilitar mudanças cognitivas e comportamentais.

7.1 Avaliação como instrumento de aprendizagem


A avaliação é uma atividade pedagógica não tão fácil de ser realizada
de modo eficiente. Ela não se dá uniformemente na sala de aula, pois sabemos
que tanto alunos quanto professores apresentam um ritmo próprio, revelando
suas facilidades e dificuldades. Isso faz com que o trabalho da avaliação seja
complexo, pois todos os alunos merecem ser avaliados no respeito das suas
particularidades individuais.
Reforçamos que, mais do que medir e comparar, a avaliação deve ser usada
como um instrumento que ajuda na aprendizagem do aluno. Isso é possível
de acontecer quando uma avaliação é bem planejada, bem elaborada e bem
aplicada. Seguindo esse pressuposto, o professor tem a condição de verificar
quais são os pontos mais críticos e em quais aspectos os processos de ensino e
aprendizagem precisam melhorar.
Em nossas escolas, esse processo vem sendo trabalhado de forma deficitária,
apenas medindo o que os alunos sabem, sem proporcionar a aprendizagem, a
reflexão, a autocrítica e autoavaliação.
Segundo Romão (2003), os mitos em torno do nosso processo de avaliação
poderá torná-lo discriminatório e injusto. Veja alguns deles.
• A escola de qualidade é aquela que exige muito do aluno.
Entendemos que a organização e a disciplina, em qualquer organização,
são necessárias, mas colocá-las como condição para poder classificar
uma escola de qualidade é não se atentar para os verdadeiros objetivos
do trabalho do professor. A capacidade de ser provocadora da leitura
crítica das situações do cotidiano, de estimular a criatividade e a inde-
pendência reflexiva é mais importante da exigência e do rigor quanto à
disciplina dos alunos. Uma escola de qualidade, segundo Freire (1997,
p. 32), é a que possibilita ao educando “superar a curiosidade ingênua
pela curiosidade epistemológica”.
• O melhor professor, o mais competente, é o que mais reprova.
Não se pode colocar como melhor professor nem o que mais reprova,
nem o que menos reprova. Da mesma forma que o alto índice de apro-
vação de um pode ter sido causado pela avaliação deficitária (professor

472  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado ii

bonzinho), o alto índice de reprovação do outro pode ter sido causado


pelo fracasso no processo de ensino e aprendizagem e/ou pela forma
deficitária da avaliação.
Segundo Romão (2003), há uma tendência de o aluno reprovado ser repro-
vado novamente. Isso nega a eficácia da reprovação com o objetivo de
proporcionar ao aluno oportunidades de recuperação na aprendizagem.
• As dificuldades dos alunos são provenientes das carências que trazem
de casa.
Na busca de tirar a responsabilidade da escola pelos insucessos do
aluno e atribuí-la ao próprio aluno e à família, a escola e os professores
tentam eximir-se da obrigação que têm com relação aos alunos, da
responsabilidade que têm pelo fracasso escolar.
Uma avaliação bem criteriosa, feita tendo como foco o educando, vai
ser muito importante para detectar o que pode ser feito para solucionar
as deficiências detectadas não apenas nos alunos e em suas famílias,
mas também na escola e nos professores.
• Deve-se respeitar os códigos socioculturais e as diferenças individuais.
Certamente, a afirmação não é falsa, pois, é necessário ter todo respeito
pela cultura trazida pelo educando e pelas diferenças individuais. Isso
é um ponto de partida. O problema é que, se não proporcionarmos ao
aluno o acesso a outros códigos socioculturais, o condenaremos a uma
situação de dominação.
É importante ter cuidado com esse tipo de discurso e com frases como
“temos que trabalhar textos que abordem a sua cultura”, “isso não faz
parte da vivência, do mundo deles”. Como ponto de partida isso é neces-
sário, mas é importante ir além, para que os estudantes possam ampliar
os seus horizontes e tenham participação social ativa como cidadãos.
Para isso, a avaliação deverá ser aquela que proporciona a reflexão
sobre si mesmo e sobre a relação com os vários contextos sociais. É
preciso não perder a dimensão do real. O aluno não irá viver de forma
isolada no mundo fantástico construído pela escola. Terá condição de
construir um projeto de vida e viver onde quiser neste vasto mundo.
• Avaliar é muito simples e fácil.
O que se pode ver é que o processo de avaliação não é simples e nem
muito fácil como alguns afirmam. Ele exige conhecimento, técnicas e
experiência. É necessário entender que a avaliação não deve ser feita
somente na época dos provões, dos testes e dos trabalhos apresentados.
Ela deve acontecer de forma contínua, e o professor deve avaliar o
desenvolvimento dos seus alunos ao longo do seu trabalho.

unitins • letras • 6º PERÍODO  473


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado Ii

• Avalia-se apenas o conhecimento adquirido pelo aluno.


O que acontece, geralmente, nas escolas é limitar-se a avaliar os
conhecimentos adquiridos pelos alunos, ou seja, as informações que
são repassadas pelos professores, levando em consideração apenas os
aspectos cognitivos. Dessa forma, deixamos de lado todos os aspectos
do amadurecimento tanto físico quanto emocional.
O aluno deve ser avaliado de forma global. Não se deve, pois, privi-
legiar nem um nem outro domínio, o que deve ser feito é um trabalho
avaliativo que contemple, de forma harmônica, todas as potencialidades
do educando, relacionadas tanto aos conhecimentos repassados pela
escola, quanto aos aspectos emocionais. A avaliação deve revestir-se
de um caráter positivo de modo a trazer à tona todo o potencial do
aprendiz em relação ao avanço de seus estudos.

7.2 Avaliação diferenciada


Discutiremos sobre os procedimentos de avaliação que podem ser aplicados
no processo de ensino e aprendizagem e que tenham como objetivo promover
mudanças cognitivas e comportamentais.
Essa forma de avaliação é entendida como constitutiva da prática peda-
gógica e não se ancora a momentos específicos. Ela é processual e contínua,
possibilitando o acesso ao conhecimento e o desenvolvimento do aluno. Nessa
forma de avaliar, devemos identificar o papel ativo do sujeito na apropriação e
na construção do saber.
O professor precisa considerar a diferença entre testar, medir e avaliar. Testar
é submeter o aluno a teste, ou seja, verificar o desempenho do aluno por meio
de situações previamente planejadas e organizadas. O teste é um instrumento
de mensuração. Medir traduz-se por avaliar a grandeza, logo medir está sempre
relacionado aos aspectos quantitativos do processo de ensino-aprendizagem. Já
avaliar consiste em interpretar dados quantitativos e qualitativos para obter um
parecer ou julgamento de valor com base em critérios previamente definidos.
Portanto, se acreditamos que a avaliação é um instrumento que contribui
para abrir novos caminhos, precisamos conceber a avaliação como um conceito
abrangente que inclui a utilização de dados quantitativos e qualitativos. Nessa
perspectiva, compreendemos que a avaliação se relaciona à aquisição de conhe-
cimentos e às informações curriculares que decorrem dos conteúdos curriculares.
A avaliação é um meio, um recurso para compreender o desempenho do
aluno e para aferir habilidades essenciais ao desenvolvimento das competências
fundamentais e para o exercício pleno da cidadania.
Nesse sentido, um aspecto fundamental é a compreensão da avaliação
como um instrumento capaz de estimular o interesse, bem como motivar o aluno

474  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado ii

para o seu maior aproveitamento. Ela deve servir de incentivo para a busca de
novos conhecimentos e para o incentivo ao estudo.
A avaliação deve fornecer subsídios valiosos para o professor redimensionar
as estratégias de ensino e oferecer aos alunos subsídios para o uso da língua
estudada. O professor precisa desenvolver juntamente com seus alunos, as habi-
lidades de analisar, compreender, sintetizar, extrapolar, comparar, julgar, esco-
lher, decidir etc.

Saiba mais

Como você sabe, avaliar não é fácil. Para que esse processo ocorra de for-
ma bem sucedida, é necessário que tenhamos bem claro qual é a sua con-
cepção de avaliação de aprendizagem. Para facilitar essa compreensão, é
preciso muito conhecimento sobre o assunto. Um bom referencial de leitura
é a obra do autor José Eustáquio Romão, Avaliação diagnóstica: desafios
e perspectivas, da editora Cortez. Nesse livro, Romão afirma que a avalia-
ção do desempenho escolar, no contexto da escola cidadã, se transforma
em momento de aprendizagem tanto para o professor quanto para o aluno.
Leia mais sobre esse assunto.

7.3 Os erros no ensino de língua estrangeira


Nos processos de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira, nós
professores temos que lidar com os erros dos alunos e saber como transformá-los
em momentos frutíferos para que a aprendizagem possa ocorrer. Isso exige
uma constante observação e análise do desenvolvimento dos nossos estudantes,
para replanejar nossas ações com o intuito de proporcionar melhorias nos pro-
cessos educacionais.
O erro no uso de uma língua, segundo Figueiredo (2001, p .43) é “tudo
aquilo que foge à variedade que foi eleita como exemplo de boa linguagem”, ou
seja, tudo o que não segue as normas da variedade linguística padrão.

Reflita

Leia o texto escrito por Oriol Romaní e analise a linguagem utilizada.


Un viaje por Europa
Yo ya estaba mosqueao, porque cada vez que hacíamos
un cambio de tren pues, no veas, qué historia... Ella
esperaba con el equipaje, y yo tenía que ir pacá, pallá,

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CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado Ii

y no paraba. Ara que, en Ginebra, cogimos casi todo el


equipaje, y lo facturamos. Porque en Suecia namás que
te dejan entrar una botella de vino, otra de coñá y otra
de... a ver, te dejan entrar una botella de coñá, otra de
vino, pero no vino corriente, sino vino amontillao, y otra
de anís. Bueno, nosotros llevábamos una maleta cada
uno, y tres botellas en la maleta suya, y tres en la mía,
que son lo único que te dejan entrar. Pero en el equipaje
que facturamos iban nueve botellas más, tres en cada
maleta. Y cuando llegamos allí, pasamos aduana, lo
que más me mosqueó fue que me quitaron el perro, al
llegar. Claro, fue por lo de la cuarentena; ¡joder, qué
mosqueo con el perro! Yo me quería volver otra vez
pa España. Sí ¿tú sabes? De momento namás llegar y
bajar del barco ya me quitan el perro y después de
una bronca allí, con todos aquellos tipos, que yo no me
enteraba, nos montamos en un taxi para irnos a la casa,
a la casa de su madre, que ya nos esperaba, ¡y un frío
que hacía en el taxi!, brrr... El taxi con calefaccción...! y
a 25 grados bajo cero! Yo estaba muerto de frío. Y yo le
decía: “Ana, vámonos pa España...” “No hombre, que
ya estamos aquí; ¿ahora nos vamos a volver patrás?” Y
eso, que era en Goteburg, que es más pal Sur.
Disponível em: <http://www.materialesdelengua.org/
LENGUA/comunicacion/registros/textoscoloquiales.
htm>. Acesso em: 20 fev. 2010.
Agora que você leu o texto, reflita: a linguagem utilizada é padrão? Ou é
uma variedade linguística considerada não padrão na língua espanhola?
Podemos considerar um tipo de erro esse desvio da norma padrão?

A partir da definição de Figueiredo (2001, p. 43), “o erro é a ocorrência


de formas ou construções que não fazem parte, de maneira sistemática, de
nenhuma das variedades de uma língua”, isto é, considera-se erro tudo aquilo
que pode ser classificado como gramatical. Ocorreu algo que podemos classi-
ficar de agramatical no texto de Oriol Romaní?
Cabe lembrar que forma agramatical é quando a sequência lógica e espe-
rada da língua não é obedecida, e os termos aparecem de forma aleatória,
como, por exemplo, na frase: “Bastante la lengua aprender española para
hemos nos esforzado”.
Segundo Figueiredo (2001, p. 44), há casos em que “uma sentença bem
construída gramaticalmente pode ser formada por um amontoado de palavras que
não apresentam significação alguma, impedindo, pois, a comunicação”. Veja:

476  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado ii

Como a Juan le gustaba su comida, ella decidió ir a la farmacia comprar


legumbres para el desayuno.

Apesar de gramaticalmente correta, a frase não apresenta sentido coe-


rente, pois os termos sublinhados não podem ser relacionados entre si, do
modo como aparecem. Ninguém compra comida na farmácia e, no café da
manhã (desayuno), na nossa cultura e na cultura hispânica, não é comum
comer legumes.
Um problema comum, pela semelhança creditada às línguas espanhola e
portuguesa, é que, ao tentar utilizar a língua estrangeira, o estudante de espa-
nhol, por analogias com a língua materna, acaba se enganando com algumas
estruturas, palavras e grafias, construindo uma interlíngua. Por exemplo, em
lugar de dizer “tengo hambre”, diz “estoy con hambre”, por exemplo.

Saiba mais

Faça a leitura do texto Pontos críticos no ensino de português a falantes de


espanhol: da observação do erro ao material didático, escrito por Gran-
nier e Carvalho e disponível em: <http://lamep.aokatu.com.br/pdf/pon-
tos_criticos.pdf>. Esse texto aborda alguns pontos relacionados ao ensino
da língua portuguesa como idioma estrangeiro, em uma turma com alunos
de descendência hispânica.

Segundo Figueiredo (2001), há quatro tipos de erros comuns no aprendizado


de uma língua estrangeira: interlinguais, intralinguais, ambíguos e induzidos.
Os erros interlinguais também podem ser chamados de erros de interfe-
rência ou de erros de transferência. São os que apresentam influência da língua
materna dos estudantes que erram por meio de analogias entre os dois sistemas
linguísticos. Veja os exemplos.

1. Cuando quisiera ir es sólo avisarme que salimos inmediatamente.


2. Este capítulo hace parte de un libro muy bueno que leí hace poco tiempo.

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CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado Ii

3. Sabes que me gusta de viajar contigo, pero esta vez no lo puedo.

Na frase 1, o verbo “querer” não está conjugado corretamente, porque ao


utilizar a palavra “cuando”, expressando uma ideia de futuro, o verbo deveria
aparecer no presente do subjuntivo. Portanto, a frase deveria estar escrita da seguin-
te forma: “Cuando quieras ir es sólo avisarme que salimos inmediatamente”.
Na frase 2, a expressão “hace parte” é uma tradução literal da língua portu-
guesa (faz parte). Porém, em língua espanhola, a expressão similar utilizada nesse
contexto é “forma parte”.
Na última frase, a influência da língua materna ocorre no uso da preposição
“de”, necessária em língua portuguesa na regência do verbo “gostar”, porém
desnecessária em língua espanhola na estruturação do verbo “gustar”. A frase
deveria estar escrita da seguinte forma: “Sabes que me gusta viajar contigo,
pero esta vez no lo puedo”.
Os erros intralinguais são os que não recebem influência da língua materna
e ocorrem durante o processo de aprendizado. São semelhantes àqueles come-
tidos por crianças em fase de aquisição da língua materna. É o que ocorre, por
exemplo, quando vamos aprender a conjugação verbal no pretérito indefinido
del indicativo. Observe.

1. *Andé, andaste, andó – anduve, anduviste, anduvo


2. *Yo quiso – *Él quise

Como as desinências verbais do pretérito indefinido del indicativo são, para


os verbos de primeira conjugação (terminados em -ar), -é, -aste, -ó, por analogia
podemos acreditar que o verbo “andar” se conjuga da forma apresentada no
primeiro exemplo (andé, andaste, andó). Porém a sua conjugação é irregular
e segue as formas anduve, anduviste, anduvo. O segundo exemplo apresenta
outra ocorrência de erro intralingual comum: a troca das pessoas “yo” y “él” na
conjugação de alguns verbos no pretérito indefinido del indicativo. Neste caso,
o correto é “Yo quise” e “Él quiso”.
Os erros ambíguos são aqueles cometidos tanto por influência da língua
materna (intralinguais) quanto pelo processo de aprendizagem (intralinguais).

478  6º PERÍODO • letras • unitins


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado ii

Os erros induzidos são aqueles decorrentes da forma inadequada de ensino


da língua estrangeira.
Ensinar uma língua é tarefa bastante complexa e não se resume apenas,
a saber, como lidar com os erros cometidos por nossos alunos. É conhecer as
teorias linguísticas e tantas outras teorias que auxiliam a nossa compreensão a
respeito da docência.
De acordo com Figueiredo, (2001, p. 49)
à medida que as teorias linguísticas evoluem no tempo, formas
diversas de considerar o erro têm sido concebidas. Todavia essas
noções teóricas são incapazes de explicar sozinhas todos os
possíveis problemas do ensino de língua. Cada uma contribuiu
para o nosso entendimento da natureza do processo de aqui-
sição de língua [...] Ao invés de competirem entre si, elas se
completam, proporcionando-nos, portanto, uma maior compre-
ensão do processo de aquisição de uma L2 e de como a noção
de erro tem se modificado com base nessas teorias.

Como existem várias teorias linguísticas, também existem várias propostas


diferentes de como o erro deve ser corrigido. Entre essas possibilidades desta-
camos, em conformidade com a diversidade apresentada por Figueiredo (2001),
dois eixos de procedimentos corretivos: a correção direta e a correção indireta.
A correção direta é, normalmente, o recurso mais comum em sala de aula
para correções de textos escritos. Ela consiste em marcar os erros e mostrar a
forma correta. Observe que, nessa prática, é o professor quem fornece tudo aos
seus alunos. Os estudantes não participam do processo de correção e o trabalho
analítico é apenas do professor. Já a correção indireta solicita a participação
dos estudantes em procedimentos de reflexão sobre a língua que estão apren-
dendo e sobre os erros que estão cometendo.
Segundo Figueiredo (2001), há dois tipos de correção indireta: a auto-
correção individual ou em pares e a correção no quadro negro. Na auto-
correção, o professor apenas indica a ocorrência de um erro, deixando ao
estudante a tarefa de analisar e descobrir por si mesmo qual o problema
detectado a fim de saná-lo. Isso pode ser feito, em textos escritos, por exemplo,
apenas sublinhando o erro encontrado. Contudo é importante estar ciente de
que essa ação só poderá ter resultados favoráveis se os estudantes forem
capazes de identificar e corrigir os erros apresentados. Essa prática costuma
ser benéfica, também, para o estabelecimento de um ambiente cooperativo
e colaborativo.
Na correção no quadro negro, alguns tipos de erros mais frequentes e comuns
dos estudantes são selecionados e analisados pelo professor e pelos estudantes,
com a utilização do quadro negro. Os estudantes, nesse tipo de correção, têm a
oportunidade de aprender com os próprios erros.

unitins • letras • 6º PERÍODO  479


CAPÍTULO 7 • estágio supervisionado Ii

Com base na análise minuciosa dos erros recorrentemente cometidos pelos


estudantes, o professor deve repensar o processo de ensino e aprendizagem que
está promovendo e replanejar suas ações com o objetivo de buscar metodolo-
gias que possam ajudar no trabalho com essas dificuldades apresentadas.
Considerando as ideias de Luckesi (2005, p. 58),
A questão do erro, da culpa e do castigo na prática escolar está
bastante articulada com a questão da avaliação da aprendi-
zagem. Esta, à medida que se foi desvinculando, ao longo do
tempo, da efetiva realidade da aprendizagem para tornar-se um
instrumento de ameaça e disciplinamento da personalidade do
educando, passou a servir de suporte para a imputação de culpa-
bilidade e para a decisão de castigo.

A partir da redefinição do papel dos erros e da avaliação, ela não deve


converter-se em fonte de decisão sobre a punição, mas sim de tomada de deci-
sões sobre os rumos do aprendizado. Ao insucesso e ao erro não devemos acres-
centar a culpa e o castigo, pois é necessário aprender a tirar deles benefícios
para a aprendizagem.

Referências
FIGUEIREDO, F. J. Q. Aprendendo com os erros: uma perspectiva comunicativa
de ensino de línguas. Goiânia: Editora da UFG, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática pedagógica.
3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. 17. ed. São Paulo: Cortez,
2005.
ROMÃO, J. E. Avaliação diagnóstica: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez,
2003.

Anotações

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