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WALTHAM Focus

Focus
WALTHAM
Vol 16 N° 2 – 2006

Consultores Editoriais

© Photo: UMES-ENVA (G.Casseleux)


Dra. Denise A. Elliott BVSc
A Waltham Focus é publicada em inglês,
(Hons), PhD, Dipl. ACVIM,
francês, alemão, chinês, holandês, italiano,
Dipl. ACVN Comunicações
polaco, português, espanhol,
Royal Canin, EUA
japonês, grego e russo.
Dra. Pascale Pibot, DVM
Esfregaço vaginal de
Scientific Publishing Manager uma cadela em estro
Royal Canin, França
Dra. Pauline Devlin, BSc, PhD,
Veterinary Support Manager
Royal Canin, UK
Dra. Karyl Hurley BSc, DVM, Dipl.
ACVIM, Dipl. ECVIM-CA
Global Academic Affairs,
Sumário
WALTHAM
Visitante na Faculdade da Universidade
de Cornell Como tratar... Gatinhos órfãos ................................................................................... 2
Susan Little
Editor
Dr. Richard Harvey, PhD, BVSc
DVD, FIBiol, MRCVS Conceitos actuais sobre a infertilidade no cão .......................................................... 7
Cheri Johnson
Secretário Editorial
Laurent Cathalan
lcathalan@buena-media.fr Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela ....................................................... 13
Ilustração Autumn Davidson
Arnaud Pouzet

Tradução (Português) Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela


Paula Cortes e na gata .................................................................................................................. 22
Alain Fontbonne e Elise Malandain
Revisão editorial para outras línguas:
Dra. Imke Engelke, DVM (Alemão)
Dra. M. Elena Fernández, DVM (Espanhol) O ácido fólico e a fenda palatina em cães braquicefálicos ...................................... 30
Dra. Eva Ramalho, DVM (Português) Aurélien Guilloteau, Eric Servet, Vincent Biourge e Claude Ecochard
Dra. Filipa Moreira, DVM (Português)
Dr. Flavio Morchi, DVM (Italiano)
Dra. Margriet Bos, DVM (Holandês) Como abordar... A infertilidade na gata ................................................................... 34
Prof. Dr. R. Moraillon, DVM (Francês) Stefano Romagnoli

Publicado por Buena Media Plus Guia Destacável Royal Canin


PCA: Bernardo Gallitelli Esfregaços vaginais em cadelas............................................................................... 39
Morada : 85, avenue Pierre-Grenier
92100 Boulogne – França
Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00 Boletim WSAVA......................................................................................................... 41
Impresso na União Europeia
ISSN 0965-4577
Circulação: 80.000 cópias
DEPÓSITO LEGAL: Junho 2006
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Publicado por Aniwa S. A. S eslovénia espanha estados unidos da américa estónia filipinas finlândia frança grécia holanda hong-kong hungria irlanda islândia
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república da áfrica do sul república eslovaca roménia rússia singapura suécia suiça tailândia taiwan turquia

As autorizações de comercialização dos


agentes terapêuticos para uso em animais
de companhia variam muito a nível mundial.
Na ausência de uma licença específica, deve CONHECIMENTO E RESPEITO

ser considerada a publicação de um aviso de WALTHAM®


prevenção adequado, antes da administração
de tais fármacos.
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Como tratar...

Gatinhos órfãos
Susan Little, DVM, Dipl. ABVP
Bytown Cat Hospital, Ottawa, Ontário, Canadá K1K 1G6
A Dra. Little concluiu o Bacharelato na Universidade de Dalhousie (Nova Escócia, Canadá) em 1983, e a licenciatura
em 1988 na Faculdade de Medicina Veterinária de Ontário, Universidade de Guelph. Trabalha em clínica de felinos
desde 1990, tendo recebido o certificado de especialização em Medicina Clínica de Felinos em 1997. É sócia de duas
clínicas veterinárias especializadas em felinos, em Ottawa, Canadá, e Presidente da «Winn Feline Foundation»
(www.winnfelinehealth.org). A Dra. Little faz parte do Comité de Consultoria Editorial da «Pets Magazine» e desempenha a função de
consultora sobre felinos para a «Veterinary Information Network» (www.vin.com).

Introdução
Frequentemente, os Médicos Veterinários são solicitados para temperatura rectal e a frequência cardíaca. Consulte a Tabela 1
proceder à avaliação e tratamento de gatinhos jovens órfãos ou sobre os valores fisiológicos em gatinhos.
abandonados. As crias são consideradas órfãs em caso de morte
da mãe, se a gata se encontrar demasiado doente para cuidar da A determinação da idade aproximada do gatinho deverá basear-
ninhada ou sempre que se encontrem gatinhos recém-nascidos se no peso vivo e no exame da dentição. O peso habitual à
na rua, aparentemente abandonados. O conhecimento das nascença oscila entre 90 e 110g (intervalo 80-140g). Os
necessidades específicas destes pacientes pediátricos, em geral gatinhos saudáveis aumentam 50 a 100g por semana (10-
bastante frágeis, é o primeiro passo para o sucesso da terapêutica. 15g/dia) e, por volta das duas semanas de idade, já devem ter
duplicado o peso de nascimento. Os incisivos são os primeiros
Exame e Avaliação dentes deciduais a irromper, seguidamente os caninos, por volta
Exame Físico das 3 a 4 semanas de vida, enquanto que a erupção dos pré-
O estado geral de um gatinho órfão deve ser imediatamente molares ocorre aproximadamente entre as 5 e as 6 semanas. A
avaliado, de forma exaustiva, procurando recolher o maior fórmula dentária dos dentes deciduais é a seguinte: 2(I3/3,
número de dados sobre a história clínica do felino, ainda que, à C1/1, P3/2); não existem molares de leite.
partida, a informação disponível possa ser escassa. É indis-
pensável prestar especial atenção ao ambiente em que o animal A pelagem do gatinho deve estar limpa e brilhante. É importante
vive, tendo em conta factores como a temperatura e humidade pesquisar a eventual presença de pulgas uma vez que qualquer
relativa, higiene, densidade populacional, parasitismo e infestação grave pode ser causa de anemia. Os recém-nascidos
doenças infecciosas. saudáveis podem apresentar mucosas hiperémicas até aos 7 dias
de idade, enquanto que as mucosas das crias doentes, são
O exame de felinos muito jovens deverá ser conduzido com Figura 1.
muita delicadeza e paciência, numa superfície quente e limpa. Para determinar
o índice de
Lave as mãos antes de manusear o gatinho e calce umas luvas crescimento de
para realizar qualquer procedimento. Utilize um equipamento gatinhos órfãos
pode ser
simples, como uma balança graduada em gramas (Figura 1), utilizada uma
um termómetro digital, um otoscópio com espéculos auriculares balança de
cozinha
para pediatria, uma lanterna de bolsa e um estetoscópio com graduada em
campânula (2cm) e diafragma pediátricos (3cm). gramas para a
pesagem dos
animais.
Antes da manipulação do animal, procure observar a reacção
deste ao meio envolvente, bem como a condição corporal,
actividade cognitiva, postura, locomoção e respiração. Registe o
ritmo respiratório antes de o manusear, e de seguida anote a

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Como tratar... Gatinhos órfãos

frequentemente pálidas, acinzentadas ou cianóticas. Um abdómen Diagnósticos de rotina


distendido é normal num gatinho bem alimentado, mas no caso de um Mesmo no caso de gatinhos muito jovens, é possível realizar testes
animal doente, a dilatação abdominal por vezes indica aerofagia. O diagnósticos de rotina. Pode proceder-se à recolha de sangue da
edema, eritema ou presença de corrimento na zona umbilical jugular usando uma seringa pequena (1ml ou mais pequena) com
constituem sinais de onfaloflebite, problema comum no período uma agulha 25-26G de diâmetro. Coloca-se o animal em decúbito
neonatal desta espécie. Deverá proceder-se a uma cultura do dorsal, com os membros anteriores posicionados junto ao abdómen,
corrimento para orientar a selecção da antibioterapia. e a cabeça e o pescoço estendidos. A colheita de sangue deve ser feita
muito lentamente para evitar o colapso da veia.
O animal deverá ser cuidadosamente inspeccionado para detecção de
qualquer anomalia anatómica grave, como é o caso da fenda palatina, São necessários cerca de 0.5ml de sangue para a realização deste tipo
hérnia umbilical, deformações de membros ou da parede torácica, e a de testes:
ausência de orifícios urogenitais ou rectais. • Hematócrito (PCV) e proteína total
• Contagem de glóbulos vermelhos e glóbulos brancos: colocar uma
Até às 3 semanas de vida os gatinhos não conseguem eliminar a urina gota de sangue directamente da seringa num sistema de hematologia
e as fezes de forma voluntária, por conseguinte, é conveniente avaliar manual, como o Unopette™ (Becton, Dickinson) e realizar esfregaços
os reflexos de micção e defecação utilizando um cotonete embebido sanguíneos
em óleo mineral para estimular a área anogenital. Em cerca de 60% • Glicemia: usar um glucómetro portátil concebido para uso
dos recém-nascidos doentes regista-se a presença de diarreia. Pode doméstico.
também ser observável hematúria ou pigmentúria, assim como sinais
de infecção do tracto urinário ou isoeritrólise neonatal. Uma anemia fisiológica em gatinhos entre as 2 e as 6 semanas de vida
pode ser observada (nadir às 4 - 6 semanas). Os valores do hemo-
Os olhos devem ser examinados para pesquisa de eventuais anomalias grama normalizam para os níveis do gato adulto por volta dos 3 a 4
do globo ocular, das pálpebras ou presença de conjuntivite. meses de idade. Consultar a Tabela 3 relativa aos valores habituais da
Corrimento ocular e pálpebras salientes, antes da abertura dos olhos, química serológica e da hematologia em gatinhos, desde o
constituem sinais de oftalmia neonatal. O exsudado deve ser nascimento até às 8 semanas.
amolecido com compressas quentes, e as pálpebras devem ser
cuidadosamente separadas. Aplicar uma pomada antibiótica A colheita de urina deve ser realizada para análise química,
oftalmológica, por exemplo 1% de tetraciclina (6,5mm, TID, 4 a 7 determinação de sedimentos e gravidade específica, através de
dias). A córnea poderá parecer ligeiramente turva quando os olhos se manipulação suave ou de estimulação da área urogenital. É
abrirem pela primeira vez. É muito difícil examinar o fundo do olho conveniente evitar a cistocentese em gatinhos muito jovens, uma vez
antes das 6 semanas de vida, ou até mais tarde, assim como também que é difícil imobilizar adequadamente o paciente, comportando um
não é fácil observar os canais auditivos com um otoscópio antes das 4 maior risco de provocar lesões nas paredes da bexiga e podendo
semanas de idade. desencadear um afluxo de urina para o abdómen. Durante as
primeiras semanas de vida, a densidade específica da urina situa-se
A auscultação cardíaca pode revelar-se uma dificuldade em animais em níveis próximos de 1.020, ou inferior; os valores normais para um
neonatos. Por vezes, a presença de murmúrios funcionais deve-se a animal adulto são alcançados por volta das 8 a 10 semanas de idade.
anemia, hipoproteinemia, febre ou sepsis. De forma geral, as
patologias cardíacas congénitas produzem sopros facilmente audíveis
associados a alterações da pulsação periférica e frémito pré-cordial.
Tabela 2.
Os sopros ditos inocentes, não associados a doença, são mais comuns Etapas fundamentais do desenvolvimento dos gatinhos
em cachorros do que em gatinhos.
Etapa Idade
Consulte a Tabela 2 sobre as etapas fundamentais do desenvolvimento
normal dos gatinhos. Olhos
Abertura das pálpebras 10 dias (referência entre 2-16 dias)
Reflexos de ameaça e pupilares 10-21 dias
Visão normal 30 dias
Tabela 1. Coloração adulta da íris 4 a 6 semanas
Valores fisiológicos normais em gatinhos
Orelhas
Parâmetro Intervalo Normal Abertura dos canais 9 dias (referência entre 6-17 dias)
Audição funcional 4-6 semanas
Temperatura rectal Recém-nascido: 36-37°C (97-98°F)
Cerca das 4 semanas: 38-39°C (100.4-102.2°F) Locomoção
Rastejar 7-14 dias
Frequência cardíaca 220-260 batimentos/minuto Andar 14 -21 dias

Ritmo respiratório 15-35 inspirações/minuto Eliminação voluntária 3 semanas

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Como tratar... Gatinhos órfãos

Tabela 3.
Valores da química sérica e da hematologia em gatinhos, desde o nascimento até às 8 semanas
0-2 semanas 2-4 semanas 4-6 semanas 6-8 semanas

Albumina g/l (mg/dl) 20-24 (2.0-2.4) 22-24 (2.2-2.4) -- --


FA IU/l 68-269 90-135 -- --
ALT IU/l 10-38 10-18 9-41 23-50
Bilirrubina µmol/l (mg/dl) 1.7-17.1 (0.09-1.0) 1.7-3.4 (0.o9-0.19) -- --
Cálcio mmol/l (mg/dl) -- -- 2.1-2.75 (8.4-11) 2.2-2.8 (8.8-11.2)
Colesterol mmol/l (mg/dl) 4.2-11.5 (161-442) 5.7-11.2 (219-431) -- --
Creatinina µmol/l (mg/dl) 17.7-53.0 (0.2-0.59) 26.5-44.2 (0.29-0.5) 17.7-106.1 (0.2-1.2) 35.4-88.4 (0.4-1.0)
Glucose mmol/l (mg/dl) 4.2-7.2 (76-131) 5.5-6.2 (100-112) -- --
Fósforo mmol/l (mg/dl) 2.2-3.0 (6.81-9.28) 2.4-3.1 (7.43-9.59) 2.5-3.2 (7.73-9.9) 2.5-3.1 (7.73-9.59)
Proteína total g/l (mg/dl) 35-47 (3.5-4.7) 41-47 (4.1-4.7) 41-59 (4.1-5.9) 51-57 (5.1-5.7)
Ureia mmol/l (mg/dl) 7.8-19.3 (21-54) 6.1-10.7 (17-30) 5.3-12.8 (14-36) 8.9-13.6 (25-38)

Hematócrito (PCV) % 33.6-37.0 25.7-27.3 26.2-27.9 28.5-31.1


Eritrócitos (RBC) x106/µl 5.05-5.53 4.57-4.77 5.66-6.12 6.31-6.83
Leucócitos (WBC) x106/µl 9.10-10.24 14.10-16.52 16.08-18.82 16.13-20.01
Neutrófilos 5.28-6.64 6.15-7.69 7.92-11.22 5.72-7.78
Linfócitos 3.21-4.25 5.97-7.15 5.64-7.18 8.02-11.16
Monócitos 0.0-0.02 0.0-0.04 0 0.0-0.02
Eosinófilos 0.53-1.39 1.24-1.56 1.22-1.72 0.88-1.28

Adaptado de Hoskins (1995) e Chandler (1992)

Deverá recolher-se uma amostra fecal para pesquisa da eventual administre 5-10% de dextrose, por via oral, na proporção de
existência de parasitas intestinais comuns, como a Giardia, a Isospora 1ml/100g peso vivo/hora, através de sonda gástrica, até que o animal
e nemátodos, tanto por meio de centrifugação como de esfregaço recupere e atinja a normoglicemia. Só então deverá ser iniciada a
directo. Os gatinhos com 2 semanas podem ser tratados com alimentação com um leite de substituição (Figura 2). Os neonatos
pamoato de pirantel (5-10mg/kg por via oral, de 2 em 2 semanas). gravemente doentes requerem uma injecção em bolus de 10-20% de
dextrose EV ou IO (1ml/ 100g), seguida por 1.25 a 5% de dextrose
Problemas comuns e tratamento numa solução electrolítica equilibrada. As soluções hipertónicas de
Hipotermia dextrose não devem ser administradas por via subcutânea para evitar
A hipotermia ocorre quando a temperatura rectal do gatinho é a ocorrência de necrose dos tecidos.
inferior a 34.4ºC (94ºF), e em geral está associada a um decréscimo
do ritmo respiratório, falha do sistema imunitário, bradicardia e íleo Desidratação
paralítico. Os gatinhos hipotérmicos devem ser reaquecidos A desidratação é facilmente desencadeada em gatinhos órfãos ou
lentamente, durante um período compreendido entre 30 minutos a 2 recém-nascidos com um quadro de diarreia, vómito ou de ingestão
horas, até se obter a temperatura rectal máxima de 36.3ºC (101ºF), de líquidos insuficiente. Os mecanismos de compensação dos
evitando assim a desidratação. Uma incubadora ou uma câmara de neonatos são muito limitados e o seu funcionamento renal é ainda
oxigénio constituem uma excelente forma de reaquecimento, muito imaturo. Por vezes pode revelar-se difícil atingir o estado de
embora, com uma monitorização cuidadosa também se possam hidratação em doentes mais jovens. A turgência da pele não constitui
utilizar botijas de água quente ou lâmpadas de aquecimento. Em caso um teste de hidratação fiável para gatinhos com menos de 6 semanas,
de gatinhos com hipotermia grave, pode recorrer-se à administração uma vez que, comparativamente aos gatos adultos, a sua pele possui
de fluidos aquecidos a 35-37ºC (95-98ºF) por via endovenosa (EV) um elevado teor de gordura e um nível reduzido de água. As mucosas
ou intra-óssea (IO), ou ainda sob a forma de enema. Nunca tente do animal devem apresentar-se húmidas e hiperémicas ou rosadas. A
alimentar um gatinho hipotérmico, uma vez que existe um risco palidez das mucosas bem como o decréscimo do tempo de replecção
considerável de pneumonia por aspiração. capilar indicam uma desidratação, no mínimo, de 10%. A urina de
um neonato é, normalmente, incolor e transparente; nos gatinhos
Hipoglicemia desidratados, a urina é escura e apresenta uma gravidade específica
A hipoglicemia clínica produz-se em consequência de uma glucose superior a 1.020.
sanguínea inferior a 3mmol/l (50mg/dl), um problema comum em
gatinhos órfãos ou recém-nascidos doentes, devido à imaturidade da Se o animal se apresentar normotérmico, com um grau de desidratação
função hepática e à rápida depleção das reservas de glicogénio. A reduzido, e não evidenciar qualquer disfunção gastrointestinal, podem
hipoglicemia pode ser causada por vómito, diarreia, sepsis, ser administrados líquidos aquecidos por via oral ou subcutânea (SC).
hipotermia e consumo alimentar inadequado. Os gatinhos com Se a desidratação for moderada a grave, a administração EV de fluidos
hipoglicemia apresentam-se debilitados, letárgicos e possivelmente é a mais eficaz. Utiliza-se um mini-equipamento (60 gotas/ml) dotado
anorécticos. Caso o felino não esteja hipotérmico nem desidratado, de uma seringa ou uma bomba de fluidos, ou ainda uma bureta. Pode

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Como tratar... Gatinhos órfãos

proceder-se à cateterização da veia cefálica ou jugular com um cateter coliformes (ex. E. coli) e os agentes responsáveis pelas infecções
de 24g 3/4-polegada ou de 22g 1 polegada. A solução de Lactacto de respiratórias, especialmente o FHV-1.
Ringer é ideal em termos de rehidratação, uma vez que esta
substância pode ser utilizada como fonte de energia. Caso seja Em recém-nascidos, a terapia medicamentosa pode ser afectada por
necessário, poderá adicionar-se 1.25-5% de dextrose. diversos factores importantes que influenciam a absorção,
distribuição, aglutinação e o metabolismo dos fármacos. De forma
Poderão administrar-se fluidos EV aquecidos, em bolus de 30-40 geral, os resultados da administração EV ou IO são mais previsíveis
ml/kg (3-4ml/100g peso corporal), seguidos por uma infusão de 80 do que através da via oral, SC ou intramuscular (IM). A maioria dos
ml/kg/dia (8ml/100g), como manutenção, na qual serão contempladas medicamentos não foi estudada em gatinhos neonatos, pelo que, na
eventuais perdas contínuas. É importante monitorizar rigorosamente maioria dos casos, as recomendações relativas à dosagem e frequência
a fluidoterapia, uma vez que a sobrehidratação ocorre com bastante de administração constituem extrapolações. Habitualmente,
facilidade. Podem ser utilizados diversos métodos para avaliar o nível procede-se a uma redução de 30 a 50% da dosagem para animais
de hidratação, no entanto a pesagem do gatinho com intervalos entre adultos ou ao aumento do intervalo de administração. Alguns
6 a 12 horas é importante e aplicável de forma imediata. Os outros antibióticos devem ser evitados em gatinhos jovens, como os
métodos incluem medições sequenciais do hematócrito (PCV)/ aminoglicosídeos, o cloranfenicol, as tetraciclinas e as sulfonamidas e
proteína total, medição da pressão venosa central e medição da suas associações. Nestes felinos preconiza-se a utilização de
excreção urinária, por meio da colocação de um cateter urinário de quinolonas e ß-lactâmicos (consulte a Tabela 4 para obter informações
borracha vermelha de 3.5Fr. Os níveis de electrólitos e glicose sobre dosagens).
deverão igualmente ser vigiados.
Imunidade
Se o acesso intravenoso for difícil, torna-se necessário recorrer a uma A imunidade passiva é essencialmente transmitida às crias pela
via alternativa para a administração de fluidos. A via intraperitoneal progenitora durante as primeiras 18 horas de vida (antes do
não deve ser utilizada em gatinhos recém-nascidos devido ao risco de encerramento dos espaços intercelulares das células intestinais)
peritonite. O acesso intra-ósseo, através da fossa trocantérica do através do colostro. Na espécie felina a transferência transplacentária
fémur, constitui a melhor alternativa à abordagem EV e permite a de imoglubinas é muito reduzida. O nadir serológico de IgG produz-
administração de sangue, fluidos e medicamentos. Utilize uma agulha
de 20 a 22G e de 1 polegada ou uma agulha hipodérmica de 18 a 25G
como cateter. Através da acção da gravidade é possível obter Figura 2.
velocidade de fluxo na ordem de 11ml/minuto. A administração de Os gatinhos
órfãos muito
fluídos frios, um volume excessivamente elevado durante um curto jovens podem
período de tempo, assim como soluções hipertónicas ou alcalinas, irão ser alimentados
com um leite de
provocar dor. O acesso EV deverá ser estabelecido com a maior substituição
brevidade possível. As complicações decorrentes da utilização da via através de uma
sonda gástrica
IO incluem infecção, extravasamento de fluidos e trauma. de 5Fr e seringa
de 3ml.

Doenças infecciosas
As taxas de mortalidade mais elevadas devido a doenças infecciosas
registam-se nas 2 primeiras semanas de vida e durante o período pós-
desmame (Figura 3). Os agentes patogénicos mais comuns incluem:
Mycoplasma, Herpesvírus-1 felino (FHV-1), Calicivírus, Vírus da
Panleucopenia Felina, Peritonite Infecciosa Felina, Toxoplasma, E.
coli, Pasteurella, Staphylococcus, Streptococcus, Bordetella e
Chlamydophila. Os agentes patogénicos mais importantes são o Figura 3.
A conjuntivite dos
Streptococcus canis (Beta-hemolítico do Grupo G), as bactérias gatinhos pode ser
causada por diversos
agentes, como o
Hepervírus-1 felino,
Tabela 4. o Calicivírus e a
Opções de antibióticos para gatinhos recém-nascidos Chlamydophila felis.

Medicamento Dosagem
Amoxicilina 6-20mg/kg, BID, PO
Amoxicilina + Ácido clavulânico 12.5-25mg/kg, BID, PO
Cefalexina, cefazolina 10-30mg/kg, BID, PO
Ampicilina 25mg/kg, TID, EV/IO/IM
Enrofloxacina 5mg/kg, 1 vez por dia, SC ou EV

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Como tratar... Gatinhos órfãos

se às 5 semanas e está correlacionado com um período de grande Em caso de gatinhos débeis, é mais eficaz recorrer à utilização de uma
vulnerabilidade às infecções. sonda gástrica. As sondas de alimentação deverão ser seleccionadas de
acordo com o tamanho do animal: 5Fr para gatinhos com um peso
A falha de transmissão passiva pode ocorrer em crias órfãs privadas da inferior a 300g, 8Fr para felinos com peso superior a 300g. O leite é
ingestão de colostro durante as primeiras horas críticas. É possível preparado numa seringa de 3 ou 10ml, que se acopla seguidamente à
corrigir esta insuficiência através da injecção SC de soro de felino sonda de alimentação. O gatinho deve ser medido desde a ponta do
adulto com um tipo de sangue compatível, previamente submetido a nariz até à zona anterior à última costela, assinalando esta medida na
despiste de doenças infecciosas (15ml/100g de peso vivo fraccionados sonda alimentar. A sonda deverá ser sujeita a novas medições e
em três doses, durante 24 horas). Os gatinhos sem qualquer tipo de marcações semanais, acompanhando assim o crescimento do gatinho.
imunidade passiva começam a produzir IgG por volta das 4 semanas. A sonda é preenchida com o leite de substituição aquecido e coloca-
Consequentemente, são mais vulneráveis a infecções desde o se o felino em decúbito esternal, com a cabeça elevada. O tubo é
nascimento até às 6 semanas de vida. No caso da maioria dos órfãos, facilmente introduzido através do lado esquerdo da cavidade oral até
o calendário de vacinação deverá iniciar-se entre as 6 e as 8 semanas ao esófago, avançando depois até à marca. O líquido deve ser
de idade. administrado lentamente. Antes de retirar a sonda, esta deverá ser
dobrada para evitar a aspiração do leite. Evite a sobrealimentação. A
Nutrição capacidade máxima do estômago dos gatinhos é de cerca de 4ml/100g
As crias órfãs devem ser alimentadas com um substituto comercial do de peso vivo.
leite materno, especialmente formulado para gatinhos, como o Vital
Milk Royal Canin. É importante respeitar as indicações do fabricante Durante a primeira semana de vida, as crias devem ser alimentadas
em relação à mistura, armazenamento e quantidades a administrar. com intervalos de 2 a 4 horas, diminuindo a frequência após este
Durante as primeiras semanas de vida, as necessidades energéticas dos período. A diarreia é o problema mais comum observado em
gatinhos são cerca de 20kcal EM/100g peso vivo/dia e as gatinhos alimentados com leite de substituição. Para o seu
necessidades de água são aproximadamente 180ml/kg/dia. De início, tratamento, deverá reduzir-se temporariamente a dosagem, através
deverá administrar-se apenas 50% da dose recomendada do leite de da diluição da fórmula em 50% e administrando água ou uma
substituição para evitar o desenvolvimento de diarreia. Poderá solução electrolítica durante algumas refeições. Os gatinhos órfãos
adicionar-se maior quantidade de água ou uma solução electrolítica devem ser pesados de 12 em 12 horas, para assegurar que a nutrição é
oral para compensar o volume e suprir a necessidade de líquidos. Ao adequada para sustentar o crescimento. Se a sua idade for inferior a 3
longo das várias refeições, aumenta-se progressivamente a semanas, é imprescindível estimular a área anogenital após cada
concentração do leite de substituição até atingir a dose recomendada refeição para induzir a defecação e a micção.
pelo fabricante.
Entre as 3 e 4 semanas de vida, deverá ser introduzido um alimento
O leite de substituição reconstituído deve ser aquecido a 35-38ºC sólido para gatinhos, misturando uma pequena quantidade do
(95-100ºF) através da imersão do recipiente em água quente. Nunca produto com o leite de substituição numa tigela colocada ao alcance
utilize o microondas, uma vez que pode sobreaquecer o leite. Os do animal. Logo que o animal aprenda a alimentar-se desta forma,
órfãos mais fortes e com um bom reflexo de sucção podem ser vai-se reduzindo progressivamente a quantidade de leite até o gatinho
alimentados através de biberão, colocados em decúbito esternal, com ingerir apenas alimentos sólidos. De forma geral, o desmame termina
a cabeça elevada para simular a posição normal de amamentação. por volta das 6 a 8 semanas de idade.

Bibliografia complementar
Chandler ML. Pediatric normal blood values. In: Kirk RW and Bonagura JD failure of passive transfer in kittens. J Am Vet Med Assoc 2001; 219(10): 1401-
(eds) Curr Vet Ther XI Small Anim Pract. WB Saunders, Philadelphia 1992, pp. 1405.
981-984. McMichael M, Dhupa N. Pediatric critical care medicine: physiologic
Debraekeleer J. Data for neonatal, pediatric and orphaned puppy and kitten considerations. Comp Cont Educ Pract Vet 2000; 22(3): 206-214.
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Philadelphia 1995, pp. 34-37. In: Kirk RW and Bonagura JD (eds) Curr Vet Ther XI Small Anim Pract. WB
Levy J, Crawford P, Collante WR, et al. Use of adult cat serum to correct Saunders, Philadelphia 1992, pp. 107-112.

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Conceitos actuais sobre


a infertilidade no cão
Cheri Johnson, DVM, MS, Dipl. ACVIM (SAIM)
Departamento de Ciências Clínicas de Pequenos Animais, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade do
Estado de Michigan, East Lansing, EUA
A Dra. Johnson é Professora de Medicina Interna de Pequenos Animais na Universidade Estadual de Michigan e
diplomada pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária. As suas principais áreas de interesse são a
endocrinologia e a reprodução. Recebeu o Prémio Daniels de 1999 pelo seu trabalho em prol do avanço do
conhecimento sobre endocrinologia de pequenos animais. A Dra. Johnson é Directora do Serviço de Pequenos Animais
do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Michigan.

PONTOS-CHAVE
± Por vezes, a concepção é possível com sémen de decréscimo das taxas de gestação para 75% se tornariam
qualidade inferior, se a inseminação se processar evidentes no espaço de semanas ou meses. Contudo, quanto
durante o período de fertilidade máxima da cadela. menor for a actividade reprodutora de um cão, mais tempo
levará a ser detectada a infertilidade. Nalguns casos, esperar até
± A função testicular pode ser restabelecida caso
que não haja concepção em 3 fêmeas consecutivas ou em 3 de 4
sobrevivam espermatogónias viáveis, mas a recuperação
cadelas cobertas (75%) para avaliar a fertilidade do macho pode
da qualidade do sémen pode demorar entre 3 a 12 meses. revelar-se contraproducente, uma vez que, nesse espaço de
± Testículos anormalmente pequenos acarretam um tempo, o grau de fertilidade pode sofrer uma deterioração
prognóstico grave de restabelecimento da fertilidade. progressiva. A redução do tamanho das ninhadas também
± Em caso de orquite ou neoplasia testicular unilaterais, constitui um sinal de infertilidade, no entanto é pouco provável
poderá considerar-se o recurso à castração unilateral, conseguir detectar este problema num macho que não seja
preservando assim o testículo saudável. habitualmente utilizado como reprodutor.

Historial

N
ão foi ainda encontrada uma definição clara para a A fertilidade óptima do macho requer condições normais da
infertilidade do cão. Este facto não é surpreendente, libido, da capacidade de cobrição e da qualidade do sémen.
tendo em conta que as oportunidades de cruzamento Também deverá ser considerada a contribuição relativa da
e as expectativas em relação ao desempenho reprodutivo do cadela para o sucesso do cruzamento. Para complicar ainda
animal são totalmente diferentes para um proprietário de um mais a questão, raramente se permite que os cães e cadelas
animal de companhia muito apreciado, para o criador de cães de cruzem por iniciativa própria. O momento e a frequência da
raça pura, ou para o director de um canil comercial. De forma inseminação, assim como o tipo de sémen utilizado (fresco,
geral, os cães são apresentados na consulta para avaliação de refrigerado ou congelado) são determinados pelo proprietário.
infertilidade devido à recusa ou incapacidade de copular, ou O historial deve registar o estado geral de saúde, incluindo a
porque as fêmeas cruzadas com esses animais não geraram vacinação e o despiste de Brucella canis, qualquer doença
descendência. Na maioria dos casos, desconhece-se se a observada no animal ou nos outros cães do canil, assim como a
inexistência de gestação se deve à ausência de capacidades prática simultânea de esforços intensos, como a caça ou
reprodutivas ou se a concepção foi seguida de morte embrionária, corridas de resistência.
uma vez que o diagnóstico precoce da gravidez não é um exame
realizado por rotina. A avaliação da fertilidade do cão está Para avaliar a libido do cão, o clínico deverá avaliar certas
indicada se as taxas de concepção/gestação forem iguais ou questões específicas: Qual o grau de excitação e interesse
inferiores a 75% (1), ou se 3 cadelas cruzadas consecutivamente manifestado pela cadela, assim como o desejo que evidencia de
pelo mesmo macho não ficarem gestantes (2). Esta circunstância cruzar? (Tabela 1). A cadela estava aparentemente receptiva?
é particularmente aplicável a um cão inserido num programa de Uma vez realizada a monta, ocorreram impulsos pélvicos
reprodução intenso, em que 3 cruzamentos mal sucedidos ou o vigorosos e penetração? Por vezes é difícil distinguir os factores

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Conceitos actuais sobre a infertilidade no cão

Tabela 1. Tabela 2.
Causas de ausência da libido Patologias passíveis de afectar a cópula
Imaturidade sexual Ortopédicas
Geriátrico Neurológicas
Psicológicas/comportamentais Na próstata
O cão não se encontra no seu próprio território No pénis
Submissão à fêmea No prepúcio
Submissão a outro macho numa proximidade imediata Anomalia vaginal impeditiva da penetração
A cadela não se encontra em cio
Dor
Tabela 4.
Distúrbios metabólicos/endócrinos
Exemplos de medicamentos que afectam
Fármacos negativamente a reprodução
Libido e qualidade do sémen
Cimetidina Anticolinérgicos
Tabela 3. Métodos utilizados para determinar o Hormonas Propanolol
momento do cruzamento
• Glucocorticóides Digoxina
• Cadela e cão domésticos juntos durante o período reprodutivo
• Estrogénios Fármacos SNC
• Cópula em dias alternados, durante a fase de receptividade da
• Androgénios • Clorpromazina
cadela (estro)
• Iniciar cruzamentos alternados num dia pré-determinado, • Esteróides anabolizantes • Barbitúricos
normalmente no 10°-12° dia • Progestagéneos • Diazepam
• Recorrer à citologia vaginal para confirmar o início do estro Quetaconazol Diuréticos tiazídicos
• Usar a endoscopia vaginal para confirmar o estro e o “momento Espironolactona
da ovulação”
• Medir as concentrações de progesterona sérica para prever o pico Qualidade do sémen
de LH* e realizar o cruzamento em consonância
Anfotericina B
• Medir a LH sérica e cruzar os animais 3 a 5 dias após o pico de LH
Diversos fármacos anti-cancerígenos, vincristina
* hormona luteinizante

físicos dos factores fisiológicos, bem como distinguir os factores confirma não só que a penetração ocorreu, como a deposição do
inerentes ao macho dos factores inerentes à fêmea em relação à sémen na vagina foi provavelmente concretizada. Na ausência de
avaliação da libido. Por exemplo, se as cadelas não estiverem em fase aprisionamento pós-coital, não é possível confirmar a penetração ou
de estro não demonstrarão total receptividade. De igual forma, inseminação vaginal. Um cão hiperexcitado e com uma erecção total
alguns machos não manifestam tanta excitação face a cadelas que não conseguirá realizar a penetração completa pois a glândula bulbo-
ainda não se encontrem no período de estro. A libido diminui nos uretral estará demasiado dilatada. Neste caso não ocorrerá
cães mais velhos. Por outro lado, os machos inexperientes ou aprisionamento após a cobrição. Os criadores de cães referem-se a
submissos podem ser intimidados por uma cadela dominante ou por esta situação como “aprisionamento exterior”. Poderá ter havido
um ambiente desconhecido. Nalgumas ocasiões, foram observados ejaculação, mas não necessariamente intravaginal.
cães cuja libido se apresenta temporariamente diminuída, em
consequência da exaustão resultante da prática de uma actividade Deverá proceder-se à avaliação do registo reprodutivo prévio do
física intensa e prolongada. Certas anomalias físicas da cadela, por ex. animal, para determinar a taxa de concepção/gestação ao longo da sua
septo vaginal, ou do cão, como é o caso de problemas ortopédicos, vida reprodutiva. É importante determinar se as cadelas ficaram
podem impossibilitar a monta normal e/ou a penetração apesar de gestantes na sequência de cruzamentos com outros machos,
uma libido normal. Esta situação por vezes é interpretada como anteriormente e/ou posteriormente à cobrição pelo macho em causa.
ausência da libido. Qualquer distúrbio doloroso, incluindo afecções Também pode ter interesse referir a frequência com que o animal é
prostáticas, pode afectar negativamente a libido e a capacidade de utilizado como reprodutor. Por exemplo, a ejaculação diária provoca
cobrição (Tabela 2). uma diminuição substancial - muito embora não necessariamente
significativa em termos clínicos - do número de espermatozóides em
Ocorreu o aprisionamento pós-coital após a cobrição? O sémen do cada ejaculado (Consultar a secção “Avaliação do sémen”). Deverão ser
cão é composto por três fracções. A primeira fracção, de origem revistos os métodos utilizados para a escolha das datas de reprodução,
prostática, é ejaculada durante o período de movimentos pélvicos determinando assim se as inseminações ocorreram de facto durante o
rápidos, que em geral cessam quando começa a ejaculação da fase rica período de máxima fertilidade (Tabela 3). Comparativamente a uma
em espermatozóides (segunda fracção do ejaculado) (3). A ejaculação inseminação única, duas cobrições durante o período fértil traduzem-
da terceira porção (líquido prostático) ocorre, sobretudo, durante o se em melhores taxas de concepção. O método de inseminação natural
aprisionamento pós-coital. Embora a duração do aprisionamento versus inseminação artificial vaginal ou intra-uterina (IA), também é
não tenha influência directa na concepção, o facto de ter ocorrido um factor de extrema importância (4).

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Conceitos actuais sobre a infertilidade no cão

Exame físico Avaliação diagnóstica suplementar


Um exame físico completo e rigoroso deverá ser realizado por duas Em áreas endémicas, deverá proceder-se ao despiste de Brucella canis
razões de extrema importância. Em primeiro lugar, uma doença como procedimento de rotina para avaliação de fertilidade. Estes
sistémica, e/ou o seu tratamento pode afectar negativamente a facto é particularmente importante se o último rastreio tiver sido
fertilidade do macho (Tabela 4). A segunda razão prende-se com a realizado antes de se observar a infertilidade do cão, caso exista um
detecção de potenciais afecções hereditárias. Os defeitos hereditários historial de morte ou absorção embrionária no canil ou possibilidade
tornam o cão indesejável para reprodutor e tornam desnecessária de eventual exposição à bactéria (5). Devido à natureza insidiosa da
uma avaliação suplementar da fertilidade. Se a história clínica sugerir infecção por B. canis, através do transporte internacional de sémen,
uma libido reduzida ou uma fraca capacidade de cobrição, o cão deve o microrganismo pode ser inadvertidamente introduzido num canil
ser avaliado sobretudo em termos de perturbações músculo- de um país considerado isento de B. canis. Não há qualquer interesse
esqueléticas e neurológicas, comuns à raça. em prosseguir o estudo da fertilidade de um cão com brucelose, mas
a realização de uma investigação epidemiológica exaustiva é
Seguidamente, deve examinar-se cuidadosamente o tracto reprodutor fundamental para o futuro reprodutivo do canil.
inspeccionando-se a pele do prepúcio e do escroto. A palpação do
conteúdo escrotal deve ser feita com particular atenção. Os testículos, As alterações constatadas durante o exame físico devem ser tratadas.
os epidídimos e os cordões espermáticos devem ser avaliados em É aconselhável realizar o hemograma, o perfil bioquímico assim
termos de localização, tamanho, forma, consistência e eventual como a urianálise para determinar o estado geral de saúde do cão. No
desconforto. Os testículos e os epidídimos são macios e, de forma entanto, na ausência de anomalias físicas ou sinais evidentes de
geral, a cauda dos últimos é ligeiramente mais firme do que os doença, é pouco provável que estas análises possam revelar a causa da
testículos. Os epidídimos distinguem-se facilmente dos testículos, infertilidade. Em geral, recomenda-se a pesquisa de hipotiroidismo
sobretudo junto à cauda. Se estes órgãos não forem diferenciáveis em machos inférteis, muito embora tenha sido demonstrado que, em
através da palpação, um deles, ou ambos, apresentam uma anomalia. cães adultos, o hipotiroidismo experimentalmente induzido não
A espermatogénese de testículos com textura demasiado mole ou exerce qualquer efeito adverso sobre a libido, nem sobre o tamanho
dimensões reduzidas poderá não ser normal. O registo da largura de dos testículos, produção diária de espermatozóides, qualidade do
cada testículo e a extensão total do escroto deve ser feita, pressionando sémen ou sobre as concentrações séricas de testosterona e de LH (6).
suavemente os testículos até ao fundo do escroto e medindo-os de um A ultrassonografia constitui um excelente método para avaliar de
lado ao outro da face caudal. Os testículos devem apresentar um forma mais pormenorizada qualquer anomalia detectada durante a
alinhamento uniforme no plano sagital quando a largura total do palpação do escroto, do cordão espermático, dos testículos e dos
escroto é determinada. Os resultados ajudam a monitorizar a evolução epidídimos. Para o exame da próstata, a ecografia é um método mais
ou resolução da patologia. As causas das dimensões anormalmente eficaz que a palpação (7). A doença prostática é frequentemente
reduzidas dos testículos incluem hipoplasia congénita, degeneração e referida como uma causa de infertilidade. A biópsia de aspiração com
atrofia. Em consequência, o prognóstico de recuperação da agulha fina orientada por ultrassonografia das lesões testiculares e
fertilidade em cães com hipoplasia testicular acentuada é grave. A prostáticas é um exame de fácil realização. As amostras recolhidas são
eventual excepção será a atrofia testicular resultante da supressão do utilizadas para análise citológica e microbiológica.
eixo hipotalâmico-pituitário-gonadal, como por exemplo em caso de
excesso de estrogénios ou de outros distúrbios endócrinos. A palpação Se não for encontrada qualquer explicação física ou comportamental
permite detectar tumores testiculares com dimensões suficientes, que para uma libido diminuída, o cão poderá ser examinado num
em geral são irregulares e evidenciam uma consistência diferente do ambiente que se considere seguro, na presença de uma cadela em cio.
parênquima envolvente. Caso se constate a presença de uma alteração Se ainda assim continuar a evidenciar falta de libido ou ausência de
testicular unilateral, como uma orquite ou um tumor, deverá ser erecção, deverá ser avaliada a secreção de testosterona. Em machos
considerada a castração unilateral como forma de proteger o testículo não esterilizados, por vezes o nadir da secreção episódica de
saudável dos danos provocados pelo calor, pressão, extensão directa ou testosterona situa-se abaixo do limiar de detecção de alguns ensaios.
efeitos do testículo afectado. Assim, as concentrações séricas de testosterona devem ser medidas
antes e após a administração de Hormona Libertadora de
Se a historia clínica sugerir um problema ao nível do pénis, este órgão Gonadotrofina (GnRH Gonadotropin Releasing Hormone) ou de
deverá ser examinado antes da recolha de sémen. Caso contrário, Gonadotrofina Coriónica Humana (hCG Human Chorionic
poderá ser observado no decurso da colheita. O exame da próstata Gonadothrophin). Raramente se observa uma produção inadequada
realiza-se com maior facilidade utilizando ambas as mãos, por meio de testosterona em cães inférteis mas normais nos restantes aspectos.
de palpação transrectal e transabdominal simultânea. Comparativa-
mente à textura macia dos testículos, a superfície da próstata é Avaliação do sémen
ligeiramente áspera, possui um formato bilobado e simétrico, e a sua Em última análise, o factor mais importante da fertilidade masculina
palpação não deve provocar dor no animal. consiste na qualidade do sémen. A libido reduzida e a dificuldade de
cobrição podem ser contornadas através de técnicas de reprodução

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Conceitos actuais sobre a infertilidade no cão

Tabela 5. Tabela 6.
Parâmetros do sémen canino Factores nocivos para os
Normal Anormal espermatozóides
Volume 2.5- > 80ml
Cor Opalescente Clara, • Água
amarela, vermelha • Lubrificantes
N° total de espermatozóides 300-2,000 x 106 < 200 x 106
no ejaculado oligozoospermia • Plástico
% espermatozóides com > 70% < 50% • Látex
motilidade progressiva astenozoospermia
• Frio
% morfologicamente normal > 80% < 70%
teratozoospermia • Calor
pH 6.3-6.7 • Urina
Leucócitos por campo ≤6 > 7-10
de ampliaçao (HPF)

assistida, como a electroejaculação e a inseminação artificial. Segue-se Sempre que se detecte uma amostra de sémen de qualidade anómala,
uma discussão do diagnóstico e opções terapêuticas para um macho em primeiro lugar o cão deverá ser submetido a uma reavaliação. Se o
infértil mas normal, de acordo com os restantes critérios, que não sémen evidenciar de novo características anormais, deverá conservar-
tenha conseguido dar origem a uma ninhada quando adequadamente se ou efectuar uma cultura de uma alíquota enquanto se procede à
cruzado com uma fêmea fértil, durante o período de estro desta. O realização de exames suplementares.
sémen deve ser recolhido, procedendo-se à sua análise e cultura
citológica, tal como foi descrito (1, 8). O número de espermatozóides, Teratozoospermia e astenozoospermia
respectiva morfologia e motilidade, bem como a presença de outras É comum os espermatozóides morfologicamente anómalos não
células, constituem os principais parâmetros a avaliar. Os resultados possuírem uma motilidade normal. As anomalias em termos de
podem ser classificados como segue: normais, oligozoospermia, morfologia e motilidade podem ser iatrogénicas, em consequência de
azoospermia, teratozoospermia, astenozoospermia, leucospermia e choque térmico (frio ou calor), de irregularidades ao nível do pH ou
hemospermia (Tabela 5). da osmolaridade, que serão abordadas de forma conjunta. Os
espermatozóides normais avançam de forma rápida e imediata em
Sémen Normal linha recta. As causas iatrogénicas são a causa mais comum da fraca
Na presença de um animal saudável, deverá investigar-se em primeiro motilidade de espermatozóides normais do ponto de vista
lugar o maneio da reprodução. É necessária a realização de 2 morfológico. Contudo, o decréscimo da motilidade também
cobrições, no mínimo, durante o período de fertilidade óptima, constitui um dos primeiros sinais de lesões testiculares.
determinado pelo momento da ovulação. Se anteriormente se
recorreu à I.A., a técnica deverá ser analisada para garantir que o A teratozoospermia e astenozoospermia são observáveis em cães
sémen não sofre qualquer tipo de dano durante o processo de recolha sexualmente imaturos e geriátricos. Após um período de abstinência,
e/ou inseminação (Tabela 6). As taxas de concepção relativas ao por vezes, o número de espermatozóides anómalos aumenta
sémen congelado são mais elevadas em caso de deposição intra- enquanto a sua motilidade diminui, devido à senescência espermática
uterina, comparativamente à inseminação intravaginal. A natural nos reservatórios extra-gonadais. Se apenas for colhida uma
composição do meio, o método de diluição (uma ou duas fases), a quantidade reduzida (por exemplo, inferior a 1ml), a presença de
concentração final de espermatozóides, a temperatura e nível de espermatozóides anómalos não deverá ser sobreavaliada. É preferível
arrefecimento, a congelação e descongelação, assim como a obter uma nova amostra. A diminuição da intensidade dos
temperatura de armazenamento (9-14) são passíveis de afectar a movimentos, numa colheita de aspecto normal, em geral, constitui
qualidade do sémen refrigerado ou congelado. um sinal de temperaturas baixas. Neste caso, uma segunda alíquota
da amostra, estabilizada a 37ºC numa lâmina aquecida, deverá
Assim, um sémen normal pode sofrer danos num dado momento da apresentar uma motilidade normal. Os movimentos dos
recolha, do processo de arrefecimento ou congelação, do armazena- espermatozóides em sentido retrógrado, em círculos, ou através de
mento, do transporte, do aquecimento ou descongelação, ou da qualquer outra forma anormal, resulta na maioria dos casos, de
própria inseminação. defeitos morfológicos no corpo intermédio ou na cauda que
A segunda abordagem, face a um cão normal com sémen normal, impedem a sua deslocação para diante.
consiste na pesquisa da fertilidade da fêmea, ou simplesmente no seu
cruzamento com uma cadela diferente, de preferência, com A morfologia dos espermatozóides é classificada de acordo com
fertilidade comprovada. anomalias ao nível da cabeça, do corpo intermédio e da cauda. A
A terceira situação é a recuperação de uma situação de uma osmolaridade do corante utilizado ou um pH inadequados podem
infertilidade anterior. provocar alterações. Em caso de motilidade normal, se forem
observadas anomalias excessivas no corpo intermédio ou na cauda,

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Conceitos actuais sobre a infertilidade no cão

Figura 1. Figura 2. Figura 3.


Esperma canino normal. Coloração da Sociedade de Caudas dobradas, provocadas pelo corante utilizado. O espermatozóide central evidencia o defeito de Dag
Teriogenologia, osmolaridade 189mOsm. A mesma amostra de sémen da Figura 1, corada com (microscópio de contraste de fases). Cortesia da Dra. Patricia
coloração da Sociedade de Teriogenologia, Olson, Fundação Animal Morris, Englewood Colorado, EUA.
osmolaridade 137mOsm. .

deverá suspeitar-se de uma causa iatrogénica, por exemplo, um ejaculado, esgotando as reservas extra-gonadais de esperma nos
problema com o corante (15) (Figuras 1 e 2). epidídimos e nos ductos deferentes (6, 8). Um segundo ejaculado,
realizado no mesmo dia, apresentará um número reduzido de
Qualquer agressão a nível testicular pode dar origem a espermatozóides. Para maximizar a produção espermática, o intervalo
teratozoospermia. A recuperação é possível se as espermatogónias não entre ejaculações deverá ser de 3 a 4 dias. Os cães com oligozoospermia
ficarem lesadas de forma irreversível. Tanto uma amostra de sémen não conseguem repor as reservas de espermatozóides com a mesma
normal como anormal comportam, habitualmente, diversas anomalias rapidez que os cães normais. Uma pequena quantidade de
morfológicas. Com base em observações realizadas em touros, se uma espermatozóides normais também pode dar origem a uma gestação. As
anomalia morfológica predominar sobre as outras, deve suspeitar-se de hipóteses serão maiores se a inseminação se processar durante o período
uma base genética (i.e., hereditária e não adquirida), sobretudo se essa de maior fertilidade, determinado pelo momento de ovulação. De
alteração única representar ≥ 25% dos espermatozóides de uma acordo com algumas opiniões a inseminação intra-uterina – mais do
amostra, e constituir um achado persistente (16). De entre estes, o que a intravaginal – pode ser de grande utilidade. Assim, e nestas
defeito de Dag (Figura 3) e o defeito da “cauda amputada” foram circunstâncias, a cobrição natural parece ser preferível à IA intra-vaginal.
identificados em cães cuja qualidade do sémen se adequava aos critérios Um volume reduzido significa quase sempre más condições de colheita,
estipulados para os defeitos genéticos. Com o envelhecimento, algumas e também tem sido associada à ejaculação retrógrada e à doença
anomalias genéticas observadas no esperma de touros passam a prostática. De igual forma, pode dar origem à diminuição do número
abranger maior percentagem de espermatozóides. Com excepção das total de espermatozóides presentes no ejaculado. Habitualmente, alguns
situações sugestivas de defeitos genéticos, as anomalias morfológicas espermatozóides regridem para a bexiga. Não foi ainda definida a causa
não são patognomónicas de uma causa específica (17). da presença de um volume anómalo de esperma na bexiga, supondo-se
que seja segregado um maior número de espermatozóides em sentido
Algumas anomalias morfológicas, como gotículas distais e cabeças antrógrado, através da uretra, do que em sentido retrógrado para a
separadas das caudas, têm um impacto relativamente pequeno sobre bexiga. A ejaculação retrógrada é confirmada através da análise urinária
a fertilidade canina, a menos que a percentagem de espermatozóides para identificar a presença de espermatozóides, antes e após a ejaculação.
normais da amostra seja igual ou inferior a 60% (17). Este tipo de Preconiza-se o tratamento com fármacos ␣-adrenérgicos, para aumentar
anomalia é considerada “compensável”, uma vez que a inseminação a pressão do esfíncter uretral (8). Tal como anteriormente descrito, os
com um número superior de espermatozóides normais, em termos cães que apresentem sémen anómalo deverão ser avaliados em termos
funcionais, deve permitir compensar, ou até ultrapassar, o problema de doença prostática.
(16). Outros defeitos espermáticos, como é o caso da ruptura do
corpo intermédio, anomalias da cabeça, para além de cabeças A azoospermia pode resultar da incapacidade de produzir ou ejacular
normais separadas do corpo e caudas duplas, foram descritos como os espermatozóides ou de proceder à colheita da porção rica em
principais defeitos observados no cão (17), e eventualmente são espermatozóides do ejaculado. Para excluir a possibilidade de uma
impossíveis de compensar. ejaculação incompleta ou a impossibilidade de recolher a fracção com
maior teor de espermatozóides, deverá ser determinada a actividade
Oligozoospermia e azoospermia de fosfatase alcalina no líquido seminal. A fosfatase alcalina é
O número de espermatozóides produzidos está directamente produzida nos epidídimos caninos. O líquido produzido nestes
relacionado com as dimensões dos testículos. Muito embora o ductos deve conter espermatozóides e concentrações elevadas de
prognóstico da oligozoospermia seja, sem dúvida, melhor do que em fosfatase alcalina, em geral ≥ 5000 IU/l. A azoospermia com um
caso de ausência total de espermatozóides, os pressupostos iniciais de nível elevado de fosfatase alcalina no fluído seminal é indicativa de
diagnóstico são os mesmos. É previsível que cães sexualmente imaturos insuficiência espermatogénica, ou obstrucção bilateral do fluxo dos
e geriátricos apresentem oligo- ou azoospermia. Em cães normais, a testículos para os epidídimos. Existem causas congénitas e adquiridas
ejaculação diária diminui o número de espermatozóides em cada para a incapacidade de produzir espermatozóides. Para o diagnóstico

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Conceitos actuais sobre a infertilidade no cão

final poderá ser necessário realizar uma biopsia testicular, mas antes que o sémen de cães normais apresenta um valor igual ou inferior
disso devem ser efectuados todos os testes não invasivos. Em presença 2000Lc/µl, e igual ou inferior a 6Lc por campo de ampliação numa
de causas congénitas, dever-se-á considerar a avaliação do eixo amostra de Cytospin (1, 8). Também se observam outras células
hipotalâmico-pituitário-gonadal assim como a realização de um inflamatórias, como os macrófagos. Em caso de inflamação, deverá
cariótipo. efectuar-se a cultura de uma amostra para detecção de bactérias
aeróbicas e Micoplasma, e eventualmente para a presença de bactérias
Se uma amostra azoospérmica apresentar baixas concentrações de anaeróbicas. (18). Face à probabilidade de contaminação do prepúcio
fosfatase alcalina, existem várias possibilidades. A primeira, é que e/ou do tracto urinário, as contagens bacterianas aeróbicas de 10,000
apenas tenha sido colhida a fracção inicial (pré-esperma) do unidades formadoras de colónias/ml são consideradas clinicamente
ejaculado, com origem na próstata. Outra hipótese consiste na significativas (8, 18). Embora seja mais provável que as amostras com
ejaculação incompleta. Existe ainda a possibilidade de obstrução um número elevado de células inflamatórias comportem um
bilateral do fluxo espermático proveniente dos epidídimos. A doença crescimento bacteriano mais relevante do ponto de vista clínico, por
prostática deverá igualmente ser considerada, uma vez que ambos os vezes também se observa em cães com sémen não contaminado. Por
ductos deferentes passam através da próstata, desembocando na conseguinte, a cultura deverá fazer parte da rotina analítica,
uretra prostática. independentemente da ausência de células inflamatórias no sémen
(18).
Hemospermia
Em geral, o sangue presente no sémen é proveniente da próstata ou Monitorização
da zona superficial do pénis durante a colheita de sémen. Esta última O ciclo espermatogénico canino dura cerca de 62 dias. É bastante
situação pode ser excluída examinando o órgão logo que seja improvável observar alterações substanciais na qualidade do sémen
detectada a existência de sangue. Habitualmente, se o pénis sofrer um num período inferior, a menos que a causa na origem do sémen
traumatismo no decurso da recolha de esperma, o sangue é vermelho anómalo seja iatrogénica ou esteja relacionada com dificuldades
vivo, enquanto se tiver origem na próstata apresenta uma coloração “técnicas” durante a colheita. Partindo do princípio que se detecta e
vermelha-acastanhada. Esta descoloração é visível em todas as corrige a causa das lesões testiculares, e que ainda existem
fracções do ejaculado. As lesões poderão ser ao nível do prepúcio, da espermatogónias viáveis, a melhoria ou a recuperação são possíveis.
uretra, da bexiga ou das gónadas, mas não é provável que constituam Em cães que, para além deste problema, sejam saudáveis e normais,
a causa da hemospermia. com testículos com dimensões e consistência igualmente normais,
preconiza-se uma reavaliação passados 3, 6 e 12 meses (17). Se não
Leucospermia for registada qualquer alteração no sémen ao fim de 12 meses, é
A presença de leucócitos no sémen canino é bastante comum, na pouco provável que ocorra futuramente.
maioria dos casos resultante de contaminação prepucial. Foi relatado

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Conceitos actuais sobre


infertilidade na cadela
Autumn Davidson, DVM, MS, Dipl. ACVIM
Hospital Universitário da Escola de Medicina Veterinária; Universidade da Califórnia, Davis, CA 95616 USA
A Dª. Davidson obteve a licenciatura e mestrado na Universidade da Califórnia, com particular destaque sobre a ecologia e
maneio da vida selvagem. Licenciou-se na Escola de Medicina Veterinária, Universidade da Califórnia, Davis, tendo
completado um internato em Medicina e Cirurgia de Pequenos Animais na Universidade A&M do Texas e uma residência
em Medicina Interna de Pequenos Animais na Universidade da Califórnia, Davis. Especializou-se em medicina interna em
1992. A Drª.Autumn Davidson é Professora de Clínica Médica na Escola de Medicina Veterinária, Universidade da
Califórnia, Davis, integrada no Departamento de Medicina e Epidemiologia. É especialista em teriogenologia e doenças infecciosas de pequenos
animais. Para além disso, a Drª. Davidson trabalha no Centro de Saúde Animal de Sonoma, uma clínica privada de referência, onde recebe
casos quer de medicina interna quer de reprodução.

PONTOS-CHAVE
± Na maioria dos casos, a infertilidade da cadela deve- normais, e o insucesso conceptivo resulta sobretudo do maneio
se essencialmente ao maneio inadequado da reprodutivo ou de problemas do macho reprodutor. Existem
reprodução e não à incapacidade de conceber ou variações consideráveis no ciclo reprodutivo normal da espécie
canina. Em geral, os criadores interpretam esta variabilidade
levar a termo a gestação.
como uma manifestação de anomalias. O clínico deve
± Existem variações consideráveis no ciclo reprodutivo
estabelecer a distinção entre cadelas que apresentem ciclos
normal da espécie canina. Em geral, os criadores éstricos com padrões inesperados e reprodutoras com situações
interpretam esta variabilidade como uma realmente anómalas. A detecção da variabilidade individual, em
manifestação de anomalias. O clínico deve termos da sequência normal do ciclo, numa cadela fértil, pode
estabelecer a distinção entre cadelas que apresentem revelar-se crucial para um aconselhamento eficaz sobre o
ciclos éstricos com padrões inesperados e maneio da reprodução. Para além disso, a monitorização do cio
reprodutoras com situações realmente anómalas. para detecção de anomalias constitui uma componente
± A monitorização do cio para detecção de anomalias importante da avaliação de uma cadela com suspeita de
infertilidade. Por vezes, as variações observadas em relação à
constitui uma componente importante da avaliação
sequência de acontecimentos num ciclo éstrico normal podem
de uma cadela com suspeita de infertilidade. Por
remeter para perturbações ováricas específicas.
vezes, as variações observadas em relação à
sequência de acontecimentos num ciclo éstrico Anamnese e exame físico, base de dados
normal podem remeter para perturbações ováricas Deve obter-se a história pregressa completa da cadela, de forma
específicas. pormenorizada, incluindo, não só os dados relativos ao maneio
± Em muitos casos, a avaliação completa do potencial da reprodução e condições de criação, como também, a história
reprodutivo de uma cadela deve de ser adiada até a geral do estado de saúde do animal. Antes de proceder a uma
ocorrência de um ciclo éstrico. avaliação centrada especificamente no aparelho reprodutor, o
animal deve ser submetido a um exame físico rigoroso, exames
complementares diagnósticos de rotina, compostos por
hemograma, perfil bioquímico sérico, urianálise (com cultura,
Introdução se indicado) e despiste de Brucella canis (nos países em que se
Na cadela, a infertilidade consiste na incapacidade de conceber considere necessário), para detecção de eventuais indícios de
e gerar crias viáveis. A maioria das fêmeas apresentadas na doença sistémica. Deve igualmente ser analisada a história de
consulta de reprodução com suspeita de infertilidade são vacinação e desparasitação (1-3).

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

Fisiologia reprodutiva anestro, uma vez que os inibidores da prolactina podem desencadear
Para avaliar a infertilidade de uma cadela reprodutora é indispensável o final desta fase do ciclo. O fim do anestro está associado a um
um conhecimento aprofundado do ciclo reprodutivo da cadela, o aumento da frequência dos pulsos de LH e a uma concentração
qual se descreve de seguida. superior de FSH, na fase terminal do anestro.

Puberdade O proestro tem uma duração média de 9 dias, se bem que possa
Habitualmente, a puberdade ocorre entre os 6 e os 24 meses, e de durar entre 3 e 17 dias. Os machos demonstram interesse pelas
forma geral, os cães de tamanho grande atinjam a puberdade mais fêmeas, mas não existe receptividade por parte das cadelas. A vulva
tarde do que as raças mais pequenas. O primeiro estro pode ser apresenta-se dilatada devido à secreção de estrogénios pelos folículos
irregular e é comum a ocorrência de cios interrompidos (ou falsos em crescimento. É observável uma descarga sero-sanguinolenta na
cios), que traduzem um período de foliculogénese sem ocorrência de vulva, resultante da diapedese dos eritrócitos através dos vasos
ovulação. No intervalo de 2 semanas a 2 meses mais tarde, produz-se uterinos. Na vaginoscopia a mucosa vaginal apresenta-se lisa porque
um ciclo ovulatório normal. A puberdade tardia é rara na cadela e, se os estrogénios causam edema. A frequência dos pulsos de LH
for consequência de uma etiologia nutricional pressupõe um mau aumenta e a FSH é suprimida. Os estrogénios têm origem nos
prognóstico em termos da fertilidade futura. Por vezes, o primeiro cio folículos em crescimento e atingem o pico máximo no final do
pode ser desencadeado mantendo a cadela junto de outra fêmea do proestro. De facto, o decréscimo dos níveis de estrogénios no final do
canil que se encontre em proestro, devido ao efeito das feromonas. proestro desencadeia os sinais clínicos de estro na cadela
Numa cadela normal de acordo com os restantes parâmetros, pode (receptividade). É interessante constatar que a testosterona se
recorrer-se à indução médica (4, 5). apresenta relativamente elevada neste período, talvez em resultado de
um reforço na síntese dos estrogénios, que se pode traduzir num
Intervalo do interestro comportamento, até certo ponto masculino, por parte da cadela, tal
O interestro é composto pelo diestro - que habitualmente dura entre como montar outros cães. A citologia vaginal realizada no proestro
45 e 60 dias - e pelo anestro, período bastante variável, embora a sua destaca um aumento diário, de cerca de 10%, do nível de
duração normal se situe entre 90 e 150 dias. Assim, o tempo médio do queratinização até atingir aproximadamente 100% de células
interestro é de 7 meses. Nas cadelas Pastor Alemão o interestro dura, cornificadas (Consultar o Guia Destacável, página 39). A presença de
em média, 6.5 meses enquanto nas cadelas Teckel é de 8.3 meses. De eritrócitos e de descarga vulvar sanguinolenta é variável e, mesmo em
forma geral, nas fêmeas de grande porte este intervalo é mais curto do caso de corrimento sanguíneo macroscópico, podem não ser
que nas cadelas mais pequenas. A variabilidade do período de observados eritrócitos na citologia vaginal. Na visualização
interestro é normal e tende a prolongar-se ainda mais uma vez vaginoscópica, a mucosa vaginal apresenta-se brilhante com rebordos
ultrapassados os 8 anos de vida. O factor sazonalidade pode existir nas arredondados, devido ao edema celular.
cadelas, com ciclos mais comuns no Verão e no Inverno (4, 5).
Em média, o estro dura 9 dias, mas pode variar entre um mínimo de
Ciclo éstrico 3 dias e um máximo de 21 dias. Tanto o macho como a fêmea
As fases do ciclo éstrico canino são o anestro, o proestro, o estro e o demonstram um interesse recíproco. A cadela “ergue” a cauda como
diestro. O anestro é um período indispensável para o sinal de receptividade. Este comportamento durante o estro é uma
restabelecimento do endométrio, após o efeito proliferativo exercido consequência da diminuição brusca dos estrogénios que atingiram o
pela progesterona durante o diestro, nos 45 a 60 dias anteriores. A seu pico durante o proestro, enquanto a progesterona aumenta. A
fertilidade será baixa se não se verificar, no mínimo, um período de citologia vaginal realizada durante o estro apresenta uma elevadíssima
90 dias de anestro (ou um intervalo de interestro de 150 dias), uma densidade celular, com mais de 90% das células cornificadas, sendo a
vez que o útero não terá tido o tempo suficiente para recuperar do maioria anucleares. Regista-se a ausência de neutrófilos, porque a
diestro e, subsequentemente, estabelecer e manter a gravidez. parede hiperplásica vaginal é demasiado espessa para permitir a sua
passagem através da mucosa. Os eritrócitos estão frequentemente
Durante a fase de anestro, nem o macho nem a fêmea demonstram ausentes. O fundo do esfregaço é bastante claro. As células podem
qualquer interesse sexual recíproco. A vulva não se encontra dilatada descamar à medida que se aproxima o final do estro. A vaginoscopia
nem edematosa e a citologia vaginal apresenta-se hipocelular, com revela um epitélio vaginal com um aspecto enrugado (denteação)
células parabasais não cornificadas (Consultar o Guia Destacável, devido ao decréscimo acentuado das concentrações de estrogénios,
página 39). A parede vaginal é muito fina, evidenciando uma responsável pela desidratação da mucosa.
coloração pálida na vaginoscopia. A progesterona situa-se na
concentração basal (<1ng/ml). Note-se que mesmo as cadelas O pico da LH – que provoca a ovulação folicular - ocorre ao fim de
esterilizadas possuem níveis basais de progesterona, provavelmente de 24 a 48 horas após o início do estro e é desencadeado pelo pico de
origem adrenal. A secreção de prolactina pela pituitária favorece o estrogénios durante o proestro. A sua duração é muito reduzida, pelo

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

que é necessário realizar análises diárias para o detectar. A ovulação hemorragia vaginal. Os protocolos para detectar a ovulação através de
processa-se 24 a 48 horas após o pico de LH (3º- 4º dia do estro) e citologias vaginais sequenciais, repetição de vaginoscopias e
demora cerca de 24 horas até se completar. Em geral, o período fértil doseamento sérico de progesterona e de LH, são úteis para identificar
recomendado para reprodução situa-se entre o 3º e o 5º-6º dia após o o período fértil real no qual o cruzamento se deve processar, e permite
pico de LH, devendo realizar-se o cruzamento em dias alternados avaliar as decisões relativas ao maneio da reprodução (1, 6).
durante o estro.
É conveniente aconselhar os clientes criadores que informem a
Os níveis de progesterona aumentam durante o estro, coincidindo clínica logo que seja constatado o cio da cadela em observação, com
habitualmente a subida inicial com o pico de LH. Este acréscimo base no corrimento vaginal ou na dilatação vulvar/atracção pelos
pré-ovulatório dos níveis de progesterona é causado pela luteinização machos. Mesmo os proprietários mais perspicazes podem não
éstrica dos folículos e por um back up da progesterona resultante da conseguir identificar o verdadeiro início do proestro durante alguns
síntese dos estrogénios. O aumento da progesterona coincidente com dias. O proestro precoce deve ser comprovado através de citologia
o pico da LH, pode ser medido em dias alternados para prever o vaginal (<50% de queratinização/células superficiais). Caso se
período fértil. Devido a esta simultaneidade, a progesterona situa-se desconheça o início real do ciclo, o nível basal da progesterona pode
bastante acima dos valores basais quando o estro termina. Por constituir uma boa informação (habitualmente 0-1ng/ml, no
consequência, o diestro constitui o período de predominância de proestro). Devem realizar-se citologias vaginais com intervalos de 2
progesterona. ou 4 dias até se observar uma evolução significativa em termos da
cornificação, em geral >70% das células superficiais, momento em
Numa cadela não gestante, o diestro pode ser referido como que se iniciam as análises hormonais sequenciais. Na rotina
pseudogestação oculta, uma vez que os níveis de progesterona se reprodutiva, a análise para determinar os níveis de progesterona pode
mantêm elevados se bem que não existam quaisquer sinais de ser realizada em dias alternados até se constatar um aumento de
gravidez. Em geral, durante o diestro, a cadela rejeita as aproximações >2ng/ml. O dia «zero» corresponde à data em que se regista o
do macho se bem que algumas fêmeas se mantenham receptivas após aumento inicial da progesterona, pelo que se aconselha o
o período fértil. Na fase inicial, observa-se uma alteração brusca da cruzamento no 2º, 4º e 6º dias (1, 5, 7).
queratinização, de 100% para uma percentagem inferior a 50%,
nível que assinala o primeiro dia de diestro. Os neutrófilos regressam Sempre que seja necessário maior rigor na determinação do
para remover todas as células mortas e resíduos celulares. Observa-se momento da ovulação (p.ex. inseminação artificial com sémen
o regresso das células intermédias, bem como, das células do congelado ou refrigerado, caso de infertilidade da cadela,
“metaestro” e das células espumosas. A progesterona é segregada pelo cruzamentos com cães reprodutores sub-férteis), preconiza-se, na
corpo lúteo, que constitui a única fonte desta hormona na cadela. No medida do possível, a realização de uma análise diária das
diestro, os níveis de prolactina são mais elevados nas fêmeas gestantes concentrações de LH. Uma vez identificado o pico de LH, é possível
do que em cadelas não gestantes, embora aumente em ambas, face ao planear os dias da cobrição partindo do princípio que esse é o dia
decréscimo das concentrações de progesterona. A prolactina é “zero”. Tal como sucede com o doseamento de progesterona, a
responsável pelo desenvolvimento mamário. Em cadelas não citologia vaginal determina o início das análises de LH (>70% células
gestantes, a interrupção do diestro não parece estar associada à superficiais). As citologias vaginais podem prosseguir até ser
secreção uterina de PGF (4, 5). identificada a transição para o diestro, que proporciona uma
avaliação retrospectiva do cruzamento realizado (pico provável da
Diagnóstico diferencial da infertilidade: LH, entre o 7º e 9º dias anteriores). Para além disso, deve efectuar-se
problemas de maneio e protocolo para pelo menos uma análise dos níveis de progesterona na sequência do
determinar o momento clínico da ovulação aumento da LH, ou logo que seja detectada a sua subida inicial
Em primeiro lugar, deve proceder-se à análise de eventuais erros de indicativa. Este exame terá como objectivo confirmar que os níveis
maneio do canil face a cadelas apresentadas na consulta devido à continuam a aumentar acima dos 5ng/ml, e consequentemente,
recusa de cruzamento ou não concepção, na sequência de um confirmar a ovulação e a luteinização. As I.A. mais prolongadas com
cruzamento induzido ou de inseminação artificial, durante o período sémen refrigerado devem ocorrer no 4º e 6º ou 3º e 5º dias, após o
fértil estimado. dia “zero”. Os dois dias escolhidos irão depender da viabilidade da
rápida expedição do produto e dos horários dos clientes envolvidos.
O momento dos períodos receptivos e férteis no decurso do estro As I.A. com sémen congelado devem realizar-se 5 ou 6 dias após o
varia consideravelmente entre cadelas normais, e até entre cios dia “zero” (8).
diferentes da própria cadela. Estes períodos podem não estar
correlacionados com as datas predeterminadas escolhidas pelo Se a capacidade financeira do cliente condicionar ao mínimo o
tratador, tradicionalmente entre o 10º e o 14º dia após o início da número de testes, podem realizar-se colheitas de soro diariamente,

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

efectuando-se os testes quantitativos de progesterona, tal como foi A ultrassonografia pode ser utilizada como meio auxiliar para a
referido anteriormente. Logo que seja identificado o aumento inicial detecção da ovulação na cadela. As primeiras tentativas foram
da progesterona, procede-se à avaliação do soro loteado bastante desanimadoras; as pequenas dimensões dos ovários e a
especificamente para o dia da subida brusca da LH, de forma a sua similaridade com as estruturas adjacentes dificultavam
confirmar a detecção do dia “zero”. consideravelmente a observação. Contudo, relatórios recentes
identificaram a ocorrência da ovulação sempre que se observa um
Pode recorrer-se à vaginoscopia durante o ciclo como exame decréscimo assinalável do número de folículos hipoecogénicos
complementar à citologia vaginal e análises hormonais, sobretudo em durante a imagiologia sequencial (3 vezes ao dia) (Figuras 1 e 2). Os
caso de um ciclo invulgar. No decurso de cada exame, deve ser dados demonstraram uma estreita correlação com a data da ovulação
registado o comportamento, bem como outras observações, embora estabelecida através das concentrações de LH e de progesterona
se tratem de parâmetros de menor importância. É importante o (Consultar artigo de A. Fontbonne e E. Malandain, página 22) (8, 9).
clínico estar ciente que a identificação mais rigorosa do momento da
ovulação resulta da conjugação dos dados proporcionados por Alguns problemas comportamentais ou físicos são passíveis de
diversos testes (citologias vaginais, vaginoscopia e doseamento de influenciar a aceitação do macho reprodutor, por parte da cadela.
progesterona ou LH) (9). Cadelas dominantes expostas a um macho inexperiente podem não
permitir o cruzamento, embora se encontrem no período adequado.
Determinadas anomalias vulvares ou vaginais, como a estenose, a
segmentação do sistema genital e a hiperplasia vaginal, tornam a
cobrição natural dolorosa e levam a cadela a recusar a cópula, mesmo
durante o cio (Figuras 3 e 4). O exame veterinário prévio ao
cruzamento permite detectar precocemente este tipo de problemas
anatómicos, assim como, a sua correcção ou a adaptação do
planeamento reprodutivo (inseminação artificial versus natural) antes
do início do proestro (1-3).

Problemas do macho
A fertilidade do macho deve ser confirmada antes de se iniciar a
investigação da hipotética infertilidade de uma cadela não gestante.
Embora os sintomas físicos e a avaliação do sémen - incluindo a
contagem, a morfologia e a motilidade de espermatozóides - sejam
úteis, não existe um método para avaliar a função espermática, para
além da performance de concepção com outras cadelas próximo da
Figura 1.
Imagem ultrassonográfica de um ovário canino com múltiplos folículos. altura em que esse reprodutor foi cruzado com a cadela suspeita de
Cortesia A. Fontbonne / Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort, infertilidade (10).
França.

Infertilidade verdadeira
Ciclos éstricos anómalos
Os ciclos éstricos anómalos podem ser agrupados e simplificados de
acordo com diversos padrões que reflectem quer o prolongamento

Figura 2. Figura 3. Figura 4.


Imagem ultrassonográfica de um ovário canino imediatamente após a ovulação. Estenose segmentada Hiperplasia vaginal.
Cortesia A. Fontbonne / Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort, vestíbulo-vaginal.
França.

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

quer a redução de uma fase do ciclo, ou ainda a alteração da administração exógena (iatrogénica) excessiva de estrogénios quando
sequência normal dos acontecimentos. A interpretação do a incompetência do esfíncter uretral da cadela é tratado com
comportamento e características físicas da cadela por parte do dono dietilestilbestrol (DES), ou na sequência de diversas tentativas para
podem não corresponder às ocorrências fisiológicas reais, pelo que é evitar uma gravidez indesejada através de DES ou de cipionato de
necessário efectuar um estudo documentado do ciclo com citologia estradiol.
vaginal, vaginoscopia, análise comportamental e níveis séricos de
progesterona e de LH, efectuados durante o cio do animal (11). Uma vez obtida a confirmação de hiperestrogenismo de ocorrência
natural, através de citologias vaginais (corroboradas pelo nível sérico
Proestro/estro persistente de estrogénios), recomenda-se a realização de uma ultrassonografia
O proestro ou estro pesistente ocorre quando uma cadela apresenta abdominal, para identificar a eventual presença de quisto folicular
hemorragia vaginal durante um período superior a 21-28 dias ovárico ou de neoplasia funcional. Geralmente, os folículos pré-
consecutivos, associada à atracção por machos. A citologia vaginal ovulatórios normais medem entre 4 a 9mm de diâmetro e, como tal,
revela uma percentagem de células superficiais superior a 80-90%. As são menores do que a maioria dos quistos foliculares e grande parte
cadelas nesta situação podem ou não mostrar-se receptivas ao das neoplasias funcionais. A determinação das concentrações de
cruzamento. Na maioria dos casos o proestro e/ou estro prolongado estrogénios e de progesterona no fluído das estruturas ováricas
resulta de uma secreção contínua de estrogénios, com ou sem quísticas anómalas permitem confirmar o diagnóstico. Estes exames
pequenos aumentos da secreção de progesterona. Quando segregada, realizam-se através de orientação ultrassonográfica e da análise
a progesterona estimula a receptividade sexual. histológica dos tecidos recolhidos por via cirúrgica. De forma geral,
os níveis de estradiol registados nos quistos são bastante mais
Na cadela, as causas endógenas da exposição prolongada aos elevados do que os níveis séricos (9, 11).
estrogénios, com ou sem progesterona, incluem: quistos foliculares
dos ovários e neoplasias ováricas secretoras, e teoricamente, causas Uma vez que os quistos foliculares podem sofrer atresia ou
com origem adrenal. Em geral, os quistos foliculares anovulatórios luteinização espontânea, nem todas as cadelas com proestro ou estro
ováricos encontram-se isolados, ladeados por células granulosas e prolongado requerem tratamento. É possível monitorizar a evolução
apresentam dimensões superiores aos folículos pré-ovulatórios dos quistos foliculares para um folículo atrésico ou um corpo lúteo
normais, com um diâmetro compreendido entre 1 e 5cm (Figura 5).
Os quistos foliculares bilaterais podem indiciar um problema no eixo
hipotalâmico-pituitário-ovárico. Os quistos foliculares surgem
habitualmente em cadelas com mais de 3 anos de idade. Podem
igualmente ocorrer neoplasias ováricas com capacidade de produção
de estrogénios, que incluem tumores de origem epitelial
(cistadenomas e adenocarcinomas) e de origem gonadal-estromal
(tumores das células teca-granulosas) (Figura 6). Em geral a
neoplasia ovárica manifesta-se em cadelas com mais de 5 anos. Os
tumores dos ovários podem ser unilaterais ou, com menor
frequência, bilaterais. A neoplasia ovárica funcional e a patologia
ovárica quística podem ocorrer em simultâneo. Os quistos
observados no ovário contralateral e a hiperplasia do endométrio,
associados a um tumor funcional, verificam-se com maior frequência
em caso de tumores de origem gonadal-estromal. As perturbações Figura 5.
adrenais capazes de provocar o hiperestrogenismo são raras (11). Imagem ultrassonográfica de um quisto folicular ovárico. (Cortesia T. Baker).

Existem alguns diagnósticos diferenciais para a hemorragia vaginal Figura 6.


prolongada: Imagem ultrassonográfica de
um tumor ovárico funcional.
• Hemorragia vaginal secundária a infecção, inflamação ou neoplasia (Cortesia T. Baker).
do tracto urogenital
• Corpos estranhos vaginais
• Coagulopatia

Estes diagnósticos devem ser distinguidos de proestro ou estro


prolongados resultantes de doença ovárica. Por vezes, regista-se uma

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

Figura 8.
Imagem
ultrassonográfica
de alterações
quísticas na
parede
endométrica
(Cortesia T.
Baker).

da citologia vaginal que traduzem a redução do efeito estrogénico, no


Figura 7. decréscimo da atracção por machos e na normalização do
Quistos lúteos múltiplos no ovário de uma cadela.
comportamento. As concentrações séricas de estrogénios diminuem,
através de ultrassonografia, de citologias vaginais, ou dos níveis podendo ocorrer um aumento das concentrações de progesterona, se
séricos de estrogénios e de progesterona. a luteinização se produzir, embora se trate de uma situação variável. A
monitorização ultrassonográfica da morfologia dos ovários evidencia
Será necessário adoptar uma terapia direccionada para a interrupção regressão das estruturas hipoecogénicas. Foi sugerido, apesar de não
do proestro ou estro prolongados caso: a regressão espontânea não se ter sido ainda provado, que o insucesso das terapias médicas na
produza, a hemorragia vaginal constitua uma perturbação contínua, resolução do proestro ou estro prolongado indicia uma maior
o comportamento característico do estro e a atracção por machos seja probabilidade de neoplasia ovárica, do que de quistos foliculares. No
intolerável, ou caso se desenvolvam outros distúrbios (anemia devido entanto e, de forma geral, a terapia médica deste distúrbio é pouco
a hemorragias, discrasias medulares, hiperplasia vaginal). Existem compensadora pelo que a remoção cirúrgica do quisto constitui o
opções médicas e cirúrgicas para o tratamento de quistos foliculares meio mais vantajoso de tratar o problema. O ideal seria remover
patológicos persistentes. No entanto, as terapêuticas médicas nunca apenas o quisto, mas na maioria dos casos é necessário efectuar a
devem colocar em risco a saúde reprodutiva da cadela: ressecção do ovário associado. A avaliação histológica do tecido
removido confirma o diagnóstico e, sobretudo, permite a análise de
• O tratamento com progesterona de cadelas com quistos foliculares indícios de neoplasia passíveis de requerer uma terapia adicional e um
funcionais aumenta o risco do animal desenvolver hiperplasia prognóstico diferente (11).
quística do endométrio/piómetra, pelo que não é aconselhável.
• A administração de GnRH (50-100µg/cadela IM com intervalos de Persistência dos intervalos de interestro
24 ou 48h, até 3 doses) ou gonadotropina placentária humana As cadelas com intervalos prolongados de interestro podem
(hCG; 22IU/kg, IM, com intervalos de 24 ou 48h) tem sido eficaz apresentar um período dilatado de anestro ou diestro. O anestro
na indução da regressão ou luteinização quística, embora as taxas de prolongado produz-se devido à ausência de actividade ovárica
sucesso relatadas em ambos os casos sejam variáveis. A GnRH não durante um período superior a 16/20 meses, numa cadela que
parece ser antigénica na cadela, pelo que pode constituir o anteriormente tenha evidenciado ciclos éstricos (anestro secundário).
tratamento de eleição. É indispensável estabelecer a distinção entre a ausência real de ciclos
e cios silenciosos (ciclos normais não detectados pelo dono). Deve ser
O êxito da indução da regressão ou luteinização quística reflecte-se na descartada a hipótese de uma doença subjacente ou de causas
diminuição do corrimento vaginal e dilatação vulvar, em alterações iatrogénicas através da elaboração de uma anamnese cuidadosa, do

Tabela 1.
Fármacos utilizados em perturbações reprodutivas
Genérico Dosagem Via / frequência Descrição

GnRH 50-100␮g IM q 24-48h x 3 Hormona de libertação hipotalâmica


hCG 22 IU/kg IM q 24-48h Gonadotropina placentária
PGF2␣ 0.10-0.20mg/kg SC q 8-12h Prostaglandina natural
Bromocriptina 0.01-0.10mg/kg BID Anti-prolactina
Cabergolina 5.0␮g/kg po BID prn* Anti-prolactina

* sempre que necessário

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

exame físico e de uma base de dados. Na cadela, o mecanismo através Os quistos ováricos não funcionais podem ser responsáveis pela
do qual se processa a interrupção normal do anestro não está ausência de ciclos, devido ao seu efeito de massa, como é o caso dos
perfeitamente elucidado. A dopamina inibe a secreção de prolactina e quistos Rete ovarii e os quistos sub-superficiais da estrutura epitelial.
os níveis desta hormona diminuem desde o final do diestro até ao Não é detectável um aumento das concentrações de estrogénios
final do anestro. Tanto a FSH como a LH são referidas como as plasmáticos ou de progesterona, apesar de estes quistos possuírem o
hormonas responsáveis pelo início da foliculogénese no proestro. potencial de produzir uma grande variedade de compostos esteróides
Pode recorrer-se à administração de agonistas da dopamina com efeito sistémico. A suspeita inicial de diagnóstico por
(cabergolina, bromocriptina) para reduzir o período de anestro, tanto ultrassonografia abdominal, é confirmada através de avaliação
em cadelas normais, como em cadelas com anestro secundário, de histológica dos tecidos recolhidos por via cirúrgica (11).
etiologia desconhecida (Tabela 1). O mecanismo de indução do
proestro exercido pelos agonistas da dopamina pode consistir na A insuficiência ovárica prematura pode originar a persistência do
redução directa dos níveis de prolactina, numa acção dopaminérgica anestro. Embora se desconheça a longevidade funcional dos ovários
directa, quer ao nível do eixo gonadotrófico quer dos receptores das cadelas, em média, o declínio funcional não se deveria produzir
ováricos de gonadotropina (4, 10, 11). antes dos 7-10 anos de idade. É possível confirmar um anestro
persistente resultante de insuficiência ovárica prematura através da
Uma cadela apresentada na consulta para avaliação de intervalos documentação de um acentuado aumento das concentrações de FSH
prolongados entre cios pode encontrar-se sob o efeito de e LH, tal como seriam registadas na sequência de uma
concentrações elevadas de progesterona (>2 a 5ng/ml). Se os níveis ovariohisterectomia. A subida destes valores indica a ausência de
desta hormona permanecerem elevados por um período superior a 9- feedback negativo à pituitária e ao hipotálamo, caso não se
10 semanas, é provável a ocorrência de um diestro prolongado. O identifique outra causa para o anestro. A ooforite imunomediada,
comportamento clínico da cadela será idêntico ao de outra fêmea diagnosticada através de histopatologia ovárica, pode ser responsável
com anestro prolongado. É indispensável realizar citologias vaginais, pela persistência do anestro. Foi relatada a presença de infiltrado
níveis serológicos sequenciais de progesterona e exame ultrassonográfico mononuclear, com predominância de linfócitos, células plasmáticas e
dos ovários, para poder estabelecer um diagnóstico. macrófagos, em ambos os ovários de uma cadela com ciclo éstrico
anormal, embora se trate de uma perturbação extremamente rara
O diestro prolongado pode ser secundário à presença de um quisto (11). A ausência de ciclo pode ser resultado de distúrbios de
ovárico luteinizado (secretor de progesterona). A progesterona induz diferenciação sexual (Figura 9) (10).
um feedback negativo no eixo pituitário/hipotalâmico, impedindo a
estimulação da actividade ovárica normal. Os quistos luteinizados O hipotiroidismo constitui uma causa potencial para a ausência de
podem ser únicos ou múltiplos, afectando apenas um ou ambos os ciclos, mas o diagnóstico deve fundamentar-se na presença de outros
ovários (Figura 7). A ultrassonografia abdominal permite identificar a sinais clínicos (letargia, aumento de peso, alopecia bilateral simétrica)
presença de estruturas hipoecogénicas no interior do(s) ovário(s) e em dados clínicos patológicos (hipercolesterolemia, anemia não
afectado(s), bem como, alterações da parede uterina, resultantes de regenerativa), bem como na confirmação de níveis séricos tiróideos
uma exposição prolongada à progesterona (Figura 8). A radiografia subnormais (T4 total e T4 livre por equilíbrio de diálise), idealmente
abdominal raramente fornece informação diagnóstica em virtude das suportados por níveis endógenos elevados de TSH canina. Cadelas
reduzidas dimensões dos quistos. Níveis de progesterona >2-5 ng/ml hipotiroideias submetidas a terapia de substituição adequada, devem
confirmam o diagnóstico. De forma geral, o tratamento com começar a ciclar no intervalo de 6 meses após retorno ao
prostaglandina F2 alfa (PGF2␣) produz apenas um decréscimo eutiroidismo. A viabilidade da reprodução destas cadelas deve ser
temporário dos níveis séricos de progesterona, indicativo de luteólise abordada com o proprietário. Os glucocorticóides podem actuar
parcial. A terapêutica recomendada consiste na remoção cirúrgica do(s)
quisto(s), seguida pela respectiva análise histológica. O ideal seria
conseguir separar o quisto do ovário afectado, mas este procedimento é
muito difícil do ponto de vista técnico, e requer habitualmente uma
ovariectomia. É aconselhável realizar uma biopsia uterina para
determinar a eventual presença e extensão de hiperplasia quística
concomitante do endométrio, uma vez que este exame pode
proporcionar informações importantes para o proprietário sobre a
fertilidade futura da cadela. Contudo, devem ter-se em consideração as
alterações endométricas normais do diestro e o facto da avaliação
conduzida no anestro ser mais informativa, embora implique uma
segunda intervenção. Em caso de presença de hiperplasia endométrica, Figura 9.
Clítoris de uma cadela com ausência de cios.
a afecção pode regredir parcialmente após a remoção do quisto (11). (Cortesia Dr. A Hughes).

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

sobre as gonadotropinas pituitárias FSH e LH, e provocar a falha do repetidos de estimulação da progesterona que induzem a proliferação
ciclo. Consequentemente, em cadelas com anestro persistente, a e secreção glandular endométrica. São observáveis alterações
administração de qualquer fármaco esteróide deve ser descontinuada glandulares focais ou difusas, passíveis de interferir na implantação e
(11, 12). na placentação. Eventualmente, pode provocar piómetra. O
diagnóstico definitivo da HEQ implica a realização de biopsia da
Encurtamento dos intervalos de interestro zona afectada. A ultrassonografia é bastante útil para avaliar as
Nas cadelas com intervalos de interestro curtos (inferiores a 4.5 estruturas da parede uterina, ao longo do tempo. A hidrómetra ou a
meses) a concepção pode ser impossibilitada devido a involução e mucómetra podem ser percursoras da HEQ e da piómetra
recuperação uterina incompleta, impeditiva da implantação e subsequente. Qualquer destas três perturbações comporta um mau
manutenção da gravidez. Em geral, as cadelas com diminuição dos prognóstico em termos de fertilidade (13).
intervalos interestro são normais em relação aos restantes aspectos.
Ocorre ovulação e luteinização, o oócito secundário é fertilizado A piómetra aberta (com abertura do cérvix uterino), numa cadela
(embora seja difícil documentar do ponto de vista clínico) mas não valiosa e no apogeu da carreira reprodutiva, pode ser tratada com
consegue implantar-se com sucesso. A comprovação deste distúrbio antibióticos específicos (determinados através de cultura e
implica a avaliação de citologias vaginais sequenciais, tanto no estro sensibilidade) e por indução da luteólise e esvaziamento uterino com
como no diestro, e dos níveis séricos de progesterona na fase lútea, PGF2␣ (1mg/kg SC BID, durante 2 dias, seguido por 0.2mg/kg SC
durante um mínimo de 2 ciclos consecutivos. Actualmente, não BID até produzir efeito). É aconselhável cruzar a cadela no ciclo
existe qualquer método de pré-implantação fiável, disponível a nível seguinte (15).
comercial e consistente que permita confirmar a fertilização canina.
Deve ser excluída a hipótese de foliculogénese sem ovulação (cio Doenças Infecciosas
interrompido) e hipoluteoidismo (insuficiência lútea prematura). As doenças infecciosas (contagiosas ou não) do tracto reprodutor
canino, podem ocasionalmente ser responsáveis pela infertilidade e
O encurtamento dos intervalos interestro resulta da redução do devem ser investigadas no início da construção do diagnóstico, uma
anestro. De acordo com algumas teorias, para esta síndrome podem vez que uma doença contagiosa pode constituir um problema
contribuir o defeito no eixo hipotalâmico-pituitário ovárico com adicional para além da infertilidade. As infecções bacterianas
interferência na manutenção normal do anestro, ou o desequilíbrio por Brucella canis (raramente B. abortus ou suis), salmonela,
nos níveis de dopamina versus prolactina. Numa cadela normal, é estreptococos e Escherichia coli, as infecções virais (herpes, esgana,
possível reduzir clinicamente o anestro através da administração de parvovírus 1 e 2) e as doenças parasitárias (Toxoplasma gondii e
inibidores de prolactina, como a cabergolina e a bromocriptina. A Neospora caninum) são referidas como potenciais causas de
intervenção só deve ser realizada se o animal tiver mais de 3 anos, infertilidade na cadela (16).
uma vez que estas anomalias desaparecem por vezes de forma natural
com a maturidade. Uma das terapias sugeridas consiste em prolongar Infertilidade idiopática
o período de anestro através da administração de acetato de Os processos fisiológicos que controlam a foliculogénese na cadela
megestrol, durante os primeiros três dias de iminência de estro. No são complexos e envolvem quantidades específicas e diminutas de
entanto, é bastante arriscado utilizar compostos progestacionais em hormonas hipotalâmicas e pituitárias, sensivelmente controladas pelo
cadelas reprodutoras de valor considerável devido ao risco de feedback ovárico. De forma geral, a interrupção farmacológica do
patologias uterinas associado a estes fármacos (10, 11, 13, 14). eixo hipotalâmico-pituitário-ovárico conduz a disfunção, em vez de
aumento do sistema. A utilização racional de GnRH requer a
Outras causas de infertilidade administração pulsátil; o uso de análogos de GnRH resulta em
Perturbações uterinas inibição e a utilização de gonadotropinas apresenta bastante
As patologias uterinas, tal como a hiperplasia quística do endométrio insucesso na indução de um estro produtivo, em cadelas férteis. Não
(HEQ), devem ser consideradas como potenciais causas de existem evidências que sustentem a administração deste tipo de
infertilidade, após exclusão de todas as outras possibilidades. É hormonas em cadelas com história de infertilidade ou de fertilidade
interessante referir que as doenças uterinas evidenciam menor reduzida. Recomenda-se, preferencialmente, uma avaliação
incidência nos canis de reprodução em que as cadelas são cruzadas e cuidadosa das causas subjacentes à infertilidade e das condições de
concebem com regularidade, uma vez que a gestação exerce um efeito maneio ideal do cruzamento/reprodução, com monitorização da
protector sobre o endométrio (10, 13). ovulação (i.e. avaliação sucessiva dos parâmetros necessários para
determinar o momento da ovulação) (1).
Nesta espécie, a hiperplasia quística do endométrio é uma
perturbação previsível, hormono-dependente, resultante de ciclos

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Conceitos actuais sobre infertilidade na cadela

Sumário
A infertilidade real da cadela deve ser diferenciada de erros no maneio infertilidade. De forma geral, o diagnóstico confirmado de sub-
da reprodução e do canil, bem como da variação normal entre ciclos fertilidade ou infertilidade na cadela acarreta um mau prognóstico,
éstricos. A necessidade de monitorizar o ciclo éstrico de cadelas torna mas os problemas de maneio, na maioria dos casos, podem ser
frequentemente mais demorada a elaboração do diagnóstico de prontamente corrigidos, resultando numa reprodução normal.

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Ultrassonografia ovárica
e monitorização do estro
na cadela e na gata

Alain Fontbonne, Conferencista, DVM, MSc, Dipl. ECAR


Centro de Estudos em Reprodução de Carnívoros, Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort, 7 Avenue
du Général de Gaulle, 94704 Maisons-Alfort Cedex, França
O Dr.Fontbonne licenciou-se na Escola de Medicina Veterinária de Nantes e realizou a pós-graduação em Medicina
Interna de Pequenos Animais e Clínico Assistente em Medicina Interna de Pequenos Animais, na Escola Nacional de
Medicina Veterinária de Alfort, França. Em 1993, foi nomeado Conferencista Principal do Departamento de
Reprodução da Escola de Medicina Veterinária de Lyon, onde criou um departamento clínico e de investigação que
abrange todos os aspectos ligados à reprodução e cruzamento de pequenos animais bem como um banco de esperma canino. Em 2000, foi
renomeado para a Escola de Medicina Veterinária de Alfort. Presentemente, participa num projecto de investigação sobre a maturação e
fertilização de oócitos caninos. O Dr.Fontbonne é Presidente da Sociedade Veterinária Europeia para a Reprodução de Pequenos Animais
(EVSSAR) e Vice-Presidente do Grupo Francês de veterinários envolvidos na reprodução de pequenos animais (GERES).

Elise Malandain, DVM, MSc


Comunicação Científica, R&D, Royal Canin, 650 avenue de la petite Camargue, 30470 Aimargues, França
A Dra.Malandain licenciou-se na Escola Nacional de Medicina Veterinária de Lyon (França). Após trabalhar
durante um ano no Departamento de Reprodução, onde redigiu a sua tese de mestrado sobre reprodução felina,
ingressou na Unidade de Medicina de Reprodução e Desporto (UMES) da Escola Nacional de Medicina Veterinária
de Alfort, com a função de desenvolver o sector da felinicultura. A Drª.Elise Malandain conduziu ao longo de 4 anos,
ensaios clínicos sobre reprodução e doenças parasitárias e respiratórias em gatis de reprodução. Detentora de um
Mestrado em Fisiologia da Reprodução, o seu trabalho de investigação centra-se na monitorização do estro em gatas e
no desenvolvimento da inseminação artificial para criadores. Ingressou na equipa de comunicações científicas da Royal Canin em 2003.
A Drª Malandain é também Vice-Presidente da Sociedade Francesa Felinotécnica, uma associação de felinicultores e médicos veterinários
especializados em felinos.

Monitorização do estro em cadelas


Introdução inseminação artificial. Neste sentido, foram testados
Estabelecer o dia da ovulação com a maior precisão possível diversos programas e técnicas de reprodução pelos médicos
é considerado, por muitos autores, um dos factores mais veterinários ao longo dos últimos 20 anos. Ultimamente,
importantes para determinar o momento de proceder à alguns autores realizaram estudos adoptando a ecografia
inseminação das cadelas (Consultar o artigo de Autumn ovárica como ferramenta de diagnóstico da ovulação em
Davidson nesta edição, p. 13). Este facto adquire particular cadelas.
relevância em caso de utilização de sémen congelado, devido
ao período de sobrevivência relativamente curto do sémen Nesta espécie, nem sempre é fácil prever o momento da
congelado/descongelado no tracto genital da fêmea, após a ovulação. É importante recordar que os oócitos da cadela

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

são ovulados num estado imaturo, dois dias após o pico da LH, e Figura 1.
Determinação do pico de LH através da análise à progesterona.
requerem um período de maturação mínimo de 48 horas antes de O doseamento da progesterona, com o objectivo de detectar o pico de LH, pode
poderem ser fertilizados. Foi recentemente demonstrado que os induzir em erro. No caso desta cadela, poder-se-ia pensar que o pico de LH tinha
sido atingido no 7º dia do ciclo (concentração de progesterona de 1.91ng/l), quando,
oócitos caninos não podem ser penetrados pelos espermatozóides de facto, este ocorreu por volta do 12º dia, e o dia da ovulação no 14º dia do estro.
quando ainda estão imaturos (1). Assim, é essencial determinar,
com o máximo rigor, o dia da ovulação.

É necessário distinguir entre a dificuldade em prever a ovulação e Ovulação

Progesterona sanguínea (ng/ml)


a altura da fertilidade máxima. Assim, o período em que o
cruzamento ou a inseminação pode resultar em gestação abrange,
por vezes, os 5 dias anteriores e os 5 dias posteriores à ovulação.
Esta situação verifica-se sobretudo se o sémen do reprodutor for
de boa qualidade e, deste modo, se mantiver vivo após a Pico de LH

deposição no tracto genital da cadela e com capacidade de


fertilizar os oócitos, durante um longo período de tempo (2).
Salienta-se, no entanto, que em caso de inseminação da cadela
com sémen congelado ou refrigerado - com menor tempo de vida
in vivo - é aconselhável efectuar o procedimento durante o
Dia do estro
período óptimo de fertilização. Este ocorre entre 2 a 4 dias após a
ovulação, altura em que os oócitos se encontram completamente
maduros e sem terem sofrido qualquer deterioração.

Técnicas clássicas utilizadas para detectar o Por consequência, as análises hormonais são frequentemente
momento da ovulação na cadela usadas pelos veterinários como meio auxiliar para prever a
Nenhuma avaliação clínica, como o edema vulvar, a quantidade ovulação. Em teoria, as análises à LH são ideais, mas a detecção
e o aspecto do corrimento vulvar (com maior ou menor presença do pico da LH requer, no mínimo, duas recolhas sanguíneas
de hemorragia), o sinal de Amantea (desvio lateral da cauda, diárias, todos os dias e, em muitos países, não estão disponíveis
quando o veterinário toca na região perianal da cadela) ou a testes comerciais para a LH canina. Assim, os investigadores que
receptividade à cobrição pelo macho, é suficientemente rigorosa pretendam obter as concentrações de LH dependem de
para detectar com exactidão a ocorrência e o dia da ovulação (2). radioimunoensaios dispendiosos e demorados. Foi sugerida a
utilidade dos doseamentos de progesterona para determinar o dia
Para além disso, é sobejamente reconhecido não existir qualquer do pico pré-ovulatório de LH. England e Concannon (2)
fiabilidade na pré-determinação do dia de ovulação e, por referiram que a progesterona plasmática ultrapassa 2.0ng/ml
consequência, numa data de cruzamento previamente (6.5nmol/l) no momento em que se regista a subida repentina de
estabelecida. Algumas cadelas podem ovular bastante cedo, no 5º LH, ou no dia seguinte. Todavia, dados não publicados indicam
dia do ciclo éstrico, enquanto noutras se processa mais tarde, ao que, pelo menos no caso de algumas raças (p.ex. Pastores
30º dia. Foi demonstrada a ocorrência de variações significativas Alemães), confiar apenas num aumento pré-ovulatório
em períodos éstricos sucessivos na mesma fêmea, em cerca de antecipado da progesterona plasmática pode não ser adequado
44% das cadelas (3). para calcular o dia da ovulação (Figura 1).

A citologia vaginal não pode ser utilizada para detectar a Deste modo, aconselha-se a realização de análises sequenciais à
ovulação de forma antecipada. No final do cio, o “início do progesterona, até se obter um valor realmente indicativo da
metaestro vaginal” – altura em que se produz um aumento ocorrência da ovulação. De acordo com Arbeiter (4), uma
repentino das células intermédias e parabasais - ocorre cerca de 5 identificação fiável do período de cruzamento em cadelas, requer
dias após a ovulação. Por isso, esta técnica serve apenas para a monitorização do aumento das concentrações de progesterona,
verificar a ovulação em retrospectiva. pelo menos até 32.0nmol/l (11ng/ml). Em trabalhos recentes foi
demonstrado que os níveis de progesterona plasmática na altura
Alguns autores recorrem à endoscopia vaginal para determinar o da ovulação são bastante constantes, independentemente da raça
“período fértil” mas, uma vez mais, através deste método - que (5). Assim, o doseamento da progesterona parece ser uma das
implica a utilização de equipamento dispendioso - é impossível técnicas mais fiáveis para avaliar a ovulação da cadela.
estabelecer de forma precisa o dia exacto da ovulação.

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

Figura 2.
Detecção do período fértil numa cadela: árvore de decisão.

Para não negligenciar um estro muito curto, o primeiro exame deve Análise de progesterona
realizar-se por volta do 6°/7° dia do cio (Pg)

Esfregaço vaginal, aspecto do corrimento vulvar, observação de Pg < 1ng/ml Pg entre 1 e 3ng/ml.
sinais comportamentais indicativos do estro O pico de LH ainda não ocorreu. Recolher nova amostra
Recolher amostra 3 a 4 dias mais tarde no dia seguinte

Se a cadela estiver próxima do


Se a cadela se encontrar ainda
estro (esfregaço vaginal com
no proestro Pg entre 4 e 9ng/ml
> 60% de células superficiais)
(intervalo variável de acordo com os padrões
laboratoriais). Agendar cruzamento ou I.A.
Realizar a avaliação 3 a 5 dias
mais tarde, consoante o aspecto
do esfregaço vaginal
Cruzamento natural ou I.A. com sémen fresco:
- Programar o cruzamento para 1 a 3 dias após a
ovulação
Caso se utilize sémen congelado ou refrigerado:
- Inseminar 2 a 3 dias após a ovulação

Na prática, a maioria dos clínicos utiliza uma combinação de ovários em termos da detecção da ovulação nas cadelas. Este
citologias vaginais e determinação das concentrações de progesterona trabalho (5) foi apresentado no Simpósio Mundial de Reprodução
para optimizar a relação custo/benefício. (Figura 2). de Pequenos Animais, em São Paulo, Brasil, em Agosto de 2004, e
galardoado com a distinção “melhor relatório de investigação”.
Detecção da ovulação através de O estudo consistiu na monitorização do período éstrico através de
ultrassonografia ovárica ultrassonografia e análises hormonais (progesterona, LH), em
A última técnica para determinar a ovulação na cadela, e também diversas cadelas de 36 raças diferentes e com idades compreendidas
a mais recente, é a exploração ovárica por ultrassonografia. entre os 9 meses e os 8 anos. Estas fêmeas, na sua maioria
Infelizmente, a interpretação da imagiologia ultrassonográfica dos pertencentes a proprietários privados, foram examinadas durante o
ovários da cadela, perto da ovulação, é mais difícil do que em estro, com o intuito de detectar a ovulação por via ecográfica. O
outras espécies. Estudos anteriores demonstraram que o aspecto dia da ovulação foi claramente determinado em 91.7% das cadelas
dos folículos ováricos, imediatamente antes e logo após a (44 de 48). Contudo, 4 fêmeas evidenciaram contornos ováricos
ovulação, é muito semelhante (6). Alguns folículos não colapsam imprecisos, próximo da ovulação. É interessante notar que todas
no momento da ovulação (7, 8) e para além disso, é frequente pertenciam a raças de grande porte (2 Pastor Alemão e Pastor
permanecerem folículos não ovulados, após a ovulação (9). Tendo Belga, 1 Labrador Retriever e 1 Dogue da Argentina).
em conta estas dificuldades, preconiza-se, no mínimo, a realização
de dois exames diários, de modo a determinar a ovulação de Na maioria das cadelas, o processo de ovulação parece
forma rigorosa (10). No entanto, mesmo seguindo um protocolo completado ao fim de 24 horas. No entanto, em 14 das 41
muito preciso e conduzindo exames frequentes, só foi possível fêmeas, terminou em menos de 12 horas. Não foi observada
diagnosticar a ovulação em 15.4% (2 de 13) e 54.5% (6 de 11) qualquer diferença significativa entre o ovário esquerdo e o
das cadelas (7, 11). direito. Neste estudo, o doseamento da progesterona, no
momento da ovulação, revelou-se bastante constante, com valores
Actualmente, as clínicas veterinárias dispõem de aparelhos da ordem de 6.25 +/- 1.55ng/ml (Teste de quimioluminescência.,
ecográficos modernos, com performances elevadas, pelo que talvez Progesterona II®, Diagnósticos Roche, Alemanha).
seja oportuno considerar a visualização do ciclo éstrico através da
ultrassonografia. Com este objectivo, realizaram-se diversos ensaios De forma geral, neste estudo conduzido em cadelas, a detecção da
na Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort, França, para ovulação através de ultrassonografia ovárica demonstrou ser o
determinar o grau de fiabilidade e rigor do exame ecográfico dos método clínico mais rigoroso. Para além disso, uma vez que a

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

ovários. Para a realização deste exame, é aconselhável posicionar


os animais em decúbito dorsolateral esquerdo ou direito
(Figuras 3), de modo a explorar ambos os ovários. Ocasionalmente,
a presença dos intestinos perto do ovário direito dificulta a sua
visualização, pelo que pode ser útil repetir o exame com o animal
em estação.

Na cadela, em geral, os ovários situam-se em frente da 3ª e 4ª


apófise lombar. Podem ser observados em posição caudolateral à
zona distal dos rins. Uma vez que o rim direito é mais cranial do
que o esquerdo, a localização do ovário direito é cranial ao rim
esquerdo. O melhor método consiste em iniciar o exame pelo
ovário esquerdo, mais fácil de localizar. Através da sonda, o
veterinário deve identificar o rim e, depois, examinar a região
caudolateral deste órgão, tendo em conta a localização muito
superficial do ovário sob a pele. O córtex ovárico surge menos
ecogénico – “mais escuro” – do que o córtex renal.

Pode ser mais difícil localizar os ovários em cadelas de raças


gigantes ou obesas. Algumas raças (p.ex. Shar-Pei, Chow-Chow,
Terra Nova) possuem uma pele espessa, que dificulta a obtenção
de boas imagens em qualquer tipo de ultrassonografias
abdominais.

Durante o período de anestro, nem sempre é fácil observar os


ovários. Não só têm dimensões reduzidas como também se
Figuras 3.
Posicionamento da cadela para ultrassonografia ovárica. apresentam ligeiramente heterogéneos, sobretudo em cadelas pós-
A cadela pode estar deitada em decúbito dorsolateral esquerdo ou direito. Por vezes,
pubertárias, nas quais é possível visualizar resíduos do corpo lúteo
é mais fácil visualizar o ovário direito se a cadela estiver em estação sobre a mesa.
anterior.

realização de dois exames diários não demonstrou qualquer Nas fêmeas em proestro, a forma dos ovários é visualizada com
contribuição adicional, foi recomendada uma ecografia diária dos maior facilidade e com frequência, numa posição mais caudo-
ovários para determinar o momento exacto da ovulação. ventral em relação aos rins. Contêm diversos pequenos folículos
circulares anecogénicos, rodeados por uma parede ecogénica
Técnica muito fina, com dimensões inferiores a 1mm. No final do
Recomenda-se a utilização de sondas lineares ou sectoriais de alta- proestro - durante o período pré-ovulatório - o tamanho dos
frequência, muito embora a maioria das imagens ováricas, mesmo ovários aumenta e, devido ao considerável volume de líquido
nas raças mais pequenas, tenha sido obtida através de sondas de anecogénico no interior dos folículos, tornam-se mais
7.5MHz. No entanto, em certos casos, a aplicação de frequências perceptíveis. Nesta fase, ocorre a pré-luteinização dos folículos,
mais elevadas - entre 8 e 10Mhz - revelou-se útil para confirmar durante a qual segregam uma pequena quantidade de
ligeiras alterações no aspecto dos ovários. progesterona. Em termos ultrassonográficos, as paredes foliculares
adquirem maior espessura, cerca de 1mm. Consoante o tamanho
Os criadores de cadelas de raça pura - de considerável valor da raça, as dimensões dos folículos pré-ovulatórios variam entre 6
financeiro e participantes assíduas de exposições e concursos- e 9mm. Em geral, consistem em grandes estruturas circulares
mostram-se compreensivelmente relutantes em permitir a anecogénicas, contudo, quando em número considerável dentro
tosquia do pêlo abdominal para facilitar a monitorização ovárica do mesmo ovário, podem parecer achatadas e aglomeradas
para detectar a ovulação. De acordo com a nossa experiência, a (Figuras 4). De acordo com alguns dados não publicados, a
tosquia é desnecessária. Mesmo em raças de pêlo comprido (ex. ultrassonografia subestima o número de folículos.
Galgo Afegão, Golden Retriever), a simples aplicação de gel
ultrassonográfico em quantidade abundante na região a examinar, Nalguns casos e durante a ovulação, é possível visualizar o
na maioria dos casos, é suficiente para obter boas imagens dos desaparecimento total das cavidades foliculares. No estudo

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

referido no presente texto, este facto só foi observado em


37.5% das cadelas (18 de 48). No entanto, em 58.3% das
fêmeas (28 de 48) persistiram algumas estruturas
hipoecogénicas intra-ováricas, que se caracterizam sempre
por um aspecto muito diferente dos folículos pré-
ovulatórios, pois são pequenas e possuem uma forma
irregular (não circular) (Figuras 5). Para além disso, a. b.
em 45.9% das cadelas (22 de 48) foram identificados Figuras 4 (a e b).
folículos aparentemente não ovulados, que Aspecto ultrassonográfico dos ovários durante a fase final do proestro (período
pré-ovulatório), na cadela.
permaneceram redondos e anecogénicos, no mesmo Devido à presença de grande quantidade de líquido anecogénico no interior dos folículos, estes são
ovário, 3 dias após a ovulação. Esta percentagem elevada facilmente visualizáveis; as paredes foliculares tornam-se mais espessas, atingindo cerca de 1mm.
Consoante o tamanho da raça, as dimensões dos folículos pré-ovulatórios variam entre 6 a 9mm.
de folículos não ovulados está em concordância com o
trabalho de Wallace et al. (9), que relatou a ocorrência
deste fenómeno em 7 de um número total de 10 cadelas.
É fundamental não esperar que todos os folículos ovulem,
para determinar o momento da ovulação, uma vez que
não será essa a situação num grande número de cadelas.
Por último, nas horas seguintes à ovulação, foi observada
a presença de líquido entre o ovário e a bolsa ovárica, em a. b.
39.6% das fêmeas (19 de 48). Provavelmente, trata-se de
fluido intra-folicular acumulado na sequência da ruptura
dos folículos durante a ovulação.

A partir do 1º dia pós-ovulação, produz-se uma


acumulação de sangue nos novos corpos lúteos
hemorrágicos. Por vezes, apresentam um aspecto muito
semelhante ao dos folículos pré-ovulatórios (Figuras 6). c. d.
Por consequência, é muito importante realizar exames
ováricos diários no período pré-ovulatório, para detectar a
ovulação. Se a ecografia não for efectuada no dia do estro,
o clínico não pode ter a certeza se a cadela ovulou ou não.

Em conclusão, a ovulação da cadela pode ser determinada


de modo rigoroso através da ultrassonografia ovárica.
Contudo, comparada com as análises de progesterona, e. f.
esta técnica aumenta apenas o nível de precisão em 10% Figuras 5 (a a f).
Aspecto ultrassonográfico dos ovários da cadela, no momento da ovulação.
dos casos. Assim, na prática clínica diária, apenas se a É possível visualizar o desaparecimento total das cavidades foliculares (“colapsos
recorre à ultrassonografia se for importante determinar a foliculares”). (fotos a e b). No entanto, em 50% dos casos, persistem algumas estruturas
intra-ováricas hipoecogénicas (fotos c e d). É frequente permanecerem folículos redondos
data com a maior exactidão possível. Também se utiliza não ovulados, no mesmo ovário (foto e). Em cerca de 40% dos casos, é observável a
em caso de inseminação artificial com sémen congelado presença de líquido entre o ovário e a bolsa ovárica, nas horas seguintes à ovulação (foto f ).

ou refrigerado, ou para verificar a ocorrência e os aspectos


qualitativos da ovulação, em cadelas apresentadas a
consulta para avaliação da infertilidade.

Monitorização do estro em gatas:


fisiologia distinta que requer uma
abordagem diferente a. b.
Figura 6 (a e b).
Introdução Aspecto ultrassonográfico dos ovários na cadela, após a ovulação.
Nas gatas, é necessário existir cruzamento ou um estímulo A partir do 1º dia pós-ovulação, produz-se uma acumulação de sangue nos novos corpos lúteos
hemorrágicos, cujo aspecto por vezes é muito semelhante ao dos folículos pré-ovulatórios. Assim,
vaginal equivalente para se iniciar a sequência endócrina e é muito importante realizar exames ováricos diários no período pré-ovulatório, para detectar
a ovulação.

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

Figura 7. Técnicas actualmente disponíveis para a


Obtenção de um
esfregaço vaginal monitorização do estro na gata
numa gata. Observação do comportamento sexual
A zaragatoa é
introduzida Alguns autores descrevem um período de proestro que inclui a
dorsalmente na atracção pelo macho, mas sem receptividade sexual. Na realidade,
vagina. A inserção
não deverá o proestro observa-se numa minoria de gatas (13). Nem a
ultrapassar a ponta citologia vaginal, nem a análise hormonal permitem diferenciar
de algodão.
facilmente o proestro e o estro. Na gata, o comportamento éstrico
inclui vocalizações persistentes, rebolar, roçar-se contra todo o
tipo de objectos, lordose, desvio da cauda e miados monótonos e
repetidos. Durante o estro, a maturação folicular está associada à
secreção de estrogénio (>20pg/ml). Ao contrário da cadela, os
níveis de progesterona permanecem basais durante a fase folicular,
anterior à ovulação.

A avaliação citológica de esfregaços de células vaginais esfoliadas


pode ser facilmente realizada através da introdução de uma
zaragatoa com uma ponta de algodão humedecido, na zona
a libertação de LH, que produz a ovulação. Foi relatada a vestibular e caudal da vagina (Figura 7). Aconselha-se a utilização
variabilidade do intervalo entre a estimulação coital e a ovulação de uma zaragatoa uretral humana, uma vez que possui dimensões
nesta espécie, que oscila entre 25 e 50 horas, muito embora seja menores do que as habitualmente empregues para a citologia
habitualmente aceite 25 a 30 horas (12). Alguns autores sugerem vaginal das cadelas. De acordo com a experiência dos autores, as
que a ocorrência da ovulação pode reduzir o período de gatas toleram bem a zaragatoa humedecida.
receptividade sexual. Outros estudos revelam a não
existência de diferenças significativas na duração de estro, Alguns autores advogam a introdução de uma solução salina na
entre gatas em ovulação e gatas não cruzadas e anovulatórias. De vagina antes de inserir a zaragatoa, no entanto, constatámos que
acordo com a nossa própria experiência, algumas fêmeas podem as gatas não toleram muito bem este procedimento. A zaragatoa
ainda ser fecundadas três ou quatro dias após a ovulação, mesmo deve ser introduzida cuidadosamente, avançando com um
apresentando já um elevado nível de progesterona. A trajecto rectilíneo e horizontal, de modo a evitar indução da
receptividade sexual não pode ser utilizada como um indicador ovulação. Os métodos de coloração são idênticos aos utilizados na
rigoroso da ovulação. cadela, embora a interpretação seja bastante diferente. A citologia
vaginal permite identificar com facilidade três fases do ciclo da
A inseminação artificial em gatas encontra-se ainda nos seus gata: estro, anestro e interestro/diestro.
primórdios. As dificuldades práticas incluem o baixo volume de
sémen do macho reprodutor, a escolha do produto para a Ao contrário da cadela, é impossível utilizar a citologia vaginal na
diluição do sémen, a anatomia da gata e o método ideal de espécie felina. A maioria das células são cornificadas e acidófilas
inseminação (intra-uterino ou intra-vaginal). Actualmente, a (Figura 8), não se observando quaisquer variações estatísticas
maioria das equipas que trabalham com felinos optam por significativas durante o estro. Contudo, nalgumas fêmeas (mas
inseminar no 3º ou 4º dia de estro induzido, sem qualquer não na totalidade), podem ser observados alguns aglomerados
monitorização. celulares próximo do dia da maturação folicular máxima, e um
escasso número de neutrófilos, no final do estro. Na prática, a
Poucos autores têm estudado a influência da duração do estro citologia vaginal da gata pode confirmar se o animal se encontra
sobre o momento da cópula. De acordo com alguns pareceres, em estro (a gata nem sempre apresenta um comportamento
durante os dois primeiros dias do cio, a gata não consegue ovular característico). A citologia também permite confirmar a vaginite.
se for coberta, devido à ausência de impregnação com estradiol.
Na prática, não se trata de uma questão importante em termos de A metodologia endocrinológica não é exequível na gata. O
reprodução natural, uma vez que os gatos podem copular durante aumento da progesterona inicia-se 24 a 48 horas após a ovulação,
todo o período do estro. No entanto, passa a ser relevante caso se pelo que esta análise apenas proporciona uma confirmação
considerar a hipótese de inseminação artificial ou se a gata for retrospectiva, após o período fértil. Uma vez que a ovulação
infértil. ocorre pelo menos 24 horas após o cruzamento, recomenda-se a
realização da análise de progesterona no mínimo 72 horas

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

(preferencialmente, ao fim de 96 horas) após a última cópula, visíveis. (Figura 9). Se a gata estiver no anestro ou no interestro, a
para obter um resultado significativo. A ausência de ovulação está localização dos ovários é mais difícil, uma vez que surgem como
associada a uma concentração de progesterona sérica inferior a estruturas homogéneas com menos de 2cm de comprimento.
1ng/ml. Inversamente, um nível de progesterona elevado 3 dias Nesta situação, o ecografista pode tentar acompanhar as trompas
após a última cópula confirma a ovulação. Caso se suspeite de uterinas (identificadas como estruturas redondas num plano
insuficiência ovulatória, recomenda-se a condução de uma análise transversal, dorsolaterais à bexiga) até alcançar os ovários.
prévia ao cruzamento, de modo a excluir a presença de um quisto
lúteo (ou de um tumor nos ovários, secretor de progesterona). Os Durante os ciclos anovulatórios, o diâmetro folicular aumenta
testes colorimétricos de progesterona utilizados na cadela são progressivamente durante o período éstrico, atingindo um
também eficazes na espécie felina (14). Porém, as análises de diâmetro médio de 3.2mm (mínimo: 2.6mm; máximo: 4.1mm),
estradiol felino não se encontram habitualmente disponíveis e em que pelo menos um folículo de cada gata apresenta dimensões
são difíceis de interpretar. Por último, a determinação das superiores a 3.0mm. O tamanho folicular máximo é alcançado
concentrações de LH felina é um processo difícil, apenas entre o 2º e o 6º dia do estro (média de 4.25 ± 1.5d), com grande
realizável em laboratórios de investigação e requer diversas variação individual e cíclica. Durante um ciclo normal, alguns
amostras de sangue (15). Para além disso, a colheita contínua de folículos permanecem pequenos (cerca de 2mm) e não são
amostras sanguíneas originam stress, que por sua vez compromete observados de forma consistente durante o exame.
a ovulação!
Durante os ciclos ovulatórios, os folículos desaparecem
A ultrassonografia na gata subitamente no momento da ovulação e, por vezes, são
Até há relativamente pouco tempo, a utilização da ultrassonografia observáveis estruturas hipoecogénicas (corpos lúteos) nos dias
em gatas estava condicionada pela pequena dimensão dos seguintes (Figura 10). Ao contrário do que se observa em cadelas,
folículos ováricos. Contudo, o desenvolvimento de equipamento não se verifica o reaparecimento da estrutura anecogénica após a
de alta resolução permitiu a aplicação deste procedimento (16, ovulação, o que facilita o diagnóstico.
17). As técnicas são semelhantes às que foram descritas atrás para
as cadelas e, em geral, o exame é bem tolerado pelas gatas. Apesar do padrão geral de crescimento folicular apresentar-se
semelhante entre as gatas, a relação entre o momento em que
Os ovários situam-se em oposição ou 3cm atrás dos rins, e têm ocorre e o comportamento no decurso do estro, varia
tendência para se mover no abdómen, durante o exame. Se a gata consideravelmente de uma gata para outra. No 1º dia de
se encontrar no período de estro, antes da ovulação, a detecção comportamento éstrico específico, os folículos evidenciam
dos ovários é relativamente fácil. Na ecografia os folículos tamanhos muito diferentes consoante as gatas. Nem a observação
ováricos surgem como estruturas esféricas anecogénicas, com 1.5 comportamental, nem a citologia vaginal parecem ser métodos
a 4mm de diâmetro, que podem ser muito pequenos, mas são exactos, apesar de se observarem aglomerados celulares nos

Figura 9.
Exame ultrassonográfico de uma gata durante o estro
Figura 8. Durante o período de estro, os folículos podem ser detectados nos ovários sob a
Esfregaço vaginal de uma gata em estro forma de estruturas redondas anecogénicas, com dimensões que variam entre
Habitualmente, o estro caracteriza-se por células cornificadas com tendência para 0.1mm e 0.4mm.
a aglomeração.

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Ultrassonografia ovárica e monitorização do estro na cadela e na gata

esfregaços, próximo do dia correspondente ao diâmetro folicular Figura 10.


Exame ultrassonográfico de uma gata após o estro.
máximo. Para além disso, o dia em que se observa o diâmetro A ovulação caracteriza-se pelo desaparecimento súbito da estrutura anecogénica.
máximo, após o início do comportamento éstrico, é variável nesta É difícil detectar os corpos lúteos e, frequentemente, os ovários apresentam o
mesmo aspecto ecográfico tanto no anestro como no diestro.
espécie. Uma vez que nalgumas gatas as manifestações do estro se
iniciam quando os folículos entram em atresia, deve reconsiderar-
se a decisão de proceder à inseminação sistemática no terceiro dia
do estro.

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Notícias da Investigação Científica Royal Canin

O ácido fólico e a fenda palatina


em cães braquicefálicos
Aurélien Guilloteau, MEng
Royal Canin Research Center, Aimargues, França
Aurélien Guilloteau licenciou-se na ESITPA- (Engenharia Agrónoma) em 2002. Concluiu os seus estudos no Centro
de Investigação Royal Canin, com uma pesquisa sobre o desenvolvimento de alimentos hipoalergénicos. Aurélien
Guilloteau ingressou no Centro de Investigação Royal Canin onde trabalha com a rede de Canicultores e
Felinicultores.

Eric Servet, MEng


Centro de Investigação Royal Canin, Aimargues, França
Eric Servet licenciou-se em 1999 numa faculdade de engenharia francesa, especializada em ingredientes e tecnologia
alimentar. Entre 1999 e 2001 trabalhou na indústria de lacticínios, na área do desenvolvimento de projectos piloto e
formulação de produtos. Após um ano nos Estados Unidos, na Royal Canin EUA, no sector da estabilidade e
apetência dos produtos, em 2002, Eric Servet ingressou no Departamento de Investigação e Desenvolvimento da Royal
Canin, em França, como engenheiro de investigação.

Vincent Biourge, DVM, PhD, Diplomate ACVN and ECVCN


Centro de Investigação Royal Canin, Aimargues, França
O Dr. Biourge licenciou-se na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Liège (Bélgica) em 1985. Foi
assistente no Departamento de Nutrição durante 2 anos, antes de ingressar no Hospital Veterinário da Universidade de
Pensilvânia (Filadélfia, EUA) e, mais tarde, no Hospital Veterinário da Universidade da Califórnia (Davis, EUA), onde
realizou o doutoramento e a residência em Nutrição Clínica. Em 1993, apresentou a tese de doutoramento em Nutrição,
na Universidade da Califórnia, e obteve o Diploma do Colégio Americano de Nutrição Veterinária. Em 1994, entrou
para o Centro de Investigação Royal Canin, em Aimargues (França) como Director de Comunicação Científica e
Nutricionista. Desde Janeiro de 1999, é o responsável pelo programa de investigação nutricional da Royal Canin.

Claude Ecochard, MEng


Centro de Investigação Royal Canin, Aimargues, França
Claude Ecochard formou-se inicialmente em bioquímica (Mestrado da Universidade de Lyon, França) e em
engenharia de produção alimentar (Licenciatura em Engenharia e Pós-graduação, em 1986, na ENSBANA de
Dijon: faculdade de engenharia francesa, especializada em nutrição). Possui uma experiência de mais de 18 anos
centrada na investigação e desenvolvimento de projectos para empresas do ramo alimentar. Desde 2000, Claude
Ecochard desempenha um papel fundamental no R & D da Royal Canin, onde coordena o desenvolvimento de novos
produtos e inovações nutricionais.

Introdução
Utiliza-se o termo genérico folatos para designar diversos Quando combinados com a vitamina B12, os folatos exercem
complexos biológicos (>100) com estrutura química similar e uma função importante na síntese dos ácidos nucleicos (bases
idêntica actividade biológica (entre os quais se inclui o ácido purina e pirimidina do ADN), na divisão celular e no
fólico). O ácido fólico (vitamina B9) é uma forma sintética, metabolismo de alguns aminoácidos, como a homocisteína. A
não existente em estado natural, utilizada como suplemento e sua acção é frequentemente associada à da vitamina B12.
reforço de produtos alimentares. Os folatos são essenciais para a síntese de inúmeros

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Notícias da Investigação Científica Royal Canin.. O ácido fólico e a fenda palatina em cães braquicefálicos

neurotransmissores, como a dopamina, a noradrenalina e a adrenalina, Os cães também parecem evidenciar uma boa resposta à
e, por conseguinte, desempenham um papel relevante ao nível do suplementação com folatos. Um estudo de observação retrospectiva
sistema nervoso central (1). conduzido em Boston Terriers relatou uma redução de 17.6% (1974-
Nos embriões caninos, os lábios leporinos e/ou fendas palatinas 1981) para 4.2% (1981-1993) na incidência de fendas palatinas nos
resultam de uma malformação das estruturas nasais e maxilares, no cachorros, na sequência da administração de suplementos diários de
decurso da embriogénese. Em geral, este processo ocorre por volta do 5mg de ácido fólico às cadelas, desde o cruzamento até 3 semanas após
33º dia de gestação (3) (Figura 1). Foram experimentalmente o parto, se bem que esta ingestão não produza a erradicação total do
induzidas fendas palatinas em cães através da administração de um risco (8). Não foi demonstrada a existência de efeitos adversos
antagonista do ácido fólico (diazooxonorleucina) entre o 25º e o 28º resultantes da administração de ácido fólico (NRC, 1985). No
dia de gestação (2). entanto, na última edição (em fase de publicação, 2006), o NRC
(National Research Council) aconselha que não se exceda em 1000
Na origem destas patologias podem estar causas multifactoriais. vezes a dose convencional recomendada de 0.18mg/kg de matéria seca.

Causas ambientais O estudo tinha como objectivo validar o efeito da suplementação


Em mulheres grávidas, a exposição a teratogénios pode afectar o com ácido fólico em cadelas Buldogue Francês (5mg de ácido
desenvolvimento embrionário. Uma ingestão relativamente elevada fólico/dia/animal), durante 18 meses, sobre a prevalência de fenda
de álcool, nicotina, vitamina A, corticosteróides, agentes alcalóides, palatina e lábio leporino nas respectivas ninhadas.
fenitoína e de trimetadiona-troxidona tem sido associada à presença
de fendas palatinas. Materiais e métodos
Animais
Por vezes, o estado de saúde da mãe também contribui para o Foram monitorizadas 45 cadelas Buldogue Francês, nos canis de 5
desenvolvimento de fendas palatinas/lábios leporinos, p.ex. diabetes criadores diferentes, i.e. num total de 66 ninhadas. 24 cadelas
mellitus, distrofia miotónica (3). pariram apenas 1 vez, 15 cadelas pariram 2 vezes e 4 cadelas pariram
3 vezes.
Causas genéticas
Alguns estudos explicam o aparecimento de fendas palatinas e/ou Peso médio das cadelas: 11.5 ± 1.9kg.
lábios leporinos como uma consequência de mutações ao nível do
gene MTHFR (metileno-tetrahidrofolato redutase). O MTHFR Dietas
desempenha um papel fulcral no ciclo do folato, uma vez que Procedeu-se à comparação de 2 dietas distintas:
favorece a sua redução para a forma activa (4,5). 1. Dieta controlo: alimento premium de manutenção Royal Canin,
contendo teores normais de ácido fólico (0.9mg/kg) (Tabela 1).
A ocorrência de fendas palatinas e lábios leporinos tem sido
observada em diversas raças caninas, incluindo: Boxer, Buldogue 2. Dieta suplementada: alimento premium de manutenção Royal
Francês, Buldogue Inglês, Cavalier King Charles, West Highland Canin + alimento suplementado com ácido fólico (Tabela 1).
White Terrier, Collie, Pastor Alemão e Chihuahua. Contudo, os cães
braquicefálicos, como o Boxer, parecem ser afectados com maior
frequência (3). Verifica-se a mesma situação na espécie felina, em que
as raças Persa e Siamesa são as mais afectadas por esta anomalia. 6.5%
dos gatinhos evidenciam malformações ou defeitos congénitos
potencialmente mortais, de entre as quais a fenda palatina surge
como a mais frequente (6).

Benefícios da suplementação com ácido fólico


Nos seres humanos, a prevenção destas patologias requer a
suplementação com ácido fólico. A investigação demonstrou um
decréscimo de 48% do risco de fendas palatinas em crianças cujas
mães tenham ingerido suplementos multivitamínicos, antes da
concepção ou durante o 1º mês de gravidez, muito embora não tenha
sido registada qualquer redução em mulheres com início da
suplementação ao 2º ou 3º mês de gestação (7). Figura 1.
Fendas palatinas em cachorros Pug.
Fotos: UMES (Unidade de Medicina de Reprodução e de Desporto, Escola
de Medicina Veterinária de Alfort).

Vol 16 No 2 • 2006 WALTHAM Focus 31


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Notícias da Investigação Científica Royal Canin.. O ácido fólico e a fenda palatina em cães braquicefálicos

A dieta suplementada com ácido fólico foi preparada a partir do um valor-F com um valor-p inferior a 0.05. Recorreu-se ao teste de
alimento controlo, através de um revestimento especial contendo X2 para avaliar o efeito do tratamento na prevalência de fendas
34.48mg de ácido fólico/kg de alimento. Esta quantidade palatinas nas ninhadas.
corresponde a 5mg de ácido fólico/dia, com base num consumo
aproximado de 145g de alimento com 4108kcal/kg, para uma cadela Resultados
com 8kg de peso (peso standard da raça). Foram monitorizadas 35 ninhadas alimentadas com a dieta controlo,
e 31 ninhadas com a dieta em ensaio. As performances reprodutivas
Os criadores administraram apenas a dieta fornecida e as cadelas não foram resumidas na Tabela 2. A prevalência de fendas palatinas
receberam qualquer alimento adicional, para além dos alimentos em situou-se em 8.57% para a dieta controlo e 4.41% para a dieta
teste, previamente codificados. Os canicultores desconheciam o suplementada.
código do alimento suplementado (teste cego único). Ambas as dietas
foram testadas em todos os criadores. A diferença observada entre os 2 tratamentos, no número de
cachorros por ninhada, não é significativa (Tabela 2) (valor-p =
Protocolo 0.3123, p>0.05).
Os dois alimentos foram aleatoriamente distribuídos pelos dois
grupos de cadelas, em cada criador. O número de fendas palatinas por ninhada e dieta, no conjunto das
ninhadas, diminuiu significativamente com o alimento suplementado
As cadelas foram alimentadas com um dos 2 alimentos durante o com ácido fólico (p = 0.02, p<0.05) (Figura 2).
período de cio (i.e. por volta das 2 semanas anteriores ao primeiro
cruzamento/fertilização) e no decurso das primeiras 6 semanas de Discussão e conclusão
gestação. Efectuaram-se todos os tratamentos veterinários necessários Este estudo de campo tinha como objectivo validar os benefícios da
para assegurar o bem-estar dos animais. As fêmeas com patologias suplementação de cadelas Buldogue Francês com ácido fólico
concomitantes, cujo tratamento pudesse provocar efeitos secundários (5mg/cadela/dia) sobre a prevalência de fendas palatinas das
nas crias, foram excluídas do estudo. À nascença, os cachorros foram respectivas ninhadas, a partir dos 15 dias anteriores ao cruzamento
sujeitos a um exame minucioso por parte dos criadores ou dos até ao final do período de gestação.
veterinários que efectuaram a cesariana, para detectar a eventual
presença de anomalias. No Buldogue Francês, os resultados obtidos na sequência de 1,5 anos
de investigação demonstraram que a suplementação com ácido fólico
Análise estatística estava associada a um decréscimo de 48.54% do número de fendas
Os dados obtidos foram submetidos a análise estatística (número de palatinas. Estes resultados confirmam as observações de Elwood, que
crias nascidas, número de fendas palatinas) com base nos relatou uma redução de 76% no risco de fendas palatinas no Boston
questionários devolvidos. Terrier, graças à administração de suplementos de 5mg de ácido
fólico por dia/cadela.
No sentido de identificar as diferenças significativas entre as 2 dietas,
realizou-se uma análise de variância (ANOVA), através de um Tal como sucede em relação às mulheres grávidas, a suplementação
software comercial (Statgraphics Plus). Foi considerado significativo das cadelas com folatos não significa a prevenção total dos casos de

Tabela 1.
Análise das dietas Tabela 2.
Performances reprodutivas
Dieta controlo Dieta suplementada
Dieta Dieta
Humidade (%) 9 9 controlo suplementada
Proteína (%) 25 25 Número de cadelas 35 31
Gordura (%) 12 12 Número de cachorros 175 136
Fibra (%) 2.5 2.5 Com fenda palatina 15 6a
Amido (%) 25.2 25.2 Nados-mortos 4 6
Minerais (%) 6.3 6.3 Mortos pós-parto 3 3
Ácido fólico (mg/kg) 0.9 34.5 Outras malformações neonatais 0 3
Vitamina B12 (mg/kg) 0.2 0.2 Abortos 0 2
Cadela estéril 3 1
Lista de ingredientes: milho, farinha de milho, carne de aves desidratada, Número de crias/cadela 5 ± 2.53 4.38 ± 2.10
gorduras animais, fígado de aves, polpa de beterraba, levedura de cerveja, óleo Número crias/cadela grávida 5.47 ± 2.09 4.85 ± 1.86
vegetal, minerais, oligoelementos, levedura hidrolisada (fonte de mano-
a significativamente diferente do grupo controlo
oligossacarídeos), ovo desidratado, vitaminas

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Notícias da Investigação Científica Royal Canin.. O ácido fólico e a fenda palatina em cães braquicefálicos

fendas palatinas, cuja justificação talvez resida na natureza Figura 2.


Número de fendas palatinas / dieta.
multifactorial deste distúrbio.

10

Número de fendas palatinas / dieta


É essencial que estes suplementos sejam administrados logo no início
9
do estro da cadela, uma vez que nesta espécie o canal medular se 8 8.57%
fecha durante o primeiro mês de gestação (antes do 33º dia). 7
6
5
Não foi observado qualquer efeito da suplementação sobre o 4 4.41%*
tamanho das ninhadas. 3
2
1
Em conclusão, este estudo confirma que os suplementos de folatos
0
durante os primeiros meses de gestação da cadela podem reduzir Dieta controlo Dieta suplementada

significativamente os riscos de fenda palatina.


Número de fendas palatinas / grupo de cachorros alimentado com cada dieta
*Significativamente diferente de acordo com o teste X2

Referências bibliográficas
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enhances repair of the adult central nervous system. Ann Neurol 2004; and CL/P: a risk for mothers? Am J Med Genet 2001; 1: 98: 357-360.
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Cleft palate J 1968; 5: 30-36. 7. Itikala PR, Watkins ML, et al. Maternal multivitamin use and orofacial clefts
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24: 21-27.

Vol 16 No 2 • 2006 WALTHAM Focus 33


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Como abordar...

A infertilidade na gata
Stefano Romagnoli, DVM, MS, PhD, Dipl. ECAR
Departamento de Ciências Clínicas Veterinárias, Faculdade de Medicina Veterinária, Agripolis, Legnaro, 35020
(PD) Universidade de Pádua, Itália
O Dr. Romagnoli licenciou-se em Medicina Veterinária em 1982 na Universidade de Pisa, Itália e concluiu o
Mestrado em Reprodução Animal na Universidade de Minnesota, E.U.A., em 1986. Regressou a Itália onde foi
nomeado Professor Catedrático da Universidade de Pádua, em Janeiro de 2001. Durante este período, tirou uma
licença sabática para trabalhar como Professor Assistente de Clínica, em Reprodução de Pequenos Animais, juntamente com o Prof. Shirley
Johnst, na Universidade do Minnesota. É autor de mais de 230 artigos em revistas nacionais e internacionais de referência, capítulos de
livros da especialidade, actas de congressos e sinopses científicas. Os seus interesses na área da investigação centram-se no efeito das
prostaglandinas no corpo lúteo canino, assim como, noutros aspectos da reprodução canina e felina e medicina pediátrica. Foi Presidente da
Associação Italiana de Clínicos de Felinos (1993-1999) e desempenha actualmente (2000-2006) o cargo de Presidente da Sociedade
Europeia de Medicina Felina. O Dr. Romagnoli exerce também as funções de Secretário do Conselho Europeu de Especialistas Veterinários
(EBVS, 2004-2006) e da Associação Europeia de Institutos para a Educação em Medicina Veterinária (EAEVE, 2004-2006).

R
ed Surprise, uma gata adulta Maine Coon com 2 anos, (tratamento com amoxicilina/ácido clavulânico na mesma
(Figura 1) foi remetida para a consulta de referência dosagem, durante 6 dias), sem consultar o veterinário e, em
devido à não concepção em dois ciclos reprodutivos ambas as vezes, o corrimento cessou. A gata foi cruzada pela
consecutivos. O animal nasceu no dia 30 de Novembro de 2003 primeira vez no início de Setembro de 2004 com «Gengis
e entrou em puberdade aos 4 meses de idade, período após o qual Khan», um macho adulto Maine Coon. No entanto, a gata
passou a evidenciar comportamentos característicos de cio, com não ficou gestante (não se procedeu ao diagnóstico de gestação).
bastante regularidade, 1 a 2 vezes por mês, mas não foi cruzada Mais tarde, a 30 de Novembro de 2004, Red Surprise
durante os primeiros 6 meses (de Fevereiro a Agosto), devido aos encontrava-se em cio, pelo que voltou a ser cruzada com o
regulamentos de Felinicultura1. Os episódios de estro duravam, mesmo macho, por diversas vezes, entre o dia 1 e 2 de
aproximadamente, 7 a 10 dias, caracterizados pelo evidente Dezembro.
rebolar, vocalizações e o postura em lordose após estimulação
manual do dorso. Aos 7 meses, a gata desenvolveu um O diagnóstico diferencial desta esta gata inclui corrimento
corrimento vulvar sero-sanguinolento e foi levada ao veterinário. vulvar recorrente e ausência de concepção. Os dois
No decurso da ultrassonografia abdominal, foi detectada uma problemas estarão relacionados? Esta gata conseguirá
pequena quantidade de líquido no útero, com um aspecto claro,
distribuído uniformemente pelo corpo uterino e por ambas as Figura 1.
trompas. Apresentava um diâmetro intra-uterino de 6mm, sem Red Surprise, gata
Main Coon, com
espessamento do endométrio. Os nódulos linfáticos ilíacos 2 anos de idade.
evidenciavam dimensões e ecogenicidade normais. Foi
estabelecida uma terapia oral para a Red Surprise com
administração de amoxicilina/ácido clavulânico (12,5mg/kg
BID) durante 6 dias, que permitiu o desaparecimento do
corrimento vulvar. Entre os 7 e 10 meses de idade, a gata
continuou a revelar comportamentos de cio regulares e com uma
intensidade semelhante. Voltou a apresentar corrimento vulvar
sero-sanguinolento aos 8 meses e, de novo, aos 9 meses. Em
ambas as ocasiões o dono instituiu a mesma antibioterapia

1. Em Itália, de acordo com os regulamentos da Felinicultura, os gatinhos cujas progenitoras tenham menos de 12 meses de vida não podem ter pedigree.

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Como abordar... A infertilidade na gata

Figura 2.
Útero extirpado a uma gata Tabela 1.
com sinais clínicos de Causas para o corrimento vulvar na gata
piómetra, que evidencia
características anatómicas Fêmea inteira pré-pubertária
macroscópicas de hiperplasia • Vaginite
quística do endométrio com
• Lesão urogenital
distensão do lúmen uterino.
• Neoplasia urogenital
• Incontinência urinária (pós-traumática)
Fêmea inteira pós-pubertária
• Vaginite
procriar? A questão da potencial fertilidade futura da gata é • Piómetra
bastante importante para o dono, uma vez que se trata de uma • Doença uterina
• Lesão urogenital
fêmea adulta de valor considerável do ponto de vista reprodutivo,
• Neoplasia urogenital
pelo que se impõe uma decisão quanto às eventuais vantagens de
• Incontinência urinária (pós-traumática)
investir num diagnóstico e técnicas terapêuticas dispendiosas Fêmea gestante
neste animal. Como se sabe o corrimento vulvar e a não gestação • Perda fetal
podem resultar de uma diversidade de razões. A primeira • Corrimento normal de líquido placentário
pergunta à qual se deve dar resposta é a seguinte: "Por que razão é • Lóquios
que esta gata desenvolveu um corrimento sero-sanguinolento?" • Metrite
Tentaremos formular a resposta através da análise das potenciais • Lesão urogenital
• Neoplasia urogenital
causas para o corrimento vulvar em felinos, referidas na Tabela 1.
• Incontinência urinária (pós-traumática)
Fêmea ovariectomizada/ovariohisterectomizada
Em geral, o corrimento vulvar nas gatas é pouco comum. Não • Vaginite
existe qualquer tipo de corrimento durante o proestro ou estro; • Infecção dos cotos uterinos
para além disso, a vaginite, a neoplasia ou lesão urogenital, bem • Lesão urogenital
como, a incontinência urinária, apesar de já terem sido relatadas, • Neoplasia urogenital
são patologias raras na espécie felina. Excluindo a excreção • Incontinência urinária (pós-traumática)
normal de fluidos relacionados com o parto, a única razão para
A piómetra e a metrite constituem, sem dúvida, as causas mais comuns,
uma gata apresentar corrimento no tracto reprodutivo, é por enquanto as restantes são consideradas extremamente raras, embora tenham
doença uterina, como é o caso da piómetra (Figura 2) ou da sido relatadas em gatas.

metrite. Enquanto a metrite é uma afecção típica pós-parto que


ocorre numa fase de baixas concentrações séricas de progesterona,
a piómetra só se desenvolve em presença de elevadas diversas fases luteínicas, devido a ovulação espontânea (antes dos
concentrações séricas de progesterona. A primeira consequência 10 meses), ou induzida (após os 10 meses). Foi relatada a
da estimulação exercida pela progesterona no endométrio é a ocorrência de ovulação espontânea em cerca de 30-35% das gatas
hiperplasia quística do endométrio (CEH), que consiste na adultas.
proliferação e dilatação das glândulas endométricas com
acumulação de líquido no seu lúmen, patologia que se Assim, a acumulação de líquido endométrico nesta fêmea deve-se,
desenvolve, geralmente, durante a fase luteínica e regride em provavelmente, a um período prolongado e repetido de
períodos de quiescência uterina. estimulação progestacional. É discutível se a presença de líquido
no endométrio justifica a antibioterapia. O conhecimento sobre
A secreção endométrica é indispensável para a nutrição dos os padrões de acumulação de líquido endométrico na gata é
embriões na fase de pré-implantação, mas a acumulação de relativamente escasso. Com base nos registos ecográficos do útero
líquido pode favorecer o desenvolvimento bacteriano em caso de felino, constata-se a presença de fluído em gatas normais, durante
contaminação uterina. A exposição a fases luteínicas repetidas algumas fases do ciclo reprodutivo (nomeadamente na fase
(em consequência da utilização clínica de progestinas ou de luteínica); no entanto, não foi ainda estabelecida a quantidade de
ovulações repetidas), poderá originar uma CEH crónica, assim líquido associada à doença. Pode revelar-se difícil estabelecer a
como uma acumulação de líquido endométrico – eventual distinção entre uma acumulação de líquidos fisiológica e
responsável pelo corrimento vulvar sero-sanguinolento patológica. No entanto, o fluido endométrico é habitualmente
repetidamente observado nesta gata, na sequência de períodos claro ou transparente. A presença de sangue no corrimento vulvar
com comportamento éstrico, entre Abril e Outubro de 2004. constitui uma indicação de provável reacção inflamatória que
Observaram-se comportamentos de estro muito frequentes nesta pode justificar o tratamento. Neste caso, a antibioterapia oral,
fêmea, entre os 4 e os 10 meses, tendo sido cruzada em dois ciclos parece ter favorecido a resolução do problema uterino da gata.
diferentes: entre os 10 e 12 meses de idade. Pode ter passado por

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Como abordar... A infertilidade na gata

Tabela 2. qualquer trauma ou doença, com excepção do corrimento vulvar


Causas da infertilidade responsáveis pela ausência sero-sanguinolento durante esse período. Assim, é muito
de concepção na gata improvável que a fêmea possa ter concebido, e subsequentemente,
Incapacidade de concepção na gata perdido a gestação. Em consequência, as duas únicas causas
Maneio incorrecto da reprodução possíveis para a ausência de concepção são: um erro no maneio
• Ausência de ovulação devido a cruzamentos realizados
dos cruzamentos e uma malformação ou doença reprodutiva. Os
demasiado cedo ou excessivamente tarde
defeitos de desenvolvimento do aparelho reprodutivo feminino
Doenças ou defeitos de desenvolvimento do aparelho reprodutivo
feminino responsáveis pela incapacidade de conceber, embora a gata
• Hiperplasia e bloqueio dos oviductos apresente ciclos regulares, são raros e incluem: bloqueio e
• Obstrução parcial ou completa da vulva, da vagina, hiperplasia dos oviductos (aplasia segmentar) do útero e/ou
cérvix ou do útero
cérvix, fusão miometrial e mucómetra ou hidrómetra devido a
• Hiperplasia quística do endométrio – piómetra
Problemas do macho
oclusão da vulva, da vagina, do cérvix ou do útero por anomalia
• Ejaculação retrógrada congénita, neoplasia, inflamação, cicatrização ou laqueação
• Má qualidade do sémen acidental (Tabela 2). Para além disso, os embriões podem não
Gestação não diagnosticada conseguir fixar-se e implantar-se no útero devido a uma alteração
• Uma gestação não diagnosticada e, subsequentemente
das condições endométricas, em resultado de doença preexistente
perdida, pode ser erroneamente interpretada como
incapacidade em conceber.
ou adquirida durante o cruzamento. A patologia uterina
limitativa da fertilidade mais comum é a piómetra, que se
caracteriza frequentemente pela presença de corrimento vulvar
Segunda pergunta: "Por que razão a gata não ficou gestante após sero-sanguinolento. Embora a piómetra possa ser a causa de todos
cruzamentos sucessivos com um gato fértil?” As potenciais causas os problemas desta gata, antes de estabelecer o diagnóstico, é
para a ausência de concepção são referidas na Tabela 2. As gatas necessário avaliar o maneio da reprodução, uma vez que um
normais podem não conceber devido: cruzamento realizado no momento errado pode ser a razão da
incapacidade de conceber.
• a uma incapacidade em ovular, como se demonstra pela
ausência de desenvolvimento de corpos lúteos, na sequência de Quando questionado acerca do maneio da reprodução, o dono
cruzamentos sucessivos durante o estro (situação que, de forma respondeu que a gata era colocada na sala do macho no 2º dia de
geral, resulta de um maneio incorrecto dos cruzamentos); cada estro, onde permanecia durante vários dias, no decurso dos
• apesar de existir ovulação, não se produzir concepção em quais se produziam diversos cruzamentos, confirmados a nível
resultado de uma anomalia congénita (obstrução parcial ou visual ou auditivo. Apesar deste maneio reprodutivo ser aceitável,
total) ou adquirida (piómetra), do tracto genital feminino; a ocasionalmente, as gatas não ovulam se a cópula se realizar na fase
ausência parcial de concepção foi demonstrada através do rácio inicial do estro, sobretudo no 1º ou 2º dia do cio, porque os
entre corpos lúteos e pontos de implantação/fetos realizado no folículos ainda não atingiram o nível de maturação suficiente para
decurso de estudos em que gatas gestantes eram submetidas a reagir ao pico de LH ou porque não se produziu a necessária
ovariohisterectomia a meio da gestação; sensibilização da pituitária por parte dos estrogénios em
• a um problema por parte do macho, nomeadamente, má circulação de forma a libertar a LH pós-coito. A ausência de
qualidade do sémen, libido fraca ou inexperiência (responsável ovulação pós-cruzamento no 1º ou 2º dia de estro foi relatada em
por uma penetração incompleta, e por consequência, sem gatas apresentadas à consulta com suspeita de infertilidade. Para
indução da ovulação) ou ejaculação retrógrada (uma deficiência maximizar a fertilidade, é aconselhável esperar pelo 3º dia do cio,
rara, que só foi possível demonstrar em reprodutores felinos no mínimo, para colocar a gata junto ao macho.
mediante utilização de anestésicos).
Do ponto de vista clínico, confirmar a ocorrência de ovulação,
De igual forma, uma gravidez não diagnosticada pode passar pode revelar-se importante para avaliar o maneio da reprodução.
despercebida devido a reabsorção ou trauma e ruptura uterina Esta pesquisa pode efectuar-se pouco tempo após o cruzamento,
(seguida por mumificação fetal no abdómen) simulando desta através da simples colheita de sangue e análise da progesterona
forma, a incapacidade de concepção. sérica. Devido ao rápido desenvolvimento do corpo lúteo na gata,
o aumento das concentrações séricas de progesterona ocorre no
«Gengis Khan», o gato utilizado nos cruzamentos durante o em 72 horas a seguir ao cruzamento e dura entre 35 a 45 dias na
período compreendido entre Setembro e Dezembro de 2004, era fêmea não gestante. Um doseamento da progesterona superior a
comprovadamente fértil, com uma última ninhada bastante 1,5ng/ml indica que a gata ovulou. Como é óbvio, a análise da
recente pelo que, neste caso, se excluem os problemas progesterona sérica pouco tempo após o cruzamento não ajuda a
relacionados com o macho. Durante o Outono de 2004, a gata diagnosticar a gestação. No entanto, um valor de <1,5ng/ml
permaneceu sempre no gatil do dono, não se observando exclui de imediato essa hipótese, e orienta a atenção do clínico

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Como abordar... A infertilidade na gata

para o maneio da reprodução. Consequentemente, observar a Não foi constatado qualquer dado significativo no hemograma ou
gata logo após o cruzamento, pode ser útil numa perspectiva no perfil bioquímico da gata. O doseamento da progesterona
prática, uma vez que se trata do momento em que o doseamento situou-se em 0,47ng/ml, o que indica ausência de
da progesterona sérica pode fornecer informações úteis. Pelo desenvolvimento do corpo lúteo. Duas semanas após a ovulação,
contrário, se se deixar passar demasiado tempo, uma a concentração de progesterona era sempre > 1,5ng/ml, sendo
concentração de progesterona da ordem de <1,5ng/ml, 35 a 40 frequente e normal um nível >10ng/ml. Um valor tão baixo
após o cruzamento, pode não ter qualquer utilidade porque a indica que a gata não ovulou, o que demonstra que o maneio da
regressão do corpo lúteo já se iniciou, pelo que permanecerá a reprodução foi responsável pela ausência de concepção (pelo
dúvida se a gata terá realmente ovulado ou não. menos no cruzamento de 1 de Dezembro). Qualquer que seja a
causa da incapacidade de concepção nos cruzamentos anteriores
Após a elaboração de uma anamnese longa e exaustiva, a gata foi (quer devido a um maneio incorrecto, quer a doença uterina) é
submetida a um exame físico, que revelou uma boa condição física: imperativo abordar a questão do maneio com o dono. Neste caso,
pulso, ritmo respiratório e temperatura corporal normais. Não foi o dono foi aconselhado a cruzar a gata múltiplas vezes durante o
detectada qualquer anomalia física e não tomava qualquer tipo de cio seguinte, mas nunca antes do 3º dia do estro.
medicação. Durante a palpação abdominal, o útero pareceu
ligeiramente dilatado. Devido ao cruzamento recente (15 dias antes,
Resultado - A gata voltou a estar em cio no dia 22 de Janeiro, foi
no dia 1 de Dezembro de 2004), optou-se pela não realização de
cruzada diversas vezes com «Gengis Khan», a partir de 25 de Janeiro,
uma ultrassonografia abdominal. Procedeu-se à recolha de amostra
concebeu e pariu dois gatinhos nados-vivos normais, a 27 de Março,
de sangue através da veia cefálica, dividida em alíquotas
ou seja 61 dias após o primeiro acasalamento. Um dos gatinhos
vacuolizadas simples e com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA)
morreu logo após o nascimento, em consequência de uma lesão
para obtenção de um hemograma completo, análise bioquímica e
abdominal considerável provocada pela mãe enquanto o limpava e
mastigava o seu cordão umbilical. No dia 22 de Maio, Red Surprise
doseamento de progesterona. Apresentam-se os resultados na Tabela 3.
entrou novamente em cio e foi
cruzada por diversas vezes, com
Tabela 3.
Resultados do hemograma e análise bioquímica de uma amostra de sangue início no dia 25 de Maio, com
colhida 15 dias após o cruzamento de uma gata Maine Coon de 2 anos, «Silvestro», um gato jovem com 1
apresentada à consulta devido a incapacidade em conceber ano e talvez inexperiente. A gata não
concebeu. Voltou a apresentar novo
HEMOGRAMA
estro a 4 de Julho e foi outra vez
Parâmetros Valores Intervalo de referência cruzada com «Silvestro», parindo 7
Leucócitos 15.13K/µl 5-19
Eritrócitos 7.33M/µl 5-10
gatinhos nados-vivos normais, no dia
Hemoglobina 11g/dl 10-15 16 de Setembro de 2005.
Hematócrito 34.9% 30-45
MCV (Volume corpuscular médio) 47.5fl 39-55
MCH (Hemoglobina corpuscular média) 15 pg 13-20 Tal como se pode verificar, o nosso
MCHC (Concentração de hemoglobina corpuscular média) 31.6g/dl 30-36 aconselhamento introduziu uma
Plaquetas 243K/dl 156-800
mudança no maneio da reprodução,
Neutrófilos 8.35x103/µl (55%) 35-75 que passou a ser bem sucedida. É
Linfócitos 5.63x103/µl (37%) 20-55
Monócitos 0.85x103/µl (5%) 1-4
difícil avaliar a ausência de
Eosinófilos 0.32x103/µl (1%) 2-10 concepção no cruzamento do dia
Basófilos 0.03x103/µl (1%) 0-0.5 25 de Maio. Os 42 dias de
Células Grandes Não Identificadas (LUC) 0.25x103/µl (1%) 0.0-0.2
intervalo entre os dois cios, de 22
Bioquímica sérica de Maio e 4 de Julho, constituem
Glicose 64mg/dl 73-134
Ureia 62mg/dl 20-65 um indício de fase luteínica, mas
Proteínas Totais 78.5g/l 54-78 não se realizou o doseamento da
Albumina 33.2g/l 21-33
Bilirrubina Total
progesterona, pelo que é impossível
0.07mg/dl 0.15-0.50
Creatinina 1.2mg/dl 0.8-1.8 averiguar o que terá sucedido. Red
CK 171U/l 63-273 Surprise pode não ter ovulado
ALP 99U/l 25-93
ALT 57U/l 6-83 devido a libido reduzida por parte
AST 30U/l 26-43 do macho, ou pode ter ovulado
GGT 2.4U/l 1.3-5.1
mas sem concepção, como
Progesterona (ovulação) 0.4ng/ml > 1.5ng/ml consequência da má qualidade do
sémen. A falta de libido é a causa
mais provável, tendo em conta a

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Como abordar... A infertilidade na gata

juventude e (provável inexperiência) de «Silvestro». A ausência de Em retrospectiva, a má qualidade do sémen também pode ser
ovulação caracteriza-se muitas vezes por pequenos intervalos de excluída, uma vez que o cruzamento seguinte com «Silvestro» foi
interestro (1-3 semanas), no entanto, observam-se intervalos de bem sucedido.
interestro superiores a 2-3 semanas em gatas que não ovularam.

Referências bibiliográficas
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to coitus on consecutive days of estrus. Biol Reprod 1982; 26: 603-611. stimulation in domestic cats. J Reprod Fertil 1993; S47: 57-61.
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Guia Destacável Royal Canin

Esfregaços vaginais em cadelas


Elise Malandain & Alain Fontbonne

E
sta técnica, desenvolvida durante os anos oitenta, • corantes de cor diferencial (por exemplo Papanicolau, Isaac
baseia-se no facto da parede vaginal (epitélio) e Wurch) ou o método de Harris-Schorr, que cora as células
sofrer alterações durante o ciclo éstrico (Figura 1), queratinizadas de vermelho (também conhecidas como
em simultâneo com o aumento do teor de hormonas acidófilas ou eosinófilas) e de azul as células redondas
femininas. não queratinizadas (basófilas).
Assim, é possível definir o Índice Eosinófilo (IE), obtido
Indicações através da divisão do número de células eosinófilas pelo
• Determinação das fases do ciclo sexual: estro, interestro ou número total de células. Durante a fase do estro, o IE deverá
anestro atingir um valor mínimo de 70 a 80%.
• Confirmação do cruzamento devido à presença de
espermatozóides na lâmina Interpretação dos esfregaços vaginais
• Detecção de estro silencioso Anestro
• Diagnóstico ou tratamento de afecções vaginais ou uterinas O epitélio vaginal é composto apenas por algumas camadas
(vaginite, endometrite, piómetra) de células parabasais: pequenas, circulares, com um núcleo
grande e facilmente visível (Figuras 3 e 4).
Como realizar um esfregaço vaginal?
A zaragatoa é introduzida primeiro vertical e depois Início do Proestro
horizontalmente, para evitar a penetração na fossa Na fase inicial do proestro, podem ser observados inúmeros
clitoriana. Muito embora não seja obrigatório, pode eritrócitos. Verifica-se a presença de uma mistura de células
utilizar-se um espéculo vaginal. Uma vez inserida, rodar a de tipo epitelial – parabasais e superficiais (Figuras 5 e 6).
zaragatoa no interior das paredes da vagina antes de a retirar
cuidadosamente. Proestro
O número de células superficiais aumenta, assim como
As células recolhidas com a zaragatoa são dispersas numa o índice eosinofílico (proporção de células acidófilas
lâmina de vidro (Figura 2) e fixadas com fixador citológico queratinizadas) (Figuras 7 e 8).
de forma a que não se percam durante a coloração. De
seguida, as células são mergulhadas numa série de soluções Final do proestro
corantes. Existem diversos corantes disponíveis: O índice eosinofílico aumenta e o fundo aparece mais claro
• corantes unicolores: May Gründwald Giemsa, Diff Quick® (Figuras 9 e 10).

ng/ml Estradiol
Progesterona

sem gestação Figura 1.


Principais secreções
hormonais durante o ciclo
gestação reprodutivo da cadela.
Figura 2.
proestro estro metaestro dias Ilustra o processo de dispersão das células
numa lâmina de vidro.


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Guia Destacável Royal Canin... Esfregaços vaginais em cadelas

Estro Metaestro
O fundo dos esfregaços realizados no estro apresenta-se muito claro e Uma alteração repentina, no espaço de 24 a 48 horas, do número
sem detritos celulares. As células eosinófilas superficiais constituem, relativo de células marca o início do diestro (Figuras 13 e 14).
no mínimo, 80% da população celular total (Figuras 11 e 12).

Ampliação x 100 Ampliação x 400 Ampliação x 100 Ampliação x 400

Figuras 3 e 4. Figuras 5 e 6.
Anestro: esfregaço vaginal Início do Proestro: esfregaço vaginal
Com a utilização de um corante diferencial (Harris Schorr), as células parabasais As células tornam-se gradualmente maiores, mais angulares (aspecto de «corn-
adquirem a cor azul (Índice Eosinófilo ≤ 10%). flakes») e desenvolvem uma substância córnea, a queratina. Com a utilização do
corante diferencial Harris Shorr estas células apresentam-se coradas de vermelho
(Índice Eosinófilo ≤ 30%).

Ampliação x 100 Ampliação x 400 Ampliação x 100 Ampliação x 400

Figuras 7 e 8. Figuras 9 e 10.


Proestro: esfregaço vaginal Final do proestro: esfregaço vaginal
Frequentemente, o fundo dos esfregaços realizados durante o estro apresenta A proporção de eritrócitos pode variar consideravelmente (Índice Eosinófilo > 70%).
detritos celulares e um aspecto mucoso (Índice Eosinófilo = 50%).

Ampliação x 100 Ampliação x 400 Ampliação x 100 Ampliação x 400

Figuras 11 e 12. Figuras 13 e14.


Estro: esfregaço vaginal Metaestro: esfregaço vaginal
Muitas vezes, o núcleo apresenta-se «picnótico» ou não diferenciável. As células As células vaginais são redondas, não cornificadas e basófilas. Pode
tendem a agrupar-se. Relativamente ao proestro, o número de eritrócitos é inferior observar-se a presença de neutrófilos (Índice Eosinófilo ≤ 20%).
(Índice Eosinófilo > 80%).


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