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I
apontam para novas direções para as estruturas da igreja, mais livres
e menos centrahzadoras, voltando à prioridade das funções dinâmicas
da igreja neotestamentária.
ISBN 85-275-0202-X
BARRERAI
ULI
Novas opçõeí
IGREJA BI ^fLEIRA
na viradaNGK ículo XXI
1 J . S œ tt Horrell, editor
Revisão
J. Scott Horrell
Valéria Fontana
Lucy Yamakami
Composição e Diagramação
Valéria Fontana
Janete D. Celestino
Capa
íbis Roxane
Coordenação de produção
Eber Cocareli
ISBN 85-275-0202-X
Julho de 1994
Impresso no Brasil.
Bibliografia.
ISBN 85-275-0202-X
94-1948 CDD-262.098105
A ESSÊNCIA DA IGREJA:
Repensando a Eclesiologia à Luz do N ovo Testamento
J. Scott Horrell / 7
R ussell P. Shedd
Russell P. Shedd
INTRODUÇÃO
O papa Paulo VI, há trinta anos, lamentou: “Parece que a
Igreja está destinada a morrer”. Admitiu isso por duas razões.
Primeiro, os efeitos do Vaticano II estavam cada vez mais devas
tadores, atingindo a doutrina católica tradicional e esvaziando suas
igrejas ao redor do mundo. Segundo, ele não era evangélico.
Muitas regiões do mundo — China, Coréia do Sul, ex-União
Soviética, África abaixo do Sahara, e América Latina — passam
por um avivamento de cristianismo bíblico jamais experimentado
desde os primeiros séculos da história cristã. Conforme uma
pesquisa importante, o cristianismo clássico está crescendo três
vezes mais rápido do que a população mundial.^
Na América Latina, um dos movimentos mais crescentes e
visíveis é encontrado no evangelicalismo brasileiro. Com cerca de
565 denominações,^ 380 seminários e instituições teológicas, 150
mil congregações, 40 editoras evangélicas, 14 milhões de membros
(e um total de 28 milhões de pessoas afiliadas),’ o Brasil
representa um dos maiores contingentes de evangélicos no mundo.
Se alguém acha que há um espírito triunfalista entre os
evangélicos em geral, ele está enganado. Conquanto os líderes
evangélicos sejam profundamente gratos pela atuação do Espírito
do Senhor sobre muitos no país, a pessoa ciente do ambiente geral
das igrejas brasileiras sabe que há diversas barreiras que impedem
as igrejas locais de cumprir melhor o seu chamado.
Na verdade, como pastor evangélico, eu também sentia que
a igreja estava destinada a morrer. Não a Igreja, o Corpo de
Cristo, mas a igreja tradicional e denominacionalista. Era
destinada a morrer devido a suas formas antiquadas, sua falta de
criatividade e de penetração em suas vizinhanças, sua preguiça
espiritual e baixa ética moral (às vezes em meio às emoções da fé)
e sua ignorância das verdades bíblicas. Dentro de uma hierarquia
denominacional, como jovem pastor, quase desisti do pastorado.
A igreja institucional parecia muito distante da realidade viva e
autêntica do Novo Testamento.
Voltar às Escrituras para redescobrir os princípios funda
mentais sobre a igreja foi uma das experiências mais libertadoras
da minha vida. Estou cada vez mais convicto de que a maioria dos
pastores e líderes não querem mudar por não conhecerem as
Escrituras. Muitos crentes se agarram à tradição e ao denomina-
cionalismo, com medo de perder algo verdadeiro experimentado
com o Senhor no passado. Mas de fato, o Novo Testamento é um
convite contínuo, não para novas doutrinas, mas para que se
aplique e experimente essa verdade que “uma vez por todas foi
entregue aos santos” (Jd 3).
Ultrapassando Barreiras é a primeira de duas coletâneas
escritas por líderes e pastores sobre as novas opções diante da
igreja brasileira. Há cerca de 23 autores de diversas denominações
e regiões geográficas do país. Rearticulando princípios bíblicos
sobre a igreja, eles falam sobre como esses princípios foram
aplicados em suas próprias experiências. Assim, as coleções são
uma enciclópedia de idéias reunindo diversas práticas e teologias,
sem muita preocupação editorial em harmonizá-las. Por outro
lado, as ricas experiências dos autores oferecem dezenas de
princípios, idéias e sugestões sobre como ser uma igreja mais
bíblica e mais brasileira para a glória de Deus.
O grande valor, portanto, não é de providenciar modelos
para copiar, mas de incentivar as igrejas locais a redescobrir sua
própria eclesiologia bíblica. Pois, assim como cada filho de Deus
é único, cada igreja local e cada família de igrejas são também
diferentes e especiais. O que é o mais surpreendente na
eclesiologia neotestamentária é sua liberdade estrutural. Dentro
de certos parâmetros. Deus permite uma flexibilidade na parte
formal (organizacional) para que as funções dinâmicas, que
naturalmente surgem dentro de um povo habitado pelo Espírito
Santo, sejam mais bem cumpridas.
NOTAS
' “Christianity Is Still World’s Top Religion, and Faith Is Growing”,
Christianity Today (9 nov. 1992) 64. Os dados do Lausanne Statistics Task Force,
dirigido por David Barrett, dizem que há aproximadamente 6,8 não-cristãos para
cada cristão que crê na Bíblia — o menor índice da história.
^Caio Fábio D ’Araujo Filho, “Evangélicos Unidos do Brasil” (entrevista),
Liderança 10:90 (dez. - fev. 1992) 1. As estatísticas sobre o número de deno
minações brasileiras variam muito. Patrick Johnstone, Operation World (5 \ ed..
Grand Rapids, MI: Zondervan/OM Publishing, 1993) 128, estima em 271
denominações, com cerca de 18% da população que se dizem evangélicos.
’Dados de Johnstone, Operation World, 62, 128-131, AETAL do Brasil e
Associação Brasileira de Editoras Cristãs.
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SnaJí/awimZa í$t 9.1 5.
IV
A ESSÊNCIA DA IGREJA:
Repensando a Eclesiologia à Luz do Novo Testamento
J. Scott Horrell*
O IMPORTANTE E O IMPORTANTE
Há duas verdades quase paradoxais.
Por um lado, as formas e estruturas da igreja são coisas
secundárias. O poder do evangelho de Jesus Cristo e a atuação do
Espírito Santo são muito mais do que os vasos visíveis em que o
Deus Trino habita. No sentido primário, não importam a
denominação, organização, forma ou estrutura da igreja local.
Onde existe pregação das verdades básicas da Bíblia, onde há fé
e compromisso, onde pessoas buscam a presença do Senhor e
esperam Sua resposta em oração, onde pessoas obedecem à
Palavra e vencem o pecado, ali o Deus Vivo na Sua misericórdia
está atuando. O ponto interessante é que, no decorrer da história
cristã, as épocas em que as igrejas mais se preocupavam com sua
própria eclesiologia eram as épocas em que a igreja era espiri
tualmente mais fraca. A estrutura, a organização e o ritual,
portanto, quase sempre ocupam o segundo lugar no Novo Testa
mento.
Por outro lado, o estudo da igreja incluindo suas formas,
ainda é muito importante. Certos elementos da igreja local são
absolutos prescritos no Novo Testamento: no mínimo, uma
liderança qualificada, o batismo e a ceia do Senhor. Esses são
inegociáveis. Igualmente importante, da perspectiva prática, é que
a forma da igreja local é necessária para concretizar os propósitos
de Deus na vida de seus membros. Ela deve facilitar o
aperfeiçoamento de cada membro para que ele ande como Cristo
nesse mundo.
Além disso, a aparência e a forma da igreja refletem, para o
mundo, o tipo de Deus que adoramos. Ele é um ditador espiritual
sobre ovelhas passivas? E sorridente, buscando continuamente ser
aceito pelo povo? Ele é austero, sempre negativo, não gosta da
gente? Animador celestial de festas, com gritos, danças e aleluias?
Ele é desorganizado? Superorganizado? Só gosta do antigo? Só
gosta do novo? É intolerante? Supertolerante? Deus só quer nosso
dinheiro? Ama só quem tem terno, gravata ou usa roupas da
moda? Ama o favelado e o pobre? Por meio das formas e do
funcionamento da igreja local, a nossa aparência leva infmidades
de informações sobre a natureza do Deus que dizemos servir.
Infelizmente, muitas vezes são justamente essas coisas externas
que mais ofuscam as Boas Novas de Jesus Cristo.
A forma da igreja local representa Deus neste mundo. Assim,
conquanto não seja a mais importante das doutrinas cristãs, nossas
conclusões sobre a igreja são extremamente importantes. São
repletas de conseqüências que tocam a vida de cada cristão.
Convém-nos, então, reestudar a essência e a natureza da
igreja nas Escrituras. Depois de defmir o que é a igreja no Novo
Testamento, consideraremos as implicações da Igreja como o
Corpo de Cristo para as formas e funcionamento da igreja local
de hoje.
O QUE É A IGREJA?
Definições
A palavra igreja é proveniente do grego, ecclesia (èkkà,tioíu),
literalmente, “os chamados para fora” (ekkaleo). No uso clássico
e na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento),
ecclesia significa “reunião”, “assembléia oficial”, “congregação”,
grupo de soldados, exilados, religiosos ou anjos. Em Atos 7:38, a
palavra denota a “congregação” dos israelitas com Moisés no
deserto {cf. Nu 14:3, 4). Em Atos 19:32 e 40 (41), ecclesia fala da
assembléia tumultuada contra o apóstolo Paulo em Éfeso; Atos
19:39 refere-se à assembléia oficial e jurídica que devia governar
a cidade.
No entanto, das 115 ocorrências da palavra ecclesia no Novo
Testamento, 111 referem-se ã igreja cristã. É interessante que,
exceto por dois versículos (Mt 16:18 e 18:17), não se vê o termo
ecclesia nos evangelhos, embora aparentemente a palavra fosse
usada o bastante para os discípulos não a estranharem. É depois
do pentecoste que vemos o florecimento do uso e do conteúdo do
conceito de igreja: em Atos, ecclesia é usada 23 vezes; nas cartas
de Paulo, 62 vezes; em Hebreus, duas vezes; em Tiago, uma; em
3 João, 3 vezes; e em Apocalipse, 20 vezes (19 em Ap 1-3). Esta
base, a meu ver, é uma chave para entendermos melhor o signifi
cado da palavra para os nossos dias.
Existem quatro usos de ecclesia relacionado à igreja cristã no
Novo Testamento:
1. Reunião. De vez em quando, descreve um culto ou
conjunto de cristãos: “quando vos reunis na igreja” (1 Co 11:18;
cf. 14:4,19,28,34). Aqui, não se refere a um lugar ou prédio, mas
a um agrupamento de pessoas eom o propósito de cultuar e ter
comunhão, juntos. Então, nesse sentido, quando a reunião
termina, a ecclesia não existe mais. Observamos que a Bíblia nunca
usa a palavra igreja para um prédio ou templo — que talvez seja
o significado mais usado hoje, no dia-a-dia.
2. Igreja local O uso mais numeroso de ecclesia é para uma
congregação ou comunidade local de cristãos (At 8:1; 11:22, 26;
Rm 16:1; plural em 1 Co 11:16, 22; 1 Ts 2:14 etc.). Em contraste
com a idéia acima, aqui o foco está no povo e não na reunião. A
maioria das epístolas do Novo Testamento são enviadas para
igrejas locais (1 Co 1:2; 2 Co 1:1; 1 Ts 1:1), como também as
cartas às sete igrejas de Apocalipse 2-3.
3. Cristãos de uma região. Ocasionalmente, ecclesia envolve a
totalidade de cristãos numa área geográfica, por exemplo, “a igreja
da Ásia” (1 Co 16:19) ou “a igreja... [que] tinha paz por toda a
Judéia, Galiléia e Samaria” (At 9:31). Este uso provavelmente
abrange todas as igrejas locais de uma região. Mas também se
aproxima da quarta definição: a de uma igreja composta de todos
os verdadeiros cristãos. Notamos, aqui, que a idéia de igreja como
uma denominação (Igreja Quadrangular, Igreja Presbiteriana,
Igreja Anglicana) não existe no Novo Testamento. Quando se fala
da igreja nessa definição, não se pensa em distinções doutrinárias
ou organizacionais mas apenas em proximidade geográfica. Isso
quer dizer que se a Bíblia falasse da “ecclesia de Recife”,
envolveria todos os verdadeiros cristãos daquela cidade.
4. O Coipo de Cristo. O significado mais profundo e
extraordinário da palavra ecclesia é a Igreja universal, o Corpo de
Cristo. A igreja, nesta definição, é o organismo espiritual composto
de todos os regenerados através da fé em Cristo. Jesus Cristo é a
cabeça da Igreja, que é “o seu corpo” (Ef 1:22-23; 4:15-16; Cl
1:18, 24; cf. 1 Co 12:12-27). Neste sentido, a Igreja universal é a
única verdadeira igreja, incorporando todos os verdadeiros
cristãos. Nesse nível, a Igreja é uma entidade espiritual e não
possui forma. As igrejas locais pertencem ao Corpo de Cristo na
medida em que elas têm membros realmente convertidos (algo
que de fato somente Deus sabe). Deduzimos que nenhuma igreja
local e nenhuma denominação reflete perfeita ou adequadamente
a plenitude da Igreja, Corpo de Cristo.
Esses quatro significados de ecclesia no Novo Testamento já
indicam que as duas concepções de igreja mais comuns hoje —
denominação e prédio — são alheias aos conceitos neotesta
mentários. As palavras desenvolvem-se com o tempo, e os usos
populares da palavra igreja não são necessariamente errados. Mas,
por causa dos nossos preconceitos sobre o que é igreja, temos a
tendência de distorcer o que os autores bíblicos estavam querendo
comunicar.
Se a idéia da Igreja universal é a mais profunda e abrangente
dos significados de ecclesia no Novo Testamento, é importante
refletir sobre o conceito deste Corpo de Cristo. Começamos,
então, esclarecendo a natureza da Igreja universal, observando
também algumas implicações para as formas das nossas igrejas
locais.
A IGREJA UNIVERSAL
Há divergências e diálogo saudável entre as tradições cristãs
sobre a natureza da Igreja universal. Mas todos concordam que há
certas distinções entre o Antigo e o Novo Testamento, entre a
maneira em que o reino de Deus operava através de Israel e
depois, através da igreja de pentecostes.
A IGREJA LOCAL
Ao destacar a Igreja universal como o quadro maior, através
da qual interpretamos a igreja local, não pretendo diminuir a
importância da igreja local. A intenção é ver a igreja local, não
como um absoluto em si ou um meio exclusivo para servir a Deus,
mas como a forma fmita para realizar os propósitos do Corpo de
Cristo no mundo. Nesta altura, é importante defmir o que é a
igreja loeal e os seus propósitos fundamentais vistos no Novo
Testamento. Tendo explorado as distinções entre o Corpo de
Cristo e Israel, e entre a Igreja universal e a igreja local, chega
remos a algumas conclusões sobre a forma e o funcionamento das
igrejas locais.
Definição Prática
A igreja loeal é um grupo de pessoas que confessam sua fé em
Cristo, foram batizadas e se oiganizaram para fazer a vontade de
Deus. Isso implica pelo menos cinco aspectos relacionados com
sua forma.
1. É um gmpo que confessa fé em Jesus Cristo. A igreja local
compõe-se de pessoas que se dizem cristãs e que subscrevem
alguma declaração doutrinária. Se não professar fé em Cristo
como o Senhor, a pessoa é excluída. Está implícito na parábola do
trigo e o joio (Mt 13:24-30), porém, que a igreja local pode incluir
os não-convertidos (apesar das suas confissões). Pastor emérito da
maior igreja da América do Norte, W. A, Criswell, certa vez
declarou que talvez 75% de sua congregação de 30 mil pessoas
não fosse realmente convertida. Provavelmente a maioria das
igrejas locais, quaisquer que sejam as precauções, inclui os
convertidos e os não-convertidos.
2. Exige o batismo. Qualquer que seja o modo ou a idade do
batismo, as igrejas da história cristã, com quase nenhuma exceção,
exigem o batismo para a membrezia. O padrão do Novo
Testamento não admite nenhum membro na igreja local que não
seja batizado.
3. Implica membros. Qualquer entidade social exige compro
misso, seja através de uma membrezia oficial ou apenas funcional.
Q rol de membros de hoje parece mais uma formalidade pragmá
tica do que uma realidade bíblica. Mas o fato é que nas próprias
igrejas neotestamentárias havia organização suficiente para
determinar vários níveis de liderança, para enviar cartas de
recomendação em favor de membros em trânsito e para disciplinar
e expulsar participantes desviados. A membrezia é uma forma de
compromisso com a congregação local e, em alguns casos, com a
denominação.
4. Envolve organização. Qualquer igreja, das mais anti-
institucionais às mais hierárquicas, têm organização. Pode ser boa
ou ruim. Mas é impossível funcionar como comunidade sem
organização.
Entretanto, existem dois extremos. Num lado, há igrejas que
zombam da organização e só querem “depender do Espírito
Santo”; estas raramente sobrevivem mais do que alguns anos. No
outro, algumas igrejas e denominações ficam tão regimentadas, tão
corporativas, que não deixam viver a comunidade cristã.
Descaracterizam o próprio Deus da Igreja — Aquele que é
ativamente tri-pessoal. Embora a organização seja necessária, deve
ser flexível, pondo-se à disposição do Cabeça, Jesus Cristo, e da
atuação do Espírito.
Em minha opinião, há uma clara evolução de organização
eclesiástica a partir do pentecoste até o Apocalipse. Os detalhes
podem ser debatidos. O ponto é o seguinte. Não há uma estrutura
eclesiástica no Novo Testamento, mas uma pluralidade de
modelos. Isso é instrutivo. É possível que uma estrutura ou outra
esteja mais próxima do quadro geral do Novo Testamento. Mas há
uma flexibilidade de forma e organização vista em toda a igreja
primitiva. Isso nos liberta para criar e experimentar diversas
formas e modelos de igrejas. Concluímos que o absoluto não é a
forma ou a estrutura. A forma da igreja existe para servir a
propósitos maiores.
5. A igreja local existe para fazer a vontade de Deus. Quais são
os propósitos de Deus para a igreja local quanto ao seu
funcionamento no dia-a-dia? O coração da nossa eclesiologia
prática depende da resposta a esta pergunta. As formas, a
estrutura, os métodos que usamos devem se desenvolver a partir
daqui. Isso merece um estudo mais profundo.
NOTAS
'Os quatro paradigmas vêm do Pr. Ed René Kivitz num estudo interdeno-
minacional de pastores em São Paulo; a interpretação dos paradigmas é do
autor.
^Alguns incluem a ação social. Mas, embora o NT exorte o indivíduo a
fazer boas obras e mostrar compaixão no mundo, as exortações e exemplos da
igreja local no NT quase sempre tratam de irmãos na igreja. Não houve ofertas
para ajudar os pobres em Filipos, mas para ajudar os santos em Jerusalém,
suprir as necessidades das viúvas da comunidade cristã, e ajudar missionários
como Paulo. A igreja local deve equipar o indivíduo para que ele se engaje com
paixão no lugar dele no mundo.
’Admitimos que havia igrejas longe do ideal no NT (e.g., Galácia, Corinto,
Sardes); os autores bíblicos não negavam que eram igrejas. Mas assim como um
cristão pode ser desviado e carnal (1 Co 3:1), sem experiência viva da sua
salvação, uma congregação também pode ser uma igreja na forma, mas sem vida
como templo de Deus. Perdeu sua essência funcional.
LIVROS SUGERIDOS
Anderson, Leith. A Church for the 21st Century. Mineápolis: Bethany, 1992.
Getz, Gene A. A Estatura de uma Igreja (Espiritual). Trad. Yolanda M. Krievin.
Miami: Vida, 1982.
Feinberg, John S., ed. Continuity and Discontinuity: Perspectives on the Rela
tionship Between the Old and New Testaments. Wheaton, IL: Crossway,
1988.
McDaniel, Geo. W. A s Igrejas do Novo Testamento. 4“. ed., Rio de Janeiro:
JUERP, 1982.
Petersen, Jim. Church without Walls. Colorado Springs, CO: NavPress, 1992.
Shelley, Bruce L. A Igreja: O Povo de Deus. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo:
Vida Nova, 1984.
Snyder, Howard. A. The Problem o f Wine Skiits: Chuch Structure in a
Technological Age. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1975.
Stedman, Ray C. Igreja: Corpo Vivo de Cristo. Trad. Walter Schlupp. 3“. ed., São
Paulo: M iSídõCristão, 1985. ^
IV
ESTRUTURA CRIATIVA
NO CONTEXTO METROPOLITANO:
Passos de um Processo de Transformação
CONCLUSÃO
O símbolo chinês para a palavra “crise” é composto pela
combinação dos sinais gráficos usados para representar os termos
“ameaça” e “oportunidade”. A crise, portanto, não é o fím da
oportunidade, mas o seu início, o ponto onde ameaça e oportuni
dade se encontram. Quando entramos em crise, estamos num
momento crítico em que o futuro é imprevisível. Podemos ceder
às ameaças da época ou podemos abraçar as novas oportunidades
com coragem e criatividade
A igreja cristã, tanto católica quanto protestante, está em
crise. Ela já não desfruta mais da posição privilegiada que
mantinha há 50 anos. Por isso, precisa estudar novamente os
relatos bíblicos e redescobrir a razão da sua existência. O contexto
religioso e sociocultural também requer uma análise profunda da
parte do corpo de Cristo. Cada comunidade loeal deve se prostrar
diante de Deus e pedir Sua visão para a missão específíca dentro
de um determinado momento histórico. As oportunidades são
maiores do que os perigos, porque nosso Deus continua sendo um
Deus Soberano, e a Sua criatividade é infinita!
Deixemos que Deus transforme as nossas estruturas para que
o Seu Reino possa avançar com mais facilidade e rapidez. Uma
nova estrutura não garante a ação do Espírito Santo, mas pode
abrir caminhos. Com certeza, a sacralização de estruturas descon-
textualizadas pode impedir a renovação da comunidade cristã e
diminuir a eficácia da sua participação na missão de Deus na
terra. Abracemos este momento histórico eom alegria e ousadia
no poder do Espírito de Deus!
NOTAS
'Lutero apenas acendeu a lenha velha que estava pronta para queimar. A
desilusão com as filosofias existentes, a indignação com a avareza de Roma, a
impaciência com o sistema político e a nova disseminação do conhecimento
incentivaram os povos a se revoltarem contra as “instituições sagradas”.
^George Bama, O Poder da Visão, traâ. João Bentes (São Paulo: Abba Press,
1993) 32.
’Seguimos o conceito hebraico de que somos o que fazemos e vice-versa. Por
exemplo, somos evangelistas se evangelizamos. A descrição demográfica inclui
a identidade social, financeira, profissional e geográfica. A definição eclesiástica
aborda os seguintes temas: estilo de liderança, denominação, louvor e espiritua
lidade, ensino e treinamento, cuidado pastoral, evangelização e missões.
“"Na tentativa de captar visualmente a nossa identidade atual, passamos por
um exercício de personificação da nossa comunidade. Concluímos que aparenta
mos uma mãe gorda, simpática, festeira, social, indisciplinada, mal-administrada,
cheia de boas intenções, com muito talento mas incapaz de dar de si mesma.
^Atualmente, usa-se a palavra clero em referência aos ministros profissionais
e leigo para denominar os membros. Os gregos empregavam o tem io leigo com
respeito às massas ignorantes: o povo sem instrução nem educação. No Novo
Testamento, a palavra cleros refere-se à herança de Deus que pertence a todos
os seguidores de Cristo (Cl 1:12). Ela não é usada para distinguir entre clérigos
e leigos. Todos os cristãos são clérigos (herdeiros) e sacerdotes. O sacerdócio
perfeito de Cristo acabou com a necessidade de um mediador, um padre, um
pastor entre a igreja e Deus (Hb 7:27ss; 9:24-28; 10:19).
'’No Novo Testamento, os temios presbítero, bispo e pastor são usados
intercambiavelmente (At 20:17; 28; Tt 1:5-7; 1 Pe 5:1-4). Os presbíteros ou
bispos pastoreiam e supervisionisam a comunidade local.
LIVROS SUGERIDOS
Banks, Robert. Paul’s Idea o f Community: The Early House Churches in Their
Historical Setting. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1980.
Bama, George. User Friendly Churches. Ventura, CA: Regal Books, 1991.
Boff, Leonardo. Igreja, Carisma e Poder: Ensaios de Eclesiologia Militante.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.
^ Driver, John. Contra a Corrente: Ensaios de Eclesiologia Radical. Campinas:
Editora Cristã Unida, 1994.
Freston, Paul. F é Biblica e Crise Brasileira: Posses e Política; Esoterismo e Ecu
menismo. São Paulo: ABU Editora, 1992.
Neighbour, Ralph W. Where Do We Go From Here? A Guidebook for the Cell
Group Church. Houston, TX; Touch Publications, 1990.
Stevens, R. Paul. Liberating the Laity: Equipping A ll the Saints for Ministry.
Downers Grove, IL; Inter-Varsity, 1985.
Watson, David. I Believe in the Church. Grand Rapids, MI; Eerdmans, 1978.
/3/
LIDERANÇA NA IGREJA LOCAL:
Qualificações e Escolhas Bíblicas
r. CONCEITO:
A IGREJA PRECISA DE LÍDERES
Este conceito, apesar de óbvio para a maioria de nós, pode
parecer até uma ofensa para algumas denominações. Isso, devido
à apologia que fazem de uma espécie de “sublime democracia” ou
de uma absoluta dependência do Espírito, em que se pressupõe
existir apenas um líder, ou seja, o Senhor Jesus. Todas as tarefas,
serviços e ministérios são exercidos por voluntários espontâneos
e oeasionais, conforme a orientação do Espírito Santo. A prática,
porém, demonstra outra realidade. Com o passar do tempo e a
repetição das atividades, qualquer um pode observar que as
mesmas pessoas acabam fazendo as mesmas coisas e se tornando
autoridade espiritual reconhecida e acatada naquilo que fazem
eom dedicação, experiência e conhecimento de causa.
O próprio Senhor Jesus dedicou a atenção mais especial de
seu ministério aqui na terra para o treinamento daqueles que
seriam os líderes de sua igreja.^ Também não é justo argumentar
que eles, como apóstolos, eram dotados de uma qualificação
singular, única e irrepetível. Pois, mesmo isso sendo verdade, eles
se dedicaram com afinco ao treinamento daqueles que deveriam
cuidar das igrejas que plantaram por todo canto do Império
Romano.
Além do mais, as Escrituras em inúmeras passagens ensinam
claramente a instituição de líderes espirituais nas igrejas, de tal
maneira que, se assim não fosse, não se poderia entender o relato
de Atos dos Apóstolos, ou mesmo justificar as cartas chamadas
“pastorais”. Ou ainda, como poderíamos compreender a busca
constante da parte de Deus, no Antigo Testamento, de homens
que Lhe fossem fiéis para instituí-los como líderes espirituais
diante do povo, para orientá-los e conduzi-los pelos caminhos
santos da vontade do Senhor e pastoreá-los de modo que não se
desviassem desses caminhos?
A necessidade de liderança se deve ao fato de que o povo
como tal não pode desenvolver atitudes e procedimentos que não
lhe sejam ensinados e exemplificados. Este pensamento por si só
já seria suficiente para nos ensinar muitas lições. Por exemplo,
nós, pastores, constantemente de púlpito desafiamos a igreja a
evangelizar, a ser honesta em suas transações comerciais, a exercer
com fidelidade os seus próprios dons espirituais e tantas outras
coisas mais. Todavia se pergunta: alguém já os ensinou, principal
mente na prática, por experimento próprio, como fazer isso? Eles
sabem que devem, mas não sabem como\
Assim, o papel mais importante de um líder é fazer com que
seus liderados descubram e usem o potencial que têm em prol do
objetivo estipulado, sabendo exatamente o que fazer para alcançá-
lo.
Em termos de igreja, isto parece mesmo um sonho: uma
igreja onde todos os seus membros sabem exatamente quais são
os seus objetivos, quais os recursos disponíveis, como, quando e
com quem vão exercer os dons que o Senhor deu a cada um. Esse
sonho não é fácil de ser realizado, por isso mesmo precisa ser
perseguido com todo empenho e dedicação. É para isso que a
igreja precisa de líderes.
2í CONCEITO:
A IGREJA PRECISA DE LÍDERES BEM PREPARADOS
Quem são os líderes que a igreja precisa ter? Como eles
podem ser achados? De que tipo de treinamento eles precisam?
Que tipo de pessoas eles devem ser, o que eles têm de saber, o
que eles precisam fazer para serem tais líderes?
Se nós ficarmos apenas com a tradição de nossa igreja, de
escolher pessoas para as mais diversas funções de liderança tão-
somente através de um processo de eleição, onde os mais votados
são os escolhidos, corremos o risco de ter na liderança pessoas
simpáticas, de bom preparo profissional, de boa cultura, social
mente aceitas na igreja, politicamente bem relacionadas, mas,
mesmo assim, sem nenhum preparo espiritual e mais ainda, quem
sabe, sem as qualificações bililicas indispensáveis para ser líder na
igreja de Jesus Cristo.
Para que saibamos responder as questões acima sem cair nos
erros mencionados, precisamos redescobrir na Palavra de Deus
como devem ser tais líderes, e como podemos treiná-los.
Desde o Antigo Testamento, Deus estipulou requisitos
imprescindíveis para aqueles que iriam ocupar a função de
liderança. Tome-se por exemplo Moisés que, sabiamente aconse
lhado por seu sogro, procurou dividir suas responsabilidades com
outros líderes, livrando-se daquilo que outros poderiam fazer, para
poder se dedicar àquilo que somente ele deveria fazer. (Qualquer
semelhança conosco é mera coincidência!) Os critérios de quali-
ficação na busca desses homens, segundo a narrativa de Êxodo
18:21, foram: (1) homens capazes, (2) homens tementes a
Deus, (3) homens de verdade, e (4) homens que aborreçam a
avareza”. Cada característica ali citada deveria ser alvo de um
estudo minucioso e aplicado aos atuais e futuros líderes de nossas
igrejas.
Quando chegamos aos evangelhos, notamos que a qualidade
de líder que se busca é tão excelente que, no exemplo de Jesus,
Ele colocou como pré-requisito indispensável que fossem pessoas
que dispusessem de tempo integral para a convivência com Ele,
visto que desejava investir na vida delas como um todo (Mc 3:13
14). Seu treinamento incluía a vivência rotineira do dia-a-dia, para
ensiná-los a lidar com o cotidiano da terra na perspectiva do
Reino dos Céus. Todos os seus componentes pessoais, tais como
família, profissão, ideologia política, regionalismo — tudo, enfim,
seria motivo de consideração para que se tornassem líderes
aprovados para o ministério que o Mestre lhes delegaria no
futuro.
Quando entramos no livro de Atos, desde o início (6:3)
notamos que as funções de responsabilidade e liderança na igreja
do Senhor Jesus Cristo não poderiam ser exercidas por quem
quisesse, mas única e exclusivamente por aqueles que se
enquadrassem no padrão mínimo de qualificação exigido para
cada caso. Quanto aos diáconos, os critérios foram os seguintes:
”... (1) homens de boa reputação, (2) homens cheios do Espírito,
e (3) homens de sabedoria”. Que excelente perfil para a tão difícil
tarefa de liderar as igrejas dos séculos XX e XXI, não é mesmo?
Para nosso caso específico, tomaremos apenas os critérios de
qualificação descritos em 1 Timóteo 3 e Tito 1, como um quadro
geral do perfil que deveria ser o nosso currículo no treinamento
de líderes. Não entraremos diretamente no debate a respeito da
figura do “presbítero”, tecnicamente falando, mas adotaremos a
função na igreja, respeitando a designação e a semântica usadas
em cada denominação.
Eis um quadro panorâmico das qualificações apresentadas no
Novo Testamento:
CARACTERÍSTICAS PESSOAIS DO LÍDER NO NT
Caráter Procedimento Espiritualidade
SER Temperante Irrepreensível Piedoso
Sóbrio Cordato Apegado à Palavra
Modesto Inimigo de contendas
Amigo do bem Bom mordomo
Justo
Domínio próprio
CARACTERÍSTICAS FAMILIARES
Como Marido Como Cabeça Como Pai
De uma só mulher Que governe bem Saiba criar filhos:
sua propria casa com disciplina,
com respeito.
Tenha filhos:
crentes,
comportados,
obedientes.
CARACTERÍSTICAS MINISTERIAIS
Como Modelo Como Mestre Como Administrador
Perante os de fora Apto para ensinar, Saiba presidir
Perante a igreja exortar, Não seja dominador
convencer. Saiba pastorear
com zelo e
boa vontade.
Como seria extraordinário se nossos seminários, escolas bíblicas e
igrejas adotassem esses critérios como currículo básico para o
treinamento de seus líderes. Assim, teríamos com certeza uma
igreja liderada por “santos homens de Deus”.
3? CONCEITO:
A IGREJA PRÓPRIA PRECISA TREINAR
OS SEUS LÍDERES
É impressionante a verdade neotestamentária de que é da mais
exclusiva responsabilidade da igreja local o treinamento de seus
próprios líderes. Esta afirmação tem pelo menos duas implicações
bombásticas que precisam ser entendidas, repensadas e assumidas:
(1) Não existe seminário, escola bíblica ou curso que seja respon
sável por desenvolver os presbíteros, diáconos, membros da
diretoria, líderes de departamentos, professores da escola domi
nical ou quaisquer outros líderes de uma igreja local. Estes
recursos até que existem (bem poucos, na verdade), mas a
responsabilidade e a iniciativa de prover todo o treinamento de
que seus líderes precisam são atribuições intransferíveis da própria
igreja local. (2) Até mesmo o treinamento do próprio pastor, em
última análise, é da igreja, desde o processo de reconhecer o
chamado para o ministério, como a escolha do tipo de preparo
que se buscará, até a devida ordenação para o ministério.
Portanto, cabe à igreja mesma o treinamento de seus próprios
líderes. E, num sentido mais específico, ao pastor como seu líder.
O que ocorre geralmente é que nem o próprio pastor foi treinado
para cumprir esse papel de treinar líderes e repartir o serviço. Isso
produz um ministério sobrecarregado, centralizado, úlceras, stress
e enfartes. Além de um indiscutível prejuízo para o ministério da
igreja.
Os chamados leigos por si só não podem reverter este quadro,
visto que a iniciativa de fazê-lo não é deles. Muitas vezes eles não
assumem as responsabilidades de liderança por razões nem sempre
compreendidas, tais como: nunca tiveram a oportunidade de
liderar, nunca foram treinados ou até mesmo temor de concorrên
cia por parte do pastor.
Hoje, mais do que nunca, nós, os pastores, precisamos nos
convencer de que este é um aspecto do nosso ministério do qual
não podemos abrir mão e que precisa ocupar um lugar de
destaque em nossas prioridades.
Em Efésios 4 temos a orientação mais direta e específica sobre
esse assunto. No versículo 8, Paulo nos diz que: “... Deus conce
deu dons aos homens...” No versículo 11, ele diz: “... ele [Deus]
mesmo concedeu uns para...”, e vai alistando funções de liderança
exercidas por homens que ele dá como “dom” para a igreja.
Portanto, líderes são dons de Deus para a igreja. No mesmo texto,
no versículo 12, o Espírito Santo, inspirador do que escreveu o
apóstolo Paulo, diz para que existem os líderes da igreja. A razão
apresentada é tríplice: (1) para o aperfeiçoamento dos santos; (2)
para o desempenho do seu serviço; e (3) para a edificação do
Corpo de Cristo.
Em outras palavras, os líderes principais de uma igreja, sejam
pastores ou não, têm como sua tarefa principal fazer com que
todos os membros da igreja reconheçam seus dons e talentos, e os
desenvolvam através de seu ministério pessoal, em prol da
edificação da igreja como um todo.
Quão distante este quadro está da nossa realidade. Quantos de
nós, e quanto tempo de nosso ministério, estamos pastoreando (se
é que se pode dizer isso!) papéis, problemas, programas ou
projetos. E nos esquecemos de que somos prioritariamente
pastores de pessoas! Lembramo-nos de Atos 20:28 e da nossa '
tremenda responsabilidade de pastorear o rebanho que o Senhor
colocou diante de nós. Que Deus nos ajude a restaurar esta nossa
primeira e santa vocação, pois é dela que daremos contas a Ele,
conforme nos ensina Hebreus 13:17.
Agora, para ser sincero, nós, os pastores, nem sempre somos
tão culpados como parece, visto que nós mesmos não fomos
treinados para esse tipo de ministério. Nunca vimos alguém fazer,
e talvez até nunca nos disseram, que isso era o nosso principal
ministério. Mas na verdade é! E isso não temos como negar.
Graças a Deus, o discipulado e o treinamento de líderes estão
começando a ser matéria em nossos seminários e instituições de
treinamento teológico, e em vários congressos por esse Brasil
afora tem sido assunto de muito estudo e reflexão. Os pastores e
demais líderes que estão se conscientizando desse seu ministério
enfrentam um tremendo dilema entre saber o que devem fazer e
saber fazer o que devem. É justamente para eles que estamos
escrevendo. O que faremos de agora em diante é de uma pers
pectiva totalmente prática.
4; CONCEITO:
A IGREJA PRECISA DESCOBRIR SEU PRÓPRIO
PROCESSO DE TREINAMENTO
Ao chegar em Porto Alegre, em 1980, encontrei uma igreja
com uma liderança experiente, composta de uma diretoria de 17
pessoas, responsável por toda a administração da igreja, incluindo
um corpo diaconal de sete diáconos, responsável pelos assuntos
mais espirituais de disciplina e pastorais. Além disso, por ser uma
igreja de origem alemã, havia a fígura de um “ancião (presbítero)
leigo” que substituía o pastor em sua ausência e representava a
“igreja leiga” diante do pastor.
Em nossa igreja, diferentemente da maioria das igrejas batistas
no Brasil, o pastor não era o presidente da igreja e, sim, um leigo.
Ao pastor caberia dirigir o Corpo Diaconal, participar das
reuniões da diretoria e, naturalmente, exercer o pastoreio do
rebanho.
Pontos Básicos
A nova proposta da chamada “reestruturação” da liderança da
igreja constava dos seguintes itens principais:
1. Criar um grupo (conselho) de anciãos e não continuar com
um só ancião.
2. Atribuir a esse conselho as funções bíblicas de: administrar,
pastorear e ensinar a igreja de Deus. Isto é, todas as funções
espirituais do ministério.
3. Considerar esses irmãos (anciãos/presbíteros) também como
pastores do rebanho, como parceiros do pastoreio, consagrando-os
para esse ministério local.
4. Atribuir à diretoria apenas as funções especificamente admi
nistrativas 6 funcionais.
5. Atribuir aos diáconos as funções de auxiliar os anciãos e de
cuidar das necessidades da igreja, incluindo as questões de caráter
social.
6. Adaptar o Estatuto da Igreja a essas modificações.
51 CONCEITO;
A CHAMADA DE LÍDERES
Vimos quatro conceitos fundamentais: (1) a igreja precisa de
líderes; (2) a igreja precisa de líderes bem preparados; (3) a
própria igreja precisa treinar os seus líderes; e (4) a igreja precisa
descobrir seu próprio processo de treinamento. Mas, em termos
práticos, como é que escolhemos e chamamos alguém — além de
avaliá-lo de acordo com as características de um líder — para
entrar na liderança espiritual da igreja? Quais foram os passos que
Jesus deu? E qual é a relevância desses passos para nós?
CONCLUSÕES
Sintetizando os conceitos apresentados, vimos que cada igreja
deve desenvolver o seu próprio modelo de treinamento, de tal
maneira que produza líderes fiéis e idôneos, conforme os quesitos
da Palavra de Deus, e bem preparados para o exercício de uma
liderança que ajude efetivamente o povo a desenvolver o seu
próprio ministério, para a edificação do Corpo de Cristo e para a
glória de Deus.
Neste ponto gostaria de sugerir que cada pastor ou líder
envolvido com esse projeto procure conhecer e se assessorar de
pessoas ou missões que atuem no treinamento de líderes e/ou que
forneçam material apropriado para o tipo de líder a ser treinado.
O currículo de um líder na área de finanças da igreja será dife
rente daquele para um líder de adolescentes, por exemplo. Hoje
em dia as igrejas têm ao seu alcance muitos recursos especiali-
lizados em quase todas as suas áreas de necessidade. H á missões,
congressos, cursos, livros, apostilas, fitas, vídeos e muito mais à
disposição.
Agora, duas palavras fmais. Devo dizer que nossa igreja con
tinua “normal”, isto é, temos lutado com muitas dificuldades no
decorrer dos anos, como qualquer outra igreja. Só acrescenta
ríamos que a convicção de estarmos agindo conforme o ensino
bíblico tem nos dado força para enfrentar e vencer as mais difíceis
batalhas para a glória do Senhor Jesus, Senhor nosso e de toda a
igreja. E, por último, a minha mais sincera oração é que este livro
e este capítulo contribuam significativamente para que muitas
outras igrejas usufruam das bênçãos do Senhor. Amém e amém!
NOTAS
^Um excelente livro sobre o assunto é O Plano Mestre de Evangelismo,
Robert Coleman, trad. João Marques Bentes (5“ ed., São Paulo: Mundo Cristão,
1984).
^Gene A. Getz, A Medida de um Homem Espiritual, trad. Yolanda M.
Krievin (São Paulo: Literatura Evangélica Internacional, 1977), apresenta
projetos específicos para cada qualificação.
^Há vários projetos no Brasil para desenvolver a liderança na igreja local;
veja os capítulos de Pr. Paulo Solonca nesse volume e Dr. David Komfíeld no
próximo. Outro projeto muito importante é o denominado Biblical Institute of
Leadership Development (BILD), que se propõe a dar aos líderes de uma igreja
local todo o treinamento teológico, prático e espiritual necessário. Informações
a respeito com o Pr. Daniel Fernandez Lima, da Igreja Batista do Morumbi, Rua
Carvalho de Freitas, 1076, Vila Andrade, 05.728-030 São Paulo, SP.
LIVROS SUGERIDOS
Clinton, J. Robert. The Making o f a Leader. Colorado Springs, CO: NavPress,
1988.
Grant, Howard J. O Lider Eficaz. Trad. Oswald Ramos. 2“. ed., São Paulo:
Mundo Cristão, 1991.
Kilinsky, Kenneth K. e Jeny C. Wofford. Organização e Liderança na Igreja
Local. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo: Vida Nova, 1987.
Morley, Patrick M. O Homem de Hoje. Trad. Wanda G. Assumpção. São Paulo:
Mundo Cristão, 1992.
Ortiz, Juan Carlos. O Discípulo. Trad. Mirian Talitha Lins. 6^ ed.. Venda Nova,
MG: Betânia, 1980.
Sanders, J. Oswald. Liderança Espiritual. Trad. Oswald Ramos. São Paulo:
Mundo Cristão, 1991.
141
PEQUENOS GRUPOS,
UMA VELHA NOVIDADE:
Voltando a uma Verdadeira Koinonia Comunitária
Ed René Kivitz*
*Ed René Kivitz é pastor titular da Igreja Batista de Água Branca, professor
da Faculdade Teológica Batista de São Paulo e autor de Nasce uma Igreja — Um
Estudo Panorâmico de 1 Coríntios (São Paulo: SEPAL, 1992) — para ser
utilizado com pequenos grupos; e Koinonia — Manual para Líderes de Pequenos
Grupos (São Paulo: Abba Press, 1994). Para mais informações escreva para: Rua
Apinagés, 1404, apt. 503, 01258-000 São Paulo, SP.
No início, a igreja era uma comunhão de homens e mulheres cen
trada no Cristo Vivo. Então a igreja chegou à Grécia e tornou-se
uma filosofia. Depois, chegou até Roma e tornou-se uma institui
ção. Em seguida, à Europa e tornou-se uma cultura. E, final
mente, chegou à América e tornou-se um empreendimento.^
Penso que não erro o alvo ao afirmar que chegou ao Brasil e
firmou-se como um evento.
Com o passar dos anos, a igreja deixou de ser uma comuni
dade de amor, para tornar-se um lugar onde os íiéis se reúnem.
Deixou de ser o que o cristão é, para tornar-se o lugar onde o
cristão vai. Reunir multidões em grandes auditórios tornou-se o
indicador do ministério bem sucedido. Não tenho a menor dúvida
de que resgatar o “partir o pão em nome de Jesus” {cf. At 2:46)
é um dos maiores desafios da igreja contemporânea.
Em terceiro e último lugar, penso que, mesmo sendo uma
idéia antiga, os pequenos grupos cabem numa discussão sobre
eclesiologia criativa porque, sem ser redundante, hoje precisamos
de muita criatividade para facilitar e desenvolver relacionamentos
num contexto de modernidade e urbanismo. Temos muito a
questionar e até mesmo a reinventar se quisermos ver nosso
rebanho relacionando-se pela via dos pequenos grupos. '
É com muito entusiasmo, portanto, que convido o leitor a
caminhar junto comigo, avaliando as bases bíblicas e teológicas, os
modelos, as possibilidades e as sugestões para um ministério
relevante através de pequenos grupos.
CONCLUSÃO
Em grande parte, a igreja deixou de ser um organismo vivo
e tornou-se um evento e, em alguns casos, um excelente negócio.
Reunir pessoas aos domingos, no templo, para que assistam a
performance do clero durante os cultos, resume o ministério de
muitas igrejas contemporâneas. A igreja deixou de ser o que os
cristãos são, para tornar-se um lugar onde os cristãos vão.
Nesse sentido, pastores e líderes são desafiados a “reinventar
a igreja”. Isso, videntemente, não em sua natureza e missão, mas
em sua expressão histórica. Pessoalmente estou convencido de que
o entrelaçamento da comunidade cristã através de pequenos gru
pos é o único caminho possível para que os cristãos experimentem
hoje o que o Novo Testamento chama de ecclesia. Eu espero em
Deus que as informações e reflexões deste capítulo contribuam
para abrir novos horizontes nesta caminhada de ousadia e
criatividade que deve acompanhar pastores e líderes em todas as
épocas.
NOTAS
'Halverson, citado por Bruce e Marshall Shelley, The Consumer Church
(Downers Grove, IL: InterVarsity, 1992) 109.
^Robert E. Coleman, O Plano Mestre de Evangélisme, trad. João Marques
Bentes (São Paulo: Mundo Cristão, 1969) 19.
’George Bama, O Poder da Visão, trad. João Marques Bentes (São Paulo:
Abba Press, 1993) 140-141.
‘‘Howard Hendricks, Ensinando para Transformar Vidas, trad. Myrian
Talitha Lins (Belo Horizonte: Betânia, 1991) 15.
LIVROS SUGERIDOS
Bolt, Martin E David G. Myers. Interação Humana. Trad. Neyd Siqueira.
São Paulo; Vida Nova, 1989.
Kivitz, Ed René. Koinonia — Manual para Líderes de Pequenos Grupos. São
Paulo: Abba Press, 1994.
Komfield, David. Crescendo na Comunhão. 2 vols. São Paulo: SEPAL, 1994.
McBride, Neal F. How to Lead Small Groups. Colorado Springs, CO: NavPress.
Neighbour, Ralph W. Where Do We Go fron Here? A Guide Book o f the Cell
Group Church. Houston, TX: Touch Publications, 1990.
_____. Manual do Grupo Célula. Trad. Lowell Bailey. Publicação pendente.
Neumann, Mikel. Alcançar a Cidade: A s Células na Evangelização Urbana. Trad.
Célia Louise R. Rocha. São Paulo: Vida Nova, 1993.
Ver Straten, Charles A. How to Start Lay-Shepherding Ministries. Grand Rapids,
MI: Baker, 1983.
151
ESPIRITUALIDADE NA IGREJA MODERNA:
Incentivando a Autenticidade Cristã
A ESPIRITUALIDADE BÍBLICA E
OS CONFLITOS MODERNOS
Os desdobramentos disso tudo para nossa espiritualidade são
enormes. Santo Agostinho afirma, nas suas Confissões, que
conhecer a Deus é também conhecer a nós mesmos, o nosso
coração, uma vez que é lá que Deus habita. Conhecer a Deus e
não conhecer a nós mesmos é uma grande falácia;
Diante de Deus, está sempre a descoberta do abismo da cons
ciência humana; que poderia haver de oculto em mim para Deus,
por mais que eu não quisesse dizer a verdade? Conseguiria
apenas ocultar Deus aos meus olhos, mas não poderia ocultar-me
dos seus.^
O raciocínio parece bastante lógico. Se Deus é a Luz e a
Verdade, como a própria Bíblia afirma, ao revelar-se a nós, Ele
traz também a revelação sobre nós mesmos. Sua luz e verdade
revelam não apenas Seu caráter de amor, mas também toda a
nossa realidade mais íntima e secreta. Afirmar que conheço a
Deus desconheeendo a mim mesmo é um grande eontra-senso,
pois ao revelar-se a mim com todo Seu amor e verdade, Ele
também revela toda a minha verdade. Quanto mais me aproximo
de Deus, mais me aproximo de mim mesmo.
Por outro lado, o apóstolo João declara, em sua primeira
carta pastoral, que é impossível afirmar que amamos a Deus e, ao
mesmo tempo, odiar nosso irmão (1 Jo 4:20). Ele vai mais longe
ainda quando diz que “aquele que não ama não conhece a Deus,
pois Deus é amor” (1 Jo 4:8). A impossibilidade desse fato se dá
porque tanto o amor como o conhecimento são experiências
humanas inseparáveis dentro da perspectiva da espiritualidade
bíblica. O conhecimento de Deus, bem como o Seu amor, são uma
coisa só. Dizer que conheço a Deus e desconheço o Seu amor é
uma grande falácia, porque “Deus é amor”.
Ao afirmar que Deus e amor, a Bíblia define Seu caráter
pessoal e relacional. Conhecer a Deus é compartilhar do Seu amor
e amizade. O amor é sempre uma experiência compartilhada e só
pode existir num ser capaz de se envolver com os outros e dar de
si mesmo por eles em amor. É importante constatar aqui que o
Deus revelado nas Escrituras é Pai, Filho e Espírito Santo, e essa
triunidade de pessoas constitui o fundamento de toda a nossa
espiritualidade. O Deus bíblico é, essencialmente, um Deus
relacional. A interdependência que há entre as três pessoas da
Santíssima Trindade define Sua natureza e identidade. Diferente
mente das outras religiões monoteístas unitárias, como o isla-
mismo ou o judaísmo, onde existe apenas a solidão do Uno, que
não tem nenhum outro em igual dignidade com quem possa
compartilhar o amor, o cristianismo é um monoteísmo trinitário
onde a comunhão e o amor que nutrem as três pessoas da
Trindade são tão intensos e completos que não vemos três, mas
.um. r o i com essa natureza relacional que Deus nos criou, e nossa
espiritualidade é, antes de tudo, o caminho do nosso encontro
com Deus, nosso próximo e conosco mesrnp. Ao criar o homem
conforme a Sua imagem e semelhança, Ele o criou com uma
natureza que só se realizaria numa íntima comunhão e amizade
com o Criador e o próximo.
Vemos aqui que a espiritualidade cristã não é, como muitos
assumem, ativista, operária, medida quase sempre pelo nosso
compromisso e responsabilidade com a atividades religiosas. Ela
também não é avaliada pelo nível do nosso conhecimento
doutrinário ou teológico, muito menos pelas nossas experiências
religiosas, sejam elas de que natureza forem. Ela é, antes de tudo,
afetiva. O mandamento que nos convida a amar a Deus, ao
próximo e a nós mesmo é um convite para um relacionamento
pessoal e afetivo. É neste encontro entre pessoas, neste comparti
lhar de amor, neste dar e receber, que nós nos afirmamos como
cristãos,_como amigos de Deus. Embora tudo isto exija de nós
conhecimento e proporcione experiências, nossa espiritualidade
não é determinada, a priori, por elas.
^ Infelizmente, encontramos hoje no mundo protestante dois
modelos de espiritualidade. Um é cognitivo, centralizado no
conhecimento, onde o domínio das doutrinas e dos credos
confessionais determina o meu relacionamento com Deus. O
segundo é experimental, voltado para as experiências religiosas
como um fim em si mesmas. A vivência dessas experiências é
fundamental para nossa r e l a t o com Deus. A limitação de ambos
pode ser notada na palavra de julgamento de Jesus Cristo à igreja
de Éfeso, em Apocalipse 2:1-7^Ali, o que está em jogo não é a
fidelidade da igreja, nem mesmo seu compromisso com a sã
doutrina. O que percebemos a partir do relato bíblico é que se
trata de uma igreja operante — “conheço as tuas obras, assim
como o teu labor”; fiel e corajosa — “conheço... tua perseverança,
e que não podes suportar homens maus... suportastes provas por
causa do meu nome”; zelosa da verdade e da sã doutrina —
“...que puseste à prova os que a si mesmos se declaram apóstolos
e não são... ” No entanto, há uma palavra de julgamento para esta
igreja: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o teu primeiro
amor”. O problema desta igreja não é teológico, nem doutrinário,
muito menos religioso (experiência religiosa); é, mais precisamen
te, um problema a/eíívo, uma crise espiritual. O que faltava àquela
igreja não era mais educação, vocação ou experiência, mas amor,
sentimento que define a natureza espiritual e relacional da igreja,
e O que a identifica com o seu Senhor. Deus não é uma idéia ou
conceito para ser conhecido, nem uma fonte de energia ou poder
para ser experimentado, mas pessoa para ser amada e adorada.
Jonathan Edwards, conhecido pregador puritano do século
XVIII, em meio ao grande avivamento na América do Norte
ocorrido em meados daquele século, escreveu um famoso tratado
que se tornou um dos clássicos da espiritualidade cristã. Neste seu
tratado — ReligiousAffections (“Afetos Religiosos”) — ele afirma
a centralidade dos afetos no verdadeiro avivamento da igreja.
Segundo ele, a natureza do avivamento bíblico não é
necessariamente racional nem emocional, mas afetiva. Isso não
significa que devemos negar a razão ou sufocar nossas emoções,
mas integrá-las aos nossos afetos. Em qualquer relacionamento
humano podemos conhecer (cognitivamente) o outro e até mesmo
termos muitas experiências juntos, o que não significa que nos
conhecemos e relacionamos pessoalmente. Quando afirmamos que
a crise da igreja é relacional, estamos, na verdade, afirmando que
sua crise é espiritual. A grande limitação dos cristãos hoje não
está no campo do conhecimento nem da experiência, mas do -
amor, da amizade, do encontro pessoal não utilitário com o outro.
Ao revelar-se como um Deus pessoal e trinitário (comunhão de
três), o que se espera dos Seus filhos é que estes encontrem o
caminho da comunhão íntima, pessoal e relacional. ’
— As dificuldades que envolvem nossa espiritualidade hoje têm
basicamente duas fontes. A primeira vem de dentro, de nós
mesmos. Muitos de nós ainda não tivemos em nossa vida uma
experiência real de artior, amizade e aceitação. Aprendemos desde
muito cedo a represeptai7 a enganar, a nos esconder da verdade
buscando através da mentira caminhos de aceitação, de amor e de
afeto. Somos iludidos e nos iludimos a todo o momento. Cada um
carrega consigo, nos compartimentos secretos da alma, sua história
verdadeira, suas frustações, medos e trauma^. De uma forma ou
de outra, todas essas experiências"e marcas do passsado estarão
presentes na nossa relação com Deus e com o próximo. Para
ilustrar, bastaria lembrar a dificuldade que toda pessoa que foi
abusada e maltratada pelo pai na infância tem em receber a Deus
como um verdadeiro Pai. Nossa infância não é apenas uma
recordação do passado, mas uma realidade presente que deter
mina nosso futuro.
A segunda dificuldade que envolve nossa espiritualidade vem
de/ora, do meio em que vivemos. Nossa sociedade é individualis
ta, competitiva e conseqüentemente impessoal. Nossas relações
humanas são superficiais e descartáveis. Para sobreviver num
contexto assim, temos de construir fortalezas e montar n o s ^
defesas. Desde muito cedo somos comparados com o u tm ^
julgados e condenados. A sobrevivência num mundo comoNá|fe O
requer muito “jogo de cintura”, muita máscara, muito
não revelar quem realmente s^m av Ao nos revetenwos-^íomo
somos, nos tornamos frágeis, depender\tçs,,/^;6^\^sW não é
recomendável nunij]iunda_xxyn£etitiyc^ o mundo^
I moderno, com seu cientificismo e t á n m o ^ “aWnçada, não
permite que se aceite aquilo que não tiaí^^^peÍo~^^ da ciência
ou da lógica ou, pior ainda^--dar^ím icia^e e da revelância
imediata. Não podemos per^^item peí. Precisamos de respostas
rápidas e soluções im e d i^ ã i^ ^ ra nossos dilemas. Construir
amizades e relações nã(f@ wtárias e interesseiras num contexto
desse tipo é pura p^'^@ÍÉ?tempo.
' Todo ^ e y ® i ^ t ó interior e exterior estão presentes na
nossa esp iritáM ^d e moderna. Na verdade, não podemos fugir
desses à M ^ ^ o r q u e eles determinam o modelo dos nossos
relad(M@)TOHfos, inclusive o espiritual. É certo que nosso encontro
o primeiro passo rumo a um processo de revisão da
aceitação de quem somos por ^ u e l e que é o único que
conhece e ama incondicionalmente. Mas, não podemos negar
o laio ue que essas realiuaues luieriores e exiciiulcs cuuiuiuauí
presentes e determinam nossas experiências e relacionamentos. ^
Diante desses fatos, quais seriam os caminhos para uma
espiritualidade mais relacional, humana, pessoal e transformadora?
Como poderíamos encontrar caminhos que nos estimulem a uma
relação mais intensa, pessoal e íntima com nossos irmãos e irmãs,
fazendo com que a igreja seja de fato igreja, família que goza de
amizade e que vive numa relação de profunda interdependência
e amor à semelhança do Deus Triúno que nos criou?
Gostaria de sugerir três caminhos que com certeza são bem
conhecidos, mas que por algumas razões perderam seu poder
transformador na nossa experiência cristã. Esses caminhos
obviamente não esgotam nossas opções nem devem ser vistos
como fórmulas ou receitas, mas sim como princípios a serem refle
tidos e desenvolvidos a partir do contexto e realidade de cada um
de nós.
CONFISSÃO
Tenho observado nas minhas andanças por igrejas e congres
sos que a prática da confissão, pelo menos na experiência pública,
tem sofrido uma enorme perda de significado. Imagino que na
experiência pessoal não seja muito diferente.
No culto da maioria das igrejas evangélicas, a liturgia tem
sido comprometida pelo individualismo antropocêntrico e uma
forte tendência narcisista. A preocupação pelo estético (a forma
é mais importante do que o conteúdo), o sentir-se bem (a centra
lização do homem e suas emoções), tem substituído sistemati
camente elementos litúrgicos como a confissão, ou mesmo a
leitura da Palavra de Deus, Não podemos ter uma liturgia que só
aponta para coisas positivas, como ações de graças, testemunhos
de vitórias e cânticos triunfalistas. Alguns salmos não iniciam com
expressões de gratidão ou vitórias, mas com lamentos e confissão.
Louvor e gratidão muitas vezes só aparecem depois de termos
apresentado toda a verdade em confissão perante Deus. “Gratidão
e confissão são como a expiração e inspiração na respiração.
Pertencem um ao outro”, afirma Dr. Paul Stevens.^ Esses dois
lados da moeda são absolutamente imprescindíveis no ato do
culto. Através da confissão conheço a mim mesmo, e através da
gratidão e louvor conheço a Deus e Seu amor. Um sem o outro
promove o egoísmo, a indiferença e o individualismo. Blaise
Pascal, famoso matemáfico e filósofo cristão do século XVII,
percebeu claramente este risco nos seus pensamentos: “O homem
que conhece a Deus, mas não conhece sua própria miséria, torna-
se orgulhoso. O homem que eonheee sua própria miséria, mas não
conhece a Deus, termina em desespero”.’ O culto cristão
preocupa-se com esses dois aspectos do coração humano:
autenticidade e adoração. Só alcançaremos a autenticidade quando
permitirmos que resida em nós o amor do Deus que nos conhece
e sabe quem somos.
. As liturgias modernas, como o mundo moderno, optaram
pela estética do culto como forma de provocar os estímulos
necessários à presença e participação do povo nas celebrações
cristãs. Nosso cultos vão-se transformando em verdadeiros
espetáculos pirotécnicos. O “louvor”, com seus cânticos cujas
letras quase que só evocam a^s vitórias e vantagens da fé, com
raras exceções não nos convidam a olhar para dentro e reconhecer
quem somos. O ato de nos voltar para dentro, examinar-nos a nós
mesmos, reconhecer nosso limites, assumir nossa fmitude, enfim,
ver-nos a nós mesmos como pecadores que somos, é uma proposta
litúrgica que se encontra em baixa. Preferimos assumir que somos
“filhos do. R ei”, “o melhor de Deus”, que temos direitos conquis
tados e que nossa única responsabilidade é “tomar posse” do que
já é nosso.
A confissão, tanto particular como pública, é um caminho
que nos leva ao encontro com Deus e conosco mesmos. Parece-me
que, biblicamente, não há outro meio que nos leve a esse encon
tro. Qonfessar é apresentar-me tal corno sou diante de Deus e dos
homens. É arrancar os véus e máscaras que fizeram de mim aquilo
que não sou. É assumir minha verdadeira humanidade. É negar
toda a falsidade e ilusão que o pecado cria em nós.
^Ao reduzir o conceito bíblico de pecado, reduzimos também
o poder transformador da confissão. Para muitos de nós, a
confissão é um momento onde simplesmente apresentamos diante
de Deus nossos atos, palavras e pensamentos que ofenderam Sua
vontade e santidade. No entanto, ao reconhecer apenas nossos
atos, negamos a verdade sobre o nosso caráter. Na confissão, o
que está em jogo não é apenas o que fizemos ou deixamos de
fazer, mas quem somos. Por exemplo, glutonaria, idolatria,
malediscência e impureza não são atos isolados que praticamos em
determinados momentos de fraqueza; na verdade, são atitudes que
revelam nosso caráter, aquilo que somos. No ato da confissão,
devemos assumir que somos glutões, idólatras, fofoqueiros,
impuros, que essa é a nossa natureza q u e^recisa ser tra n ^
formada.
Gostaria de sugerir três momentos em que devemos desen
volver a prática da confissão. O primeiro é a confissão pessoal,
feita em secreto diante de Deus. O segundo é a confissão feita a
um amigo(a), e o terceiro é a confissão pública, aquela que
fazemos na igreja ou grupo de oração.
Confissão Pessoal
A confissão pessoal ou particular, aquela que fazemos no
secreto do nosso quarto, tem grande poder transformador. O
apóstolo Paulo afirma; “Onde está o Espírito do Senhor aí há
liberdade. E todos nós com o rosto desvendado, contemplando,
como por espelho, a glória do Senhor, como transformados de
glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o
Espírito” (2 Co 3:17, 18). Para o apóstolo, a confisssão é um
desvendar do rosto diante de Deus para ^rm o s transformados.
Isto se dá porque onde o Espírito do Senhor habita há a liberdade
para esse ato de desnudamento. A liberdade ã qual o apóstolo se
refere é a liberdade da autenticidade.
Para isso, é preciso reservar um bom tempo, num lugar
silen^cioso, e voltar os olhos para dentro, olhar nossa face por
~3efrás dos véus e máscaras e dizer para o nosso Pai quem somos.
Precisamos desnudar-nos diante dele, do único que nos conhece
como somos. O apóstolo nos diz que, uma vez tendo o rosto
desvendado diante de Deus, contemplando Sua glória, somos
transformados. Talvez a razão pela qual vivemos hoje em meio a
um grande despertar da igreja, sem perceber grandes transforma
ções no caráter, seja porque não tem havido confissão sincera e
autêntica dos cristãos diante de Deus.
Á confissão pessoal, contudo, traz sempre o risco de ser
incompleta, porque nosso coração nos ^ngana. Como posso
confiar no exame da minha própria consciência? É certo que o
Espírito Santo nos ajuda no ato da confissão, mas não devo me
iludir em relação a mim mesmo. O coração humano é corrupto e
enganoso e, para evitar que ele me engane, devo usar de mais um
recurso recomendado pela Bíblia, que é a confissão a um ami-
go(a).
Confissão a um Amigo (a)
Tiago nos exorta a confessar nossas faltas uns aos outros
para sermos curados. Nossa tendência tem sido confessar nossos
pecados secretamente a Deus e escondê-los dos outros. No
entanto, ao revelar-me ao outro como sou, com todas as minha
fraquezas, pecados e fracassos, sou curado da minha falsidade e
hipocrisia. Talvez seja por isto que Tiago nos diz que devemos
confessar nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos outros
para sermos curados. É bom notar que ele não diz que é para
sermos perdoados, porque o perdão é um dom da graça divina,
mas curados. Torno-me capaz de amar e ser amado, porque
ninguém ama aquilo que não existe ou é falso. Muitos cristãos não
têm experimentado uma v e rd a d e ira l^ ç ã o de amizade e amor
porque mantêm ainda as máscaras da falsidade. A verdadeira
comunhão na igreja nasce des^e encontro com a verdade. ^
Os riscos dessa atitude são sempre enormes, mas não temos
outra alternativa. Ou ficamos com nossas máscaras e véus,
iludindo-nos e enganando aos outros, sem que nunca saibamos se
as pessoas amam nossas fantasias ou a nós mesmos, ou arranca
mos tudo no ato da confissão e experimentamos a verdadeira
amizade e aceitação — a mesma que gozamos ao sermos aceitos
e amados, tal com somos pelo nosso Pai Celeste.
Confissão Pública
A prática da confissão pública serve para que a igreja se
lembre sempre de que é uma comunidade de pecadores. É uma
prática que deve ser resgatada, principalmente no momento em
que, tanto a igreja como o país, vivem uma onda de sucessivos
escândalos que mostram a face oculta de todos nós. Somos uma
comunidade de pecadores buscando reconciliação com Deus e o
próximo. A não aceitação desse fato tem levado muitos cristãos a
uma verdadeira migração eclesiástica, buscando uma igreja que
não^eia tão peca ^ r a como aquela de onde ele veio. Por outro
lado, encontramos também pastores e líderes procurando criar
super-igrejas, com programas e liturgias que nos fazem sentir
muito melhor do que realmente somos. Reconhecer quem somos
como cidadãos deste país, líderes da igreja, crentes em Jesus
Cristo, só vai contribuir para que experimentemos a mais profunda
e rica transformação do nosso caráter.
A confissão pública também resgata o sentido de corpo da
comunidade cristã. Q pecado ju e praticamos não é só pessoal.
individual, mas também comunitário e nacional. Na igreja não são
os outros que pecam, nós pecamos como igreja. Corpo de Cristo.
A confissão pública nos torna rnais irmãos, mais dependentes da
graça de Deus, e cria um sentido mais profundo de família, de ser
igreja. Não estou aqui me referindo à prática de cristãos
confessarem aos seus pecados publicamente perante toda a igreja,
embora creia que haja lugar para isto, mas de a própria igreja,
enquanto comunidade da fé, apresentar-se perante Deus em
arrependimento e confissão. Não são os artifícios que criamos que
nos tornam mais irmãos, mas é a confissão de quem somos que
cria os laços de comunhão e fraternidade.
A confissão é uma prática espiritual que precisa ser redeseo-
berta pela igreja contemporânea, porque somente através dela
encontramos o caminho para um relacionamento sadio, pessoal e
humano.
PAI ESPIRITUAL
Recentemente, estava conversando com alguns amigos da
minha igreja sobre a importância de termos alguém a quem
prestar conta da nossa vida, e particularmente do nosso mundo
espiritual. Deparei-me com o fato de que sou uma pessoa inde
pendente, autônoma e, conseqüentemente, vulnerável. Percebi que
não tenho ninguém que eu reconheça como um “pai” ou supervi
sor espiritual.
São vários os termos que, ao longo da história, a igreja tem
utilizado para descrever esse importante ministério na vida dos
cristãos. Para evitar confusão, pretendo usar aqui a expressão “pai
espiritual”, por ser, na minha opinião, a que mais se ajusta ao que
queremos demonstrar.
O pai espiritual é alguém que reconhecemos por sua
sabedoria e temor a Deus, e a quem nos submetemos para expor
nossa alma e coração. Não se trata, necessariamente de um
confessor, mas de um pai no sentido mais literal da palavra.
Alguém que nos ajudará a nos conhecer em nossa relação com
Deus e o próximo.
Sabemos que todo psicólogo tem um supervisor a quem ele
se submete terapeuticamente para conhecer seus limites, sua
vulnerabilidade e suas próprias crises, a fim de não transferi-las
aos pacientes. Mas a maioria de nós, pastores, líderes, conselhei
ros, não tem ninguém que nos supervisione. Convivemos
permanentemente com pessoas e seus conflitos espirituais e
emocionais, sem perceber nossas próprias angústias. Acabamos
por transferir nossos traumas por não conhecê-los.
A supervisão espiritual é também uma prática que tem
perdido o seu significado e lugar entre nós, ao optarmos pelo
individualismo como forma de sobrevivência no mundo moderno.
Não se trata de um programa de discipulado, de um mestre ou
orientador, nem da transferência de conhecimento, mas de
encontrar alguém que caminhe conosco e nos ajude a encontrar
nosso próprio caminho. O pai espiritual não é aquele que vai nos
apresentar as receitas e soluções infalíveis para nossos dilemas e
crises, nem será juiz buscando falhas e pecados a serem julgados.
Muito menos um patrulheiro, procurando controlar nossa vida e
definir nosso destino. Mas esse pai será um amigo que nos ajudará
a conhecer melhor a nós mesmos, e o lugar que Deus ocupa na
nossa vida.
Para os líderes, os próprios pais espirituais da igreja, a
necessidade que todos nós temos de abrir o coração e torná-lo
conhecido a alguém é da mais absoluta importância na formação
do caráter e da espiritualidade cristã. Aqui, não se trata apenas de
confessar os pecados, que já tratamos anteriormente, mas de
tornar conhecidos nossos pensamentos. O que o pai espiritual
precisa saber — e o filho espiritual precisa revelar — são os
movimento do coração que nascem da mente. Quando os impulsos
do coração alcançam nossa vontade e determinam nossos desejos,
pode ser muito tarde para evitar o pecado. A atividade do pai
espiritual precede a do confessor.
O texto bíblico que nos ajuda a entender esse ministério
encontra-se em Tiago 1:12-15. Aqui, Tiago nos diz que a tentação
nasce da nossa própria cobiça que é gerada no coração. Abrir o
coração para alguém é permitir que esses pensamentos se tornem
conhecidos, de preferência muito antes de se tornarem uma
cobiça. O pai espiritual não é, portanto, um discipulador ou
mestre, na forma como temos conhecido, mas, antes, um amigo de
caminhada, um bom ouvinte, alguém que não está ali para nos
julgar, mas para nos ajudar a conhecer nosso próprio coração.
Trata-se de um relacionamento humano e espiritual profun
do, que penetra o coração e os sentimentos mais secretos. Devo
confessar que não é caminho simples nem fácil. Eu mesmo tenho
encontrado uma enorme resistência a este tipo de relacionamento,
mas estou convencido da sua importância e fundamentação
bíblica. Talvez, a maior dificuldade que encontramos sejam os
constantes abusos que têm sido praticados em nome da religião.
Nada tem sido mais abusado do que a confiança e a autoridade no
mundo religioso, particularmente no meio evangélico. No entanto,
não é por se tratar de um passo de grande risco que vamos negá-
lo, mas sim, resgatá-lo para o bem e a saúde espiritual da igreja.
Como disse, não se trata de nenhuma fórmula, mas de um
caminho com todos os riscos que um relacionamento desse tipo
provoca. Talvez um primeiro passo nessa direção seja aprender a
falar de nós mesmos a um amigo ou grupo de amigos. Às vezes,
um grupo de oração é um bom começo. Em vez de apresentar os
pedidos de oração como normalmente fazemos, por que não falar
de nós, do nosso mundo interior, da nossa história? No princípio,
encontraremos muitas dificuldades. Ficaremos embaraçados,
constrangidos. Logo, porém, iremos descobrir que trata-se da
experiência mais rica e singular que alguém pode ter.
Ao criarmos a coragem para falar de nós mesmos, dos nossos
pensamentos mais secretos, nós nos abrimos para amizades mais
pessoais e íntimas. Estaremos mais dispostos a eneontrar nosso
“pai” ou “mãe” espiritual, teremos mais interesse em buscar ajuda
para penetrar no misterioso mundo do nosso coração. O grande
benefício espiritual dessa experiência é a descoberta de Deus
como Pai na mesma dimensão em que Jesus se relacionava com
Ele.
LEITURA DEVOCIONAL
Outra prática espiritual também importante na nossa relação
pessoal e comunitária com Deus é a leitura bíblica. Obviamente,
não me refiro aqui à leitura que fazemos quando procuramos
investigar o texto bíblico ou àquela em que buscamos respostas
mais imediatas para os conflitos diários, nem mesmo à leitura de
onde saem os sermões e estudos bíblicos. Pelo contrário, a leitura
devocional nunca deve ser usada para algum propósito utilitário
ou pragmático.
A leitura devocional é uma forma disciplinada de devoção,
não um método de estudo bíblico. É feita pura e simplesmente
para conhecer a Deus, colocar-se diante da Sua Palavra e ouvi-lo.
Essa atitude de silêncio, reverência, meditação e contemplação
define a postura de quem deseja aproximar-se da Palavra de Deus.
Um exemplo dessa postura é Maria, irmã de Marta, que
“quedava-se assentada aos pés do Senhor a ouvir-lhe os ensina
mentos... enquanto sua irmã agitava-se de um lado para o outro,
ocupada em muitos serviços” (Lc 10:39, 40). Há muitos outros
exemplos bíblicos de devoção, mostrando pessoas que
simplesmente se punham diante do Senhor sem esboçar um única
palavra, sem apresentar um único pedido, apenas ouvindo,
meditando e contemplando.
São quatro os estágios por que passamos ao nos dedicarmos
à leitura devocional: leitura, meditação, oração e contemplação.
Cada um nos conduz inevitavelmente ao outro. A leitura, quando
feita repetidamente e com reverência, conduz à reflexão que
muitas vezes vem acompanhada de uma visualização da cena
bíblica. Por exemplo, podemos tomar o conhecido Salmo 23 e
deixar que por algum momento nossa mente crie uma imagem do
pasto verdejante e tranqüilo para onde o pastor leva suas ovelhas.
Essa atitude de permitir que o texto nos eonduza imaginativa
mente é o que os antigos ehamavam de meditação. Se nos encon
tramos tensos, apressados, buscando alguma resposta urgente, se
a leitura devocional é algo que precisa ser feito, perdemos o
significado da devoção que nos leva à meditação. Imagino a
postura de Maria, mãe de Jesus, ao ouvir as palavras dos pastores
sobre o que viram e ouviram acerca do Messias, Diz o texto que
ela “guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (Lc
2:19). Penso que Maria ficava ali quieta, procurando discernir e
imaginar os caminhos do seu filho e a profundidade dos mistérios
divinos.
A meditação no Salmo 23 (ou qualquer outro texto) produ
zirá um desejo de falar com o Pastor, de conversar com Deus.
Nosso coração e mente irão se mover em direção ao Senhor que
é o Bom Pastor, e esse movimento do coração em direção a Deus
é o começo da oração. A contemplação é o ponto alto da experi
ência de oração, é a profunda comunhão com Deus que nos
envolve completamente e transforma nossa vida.
Para começar, reserve trinta minutos a cada dia. Encontre
um lugar calmo e recolha-se para a leitura. Deixe de lado sua
percepção crítica, acadêmica, analítica, e coloque-se numa atitude
de expectativa. Essa é uma postura que, normalmente, as pessoas
pragmáticas chamariam de “perda de tempo”, porque não traz
consigo nenhuma proposta objetiva. A leitura devocional é uma
forma de absoluta submissão, de deixar acontecer. Deus nos
conduzirá e definirá Sua própria agenda. Nunca teremos certeza
do ponto onde a prática da leitura nos conduzirá. De certa forma,
nós entregamos toda a necessidade de controle sobre o texto e
permitimos que Deus nos conduza livremente para o encontro
com Ele.
Todo relacionamento pessoal requer tempo, esforço e
atenção. A prática diária da leitura devocional estabelece um
padrão que se transforma na base para um relacionamento sério
e profundo com Deus. Talvez por exigir tempo e uma abordagem
não direcionada, objetiva e com resultados concretos, a leitura
devocional não tenha grande aceitação no mundo moderno
caracaterizado pela sua praticidade, racionalidade, superficiali
dade, impessoalidade e urgência.
A leitura devocional pode também ser praticada publicamen
te. Na verdade, as pessoas aprendem melhor quando podem ver
do que quando apenas ouvem ou lêem. O grupo pode ser o da
escola dominical, um grupo familiar ou mesmo o culto público
numa igreja não muito grande. Convide as pessoas a fecharem os
olhos para que, por alguns instantes, silenciosamente, invoquem
a presença e o auxílio do Espírito Santo. Porém, é necessário que
antes mesmo da invocação da presença do Espírito Santo elas
invoquem sua própria presença. É muito comum chegar aos
encontros e reuniões com nosso espírito ainda muito agitado,
inquieto e distante. Após um breve momento de silêncio e
quietude, alguém começa a 1er e a repetir o texto bíblico calma e
pausadamente, num tom sereno e tranqüilo, dando sempre uma
pausa entre uma frase e outra, levando o grupo a meditar e orar.
Um texto que tenho usado com grande freqüência é aquele do
cego Bartimeu, que ouve a pergunta surpreendente de Jesus; “Que
queres que eu te faça?” (Lc 18;35-43). Normalmente, o grupo
termina com uma oração respondendo pessoalmente a esta
pergunta de Jesus.
É importante lembrar que, tanto na prática pessoal como em
grupo, cada pessoa deve penetrar na narração como se fosse um
personagem daquele relato. No caso do cego Bartimeu, como se
fosse o próprio cego ou um dos discípulos de Jesus, ou mesmo um
transeunte qualquer. É um exercício que requer um pouco mais
de imaginação. Por isso, devemos deixar de lado nosso academicis-
mo racional para um abordagem mais afetiva e pessoal.
A prática desse exercício espiritual trará também grande
influência nas nossas relações interpessoais, pois nos ajudará a
ouvir melhor os outros, deixando que eles mesmo se revelem a nós
e evitando a precipitação dos nossos juízos preconceituosos.
CONCLUSÃO
As propostas devocionais apresentadas aqui não trazem nada
de novo. No entanto, diante da crise espiritual que vivemos, julgo
necessário resgatá-las para que nos ajudem a reencontrar aquilo
que é mais elementar na experiência espiritual — o relaciona
mento pessoal e afetivo com Deus.
Doutrinariamente, afirmamos que o Deus bíblico é pessoal,
mas na prática devocional de cada um de nós nem sempre é assim.
Nossas relações são confusas, utilitárias, e temos muita dificuldade
para mostrar quem realmente somos. É somente nesse encontro
com Deus que começo a ver-me como realmente sou, e sentir-me
amado por quem verdadeiramente me conhece.
As práticas devocionais aqui apresentadas têm a finalidade
de nos ajudar nesse encontro com Deus e conosco mesmos. Tenho
procurado experimentá-las tanto pessoalmente como comunitaria-
mente, e devo confessar que é uma experiência de enorme poder
transformador e libertador, tanto para a igreja ou grupo quanto
para o indivíduo. No entanto, como já disse e repeti, a espirituali
dade cristã não é o resultado da aplicação de fórmulas ou receitas
pragmáticas, nem de modelos vividos e experimentados por outros,
mas do nosso encontro pessoal com Deus, onde a história e
pessoalidade de cada um terá de ser colocada diante daquele que
nos ama e nos conhece como de fato somos.
NOTAS
^Agostinho de H ipona,^^ Confissões (São Paulo: Quadrante, 1989) 177.
^Paul R. Stevens, Disciplines o f the Hungry Heart — Christian Living Seven
Days a Week (Wheaton, IL: Harold Shaw) 131.
’Pascal citado em ibid., 132.
LIVROS SUGERIDOS
Agostinho de Hipona. A s Confissões. São Paulo: Quadrante, 1989.
Bonhoeffer, Dietrich. Vida em Comunhão. T . ed., São Leopoldo, RS: Sinodal,
1986.
Edwards, Jonathan. A Genuína Experiência Espiritual. Versão reduzida de “A
Treatise Concerning Religious Affections”. São Paulo: Publicações
Evangélicas Selecionadas, 1983.
______. A Verdadeira Obra do Espírito: Sinais da Autenticidade. Trad. Valéria
Fontana. São Paulo: Vida Nova, 1992.
Foster, Richard. Celebração da Disciplina — O Caminho do Crescimento
Espiritual Miami: Vida, 1983.
Meyendorff, John, et al, eds. Christian Spirituality. 3 vols. Nova Iorque: Cross-
road/Londres: SCM Press, 1983-1989.
Schaeffer, Francis A. Verdadeira Espiritualidade, trad, não nomeado 2". ed. São
Paulo: Fiel, 1984.
Stevens, Paul R. Disciplinas para um Coração Faminto. São Paulo: Abba Press,
1993.
Wakefield, Gordon S., ed. The Westminster Dictionary o f Christian Spirituality.
Filadélfia: Westminster e Londres: SCM Press, 1983.
/6/
OS DONS ESPIRITUAIS:
Despertando o Potencial Divino da Igreja Local
O MODELO NEOTESTAMENTÁRIO
A Igreja Local
O Novo Testamento destaca as igrejas, e não a Igreja, com
modelo definitivo de expansão do Reino de Deus entre os homens
(Cl 4:15; Rm 16:3-5). Hoje, ao contrário da Bíblia, assistimos a
popularização do compromisso do indivíduo com um reino
invisível e desencarnado, criando uma eclesiologia docética, ou
seja, que implicitamente nega que Cristo tenha assumido a forma
e as condições humanas. Essa perspectiva vê a igreja local como
uma instituição descartável, optativa e alienante, negando-lhe a
natureza terrestre e concreta do Cotpo de Cristo. Assim, tal
conceito cria um í/e^compromisso dos crentes para com a sua
comunidade local. O Novo Testamento leva-nos à conclusão de
que a Igreja de Jesus Cristo encontra na comunidade local a sua
forma mais concreta de expressão. É nela que o Reino de Deus
torna-se visível através do ensino, da proclamação, da comunhão
e do serviço, antecipando aos olhos do mundo a realidade do
governo de Deus sobre os homens.
O exercício dos dons espirituais na igreja local passa pe
compreensão da própria natureza e do propósito da igreja como
projeto de Deus para o indivíduo. A palavra igreja, definida
biblicamente, é um ajuntamento de pessoas crentes em Jesus
Cristo, regeneradas pelo poder do Espírito Santo e batizadas em
água com o propósito maior de promover a edificação dos seus
membros, através do serviço mútuo, a fim de que o Reino de
Deus se torne conhecido de todos os homens. A igreja local não
pode ser vista como uma simples boca que proclama boas novas,
nem tampouco como mãos que entregam os recados de Deus aos
homens. Ela é o Corpo de Cristo presente na história, a própria
mensagem viva, onde o amor de Deus se concretiza no ensino, na
comunhão, no serviço, na adoração e na prática da mutualidade.
Os Dons Espirituais
Os dons espirituais (carismata) são eapacitações do Espírito
Santo dadas a cada membro do Corpo, segundo a justa distribui
ção do Espírito, para a edificação da igreja. No Novo Testamento,
a igreja local é o contexto ideal e o objetivo imediato para o
exercício dos dons espirituais, os quais se tornam manifestações
visíveis da graça de Deus e se concretizam na prática da mutua
lidade. É o que constatamos no exame dos textos que tratam dos
dons espirituais:
Atos 2. O derramamento do Espírito Santo aconteceu como
cumprimento profético num contexto de oração. O Espírito Santo
encheu uma congregação de 120 pessoas, trazendo capacitação
para levar o testemunho de Jesus até os confins da terra, redun
dando no estabelecimento de igrejas locais.
Romanos 12:6-8. A descrição dos dons espirituais encontra-se
num contexto de coletividade, depois de exortações para que se
pratiquem a moderação e a mutualidade.
1 Coríntios 12-14 (esp. 12:8-10, 28). Mesmo descrevendo em
parte os dons mais espetaculares, Paulo não ignora o contexto
comunitário, onde o batismo, a disciplina, a celebração da ceia, o
discernimento, a ordem no culto e a submissão à autoridade dão
significado e estrutura ao exercício dos dons espirituais.
Efésios 4:7-12. Os homens dados como dons à igreja equipam
os santos para que estes exerçam os ministérios que promovem a
edificação e o crescimento sadio da igreja local.
1 Pedro 4:10-11. O serviço cristão é o resultado prático do
exercício dos dons espirituais dados por Deus e exercidos no
contexto de mutualidade.
A palavra carisma, “dom”, recebe do apóstolo Paulo um
significado peculiar. Genericamente, define os atos redentores de
Deus a favor dos homens, tais como a vida eterna (Rm 6:23), os
privilégios dados a Israel (Rm 11:29), o próprio Messias (2 Co
9:15) e a fé (Ef 2:8), os quais se tornam alicerces para o exercício
das demais dádivas {carismata) de Deus. Estas se encontram
voltadas especificamente para o desenvolvimento da vida comuni
tária. Paulo, mesmo sendo um apóstolo itinerante, relaciona o
exercício do seu dom espiritual com a comunidade local e visível:
“Porque muito desejo ver-vos, a fím de repartir convosco algum
dom espiritual” (Rm 1:11). Em outra situação, o apóstolo reco
nhece a suficiência da graça de Deus, afirmando que a comuni
dade em Corinto está suprida dos dons necessários para a sua
própria edificação (1 Co 1:7).
Os dons espirituais têm características peculiares que podem
ser assim descritas:
1. São dádivas do Deus Pai e do Filho, intermediadas e
ministradas pelo Espírito Santo (1 Co 12:6,28; Rm 12:3, 6; E f 4:7,
8, 11).
2. Possuem caráter dinâmico e social (para serviço, diakonia;
1 Co 12:4-6).
3. Alguns dons iniciam, enquanto outros mantêm funções da
igreja local (A t 1:8; Ef 4: l l ; 1 Co 1:7; 3:5, 6; 13:10).
4. O caráter infinito do “Doador” garante uma infinidade de
aplicações dos dons espirituais (1 Co 12:6; Ef 1:17-23).
5. Cada indivíduo tem, pelo menos, um dom (1 Co 12:7, 11;
Rm 12:3; Ef 4:7).
6. Um único dom não é dado a todos indistintamente (1 Co
12:29-30; Rm 12:6; E f 4 :ll).
7. Recebem valor diferenciado os que mais contribuem para
o bem da comunidade (1 Co 12:31; 13:lss.).
8. São exercitados em situações oportunas, mas principalmen
te na reunião da igreja local (1 Co 12:12-27; 14:16,17,19, 23, 26,
31; Rm 12:4-6; E f 4:4, 12-16; 1 Ts 5:12-28).
Ministérios
A comunidade dos santos, devidamente equipada {Katar-
tismos, E f 4:12) pela liderança, desenvolve ministérios ou serviços
{diakonia, Ef 4:11; 1 Pe 4:10-12) que suprem as necessidades da
igreja local. Um exemplo clássico é o ministério assistencial às
viúvas (At 6), criado a partir de uma necessidade e da disponi
bilidade dos sete homens qualificados. Estes foram referendados
pela comunidade e consagrados àquela diaconia pelos apóstolos.
A variada e múltipla manifestação dos dons espirituais gera
na eomunidade uma diversidade de ministérios. Esses ministérios
surgem na igreja local considerando-se três fatores principais: (1)
a necessidade de cada congregação, (2) a disponibilidade dos
membros e (3) a soberana atuação do Espírito Santo de Deus na
distribuição dos dons. Dessa maneira, observamos que as listas dos
dons espirituais das igrejas em Roma e em Corinto diferem pelo
caráter peculiar de cada comunidade, sendo que a igreja romana
não parecia lidar com problemas como ordem no culto e línguas
estranhas. Assim, parece que a diversidade de dons espirituais que
se manifestam na comunidade gera diferentes tipos de ministérios
que cooperam harmonicamente para a edificação do Corpo de
Cristo (1 Co 12:7, 25, 27; 14:4, 5, 6, 12, 19, 23, 26). Dessa forma,
a edificação da igreja local é o objetivo imediato e principal (mas
não exclusivo) das manifestações carismáticas.
DESENVOLVIMENTO PRÁTICO
Dons, Ministérios e as EsU-utwas Tradicionais
A simples compreensão do significado e do valor dos dons e
dos ministérios para a vida da comunidade não garante o êxito da
sua aplicação na igreja local. A razão é simples: cada igreja já
possui uma estrutura organizacional que pode ser facilitadora ou
emperradora do mover do Espírito Santo. Uma igreja, a exemplo
de Corinto, pode ter todos os dons necessários para funcionar
como igreja viva, pois onde há pessoas convertidas, ali estará o
Espírito Santo pronto para desencadear ministração que redunde
na edificação do Corpo. Há fatores, portanto, que limitam a ação
do Espírito, tais como as obras da carne prevalecendo na comuni
dade e as estruturas eclesiásticas centenárias, burocratizantes e
inflexíveis.
Os modelos denominacionais, as fórmulas litúrgicas e a
tradição missionária às vezes podem se constituir em odres velhos
incapazes de suportar a dinâmica do vinho novo (Lc 5:36-39). As
estruturas inflexíveis de algumas comunidades evangélicas pro
movem a absolutização da forma em detrimento do conteúdo
dinâmico e essencial do evangelho de Jesus Cristo. Nesse caso,
não há como implementar ministérios neotestamentários sem que
as estruturas existentes sejam renovadas ou arejadas, quando não
desmontadas.
Alguns h^deres entusiasmados encaram o tema dos “dons e
ministérios” como a nova moda evangélica. Mas, ao tentarem
implementar a novidade, eles fracassam na tentativa de estabelecer
ministérios na sua igreja local porque mudam apenas o rótulo das
velhas organizações ou departamentos. Por exemplo, o que antes
se chamava sociedade feminina agora recebe o nome de ministério
feminino, ou o que era o departamento de música agora recebe o
nome de ministério de adoração e louvor. Entretanto, trocar os
nomes das organizações não significa que estamos propiciando ao
Espírito Santo a liberdade de ação que leva ao surgimento de
novos ministérios. Um aspecto fundamental é a ação criativa e
espontânea do Espírito Santo na comunidade dos santos. Por
sermos o templo do Espírito, Ele mesmo se encarrega de
mediante uma necessidade, suscitar o desejo (1 Tm 3:1) no
coração daquele membro que, segundo o dom que recebeu, é
levantado para realizar a obra do ministério. E esse ministério
poderá ter um caráter temporário ou permanente, dependendo da
característica do serviço. Cumpre à congregação discernir e
referendar a iniciativa dos que se levantam voluntariamente para
estabelecer um novo ministério ou atuar em ministérios já
existentes na igreja local. Sugerimos os seguintes critérios: (1)
desejo pessoal coerente com a Palavra de Deus; (2) certas
qualificações de caráter cristão manifestando o fruto do Espírito;
e (3) um compromisso concreto do ministério com a edificação da
igreja.
Quando usamos esses critérios, evitamos o jogo de poder e
a competição tão comuns às instituições cujos homens são eleitos
para os cargos e os cargos criados para os homens. A organização
se torna mais leve e flexível, uma vez que os ministérios surgem
espontaneamente e podem desaparecer naturalmente, dependendo
apenas da disponibilidade dos membros e do mover dinâmico do
Espírito Santo de Deus.
Estruturas Contemporâneas Renovadas pelo Espírito Santo
O lugar e uso dos dons espirituais na igreja é um tema que,
além da dimensão conceituai e teórica, oferece aos que se
propõem vivenciá-lo uma experiência concreta de avivamento
integral. O Espírito Santo vai renovando as estruturas administra
tivas a partir do despertamento de cada membro que, no exercício
do seu dom espiritual, gera ministérios para a edificação do Corpo
de Cristo. Em quase todos os continentes, Deus tem levantado
inúmeras igrejas que estão se dispondo a praticar os princípios
neotestamentários que dão ao Espírito Santo maior liberdade de
atuação na comunidade. O próprio surgimento de igrejas indepen
dentes atesta o fato de que pastores, líderes e suas comunidades
voltam-se para a busca de alternativas criativas para o crescimento
da igreja.
No Brasil, assistimos ao surgimento de novas igrejas, novas
comunidades, novos projetos independentes ou igrejas tradicionais
que desenvolveram modelos criativos. São movimentos modernos
que se apresentam com uma fachada não muito tradicional, levam
o nome de projetos, fundações, ministérios etc., todos enfim
buscando tornar relevante e contextualizada a mensagem do
evangelho de Jesus Cristo.
Nesses movimentos, a obra do Espírito Santo fica claramente
evidenciada nas experiências ministeriais das igrejas que, apesar de
não interagirem, apresentam resultados espirituais marcadamente
semelhantes por terem aplicado os mesmos princípios e práticas
neotestamentárias no que diz respeito ao exercício dos dons e
ministérios da congregação. Prova de que nesta caminhada não há
know-how humano exclusivo, pois todos somos aprendizes,
espectadores e meros instrumentos da obra renovadora do
Espírito Santo nas estruturas da igreja brasileira.
PRINCÍPIOS DE ADMINISTRAÇÃO
DOS MINISTÉRIOS
Compreende-se melhor o perfíl ministerial da Igreja Central
a partir da descrição da filosofia dos ministérios que tem sido
estabelecida ao longo de uma caminhada. A filosofia está sempre
em processo de aperfeiçoamento por entendermos que somos
aprendizes do mover do Espírito Santo no meio da igreja.
Princípios de Implantação
De acordo com os dons espirituais que o Senhor tem
distribuído à nossa igreja local, vários ministérios e serviços têm
sido implantados na comunidade por meio dos membros. Cremos
que Deus tem dotado esta igreja de todos os dons necessários
para o cumprimento de sua função integral. O processo de
implantação de um ministério na igreja local obedecerá às
seguintes etapas:
1. Visão. O Espírito Santo alerta o indivíduo quanto
necessidade, dando-lhe a visão (idealização) e os meios para a
realização da obra. Este, por sua vez, responde à convocação do
Espírito, dispondo-se para o serviço de acordo com os dons
espirituais e os demais recursos recebidos do Senhor.
2 Implementação. Sob orientação da liderança pastoral,
indivíduo cônscio da necessidade, sob oração e orientação, toma
a iniciativa de implementar o ministério, encarregando-se de
estabelecer procedimentos, gerir recursos e acompanhar a
execução dos programas do ministério.
3. Ministério. Submetidos à avaliação da equipe pastoral,
vida espiritual dos ministros e os frutos do seu ministério são
recomendados à grande congregação. A igreja reunida homologa
ou não o ministério, reconhecendo-o como seu legítimo
representante em todas as atividades ministeriais. A eongregação
não escolhe ministros nem transfere autoridade aos seus líderes.
Ela simplesmente discerne os que são dotados por Deus de dons
espirituais e reconhece a autoridade dos que foram dados como
dons à igreja de Deus. Só a partir desta etapa fica o ministério
oficialmente arrolado no orçamento trimestral da igreja, cabendo-
lhe uma disponibilidade financeira de acordo com a previsão, a
priorização e a disponibilidade dos recursos.
4. Supervisão. O ministério consolidado recebe acompanha
mento pastoral e treinamento. O líder do ministério (diácono ou
diaconisa) fica comprometido a participar assiduamente das
reuniões de liderança e a apresentar relatórios de atividades e
financeiro.
Princípios de Funcionamento
Observando o princípio de unidade do Corpo, todo ministério
deverá funcionar em perfeita consonância com a posição doutri
nária da igreja e com a filosofia de ministério adotada pela
liderança pastoral legitimamente constituída pela igreja. Um
ministério não deve crescer independentemente do Corpo nem
constituir-se num fim em si mesmo, mas trabalhará sempre para
a edificação da igreja, visando o bem da comunidade. Para isso,
promoveremos sempre uma atitude de interdependência que nos
leve a submeter os nossos programas, planos e propósitos ao
Senhor Jesus Cristo em prol do seu corpo local.
Princípios de Liderança
Cremos que o Espírito Santo de Deus levantará em cada
ministério por Ele instituído uma liderança suprida com os dons
de governo, administração e ensino. Isso viabiliza a organização e
o crescimento harmonioso do ministério. Sendo considerados
diáconos da igreja local, cada líder tem o dever de participar dos
treinamentos e das reuniões devocionais e administrativas da
igreja. Deverá ainda se responsabilizar pelo acompanhamento e
treinamento dos seus liderados.
Princípios de Conduta
Os membros de cada ministério serão encarados como
pessoas, e não como ntímeros impessoais ou máquinas que
produzem resultados mensuráveis. Assim, valorizamos o ser acima
do ter ou do fazer. A relação de intimidade com Deus, a vida
familiar e o testemunho para com os de fora serão critérios
prioritários na avaliação do ministro.
Observando os critérios de disciplina bíblica, qualquer
membro poderá ser afastado das suas atividades ministeriais
quando se desqualificar no aspecto moral, estiver fazendo a obra
do Senhor de forma negligente e/ou perder a visão bíblica do
ministério.
Todos os ministros devem ter humildade para aceitar o fato
de que Deus pode eventualmente mudar a ênfase do ministério.
Dessa forma, a humildade e o reconhecimento da soberania de
Deus sobre a igreja devem tornar o ministro disposto a receber
ajuda, acatar um conselho, receber um estímulo, abrir mão do
ministério para outro membro do Corpo de Cristo e estar aberto
para exercer um novo ministério segundo a vontade de Deus.
CONCLUSÃO
O tão anelado avivamento integral e a tão preconizada vitória
do povo de Deus na batalha espiritual não podem ser experimenta
dos pelos que vivem no reino do individualismo e da igreja
desencanada, onde não há compromisso com a comunidade local.
O livro de Atos revela que o derramar do Espírito Santo no
dia de Pentecoste aconteceu sobre uma comunidade unida que se
tornou a célula padrão para o estabelecimento de muitas outras
comunidades. O compromisso com a mutualidade e o exercício
dos dons espirituais foram dando consistência e respaldo à
proclamação do reino de Deus entre os homens. O que Deus fez
germinar em Jerusalém foi espalhado por toda a diáspora pelos
que foram batizados no Espírito Santo. Também Paulo, depois de
aprender a vivenciar a igreja local, saiu sob a orientação e a
bênção dos irmãos para estabelecer igrejas. Reconhecendo
lideranças e fortalecendo os membros das novas comunidades.
Paulo multiplicou o modelo de Deus, estabelecendo as verdadeiras
embaixadas do reino dos céus entre os homens, ou seja, as igrejas
locais.
A realidade neotestamentária aponta para um mover
dinâmico do Espírito Santo, dando a cada comunidade local os
dons necessários para o seu funcionamento como Corpo de Cristo,
relegando deforma a um plano secundário e subserviente a função
das verdades bíblicas. As igrejas neotestamentárias não sacramen
taram liturgia, costumes ou tradições humanas. Muito pelo
contrário, tornaram-se referencial de mudanças, de adaptabilidade
e de capacidade criativa, à medida que procuravam contextualizar-
se como comunidades alternativas nas diferentes regiões do
mundo antigo.
Os dons espirituais {carismata) são capacitações do Espírito
Santo dadas a cada membro do Corpo, segundo a justa distribui
ção e ênfase do Espírito, para o estabelecimento de ministérios
que promovam a edificação da igreja local. Assim, cada membro
do Corpo de Cristo deve procurar identificar, através da oração,
do conhecimento bíblico e do discernimento da comunidade, quais
são os dons dados pelo Espírito para o desempenho do ministério
que, por fim, redundará na edificação da igreja local.
A igreja local, por sua vez, deve estar aberta, sensível e
submissa à ministração do Espírito Santo, submetendo o rebanho,
o pastorado, a liderança, os programas, os estatutos, as edifica
ções, os departamentos, tudo, enfim, ao mover soberano de Jesus
Cristo através do Espírito. É preciso ter coragem de parar e
esperar, como também de avançar em projetos que implicam em
iniciativas novas e que põem em risco o nosso conforto. Se o caso
for de reformulação da estrutura existente, é necessário submeter
tudo ao crivo dos princípios neotestamentários, estar consciente do
mover dinâmico do Espírito, ter muita paciência, ser perseverante
e estar honestamente preparado para os ajustes que se fizerem
necessários.
Temos constatado ao longo de mais de dez anos de minis
tério na Igreja Batista Central de Fortaleza que uma comunidade
pode ser liberta das tradicionais estruturas eclesiásticas que
fomentam a competição, premiam o prestígio humano, fossilizam
os departamentos e, o pior de tudo, engessam o movimento do
Espírito na comunidade dos santos. Essa libertação não é fruto da
mente humana, mas do poder de Deus, que também age por meio
de processos lentos e às vezes dolorosos.
No caso da nossa igreja, o processo de libertação foi
alavancado pelo cuidadoso ensino da Palavra de Deus. Foi
enriquecido pelas contradições, pelos debates e oposições. Tudo
isso, para ser finalmente consolidado pela simples disposição do
povo de Deus em buscar um modelo eclesiástico que melhor
correspondesse ao padrão concebido em Pentecostes. Hoje, são
mais de 30 ministérios, mais de 500 ministros, mais de 30 peque
nos grupos, e três locais diferentes onde se reúne a congregação.
Em vez de ter um templo, queremos ser um templo. Em vez de ter
um programa, queremos estar no programa de Deus. Em vez de
elaborar uma mensagem, queremos ser a mensagem viva do que
Deus quer fazer através da mutualidade.
Cremos que é possível contagiar as igrejas brasileiras,
principalmente as suas lideranças, com o avivamento das estru
turas eclesiásticas promovido nestes últimos dias pelo Espírito
Santo. Nosso desejo é que este capítulo tenha sido um estímulo à
valorização da igreja local como o modelo ideal de Deus para a
expansão do Seu reino entre os homens. Amém!
LIVROS SUGERIDOS
D ’Araújo Filho, Caio Fábio. Espírito Santo: O Deus que Vive em Nós. São José
dos Campos, SP: CLC Editora, 1991.
Fortune, Don e Katia. Discover Your God-Given Gifts. Terrytown, NY: Fleming
H. Revell, 1987.
Getz, Gene A. Sharpening the Focus o f the Church. Chicago: Moody, 1974.
Icenogle, Gareth Weldon. Biblical Foundations for Small Group Ministry: A n
Integrating Approach. Downers Grove, IL; InterVarsity, 1994.
MacArthur, Jr., John. The Church: The Body o f Christ. Sun Valley, CA: Word of
Grace, 1981.
Richards, Lawrence O. e Gib Martin. Teologia do Ministério Pessoal: Os Dons
Espirituais na Igreja Local. Trad. Neyd Siqueira. São Paulo: Vida Nova,
1984.
Tillapaugh, Frank R. The Church Unleashed. Ventura, CA: Regal Books, 1982.
ni
INICIANDO NOVAS IGREJAS:
Estratégias Atuais para um Brasil Moderno
Ary Velloso*
PADRÃO BÍBLICO:
PAULO AGIA ESTRATEGICAMENTE
CONCLUSÃO
Precisamos plantar igrejas, mas elas precisam ser bem
plantadas. Um trabalho que não inicia bem, leva muitos anos para
se fírmar, pois, lhe faltam liderança e recursos.
Vamos ser práticos. Onde você e sua igreja gostaria de
plantar uma igreja? Ponha o nome aqui ________. Quais os
recursos disponíveis ? Quais são os maiores obstáculos a serem
vencidos? É certo que Deus está dirigindo-os a plantar uma igreja
ali?
Há muitos “Chapecós” que precisam de sua ajuda. Parta para
oração e ação.
NOTAS
^Peter Wagner, Estratégias para o Crescimento da Igreja, trad. Luiz Teixei
ra Sayão (São Paulo: SEPAL, 1991).
^Almir Etelvino dos Santos, História dos Batistas Catarinenses (Santa Cata-
rina: Elbert, s.d.).
Al!
^Roland Allen, Missionary Methods: St. Paul’s or Ours? (Grand Rapids,
MI: Eerdmans, 1962) 3.
LIVROS SUGERIDOS
Carriker, Timóteo. Missão Integral: Uma Teologia Bíblica. São Paulo: SEPAL,
1992.
Hesselgrave, David J. Plantar Igrejas: Um Guia Para Missões Nacionais e Trans-
culturais. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1984.
Keys, Lourenço Eduardo. Crescimento Equilibrado na Igreja Local. São Paulo:
SEPAIVCresça, 1981.
Meeks, Wayne A. The First Urban Christians: The Social World o f the Apostle
Paul. New Haven, CT: Yale University Press, 1983.
Neumann, Mikel. Alcançar a Cidade: A s Células na Evangelização Urbana. Trad.
Célia Louise R. Rocha. São Paulo: Vida Nova, 1993.
Peters, George W. A Theology o f Church Growth. Grand Rapids, MI: Zon-
dervan, 1981.
Wagner, Peter. Plantar Igrejas para a Grande Colheita. Trad. Silvia Gerusa F.
Rodrigues. São Paulo: Abba Press, 1993.
ISI
INOVANDO UMA IGREJA TRADICIONAL:
Esquentando um Povo Querido sem Queimar a Casa
Paulo Solonca*
A Exagerada Institucionalização
O experiente apóstolo Paulo temia que a igreja perdesse sua
simplicidade: “Mas receio que assim como a serpente enganou a
Eva com a sua astúcia, assim também sejam corrompidas as vossas
mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a Cristo”
(2 Co 11:3). Em nossos dias, a igreja pouco se parece com aquela
dos tempos primitivos. Uma das pragas que tem afetado sua saúde
é a institucionalização.
Citamos abaixo algumas observações de um pesquisador
sobre o que acontece com grupos, sociedades e igrejas que se
institucionalizam.
1. A organização torna-se mais importante do que as pessoas.
2. Os indivíduos passam a funcionar dentro da organização
como meras engrenagens de uma máquina.
3. A individualidade e a criatividade perdem-se no meio das
estruturas.
4. Os arranjos estruturais na organização começam a ser
rígidos e inflexíveis.
5. As pessoas tendem a “idolatrar” a instituição acima dos
objetivos para os quais ela foi criada. Em outras palavras, o meio
transforma-se em fim.
6. A comunicação fica comprometida, particularmente por
causa da atmosfera repressiva que se estabelece na instituição.
7. As pessoas tornam-se escravas dos estatutos, regimentos,
manuais, regulamentos, declarações etc. Isso tudo compromete a
liberdade de pensamento, bem como hipnotiza e petrifica o senso
crítico tão saudável em qualquer sistema.
8. Para sobreviver dentro de uma estrutura fria, as pessoas
desenvolvem mecanismos de interesses— paralelos à organização.
Daí nascem as divisões e departamentos onde a competição
impera.
9. A moral tende a degenerar-se. Os indivíduos perdem de
vista os objetivos iniciais. Ficam desencorajados e começam a
criticar a organização, em especial seus líderes.
10. À medida que a organização cresce, o processo de
institucionalização se estratifica. A hierarquia da liderança é
fortalecida e a disputa por primazia e poder sufoca a participação
espontânea dos indivíduos.
As tendências acima são do pior cenário, mas infelizmente
caracterizam algumas igrejas. No entanto, o discipulado comunitá
rio, ou seja, aquele realizado simultaneamente com várias pessoas
em torno da estratégia de grupos pequenos, constitui uma
alternativa de resgate da verdadeira vida da igreja de Jesus Cristo.
Qualquer programa de inovação que não considera a vida
comunitária está fadado ao fracasso.
CONCLUSÕES
Como Saber se Preciso Mudar ou Não?
Abaixo citamos alguns sintomas negativos que mostram à
liderança a necessidade de mudar e inovar a igreja local.
1. Sentimento de letargia espiritual. As coisas estão estagna
das em sua vida e ministério.
2. Há focos de resistência ou mesmo oposição ao seu
ministério por parte da liderança.
3. Frustração crescente em relação a pessoas, situações ou
responsabilidades.
4. Sentimento de insuficiência, aquela sensação de saber que
existe “algo mais” sem, contudo, poder enxergar o “como
alcançar”.
5. Um sentimento de inutilidade. Aquele clima de “estar
sobrando” no ministério.
6. Perceber que já não se consegue estipular alvos concretos.
Perdeu-se o controle da situação.
7. Uma debandada geral do rebanho para outros apriscos.
8. Seus “planos infalíveis” fracassaram.
NOTAS
'Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, trad. Ilson Kaiser (São Leopoldo, RS:
Sinodal, 1989) 67.
^Carlos G. Vallés, Viverem Comunidade, trad. Luiz João Gaio (São Paulo:
Loyola, 1987) 19.
’Veja “jia p á ô o a ij”, A Greek-English Lexicon o f the New Testament, de
W. F. Arndt e F. W. Gingrich (4? éd., Chicago: University of Chicago, 1957)
621a.
“'Gene A. Getz, A Medida de um Homem Espiritual, trad. Yolanda M.
Krieven (São Paulo: Literatura Evangélica Int., 1977).
LIVROS SUGERIDOS
Bama, George. O Poder da Visão. Trad. João Marques Bentes. São Paulo: Abba
Press, 1993.
Getz, Gene A. Sharpening the Focus o f the Church. Chicago: Moody Press, 1974.
Richards, Lawrence O. A New Face for the Church. Grand Rapids, MI: Zon-
dervan, 1972.
______e Gib Martin, Teologia do Ministério Pessoal. Trad. Neyd Siqueira. São
Paulo: Vida Nova, 1984.
Snyder, Howard A. The Problem o f Wine Skins: Church Structure in a Technologi
cal Age. Downers Grove, IL: InterVarsity, 1975.
191
A IGREJA LOCAL E MISSÕES MUNDIAIS:
Engajando-se na Grande Comissão
"Edison Queiroz de Oliveira foi pastor da 1“. Igreja Batista de Santo André,
Presidente da COMIBAM, Brasil, e o autor de A Igreja Local e Missões (São
Paulo: Vida Nova, 1987). Atualmente é diretor de “Atos 1:8 em Ação”, orga
nizada para envolver pastores e igrejas locais em missões. Para mais infor
mações sobre literatura e conferências escreva para: C P . 9505, 80.613-991
Curitiba, PR.
No A. T , Israel era o Instrumento Missionário de Deus
Deus criou a nação de Israel com propósitos missionários. O
chamado de Deus para Abraão em Gênesis 12:1-3 demonstra isso:
Ora, disse o Senhor a Abraão: Sai da tua terra, da tua patenteia e
da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei
uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê
tu uma bênção: abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os
que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da
terra.
Note o final desta chamada de Abraão: “Em ti serão benditas
todas as famílias da terra”. Deus tem o propósito de abençoar
todas as famílias da terra, através da nação de Israel. Por isso
Deus deu a Israel o ofício sacerdotal, o que significa que Israel
deveria ser o mediador entre Deus e as outras nações. Em Êxodo
19:5 encontramos as seguintes palavras:
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes
a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre
todos os povos: porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de
sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos
de Israel.
O propósito de Deus era usar Israel para abençoar outras nações.
O livro de Salmos também mostra o propósito missionário de
Deus, de uma forma um pouco diferente. Aqui, Deus tem o
propósito de espalhar Sua glória a todas as nações, e a melhor
forma de espalhar a glória de Deus é através das bênçãos que Ele
dá ao homem.
Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplan
decer sobre nós o seu rosto, para que se conheça na terra o teu
caminho; em todas as nações a tua salvação. Louvem-te os povos, ó
Deus; louvem-te os povos, todos. (SI 67:l-.3)
UM OUTRO CAMINHO:
PREPARANDO A IGREJA LOCAL
Quero apresentar uma alternativa que, creio, vai nos ajudar
como igreja brasileira a sermos mais efetivos na evangelização do
mundo.
Precisamos de um Sério Movimento de Oração
A oração é a base para o avanço da obra de Deus. Todo
movimento de avivamento que resultou num avanço da obra
missionária começou com pequenos grupos orando.
1. Portanto devemos orar.
Devemos orar no Espírito, com sabedoria e com estratégia.
Devemos orar por pastores e igrejas locais para que tenham
visão missionária. Devemos orar especificamente para que os
pastores de nossas igrejas tenham a visão e as prioridades corretas
em relação ao trabalho de Deus.
Devemos orar pelos missionários. Devemos orar de maneira
objetiva pelas necessidades pessoais dos missionários e pelo seu
trabalho no campo. Daí se esclarece a necessidade do
envolvimento pessoal dos membros da igreja com o missionário.
Mais envolvidos pessoalmente, os membros da igreja local se
familiarizam com a geografia, a cultura, as dificuldades e tensões
do ministério, e com a própria personalidade do missionário, assim
desenvolvendo uma oração mais objetiva e efetiva.
Devemos orar por novos obreiros. O Senhor Jesus mandou a
igreja orar por novos obreiros: “Rogai, pois, ao Senhor da seara
que mande trabalhadores para a sua seara” (Mt 9.38).
Devemos orar pelo mundo. A igreja deve receber infor
mações sobre a situação do mundo e as necessidades evange-
lísticas, para poder orar com sabedoria e especificamente. Quando
a igreja ora, o envolvimento dos crentes com missões se torna
mais pessoal e os resultados são evidentes, tanto na maturidade
espiritual do crente como na vida da igreja.
2. Idéias práticas sobre como orar para as missões. Oração no
cultos principais da igreja. Em nossa igreja, colocamos atrás do
púlpito um mapa mundial bem grande apenas com o contorno dos
países e a cada domingo apresentamos no boletim da igreja
informações de um país, pintamos de determinada cor esse país no
mapa, oramos no culto e eu desafio os crentes a orarem pelo país
durante a semana. Isso ajuda na visão, porque todos os domingos,
quando os crentes na igreja olham o mapa com algumas partes
sem pintar, eles se conscientizam de que o trabalho ainda não está
acabado. Essas informações se encontram no livro Batalha Mun
dial, de Patrick Johnstone.*
Divulgar informações pessoais. Além de orarmos por um país
específico, colocamos também no boletim da igreja trechos de
carta de um dos nossos missionários para oração específica.
Oramos no culto e os crentes oram durante a semana. Junto com
trechos da carta, registramos o endereço do missionário para que
os membros da igreja possam se corresponder com ele. E impor
tante que a igreja conheça as necessidades específicas para orar.
Por exemplo, orar pela vida espiritual, pela adaptação no campo
missionário, pelo aprendizado da língua, pela estratégia correta,
pelos relacionamentos pessoais etc.
Oração em grupos pequenos. A igreja pode organizar diver
sas reuniões pequenas para orar especificamente pela obra mis
sionária. Essas reuniões podem ser na própria igreja, no trabalho,
nos lares, enfim, em qualquer lugar.
Precisamos de Pregação e Ensino Bíblico Sobre Missões
Aqui, parece que chegamos a uma redundância porque, se a
pregação e o ensino são bíblicos, naturalmente os resultados serão
missionários, já que a Bíblia é um livro missionário. Creio que
devemos incorporar as bases bíblicas de missões em todos os
níveis de ensino da igreja. No currículo das nossas escolas
dominicais, deveríamos deixar bem claro que todo o nosso ensino
tem um propósito claro e específico: que todos os membros da
igreja estejam equipados para um envolvimento mais efetivo na
evangelização do mundo.
Os pastores deveriam organizar um programa de pregação
expositiva da Palavra, sempre colocando o propósito fínal da
pregação; que todos os membros da igreja estejam equipados para
espalhar as boas novas através de evangelização, boas obras e
compromisso com missões. Além da exposição da Palavra, seria
importante compartilhar informações missionárias nos cultos da
igreja, para que os membros saibam o que Deus está fazendo ao
redor do mundo e também estejam alertas quanto aos desafios
que temos diante de nós.
Precisamos de Informação Missionária Atualizada
A igreja precisa saber o que está acontecendo no mundo em
termos de missões. O cristianismo está avançando. É importante
que os crentes saibam que o seu esforço está sendo compensado,
as orações estão sendo respondidas e o investimento financeiro
está valendo a pena.
Também é importante que a igreja ouça testemunhos e
experiências de missionários para que conheça mais profunda
mente a obra missionária.
Além disso, os membros das nossas igrejas precisam conhecer
as necessidades espirituais do mundo atual. Ainda existem 12 mil
grupos de povos não alcançados com o evangelho. Em alguns
locais, as igrejas cristãs não estão crescendo. Ainda existem países
fechados para a pregação do evangelho. Essas informações vão
promover responsabilidade e envolvimento dos membros.
Uma das melhores formas de fazer crescer a chama de
missões na vida dos crentes é a Conferência Missionária Mundial,
onde separamos um tempo determinado e concentramos a
pregação, inspiração e informação na obra missionária. Nessa
semana, trazemos pregadores com profunda experiência na obra
missionária, missionários com experiência no campo, vocacionados
para darem testemunho, convidamos as juntas e agências
missionárias para exporem seus trabalhos e usamos da melhor
forma possível a presença desse pessoal para promover a perso
nalização de missões.
Precisamos de um Compromisso Profundo
Infelizmente, hoje em dia existe uma falta de compromisso
em algumas igrejas em relação à obra missionária. Mesmo algumas
igrejas que têm sido fiéis em orar e contribuir financeiramente
para alguns missionários, demonstram que o compromisso não é
profundo. Creio que, em Atos 13:3, quando a igreja de Antioquia
impôs as mãos sobre Paulo e Barnabé, não foi simplesmente para
orar por eles. Antes, constituiu um sinal de compromisso com eles
na execução da obra. O trabalho missionário é tarefa da igreja
local, e os missionários são os instrumentos da igreja para
execução da sua obra. Gosto muito de uma frase de João Wesley,
um dos fundadores da Igreja Metodista: “A minha paróquia é o
mundo”. O conceito de paróquia na Igreja Metodista é a área de
influência da igreja. Notem que esse homem tinha a visão e o
compromisso corretos. A área de influência de minha igreja é o
mundo. A igreja local deve entender sua responsabilidade em
executar a obra missionária e ter como princípio o conceito de que
a igreja está indo ao mundo através dos seus missionários.
1. FÉ
a. Tudo vem de Deus
b. Crer que Deus pode dar mais
2. PROMESSA (2 Co 9:5)
a. É um compromisso
b. É um compromisso entre você e Deus
4. MISSIONÁRIA
a. É só para missões
b. Levará a glória de Deus às nações
LIVROS SUGERIDOS
Araújo, Alex, Carlos Calderon, et al Atlas de COMIBAM. Guatemala e São
Paulo; COMIBAM, 1987.
Carriker, C. Timóteo. Missões na Bíblia: Princípios Gerais. São Paulo: Vida
Nova, 1992.
______, ed. Missões e a Igreja Brasileira. 5 vols. São Paulo: Mundo Cristão, 1993.
Green, yi\cha.e\. Evangelização da Igreja Primitiva. Trad. Hans Udo Fuchs, T'. éd..
São Paulo: Vida Nova, 1989.
Hesselgrave, David. A Comunicação Transcultural do Evangelho. Vol. 1: Comu
nicação, Missões e Cultura. Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo:
Vida Nova, 1994.
Limpic, Ted. Panorama Estatístico do Trabalho Missionário Brasileiro no Mundo.
São Paulo: SEPAL, 1992.
Queiroz de Oliveira, Edison. A Igreja Local e Missões. São Paulo: Vida Nova,
1987.
Taylor, William David. Capacitando a Força Missionária Internacional. Trad.
Lilian Barreto Venssimo. Viçosa, MG: Ultimato, 1993.
/lO/
A IGREJA BRASILEIRA E O SÉCULO XXI:
O Presente e o Futuro
J. Scott Horrell
NOTAS