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O HISTORIADOR E O FATO HISTÓRICO: UM DIALÓGO ATRAVÉS DA FONTE.

“Ora, quanto ao saber, não posso pretender que não


sei o que sei. Posso apenas pretender que sei o que não sei.”
Álvaro Vieira Pinto, 1960.
Filósofo

WILSON DO NASCIMENTO BARBOSA


PROFESSOR ASSOCIADO
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
F.F.L.C.H. – U.S.P.

Para Vera Lúcia Amaral Ferlini,


Historiadora e amiga.

(originalmente publicado na REVISTA DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE


“UNIMONTES" - JULHO DE 1999)
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Introdução

Nos cursos e departamentos de História das Faculdades de Filosofia e Ciências


Sociais formam-se hoje em grande número professores de História. Uma parte deles,
interessada em pesquisa historiológica, avança para a condição de historiadores, sem
que existam mecanismos legais capazes de avaliar o papel importantíssimo do seu
trabalho, particularmente num país que quer esquecer que existiu e de que efetivamente
isso consiste.
A luta do profissional historiológico compreende, assim múltiplas frentes: (a)
dignificar sua profissão, submetida ao mais feroz carreirismo pelos membros das classes
dominantes; (b) assegurar-se, enquanto docente, dos meios adequados para formar a
juventude; (c) defender sua postura metodológica, sem cair na luta administrativa contra
outras posições; (d) contribuir para a organização, catalogação e acessibilidade das
fontes de material historiográfico; e (e) ter, ele próprio, com seus estudantes, acesso às
fontes dialogar com eles e aprender com elas, transmitindo, dentro de suas
possibilidades, tais ensinamentos.
Vamos hoje levantar aqui alguns aspectos do último item, o diálogo do
historiador com a situação que elegeu estudar, através do elemento que materializa a
referida situação, ou seja, a fonte historiográfica.
Quando um estudante ou jovem historiador abre a porta da sala de um
orientador, e lhe diz:
_ Quero estudar tal assunto!
A resposta vem, infalivelmente:
_ Que fonte você encontrou?
Esse diálogo inicial na maioria das vezes é a origem de anos de sofrimento de
ambos, orientador e orientando. Mas é causa também de muitos momentos felizes, de
muito aprendizado e de muitas amizades duradouras. No entanto, uma parte do
sofrimento poderia ser evitada se o processo reflexivo, principal elemento que a pós-
graduação procura incutir nos pós-graduandos, fosse exercitado sobre o sólido terreno
do conhecimento formal de certas disciplinas que, por pobreza dos nossos cursos, por
falta de meios, andam escassas no processo formativo. A Teoria da História, a
Metodologia da História, a Heurística e Heuremática, para citar apenas algumas
(poderia citar Paleografia, Hermenêutica, etc.) encontram-se em situação de extremo
esquecimento, havendo-se tornado, praticamente, apenas referências. Sabe-se, contudo,
que não é possível formar historiadores sem essas disciplinas, sem o estudo, por
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exemplo, da Lógica, etc. A posição do historiador-docente, tornou-se assim,


particularmente difícil.
Compreendido como um “simples” professor, exige-se dele cargas horárias
totais em sala de aula, deixando-se de lado o trabalho fora da sala de aula . O citado
profissional deve contudo, em horas livres, na escola, em seu lar, etc., receber os alunos
que pretendem se formar historiadores, e ali assistí-los de modo completamente
artesanal. Estes métodos de trabalho são desprovidos de profissionalismo e se referem a
um tempo em que a crônica historiográfica não possuía método científico e se constituía
diletantismo das classes dominantes.
Ao mesmo tempo em que se comprimem turmas cada vez maiores sobre
coletivos cada vez menores de docentes-historiadores, aumentam as exigências do
público específico quanto ao processo de sua formação, porque são egressos de um
ensino secundário que merece ser classificado de vestigial. Por outro lado, melhores
historiadores têm sua formação subsequente bloqueada pelo emagrecimento das
instituições públicas e pelo galope desta nova maravilha importada, o desemprego.
Todavia, enquanto não estala a última “bolha de prosperidade” metropolitana,
voltemos à necessidade de encaminhar o orientando, que havia escolhido um tema, ou
até mesmo, um “objeto de pesquisa”. Aquela pergunta-resposta do orientador encontra
sua justificativa na importância crucial da obtenção de fontes, para que se possa, do
ponto de vista historiológico, abordar a situação que se quer estudar, o “evento”, ou
ainda, o “fato histórico”. Todos estes nomes referem-se ao mesmo personagem. Não se
pode ter acesso a uma situação que se quer estudar no passado, ainda que passado
recente, sem um documento ou um grupo de documentos.
Como dizia o saudoso historiador Guy José Paulo de Hollanda, “a fonte é um
motivo de felicidade e de infelicidade para o historiador”. Fica-se feliz porque
encontrou-se o que se buscava. No entanto, é necessário trabalhar com todo o rigor,
para evitar que a felicidade não se torne infelicidade. Podem ser cometidos erros, até
mesmo lamentáveis, e tais erros podem criar uma dúvida sobre a boa fé do historiador
que os cometeu. Por isso, quanto mais cuidado no tratamento da fonte historiográfica,
mais oportunidade se tem de evitar os erros mais crassos. O primeiro desses erros seria
a datação errada da fonte.
Nem sempre a fonte data da data que a ela se refere. Sua datação pode dever-se a
formalidades, a interesses em falsificar, à leitura errônea, etc. É preciso xecar com
consciência, antes de datar a fonte, porque desta datação irá seguramente depender a
aceitação das muitas informações que ela contém.

1 – Observação da Fonte.
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A preparação profissional do historiador resulta, em geral do aprendizado


adquirido no trato de certas disciplinas históricas e no trabalho orientado de uma
dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Hoje em dia começa-se a dar importância
a duas oportunidades, ainda bastante desiguais e dissociadas entre si; (1) iniciação
científica; (2) redação do escorço de fim de curso, a “licença do bacharelado” (licença
filosófica”). A iniciação científica é um meio de formação para pesquisador muito
importante e realmente capacitador. O número contudo, dos alunos que portam bolsa de
iniciação, aproximadamente 25% dos que fazem iniciação, é ínfimo. Mesmo
considerando-se a totalidade de bolsistas e não – bolsistas, o número é muito pequeno,
na iniciação científica de História.
Isso implica dizer que três das mais importantes disciplinas ditas auxiliares da
História, sejam apresentadas aos estudantes, em sua maioria, de maneira muito
resumida, nos cursos de Teoria da História, de Metodologia da História, ou de História
da Historiografia. Por outro lado, a recente pouca habilidade dos estudantes de História
no domínio de idiomas estrangeiros vem contribuindo para a perpetuação dessa
debilidade formativa. Os alunos, assim, pouco sabem da Heurística, da Hermenêutica e
da Heuremática, ao contrário daqueles que se formaram há quarenta ou cinqüenta anos
atrás.
Esta dificuldade se manifesta na pós-graduação, sob a forma do chamado “hiato
de elaboração do projeto de pesquisa”. Em que consiste tal “hiato”? Na verdade, ele
expressa a dificuldade do estudante, agora pós-graduando, de tornar-se pesquisador. O
jovem pesquisador, sem experiência de investigação, escolhe o tema de sua pesquisa,
sem haver obtido a fonte da mesma. Por outro lado, os historiadores-mirins, que tiveram
um treinamento básico naquelas três disciplinas, têm a habilidade de livrar-se de tal
hiato, porque eles sabem que a escolha da fonte precede ligeiramente a fixação do tema.
Ou seja, a fonte, seu tratamento heurístico e hermenêutico, determinam o tema, o objeto
de pesquisa. Por outro lado, o historiador aprendeu também que deve escolher uma
fonte como principal, deixando as outras que obteve como de apoio isto é, elas vão
trabalhar em apoio da fonte principal. Esta situação nem sempre é percebida pelo
pesquisador sem experiência, que luta também com dificuldades para classificar suas
fontes. Portanto, este artigo em certa medida está endereçado para sanar tais
dificuldades.
A relação tema-fonte, em geral chamada “objeto de pesquisa”, é de fato muito
complicada. Ao se situar diante de uma escolha historiológica, com suas implicações de
“objetivos”, “justificativa da pesquisa”, etc., o historiador deve, em seguida (ou antes...)
definir a (s) fonte capaz (es) de iluminarem a relevância que se constitue “objeto”. Em
geral, se temos o caso de um historiador jovem, trabalha sozinho em seu projeto de
mestrado ou doutorado. Na maioria das, vezes, os pesquisadores historiológicos,
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mesmo quando docentes universitários, trabalham sozinhos, ou como líderes de um


grupo de três a seis jovens historiadores, mestrandos e/ou doutorandos. “Carregou”
assim, nas costas e nas tendinites, as pomposas “linhas de pesquisas institucionais”. São
raros os historiadores sêniores que conseguem montar uma equipe totalmente financiada
pelos órgãos públicos ou instituições privadas, se estamos falando de Brasil.
Infelizmente, o hiato de elaboração do projeto de pesquisa tem já feito muitas
vítimas na formação historiológica brasileira, para que continuemos a tratar esta questão
com o estigma da “vocação”. A responsabilidade profissional de todos nós exige um
dado mecanismo de pressão para elevar o nível da formação no nosso ramo, através da
obtenção de financiamentos extensivos, verbas para a tradução de textos indispensáveis
aos estudantes, reforço monetarizado do intercâmbio e da interdisciplinaridade, etc. A
insistência em tratar o estudante e o pós-graduando de História como suspeito de
alguma atividade nociva empobrece nossa formação, nossa cultura e seu elemento
chave, que é o desenvolvimento crítico da consciência própria dos brasileiros.
Uma dada situação histórica, até o momento de sua escolha considerada
relevante ou não, é a origem de uma pesquisa historiológica. Esta escolha de uma dada
situação histórica elege um EVENTO, um fato aparentemente casual, irrepetível e
único, que o historiador deseja tratar como expressão de culturalidade e, portanto, digno
de abordagem.

2 – Definição da Origem da Fonte

A definição da origem de uma fonte historiológica contém elementos arbitrários,


embora a preocupação do historiador, ao fixar tal decisão, seja fortemente científica. A
relação tema-fonte, que compõe, torna possível, estrutura o objeto de pesquisa, é
avaliada em suas dimensões como capaz de exprimir a realidade do evento, fato
histórico que se quer estudar. A riqueza deste evento é a descoberta de relações
inusitadas, ou antes desconhecidas, que ele pode nos oferecer. Contrariamente a outras
disciplinas, a História e suas matérias auxiliares costumam explicar o “objeto” não pelo
seu isolamento, mas por sua vida de relações. É no isolamento de cada uma de suas
relações particulares que reside sua explicação, e não no isolamento do fenômeno
considerado de suas relação com outros fenômenos (àquele processo chamam os
historiadores “contextualização”).
A definição das relações primárias do fenômeno que estão contidos na fonte
contribui, em certa medida, para a própria definição do papel prescrito para a fonte por
seus autores e ao mesmo tempo, posiciona a fonte, para esta pesquisa considerada,
como principal ou não principal (dita homófonamente “secundária”). “De que trata a
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fonte”, “qual o significado básico de sua criação enquanto documento” “como ela foi
por nós (ou outros) obtida”, etc., são algumas das perguntas que devem ser respondidas,
para que se possa chegar ao âmago possível das relações por ela indicadas.
A identificação ou definição da origem da fonte permite sua classificação e o
prosseguimento das normas heurísticas e hermenêuticas necessárias ao seu melhor
aproveitamento. Define-se, pois, como decorrência, a forma precisa de sua utilização na
efetuação dos objetivos da presente pesquisa. Num certo momento, deverá o
pesquisador definir o papel desta fonte em seu processo de investigação e já aqui estão
postas as pré-condições para tal.
A importância da definição do processo relacional da fonte reside no fato de que
sua posição deve ser confirmada pela comparação possível com outras fontes. No caso
da inexistência aparente de outras fontes, está obrigado o investigador a elaborar as
matrizes heuremáticas respectivas, como, por exemplo, o quadro das oposições
antinômicas dos pesquisadores da escola dialética, com vistas a enquadrar o mais
corretamente possível as relações explicadas pelos métodos dedutivo e indutivo, e quais
as partes obscuras restantes que não podem ser explicadas pela matriz respectiva, mas
que devem ser submetidas à pesquisa empírica .

Exemplo de Quadro Heuremático


Fonte Assunto 1 Assunto 2 ... Assunto n - 1 Perda Ganho

Falsa
Informe
Informação
Verdadeira
- +

Perguntas: “é essa fonte o que ela pretende que seja?”


“conteúdo da fonte” ?
“autores” ?
“público-alvo” ?
“certo (parece)” ?
“errado (parece)” ?
“posição com relação a outras fontes” ?
Conclusão parcial: “vale a pena usar” ?
“o que vale a pena usar” ?
etc.
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Para exemplo de um quadro heuremático exclusivo da metodologia marxista ou


dialética, veja-se o exemplo que segue:
Objeto de pesquisa: A (livre escolha)
Fenômenos relacionados: a1 (dedutíveis da escolha)
a2
a3
.
an
As oposições antinômicas relativas requerem conhecimento empírico (isto é, não
podem ser simplesmente deduzidas).
Veja-se:

Esquema 1
Dialética da parte e do todo; oposições absolutas e relativas

Antinomia Burguesia Proletário = População


(A) mau mau mau
(R) mau bom ?
(R) bom mau ?
(A) bom bom bom

Leitura:
Exemplificação ao extremo:
_ Ou seja: o que é mau para a burguesia e é mau para o proletário, é mau para a
população;
_ O que é bom para a burguesia e é bom para o proletário, é bom para a população;
_ As situações intermediárias exigem estudo empírico da opinião pública, e não
podem ser simplesmente deduzidas.
Observação: há uma contraposição dialética (negação) entre “modo de produção”
(abstração) e “formação econômica- social” (concreção).
Existe hoje em dia dois elementos novos importantes para o tratamento da
autenticidade das fontes. Ambas encontram-se ainda em estágio embrionário no Brasil.
A primeira dessas diferenças constitue-se o avanço das técnicas laboratoriais de análise,
que submetem a fonte a um exame global de coerência, que é da maior circunstância
para o historiador. A segunda possibilidade é o tratamento computacional da análise
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heurística e hermenêutica , por via da análise combinatória. A riqueza das observações


que se pode obter é simplesmente nova e assustadora, eliminando quase a zero a
oportunidade da contrafação ou falsificação documental.
Seria, no entanto, da maior importância que os órgãos financiadores brasileiros
compreendessem a importância de criar pesquisa interdisciplinar, com historiadores,
matemáticos e outros interessados na ciências sociais, no sentido de elaborar um pacote
específico de tratamento de fontes que fosse útil nas condições brasileiras de pesquisa.
A definição da origem da fonte, mesmo no caso em que ela seja falsificada, é
extremamente importante para a caracterização da importância e sensibilidade de um
objeto e de um tema de pesquisa. Em geral, decide-se a natureza formal de uma fonte
pela utilização de vasta gama de procedimentos hermenêuticos.
A datação rigorosa da fonte é importante elemento para sua inclusão como
principalidade ou não na pesquisa, e para muitas vezes, e escolha do próprio objeto de
pesquisa. Se os criadores de uma fonte pudessem fabricá-la dez ou vinte anos depois, e
eliminar este período de tempo, datando-a da própria época do EVENTO, ela poderia
colocar-se como elemento incorporado na situação histórica, eliminando a ruptura, que
a haveria de denunciar como informe e não informação. Desta forma, ela transformaria
o informante – conhecido ou não – em noticiante, participante ingênuo e necessário ao
pesquisador.
A datação da fonte de modo errado pelo noticiante é um erro menos grave que,
no entanto, não pode ser desconsiderado pelo historiador em sua pesquisa. Por exemplo,
um acordo entre partes pode, por interesse das autoridades, ser datado para trás em
vários dias ou meses, com vistas a embelezar as contradições sociais. No entanto, o
pesquisador seria de pobre valor se pudesse engolir tal gato por lebre.
Contrariamente, a definição correta do documento, poderia, por exemplo, levar a
buscar encontrar seus antecedentes formais e monitorar o processo real das negociações,
com seu amplo leque de possibilidades, que antecedeu ao estabelecimento da
negociação ou acordo definido como único, pelas supostas partes interessadas. Embora
o historiador se faça uma série de juízos acerca de uma determinada situação histórica,
buscando entendê-la, visualiza-la e recompô-la mentalmente, seu melhor resultado é
obtido através da obtenção de fontes de informação sobre o fato que lhe preocupa
naquela situação. Nesse sentido, as fontes podem ser classificadas de dois modos: (a)
fontes que registram informações sobre uma situação, e que tenham sido
deliberadamente produzidas para isto; (b) fontes que não foram produzidas para tal, mas
fornecem informações. Esta é certamente uma classificação quanto ao propósito, em
“voluntárias” e “involuntárias”.
A fonte voluntária – Uma fonte que nos foi deixada deliberadamente para referir
ou informar sobre uma situação se caracteriza por inúmeros vícios, que no entanto
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podem ser atenuados, se o historiador está vigilante. Ao lado destas supostas


desvantagens, a fonte voluntária possui uma das melhores qualidades que uma fonte
possa ter. Ela nos revela como pensavam as pessoas à época, ou pelo menos, como
certas pessoas achavam plausível e sensato tratar com uma situação como aquela. Nesse
caso, ainda que a fonte possa conter os pecados de ser, em parte, memória, elas nos
oferece interessantes caminhos para a leitura hermenêutica, tanto analítica quanto,
depois, interpretativa. Por exemplo, lendo “Da Guerra Gaulesa” não podemos estar
seguros da maneira de pensar dos chefes gauleses, pois não há porque acreditar que
Júlio César daria uma visão correta de seus adversários.
Mas certamente podemos conhecer muito do que os romanos consideravam em
justo tratamento e avaliação dos seus adversários. A análise judiciosa das contrafações
do texto e das palavras torna-se aqui elemento importante para separar memória,
informe e informação.
A fonte involuntária – Há um caso perigoso em que uma fonte possa haver sido
falsificada, isto é produzida para valorizar informações falsas e, nesse caso, quase
sempre esta fonte terá a aparência de uma fonte involuntária. Escapando dessa situação
extrema, o historiador trata com um conjunto de informações que em parte refere-se a
uma situação que não era o objeto principal daquele documento. Esta observação de
viés é muito útil, porque certamente ela pode implicar uma redução no interesse do(s)
autor(es) da fonte em falsificar informações.
Algumas informações são tão disparatadas que elas cancelam a si mesmas. No
entanto, outras podem ser produto de mão experta, e hão de exigir uma vigilância muito
maior para eficaz utilização da fonte. Assim, a fonte involuntária pode conter
informações importantes sobre a parte ali silenciada, porque não teve acesso direto à
elaboração da informação. Por exemplo, informações sobre o trabalho das pequenas
oficinas de ourives no Rio de Janeiro podem ser importante fonte para a compreensão
do contrabando do ouro das regiões das minas, no século XVIII.
Quanto à sua natureza, sabemos também que as fontes podem ser primárias e
secundárias.
Fonte primária – chamamos “fontes primárias” aquelas que estão temporalmente
conectadas com a situação histórica em referência. Por exemplo, documentos do
governo português, de particulares, troca de cartas entre pessoas comuns, etc., que
estejam temporalmente conectados com o terremoto de Lisboa no século XVIII são
“fontes primárias” daquele fato histórico. Uma situação vivida por elementos de uma ou
mais sociedades leva à produção de informação e o registro dessas informações se
constituem fontes. Mas não é uma “fonte primária” sobre o terremoto de Lisboa um
documento produzido dez ou vinte anos depois, embora ele possa conter mais
informações sobre o fato do que os semelhantes daquela época. Isto porque o impacto
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que o levou a ser produzido não é certamente, o registro das informações situacionais
pertinentes. Seria ingênuo considera-lo portanto, “primário” ou “origem” daquelas
informações que relaciona.
Fonte secundária – chamamos “fonte secundária” qualquer tipo de
documentação produzida à jusante da referida situação ou fato histórico observado. Ela
em geral expressa reações acerca do fato ou situação, com uma ruptura perceptível entre
a situação e aquelas reações. Por exemplo a cobertura jornalística da proclamação da
Lei Áurea, da abolição da escravatura, é uma “fonte secundária”, enquanto os debates
na Câmara e no Senado constituem-se “fontes primárias”.
De qualquer modo, há uma intimidade, uma solidariedade entre a fonte e a
situação histórica a que ela se refere, que não pode ser deixada de lado na
problematização característica da análise heurística.

3 – Análise da Fonte

A análise historiológica da fonte inicia-se por seu perquirimento heurístico e


hermenêutico. Analisar é “decompor em suas partes constituintes”, dizia-nos o grande
Descartes, favorito de Karl Marx. Mas como indicou este último, nos processos sociais,
mais ainda que nos procedimentos de pesquisa natural, a vida de relação do fenômeno é
a fonte explicativa da estrutura real que expressa o movimento da transformação.
Consequentemente, a decomposição analítica em história, em certa medida, trata da
identificação mutua entre “órgão e função”, ou seja, entre “aspecto isolado do fenômeno
em estudo” e “parte da vida relacional a ele adscrita”. Cada particularidade expressa
certamente, uma funcionalidade com outro todo, mais amplo, cuja inserção ou
articulação nos compete, enquanto pesquisadores, estabelecer ou “descobrir”. Nenhuma
particularidade se estabelece pelo arbítrio de si mesma, no sentido paralelo de que
nenhuma singularidade existe, enquanto não percebida em suas íntimas relações. Nada
se mantém por si próprio, mas mantém-se apenas num contexto de imanências e
dependências mutuas.
Cabe, portanto, em princípio, ao investigador buscar estas múltiplas relações
aparentemente invisíveis ou até inexistentes. Por mais que o historiador deseje
desempenhar o papel de “ingênuo”, sua observação da fonte certamente já o terá levado
a um amplo conjunto de conclusões provisórias, que lhe oferecem uma porta aberta à
análise do(s) fato(s) histórico(s) em pauta, trazida aquela pela pertinência da fonte. A
abordagem e sistematização dos elementos competentes da fonte facultam ao
historiador algum tipo de teoria ou pré-teoria explicativa, em que (a) a temporalidade da
ação social, facultada pela (b) inferência a partir da observação fornecida pela fonte, lhe
municiam com um “fato histórico”, pós-construído informal, montado desde o
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EVENTO básico, e consistente de “um construído primário” . Nesse momento,


antecipadamente a suas futuras conclusões, terá o historiador se apropriado de uma
versão, de um “fato” como mediador da ação e da estrutura, relativamente “plotadas”,
na fase anterior da pesquisa. É óbvia aqui a influência a partir da observação de fonte.
Apenas para recordar, o ato, a mediação entre o “fato” e a “estrutura”, compreende três
momentos contraditórios distintos: (a) o problema do papel do detalhe histórico; (b) o
problema correlato de sua abstração/concreção histórica; e (c) o problema, menos
complexo, resultante, da irrepetibilidade histórica.
A construção da indicação empírica, desde a base-de-dados que se está a
construir para o projeto de pesquisa, deve elevar-se gradualmente do tratamento das
singularidades históricas a uma certa generalização, a qual há de dar-se pela sua
abstração (no sentido indutivo e/ou pela sua concreção (método dedutivo). Deste
“encontro” das diferentes aportações metodológicas, há de resultar a contribuição
particular que era buscada, ainda que surpreendente.
A construção do processo empírico de análise conduz com seus dois níveis
possíveis de resultados (a) pré; (b) pós-análise indutiva, a um dado conhecimento da
fonte que, num movimento conhecimental inverso, enriquece o padrão de deduções
possíveis, analiticamente, da fonte. Este é o antecedente necessário, ou ante-sala, da
construção da indução empírica da pesquisa, a partir da escolha, que então se efetiva, da
base possível de dados. Situam-se aqui três elementos básicos do historiador: (a)
densidade de detalhes; (b) arrumação (ou tentativa de) coerente das partes
“descobertas”, e (c) racionalização descritiva dos “mecanismos” que logrou
“descobrir”.
Situar-se explicativamente no que está em torno, definindo este situar-se na
escolha de uma das múltiplas relações possíveis e existentes, é a grande vertente aberta
à percepção analítica. A escolha relacional, perpetrada pelo pesquisador, com o apoio
de seu sistema explicativo, dá aparentemente uma relação colhida ao acaso que, no
entanto, devido a seu caráter estrutural, permite que venham a manifesta-se
evidentemente as regularidades essenciais à particularidade fenomênica buscada.
O subordinado relacional é, portanto, apenas aparentemente casual. Dele, o que
ficou, a base, a essência, manifesta-se como aquele pequeno grão de essencialidade que
explica, conecta, dá nexo ao fato. A multiplicidade dessas pequenas migalhas de
essencialidade, perdidas ali, capciosamente desimportantes, revelam-se como o centro
explicativo daquilo que se quer desvendar. O reconhecimento mútuo das existências
significativas daquelas migalhas enquanto parcelas independentes as leva a se
incorporarem, frente ao inquirir da observação metodológica, como integração
necessária e, daí, explicativa.
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Nos acrescentamentos mútuos e determinados de suas sucessivas expressões está a


manifestação da essencialidade que lhes empresta o fato de que são parte. O pequeno
grão de essencialidade assim acarretado na determinação funcional simultânea permite
encontrar, no elo das suas pluralidades com outros, as regularidades próprias da
essencialidade que o pesquisador buscava.
A interpretação ou síntese da qualidade informativa da fonte é produto da
capacidade de penetração do pesquisador naquilo que se convém chamar o “espírito da
época”. Perceber e assimilar seu ambiente é condição indispensável para trazer uma
explicação mais rica para o presente. O transporte valorativo no tempo histórico,
verdadeira “máquina do Dr. Papanatas”, deve superar a diferença das maneiras de sentir
e de entender sem cair contudo na demagogia ideológica e no servilismo ao passado.
A problematização da fonte, ou seja, a “descoberta” dos problemas que ela carrega
acerca da situação a que se refere, exige da parte do investigador, que ele se
“transporte” para dentro daquela intimidade ou solidariedade que acabamos de
mencionar. Em que consiste tal “transporte”?
O investigador deve imbuir-se do modo de pensar e das características
pensamentais da época em referência, intentando perceber como funcionava o ambiente
axiológico, quais as premissas com que operava o senso comum, etc. O
contingenciamento histórico da sensatez ao ambiente da situação favorece relativizar as
aparentemente diferenças de comportamento social entre aqueles personagens
envolvidos e nossa maneira própria de agir. Deve, portanto, dentro do possível, dirigir-
se a um campo e ao outro das facções então existentes e buscar considerar seus
interesses aparentes reais.
Este “transporte” valorativo permite entender melhor a totalidade que se constitui
entre a situação que se busca recriar e a fonte respectiva. Nessa situação o uso da fonte
revela-se deste modo mais rico do que poderia haver-se percebido.
O método heurístico permite submeter-se a fonte a uma entrevista muda e
detalhada, em que ela nos leva de problema a problema que logramos perceber,
constituindo-se uma lista de questões, que, naquele momento, não sabemos ainda
responder. O método hermenêutico permite-nos explorar as omissões, os lapsos dos
textos e das palavras, os segundos e terceiros sentidos, as informalidades ocultas e as
omissões reveladoras. Da abordagem analítica conjunta, heurística, e hermenêutica, a
fonte nos oferece uma série de explicações parciais e complicadas, que nos obrigam a
recorrer à teoria, à elaboração de pressupostos, de postulados e a optar pela construção
de hipóteses na abordagem subsequente.
A escolha dos métodos de abordagem implica no término da fase de
reconhecimento. Conhecida já a fortaleza aparentemente inamovível que é a unidade
entre situação histórica e fonte, devemos finalmente escolher os meios que nos
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permitirão o ataque definitivo. Estes meios são determinados pelos problemas captados
pelo procedimento heurístico.
Portanto, há uma influência mútua entre a fonte e a situação histórica de que ela
nos dá informações. Só podemos captar esta situação através desta fonte, nessa relação
específica. (Utilizar outra fonte estabelece outra relação). O método heurístico interroga
aquela realidade que se quer recriar, através do elemento possível, qual seja, a fonte. Tal
método combinado com o procedimento hermenêutico, nos permite formular as
“perguntas corretas”, ou seja, aquelas perguntas que podem efetivamente ser
respondidas pela fonte de que se trata. Ao conjunto correto de problemas levantados
pelo uso de uma fonte chamam os historiadores de “pertinência histórica”. Pode-se,
portanto, entender uma outra pertinência das fontes. De acordo com o tipo de
informação que revelam, as fontes podem ser: (a) cognitivas ou (b) normativas, de
acordo com seu aspecto dominante.
Fonte cognitiva – Chamamos de “fonte cognitiva” aquela que nos relata algo.
Naturalmente, todo relato é valorativo mas não é de negar seus valores que se trata.
Caracteriza-se assim porque a descrição prevalece sobre a preocupação com valorizar.
Fonte normativa – Chama-se assim aquela fonte em que predomina a valoração no
processo de seus elementos informativos. Por exemplo, um texto de disposições legais,
um regulamento, um processo num tribunal, etc., tenderão a se caracterizar como fontes
normativas. De outro modo, a descrição das cargas baixadas de um brigue no trapiche
de Santos no ano de 1845 tende a ser uma fonte cognitiva, porque ela se importa pouco
com se o bacalhau descarregado era bom ou mau, etc.
O historiador estará certamente interessado mais num aspecto ou num tipo de
fonte com relação à situação que quer conhecer, embora o acaso possa ter-lhe fornecido
o tipo de fonte que no momento ele não está interessado. No entanto, o cruzamento
destes dois tipos diferentes de informações pode ser muito esclarecedor, para aquele que
julgava ali pouco obter, de fato. As fontes também podem ser, de acordo com sua
orientação no tempo, (a) voltadas para o passado e (b) voltadas para o futuro. Estas
fontes “passadistas” tanto podem se encontrar no passado, marcando uma situação
histórica qualquer, como se encontrar no tempo presente, como é a preocupação dos
historiadores do chamado tempo atual. O exemplo ajuda melhor à compreensão.
O projeto do engenheiro abolicionista André Rebouças sobre o Plano Rodoviário
Nacional era um instrumento voltado para o futuro, nos anos 1890. Jamais chegou a ser
efetuado, mas serviu de inspiração a muitas discussões dos positivistas e maçons que
planejaram na República. Como fonte, está voltada para o futuro, porque não trata de
fatos acontecidos à época 1890-1900. No entanto, a maneira de conceber o futuro,
daqueles pensadores da época, é importante elemento explicativo acerca de suas
aspirações e compreensão do passado e do presente que viviam.
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Nesse caso, temos uma fonte voltada para o futuro, no passado. Essas fontes,
portanto, podem ser (a) voltadas para o futuro no passado; (b) voltadas para o futuro no
presente; (c) voltadas para o passado no passado; (d) voltadas para o passado no
presente; (e) voltadas para o futuro, sem indicação datada. Todas estas fontes dialogam
com a situação que representam, constituindo-se ricamente, informadoras direta ou
indiretamente, da época considerada. Particularmente para os historiadores que
trabalham com história econômica ou institucional, métodos quantitativos e história do
tempo atual, a previsão e a “pósvisão” são instrumentos que permitem larga especulação
com fontes deste tipo, oferecendo novas oportunidades à síntese reconstrutiva da
situação considerada, ou fato histórico.
Daí a importância da elaboração do quadro heuremático, que deve limitar e
prevenir, através de um conjunto de regras lógicas articuladas em fluxograma de
procedimentos, quanto a aquilo que é utilizável do documento que se está utilizando
como fonte. A heurística, em suas ambas acepções, seja enquanto ciência auxiliar da
história que estuda a pesquisa de fontes, seja enquanto conjunto de regras tomadas para
invenção, organização e solução de problemas historiográficos, não é abandonada,
portanto, que seja por um único destes procedimentos. Como, em geral, uma mesma
fonte cumpre as exigências de vários classificações, é somente na listagem heurística e
hermenêutica que se criam as condições necessárias a uma tipologização adequada à
base-de-dados obtida.
A escolha de uma determinada metodologia não deve dispensar o esforço para a
utilização de uma linguagem transparente, com procedimentos observáveis, que possam
ser úteis à disciplina como um todo e necessária à interdisciplinaridade. Além das
características próprias da fonte, a atitude do historiador com relação à situação
estudada influi definitivamente na qualidade e tipo das informações que ele pode obter.
Esta “escolha” objetiva, feita de modo inconsciente ou, no máximo, semiconsciente, é
determinada pela natureza do trabalho que o historiador “tem a intenção” de fazer. Ou
seja, o historiador, ao escolher um tema, um objeto, etc., e dialogar com as fontes na
intenção de construir o problema da investigação, invariavelmente tem como meta
comunicar-se com um público-alvo. Este público, ideado pelo historiador, limita
fortemente a sua ótica, como a estrutura de uma câmara limita as fotos que podem ser
tiradas.
Nenhum pesquisador deixa de imaginar o público-alvo a que se dirige. Daí
decorrem os valores utilizados, as categorias valorizadas e aplicadas, a leitura possível
da fonte. Quando essa dificuldade se apresenta semi-conscientemente, pode-se em certa
medida perceber alguns vícios que nós mesmos vamos introduzindo no uso da fonte. No
entanto, se tal se dá de modo inconsciente, a questão torna-se mais complicada. Muitas
vezes, ao se denunciar este viés no debate de um relatório de pesquisa de um colega,
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encontramos forte resistência, através da negativa de que o trabalho esteja talmente


enviesado. É claro que é muito mais fácil outra pessoa ver o erro que estamos
cometendo do que nós mesmos. Daí a importância dos procedimentos heuremáticos.
Inserir a dúvida quanto à qualidade do que se vai obtendo, aqui, leva, certamente, a
enfrentar certas suspeitas necessárias, quando o entusiasmo começa a tornar o
pesquisador-escritor meio cego.
Além da questão do público-alvo na mente do historiador, alterando as perguntas
e as informações que o mesmo pode obter da fonte, há o problema do público-alvo da
fonte, quando ela foi elaborada como um repositório de informações, acerca do fato ou
situação que agora veio a interessar. Quem elabora a fonte? Para que ela se destinava?
Perguntar e lucubrar estes pontos é muito importante para espiar dentro do repertório de
informações que ela coloca a dispor. Portanto, além de interrogar-se à fonte sobre a
situação, deve-se interrogar a fonte sobre ela mesma, seu papel e intenções à época em
que foi elaborada.
A produção da informação tinha implicações, hierárquicas, de subordinação,
etc.? Sabemos que, em geral, as pessoas não dizem o que querem, mas o que devem
dizer. Esta pertinência societária faz da sabedoria social algo muito diferente do saber
intelectual. O rigor dos procedimentos com a fonte são, portanto, indispensáveis, para
resolver as questões que são realmente importantes, antes que se comece a elaborar o
relatório de pesquisa. A percepção de que é possível classificar as fontes, de acordo com
o tipo de público-alvo a que se destinavam, leva-nos a dividi-las em (a) fontes
confidenciais e (b) públicas. O anúncio de execução de um criminoso condenado é
sabidamente uma fonte pública. Mas uma carta de amor de um capitão-da-guarda para
uma princesa será evidentemente, confidencial. Entre essas situações extremas,
enfrentam-se muitas vezes momentos de difícil carcacterização.
A identificação dos elementos envolvidos, do tipo de linguagem utilizada, direta,
sentimental, formal ou de confiança mútua, etc., contribuem de modo importante para
uma compediação e interpretação adequada da fonte e dos elementos conhecimentais
nela envolvidos. Uma grande parte das fontes que se tornam vitais ao tratamento de
amplos temas são de origem institucional. Refletem jogos culturais oficiais ou quase,
relações de poder, preservação de espaços ou posições específicas, etc. No entanto,
mesmo na evidenciação destes traços e suas implicações, é preciso estar em guarda para
evitar erros de difícil reparação. É preciso ter em mente que grande número de
documentos são produzidos com vista a desempenhar um papel na dominação social ,
na preservação do status quo, e não se pode sempre tomar ao pé-da-letra os elementos
que os mesmos veiculam. A própria linguagem adotada desempenha não raro um papel
e obedece a formulismos que correspondem a táticas de preservação social e/ou
burocrática, sem qualquer implicação situacional, às vezes mais prática ou operativa. O
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pessoal, o institucional, o público e o privado formam assim combinações várias, que


podem e devem ser objeto de quadros heuremáticos elaborados preventivamente a
possíveis erros de interpretação.
Sabemos por exemplo que nas repartições públicas, grandes empresas, etc., uma
parte considerável da documentação é tornada “confidencial”, “reservada”, “secreta”,
etc., com a finalidade de preservar o burocrata porque passou ou que a gerou e, ao
mesmo tempo, aumentar a sua importância aos olhos do coletivo local. Quem gera
documentos confidenciais é evidentemente uma pessoa importante, ou assim se deve
supor. Esses procedimentos rituais retiram do alcance da investigação historiológica
uma quantidade enorme de fontes de informação, contribuindo para o segredo
corporativista e dificultando a compreensão de inúmeros fatos importantes.
Consequentemente, embora os procedimentos heurísticos e o quadro heuremático
ofereçam meios padronizados de abordagem das dificuldades das fontes, o tratamento
hermenêutico permite elaborar linhas específicas de consideração para abordar o
diferente papel e conteúdo de cada fonte. A interpretação hermenêutica, em virtude de
sua flexibilidade completamente aferrada ao texto e à palavra, permite localizar o que é
relevante e descartar o que não o é. Desta maneira, através da problematização da fonte,
a abordagem da mesma pelo método histórico permite construir um método lógico que
expresse a vida de relações essenciais da situação que se deseja explicar. Cumpre ter em
mente que a perfeição dos procedimentos historiológicos é sempre relativa. Este “bom
resultado” é limitado no tempo, espaço e no custo. Como já se disse, nenhum projeto é
melhor do que o seu custo; nenhuma pesquisa é melhor do que seu ponto mais fraco. A
luta para obter um padrão de qualidade vai sempre estar limitada pelo custo das fontes e
de seu processamento, pela extensão de tempo que se expressa como um custo do
projeto e, consequentemente, do custo do trabalho vivo que pode no mesmo ser
empregado. Muitas vezes, a impossibilidade de obter plenamente a informação de uma
dada fonte pode levar o historiador a trabalhar com “fontes substitutas”, algumas delas
fontes secundárias, material gerado sob a forma de entrevistas, processamento de dados,
etc.
A exequibilidade material do projeto é que pode, em expressão planejada, indicar o
melhor procedimento quanto à fonte a utilizar e o papel relativo das fontes secundárias.
Os historiadores experientes “atravessam” escolha temática e obtenção das fontes, isto
é, eles “fuçam” atrás das fontes e escolhem a temática a partir das fontes obtidas. O
hiato entre “escolher um tema” e “encontrar a fonte” que ilumina é uma ficção que só é
vivida pelos aprendizes de pesquisadores. Tão logo o pesquisador haja encontrado uma
ou mais fontes que lhe oferecem um tema adequado, deve ele proceder à identificação
das disciplinas que ele ou a equipe de pesquisa ver-se-á obrigado (a) a versar, no
processo de tratamento temático.
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É muito difícil encontrar uma fonte que seja tratável exclusivamente do ponto de
vista de uma única disciplina. Identificado o leque de disciplinas que se exigem para a
abordagem adequada do tema, é feito o quadro dos métodos disciplinares exigidos e o
roteiro para a efetivação dessa demanda básica da relação tema-fonte. Vejamos um
exemplo:
Tema: desempenho econômico ferroviário no Estado de São Paulo.
Periodização: 1895-1905.
Problema fundamental: qual o impacto da crise de 1902-1905 no desempenho
ferroviário paulista?
Fonte obtida: documentos internos da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro.
Tipos de documentos: listas de cargas, de tráfego, orçamentos previstos e
realizados, manuais normativos etc.
Comentários: (a) elaborar quadro heuremático; (b) elaborar fluxogramas da análise
e síntese heurística e hermenêutica; (c) elaborar quadro dos métodos que deverão
abordar o tema.
É evidente que para examinar os papéis da companhia se requer um conhecimento
de métodos contábeis, análise econômica, estatística, etc. Um quadro é preparado acerca
das disciplinas envolvidas. Responde-se à perguntas: “Como será resolvida esta
demanda interdisciplinar?” Às vezes, ela pode ser resolvida com a montagem da equipe
de pesquisa. Outras não.

4 – Interpretação da Fonte.

A importante premissa de transportar-se à situação ou fato histórico que se quer


explicar só pode ser materializada pela integridade entre aquele fato ou situação
histórica e a fonte, que permite ao historiador acessá-la(o). Portanto, a análise da fonte e
o estabelecimento, ao menos, das interrelações que podem ser percebidas, fornece ao
investigador um certo aparato de entendimento, que veio de: (a) densidade dos detalhes,
buscados, interrogados, analisados; (b) tentativa de arrumação coerente das partes
“descobertas” ou trazidas à luz; e, finalmente, (e) uma racionalização descrita dos
“mecanismos” e/ou ‘papéis” “descobertos” durante a análise.
O balanço dessa racionalização descritiva, uma síntese portanto do que a fonte
nos fornece, consiste na interpretação obtida pelo historiador. Duas perspectivas devem
ser aqui “encaixadas”. A primeira é obter o ponto de vista daqueles envolvidos na
situação ou fato que a fonte nos concedeu. Entender o que eles pensavam, sentiam e
viviam, na situação que se está a interrogar. A segunda perspectiva “corre ao contrário”,
da não fornecida pelos contemporâneos da fonte. Trata-se da própria interpretação que
nós fazemos, enquanto aquele que pesquisa, das informações contidas na fonte.
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Pode o pesquisador chegar à opinião, conclusão, ou interpretação daqueles


sujeitos históricos? Em quê extensão pode e não pode? Nosso ponto de vista, ao
interpretar aquele fato com estas informações disponíveis, é diferente? Por quê?

Ou seja, uma interpretação é a “dada pela fonte”, que aparentemente, tão longe
quanto o pesquisador conseguiu entendê-la, lhe disse tal coisa. No entanto, ao concluir
esta interpretação, o historiador pode haver elaborado um outra, que dissente daquela
“da fonte”. Nem sempre haverá um consenso. Nesse sentido, a fonte, ao afirmar uma
interpretação do fato que representa, pode fornecer elementos para negar a referida
interpretação. A interpretação da fonte é a parte central de diálogo entre o historiador e
o fato histórico considerado. Ao reconstruir o fato histórico, obtendo-o agora como fato
reconstruído, o historiador deve suspeitar da sua discordância da síntese obtida,
buscando outras fontes adicionais que possam enriquecer sua interpretação.
Deve ser objetivo do historiador estabelecer na síntese uma interpretação
bastante rica da integridade situação-fonte. Por isto, ele deve suspeitar se não está
visando inconscientemente alguns aspectos importantes daquela relação, em proveito de
algum preconceito, seja do pesquisador, seja da época do pesquisador.
O exemplo clássico desse tipo de viés é aquela pergunta dos egiptólogos de TV.
“Como é possível que os egípcios tenham construído tais pirâmides?” É evidente que o
pesquisador tem em mente sua opinião atual dos egípcios de hoje para analisar os
egípicios do passado. Daí o viés da pergunta. Vê-se que a interpretação 2 do
“egiptólogo”, ou seja, ela não esgotou, possivelmente, a análise e a interpretação da
fonte.
Isso não quer dizer que o “egiptólogo” não poderia jamais estar certo, mas que
deve duvidar da qualidade historiológica do seu ver contemporâneo como única
possibilidade para explicar o fato estudado. As fontes objetivadas de informação podem
ser submetidas a tais distorções por uma perspectiva ahistórica que poder-se-ia
perguntar para quê tal “investigador” necessita recorrer a elas.
Portanto, a detecção dos procedimentos pensamentais prováveis dos
elaboradores da fonte, e/ou dos atores históricos indicados por ela, é uma matéria prima
fortemente limitadora da interpretação que o pesquisador pode obter. Ele não deve pura
e simplesmente utilizar o passado como um pretexto para justificar suas próprias teorias
sobre o presente. As contrafações voluntárias ou involuntárias na fonte não podem
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desculpar a negligência quanto à observação do viés potencial do pesquisador. Não


manter-se vigilante, quanto aos vieses escoimáveis na interpretação da fonte, é
simplesmente uma maneira de esconder os próprios erros na elaboração da síntese
explicativa.
A solidariedade básica entre o evento e a fonte que lhe é respectiva é o grande
elemento tipificador da pesquisa historiológica e não pode, sob pena de fatalidade, ser
tratado com superficialidade.
Nesse sentido, a humildade do pesquisador para buscar a inserção no tempo
histórico da situação que quer estudar é a melhor garantia para obter uma interpretaçào
adequada, apesar da disparidade das ambiências axiológicas dos atores históricos e do
pesquisador.

Conclusão

Em breves comentários tentamos apresentar aos nossos colegas do ramo


historiológico alguns elementos úteis à construção da reflexão teórico-metodológica, no
processo de efetivação da pesquisa. Deve ser preocupação identificar elementos capazes
de dificultar a problematização do objeto de pesquisa. Portanto coimas, pontos obscuros
nas fontes, não são suficientes para justificar os erros do historiador, em geral
provenientes de vieses ideológicos ou de imediatismo. Evidenciada uma situação
histórica, hoje caracterizada geralmente como evento, a sua escolha requer um
movimento único de identificação entre a mesma e uma ou mais fontes. O fato histórico
considerado relevante deve ser estabelecido a partir de sua problematização, enquanto
possibilidade de explicação do real, no uso da fonte. A consideração, para este efeito, da
unidade entre situação e fonte é peça indispensável do trabalho do historiador,
constituindo, portanto o fundamento de uma leitura bastante adequada da mesma, na sua
interpretação e no estabelecimento reconstrutivo do fato histórico.

Bibliografia

Originariamente, “HERMENÊUTICA” e “HEUREMÁTICA” são a mesma arte da


interpretação. No entanto, hodiernamente a Heuremática é utilizada como o uso de
procedimentos demonstrativos para interpretação.
1- Pode-se iniciar a leitura pelos clássicos W. Bauer, Baselaar, Ed. Fueter, Huizinga,
Ciro Cardoso e outros.
2- JICK, T. D. – Mixing Qualitative and Quantitative Methods – Triangulation in
Action; in Administrative Quarterly – Cornell Univ. Press., 24, 1979.
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3- LAVE, G. A. & MARCH, J. G. – An Introduction of Models in the Social Sciences


– (Harper and Row, N.Y., 1975).
4- TORSTENDAL, R. – Introduktion Till Historieforskningen. Historia Som
Vetenskap. (Natur och Kultur, Stockholm, 1966).
5- BLALLOCK, H. M. JR. Theory Construction. (Prentice – Hall, Englewood Cliffs,
1969).
6- ÅSHEIM, O. – “Hermeneustisk Metod” – in Ronning, R. Editor Socialfilosofi.
Agder Distrikthogskole – Kristiansand, 1973.
7- BAUMAN, Z. – Hermeneutics and Social Science – (Columbia Univ. Press. , N. Y.,
1978).

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