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Todos os direitos desta edição pertencem a

REGINÂMIO BONIFÁCIO DE LIMA.


Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida por qualquer
meio ou forma sem a autorização prévia do autor pelo
e-mail: reginamiobonifacio@yahoo.com.br

Editor Geral, Capa, Diagramação, Preparação do Texto,


Design da Capa, Projeto Gráfico e Arte Final
Eduardo de Araújo Carneiro

Coleção 82
Academia Acreana de Letras

@aalacre

L732f Lima, Reginâmio Bonifácio de Lima.


Foi assim um imortal antes de tudo humano./
Reginâmio Bonifácio de Lima. – 1ª ed. – Rio
Branco: EAC Editor; São Paulo: ArteSam, 2019,
82 p.: il. 14,8x21cm. (Coleção 82)
ISBN: 978-85-471-0255-5
1. Literatura; 2. Biobrafia; 3. Poema; I. Título
CDU 82-3
Esta Coleção 82 é alusiva aos 82 anos de fundação da Academia
Acreana de Letras - AAL, no ano de 1937, por Amanajós de
Araújo. Para marcar esse tempo, quase centenário, a Presidente
da AAL, com apoio do sodalício, programou esta Coleção 82 –
editada pelo acadêmico Eduardo de Araújo Carneiro (EaC),
cadeira 38 -- que traz artigos, crônicas, poesias, contos e outros
gêneros literários que estão a denotar o estilo e a preferência dos
imortais, em suas produções., livros que irão fazer parte do rico
acervo de produção do sodalício da AAL. Com esta Coleção 82
a AAL permanece fiel a sua história e aos objetivos definidos em
sua missão estatutária. Cum laude omnia fieri -– com louvor tudo
foi feito.

Luísa Karlberg
Presidente da AAL

DIRETORIA AAL – BIÊNIO 2018-2020


Presidente: Luíza Galvão Lessa Karlberg
Vice-Presidente: Renã Leite Pontes
1º Secretário: Maria José Bezerra
2º Secretário: Maria Cecília Ugalde
1º Tesoureiro: Álvaro Sobralino de Albuquerque Neto
2º Tesoureiro: José do Carmo Carile
Diretoria de Patrimônio: Moisés Diniz
Diretoria de Biblioteca: Olinda Batista Assmar
Relações Públicas: Mauro D’Ávila Modesto

CONSELHO FISCAL:
Reginâmio Bonifácio
Edir Marques
Vacante
QUADRO PERMANENTE QUADRO DE EMÉRITOS
01 – Alexandre Melo de Souza
02 - Reginâmio Bonifácio de Lima Antônio Hamilton Bentes
03 - Rosana Cavalcante dos Santos Aury Félix de Medeiros
04 – Maria Cecília Ugalde Edson Ferreira de Carvalho
05 – Sebastião A. M. Viana Neves Francisco de Moura Pinheiro
06 – Sebastião Isac de Melo Francisco Gregório Filho
07 – Enilson Amorin de Lima Geraldo Brasil
08 – Carlos Alberto A. de Souza Íris Célia Cabanellas Zanini
09 – Clara Elizabeth Simão Bader João Crescêncio de Santana
10 – Maria José da Silva Oliveira Maria da Glória Oliveira
11- Edir Figueira M. de Oliveira Mário Lima Brasil
12- Deise Brandão Torres Leal Sílvio Martinello
13- Mauro D’Ávila Modesto Jorge Araken Farias da Silva
14- Jefferson Henrique Cidreira Margarete Edul Prado S. Lopes
15 –Vacante Naylor George
16 – Vacante Robélia Fernandes Souza
17 – Vacante
18 –Telmo Camilo Vieira
19 – José Dourado de Souza
20 – Vacante
21- Gilberto Braga de Mello
22- Dalmir Rodrigues Ferreira
23- Vacante
24- Olinda Batista Assmar
25 – Moisés Diniz Lima
26 – Vacante
27- José Cláudio Mota Porfiro
28– Vacante
29– José do Carmo Carile
30- Claudemir Mesquita
31- Álvaro Sobralino de A. Neto
32- Vacante
33– Renã Leite Pontes
34- Luisa Galvão Lessa Karlberg
35– Vacante
36– Arquilau de Castro Melo
37– Francis Mary Alves de Lima
38–Eduardo de Araújo Carneiro
39– Vacante
40– Maria José Bezerra.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 05
INTRODUÇÃO 08

Primeira Parte
INGRESSO NA ACADEMIA ACREANA DE LETRA

1. Discurso de Posse na Academia Acreana de Letras 12


2. Breve Biografia de Reginâmio Bonifácio de Lima 18
para a AAL em 2015

Segunda Parte
O POETA E SEUS SEGREDOS

3. Poesia e autor 23
3.1 Coisas de mim 24
3.2 Tardes Noites Frias 25
3.3 Coisas do Amor 26

Terceira Parte
REPRESENTAÇÕES DO CIENTISTA
SONHADOR

4. História – As vozes da memória, as identidades e o 39


tempo
5. Teologia – O Planeta visitado 54
6. A saga do herói: das aulas de história à tela dos 69
cinemas
APRESENTAÇÃO
Dizer que Reginâmio Bonifácio de Lima faz parte do grupo
que chegou para se juntar aos memoráveis imortais da Academia
Acreana de Letras no intuito de consolidar os novos caminhos da
confraria das belas letras no cenário acreano talvez seja um bom
começo para se refletir sobre seu trabalho. Ao longo dos anos, o
ocupante da cadeira n.º 2 da AAL, cujo patrono é nada menos que
Alberto do Rego Rangel, tem atuado como escritor e docente
comprometido com seu tempo e seu local de origem.
Sempre muito engajado com as questões do tempo presente e
buscando fazer da linguagem sua principal arma de transformação
social, Reginâmio tem se dedicado a uma profícua atuação no contexto
educacional acreano, criando projetos que ajudam a pensar as
identidades locais na confluência de um mundo permeado pelas
relações de alteridade. Assim, nasceram inúmeros projetos, que
perpassando desde seu trabalho na Diretoria de Ensino da Polícia
Militar até sua atuação como docente na Universidade Federal do Acre,
impactaram positivamente a vida de centenas de crianças, adolescentes
e jovens de todas as idades.
A obra que se segue traz a proposta de mostrar o ser humano
por trás do imortal, que em meio a erros e acertos, tem buscado marcar
de forma contundente a vida dos que estão a sua volta. Na primeira
parte, temos uma visão panorâmica de seu “Ingresso na Academia
Acreana de Letras”, escritos que adquirem um tom confessional e nos
levam a perceber, nas dificuldades superadas, a motivação para alçar
novos voos. Nestas notas de abertura, entramos em contato com o
menino humilde que se tornou homem comprometido com as
transformações sociais, que sabe como poucos valorizar o papel da
família em sua trajetória de vida.
Na segunda parte, somos presenteados com sua arte poética,
confidências marcadas por um lirismo conhecido por poucos,
revelados em situações muito especiais. Ao dividir esses sentimentos
recônditos conosco, o poeta nos traz a dimensão de que amar é, antes
de tudo, o ato de maior coragem que podemos cometer, o bálsamo que
nos alegra a vida, a força para navegar em busca de novas descobertas
e a calmaria para voltar ao porto seguro.
Na terceira parte, somos apresentados às “Representações do
Cientista Sonhador”, que nos conduzem por um belo passeio pela
História, pela Teologia e pelo Ensino. De início, somos confrontados
com as vozes da memória, as construções das identidades e o tempo.
Nessas reflexões, somos levados a refletir sobre a função do
7
historiador, que, segundo Peter Burke, é lembrar à sociedade aquilo
que ela quer esquecer.
Em seguida, somos apresentados a uma bem articulada
discussão sobre “O Planeta Visitado”, na qual o autor nos traz a
dimensão histórica e teológica da Missão do Cristo que, na plenitude
dos tempos, trouxe esperança aos que se achavam cativos. Perpassando
pelo intrincado contexto do Antigo mundo romano e revisitando textos
dos Evangelhos Sinópticos, o autor realiza uma profunda discussão
sobre a ação do Cristo que havia de vir e mudar de forma definitiva a
história da humanidade, religando-a de uma vez por todas ao Criador.
No desfecho desta última parte, somos apresentados à sua
proposta de ensino a partir do que o estudante nos traz, numa
confluência entre a base teórica e a base prática, que atuam para criar
novos conhecimentos. Nessa reflexão, o autor nos guia entre a história
e as letras, trazendo à discussão o diálogo entre essas áreas do
conhecimento a partir da confluência das histórias em quadrinhos com
o cinema, em “A Saga do Herói: das aulas de histórias às telas dos
cinemas”.
A partir de uma proposta inovadora, somos confrontados com
um cotidiano escolar empolgante, que se faz e refaz pela interação com
os sujeitos da aprendizagem. Assim, perpassando por personagens
como Hércules, T'Challa, Hulk, Joana D’Arc, Sherazade, Thor,
Batman e muitos outros, somos levados a repensar o valor do mito em
nossa sociedade, nos questionando sobre o modo como práticas de
representação do mundo circulantes na Antiguidade permanecem ainda
hoje a nos dizer muito sobre nossos valores e nossa humanidade.
Nas páginas que se seguem, o leitor terá em uma abordagem
ao mesmo tempo simples e profunda, uma grande contribuição para
subsidiar e impactar a formação de pessoas conhecedores da realidade
na qual estão inseridas. É com esse espírito que Reginâmio Bonifácio
de Lima nos guia, tecendo saberes entre o tradicional e o
contemporâneo, estabelecendo interlocuções no ambiente escolar, na
universidade e na vida cotidiana.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

8
INTRODUÇÃO

A Academia Acreana de Letras (AAL) é uma instituição


cultural inaugurada em 17 de novembro de 1937, sediada na Cidade de
Rio Branco, cujo objetivo é o cultivo da língua e da literatura nacional.
Mas, afinal, o que é essa língua nacional? Seria apenas a Língua e a
Literatura de expressão Portuguesa? Tomando como base o Capítulo
XIII da Constituição Federal que reza “A língua portuguesa é o idioma
oficial da República Federativa do Brasil”, fica clara a ação precípua a
que se propõe a AAL.
A mesma Carta Magna brasileira dá subsídios para ações
outras que podem ser desenvolvidas pelas diversas academias
espalhadas pelo país: como a valorização da língua indígena (art. 210
§ 2.°); a inclusão de “portadores de deficiência” (art. 203, IV), uma boa
oportunidade para refletirmos sobre o sistema de escrita tátil utilizado
por pessoas cegas ou com baixa visão, conhecido como “Braile”, e, a
Língua Brasileira de Sinais, “Libras”.
Muito fizeram os membros da AAL pela língua vernácula
oficial do Brasil. Seus diversificados trabalhos e atuações fazem jus ao
legado que se espera do sodalício. No presente século, outros desafios
se apresentam. Em um Estado onde 14,92% de seu território é Terra
Indígena, com mais de 16.000 habitantes indígenas que falam duas
famílias linguísticas diferentes: Pano e Aruak, torna-se necessária a
reflexão sobre ações de aproximação e valorização da língua. De igual
modo, os desafios do presente século trazem à tona algumas discussões
sobre o direito à integração de cidadãos brasileiros residentes que,
alheios à sua vontade, não veem e/ou não ouvem, mas necessitam se
comunicar e se fazer entender. É preciso alargar as fronteiras e
fomentar o diálogo sobre esses temas tão difusos quanto necessários.
Nestes 82 anos da AAL vários imortais escrevem suas obras
comemorativas, publicam seus escritos e denotam seu amor à vida
tendo a língua portuguesa como base. Escolhi fazer um “pot-pourri”,
dependendo do ângulo que se vê, uma “rapsódia”, de escritos e ações
em que a ênfase não está no clímax, mas na essência; não no topo, mas
na base. Obra e autor interligados pelas letras que tanto enlevam à
sedução quanto à sedição.
Que tenho a dizer sobre mim? Que meus avós migrantes que
se deslocaram aos seringais acreanos, não tiveram a chance de estudar?
Que meus pais muito trabalharam para sustentar a mim e a meus irmãos
na periferia de Rio Branco? Que muito estudei e muito trabalhei? Que
sou um negro com a pele queimada pelo sol durante o labor? Que creio
9
em Deus Todo-Poderoso? Que tenho muitos defeitos? Que não gosto
de trabalhar aos sábados, independentemente de religião, por acreditar
que mereço o justo descanso? Que aos domingos gosto de visitar a
família e ir à Igreja adorar à Deus? Que sonho com dias melhores? Que
fui abençoado por Deus com uma amada esposa e dois filhos
maravilhosos? Que amo um dos filhos da minha irmã como se fosse
meu filho? Que tento ser melhor enquanto ser humano a cada dia,
embora haja momentos em que parece que regredi uma década? Que
acredito em justiça e bondade como duas bandejas em uma equilibrada
balança? Tudo isso é verdade. Para mim a felicidade não está no fim,
mas no processo – por isso vivo cada dia com o fragor de uma
tempestade e a serenidade da brisa em uma bela manhã de sol.
Quanto aos textos aqui expostos há uma novidade: tentei
propositadamente que prosa, poesia e ciência me representassem. Para
esta edição comemorativa, tomei a liberdade de fazer recortes de
minhas melhores atuações – o melhor de mim. Não, não são os textos
mais belos (escolhi deliberadamente ocultar alguns segredos), nem os
mais bem escritos (tanto que minha teoria muito bem aceita no meio
científico ficou de fora), tampouco os mais citados (há textos que
isoladamente têm mais citações que a soma de citações de todos os aqui
expostos). Os aqui escolhidos “sou eu” no papel.
A escolha foi discricionária. A seleção pontual expressa
marcos de ruptura. De adentramento a novos espaços. De expansão das
fronteiras. Seria fácil citar os “mais-mais”, mas não seria eu. Quis
voltar às bases, às origens, aos esteios nos quais foram construídas as
catedrais de meu conhecimento (ou desconhecimento).
Ao escrever estas mal-traçadas linhas, refletindo sobre mim e
sobre o patrono da cadeira que ocupo, a de n.° 02, sob a égide de
Alberto do Rego Rangel, quis lembrar a escolha voluntária de viver em
um dos cenários amazônicos como os retratados em sua coletânea de
contos a que chama de “Inferno verde”. Mesmo tendo recebido meia
dúzia de propostas de me ausentar destes rincões acreanos – algumas
com promessa de proventos superiores aos que recebo atualmente –,
quis valorizar, nas palavras do poeta John Milton, minhas vivências no
“Paraíso perdido” em meio a “seres” que querem destruir nossa terra e
nosso “jeito” de viver, nos oferecendo “riquezas” sem fim – almejando
que não nos ocorra algo congênere ao relatado por Euclides da Cunha
sobre “Canudos”.
Meu antecessor, Manoel Mesquita, assim como eu, amava a
Academia, a história regional e a política – escolhendo influenciar na
mudança da sociedade a partir da representação popular nas

10
comunidades e na Assembleia Legislativa do Estado do Acre. Quanto
a mim, escolhi atuar a partir das bases da educação e da construção da
consciência do “sujeito” que se torna “agente”, não sendo “produto do
meio”, nem “livre meritocrático”, mas, antes, um “lutador” que, tange
o preposto, na real intenção de romper as amarras, reconstrói a si e ao
mundo que lhe permeia.
A presente obra foi dividida em 03 partes. Primeiramente, a
reprodução do discurso de posse e da biografia encaminhada para a
posse em 2015. Nos últimos 04 anos muita coisa ocorreu, registros
dignos de muitas falas, mas que, para cumprir o rito acadêmico, não
foram inseridas. Assim, discurso e biografia permanecem incólumes
como no dia da posse na AAL.
Segundamente, o poeta desvela seus segredos: o coração que
nem sempre é compreendido; o amor e a imperfeição do autor; as
angústias que fulguram em dilúculo; os sonhos de amar sem medo; um
acróstico à amada imortal; e, por fim, imperfeitos e aceitos amores em
afáveis e heterodoxas fotos.
Finalmente, faz-se conhecer enquanto cientista sonhador. Há a
livre percepção de representações e simbologias nas principais áreas de
atuação do autor. Nesta obra, não se encontram produções de
“Segurança Pública”, embora o autor tenha escrito 02 livros e alguns
artigos sobre o assunto; nem sobre “Contos”, ainda que haja
considerável publicação nesse sentido; tampouco há aqui a deferência
de produções sobre as “linguagens”, mesmo que as tenha em acervo
público. O autor se vê, prioritariamente como partícipe e construtor da
história, perscrutador das relações humanas com o Divino e um
sonhador por excelência que tenta ensinar e aprender cotidianamente.
Sejam bem-vindos às páginas deste livro, nem maior, nem
melhor, contudo o mais incisivo em marcar o conhecimento de autoria,
incluindo os muitos defeitos, do ocupante da Cadeira de n.° 02 da
Academia Acreana de Letras: um imortal antes de tudo humano. Que
Deus nos abençoe!

Reginâmio Bonifácio de Lima

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Primeira Parte

INGRESSO NA ACADEMIA
ACREANA DE LETRAS

1
DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA ACREANA DE
LETRAS EM 24 DE JULHO DE 2015

Prof. Dr. Reginâmio Bonifácio de Lima (Cadeira N° 02).


Patrono: Alberto do Rêgo Rangel

Imagem 01: Convite para solenidade de posse na AAL

Fonte: Acervo particular.

Senhora presidente Luisa Karlberg, egrégio sodalício,


autoridades presentes, ilustres convidados, familiares e amigos,
boa noite.
Meu nome é Reginâmio Bonifácio de Lima.
Gostaria de começar minha fala com um ato de gratidão...
Sou grato a Deus por estar aqui esta noite. Grato por Ele
permitir a seu servo tamanha honra de adentrar a tão ilustre
confraria. As academias, sejam elas gregas, fenícias, persas,
tibetanas, normandas ou acreana desenvolvem papel
12
fundamental na preservação de atividades culturais e construção
das letras que alinhavam a tessitura da constituição social de um
povo, quiçá, de uma nação.
Sou grato também a meus pais: seu Severino Ferreira, que
já foi morar com Deus, homem trabalhador, um migrante que
precisou sair do seringal para tentar a sorte na cidade. Trabalhou
desde a adolescência para auxiliar no sustento de casa. Casou-se
com dona Maria Bonifácio, com quem teve 05 filhos. Não
abandonou nenhum. Criou a todos com esmero e dedicação –
mesmo na época da superinflação em que labutava arduamente
do nascer do sol ao entardecer para não faltar comida à mesa,
mesmo que essa comida fosse apenas uma lata de sardinha com
farinha para ser compartilhada por sete pessoas – às vezes o
jantar era caldo de caridade. Foram tempos difíceis, mas seu
Severino venceu e seus filhos também. Ensinou a todos o valor
do estudo e do trabalho. Dizia que seus filhos iriam aprender a
trabalhar “com a caneta e com a marreta” – e assim ocorreu. O
filho mais velho se tornou administrador de empresa; o Segundo
filho se tornou docente de uma renomada instituição de ensino
particular; o filho do meio – este que vos fala – está aqui hoje
como docente da única Universidade Federal deste rincão; a filha
querida – por ser a única fêmea na prole - atua como técnica de
enfermagem, cuidando da saúde de muitas famílias; o filho mais
novo, que é policial militar, está se formando em medicina. Mas
seu Severino não estava só, como diz o ditado, “ao lado de um
grande homem sempre existe uma grande mulher”: 1 metro e 52
centímetros de coragem, persistência e determinação. Dona
Maria Bonifácio, mulher de fibra que compartilhou tempos bons
e maus,que acreditou em seus filhos e os incentivou a continuar,
a estudar a trabalhar e a crescer. Foi ela quem me ensinou as
primeiras letras. Quem cuidou de seu filho doente que precisou
ser internado algumas dezenas de vezes por graves problemas de
saúde. Quem me apoiou em tempo e fora de tempo. Obrigado,
mãe.
Sou grato a três homens especiais, sem os quais não
estaria aqui hoje. A meu pai, que me ensinou sobre caráter e
honestidade; a meu irmão mais velho, Reginaldo, que por muitas
vezes, quando precisávamos trabalhar para suprir o sustento de
13
casa, dizia: “Pode deixar, pai, que eu vou trabalhar hoje: o Nâmio
precisa estudar”. Meu irmão foi um gigantesco contribuinte para
que eu fosse o primeiro em ao menos quatro gerações da família
a concluir o Ensino Médio, o primeiro a concluir o Ensino
Superior; a meu amado filho, Rafael Matias, que me ensinou que
ser feliz é muito melhor que estar certo o tempo inteiro – Nossa,
como estamos aproveitando a vida!
Quanto às mulheres, estou muito bem acompanhado
delas. Tenho quatro mulheres, e preciso me desdobrar pra dar
conta de cada uma. Minha avó, dona Raimunda, a única mulher
que consegue me fazer comer verdura sem reclamar – e que
muito me ama e por mim é amada; minha mãe, dona Maria, a
quem já citei; minha amada imortal, Maria Iracilda, a mulher
virtuosa que me acompanha em meus sonhos e devaneios e que
é o porto seguro para onde volto após minhas viagens de cidadão
do mundo; minha princesa, Sara Raquel, que me seduz com seus
carinhos e quando estou atribulado sempre me diz: Tá tudo bem
pai, a Sara tá aqui. Pode dormir que eu cuido de você”.
Também tive mentoras que muito marcaram minha vida.
A professora Georgete, do pré-escolar, que me ensinou as
“famílias das letras” e me incentivou a fazer experimentações
com sopa de letrinhas. A professora Palmeirinda, do segundo ano
fundamental, que me defendia das agressões dos colegas quando
eu tirava 10 e eles batiam em todos que alcançassem essa nota.
Apanhei muitas vezes por tirar 10 nas provas, e, mesmo quando
não era mais minha professora, me ensinou o valor do esforço e
da persistência. Minha primeira orientadora na pesquisa, na
graduação em história, professora Maria José, com quem dei os
primeiros passos rumo ao conhecimento científico – com ela
aprendi que é preciso se aperfeiçoar sempre e que não basta
vencer, é preciso contribuir para que outros também o façam.
Minha amiga e orientadora de Mestrado, Professora Margarete
Lopes, quem me convidou para participar desta confraria. Com
ela aprendi muito mais sobre lealdade, comprometimento,
dedicação e esmero que com qualquer outro profissional.
Obrigado a todos, mas não vim aqui para falar de mim ou
de minha gratidão. Gostaria de prestar homenagem a quem me
antecedeu na Cadeira de número 02 da Academia Acreana de
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Letras: nosso Patrono Alberto do Rêgo Rangel e o professor
Manoel Mesquita.

Alberto do Rêgo Rangel

Alberto do Rêgo Rangel nasceu em Recife a 29 de maio


de 1871. Em 1876, mudou-se com a família para o Rio de
Janeiro. Aos 17 anos, iniciou seus estudos superiores na Escola
Militar da Praia Vermelha (RJ), onde conheceu seu amigo
Euclides da Cunha. No ano de 1896, tornou-se bacharel em
Ciências. Três anos depois, terminou o curso de engenheiro-
militar. Em 1900, foi destacado para trabalhos na construção do
porto de Tutóia, no Maranhão. Depois, seguiu para a cidade de
Belém (PA). Em setembro daquele ano, pediu baixa do serviço
militar. No mês seguinte, decidiu partir para Manaus, como
engenheiro civil. De 1901 a 1905 prestou serviços ao governo do
Amazonas. Retornou ao Rio de Janeiro em 1907. Nesse ano,
entregou os originais de Inferno Verde (cenas e cenários do
Amazonas) a Euclides da Cunha, para que este o prefaciasse.
Após casar-se, viajou pela Europa. Em Gênova (Itália), mandou
imprimir seu afamado livro. Essa primeira edição vem ilustrada
com gravuras de autoria de um artista italiano, Arthur Lucas.
“Inferno Verde” sai do prelo em 1908. Em 1913, Alberto Rangel
publicou Sombra n’água, volume de contos que traz novas
imagens amazônicas. Nos anos posteriores, vivendo entre a
Europa e o Brasil, prestou serviços diplomáticos ao governo
brasileiro na França, Inglaterra, Espanha, Portugal. Assistiu,
então, às deflagrações das duas guerras mundiais. Nesse período,
além de escrever outras obras de contos, como “Quando o Brasil
amanhecia” (1915), publica também suas correspondências com
amigos do Brasil (“Livros de Figuras”, 1920) e livros resultantes
de seus estudos e pesquisas históricos, entre os quais: “Dom
Pedro I e a Marquesa de Santos” (1912), “Fura Mundo” (1922),
“Lume e cinza” (1924), “Textos e pretextos” (1926), “Gastão de
Orléans” (1935). No final da vida, compôs textos teatrais. Seu
último trabalho publicado, ainda da safra de temas históricos, foi
“A Educação do príncipe: esboço histórico e crítico sobre o
15
ensino de D. Pedro II” (1945). Assim, falece em Nova Friburgo
(RJ) em 14 de dezembro de 1945 o patrono da Cadeira de nº 02
da Academia Acreana de Letras.
A cadeira foi ocupada por ilustres imortais, dentre eles,
meu antecessor Manoel Carvalho de Mesquita.

Manoel Carvalho de Mesquita

Manoel Carvalho de Mesquita nasceu em 21 de março de


1944, na cidade de Rio Branco – Acre. Filho de Milton Mesquita
e Áurea Carvalho de Mesquita. Foi casado com Maria das Graças
Barbosa de Mesquita, com quem teve 02 filhos: Áurea Jane
Barbosa de Mesquita Nunes e Djenani Barbosa de Mesquita
Nunes. Funcionário Público aposentado, Manoel Mesquita foi
acadêmico de Geografia na Universidade Federal do Acre e
Deputado Estadual no Acre.
Em sua carreira parlamentar, foi 2.º suplente no pleito de
15 de novembro de 1986, pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro – PMDB, com 1.401 votos, na 7.ª
legislatura para o período de 1987-1990. Assumiu o cargo de
Deputado Estadual, em virtude do falecimento do titular
Deputado Alcimar Nunes Leitão (em 1988). Assumiu a 1ª
secretaria da Assembleia Estadual Constituinte do Estado do
Acre, em 1988. Teve aprovado seu projeto de Lei n.º 931, de 17
de janeiro de 1990 – que dispunha sobre a criação do “Conselho
Estadual de Defesa do Consumidor”.
Ocupou os cargos públicos de Diretor Executivo da
Codisacre, no Governo Nabor Júnior; Diretor Executivo da
Emater-Acre, no Governo Flaviano Melo; Chefe do Setor de
Projetos da Delegacia Federal de Agricultura de 1995 a 2000.
Em sua atuação literária produziu duas obras poéticas:
“Deslumbres”, publicada em 1994 e “Devaneios”, publicada em
2004.
Sobre Manoel Mesquita, Clodomir Monteiro escreveu:
“Manoel Mesquita é um poeta acreano, ocupa a cadeira 02 da
Academia Acreana de Letras. E como poeta, um criador de
belezas. Sua poesia é simples, assimétrica, foge da técnica, sai do
16
coração. E o que brota do coração é mais digno de apreciação, de
amor. É o poeta dos vislumbres”.
E, para encerrar essa homenagem, gostaria de recitar o
Poema Vislumbres de autoria de Manoel Mesquita.

Vislumbres
Entre a vida e a morte
o importante é amar.
Para mudar algo tem-se que ser forte
o homem tinha tudo para ser feliz
faltava apenas a descoberta.
Tudo é belo, do jeito que é!
Viva aqui de tal maneira
que o aqui não se torne importante.
Tudo o que guardei perdeu-se, foi-se
você tem somente aquilo que compartilhou.
Sinta as descobertas e não esqueça o natural!
O amor é a percepção do amado
Nesse mundo, nada é realmente conhecido
a ignorância é absoluta,
suprema quando entender,
terá novamente aqueles olhos bonitos, quanto criança.
Para perder-se é necessário a liberdade.
Se a mulher foi criada a partir do homem
é um refinamento muito mais purificado.
Estar só é belo. estar solitário é feio.
Mas agora sabe,
ser enganado é melhor que perder a confiança.
Futuro e passado, trazem pensamentos
e este destrói os sentimentos
nos pensamentos esquecem-se do coração.
O que mata o povo é o dinheiro
é a maior verdade que se disse.
Não permita que ninguém seja seu senhor
olhe dentro de você
o medo, não pode lhe dá um caráter
pode sim, dar-lhe uma impotência de fraco.

MESQUITA, Manoel. Vislumbres.


Rio Branco: Edição do Autor, 1994.

Muito obrigado a todos!!!

17
2
BREVE BIOGRAFIA DE REGINÂMIO BONIFÁCIO DE
LIMA PARA A AAL EM 2015

Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio


Branco – Acre. É Licenciado em História pela
Universidade Federal do Acre; Bacharel em
Teologia, pela FATEBOV – RR; Especialista em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na
Amazônia, pela Ufac; Especialista em Ciências
da Religião, pela Faculdade Fênix – MG; Mestre
em Teologia, pela FATEBOM – São Paulo;
Mestre em Letras: linguagem e identidade, pela UFAC – AC;
Doutor livre em Teologia, pela FATEBOM – SP. Filho de Severino
Ferreira Lima e Maria Bonifácio de Lima, é casado com a
professora Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio e pai de
Rafael Matias Cavalcante Bonifácio e Sara Raquel Cavalcante
Bonifácio. Autor de vários livros sobre História, Teologia e Ensino.
Já atuou na área de ensino como Pesquisador e Policial
Proerd na Diretoria de Ensino da PMAC; como professor no Curso
de Teologia na Faculdade Teológica Batista Betel; Coordenou a
Pós-Graduação lato sensu em Bibliologia, no Seminário Teológico
Kerigma, em Rio Branco – Acre. Atualmente é professor EBTT de
História, na Universidade Federal do Acre, onde lidera o Grupo de
Pesquisa Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco, ligado ao
CNPq.

Trajetória profissional

Nascido em família humilde, desprovida de recursos


financeiros, Reginâmio Lima veio ao mundo em uma choupana de
tábua de construção, nos fundos do quintal da casa de seu avô, Pedro
Ferreira Lima, local em que viviam seu pai, sua mãe e seus dois
irmãos mais velhos, no bairro Cadeia Velha, cidade de Rio Branco
– Acre. Aos nove anos de idade, mudou-se com a família para a

18
ocupação de terra que ocorria no que veio a se chamar bairro Bahia
Nova, onde viveu até os 28 anos de idade, quando casou-se.
Aos 12 anos de idade, Reginâmio já trabalhava como
vendedor ambulante de pão para auxiliar na renda da família – era
um período em que a hiperinflação e as condições de trabalho não
eram as melhores. Com sua cesta de pão nas costas, saía às quatro
horas da madrugada pelas ruas dos bairros adjacentes onde vendia
pães de casa em casa gritando “padeiro”. Nesse período, aprendeu
que existem pessoas más, por várias vezes foi assaltado e teve sua
cesta de pães tomada pelos infratores. Quando chegava à padaria e
relatava o ocorrido, que era comum aos “vendedores mirins” o bom
dono da padaria dizia: “Não foi culpa sua, não vou lhe cobrar os
pães. Apenas peço que você tome mais cuidado e, quando for
possível, pague o material que usei para fazer os pães”. Naquele
momento, Reginâmio teve noções de economia e da relação das
trocas simbólicas, enquanto cursava a sexta série do Ensino
Fundamental.
Aos 14 anos o trabalho precisou ser intensificado para
auxiliar em casa. Assim, trabalhava como vendedor de pães das
quatro da madrugada às seis da manhã, ia para casa apressadamente,
tomava café e se preparava para ir para o trabalho como “orelha
seca” de pedreiro até meio dia. Em seguida, apressadamente comia,
tomava banho quando dava, vestia a única calça comprida que tinha
e ia para a escola, onde estudava a oitava série.
Aos 17 anos, Reginâmio era financeiramente independente,
trabalhava e estudava. Nesse ano concluiu o Segundo Grau
Científico.
Aos 18 anos, conseguiu seu primeiro emprego formal e
aprendeu sobre negociações e exploração. Descobriu que ganhar um
salário e meio não compensava se for pressionado a trabalhar das
sete da manhã às nove da noite, de segunda a sábado.
Seu primeiro contato com a pesquisa científica se deu no
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, onde
aprendeu sobre o método sociológico e sobre a contagem teórica da
população enquanto trabalhava de sol a sol no recenseamento de
1996. Descobriu, aos 19 anos, que quando você ganha por produção
e esse valor é considerável é possível fazer realizar sonhos e guardar
um pouco para os “dias das vacas magras”. Era a primeira vez que
tinha contato com um trabalho prazeroso que lhe rendia dividendos:
aproximadamente sete salários mínimos por mês. Dois salários para
19
despesas pessoais, dois para ajudar em casa e três guardados para os
tempos difíceis que poderiam voltar. E de fato voltaram. Oito meses
depois, a pesquisa acabou, mas o “pé de meia” deu para viver
confortavelmente por um ano.
Como tudo o que é bom dura pouco, no ano em que
ingressou na Faculdade de História, o dinheiro acabou. Eram fins
de 1997. As apostilas, os trabalhos de aula, as necessidades
universitárias e sociais – não havia tantas bolsas de estudo naquela
época, apenas duas por curso. Era hora de voltar à atividade de
“orelha seca”. Durante o dia ajudando os pedreiros e à noite,
cursando faculdade. Em 1998 ganhou uma bolsa de um ano onde
foi apresentado à pesquisa científica. Foram doze meses de muito
conhecimento, pesquisa de campo e pouco dinheiro – foi fantástico!
Com o fim da pesquisa e o término da bolsa, era hora de retornar ao
trabalho braçal, mas era inverno e a construção civil não funciona
muito bem nessa época. Surgiu a oportunidade de trabalhar como
“Chapa de caminhão”, aqueles homens que carregam e descarregam
cargas – a equipe de cinco homens enchia e desabastecia até oito
caminhões por dia e, na hora do almoço, apostila na mão para
estudar para o Concurso da Polícia Militar, sem esquecer os
trabalhos do quinto período da Faculdade de História.
No findar do século XX surgiu uma luz no fim do túnel.
Com a ajuda de sua família, conseguiu, no dia 02 de fevereiro de
2000, o seu ingresso como “Técnico em Segurança Pública e
Soldado Policial Militar”. O trabalho árduo e a função nem sempre
reconhecida renderam dividendos para sustentar a família. Em
2003, transferido para a Divisão de Ensino, fez diversos cursos de
formação complementar, dentre os quais dois se destacaram:
Special Weapons and Tatics – SWAT, que lhe rendeu a liderança
da segunda equipe SWAT no ano e, posteriormente, lhe
proporcionou o comando técnico de uma das equipes táticas da
PMAC; e o Curso de Educador Social Proerd, no qual progrediu nas
atividades de Mentoria e Estágio Master, o que lhe proporcionou a
Coordenação Administrativa da Guarda Mirim da PMAC.
Dentro da Caserna, concluiu sua faculdade. Reginâmio
progrediu nos estudos, sempre com dois focos: História e Teologia.
Licenciou-se em História, especializou-se em Cultura e obteve o
grau de Mestre em Letras: Linguagem e Identidade. No lado
teológico, bacharelou-se em Teologia, especializou-se em Ciências
da Religião, obteve os graus de Mestre e Doutor em Teologia, este
20
último grau obtido aos 28 anos de idade – infelizmente por
problemas administrativos da faculdade onde doutorou-se, toda a
turma teve seu doutorado reconhecido apenas como Doutorado
Livre em Teologia, com registro no Conselho Federal de Teólogos,
mas não no Ministério da Educação.
No fim de 2003, criou o “Grupo de Estudos e Pesquisas
Sobre Terras e Gentes” que tem como foco o estudo da Amazônia e
as modificações antrópicas nela estabelecidas.
Em 2005, aos 28 anos de idade, mesmo ano em que
doutorou-se e teve uma grave cólica renal, a ponto de ser levado ao
Pronto Socorro pela ambulância do SAMU, casou-se. Teve o
privilégio de casar-se com a professora Iracilda, com quem, anos
mais tarde, teve um casal de filhos.
Em 2006, mais gordinho pelo casamento e tendo publicado
seu primeiro livro, teve o privilégio de, pela graça de Deus, ser
eleito Diácono da Igreja Presbiteriana do Brasil, onde congrega
desde os 14 anos de idade e desempenha vários papéis e ofícios na
promulgação do amor, da esperança e da fé em Deus, Criador de
todas as coisas. No ano de 2007, foi eleito Presbítero Regente da
mesma Igreja.
Em 2008, Reginâmio prestou concurso para professor no
Ensino Superior de uma IFEs no Acre, contudo, mesmo passando,
não pôde entrar por “entraves técnicos que a justiça delegou como
de segredo”, coincidentemente, o segundo concurso para a mesma
área, na mesma IFEs, passando outra vez em primeiro lugar, não
pôde assumir a cadeira, novamente a justiça brasileira precisou
julgar a ação dos litigantes. Em ambos os casos, o mesmo motivo:
um docente metido a “semideus marxista” afirmou, explicitamente,
que não queria “crente” atrapalhando a docência universitária.
Em 2009, coordenou a área de Historiografia da Fundação
Cultural Garibaldi Brasil; além de ser convidado a fazer parte da
Academia Brasileira Virtual de Letras, na qual tem como patrono o
Geógrafo Milton Santos.
Outros concursos em diversas IFES vieram e, por fim, em
2013, Reginâmio ingressa na Universidade Federal do Acre como
professor de História.
Em 2014, Reginâmio aprova seu primeiro Projeto
institucional PIBIC, mesmo já tendo publicado 11 livros: sete deles
sozinho e outros quatro em parceria com vários professores. Em
parceria com professores da UFAC publica o menor livro do Acre
21
intitulado “Uma História do Acre em Retalhos”; é convidado a
integrar a Comissão Local da SBPC Jovem e Mirim, sendo eleito
Vice-Coordenador e, por fim, é convidado a integrar a Academia
Acreana de Letras.
Em 2015 realiza sua primeira publicação em uma revista
internacional, a convite de um colega da Argentina. No mesmo ano
ganha o “Prêmio Professores do Brasil” e vai, a convite, a Santiago
do Chile, expor sua teoria sobre a “transcrição, textualização e
transcriação” de relatos orais.
Reginâmio é o autor de mais de uma dúzia de obras, dentre
elas se destacando os livros:

• Sobre Terras e Gentes: o Terceiro Eixo Ocupacional de


Rio Branco (1971 – 1982);
• Memórias de Velhos;
• O monte: em busca do Altíssimo;
• Israel: testemunhas do Reino;
• Jesus: a missão do Cristo;
• O Sermão da Montanha;
• Retorno à Santidade;
• PROERD Rio Branco: Crianças e Adolescentes de bem
com a vida;
• Habitantes e Habitat;
• Habitantes e Habitat: a expansão da fronteira;
• Habitantes e Habitat: Porto Acre e Vila do Incra;
• Uma história do Acre em Retalhos.

Reginâmio Bonifácio de Lima é membro da Academia


Acreana de Letras, onde atua na difusão da língua vernacular e na
construção do ideal de um povo mais letrado e mais crítico que
busca conhecer as experiências literárias implementadas em nossa
nação.

22
Segunda Parte

O POETA E SEUS SEGREDOS

3
POESIA E AUTOR

A poesia emana do íntimo do autor. Os versos, as prosas,


rimas, métricas, técnicas e formas são apenas a túrbida expressão
do desarrolhar de sensações alinhavadas na tessitura da realidade.
Não gosto de publicar meus poemas por acreditar que eles
sejam a parte mais clara, translúcida e íntima de meu ser.
Atualmente, em 2019, tenho mais de uma centena de poemas
escritos e dois contos ainda não publicados. Talvez em tempo
oportuno – talvez postumamente.
A poesia é o sentir mais íntimo do ser. Sua expressão
reverbera em danças, músicas, pinturas, escritos dentre outras
expressões do ser que tantas vezes se apresenta irracional,
tergiversante, contraproducente – mas sempre sentida. O ulular
ecoa em reverberações que exprimem o ápice do ser. Tantas
vezes das letras posto como divagante, irascível ou introspecto,
o poeta ama, vive, sofre, sente, aproxima e apaixona e se vai – às
vezes se sai – e ao se perder por vezes se acha; em outras já não
é, mas sempre presente ainda que nas ausências que desnorteiam
a ebulição de seu peito e enrubescem sua face. Ora se faz, ora é
feito, em um constante emergir da alma que eclode profusamente
de si mesmo em difração para imergir rumo ao subconsciente.

23
COISAS DE MIM

Em muitos momentos tentei te entender


Mas é tão difícil, tão tenso.
E você nem liga em me fazer compreender.
Eu sei que às vezes te machuco
Com palavras, meu jeito de ser.
Passo e não te olho, te vejo e nem ligo – você diz.
Posso até parecer orgulhoso, mas nem sempre foi assim.

Eu penso tanto em coisas grandiosas.


Vivo com a cabeça nas alturas
Sempre ocupado
Sempre preso em mim
E, não te dei a minha atenção.
O tempo me fez mudar:
Você ainda é minha?!

Eu sempre quis fazer e dizer pequenas coisas


Mas com meu jeito grande de ser, te perdi.
Tenho desejado teu toque ardentemente.
Não sei se você me aceita, mas quero te dizer:
Você sempre esteve em minha mente.
E, embora não repita com frequência:
Eu amo você!

24
TARDES NOITES FRIAS

Jovens dias inconstantes,


Não sabiam que a vida,
Nas horas frias da noite,
Em flexível engano par,
Explode o imenso céu
Em lua estrelas e ar.
Tantos sonhos matinais,
Um momento ao sol nascente,
Chuva triste, céu sem foco,
Vespertinos tempos quentes.
Leves chuvas oscilantes,
Um milhão de pingos vindo.
Citam tempos de um passado
Recôndito, frio na noite,
Caindo em sóbrio telhado.
Lembro, olhando no relógio,
Longa trégua, tempo vão.
Folhas secas vulneráveis.
Tardes noites frias, vis.
Produzidas a mão livre,
Negando um final feliz.
E nas pautas do diário,
Dentro de padrões do nada,
Demitidos anos mortos,
Com carimbos já sem tinta.
Taciturnos sonhos indo
Sem que o gasto corpo sinta.
O grito soprano do vento
Entrando pela janela
Instala-se firme em meu peito
Com o intuito de aquecer.
Nessas tardes noites frias,
Para o sonho não morrer.

25
COISAS DO AMOR

Amar...
É querer dividir minha rede com você.
Viver...
É poder escolher quando e como fazer isso.
Sonhar...
É pensar em adiantar o relógio para que você
logo chegue.

Parece que inverti as coisas, mas não.


Às vezes, parece que sou você.
Outras és eu.
Assim, para não confundir, podemos ser nós,
Livres, vivos e independentes.
Querendo ficar juntos: sem anular o outro.

Amar... ________ ________ você.


Viver... ________ com ________
Sonhar... junto ________ ________

Não preciso amar com.


Nem preciso viver junto.
Só preciso sonhar você
Os espaços... a gente preenche.

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38
Terceira Parte

REPRESENTAÇÕES DO
CIENTISTA SONHADOR

4
HISTÓRIA
AS VOZES DA MEMÓRIA,
AS IDENTIDADES E O TEMPO1

Introdução

Tantas vezes, ao estudar as identidades, não se percebe que elas


só existem porque são partes dos homens e mulheres, construtores da
dinâmica processual e temporal que constitui a tessitura histórica. A
história da humanidade tem muitos sujeitos construtores de povos,
atitudes, ideias, credos pensamentos e origens diferentes. São
heterogêneos em suas interações e plurais em suas relações. As
multiplicidades que lhes são inerentes traduzem seus pensamentos e
ações, aumentando o que os seres humanos têm de mais rico: a
alteridade.
Desde há muito tempo a memória tem sido tema de estudos.
As abordagens feitas, em sua maioria, têm como foco o interagir do
indivíduo: cérebro, redes neurais, mecanismos pré e pós-sinápticos.
Ainda na Antiguidade, estudava-se a memória. Elizabeth Braga
resumiu a interação que se faz com a memória do passado:

Aristóteles (séc. IV a. C.) localiza as funções mentais no


coração (essa crença é marcada nas expressões “saber de
cor”, “decorar”, “recordar”). Os profetas bíblicos
consideram os rins e o coração ligados à alma humana.

1
O texto de revisão histórica foi originalmente produzido no ano de 2013. Foi
enviado para análise em fins de 2017 e aceito para publicação na South
American Journal of Basic Education, Technical and Technological. Issn:
2446-4821, V.5, N.2, Ano 2018, p. 244-257.

39
Os anatomistas alexandrinos (séc. III a. C.) sugeriram a
localização da função mental no cérebro. A localização
da memória no cérebro, hoje, é vista como
inquestionável e a procura de loci cada vez mais
especializados, considerados responsáveis pelo processo
mnemônico, move as pesquisas mais atuais [1].

Assim, a ênfase da memória saiu do coração para o cérebro.


Vários estudos tratam a memória como algo próprio do indivíduo e a
recordação como um processo apenas interno de materialização da
consciência armazenada. De outro modo, em autores como Squire,
citado por Braga [1], a memória é vista como um comportamento
inteiro. O cérebro é o centro desse comportamento. É a partir dele que
há a interação do homem com os outros indivíduos da espécie, com o
ambiente, consigo mesmo e com a cultura em que se insere.
Os gregos imputavam o conhecimento da memória a uma
deusa a quem veneravam, seu nome é Minemosyne. O Dicionário de
Mitologia Grega faz uma descrição de quem foi essa deusa tão
venerada por guardar e cuidar da memória:

Mnemósine, filha da Terra e do Céu, é uma das


Titénides. Ela é a deusa da memória e foi durante muito
tempo a única a ser considerada capaz de controlar o
tempo.
A jovem foi, também, uma das esposas de Zeus. Quando
a guerra contra os Titãs foi ganha pelos Olímpicos, estes
suplicaram a Zeus que criasse divindades capazes de
deleitar os seus tempos livres, celebrando dignamente a
sua vitória. Zeus dirigiu-se então junto de sua mulher,
que residia na Macedônia, e partilhou o seu leito durante
nove noites consecutivas. Como resultado, Mnemósine
irá dar à luz as nove Musas, cujo coro recordará aos
deuses, em forma de arte, a lembrança dos seus altos
feitos [2].

De acordo com Ana Lúcia Enne [3], “o século XX foi marcado


por um ‘boom da memória’ como preocupação das Ciências Sociais e
dos homens de um modo geral”. Para Enne muitos pensadores têm
apontado para a valorização da memória e da tentativa de pensar as
diversas categorias temporais como uma via de extrema riqueza nas
análises das ciências sociais e no mapeamento da construção das
identidades sociais. Marcel Proust [4] escreveu uma das mais belas

40
passagens acerca da memória, ela está contida em seu consagrado Em
busca do tempo perdido:

Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois


da morte dos seres, depois da destruição das coisas,
sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais
imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o
sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas,
chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de
tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas
gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das
recordações[4].

A busca do “aroma” e do “sabor” de que fala Proust [4],


caminhos para a busca da memória e do passado, tem sido uma marca
da sociedade contemporânea.
Delgado [5] vê a memória como ato de lembrar em um
processo de construção contínua nas condições do tempo presente. Ao
explicitar uma série de pensamentos sobre os sujeitos, em sua relação
com a história e com a memória, há a construção de alguns
pensamentos considerados primordiais em sua obra.
Na construção da memória, para Neves [6] procurar o que se
perdeu em nada é melhor que a falta de busca, porque mesmo que se
pense encontrar e se encontre o perdido – o que é um sonho utópico,
em grande medida – ele já não se insere no novo contexto. Esse achado
não se encaixa nas conjunturas que se vão tecendo em meio à dinâmica
do processo atual; e nem o será no futuro porque quando o futuro deixa
de sê-lo, para tornar-se presente, também este muda, se modifica e é
modificado, não apenas no tempo cronológico, mas também na
memória, nas lembranças e nas leituras dessas lembranças.
O foco não deve ser o de buscar o que se perdeu, mas procurar
o que pode renascer nesse novo presente [8]. Às vezes, o que parece
mais fácil aos olhos é o “objetificar” as pessoas, torná-los congelados
e fazer-se um jogo de cena com um antes e um depois: dois momentos
contrapostos que mais parecem ao espectador meros objetos de
curiosidade. Para Galeano, citado por Neves, “a memória é o melhor
porto de partida para navegantes com desejo de vento e profundidade”
[6].
De acordo com Ecléa Bosi [8], lembrar significa aflorar o
passado, combinando com o processo corporal e presente da
percepção, misturar dados imediatos com lembranças. A memória
permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo,

41
interfere no processo atual das representações. A autora ainda declara
que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória
coletiva, que muda conforme o lugar que algo ocupa e que este lugar
mesmo muda segundo as relações que mantemos com outros meios.
Édouard Glissant [9], em sua Introdução a uma Poética da
Diversidade,fala da idéia de “lugares comuns”, neles um pensamento
do mundo encontra outro pensamento do mundo, quando ele fala da
totalidade-mundo explicitando que a literatura provém de um lugar.
Isso é interessante por ratificar as vivências e relações se estabelecerem
no que o Reboratti [10] vai chamar de território local. Também Freire
[11] fala da valorização que se deve às culturas tradicionais, e que, por
não ouvi-las muitas coisas ruins acontecem com pessoas que poderiam
ter a situação-problema resolvida ou esclarecida pelo conhecimento
das populações tradicionais.
Stuart Hall [12] trabalha de forma mais sistemática a
conjuntura em que se forma e concretiza a identidade cultural do
sujeito pós-moderno. Ele afirma que a alteridade tem se mostrado
como necessária para que a nova busca de ver o local não se separe do
global, de mesma forma que o global tem sido visto a partir das
localidade. Porque, para o autor, hoje não existem mais “lugares
fechados em si”, há uma pluralidade de culturas interagindo
dialeticamente, sendo necessário aprendermos a viver com as
diferenças identitárias. Para Neves [7], as pessoas em suas relações
sociais criam e rompem laços de vínculo, vivendo suas vidas
interdependendo uns dos outros.
Fazendo um paralelo desse aspecto com o que Édouard
Glissant trabalhou em relação às culturas, almejamos trabalhar as
identidades em questão, procurando lembrar e afirmar explicitamente
que a identidade não é una, mas plural.
Essas identidades e memórias fronteiriças são heterogêneas e
“totalidades contraditórias” [10] em si, de si, por si, exatamente por sua
mestiçagem, suas pluralidades e turbidez. Abdala, citando Marli
Fantini [14], afirma que são identidades quebradas porque há os
rompimentos, os desenraizamentos e as descontinuidades presentes na
vida, e que tanto aparecem na fala eivada de interdiscursos. Por isso, é
tão complexo trabalhar com memórias e identidades.
Segundo Paul Thompson [15], as pessoas comuns procuram
compreender as revoluções e mudanças porque passam em suas
próprias vidas. A finalidade social da História requer uma
compreensão do passado que direta ou indiretamente se relaciona com
o presente.

42
Para trabalhar essas trajetórias de vida e histórias temáticas
que, pouco ou quase nada têm de escrito, é possível escolher a pesquisa
com relatos orais como base para registrar os discursos proferidos
através da rememoração presentificada das lembranças, por sua
possibilidade de “compor e interpretar” as histórias de vida das pessoas
em seu cotidiano. O estudo dos relatos orais discute a documentação
viva, ainda não aprisionada pela linguagem escrita e incorpora visões
subjetivas, sentimentos e observações dos indivíduos [15]. Sendo
vários os discursos que participam, integram e recontam a realidade, a
reconstrução dos fatos e a colagem das informações podem ter diversas
formas.

Material e Métodos

A aproximação entre memória e identidade é tratada neste


artigo relacionando a memória ao tempo, ambos de natureza social e
em um tempo que também é de natureza social. Sendo o ser
construtor/portador/interlocutor um sujeito histórico, recordar é um ato
coletivo, que está ligado a um contexto de natureza social e a um tempo
que engloba uma construção, uma noção historicamente determinada,
uma vez que se vislumbra a lembrança como a recordação de um tempo
revivido.
Quanto ao método, a proposta no presente estudo elegeu o tipo
qualitativo, por meio de uma abordagem teórico-aplicada, aliando a
investigação científica revisora e a construção social da memória por
relatos de oralidade. Quanto aos objetivos, o estudo teve caráter revisor
e explicativo.
Para além do texto escrito, ao atuar com relatos orais, o
procedimento metodológico deste estudo teve como base a oralidade
para a produção de conhecimento, recorrendo à memória como
principal fonte de subsídio e alimento das narrativas que constituíram
o documento final, que produziram a fonte histórica. Esse processo
premeditado envolve o entrevistador, o entrevistado, e a aparelhagem
de gravação, estimulando a “construção” e interpretação histórica nas
dimensões de tempo, consenso, conflito, espaço, fatos, lugares,
fronteiras, fissuras, intermitências, deslinearidades, dentre outros. O
objetivo foi produzir uma releitura sobre as vozes da memória, as
identidades e o tempo, com base em autores contemporâneos,
estudiosos da história sociocultural, que discorrem, ainda que de forma
dissociada alguma das temáticas citadas.

43
Resultados e discussões

A atualização das vozes do passado no presente presenteiam o


futuro com a memória. O ato de lembrar está inserido nas múltiplas
possibilidades de registro do passado, a partir do qual as identidades
são construídas e representadas de forma dinâmica, relacionando-se a
inserção social e histórica de cada depoente nos processos culturais,
comportamentais e hábitos coletivos.
Há a questão das identidades adquirirem uma dimensão
especial quando se trata da produção de documentos orais, porque pelo
afloramento das lembranças representativas do passado há a tradução
das similitudes e das diferenças. O reconhecimento dado está presente
nas dimensões dos tempos vivos. Para Delgado,

As dinâmicas das trajetórias individuais e coletivas se


dão em diferentes dimensões de tempo. O tempo não é
linear, mas torna-se volátil na lembrança, que por muitas
vezes é intermitente, agindo como preterizador do
presente ou presentificador do passado [5].

As identidades individuais e coletivas têm forte suporte na


memória, uma vez que a memória é uma construção presentificada do
passado, sendo ela renovada no tempo e nas representações de seu
processar nos diversos ritmos, individualidades e coletividades.
Uma vez que esses processos não se dão fora do tempo ou do
espaço, as representações sobre o tempo se referenciam na
materialidade real, que se relacionam com os momentos e movimentos
históricos, tanto quanto com a interpretação desses momentos.
É certo que existem várias conjunturas da história; a real
construção dos fatos e acontecimentos envolvidos são imutáveis,
contudo a interpretação que evolve esses processos específicos são
naturalmente influenciadas pelo tempo no qual as testemunhas e os
sujeitos envolvidos estão inseridos. Não é uma questão de
relativizações, mas de compreensão das manifestações cognitivas de
cada ser envolvido que tem seu viver pontuado no tempo e no espaço.
São múltiplos os movimentos da história, muitas vezes,
contraditórios entre si; são simultâneos e se integram a uma mesma
dinâmica histórica; são faces diferentes do mesmo dado, conflituosas,
contraditórias com fissuras e diferenças, mas que se integram e
interagem em um mesmo “corpo histórico”. Seguindo a mesma
perspectiva em questão, Delgado afirma que:

44
Os movimentos da história são múltiplos e se traduzem
por mudanças lentas ou abruptas, por conservação de
ordens sociais, políticas e econômicas e também por
reações às transformações. Na maior parte das vezes,
esses processos, contraditórios entre si, acontecem
simultaneamente e se integram a uma mesma dinâmica
histórica [5].

O trabalho com a oralidade está no campo interdisciplinar,


utiliza literatura, iconografias, escritos, música, lembranças, dentre
outros, em um diálogo interativo com a psicologia, psicanálise,
literatura, antropologia e tantas outras área das ciências humanas e
sociais.
O tempo da memória vai além do tempo de vida do indivíduo,
já que é nutrida pelas interações e inter-relações registradas na psiké,
transmitindo as experiências consolidadas ao longo de diferentes
temporalidades. Por isso, dizemos que os tempos são múltiplos e essa
multiplicidade não apenas aparecerá, mas interferirá nos documentos
produzidos.
O tempo do passado pesquisado entra em choque,
contraposição e novo posicionamento quando percorre a trajetória de
vida do entrevistado, também o tempo presente que estimula o roteiro
e as perguntas do entrevistador interfere na história de vida e/ou
história vivida, já que a memória é um leque de infinitas possibilidades
dialógicas, reveladoras de lembranças, principalmente -, mas que
também velam e ocultam atos, atitudes e acontecimentos que os seres
humanos criam inconscientemente para se proteger de traumas, dores
e emoções que marcaram sua vida.
O tempo individual, muitas vezes, confunde-se com o tempo
coletivo na memória. Os substratos do ato de rememorar estão
diretamente ligados aos estímulos para o afloramento de lembranças e
sinais exteriores ao sujeito lembrante, em uma “flutuação da memória”,
a qual surge sem aparente causa ou “ativação da memória”, a partir de
incentivos e estímulos no decorrer do processo de exposição da
memória.
“As imagens”, muitas vezes, são disseminadas pela memória
coletiva como uma rememoração de um tempo passado que foi bom ou
aprazível; contudo, muitas dessas memórias não foram “vivenciadas”
pelos sujeitos relembrantes, antes são registros legados de uma geração
à outra, em uma representação disseminada pelo senso comum, por
familiares e amigos, ou ainda, em muitas vezes, essas memórias foram
institucionalizadas e refletem na fala do sujeito relembrante. Dessa
45
forma, o “passado não vivido” se integra a cada pessoa que se identifica
com épocas, situações, em uma inserção na memória coletiva.
Portanto, o procedimento da coleta de relatos orais está
integrado a uma metodologia que privilegia a realização de entrevistas
e depoimentos com pessoas que participaram de processos históricos.
Objetivando-se assim a construção de fontes ou documentos que
subsidia o registro de lembranças e esquecimentos da memória sobre
um outro tempo, a partir de narrativas entrecortados por emoções do
passado, ressignificadas pelas emoções presentificadas.
Não existe neutralidade em qualquer forma de se abordar o
passado, não somos teóricos flutuantes ensejando a verdade pura,
abstraída de juízos de valor. É preciso interagir em uma correlação de
convergências e divergências, reconhecendo o dinamismo do passado,
construindo o conhecimento que atua no tempo presente e resguardá-
lo como matéria-prima para o futuro, uma vez que a história e a
memória são articuladas pelas relações temporais “fecundas e
necessárias para a afirmação da condição humana. Os homens são
agentes da história e sujeitos da memória, do esquecimento e do saber”
[5].
Na dinâmica da temporalidade, a multiplicidade está,
inclusive, no que é específico, e, por sua vez, é plural, pelos
entrecruzares das experiências vividas que não se isolam ou dissociam
da totalidade das interações humanas. Uma pessoa pode até escolher se
isolar em um lugar, por muitos dias seguidos, mas não pode isolar o
fato de sua ausência ser sentida, ou seus atos costumeiros não mais
estarem por ele sendo praticados, ou ainda, sua voz ausente ser
presenciada e notada.
As temporalidades têm suas próprias conjunturas e somente
mergulhando nelas o pesquisador logrará êxito na atuação inicial de
buscar conhecer o passado. Na turbidez da memória, a amplitude
heterogênea do passado é vislumbrada com o interesse do tempo
presente. Entretanto, as constantes mutações e movimentos tornam
mais complexo o passado que de amplo e diversificado torna-se
inexpurgável em todas as suas dimensões. Por isso, a necessidade de
construção e representações e ressignificações sobre o passado
percebido pela memória.
Os conceitos que marcam a especialidade do tempo e a
temporalidade do espaço estão diretamente ligados aos valores e
imaginários que as ações humanas lhes conferem. Por isso, ao tentar
identificar, analisar e interpretar as ações humanas, suas trajetórias e
temáticas, devemos levar em consideração não somente a

46
simultaneidade social, mas também quatro elementos que caminham
juntos: o tempo, a memória, o lugar e a história em suas pluralidades
conjunturais, para a construção, ainda que de forma fragmentada e
tensa, das identidades desses homens e mulheres sujeitos lembrantes.
Delgado conceitua tempo explicando suas relatividades e projeções:

O tempo é um movimento de múltiplas faces,


característica e ritmos, que inserido à vida humana,
implica durações, rupturas, convenções, representações
coletivas, simultaneidades, continuidades,
descontinuidades e sensações (a demora, a lentidão, a
rapidez). É um processo em eterno curso e permanente
devir. Orienta perspectivas e visões sobre o passado,
avaliações sobre o presente e projeções sobre o futuro
[5].

Para Delgado, as análises do passado sempre são influenciadas


pela marca da temporalidade. Há sempre as demandas do tempo em
que se vive e as representações desse tempo. Esse tempo influencia
diretamente a forma como os olhos veem o que foi vivido e a
reinterpreta, sem modificá-la.
As vozes da memória constroem a dimensão de tecido social e
das identidades coletivas através de diferentes linguagens. A inter-
relação de temporalidades deve ser buscada como forma de captar o
passado que se constitui como espaço vivificador entre relações
históricas, as memórias e as identidades, na certeza de que estas são
melhor reconhecidas e analisadas a partir dos processos cognitivos
incorporados à trajetória de vida dos entrevistados.
São muitas as variáveis das identidades, e estas estão em
permanente construção. Na integração da tessitura constitutiva das
trajetórias, percebemos as identidades como simbologias, valores,
crenças, hábitos, experiências e tantos outros atributos culturais.
As identidades dos sujeitos lembrantes são atravessadas por
outras identidades, com orientações políticas, sociais, sexuais, de
gênero, dentre outras. Elas se mostram na vida cotidiana, na
complexidade de muitas frentes e em todos os níveis da cultura. Não
há uma identidade una desses sujeitos lembrantes. Antes, a constelação
de ideias expostas demonstra as tensões existentes, os conflitos e as
similitudes.
As identidades estão intimamente relacionadas com o
significado das experiências das pessoas. É um processo em construção
de significados que têm como base a cultura e as ações de

47
sociabilidade. Existem identidades múltiplas, como afirmou Hall [12].
Identidades e papéis sociais não devem ser confundidos, estes estão
envoltos e normas e estruturas de organização das sociedades,
enquanto aquelas são fontes de significado para os próprios atores e
são construídas pelos indivíduos nos processos por eles vivenciados.
O processo identitário é produzido quando da autoconstrução
internalizada pelos atores que atribuem a esse processo um significado.
Contudo, em nossa sociedade patriarcal há a confusão entre o papel dos
homens e das mulheres – que estão ligados a funções executadas
socialmente nessas sociedades – e suas identidades construídas.

O que se observa como padrão é que a identidade


tradicional outorgada em sociedades patriarcais produz
um sentimento de baixa auto-estima nas mulheres. Este
é o ponto central. No processo de desconstrução da
identidade, o quantum de auto-estima se altera, na
identidade reconstruída aprendem a gostar-se e
respeitar-se mais, ter autoconfiança, justamente por ter
sido capaz de romper com o modelo dominante [16].

A relação entre homens e mulheres interfere diretamente na


identidade forjada sócioculturalmente. Muitas das tensões
estabelecidas estão centradas não somente nas atividades religiosas, de
raça ou de viés político-ideológico – elas também estão presentes nas
relações de gênero estabelecidas no seio da sociedade.
A partir das tensões não resolvidas, que em muito influem nas
conjunturas históricas, pessoais e estruturais, percebemos que o fluir
do lembrar, esquecer, interagir, internalizar, presentificar, enfim, o
rememorar em suas múltiplas faces estão envolvidos com/pelo ato
migratório executado, redimensionado e resignificado pela energia
criativa existente no sujeito da memória.
A ideia de identidade constituída nesse contexto vai além de
um pretenso nomadismo ou uma transitoriedade, em que o querer não
fixar raízes é explícito no sujeito da memória. Na implicitude do fluir
as memórias, as identidades vão se formando, ou mostrando suas
formas, no expressar da cultura desses seres humanos ao discorrer suas
trajetórias de vida. Quanto a essas identidades culturais, Hall escreveu:

Acho que a identidade cultural não é fixa, é sempre


híbrida. Mas é justamente por resultar de formações
históricas específicas, de história e repertórios culturais de
enunciações muito específicos, que ela pode constituir um
“posicionamento”, ao qual nós podemos chamar
48
provisoriamente de identidade. Isto não é qualquer coisa.
Portanto, cada uma dessas histórias de identidade está
inscrita nas posições que assumimos e com as quais nos
identificamos. Temos que viver esse conjunto de
identidade com todas as suas especificidades [12].

Dialogando com Stuart Hall, sentimos a necessidade de


formular posicionamentos sobre a cultura popular uma vez que em
nosso trabalho temos utilizado a relação da memória a partir dos relatos
de homens e mulheres do povo, ou seja, ele está embasado na memória
construída em meio a cultura popular. Por esse diálogo, nos vêm duas
questões: O que seria essa cultura popular? Como ela se apresenta nas
relações sociais vivenciadas?
O termo cultura popular é utilizado desde o século XVI, pós-
Reforma Protestante, passou por diversas implicações e reformulações
nos séculos seguintes, em especial no XVIII, quando revirou a
“sociedade refinada” com seus estudos das tradições populares dos
trabalhadores pobres. No século XIX, com a “distinção cultural”,
moral e econômica, providenciada pelas reformas legislativas e
regulamentares, a cultura popular foi apropriada pelas lideranças
político-institucionais que estabeleciam “a lei e a ordem”, distinguindo
o popular do refinado. O século XX também teve o seu momento
ideologizador, a partir do “imperialismo popular”, com a
reorganização geral da base de capital e da indústria cultural, fazem
arremedos de representações populares na tríade. Ver os movimento
populares, apropriar-se deles e ressignificá-los, para então, levar
novamente ao povo essa “cultura popular” que as classes mais
abastadas consideram concebíveis ao modo de vida da população.
Muitas são as teorias de cultura popular e não é nosso foco
trazê-las todas à tona, tampouco asseverar cronologias ou veracidade a
qualquer delas. Contudo, há a necessidade de expor o que é popular em
nossa concepção, então iremos contrapor duas terminologias mais
utilizadas na atualidade para podermos explicitar a compreensão de
popular aplicada neste trabalho.
Há uma variedade de significado do termo “popular”. Diz-se
que algo é “popular” porque grande número de pessoas o compram,
leem, escutam e apreciam muito. Isto é uma definição mercadológica
de “popular” que está diretamente associada à manipulação do povo e
de sua cultura, uma cultura comercialmente fornecida que levam a um
estado de “falsa consciência”. Por isso, alguns poderiam pensar que
esses são uns “tolos culturais” por se deixarem envolver, sem terem
adquirido a consciência de que estão sendo alimentados com o ópio do
49
povo. E nos satisfaz o fato de podermos denunciar as indústrias
culturais capitalistas como agentes de manipulação e decepção dos que
por elas são influenciados.
Por outro lado, a tentativa de contrapor a essa cultura uma
cultura “alternativa”, que seja íntegra e expresse a autêntica “cultura
popular” das classes trabalhadoras não é melhor que a primeira. Isso
porque esta não considera as relações de dominação e subordinação do
poder cultural, não apenas pelo fato de as relações de autonomia,
coações, rupturas e resistências serem no tempo e no espaço, dentro do
social ou no entorno deste pelas periferias das situações congêneres.
Em segundo plano, o poder da inserção social está intimamente ligado
às materializações de atos e pensamentos atuantes nas formulações
interativas desses sujeitos. O produzir da dimensão de autonomia é
aplicável e sustentável no mundo das idéias, sendo sua aplicação na
concretude real uma projeção turva e obscura do conceito inicial.
Essas pessoas não são tolas culturais, elas são capazes de
reconhecer como as realidades de suas classes são reorganizadas, veem
a forma como são constantemente remodeladas, reconstruídas e
reorganizadas. É certo que as classes que concentram o poder cultural
acabam por dominar ou ter a preferência. As formas impostas
influenciam diretamente o agir, porque nenhum grupo social é isolado
em si, por si e para si. As relações de poder cultural, ainda que
irregulares e desiguais, demonstram que a cultura dominante tenta
constantemente desorganizar e reorganizar a cultura popular, mas
também pontos de resistências e momentos de suspensão.
No permanente campo de batalha da dialética cultural, não se
obtêm vitórias definitivas, o que se têm são posições estratégicas a
serem conquistadas ou perdidas [13].
Quanto à cultura popular, Stuart Hall [13] afirma que “é um
dos locais onde a luta a favor ou contra a luta dos poderosos é engajada;
é também o prêmio a ser conquistado ou perdido nessa luta. É a alma
do consentimento e da resistência”.
Ainda tendo em vista o enfoque da cultura popular no viés das
identidades, como práticas de resistências, Sayonara Amaral, a
tradutora de Stuart Hall para o Brasil, afirma que a cultura popular para
Hall:

É constituída por tradições e práticas culturais populares


e pela forma como estas se processam em tensão
permanente com a cultura hegemônica. Nesse sentido,
ela não se resume à tradição e ao folclore, nem ao que
mais se consome ou que se vende; não se define por seu
50
conteúdo, nem por qualquer espécie de “programa
político popular” preexistente. Sua importância reside
em ser um terreno de luta pelo poder, de consentimento
e resistência populares, abarcando, assim elementos, da
cultura de massa, da cultura tradicional e das práticas
contemporâneas de produções e consumo culturais [13].

A memória expressa não apenas as identidades, mas também


as multiplicidades de línguas, racismo, particularismos, etnicidades,
xenofobias, xenofilias, sexismos dentre outros processos culturais.
Nesse sentido de expressões múltiplas, Antônio Montenegro faz uma
distinção entre o campo da Memória e o da História, afirmando que:

O campo da memória se construiria, dessa maneira, a


partir dos acontecimentos e dos fatos que também se
transformam em elementos fundantes da história. Mas,
enquanto a memória resgata as relações do que está
submerso no desejo e na vontade individual e coletiva, a
história opera com o que se torna público, ou vem à tona
da sociedade, recebendo todo um recorte cultural,
temático, metodológico a partir do trabalho do
historiador. Os diversos órgãos formadores de opinião –
rádio, televisão, jornais, revistas ou instituições como o
Estado, a igreja, os sindicatos – caracterizam-se como
produtores de todo um conjunto de explicações e
representações acerca da realidade [17].

Paul Thompson [15] afirma que "A construção e a narração da


memória do passado, tanto coletiva quanto individual, constitui um
processo social ativo que exige ao mesmo tempo engenho e arte,
aprendizado com os outros e vigor imaginativo". Isso fica muito claro
na fala de vários entrevistados, quando expressam como era a vida
décadas atrás. Há um ar de veracidade mesclada com sonhos, sonhos
que podem ser reais ou imaginários, mas que de fato ocorreram, ainda
que na memória deles.

Considerações Finais

A prática cotidiana retratada pela memória dificilmente está


ligada à consciência dos fatos e sua vinculação com o imaginário do
passado que transcenda “o mundo das experiências imediatas e das
explicações do senso comum” [17].

51
Esses elementos expressos na narrativa quase nunca levam em
consideração as implicações político-econômico-sociais dos atos
vivenciados pelos sujeitos lembrantes, na própria relação vivida.
Assim, fica evidente que para muitos entrevistados a vida se resume às
suas próprias histórias de vida e trabalho. Os entrevistados narram os
acontecimentos que perpassam de forma transcendente aquilo que se
apresenta de forma mais imediata em suas vidas, ora por aspectos
comuns, ora por experiências do cotidiano.
As identidades estão sempre em curso, é na relação
tempo/espaço que se tensiona a memória que almeja conhecer as
referências fundamentais do passado. As lembranças são sempre
tencionadas no tripé memória/tempo/espaço. É pelo entrelaçar dessas
lembranças que memória resgata de forma presentificada o passado
vivido, ainda que vivido como substrato parcialmente construtor das
identidades.

Referências

[8] BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz - Editora


da Universidade de São Paulo, 1987.
[1] BRAGA, Elizabeth dos Santos. Aspectos da constituição social
da memória em um contexto pré-escolar. Campinas, [s.n.], 2000.
[5] DELGADO, Lucília de Almeida Neves. História Oral: memória,
tempo e identidades. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2006.

[2] Dicionário de Mitologia Grega. Memória e Minemosyne.


Disponível em: <http://dicionario-de-mitologia-grega-e-
mana.portalmidis.com.br/m/mnemosine.htm>. Acessado em:
22 de fevereiro de 2017.
[3] ENNE, Ana Lúcia Silva. Memória e identidade social. Disponível
em:
<www.castelobranco.br/pesquisa/vol1/?link=memoria2.php&tipo
=revista>. Acesso em: 12 de janeiro de 2007.
[11] FREIRE, José Ribamar Bessa. Tradição oral e memória
indígena: a canoa do tempo. Rio de Janeiro: mimeo, 1992.
[16] GARCIA, Loreley. Era uma vez... o uso da história oral nos
estudos de gênero. In: Mneme – Revista virtual de Humanidades.
N.° 11. v. 5. julh/set 2004. Distpnível em: <http://
www.seol.com.br/mneme>. Acesso em: 20 de novembro de 2014.

52
[9] GLISSANT, Édouard. Introdução a uma poética da diversidade.
Trad. Enilce do Carmo Albergaria Rocha. Juiz de Fora: Editora
UFJF, 2005.
[12] HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro – 9. ed. –
Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
[13] HALL. Da diáspora: identidades e mediações culturais.
Tradução: Adelaide La Guardiã Resende... [et al]. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2003.
[17] MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e Memória. 5
ed. São Paulo: Contexto, 2003.
[7] NEVES, Lucília A. Memória e História: substratos de identidade.
Coleção História Oral. (4) São Paulo: ABHO, 2001.
[6] NEVES. Memória, História e Sujeito: Substratos da identidade. In:
História Oral. Revista da Associação Brasileira de História Oral,
n. 3, jun. 2000. – São Paulo: Associação Brasileira de História Oral.
[4] PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. Rio de Janeiro:
Zahar, 2003.
[10] REBORATTI, Carlos E.. A question of scale: society,
environment, time and territory. Sociologias. Porto Alegre, n.°
5, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1517-
45222001000100005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 de março
de 2017.
[15] THOMPSON, Paul. A voz do passado - História Oral. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992.
[14] FANTINI, Marli. Águas turvas, identidades quebradas:
hibridismo, heterogeneidade, mestiçagem & outras misturas . In:
ABDALA JR, Benjamim. Margens da Cultura. Editora
Boitempo. 2004.

53
5
TEOLOGIA
O PLANETA VISITADO2

O Messias esperado era o Senhor de tudo, o Anjo da aliança e


Purificador da prata, sendo desejado e procurado, mas por Sua glória
e dignidade seria temido (Mc: 3.1 a 3). Na “plenitude do tempo” (Gl:
4.4) onde Roma passava como um “rolo compressor” a conquistar
povos e propiciar relativa paz, a pax romana; o helenismo atuante
numa cultura vasta, onde as línguas e os costumes gregos alcançaram
grande porção do mundo; a idolatria grega estava a se esgotar, o
judaísmo perdera a força, e os deuses das nações foram sobrepujados
pelo Panteão romano que, como uma “hidra que engolia os povos”,
assimilava a todos e os descaracterizava. Nesse mundo, poucos fiéis
aguardavam o Tsidkennu Yaweh.

(...) o senado romano queimou os livros sibilinos,


arruinou a autoridade dos flamíneos, destruiu as
instituições arbitrais e regressou ao seu sistema, no qual
a religião não passou dum instrumento de dominação
pública. Roma tornou-se a hidra que engoliu os povos
com os seus deuses. Pouco a pouco, ela foi submetendo
e espoliando todas as nações da terra. A prisão
Mamertina encheu-se de reis do norte e do meio-dia.
Roma, não querendo outros sacerdotes que não fosses
escravos ou charlatões, assassina na Gália, no Egito, na
Judéia e na Pérsia, os últimos detentores da tradição

2
Esse texto foi originalmente escrito como o Capítulo IV do livro Intitulado
Jesus: a missão do Cristo. LIMA, Reginâmio Bonifácio de. Jesus: a missão
do Cristo. Rio Branco (AC): Boni, 2010. ISBN 978-85-907581-8-1. Artigo e
livro fazem parte da Coleção “Um novo começo” fruto da minha tese de
Doutorado em Teologia transformada em “paper”. A tese, que continha 05
capítulos, foi transformada em 05 livros que traçam a necessidade do ser
humano adorar e não sentir-se só no universo. O que prioritariamente foi um
debate teológico com inserções sobre as relações do humano com o sagrado
nas religiões pré-cristãs, com ênfase ao século I, foi reescrita e recortada com
enfoque na cristandade nascente, a partir de uma visão histórico-refornada.
Vale à pena conferir os outros 04 livros da coleção que têm um viés histórico-
teológico-cristão.
54
esotérica. Fingindo adorar os deuses, ela não adora senão
a sua loba (SHURÉ, 1992, p. 17).

As grandes coisas realizam-se no silêncio: passaram-se cerca


de 400 anos desde a última vez que se ouvira a voz de Deus. Grandes
atos, ruídos, turbulências nacionais, em nenhuma delas estava Aquele
que tem a primazia; discreto em Seus movimentos, na claridade do
resplandecer, Deus, tocou o coração de Zacarias, um sacerdote da
turma de Abias, uma das 24 turmas que serviam no templo, através do
anjo Gabriel que lhe afirmou sua esposa Isabel, de idade avançada,
daria à luz aquele que iria endireitar as veredas para o Messias. O
evangelista Lucas escreve sobre o precursor de Jesus:

Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho


nem bebida forte, será cheio do Espírito Santo, já do
ventre materno. E converterá muitos dos filhos de Isael
ao Senhor, seu Deus. E irá adiante do Senhor no espírito
e poder de Elias, para converter os corações dos pais aos
filhos, converter os desobedientes á prudência dos justos
e habilitar para o Senhor um povo preparado ... O
menino crescia e se fortalecia em espírito. E viveu nos
desertos até ao dia em que havia de manifestar-se a Israel
(Lc: 1.15 – 17, 80).

O Altíssimo diversas vezes tentou comunicar-Se com os


homens, mas estes sentiam medo. O Criador era grande demais. Um
Deus santo, poderoso, puro, magnífico em soberania, inspirava louvor
e adoração tanto quanto temeridade e angústia. O servi-Lo se dava por
Sua grandeza e magnificência ou por rituais mais litúrgicos que
aprazíveis, por uma religiosidade cultural. A distinção entre o ser de
Deus e o ser humano, reverberava na memória: o monte tremendo com
a morte de quem o tocasse, a santidade da arca da aliança, o rosto
resplandecente conseguinte a um conversa com Deus, vestes
chamuscadas, a grandeza tamanha a ponto de uma separação do
santíssimo lugar. Era esse o Deus inacessível a quem os homens
serviam; o medo tantas vezes foi o centro da devoção e não a gratidão.
O temor antes associado ao culto já não tinha lugar na nova
aliança. Deus Se fizera pequeno, em carne “aquele que foi manifestado
na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado
entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1 Tm: 3.16).
Essa é uma referência feita pelo apóstolo Paulo, ao escrever a Timóteo,
mencionando a encarnação do Cristo, inclusive fazendo uma alusão à
Sua preexistência, ressurreição, ascensão e autenticidade das Escrituras
55
ao proclamar a exaltação de Cristo à mão direita de Deus. O mesmo
que por Sua palavra criou a matéria, tomou forma dentro dela.
O Criador escolheu uma forma acessível, gerou-Se a Si
mesmo, despojado de Sua glória, fez-Se óvulo fecundado e gestou de
uma virgem judia, chamada Maria. Tomando a forma humana, pôs em
prática o plano redentor. Nasceu humildemente numa estrebaria, não
estava rodeado de luxos, serviçais ou cantadores; foi visitado por
pastores, uma das classes mais dignas de descrédito em Sua época; veio
para os humildes, como humilde era a cidade que o recebeu: “E tu,
Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de
Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são
desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq: 5.2).
Alguns estudiosos, como Duquesme (1995: 33), tentam
desacreditar as circunstâncias do nascimento de Jesus conforme
narrado na Bíblia, relegando a um nascimento natural concebido pelo
intercurso marital, asseverando a concepção da natividade virginal não
passar de um teologúmeno3, uma tentativa de afirmar de forma
compreensiva a fé através de uma imagem construída simbolicamente.
A “Palavra de Ação Criadora”, assim João define o Deus
infinitamente vivo. A raiz da existência de Jesus está na plenitude do
Seu ser. O Filho de Deus Se fez homem, não desceu no homem para
nele morar, ou desceu para em glória resplandecer. Ele fez a Si próprio
um homem. Não queria que dEle dissessem ter apenas unido Seu
espírito a um corpo tido como baixo, limitado; Ele quis cumprir as
Escrituras manifestando-Se na carne, nascido de uma virgem, para dar
Sua vida em favor dos Seus. Ele “habitou entre nós” (João: 1.14), tendo
Seu corpo terreno como local de morada, uma tenda, um tabernáculo,
um templo de onde emana a presença do Criador. Quanto à concepção
de Jesus, a doutora em teologia France Quéré escreveu correlacionando
um costume judeu antigo: “Os judeus, na antiguidade, acreditavam que
relações sexuais no período de gravidez animavam o feto e o
fortificavam. José não cumpre essa recomendação: o filho é Deus, não
precisa de fortificantes masculinos” (QUÉRÉ, 1992, appud
DUQUESME, 1995, p. 60).
Há uma visível relação entre o início de Gênesis, “No princípio
criou Deus...”, e o início do Evangelho segundo João, “No princípio

3
O neologismo é composto de três radicais gregos: theos, logos, ménos, do
verbo meneaínein, não tendo tradução exata para o português, significa
“persistir intensamente desejoso de algo”. Essa asserção teológica afirma que
os cristãos querem muito o nascimento virginal de Jesus, por isso, se
empenham em comprová-lo sem que haja provas.
56
era o verbo...”. Literalmente, pode-se perceber a colocação de João
expondo Jesus como anterior à criação, por um correlato paralelo de
ambas as testificações. No primeiro versículo, ao descrever Jesus, o
autor utiliza-se do termo filosófico grego estóico, O verbo – logos. Esse
termo foi utilizado pela primeira vez por um filósofo grego chamado
Heráclito, por volta de 600 a.C., para ele, o logos era o plano divino
que coordena o universo em mudança, a razão. Com isso, João pôde
escrever para todas as nações “civilizadas”, pois o termo grego logos
significa simplesmente palavra, sendo seu correlato aramaico, Memra,
ao mesmo tempo em que o insere na cultura grega como sendo logos,
a palavra – conhecedora que coordena. A partir da justaposição de um
“Jesus”, “Logos” e um “Eliom”, “Theos”, a mensagem do Cristo se
fez acessível e compreensiva a ambas as culturas. O Dicionário da
Bíblia comenta o conceito e emprego do termo logos:

Bem no começo do Evangelho [segundo João] é


afirmado que Ele [Jesus] é a Palavra (Logos) de Deus
(Jo: 1.14-17)... O emprego da tradução “Palavra” (para
Logos); nossa versão diz “Verbo” é singularmente feliz,
pois por meio dela João foi capaz de falar aos judeus que
já haviam tomado alguns passos aproximando-se da
Palavra criativa de Deus (Sl: 33.6) que em algum sentido
foi concebido como um ser separado de Deus (cf. a
descrição figurada da Sabedoria, em Pv: 8.22 e segs.);
foi capaz de falar também aos crentes que pregavam a
Palavra de Deus e virtualmente identificavam-na com
Jesus (cf. Cl: 4.3 com Ef: 6.19) e ainda falar aos
pagãos educados que viam a Palavra (Logos) como o
princípio da ordem e da racionalidade no universo
(estoicismo popular). Porém, aquilo que João diz
ultrapassa em muito qualquer coisa que já fora
anteriormente afirmado (DOUGLAS, 1991, p. 839).

Não se sabe ao certo quando Jesus nasceu. A Bíblia afirma que


foi durante o reinado de Herodes, o Grande. Josefo escreveu que pouco
antes da morte de Herodes houve um eclipse4. Ocorreram três eclipses
nos anos 05 e 04 a.C., sendo o mais próximo da páscoa o de março de
04 a .C., já que a Páscoa ocorreu no dia 11 de abril de 04 a.C., portanto,
é muito provável que Herodes tenha morrido entre essas datas e Jesus,
nascido antes delas.

4
Antiguidades Clássicas. Livro XVII, cap. XIII, Sec. 2.
57
Muitos acreditam que a estrela de Belém foi um fenômeno
astronômico. Alguns estudiosos afirmam que foi o cruzamento das
órbitas de Júpiter e Saturno ocorridas no signo zodiacal de peixes, no
ano 06 a.C; outros acreditam que foi um cometa brilhante; os chineses
relatam um cometa muito brilhante ou estrela, no ano 05 ou 04 a.C. O
certo é que, por volta do ano 06 a.C., um astro resplandeceu no céu, e
aqui não cabe afirmar se estrela, cometa, meteoro, uma super-nova ou
fulgor de uma luz divina, esse astro anunciou a chegada de alguém
muito especial. O Sol nascente das alturas, proclamado por Zacarias,
pai de João Batista, como sendo: a Aurora em levante, um Sol
espiritual, dissipador das trevas da ignorância, do erro e do pecado.
Aquele que anteriormente foi chamado de “luz dos povos” (Is: 49.6),
“sol da justiça’ (Ml: 4.2) e “sol nascente” (Zc: 6.12). O mesmo que fora
anunciado por Gabriel a uma virgem nazarena, chamada Maria.
No sexto mês em que Isabel estava gestante, o anjo Gabriel
apareceu a Maria, uma jovem virgem desposada com um homem
chamado José – com quem ainda não havia tido relações sexuais – e
lhe disse que ela fora agraciada por Deus para dar à luz O que sentaria
eternamente no trono de Davi, sendo chamado Filho do Altíssimo, e
Seu nome seria Jesus.
Em Lucas 1. 26-38 está contida a narrativa da ocasião em que
o anjo Gabriel foi enviado para dar a notícia a Maria sobre o
nascimento do seu filho. No ato da apresentação de Gabriel a Maria ele
a saudou chamando-a de “muito favorecida”, indicando o grande
privilégio concedido a ela por ser escolhida para ser a geradora do Filho
de Deus. Jesus não seria concebido da mesma forma que todos os
homens, mas a miraculosa concepção seria efetuada pelo envolvimento
do poder realizador do Espírito Santo em seu ventre fecundando-o para
a concepção de uma criança, a quem seria dada grandeza e o
chamariam “Filho do Altíssimo”. “Descerá sobre ti o Espírito Santo e
o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra, por isso, também
o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” (Lc: 1. 35).
Ele seria o herdeiro do trono de Davi, e reinaria sobre “a casa de Jacó,
e seu reinado não terá fim”.
José ao Descobrir que Maria, sua prometida, estava grávida,
“sendo justo e não a querendo infamar” intentou deixá-la secretamente,
ao que lhe apareceu em sonho um anjo do Senhor explicando-lhe o que
ocorrera, e José desposou Maria não a conhecendo até que ela desse à
luz o menino.
Jesus foi plenamente Deus, mas também totalmente homem.
Sua história está contida em toda a Bíblia, tendo sido destacada pelos

58
quatro evangelhos escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João. A
tradição atribui a Marcos, o intérprete do apóstolo Pedro, a autoria do
evangelho sinóptico que leva seu nome. Segundo a doutrina teológica,
João Marcos escolheu esse nome, de origem latina, Marcus, por ter
estudado nos círculos romanos, portanto, seria a pessoa ideal para
escrever aos romanos5. Marcos procurava escrever as lembranças de
Pedro quanto à palavra ou ações de Cristo, mesmo tendo sido o
acompanhante do apóstolo Paulo e de Barnabé, um rico levita da cidade
de Chipre. João Marcos, como era chamado, após deixar Paulo e
Barnabé em Perge, retornou a Jerusalém, embora inicialmente tenha
parecido a Paulo uma deserção, tempos depois eles se reconciliaram,
como está contido na carta aos colossenses, onde é expresso o desejo
de Paulo enviá-lo à igreja de Colossos, além de outras passagens nos
escritos paulinos (Cl: 4.10; Fm 24; II Tm: 4.11). João Marcos, filho de
Maria, uma mulher de Jerusalém, encontrou-se com Pedro, tendo os
discípulos mais velhos uma significativa relação paternal para com os
mais novos.
Enquanto Marcos fornece uma breve narração dos três anos do
ministério de Jesus, apresentando-O como o Conquistador poderoso;
Mateus escreve aos judeus, apresentando Jesus como o Rei Messias, o
Único cumpridor das Escrituras com relação ao Cristo. Pouco se sabe
acerca de Mateus, entretanto, é sabido que ele era um coletor de
impostos do governo romano e foi chamado pelo Mestre para ser Seu
discípulo e apóstolo. O Evangelho que leva a sua assinatura foi escrito
depois do de Marcos; pelas passagens contidas em ambos, sendo as
mesmas resumidamente em Mateus, com um considerável acréscimo
de outros feitos não postulados em Marcos, assim, pode-se dizer que
Mateus conhecia o evangelho de Marcos. O evangelho segundo
Mateus tem como característica principal o ensino ético de Jesus
Cristo, sendo uma constante o cumprimento dos Escritos Sacros.
Os evangelhos de Marcos e Mateus se diferenciam
principalmente pela ênfase dada por este ao intuito de provar a
descendência real e sacerdotal de Jesus6, buscar estabelecer a verdade

5
O estilo de grafia, a moeda utilizada, a medida de tempo, a descrição, as
características, as poucos menções ao Antigo Testamento e a explicação dos
costumes hebraicos, demonstram a escrita desse evangelho para os gentios,
presumivelmente latinos.
6
Para ser sacerdote era necessário o candidato provar sua ascendência
remetida a Arão; enquanto para ser rei precisava provar sua descendência de
Davi, a quem foi dito ter a descendência perpetuada no trono governando o
povo de Deus; para ser o enviado de Deus era necessário teu uma ligação
59
histórica de Jesus e o Seu propósito do cumprimento da lei e dos
profetas.
O terceiro evangelho sinóptico foi escrito por um companheiro
do apóstolo Paulo, o médico Lucas, apresentando uma narrativa
histórica de Jesus como o perfeito homem divino. Foi escrito para os
gregos em particular; o Dr. Gregory afirma ser ele ideal para os gregos,
pelas qualificações do autor – um grego de grande instrução –, pelo
estilo e arranjo da obra, uma obra metódica reveladora de passagens
escritas por um pensador a um povo filosófico, o estilo eloquentemente
poético, acentuando as obras de Jesus em vez de Suas doutrinas e
omitindo partes distintamente judaicas ou acerca dos profetas. Assim,
como a lei cerimonial judaica a educação filosófica dos gregos não
salvaria a humanidade, a esperança de salvação estava na vinda do
homem divino.
O evangelho de Lucas foi escrito a partir de pesquisas do autor.
Seu prólogo afirma que ele não apenas teve contato com os que tinham
conhecimento pessoal da verdade das Boas Novas, mas também com
documentos escritos. Não tencionava escrever um tratado teológico ou
uma biografia no sentido estrito, ele cria em Jesus como salvador do
mundo e como Filho de Deus, tanto que O apresenta como Redentor,
no sentido universal. Mateus escrevera a genealogia de Jesus a partir
de José, da família de Davi, de Belém da Judéia, sendo respeitada sua
genealogia de acordo com os costumes; Lucas achou por bem escrever
a ascendência de Maria que, concomitantemente com a de José, levam
o Messias a um nascimento real e origem sacerdotal, tanto da família
paterna quanto materna, sendo Cristo o enviado de Deus.
Ao analisar as genealogias descritas acerca de Jesus, fica claro
o fato de a casa de Davi ter a descendência no trono e reinar sobre Israel
(2 Sm: 7.15 e 16), quanto a Salomão, não lhe foi confirmado ter
descendência e sucessão perpétua no trono; segundo Deus, a sucessão
só se daria “se andares diante de mim, como andou Davi, teu pai e
fizeres segundo tudo o que te ordenei...”; “se”, essa partícula exerce a
função de conjunção subordinativa condicional e significa que, para ter
a promessa feita a Davi também estendida à sua casa, Salomão deveria
andar diante de Deus sem se desviar (2 Cr: 7.17 a 22), o que não
ocorreu. Ao fim de seus dias, Salomão se Desviou e fez o que era mau
perante Deus (1 Rs: 11.1-13), por isso, O Senhor não cumpriu nele a
perpetuação da casa, nem a aliança messiânica. Mateus fala de Jesus

direta com Deus, passando pela raiz sacerdotal e real, apenas o Messias teria
tal antecedente, assim, as genealogias eram muito utilizadas entre os judeus
como forma de provar a raiz familiar de onde se é proveniente.
60
como sendo da casa de Salomão, com referência à genealogia de José,
esposo de Maria, ele acompanhou a gravidez e cuidou de Maria, sem
tê-la desposado ou influído, contudo, José não teve participação direta
na concepção de Jesus. Lucas fala da genealogia de Jesus, como sendo
da casa de Natã, filho de Davi, nascido em Jerusalém (2 Sm: 5.14), pela
ascendência direta a Maria. Assim, vê-se cumprida a profecia e os
desígnios da vontade soberana de Deus. O Messias descende
diretamente da casa de Davi, mas não da de Salomão, uma vez que a
concepção foi produzida pelo Espírito Santo em uma filha da
descendência de Natã.
Quanto à genealogia, ainda pode-se dizer ser ela
representativamente formal e não por produção direta. O fato de em
Mateus se contar três seqüências de quatorze predecessores de Abraão
a Jesus, e, em Lucas, contar de Adão a Jesus com uma proposição direta
de aumentar a enumeração do número de pessoas da árvore
genealógica de Jesus, não implica uma ou outra estar errada. O que os
autores buscaram foi comprovar diretamente a ligação de Jesus com o
gênesis da criação divina, sendo Ele sacerdote, segundo a família de
Arão7 e descender diretamente da casa de Davi, como prometido por
Deus. As genealogias veterotestamentárias tinham como fim o
arrolamento dos antepassados ou sua descendência para listar os nomes
das pessoas, de acordo com as famílias, para qualquer dada situação,
podendo ser meramente nominais ou adicionar informações e fatos
tidos por importantes, sendo elas postuladas em ordem ascendente ou
descendente.
Mesmo se forem consideradas como cronológicas, algumas
genealogias levam em consideração o grau de importância dada a
determinadas pessoas listadas, com essa informação vê-se que no caso
da descendência de Arão, listada em Esdras, capítulo sete e versos de
um a cinco, há a omissão de cinco nomes que são dados no primeiro
livro das Crônicas, capítulo seis e versos de três a quatorze. Em outras
genealogias ocorre o mesmo. Se comparadas às genealogias de Arão,
contidas nas passagens descritas acima, com as de Mateus e Lucas,
percebe-se que elas contêm não a literarilade seqüencial de nomes de
membros da família, antes de pessoas que se destacaram e tiveram
relativa significância para a família. O verbo yãladh não significa
apenas “gerar”, no sentido de físico imediato, podendo também
significar “gerar” no sentido de “tornar-se ancestral de”; também, a

7
Alguns teólogos afirmam Jesus ascender à ordem profética de
Melquisedeque, portanto sendo da descendência de Arão, mas tendo a
primazia sobre ele.
61
palavra ben não significa apenas “filho”, mas “neto” e “descendente”.
O que se vê nas genealogias neotestamentárias de Jesus é a
apresentação de Sua ascendência sem a necessidade de uma seqüência
de geração imediatamente direta, o que levaria a páginas de nomes
familiares. Os autores alcançaram o objetivo de demonstrar o ato de
Jesus Se solidarizar com a humanidade e ter uma ralação direta com
todos quantos vieram antes dEle.
O Evangelho segundo o apóstolo João foi escrito com o fim de
aprofundar as verdades já conhecidas através dos outros evangelhos.
João era um pescador que não tinha domínio da cultura helenista,
todavia, seus escritos demonstram uma intimidade com a filosofia e o
pensamento conciso. Pode-se, com isso, dizer que alguém douto no
pensamento da época escreveu para João, com base em seus relatos,
assim como, algumas cartas paulinas foram escritas a partir de sua
oratória.
De todos os apóstolos, João foi quem esteve mais intimamente
ligado com o Mestre, fazendo parte de Seu círculo mais próximo,
juntamente com Pedro e Tiago. O evangelho que escreveu foi
direcionado à igreja em geral, embora tenha sido escrito muitos anos
depois dos demais, ele evidencia a pré-existência de Cristo, Sua
encarnação, Sua relação com o Pai, na perspectiva de não aprofundar
os feitos materiais do Senhor, por ter Se apresentado a um povo
espiritual.
Os quatro escritos tratam do que Marcos afirma ser o
“evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. Essa palavra evangelho,
em grego evangelia, designa a recompensa dada pela entrega de boas
notícias, podendo ser traduzido como “boas novas” ou “boas notícias”.
A boa notícia é a mensagem que Deus, através de Jesus Cristo, cumpriu
as promessas feitas a Israel e que o plano salvífico seria posto em
prática para todos, como desde o início havia sido anunciado.
A existência de Jesus tem sido posta à prova por vários
teóricos, muitos deles insinuando ter sido Jesus meramente um grande
homem, um rabino ou ainda o fruto de maquiagens e retoques dados
no decorrer da história. Alguns escritores sugerem não haver evidência
histórica sobre Jesus. Em busca aos fatos relevantes sobre Jesus,
historiadores se empenharam e contribuíram diretamente para com a
ciência sobre a aceitabilidade histórica de Jesus.
O fato de se pensar que os escritos haviam sido produzidos
quase um século após a morte de Jesus fazia com que estudiosos
duvidassem de sua veracidade por acreditar serem frutos de lendas e
oralidade repassadas entre gerações, conseqüentemente, refutavam sua

62
autenticidade. William F. Albright, em um artigo para a revista
Cristianity Today (Cristianismo Hoje), de 18 de Janeiro de 1963,
escreveu: “Em minha opinião, todos os livros do Novo Testamento
foram escritos por judeus batizados, entre os anos quarenta e oitenta do
primeiro século d.C.” Frederic G. Kenyon, depois de uma vida
revisando os manuscritos do Novo Testamento, concluiu que o texto
que integra a Bíblia atualmente é absolutamente confiável. Ele
escreveu: “É tranqüilizador descobrir que o resultado final de todas
estas descobertas e de todo este estudo fortalece a prova da
autenticidade das Escrituras e nossa convicção de que temos em mãos,
com substancial integridade, a verdadeira palavra de Deus.”
(KENYON appud JEFFREY, 1998, p. 91). O arqueólogo William F.
Albright, em 1955, após pesquisas sobre o Novo Testamento e sua
temporaneidade escreveu: “Já podemos dizer enfaticamente que não
existe nenhuma base sólida para datar qualquer livro do Novo
Testamento com data posterior a 80 d.C. [todos os livros foram
escritos] provavelmente em algum tempo entre 50 e 75 d.C.”
(ALBRIGHT appud JEFFREY, 1998, p. 83).
Estão cravadas na história não apenas a veracidade bíblica,
como também a existência de um homem por nome Jesus,
cognominado Cristo. Cornélio Tácito, governador da Ásia, no ano 112
d.C., escreveu em seus anais sobre a perseguição aos cristãos, após
Nero tê-los falsamente acusado de incendiar Roma:

Cristus (Cristo), que deu origem ao nome, fora morto por


Pôncio Pilatos, procurador da Judéia no reinado de
Tibério; mas a perniciosa superstição, reprimida por um
tempo, irrompeu novamente, não somente pela Judéia,
onde o engano começara, mas também pela própria
cidade de Roma (TIBÉRIO CÉSAR. 112 d. c. Anais XV
44).

Plínio Secundus, chamado de Plínio, o moço, governador


romano da Bitínia, atualmente chamada de Turquia, escreveu
confirmando a existência de um culto ao Cristo:

O hábito de [os cristãos] se reunir num dia determinado,


antes do alvorecer, quando cantavam alternadamente os
versos de um hino dedicado a Cristo como para um
Deus, e se comprometiam, num solene juramento, a não
praticarem obras perversas nem qualquer fraude, a não
roubar, não adulterar, nunca usar de falsidade nas
palavras e não trair a confiança de ninguém, quando
63
fossem chamados a isso (PLÍNIO SECUNDUS.
Epístolas X 96. 112 d.C.).

Também H. G. Wells, um historiador moderno, sobre o fato


histórico e historicidade, relacionando-os à pessoa de Jesus, escreveu:

Um historiador como eu, que nem mesmo se intitula


cristão, descobre o quadro centralizando-se
irresistivelmente ao redor da vida e do caráter desse
homem muito significativo [...] o teste do historiador
para a grandeza de um indivíduo é ‘o que ele fez
crescer?’ Por esse teste Jesus está em primeiro lugar
(WELLS apud YANCEY, 2001).

De todas as evidências que se têm da historicidade de Jesus, e


já naqueles dias, a Sua aceitação como o Cristo – o que prova o título
não ter sido acrescido no Concílio de Nicéia, como querem fazer
parecer alguns teólogos liberais – sem dúvida alguma, os escritos do
sacerdote fariseu Flávio Josefo, judeu nascido em 37 d.C., que viveu
em Jerusalém, lutou como general judeu contra os romanos e vivenciou
a destruição do templo, são os que trazem maiores particularidades. Na
guerra, Josefo foi capturado pelos romanos, tornou-se amigo do
general romano Vespasiano e, como historiador, com acesso a
documentos romanos e judeus, escreveu um estudo sobre os
acontecimentos em Israel, no primeiro século. Essa obra foi
apresentada em Roma no ano de 94 d.C. com o título “Antiguidades
dos judeus”. Em uma dessas passagens está escrito:

Por essa época apareceu Jesus, um homem sábio, se é


correto chamá-lo um homem, porque fazia obras
maravilhosas, um mestre de quem os homens recebem a
verdade com prazer. Ele atraiu para si muitos judeus,
assim como muitos gentios. Ele era Cristo, e quando
Pilatos, por sugestão dos principais homens do nosso
meio, o condenou a morrer na cruz, aqueles que o
amavam desde o princípio não o abandonaram, porque
ele apareceu-lhes novamente vivo depois do terceiro dia,
como divinos profetas haviam predito, tanto estas como
milhares de outras coisas maravilhosas sobre ele. E a
tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não
se extinguiu até hoje (FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades
dos Judeus. Livro XVIII, cap. III, seção 3).

64
Historiadores liberais têm asseverado que as afirmativas acerca
de Jesus na obra de Josefo são incrustações cristãs posteriores, contudo,
ninguém pôde provar isto. Jesus fez grande diferença no meio dos
judeus e Seus seguidores influenciaram em muito a cultura e sociedade;
seria de estranhar se um historiador, estudando Israel no século I, não
citasse linha alguma sobre Jesus ou o movimento que dEle surgiu.
Philip Schaff, em seu livro História da Igreja Cristã, afirma que todas
as cópias do livro de Josefo, inclusas as em latim, eslavo e árabe,
contêm a passagem supracitada. Ninguém poderia fraudar tantas obras
em tantos países e nações; nem ainda no início, quando da publicação,
poderia se fraudar os originais e as cópias com o autor ainda vivo para
contradizer.
Ainda sobre a veracidade da existência de um Jesus histórico,
torna-se evidente pelo achado de 1947 d.C. Os rolos do Mar Morto,
descobertos por um garoto árabe, eram os escritos de uma comunidade
judaica que vivia às margens do Mar Morto, a comunidade asceta
essênia de Qumram, no Mar Morto. Os essênios existiram enquanto
grupo religioso de cerca de 200 a.C. até sua destruição pelos exércitos
romanos em 68 d.C. Eles resolveram se isolar do restante dos judeus e
viviam em algumas vilas, no Monte Sião, em Jerusalém e em Qumram.
Os escritos achados nas cavernas do Mar Morto contêm evidências de
todos os livros do Velho Testamento, exceto Ester. Esse achado foi,
sem dúvida, um grande feito, porque antes deles a tradução bíblica
mais antiga que se tinha era a versão de King James, de 1611 d.C.. Para
a surpresa dos perseguidores, com exceção de algumas variações na
grafia, nenhuma palavra havia sido alterada na versão King James em
relação aos escritos do Mar Morto. Mais que isso, nesses rolos
inicialmente traduzidos por um pequeno grupo de estudiosos, e, depois,
os ainda não traduzidos, liberados para os demais estudiosos, encontra-
se a menção a um “Messias” crucificado pelos pecados dos homens.
Esse rolo a que se faz referência, contendo apenas cinco linhas,
demonstra que o essênio que o escreveu entendia o papel duplo de
Jesus como os cristãos o entendem. O rolo O identifica como “o trono
de Jessé” (o pai do rei Davi), declarando que Ele foi “traspassado”,
descrevendo o Messias como um “líder da comunidade” que foi
“morto”.
Muito se tem a descobrir ainda nos rolos, já que sua tradução
ainda não foi completada nos dias atuais. Contudo, fica clara a menção
de um “líder da comunidade local”, ou seja, de Israel, “morto”,
chamado de “Messias”, alguém que foi “traspassado”, descendente
direto do “tronco de Jessé”, de quem descenderia o salvador de Israel.

65
Ninguém com ousadia, antes de Jesus, teve tantas semelhanças com o
Messias veterotestamentário, nem mesmo poderia se intitular Messias,
com a comprovação genealógica de pertencer ao tronco de Davi, filho
de Jessé, e ainda tornar-se um líder local traspassado e morto; e após
Jesus, com a destruição do templo e das genealogias nele guardadas,
ninguém mais pôde comprovar ascendência a Davi, por conseguinte,
se auto-intitular o Messias prometido.
A Bíblia pouco afirma acerca da infância de Jesus. A maior
parte do que se sabe sobre Ele está contida nos evangelhos sinópticos.
De acordo com Packer (2003), após Seu nascimento sobrenatural,
cinco seqüências de fatos são apresentadas. A primeira relata a
circuncisão de acordo com a lei judaica, ao oitavo dia, onde passou
pelo rito que sujeitava a obediência sob o pacto divino, identificando-
O com o povo de Deus. Nesse dia Lhe foi dado o nome de Jesus (Lc:
2.21).
A segunda reporta ao ato da purificação, conforme a lei
judaica, quando foi apresentado no templo para selar a circuncisão e
quando Maria fez a oferta dos pobres, pelo pagamento de cinco ciclos
(Lv: 12.8; Lc: 2.24). Nesse ato, o que chama a atenção é não apenas
Jesus ter nascido em humildade, com poucos bens materiais, mas,
principalmente, o reconhecimento de Simeão e Ana, atestando Sua
missão (Lc: 2.25-38).
Na terceira sequência, passado algum tempo, vieram à
presença de Herodes, o Grande, alguns sábios, inquirindo a respeito do
nascimento de um “rei dos judeus”, porque haviam visto uma estrela
no céu. Após consultar os escribas, Herodes soube que as profecias
apontavam para Belém-Efrata, na Judéia, o local de nascimento do
Messias, enviando para lá os magos e falsamente afirmando o intento
de adorá-Lo. Um anjo avisou os sábios do Oriente que não retornassem
a Herodes, e eles assim o fizeram. Quando os magos estavam próximos
a Belém, a estrela reapareceu, pairando sobre o lugar onde Jesus e Seus
pais estavam morando (Mt: 2.9).
A quarta, contém o relato de após a partida dos magos; Deus
mandou que José fugisse para o Egito com a família. Ao perceber
Herodes que eles não retornavam, e por não saber quem era o menino
rei, mandou matar todos os meninos de dois anos abaixo, em Belém e
adjacências, como contido nos feitos de Herodes, descritos no terceiro
capítulo. Após a morte de Herodes, Deus mandou que José voltasse do
Egito e esse passou a residir em Nazaré.
A quinta sequência de acontecimentos e ocorrências, alguns
anos após a quarta, se dá em sendo Jesus já adolescente – quando se dá

66
a passagem da infância para a vida adulta, de acordo com a tradição de
Israel; acerca desse fato e da precocidade de Jesus será tratado mais à
frente. Por ocasião da Páscoa, a família de Jesus estava no templo e
Este conversava com os mestres compenetradamente, a ponto de não
perceber a partida da Sua família. Seus pais, por sua vez, pensando que
Jesus estava com algum familiar na caravana, só perceberam Sua falta
muitas horas após a partida para casa. Ao retornar a Jerusalém e
inquirir a Jesus o motivo de Sua permanência no templo, a enfática
resposta dEste foi a de estar tratando dos negócios de Seu Pai.

Referências

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Trad. João Marques. Vol. I e II. São Paulo: Sociedades Bíblicas
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Chave Bíblica. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.
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DOUGLAS, J. D.; et all. O Novo Dicionário da Bíblia. Trad. João
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DUQUESNE, Jacqes. Jesus: A verdadeira história. Trad. Daniel Piza.
São Paulo: Geração Editorial, 1995.
HARLLEY, Henry H. Manual Bíblico: Um Comentário Abreviado da
Bíblia. Trad. David A. de Mendonça. 3 ed. São Paulo: Vida Nova,
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Stahel. 1 ed. São Paulo: Scipione, 1992.
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67
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Paulo: Vida Nova, 1995.
ROUX, Jean-Paul. “Jesus”. Fayard, 1989.
SHURÉ, Edouard. Jesus: A Missão do Cristo. São Paulo: Martim
Claret, 1992.
STOTT, J. R. W. Cristianismo Básico. Trad. Flávia Brasil Esteves.
São Paulo: Vida Nova, 1964.
YANCEY, Philip. A Bíblia Que Jesus Lia. Trad. Valdemar Kroker.
São Paulo: Vida, 2000.
YANCEY, Philip. O Jesus Que Eu Nunca Conheci. Trad. Yolanda
M. Krievin. 4 ed. São Paulo: Vida, 2001.

68
6
A SAGA DO HERÓI:
DAS AULAS DE HISTÓRIA À TELA DOS CINEMAS8

Introdução
O ensino de História na Educação Básica, sobretudo no
Ensino Médio, tem como fundamento proporcionar aos estudantes
um espaço para reflexão sobre as relações humanas em suas
vivências no tempo e no espaço. Nesse contexto, as deslinearidades
e a fluidez das relações estabelecidas no espaço-tempo dialogam
com o contexto em que o aluno está inserido, com as práticas por
ele vivenciadas e com as representações de mundo que se ensejam
necessárias para uma formação cidadã como aporte para vivências
cotidianas.
Nesse panorama, desde os Parâmetros Curriculares
Nacionais até as mudanças realizadas mais recentemente com a
nova Base Nacional Curricular Comum para o Ensino Médio
(BRASIL; 1998, 2018), contextualizar os conteúdos dos
componentes curriculares, ajustando-os à realidade e às
características dos estudantes tem sido o principal desafio dos
docentes da Educação Básica que atuam na área do ensino de
Humanidades. O trabalho docente, nessa perspectiva, necessita
considerar como base a construção de estratégias para que os alunos
trabalhem as habilidades e desenvolvam as competências de
reflexão sobre os conteúdos históricos apresentados, sendo capazes
de ressignificá-los, conectá-los e relacioná-los com o passado e com

8
Texto de autoria é uma mescla de relato de experiência com procedimentos
para adaptação das normas dos PCNs e BNCC à realidade da sala de aula. Foi
originalmente publicado no livro “Pesquisas no Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico” – 2019. IBSN: 978-65-80261-04-8. Foi produzida uma dúzia de
artigos sobre a temática dentre as quais destaco a falta de apoio dos
governantes e o processo de pesquisa no artigo “Iniciação Científica Jr no
Brasil: panoramas e abordagens para o fortalecimento da pesquisa na
Educação Básica”, e, a parceria com a comunidade escolar como base para a
superação das dificuldades cotidianas e construção do conhecimento no artigo
“Discurso, Literatura e Construções Identitárias em Sonhos em BVA”.
69
a realidade do lugar e do tempo em que as aprendizagens
encontram-se situadas.
Nesse afã de promover o ensino de História tendo como
premissa a realidade do aluno do Ensino Médio, desenvolvemos a
presente proposta de atividades, cujo objetivo principal foi aliar a
análise da saga dos heróis, desde as narrativas orais da Antiguidade,
contadas ao redor das fogueiras, até o contexto contemporâneo, em
que esses personagens emblemáticos renascem nas telas do cinema.
No início do ano letivo de 2017, apresentamos aos alunos o
Programa da Disciplina, dialogando sobre os objetivos, conteúdos,
habilidades e competências previstos para a série. Em um diálogo
muito franco, discutimos brevemente o que os alunos já sabiam
sobre os assuntos apresentados, abrindo a discussão sobre temáticas
transversais e sobre as que não estavam no programa, mas que eram
de interesse dos estudantes para estudo durante as atividades de
aprendizagem da História. Nesse momento, identificamos que, em
suas falas, os estudantes manifestaram grande interesse pelo
cinema, em especial os filmes que traziam os heróis como
protagonistas.
A partir desse mote, embarcamos com os alunos do 1.º ano
do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da Universidade Federal
do Acre em uma aventura que nos fez refletir sobre a capacidade do
professor interagir com a turma, partindo de onde os alunos
conhecem para caminhar juntos, rumo ao horizonte histórico.
Nas primeiras aulas sobre as origens da vida, teorias e
variantes, ficou claro que eles queriam mais. Não bastava saber de
onde viemos ou para onde vamos, eles queriam conhecer a si
mesmos, ao outro e se ver representados na história. Como que em
um “inscrever e apagar” (CHARTIER, 2007), sempre surgiam
contrapontos com os heróis da Antiguidade (BULFINCH, 2002),
em um jogo de vislumbres entre a “memória e a história”
(RICOEUR, 2008).
Eles não se viam como os deuses da Antiguidade, mas não
se sentiam prisioneiros das adversidades ou das circunstâncias.
Queriam descobrir, desbravar, estudar história como se o cotidiano
fizesse parte do passado e o passado se fizesse presentificado no
cotidiano (JENKINS, 2008). Então pensamos: por que não? Com
essa odisseia de filmes revisitando as histórias em quadrinhos
(ECO, 2006) e as salas de cinemas constantemente visitadas por
alguns dos alunos que aproveitam os dias de promoção para assistir
70
seus filmes favoritos. Por que não revisitar a história pela
perspectiva dos heróis por eles tão reverenciados? E assim o
fizemos.
Definimos como público-alvo do Projeto os estudantes que
estavam matriculados no 1.º ano do Ensino Médio do Colégio de
Aplicação. Durante todo o projeto, realizamos reuniões com a
equipe executora para alinharmos os nossos objetivos às
necessidades da clientela atendida e à metodologia das aulas
(SANTOS; PEREIRA, 2013). O projeto se desenvolveu entre os
meses de maio e novembro do ano de 2017.
Uma das discussões iniciais do Projeto foi propor um novo
olhar sobre o conceito de “cultura de massa”. Tal pressuposto foi
concebido como propagação ideológica, tendo sua origem na
década de 1930 com a Escola de Frankfurt, a primeira a abordar essa
questão, tornando-se um forte referencial para pesquisas nessa área,
inclusive neste trabalho (ADORNO, 1982; 2002; BENJAMIN,
1994). Diante dessa perspectiva de repensar esse conceito,
promovemos uma conversa com os alunos sobre os assuntos em
estudo e as histórias em quadrinhos (CARNICEL, 2006).
A estratégia de verificar a saga do herói (CAMPBELL,
1997; VLOGER, 2006) foi proposta com base nos anseios dos
alunos e sustentada com os estudos de obras que dialogavam com
a História em versão ilustrada, como a “Eneida”, de Virgílio (2009),
a “Odisseia” (2016), de Homero (2016), as obras de ficção “Aladin
e o gênio da lâmpada” (GALLAND, 2000) e “As mil e uma noites”
(GALLAND, 2001); além de histórias em quadrinhos Marvel
Comics (BEATTY et al, 2000; DARLING, FORBECK, 2009; DE
FALCO et al, 2006) e DC Comics (BEATTY et al, 2009).
Começamos lendo os livros e fazendo os debates iniciais sobre o
assunto, procurando destacar os heróis e suas ações nessas
literaturas. Em seguida, realizamos o debate sobre as ideias do autor
e sobre as obras objetos de leitura (ADORNO, 2002). O próximo
passo foi realizar as rodas de leitura, ocasião em que debatemos
alguns assuntos como a relação do fantástico com o cotidiano, a
memória de Sherazade (GALLAND, 2001) e sua perspicácia
utilizadas com o intuito de vencer as adversidades e permanecer
viva (FOUCAULT, 2001).
O objetivo traçado visava fazer os alunos lerem melhor,
desenvolverem habilidades de interpretação e argumentação do
discurso e da escrita em Língua Portuguesa, além de promover a
71
discussão sobre o espaço geográfico e fomentar a descoberta no
globo das localidades onde se passavam as sagas históricas e,
quando possível, as ficcionais. Tínhamos uma problemática: Seria
possível visualizar nas aulas de história a saga dos heróis assim
como se verifica nas histórias em quadrinhos e cinemas?
O encanto dos alunos pelos heróis em meio a essa
revisitação dos quadrinhos que está sendo reproduzida nas telas dos
cinemas foi preponderante para a escolha do tema (PINSKY, 2009;
VIANA, 2005).
No envolvimento dos alunos com as atividades propostas,
passamos a vislumbrar maior participação pessoal e coletiva nos
debates em sala de aula. Os estudantes, à medida que debatiam as
leituras realizadas, iam passo a passo construindo o respeito diante
dos posicionamentos diferentes, adquirindo nova percepção de si e
do outro em suas relações sociais.

Materiais e Métodos:

Para realizar este projeto, definimos como base os


documentos institucionais que versam sobre as diretrizes para o
Ensino Médio, sobretudo os PCNs, a BNCC e a Lei 10.639/2003,
de 9 de janeiro de 2003 (BRASIL, 1998; 2018; 2003). Para análise
das relações simbólicas e de poder expressas pelos heróis estudados
foram utilizados os pressupostos teóricos de Michel Foucault
(FOUCAULT, 2001; 2002), Pierre Bourdieu (BORDIEU, 2001) e
Emília Ferreiro (FERREIRO, 1992; 1987), que compreendem o
sujeito como derivado dos saberes, das práticas sociais, das redes
de poder e da ética. Nesse sentido, apontamos neste trabalho uma
prática que buscou fugir dos paradigmas que tratam de sujeitos
universais e dos que focalizam o psicológico em processos privados
e íntimos (ADORNO, 2002).
O trabalho foi desenvolvido em uma escola pública, com
alunos que cotidianamente convivem com colegas que são
diferentes entre si, e que precisam conviver com situações de
alteridade, interdiscursividade e poder simbólico (FOUCAULT,
2001; 2002). Neste estudo, além das leituras referentes à literatura,
foram trabalhadas as histórias em quadrinhos dos multiversos DC
Comics e Marvel Comics, bem como as relações de ideologia,
poder e alteridade que, em seu tempo, contribuíram
72
significativamente para transformação e evolução das HQs, desde
sua criação até os dias de hoje. A fim de proporcionar um maior
conhecimento sobre a história das histórias em quadrinhos
(MOYA, 1993), realizamos uma pesquisa sobre o tema dos heróis,
abordando suas características e sua história, sua contextualização
e evolução pelo mundo.
O método de pesquisa utilizado consiste na seleção de
passagens e momentos da História Antiga (VIRGILIO, 2007;
HOMERO, 2015; ALVES, 2016; COTRIM, 2002; MORAES,
1993), correlacionados ao contexto das histórias em quadrinhos
(ECO, 2006; BEATTY et al, 2012; 2009; DARLING, FORBECK,
2009; MORAES, 1993), nas quais é possível fazer a leitura crítica
dos seus significados, sempre comparando com o momento
político-social referente ao período que enfocam ou ao período de
sua edição.
No amplo universo de informações desta arte centenária,
limitamos este estudo a se fixar na análise das ideologias, poder e
alteridade contidos no comprometimento político-ideológico dos
personagens e das histórias em seus multiversos, como também na
sua abordagem de temas sociais. Ao analisar mais profundamente
as HQs, não só de maneira textual, como também pictórica,
podemos obter nas suas entrelinhas um universo amplo de
informações e conceitos (VIANA, 2005; MOYA, 1977;
CHARTIER, 1998; EISNER, 2010; MAZUR, DANNER, 2014;
MCCLOUD, 2005).

Resultados e Discussões:

A turma em que desenvolvemos o projeto era considerada


“turma problema” da escola por gostar muito de conversar, em que
alguns alunos praticavam e outros sofriam bullying, e, estar sempre
“com a cabeça nas nuvens” (AQUINO, 1996; VASCONCELOS,
2000). Esses alunos tinham um outro problema relacionado às
dificuldades de letramento: ou melhor, alunos do Ensino Médio que
liam, mas não entendiam e nem conseguiam explicar a leitura recém
realizada (FERREIRO, 1987).
Esses problemas trouxeram à turma uma baixa autoestima
e, para superar essa dificuldade de não entender o que liam, muitas
vezes, achavam melhor falar de coisas interessantes como histórias
73
em quadrinhos e cinema. Na visão deles, essas duas artes pareciam
mais interessantes, pois “têm muitas imagens e poucas palavras” –
e essas figuras ajudavam a compreender o contexto das histórias,
tornando mais fácil decifrar o código de leitura da escrita (EISNER,
2010, MCCLOUD, 2005). Esse problema precisava ser resolvido
para que não houvesse reprovação em massa na turma, uma vez que
a dificuldade de leitura acarretaria problemas em todas as
disciplinas.
Como convencer alunos que não gostam de ler que História
é atraente? Como fazer para interagir com a turma ao mesmo tempo
em que se sonha que eles estudem os conteúdos? Vestindo a pele
deles. Isso mesmo, se eles gostam de heróis, estava na hora de
mostrar para eles que a história é cheia de heróis – e assim o fizemos
(RAMOS, 2014).
Propusemos alguns livros ilustrados sobre histórias que
falavam do conteúdo histórico e que se relacionavam com a
literatura (VIANA, 2005; BULFINCH, 2002) e eles se encantaram.
Em seguida, eles fizeram a proposta de aprofundar no estudo dos
heróis (ECO, 2006; MORAES, 1993). Para subsidiar melhor o
trabalho, no contexto do planejamento docente, resolvemos
aprofundar as bases teóricas do Projeto, pesquisando e buscando
inspiração em autores como Vogler (2006), Campbell (1997),
Foucault (2001; 2002), Eco (2006), Chartier (2007). Construída esta
base, fomos pôr em prática nossa saga.
O planejamento inicial foi adaptado para vislumbrar essa
nova possibilidade de atuação e verificação dos heróis durante o
transcorrer das aulas (SANTOS, 2013). Os conteúdos foram
definidos e correlacionados com os Referenciais Curriculares de
História do 1° ano do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal do Acre (ALVES, 2016; MORAES, 1993).
Em 2017, a BNCC do Ensino Médio ainda estava em
processo de construção, embora já estivesse sido disponibilizada
aos docentes para análise e sugestões de referenciais. Diante disso,
desenvolvemos uma série de debates e estudos sobre a nova Base
Nacional Curricular, a partir dos quais decidimos eleger algumas
habilidades e competências para trabalhar com os alunos (BRASIL,
2018, p. 560). Nesse intuito, voltamos ao Planejamento das ações
do Projeto e elaboramos a seguinte distribuição de Conteúdos
Curriculares da área de História, correlacionando-os com as

74
diversas sagas dos heróis presentes tanto na História quanto na
Literatura:

Conteúdo programático:

1° Bimestre Letivo: História: tempo, espaço, memória e


transversalidades; A Origem do homem; Pré-História; Civilizações
do Crescente Fértil; Civilizações Gregas; O Império de Alexandre
e a fusão cultural do Oriente e Ocidente. Heróis e Heroínas:
Cernunos (Herói Paleolítico), Khutulum (Guerreira Mongol),
Gilgamesh (Herói babilônio), Aquiles (Guerreiro Excepcional),
Hércules (Força física e perspicácia), Édipo (Inteligência
Brilhante), Ulisses (Supera as adversidades), Teseu (Venceu o
Minotauro), Perseu (Decapitou a Medusa), Agamenon
(Comandante - Guerra de Troia), Heitor (Guerreiro Troiano),
Cadmo (Venceu o Dragão de Tebas), Hipólyta (Rainha Amazona),
Atlanta (Caçadora do Javali de Caridon), Golém (Herói mítico
Judeu).

2° Bimestre Letivo: A Civilização Romana e as migrações


“bárbaras”; Império Bizantino e o mundo árabe; Os Francos e o
Império de Carlos Magno; Sociedade feudal. Heróis e Heroínas:
Rômulo e Reno (Fundadores de Roma), Eneias (Príncipe de Troia
na Calábria), Virgílio (Poeta e Dramaturgo), Tarcão (Chefe dos
Etruscos), Thor (Senhor dos Trovões), Átila, o Huno (O flagelo de
deus).

3° Bimestre Letivo: Renascimento comercial e urbano e Reformas


Religiosas; Formação e características do Estado Absolutista na
Europa Ocidental; As sociedades maia, inca, asteca e sioux. Heróis
e Heroínas: Diarmid O’Dyna (O amante da Gráinne Irlandesa),
Luthero (O Reformador), Joana D’Arc (Heroína francesa), Inka (O
filho do sol), Huitzilopochtli (Senhor da Guerra Asteca), Hunahpu
e Xbalanque (Mesoamérica), Cavalo Louco (Resistência Sioux),
Átila, o Huno (O flagelo de deus).

4° Bimestre Letivo: Sociedades africanas da região subsaariana até


o século XV; Expansão europeia nos séculos XV e XVI; O encontro
entre os europeus e as diferentes civilizações da Ásia, África e
América. Heróis e Heroínas: MudeKudeku (Ladybug Namíbia),
75
Tomoe Gozen (Guerreira Samurai), Afek (O espírito de Papua),
Dom Quixote (Cavalariço), Aladin (e o Gênio da Lâmpada),
Sherazade (As mil e uma noites).

Figura 01: Conteúdos da BNCC e heróis correlatos – 1° ano E.M.


CAp/Ufac.

Fonte: Acervo particular do autor.

76
Alguns dos quadrinhos baseados em heróis míticos com
representação histórica. Aladim (A busca por melhores condições
de vida na China), Sherazade (Luta por sobrevivência contra a
tirania), Fantasma (A defesa da floresta), Mogli – o menino lobo
(em defesa da vida), Tarzan (O choque de culturas na África
subsaariana), Batman (Trabalhador vespertino, Vigilante noturno),
Superman (Esperança após o “Crash” da Bolsa de Nova Iorque),
Mulher Maravilha (Movimento Feminista), Pantera Negra (Partido
dos Panteras Negras – EUA), Homem de Ferro (Guerra do Vietnã),
Hulk (Corrida armamentista nucleares), O Quarteto Fantástico
(Corrida Espacial), Thor (Busca por vida no espaço).
O livro “O herói de mil faces” (CAMPBELL, 1997) serviu
de base para a atuação de nosso histórico de busca do monomito,
pensamos em descrever a saga do herói e como ela se relaciona com
a construção dos heróis relatados pela história (VIANA, 2005).
Algumas aulas foram ministradas como projeto de ensino
no contraturno escolar, outras foram marcadas para que alunos e
professores se encontrassem em determinada sala de cinema (ECO,
2006), em que professores previamente conversaram com o gerente
do cinema para fazer uma adequação no preço do ingresso para que
os alunos pudessem usufruir do conhecimento científico ao mesmo
tempo em que visitavam a sessão matinê.
O interessante é que alguns dos alunos foram ao cinema pela
primeira vez nesse projeto – uma surpresa para os professores e uma
alegria ainda maior para esses alunos.
A saga do herói é a realização do desejo de professores que
perceberam a necessidade de aproximar a ciência e a escola,
envolvendo aulas de história com literatura ficcional, histórias em
quadrinhos e filmes nos cinemas (ECO, 2006, EISNER, 2010). É
uma oportunidade para troca de conhecimentos e de proporcionar
aos adolescentes espaços de expressão e de apreensão do saber fazer
ciência.
Buscamos imprimir nos estudantes o gosto pela ciência e a
leitura a partir de algumas atividades interativas. As atividades
foram concebidas para que suas ações se desenvolvessem de modo
multidisciplinar e transversal em torno de 05 (cinco) eixos
temáticos de conhecimento: cultura, comunicação, educação, meio
ambiente e cidadania.

77
Conclusões

Aprendemos muito, alunos e professores, e, nosso projeto,


que teria a duração inicial de quatro meses, decolou e cresceu por
quase oito meses na construção social do ser e o vislumbre da
história como uma leitura presentificada, transmidiática e
prazerosamente exequível (CIRNE, 1982).
Os itinerários formativos do currículo de história foram
revisitados na proposta de estudos para os exames escolares, mas
também foram constituídos de uma “pitada de paixão” pelos seres
heroicos e maravilhosos que, por vezes, aparecem no decorrer do
processo de construção do conhecimento.
Revisitamos a Antiguidade, a Antiguidade Clássica, a queda
de Roma e de Bizâncio, perpassamos pela Idade Média, as grandes
navegações e a descoberta do Novo Mundo, vislumbres das
múltiplas Áfricas e do Extremo Oriente (BRASIL, 2003) foram
propostos em igualdade de condições à revisitação da vida na
floresta e o “inferno verde” (RANGEL, 2001) que se tornou a busca
do “paraíso perdido” (CUNHA, 2000), vislumbres da modernidade.
Lemos HQs, debatemos livros, assistimos a filmes, reescrevemos
sagas e trajetórias; e, por fim, demos nossa contribuição à
humanidade apresentando o resultado de “nossos vislumbres e
devaneios” em seminários e mostras de conhecimento. O que ficou
então? Ficaram o prazer da experiência, o conhecimento construído,
as amizades adquiridas e os sonhos de que é possível seguir em
frente.
A saga dos “heróis históricos” e das “histórias em
quadrinhos” (EISNER, 2010; MCCLOUD, 2005) se faz presente na
vida cotidiana dos alunos porque somos humanos. Ela se dá através
das ações simbólicas de nossas próprias vidas. Os alunos
perceberam que é natural no ser humano deixar sua zona de
conforto, ter uma experiência que o transforma e, então, se
recuperar para repetir o ciclo novamente. A ideia que ficou não foi
a de enfrentar Darth Vader, Coringa, Lex Luthor, Loki, Thanos ou
a Hydra, mas perbeber que problemas assustadores e igualmente
tensos são enfrentados em nossa jornada cotidiana, seja em
participar de uma equipe esportiva, lidar com adversidades
cotidianas, arfar a possibilidade de um amor, ou, testes de
habilidades como o Enem.

78
Nossa turminha do 1º ano do Ensino Médio conseguiu.
Alcançamos os objetivos traçados. Como “Aladin”, eles venceram
o Gênio da Lâmpada dos receios de ler em público ou de assumir
que não entenderam o que leram. Nas “Jornadas Quixotescas”
(CERVANTES, 2002) enfrentaram e venceram seus medos que
pareciam moinhos de vento. Como “Sherazade”, as Mil e uma
noites se tornaram a possibilidade cotidiana do reinventar-se para
não perder a cabeça, para descobrir novas experiências, encarar
novos desafios.
Nas palavras do poeta: “navegar é preciso” (PESSOA,
2004). É preciso sair da comodidade de nossa zona de conforto
docente para desbravar a caverna além do mito, enfrentar o
Minotauro, reformar os ideais, descobrir novos povos, novas vidas,
novas civilizações intra e trans-oceânicas, e, enfim, sonhar com a
volta a Ítaca, ou, aos braços de Malina. Sejam bem-vindos à história
do cotidiano e às revisitações do passado presentificado.

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