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PERGUNTE E RESPONDEREMOS O Segredo de Jodo Paulo II “Lutero” no cinema Lutero: um perfil objetivo... Liberdade religiosa é indiferentismo? Aborto por estupro Prefeito manda retirar as imagens religiosas Congregagao protestante se converte ao Catolicismo “Jesus, simbolo de Deus” por R. Haight Carta de Jesus Seremos os Unicos no universo? CAnticos protestantes em celebragées catélicas ano XLVI junho 2005 n. 516 PERGUNTE E RESPONDEREMOS Publicagdo Mensal JUNHO 2005, N° 516 eee Diretor_Responsavel Dom Estévio Bettencourt OSB Autor e Redator de toda a matéria publicada neste periédico Administragao e Distribuigao: Edigdes Lumen Christi Rua Dom Gerardo, 40 - 5° andar — sala 501 Tel: (OXX21) 2291-7122 - Ramal 327 Fax (OXX21) 2516-9343, Endere¢o para Correspondéncia: Ed. Lumen Christi Rua Dom Gerardo, 40 — sala 501 Centro CEP 20090-030 - Rio de Janeiro - RJ Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO @“PERGUNTE E RESPONDEREMOS” na INTERNET: www.lumenchristi.com.br e-mail: lumen.christi@osb.org.br CNPJ: 33.439,092/0003-21 Cendnea sasgues saan, SUMARIO © Segredo de Jodo Paulo Il... Filme polémico: “Lutero” no cinema... Visao global: Lutero, um perfil objetivo.. Em debate: Liberdade religlosa é Indiferentismo? . 253 Contestado © Ministério: Aborto por estupro. Em Ponta Nova (MG): Prefeito manda retirar as imagens religiosas ., Em Detroit (US.A Congregagao protestante se converte ao Catolicismo Destoante da fé catélica: “Jesus, simbolo de Deus’ por R. Haight Carta de Jesus .... Mistério do Macrocosm Seremos os dinicos no Universo’ 285 CAnticos protestantes em celebragées catélicas. me 2 241 242 246 vos 260 +. 284 COM APROVACAO ECLESIASTICA NO PROXIMO NUMERO: Fielmente transmitido o texto dos Evangelhos? — Eu nao gostava do Papa Joao Paulo Il. — AProfecia de Séo Malaquias. ~“A Teologia Catélica na formagao da Sociedade Colonial Brasileir . - “Nossa culpa”. — Conversando sobre a confissao sacramental. - Macumba pega? ~“A verdade por tras de ‘O Cédigo da Vinci”. -Aciéncia é para o homem ou contra 0 homem? — A garota judia e o seminarista polonés. - “Casamento” de Ronaldinho PARA RENOVAGAO OU NOVAASSINATURA (12 NUMEROS) NUMERO AVULSO. R$ 45,00. RS 4,50. do Mosteiro de depésito, para nosso control seguranca). Obs.: Correspondéncia para: Edigdes Li Rus Dom © pagamento podera ser a sua escolha: . Deposito em qualquer agancia do BANCO DO BRASIL, agéncia 0435-9 na GIC 31.3041 . Bento/RJ ou BANCO BRADESCO, agéncia 2579-8 na CIC 4453-9 das Edigées Lumen Christi, enviando em seguida por carta ou fax comprovante do le. 2. Cartéo de Crédito: VISA e MASTERCARD (favor informar n*, validade do carto e cédigo de 3. Boleta Bancéria (favor entrar em contato mencionando a op¢ao). umen Christi Gerardo, 40 — sala 501 Centro CEP 20090-030 = Rio de Jangiro — RV O SEGREDO DE JOAO PAULO II" © Papa Joao Paulo I foi uma figura excepcional, que desperta a refle- x80. OAdeus dito ao Papa por ocasiao de suas exéquias foi um acontecimen- toinédito na historia da humanidade. Nunea se viram tao numerosas e variadas pessoas concentradas numa Praga em torno de um homem. Na verdade, com- pareceram aos funerais quatro reis, cinco rainhas, cerca de duzentos Chefes de Estado, 2500 representantes de paises diversos. A Missa exequial foi acompa- nhada por quase um bilhao de pessoas ligadas & televisdo. No meio da multi- dao viam-se cartazes que proclamavam: “Santo subitol Santo ja!”. Tal foi o desfecho de um pontificado que durou vinte e seis anos, NO decorrer dos quais o Papa foi a todos os continentes, percorrendo uma distan- cia que equivale a 30,3 vezes a volta da Terrae a 4,97 vezes a distancia entre a Terra e a Lua, Visitou 187 nagdes © 893 cidades. Concedeu 1286 audiéncias gerais para uma assisténcia de 17.930.200 pessoas. Realizou 1856 Beatifica- goes e 656 Canonizagées. Promulgou 0 novo Cadigo de Direito Canénico e 0 novo Catecismo da lgreja Catdlica. Pergunta-se agora: Qual foi o segredo de tao relevante personalidade de Apéstolo homenageado por representantes dos cinco continentes sem que dis- pusesse de Legides ou possuisse Fiquezas? O segredo da forga moral do Papa residia na sua profunda uniao com Deus que Ihe proporcionava a coragem necessaria para enfrentar os desafios de sua missao. Profunda unido com Deus... Joao Paulo Il era homem de oragao; mes- mo durante suas viagens, nos dias mais cansativos n3o deixava de cumprir um programa de oragao. ‘Ainda na véspera de sua morte, ciente de que era sexta- feira, quis rezar a Via-Sacra, cujos textos um dos assessores Ihe leu em voz alta. Profundamente unido a Deus, o Papa tornou-se “embaixador de Cristo” (2Cor§, 20), isto é, de valores transcendentais, que ele distribuia copiosamente a quem o abordasse. Coragem... decorrente da uniao com Deus. 0 exercicio dessa coragem era, para o Papa, um dever de consciéncia e um servigo a humanidade. Desde 0 inicio do seu pontificado 0 Papa repetiu multas vezes: “Nao tenhais medo! Escancaraias portas a Cristo!” Ele foio primeiro a fazé-lo, deixando 0 exemplo. Algumas de suas atitudes € declaragées the valeram o predicado de “conserva- dor’. Sim, foi conservador nao no sentido fundamentalista ou mesquinho, mas no sentido de que todo organismo vivo, para crescer harmoniosamente, deve conservar 0 contato com suas raizes; foi o que Joao Paulo Il fez, suscitando antipatias para a sua pessoa, que redundaram em aplausos. Deus Ihe dé 0 grande galardao que ele merece! oe 1 Os fasciculos de PR abril e maio |jé estavam compostos quando aos 2/4/05 faleceu 0 Santo Padre Jodo Paulo it. Eis por que somente em junho fazemos 4 sua memoria. 241 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” Ano XLVI — N° 516 Junho de 2005 Filme polémico: “LUTERO” NO CINEMA Em sintese: O filme “Lutero”, tendo por airetor 0 famoso Eric Till, e Patrocinado pela Federacdo Luterana Mundial mostra-se discretamente simpatico a Lutero, ndo Jevando em conta os aspectos passionais de sua personalidade, nemo esfacelamento do Cristianismo que se vern produ- zindo na area protestante @mM conseqtiéncia do Dtincipio do ‘livre exame da Biblia”, fomento de subjetivismo. Para o protestantismo, que se vai esfacelando sempre mais ‘sob 0 princi- pio do livre exame da Biblia. Eis por que Lutero e o filme serao conside- rados nas paginas subseqiientes, O FILME “LUTERO” A critica pée em relevo quatro tragos da pessoa e da obra de Lutero Salientados pelo filme: 1. Divulgagao da Biblia “Toda a batatha de Lutero ara fazer chegar ao povo a Palavra de Deus em vernéculo, acessivel as pessoas mais simples, ocupa boa parte do filme” (Marcelo Barros). Deve-se reconhecer o interesse de Lutero Por propagar a Biblia. Foi muito elogiada a tradugao alema da Biblia devida a Lutero, 242 “LUTERO” NO CINEMA 3 Todo esse empenho, porém, é de carater ambiguo. Com efeito, Lutero apregoava 0 livre exame da Biblia. Isto quer dizer que qualquer leitor da Biblia esta autorizado a interpreta-la como julgar melhor e dai tirar suas conclusées, que podem redundar numa nova modalidade de Cristianismo, independente das demais. Assim o Cristianismo recomega um sem niimero de vezes, cada vez mais depauperado, porque sempre mais distante das suas fontes. Na verdade nem a Biblia nem o Cristianis- mo comegam com tal leitor ~ ‘O Novo Testamento comega, sim, com Je- sus Cristo, A pregagao oral de Cristo e dos Apéstolos bergou a Bibliaea acompanha na Tradigao. Caso alguém desligue dessas duas inst&ncias, a Palavra escrita da Biblia, tem uma palavra que nao interpreta a si mes- ma e pode ser repuxada em diversos sentidos. E 0 que faz a debilidade do protestantismo. Entre Cristo e Lutero assim como entre Cristo e 0 leitor contemporaneo hé a distancia de muitos séculos que nao devem ser esquecidos. 2. Venda de indulgéncias e reliquias (Marcelo Barros) Para entender a tematica, considere-se o seguinte: 1) Todo pecado compreende sempre dois momentos: é culpa (trans- gressdo de uma lei) e desordem (anterior ao pecado e alimentada por ele). A prova disto é 0 fato de que, mesmo absolvido do pecado, 0 individuo torna a cair nele. A absolvigéo sacramental arranca 0 caule, nao porém o carogo da tiririca que esta tao profundamente arraigado em nés; conscien- te ou inconscientemente, nos comprazemos no pecado. Por isto, mesmo apés receber o perdao de nossos pecados, precisamos de nos empenhar para nos livrar dos resquicios do pecado remanescentes na alma, !sto se faz excitando o amor a Deus (antidoto do amor ao pecado) mediante atos de virtude ora mais, ora menos exigentes; orac&o, jejum, esmola... 2) Consciente disto, a Igreja antiga ministrava a reconciliagao dos pecadores em duas fases. Sim, o pecador confessava seus pecados a um ministro de Deus. Este néo © absolvia imediatamente (cf. Jo 20, 20- 22), mas impunha-lhe uma satisfagao adequada, correspondente a gra- vidade das suas faltas; este exercicio de peniténcia devia proporcionar ao cristéo 0 dominio sobre si, a vitéria sobre as paixdes € a liberdade interior. Somente depois de terminar a respectiva satisfagao, era o peca- dor absolvido. Julgava-se entéo que estava isento ndo apenas da culpa, mas também de toda expiagéo devida aos seus pecados; estaria livre nao s6 da culpa do pecado, mas também das raizes e das consequénci- as deste. Esta pratica penitencial conservou-se até fins do século VI. Tornou- se, porém, insustentavel, pois exigia especiais condicées de saiide e 243 4 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 516/2005 acarretava conseqiiéncias penosas Para todo o resto da vida de quem a ela se submetera. Eis Por que aos poucos foi sendo modificada, 3) No século IX a Igreja julgou oportuno substituir certas obras benitenciais muito rigorosas Por outras mais brandas; a estas a lgreja associava os méritos satisfatérios de Cristo, num gesto de indulgéncia. Tais obras foram chamadas “obras indulgenciadas’, Porque enriquecidas de indulgénclas: podiam ser assim indulgenciadas oragées, esmolas, peregrinagoes... Esta claro, porém, que estas obras mais brandas enriquecidas pe- los méritos de Cristo so tinham valor Satisfatorio se fossem praticadas com as disposigées interiores que animavam os penitentes da Igreja an- tiga a prestar uma quarentena de jejum ou outras obras rigorosas. Nao bastava, pois, rezar uma orag&o ou dar uma esmola para se libertar das consequénclas do pecado, mas era preciso fazé-lo com o amor a Deus e 0 feptidio ao pecado que e@ncorajavam os penitentes da Igreja Antiga. Vé- Se, pois, que era (e 6) muito dificil ganhar indulgéncias. Mais: ninguém podia (ou Pode) ganhar indulgéncia sem que tives- sé (ou tenha) anteriormente confessado as suas faltas e houvesse (ou haja) recebido 0 perdao das mesmas. A instituigao das indulgéncias nao tinha em vista apagar os Pecados, mas contribuir (mediante a Provoca- ao de um ato de grande amor) para eliminar as conseqiiéncias ou os resquicios do pecado. Nao tencionava dizer que o dinheiro produz efeitos magicos, mas queria apenas estimular a caridade ou as disposigdes intimas do cristao para que conseguisse libertar-se das escorias remanescentes do pecado. Nao ha duvida, porém, de que pregadores populares e muitos figis cristéos dos séculos XV e XV! usaram de linguagem inadequada ou errénea ao falar de indulgéncias, A venda de reliquias, caso tenha ocorrido, sempre fol considerada simonia ou grave delito. 3. Lutero e a Vida una ou indivisa “Outra cena de enorme beleza 6 a que mostra um grupo de irmas, fugidas do convenio, chegando a uma igreja destruida, apds longa via- gem em uma carroga, escondidas em baus de vinho. Elas Procuram o monge agostiniano, para trabathar ao Seu lado. A lider delas se casaria, bosteriormente, com o Dr. Lutero, depois de vérias das outras inmas ja terem optado pelo casamento fa nova igreja que surgia” (M. Barros) 244 “LUTERO” NO CINEMA 5 O produtor do filme quer assim exaltar o matrim6nio com menos- prezo do celibato masculino é feminino. Esta seria uma instituigéo medi- eval inspirada por fins econémicos politicos’. Esto muito longe do conceito biblico os protestantes e ndo protes- tantes que assim pensam. Basta ler 1Cor 7, 25-35, onde Sao Paulo faz a apologia da vida una e conclui dizendo: “Procede bem aquele que casa a sua virgem; e aquele que nao a casa procede melhor ainda” {v. 38). A vida una ou indivisa permite a concentragao de todos os valores do individuo no servigo do Reino; é a resposta mais esponténea que 0 cristéo possa dar ao anuncio de que o Reino de Deus jé chegou. Seja lembrado outrossim o exemplo do Senhor Jesus celibatario que disse: "Ha eunucos que se fizeram tais por amor do reino dos céus” (Mt 19, 12). Quanto as Religiosas, abragam a vida indivisa diretamente porque a querem; continuam uma tradi¢ao que data dos tempos de Sao Paulo (1Cor 7), extensiva aos homens que emitem votos religiosos e encon- tram na vida una a sua plena auto-realizagao, que também é doagdo ao prdximo. 4, Lutero, liberdade e igualdade “A liberdade e a igualdade dos homens e das mulheres talvez seja a interpretagéo mais fundamental do filme. Lufero é a expresséo da modernidade que comega a surgir no mundo no século XVI, valorizando a subjetividade, ajudando a humanidade a reconhecer o vator da liberda- de individual” (M. Barros). A propésito ver o artigo seguinte. ' Eis um espécimen dessa mentalidade errénea materialista: “Completamente contra o celibato, porque eu acho que o celibato foi mais uma idéia da igreja para evitar dividir os bens da igreja. E acho que um padre nao pode orientar um casal se ele ndo passa por todo processo do casamenio”. Germana Parente, arquiteta (Jomal “Correio da Paraiba” 21/02/05). a PROFECIAS DE SAO MALAQUIAS AS PROFECIAS ATRIBUIDAS A SAO MALAQUIAS NAO TEM VALOR ALGUM, COMO SERA DEMONSTRADO EM NOSSO PROXI- MO FASCICULO. 245 Vis&o global: LUTERO: UM PERFIL OBJETIVO Em sintese: Um dos mais abalizados conhecedores de Lutero, o Pe. Prof. Ricardo Garcia-Villosiada caracteriza Lutero como figura ambi- gua e contrastante. O filme “Lutero" veio reavivar o interesse do ptiblico pela figura de Lutero. Ouvem-se a respeito opinides contraditérias... Tais sentengas nado partem de quem conhece adequadamente a figura € 0 pensamento de Lutero; séo extrapolagées emotivas mais do que racionais. Eis por que, nas paginas subseqilentes, Proporemos as consideragdes de abalizado estudioso de Lutero, que procura ser impar- cial ao ponderar a figura do reformador. Trata-se do Professor da Univer- sidade Gregoriana Ricardo Garcia-Villoslada, autor da obra Martin Lutero, em dois volumes publicados na colegao “Biblioteca de Autores Cristianos” em Madrid. Tal autor escreveu em seu volume | (1976) as reflexdes que vao abaixo traduzidas para o portugués. 1. Martinho Lutero: quem 6? “Sempre suscitara altercagdes esse alemao ‘puro sangue’, esse filho da Saxénia, intimamente apegado ao seu pais e, doutro lado, arauto de mensagem universal, superadora de fronteiras, Pregador da angustia desesperada e, ao mesmo tempo, niincio de interna consolag4o produzi- da pela fé, advogado da absoluta liberdade evangélica e, simultanea- mente, da incapacidade do livre arbitrio e das obras humanas para levar 0 crente a salvac&o; doutor de intuigdes religiosas tao profundas quanto unilaterais e tao vivamente sentidas que, ao dar-Ihes express4o, fazia perder a paciéncia a quem o ouvisse; tedlogo popular e sublime, prisio- nelro da palavra de Deus, como ele mesmo disse em Worms (capta conscientia in verbis Dei), mas, ao mesmo tempo, desligado e solto por sua interpretagdo pessoal, muitas vezes subjetivae arbitraria, da Escritu- ra Divina..., Escritura Divina que ele exaltou constantemente e que, ao mesmo tempo, ele recortou e depauperou; homo religiosus, que, viven- do a religiao cristé mais tragicamente do que ninguém, n&o se deu conta de que tendia a seculariza-la, porque, ao emancipar-se da hierarquia e do magistério para depender somente de Deus, caia num individualismo humano demasiadamente humano, exposto & anarquia doutrinal, as ilu- 246 LUTERO: UM PERFIL OBJETIVO 7 s6es pseudomisticas e a idolatria da razdo por ele tao odiada; monstro sagrado — espécie de dragao mitologico, mescla de serpente, de ledoe de anjo-, que guardava zelosamente o templo santo de Deus das mise- ricérdias e soprava fogo abrasador, édio e maldi¢ées contra aqueles que se recusavam a aceitar a sua verdade. A respeito de Lutero pode-se afirmar que era isto, isso e aquilo, € também 0 contrario. Todos os qualificativos so veridicos e falsos, se entendidos de maneira absoluta. As imagens desenhadas por seus ami- gos @ seus inimigos hdo de ser sobrepostas umas as outras, para que Nos proporcionem uma terceira imagem, mais proxima da realidade” (pp. 16s). Pouco adiante o Prof. R. Garcia-Villosiada se refere & historiografia de Lutero. 2. Como apresentar Lutero? Eis 0 que responde o autor: “O historiador faré o possivel para que os feilos narrados sejam auténticos; ao interpreta-los, sera sempre possivel o erro. Certamente a eliminagdo de todo preconceito ¢ a imparcialidade absoluta sao inalcan- gaveis tanto de uma parte como de outra; mas é evidente que a historiografia critica progride e, na medida em que se fazem novas investigagées so- bre um problema ou sobre um personagem, mais e mais luz aflora; assim da-se um passo adiante no conhecimento da verdade objetiva... Explico-me: Se uma mulher foi caluniada, vilipendiada, ultrajada e amaldigoada por um homem poderoso e influente, € natural que, quando tal homem passa para a historia, ndo sera facil a um filho daquela mulher escrever a biografia serena, imparcial, objetiva, friamente critica... do ultrajador, esbofeteador e execrador de sua mae, ainda que aplique a essa tarefa a maxima boa vontade. Pois bem; é coisa manifesta - muitas vezes igno- rada pelo comum dos protestantes, que apenas léem livros de edificagao ~ que Lutero passou os ultimos vinte e sete anos de sua vida langando, sem cessar, em suas publicagées, em suas cartas, em suas conversas de familia, maldigdes ferozes, ultrajes indiziveis, acusagées morais e doutrinais, as vezes absolutamente falsas, outras vezes desmedidamen- te exageradas, contra a Igreja e o Pontifice de Roma, contra todos os Bispos, contra todos os monges e monjas € sacerdotes, contra todos os que ele denominava ‘papistas’, asnos papais, seguidores do anticristo e da prostituta babilénica. E tudo isto sem a minima intengao de compre- ender o adversario. 247 8 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 N&o conhego em toda a historia um transbordamento tao atroz e Persistente de ddio (refiro-me as expressdes verbais, ndo ao fundo do coragao, que talvez se mantivesse inocente e sem fel) para com uma instituig&o sagrada que o havia amamentado com seu leite e the tinha dado o melhor que lhe podia dar: a Biblia, os sacramentos, a Tradigao apostélica, o simbolo da fé, as oragées da Liturgia. Nesses continuos impetos de ddio, irracional 4 primeira vista, era ele plenamente sincero? Fazia-o por imperativo de sua consciéncia ou, antes, por instinto de cau- dilho e tatica de guerra, a fim de desacreditar o inimigo, criando-Ihe um ambiente desfavoravel frente ao povo, de modo que ninguém sonhasse em retornar a obediéncia a Roma, pogo e arcabouco de todas as alucina- ¢6es? Se era esta a meta que ele tinha em vista, é certo que ele a alcan- gou. E, em conseqiiéncia, a Igreja Catélica, aquela Igreja que havia civi- lizado e educado cristamente o grande pavo alemdo dos séculos anteri- ores, ficou marcada, para todo crente luterano, até nossos dias, com o estigma de meretriz do Apocalipse e de prostituta do diabo... Lutero cai nas gragas de muitos catdlicos hodiemos...; € tornado simpatico, de modo que ndo duvidam em elogid-lo, mesmo que nao te- nham lido uma pagina de seus escritos. Qualquer livro ou artigo de revis- ta que ponha nas nuvens a sua profunda religiosidade, proclame seus protestos irados contra os abusos e desordens da Igreja e até canonize sua ‘ortodoxia dogmatica’, é lido com entusiasmo e aplaudido em toda Parte’. Ao contrario, quem tenha a incrivel ousadia de chama-lo herege ou cismatico ou falsificador de algumas passagens da Escritura, censu- rando-o de algum modo, sera condenado ao ostracismo ou aos carceres do siléncio como réu de desobediéncia aos sinais dos tempos ou refrata- tio a atualizagao pés-conciliar. Estes faceis louvadores do reformador nao a conhecem bem. Os que no frade de Wittenberg contemplam nao a imagem do Protestante, ' "Que dizer dos que — com humor ou inconsciéncia — falam de canonizar Martinho Lutero? Lutero mesmo se levantaria do timulo para prolestar furiosamente contra tamanha ‘abominagao e idolatria’. Que 6 que se canonizaria nele? Suas obras e virtudes, como as dos outros Santos? Precisamente essa santidade das obras (Werkheiligkeit) é que ele esteve continuamente amaldigoando... Ao hipotético Papa que tentasse inscrevé-io no catalogo dos Santos, ele replicaria sem hesitar: ‘Prefiro, querido papa, o maior dos ultrajes diabélicos. - Mache nur mich zum heiligen, Heber Papst, umb meiner Werk wilien, der Teufel beschiesse mich’ (WA 41, 165). Esta frase, ele a proferiu num sermdo de 29 de maio de 1535. Nem mesmo sé pode pensar na hipdtese de que um Papa venha a anular o decreto de excomunhéo pelo qual Le&o X 0 declarou herege”. O redator desta revista observa que a retirada da excomunhéo significaria a volta de Lutero 4 comunhao com a Igreja peregrina na terre. Ora Lutero, |j4 nao 6 peregrino, pertence a outra jurisdigéo; Deus 0 tem sob o seu santo juizo. 248 LUTERO; UM PERFIL OBJETIVO 9 mas a do moderno contestatario, enganam-se de ponta a ponta. Nada sabem de sua intolerancia total em questées de fé, nem dos seus precei- tos de submissao quase servil a autoridade do Estado, ainda que este seja opressor & tiranico, nem do seu absoluto desinteresse pela politica (praedicator non debet politica agere, 0 pregador no deve fazer poli- tica). Aos que alegremente the estendem a mao — sem, porém, ter a intengdo de passar para os seus acampamentos —, ele responderia com uma bufada de touro ou com uma maldigao de profeta. Creio que aquele frade agostiniano (que muito de frade conservou sempre até a morte no seu modo de pensar, na sua piedade e no seu estilo), aquele saxdo de granito e ardente dogmatismo levantaria a cabega em nossos dias, flagelaria sem compaixaéo, com 0 chicote ruidoso da sua palavra, certos jrenistas amigos de coneiliar o inconciliével, como flagelou em seu tempo co humanista Erasmo (dignus odio magno, digno de grande dio), € 0S que nao queriam entender luteranamente o Evangelho: Zvinglio & Ecolampadio (nimium blasphemi, demasiado blasfemos); entre outros, Lutero muito mais ainda rejeitaria os que apregoavam um profetismo re- volucionario, como Karlstadt (diabo encarnado), Minzer (assassino € arquideménio), € outros ‘fanatics’, contra os quais langou 0 vocabulo de Schwarmer (fanaticos). Frei Martinho nao tolerava oposigao nem queria didlogo, Dizia ele a Erasmo na disputa contra 0 livre arbitrio: “Nao dialo- guei contigo, mas afirmei e continuo afirmando, € 2 ninguem permitirei que seja meu juiz!”. Para falar bem ou mal de Lutero, é preciso primeiramente estuda- lo com seriedade e devagar... “As obras completas do reformador, em sua ultima edigao critica, compreendem cerca ‘de cem volumes in folio, parte em latim e parte em alemao antigo” (pp. 20-22). Serdo citados pela sigla WA (= Weimarer Ausgabe). Aseguir, vai uma apreciagdo de uma das principais obras de Lutero, que tem por titulo 3. De Captivitate Babilonica (A respeito do Cativeiro Babilénico) “Muitas coisas surpreendem neste tratado demolidor da teologia tradicional... Para Lutero, nao existe a duvida, nem a tolerancia para com a opi- nido contraria, mesmo que esta seja doutrina corrente e certa em todas as Faculdades de Teologia da Europa. Nao se pode entender a Sagrada Escritura se nao no sentido em que ele a entende. Nao vacila em aceitar todas as conseqléncias tedricas e todos os resultados praticos, despre- zando anatemas e excomunhées de uma Igreja que até pouco antes ele 249 10 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” §16/2005 amava. A resposta que ele da a todas as questées, 6 taxativa, clara e categérica, como se a tivesse meditado durante anos anos, embora na tealidade seja algumas vezes quase improvisada. Sente-se arrebatado Por um furacdo misterioso, que o empurra nao sabe para onde; impelido Por uma forga superior & razdo e a Prudéncia humana, forga & qual Ihe é impossivel resistir. Outra coisa Surpreendente para 0 leitor que raciocina, é a superio- tidade majestatica com que ele se ergue acima de todos, como um ord- culo inapelavel, Ninguém tem direito a objetar-Ihe a minima dificuldade’, O papado romano é o anticristo desde 0 momento em que ele € o anti- longos séculos e apés discutir atentamente Os argumentos, que a Igreja inteira com todo o Povo cristao tenha sentido diversamente do professor de Wittenberg, que todos os Cédigos Civis estabelegam uma praxe pou- ¢o conforme com a mente luterana, e, Por fim, para usar uma expressdo hiperbdlica de Lutero, que venha um anjo do céu para ensinar doutrina diferente, nada disso 0 demove nem Ihe Provoca a mais leve sombra de duvida, pois todos se equivocaram, mas Lutero no pode errar, jaquea Palavra de Deus nao admite outra interpretagdo sendo a de Frei Martinho Lutero. Tal atitude mental ndo toca as raias do patolégico?” (p. 483s), Eis 0 que 0 Prof. Garcia-Villoslada apresenta a respeito da figura teligiosa de Lutero apés prolongados estudos, que Procuraram ser tao imparciais quanto Possivel. Em grande parte, o brado revolucionario de Lutero dentro da Igreja foi bem sucedido porque encontrou a nacao ale- ma preparada para se voltar abertamente contra Roma em virtude de tendéncias nacionalistas e politicas existentes desde a Idade Média. oO mesmo Prof. Garcia-Villoslada descreve os acordes nacionalistas das teses de Lutero nos seguintes termos: 4.0 Bradoa Nagao Alema “A obra An den Christlichen Adel deutscher Nation (A Nobreza Crista da Nagao Alema) foi por Lutero escrita em Junho e publicada em ——____ "No fim da vida dizia Lutero aos seus amigos em tom confidencial: “Ha mil anos, Deus a nenhum Bispo concedeu ide grandes dons quanto @ mim (In mille annis Deus nuili episcopo tanta dona dedit ut mihi. Gloriandum est enim de donts Del)” (Tischreden 5494 V 189). Omesmo to! repetido pelos discipulos do reformador, que, aliés, dizia: “Ego propheta Germaniae (Eu sou 0 profeta da Alemenha)” (WA 41, 706). 250 LUTERO: UM PERFIL OBJETIVO 1 meados de agosto de 1520, quando o reformador esperava de um mo- mento para outro a excomunhdo que viria de Roma e podia atingir seu protetor, o principe Frederico da Saxénia. E um escrito em que 0 politico 0 social prevalecem sobre 0 teolégico. Redigido em alemao numa épo- ca de grande excitagao e com linguagem dura e aspera, esse livro nao & dirigido aos doutos € eruditos de qualquer nacionalidade como os anteri- ores escritos latinos, mas aos compatriotas leigos de Lutero, comegando pelo Imperador Maximiliano e pelos principes, principalmente os cavalei- ros germanicos, que eram Os mais dispostos a uma revolugao social € religiosa. A obra, que bem revela o estado efervescente do animo de Lutero no ano mais critico de sua vida, assim comega seu discurso 40s nobres: “Antes do mais, a graca e a forga de Deus! Altezas Serenissimas, benignissimos e diletos Senhores, N&o é por mera impertinéncia ou temeridade que um pobre homem como eu ousa falar a vossas Altas Exceléncias. Os agravos @ as angus- tlas que oprimem toda a Cristandade, especialmente os paises germanicos, movem a mim e a qualquer homem a clamar, pedindo ajuda, e agora me obrigam a gritar e vociferar para que Deus conceda a alguém 0 €nimo e 4 vontade de estender sua mio a esta miseravel nagéo. Ja foi tentado algo neste sentido por meio de Concilios, mas a astucia de uns poucos homens 0 impediu habilmente, ea situagéo se tornou pior. Agora, com o favor de Deus, tenciono por em relevo esta astticia maligna, a fim de que, revelada, néo possa mais causar dano ou estorvo" (WA 6, 409ss). A obra continua, procurando demolir a autoridade da Igreja Caté- lica. No mesmo ano de 1520, Frederico da Saxénia enviou a Lutero duas cartas de Roma que pediam a este principe procurasse colaborar para trazer de volta 4 casa patema o filho prédigo desgarrado. Lutero respondeu ao capelao da corte, Jorge Spitlitz, o seguinte, com a data de 9/7/1520: "Espero que 0 ilustrissimo principe responda de tal maneira que essas cabegas romanas entendam que a Alemanha, por oculto juizo de Deus, foi até agora oprimida ndo por causa de sua propria rudez, mas por causa da rudez dos italianos” (Briefe Ul 134-136). Onacionalismo de Lutero se tornava ainda mais transparente quan- do no dia seguinte (10/7/1520) escrevia: “Desejaria que 0 principe, em sua carta ao Cardeal de S&o Jorge, insinue que, se, com seus andtemas, me rechagarem de Wittenberg, nao 251 12 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 Jangada; desprezo tanto o furor como o favor de Roma. Néo quero recon- ciliar-me nem estar em comunhao com eles por toda a etemidade. Con- denem e queimem meus livros; eu condenarei e queimarei, publicamente, enquanto tiver fogo na méo, todo o Direito Pontificio, esse famagal de heresias... Como seria bom se o principe acrescentasse que a doutrina Juterana esté tao Propagada e arraigada dentro e fora da Alemanha, que, ‘S@ OS romanos n&o a vencerem com arazao e @ Escritura, entendam que, com as violéncias e as censuras, so conseguirao fazer da Alemanha uma Segunda Boémia! Eles ja sabem que os germanos sao ferozes por sua propria indole (germanorum ferocia ingenia); sao tais que, se ninguém 08 convence pela Escritura e a razdo, sera Perigoso para os Papas irrita- los, principalmente agora, quando as letras e as Jinguas reinam na Ale- manha, e até os seculares (leigos) comegam a instruir-se. Portanto, ele, como principe cristéo, os admoeste e Ihes dé a saber que nao confiem em suas forcas e n&o deixem de dar razao do que fazem, a fim de que nao suscitem contra si mesmos um tumulto irremediavel” (Briefe 1 137). Os alemaes que em seus castelos prometiam defesa e Protecdo a Lutero, eram os nobres cavaleiros Francisco de Sickingen e Silvestre de Schaumberg, além do principe Frederico da Saxénia. A sombra da tutela destes maiorais, podia Lutero desafiar qualquer autoridade” (pp. 466s). 5. Conclusio Como € notério, tem-se desenvolvido entre catdlicos e luteranos um didlogo sincero e fecundo. Aos 31 de outubro de 1999 foi assinado pela Igreja Catélicae a Federagao Luterana Mundial um acordo sobre a Justificagdo ou sobre a entrada do pecador na graga de Deus: é gratuita Tal afirmagdo é falsa: se ha acordo sobre a maneira como o peca- dor entra na graga, resta, entre outras, a questdo: A salvacdo ou a perse- veranga na graga até o fim requer boas obras (como dizem So Tiago e 08s catélicos) ou nde? As conversacées continuarao... Com a gracga de Deus. =e ' Na Boémia, Jodo Hus (1372-1415) havie levaniado a bandeira do nacionalismo anti-romano (N.d.R.). 252 Em debate: LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? Em sintese: O tema da Liberdade Religiosa formulado pelo Conci- lio do Vaticano Il na sua Dectlaracao Dignitatis Humanae tem servido de apoio a muitos catélicos para se opor ao magistério oficial da Igreja, pois julgam que o Concilio se afastou da linha doutrinaria classica da Igreja. Em vista disto, o presente artigo analisa a tematica, pondo em evidéncia o seguinte: Frente 20 agnosticismo liberal e racionalista do século XIX, a igreja, sob Gregorio XVI e Pio X, afirmou as obrigagdes da criatura para como seu Criador 6 Redentor (obrigagGes que chamariamos verticals). Frente, porém, 80S fotalitarismos perseguidores do século XX, Pio XI e Pio XII incutiram as dimensées sécio-civicas (horizontais) da Liberdade Religiosa. Ora estes dois aspectos complementares da verdade foram sintetizados pelo Concilio do Vaticano II: este quis mostrar @ inalienével dignidade natural da pessoa humana, que ndo pode ser violentada em questées de consciéncia; mas também incutiu a inutilidade da liberdade horizontal (frente as instituigdes civis é meramente humanas) se 0 ser humano no cuida de procurar a verdade; desfigura-se a pessoa se é negligente no tocante ao Fim Supremo ou ao sentido da sua vida; asse- melha-se ao viajante que sé pde a caminho, mas ndo se da ao trabalho de procurar saber qual o rumo que deve tomar. Sabe-se que um dos pontos de apoio de catélicos dissidentes que se opdem ao Coneflio do Vaticano II 6 a Declaragao conciliar Dignitatis Humanae (DH) referente a Liberdade Religiosa. Tida como expressdo @ incentivo do indiferentismo & do relativismo religiosos, é impugnada pe- los catélicos tradicionalistas. \mporta-nos, pois, ‘examinar atentamente a questao, comegando por considerar o conceito de Liberdade Religiosa e ‘os dados do problema como os tradicionalistas os formulam. Para tanto, valer-nos-emos do livro do Pe. Bertrand de Margerie S.J.: Liberté Religieuse et Régne ‘du Christ (Ed. du Cerf, 1988), que estuda exaustivamente a tematica, apresentando valioso documentario sobre a mesma. Perguntamo-nos antes do mais: 4. Que é Liberdade Religiosa? 4. Digamos primeiramente em termos negativos: 253 14 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 ~ Liberdade Religiosa nao é 0 direito de procurar ou nao Procurar a verdade, especialmente a verdade em matéria de religiéo. Ao contrario, 0 Concilio quis proclamar que todo homem tem obrigacdo, em conscién- cia, de procurar chegar ao conhecimento da verdade e, muito particular- mente, da verdade a respeito de Deus (existe Deus ou néo existe? Se existe, que disse Ele e que preceitua?). —.. Ndoéa Proclamagao de relativismo doutrinario, como se ver- dade e erro tivessem os mesmos direitos ou como se nao houvesse nor- ma objetiva da verdade. Todo homem esta, pois, obrigado diante de Deus a pesquisar a tespeito da verdade — e da verdade religiosa, Tendo-a encontrado, tem a obriga¢ao de a professar, rejeitando o erro. Tal dever decorre da prépria indole do ser humano, que é dotado de inteligéncia Precisamente para poder descobrir a verdade e viver Segundo a mesma, afastando-se do indiferentismo, do telativismo e do pessimismo doutrinario. 2. Positivamente, a Liberdade Religiosa 6 0 direito de pesquisar livremente a respeito de Deus e da sua Palavra e de Praticar livremente a teligio dai decorrente. A Liberdade Religiosa, Portanto, implica a ausén- cia de qualquer Constrangimento ou imposigo que, de fora para dentro, afete ou sufoque o relacionamento Pessoal da criatura com o Criador. Em sintese: todo homem 6 obrigado, em consciéncia ou por uma lei intrinseca, a Procuarr a Deus; mas essa Sua procura nao pode ser vio- lentada por alguma forma de coagao ou de lei extrinseca (proveniente de outros individuos, de grupos de pressdo ou de autoridade governa- mental), Tal 6, em poucas balavras, 0 conceito de Liberdade Religiosa pro- fessado pela Declaragao Dignitatis Humanae do Concilio. Para signifi- Percorramos agora as objegdes que so levantadas contra tal con- cepgao, 2. Os dados do Problema 2.1. Pio VI A problematica da Liberdade Religiosa comegou por ocasiao da Revolugao Francesa: aos 26/08/1789 foi Promulgada em Paris a Decla- ragdo dos Direitos do Homem. Esta, posta sob Os auspicios do Ser Supremo, reconhecia 0 direito dos cidaddos 4 religiao, concebendo, po- Fém, a religiao como uma opiniao subjetiva, individual; o ser humano era e@ntdo tido como “um Sujeito absoluto”. Ver 0 artigo 10°, que reconhecia ° 254 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 15 direito 4 religido, mas ao mesmo tempo impunha a tal direito os limites exigidos pela ordem publica. A Declaragao de Liberdade Religiosa assim formulada causou sus- peitas as autoridades eclesiasticas, pois era inspirada pela filosofia detsta’ ‘ou racionalista dos membros da Revolugdo Francesa; entre estes acha- va-se Jean-Jacques Rousseau (t 1778), autor do Contrato Social, que muito contribuiu para a elaboragéo do lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. — Tais idéias, como eram concebidas pelos seus imedia- tos arautos, tinham significado anticristdo. A propria atuagao da Revolu- gao Francesa, que perseguiu sangrentamente os cristéos fiéis, concor- reu para tornd-las ainda mais suspeitas; na base da Declaragao dos Di- reitos do Homem de 1789 foi redigida a “Constituigéo Civil do Clero”, que tentava dilacerar a Igreja. Diante de tais documentos e fatos, 0 Papa Pio VI, aos 10/03/1791, condenou “a liberdade absoluta, estabelecida como um direito do ho- mem na sociedade, que nao s6 garante ao cidadéo 0 direito de nao ser perturbado no tocante as suas opinides religiosas, mas que outorga tam- bem a autorizacao de pensar, dizer, escrever OU mesmo imprimir impu- nemente em matéria de religido tudo o que a imaginagdo mais desregra- da possa sugerir. Tal direito monstruoso parece & Assembiéia Nacional resultar da igualdade e da liberdade naturais concedidas a todos os ho- mens” (Breve Quod Aliquantum). Como se vé, em tal Breve Pio VI condenou o liberalismo absoluto (desligado da fonte de todos os direitos, que ¢ Deus) € 0 relativismo reli- gloso; nao se referiu ao artigo 10° da Declaracdo dos Direitos do Ho- mem, que impunha certos limites 4 Liberdade Religiosa, exigidos pela ordem publica. 2.2. Gregério XVI Em 1832, 0 Papa Gregorio XVI, na Enciclica Mirari vos voltou 20 assunto, tendo a experiéncia dos frutos das idéias revolucionérias desencadeadas pela Enciclopédia Francesa. Condenou entao “o indiferentismo, opiniao perversa segundo a qual se poderia adquirir a salvagao eterna mediante qualquer profissao de fé, desde que os costu- mes sejam retos & honestos”. Esse indiferentismo era, para © Papa Gregério XVI, a fonte da liberdade de consciéncia ou da liberdade de opiniao “plena e sem limites”; essa liberdade ilimitada era tida como de- lirio. Com outras palavras: 0 Papa condenou a teoria segundo a qual “os cidadaos tém direito a plena liberdade (omnimodam libertatem) de mani- _—_——_—_—_—__—_ 1 Deismo 6 a escola que professa Deus conhecido exclusivamente a luz da razéo, prescindindo da Revelagdo Biblica ou sobrenatural. 255 16 “PERGUNTE E RESPONDEREMO: 16/2005 festar alta e publicamente as suas opinides, quaisquer que sejam, pela Palavra, pela imprensa ou de qualquer outro mado, sem que a autoridade eclesiastica ou civil a possa limitar”. De modo especial, Gregério XVI numa Enciclica Posterior, de 07/ 07/1834 (Singulari vos), condenou o pensamento de Robert de Lammenais (t 1854), que queria “estabelecer pela violéncia a liberdade absoluta de opiniao, de discurso e de consciéncia...”. “A confirmagao de eros t&o graves, dizia o Papa, o autor faz servir os ensinamentos do préprio Deus”. Constituia o humanitarismo liberal, hostil ao sobrenatu- ralt, E de notar que em ambas as Enciclicas Gregorio XVI quis conde- nar a liberdade incondicional e irrestrita; sempre que se referiu a liberda- de de consciéncia e de opiniao, acrescentou-lhe um adjetivo, como imoderada. 2.3. Pio IX Em 1864 0 Papa Pio Ix retomou a doutrina de Gregorio XVI na sua Enciclica Quanta Cura e no Syllabus. Da primeira seja citado 0 seguinte trecho: “A partir da idéia totalmente falsa de governar a Sociedade humana sem levar em conta a teligigo, muitos nao receiam favorecer a opiniéo errénea e funesta para a lgreja Catdlica e para a salvacao das almas, opinigo que Nosso predecessor chamou delirio, segundo a qual a liber- dade de consciéncia e de culto é um direito que toda Sociedade devida- mente estabelecida deveria Proclamar e proteger mediante a lei”. E de notar que o texto de Gregério XVI citado Por Pio IX prosseguia explicando que delirio 6 conceder plena liberdade a qualquer opiniao, sem que a autoridade eclesidstica ou civil a possa limitar. Em ambos os casos tanto Gregério XVI como Pio IX quiseram condenar a tese do ——____. ‘Bis alguns tracos do pensamento de Lammensis, extraidos do jornal L’Avenir, fun- dado por este fildsofo em Colaboragao com Montelembert ¢ Lacordaire: “A censura dos livros e dos escritos pode ser exercida Pela Igreja? Nao” (L’Avenir n° 239, 12/06/1831, col. 5). “A Igreja no pratica a censura preventiva, nem o poderia, moratmente falando, sem desdizer 0s seus costumes @ a8 suas tradigdes de dezoito séculos" (ib, n° 261, 03/07/1831, cot. 8 e 9). Tais proposig6es foram condenadas, visto que desde os tempos de S. Paulo a Igreja sabe que the foi confiado 0 bom depésito da 16 para que ela o guarde incétu- me: “Guarda o bom depésito, Timdteo, evita o Palavreado vao e impio e as contesta- gdes de uma falsa ciéncia, pois alguns, Professando-a, se desviaram da f6" (1Tm 6, 20s). 256 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 17 racionalismo, segundo a qual a consciéncia de cada individuo nao esta sujeita a algum critério superior, muito menos... 4 Lei de Deus. No Silabo' foram rejeitadas as proposigdes seguintes: “A razéo humana nao esta obrigada a fevar em consideragao Deus, ela é a sua propria lei” (n° 3). “Todas as verdades da religido derivam-se do acume nativo da ra- zdo humana; por conseguinte, a razdo 6 a regra soberana segundo @ qual o homem pode e deve adquirir o conhecimento das verdades de qualquer espécie” (n° 4). “E licito a cada um abracar e professar a religiao que julgar verda- deira de acordo com as luzes da razao” (n° 15). “Os homens podem enconirar o caminho da salvagdo eterna e ob- ter a salvagao eterna na pratica de qualquer religiao”. “Em nossa época, ja nao 6 util que a religiao catdlica seja conside- rada como a unica religio do Estado, com exclusdo de todo outro culto. Por isso é com razéo que, em alguns paises catélicos, a lei prevé que os estrangeiros 14 residentes gozem do exercicio ptiblico de seus cultos pro- prios” (n° 77 e 78). Como se vé, 6 condenada a autonomia absoluta da razdo, da qual se derivariam o relativismo e 0 indiferentismo religiosos. Foi, pois, em vista da interpretagdo racionalista que os Papas rejeitaram a fiberdade religiosa. O auténtico significado do pensamento de Pio IX foi formulado pelo Bispo de Orledes, Mons. Dupanloup, num escrito que, aos 26/01/1865, comentava a Enciclica Quanta Cura e 0 Syllabus: “© Papa condena o indiferentismo religioso, esse absurdo que de todos os lados e em todas as tonalidades nos é incutido hoje em dia, a saber: o Evangelho ou 0 Alcoréo, Buda ou Jesus Cristo, o verdadeiro eo falso, o bem e o mal, tudo é igual... Condenara indiferenga em matéria de religigo nao é condenar a liberdade politica dos cultos”. Ora Pio IX, aos 4/02/1865, respondeu elogiosamente a Mons. Dupanloup, dizendo: “Reprovastes tais erros no sentido em que Nos mesmos Os repro- vamos... Estals em condigdes de transmitir aos vossos fiéis 0 nosso au- ——__—- ' Coleténea de proposigées erréneas colhidas no pensamento do século XIX @ con- denadas por Pio IX. 257 18 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS'" 516/2005 t6ntico pensamento pelo fato mesmo de terdes refutado energicamente as interpretagées erréneas do mesmo” (0 texto de Pio IX encontra-se na Sua integra latina no estudo de R. Aubert: Mgr Dupantoup et le Syllabus, em Revue d'Histoire Ecclésiastique, Louvain 51, 1956, p. 913). 2.4, Ledo XIII No fim do século XIX o Papa Ledo XII! publicou duas Enciclicas Sobre as “liberdades modernas”: a Immortale Dei e a Libertas. Destes documentos depreende-se que o Pontifice tinha em vista condenar: a) a liberdade de consciéncia individual, entendida como o direi- to de seguir uma Proposi¢cao prépria em matéria religiosa, em vez de se Procurar e seguir a verdade revelada por Deus; b) a liberdade de opiniao, decorrente da tese de que todas as doutrinas religiosas tm o mesmo valor ou nenhuma certeza é possivel em materia religiosa; ¢) a absoluta liberdade de Propaganda, segundo a qual a verda- de religiosa (suposto que seja possivel conhecé-la) 6 um bem meramen- te individual e privado, que néo pode ter significado e valor Para a socie- dade como tal. A verdade e o bem gozam de direitos que n&o tocam ao erro é ao mal. Diz textualmente S. Santidade: "O direito 6 uma faculdade moral e, como dissemos e Jamais diremos em demasia, seria absurdo crer que ele compete naturalmente, sem distingao nem discernimento, a verdade e a mentira, ao bem e ao mal” (Enciclica Libertas n° 16). Positivamente afirmava Leéio XIII: “Pode-se entender a liberdade de consciéncia no sentido de que o homem possui, na Sociedade, o direito de Seguir, segundo a consciéncia do seu dever, a vontade de Deus e cumprir os seus preceitos sem que algo 0 possa impedir. Esta liberdade, a verdadeira liberdade, a liberdade digna dos fithos de Deus, que Protege téo gloriosamente a dignidade da pessoa humana, esté acima de toda violéncia e de toda opressao; ela sempre foi objeto dos anseios e da especial estima da Igreja” (Enc. Libertas DS 3150). Estas palavras de Ledo XIII estéo muito proximas dos termos de DH: firmam a dignidade da Pessoa humana, a independéncia da consci- Encia do individuo frente ao Estado, o direlto de seguir o ditame que esta consciéncia propée, sem sofrer constrangimento. Em suma, o exame atento dos textos de Pio VI, Gregério XVI, Pio IX e Ledo XIII mostra que estes Papas nao quiseram condenar a liberda- de interior ou espiritual de que todo homem goza em matéria religiosa. A 258 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 19 Igreja sempre afirmou que a fé ndo se impée pela forca; a fé é livre, a adesdo & verdade de Deus deve nascer do corag&o do homem sob a luz da inteligéncia convencida do que professa, e assistida pela graga de Deus; a fé nao pode ser incutida de fora para dentro. Os Papas do século XIX tiveram em mira os motivos atras aduzidos para fazer restrigdes a liberdade absoluta; tais eram o indiferentismo religioso e 0 racionalismo, sistemas estes que ignoravam (e ignoram) o carater objetivo das verda- des reveladas por Deus, negavam (¢ negam) o valor absoluto, a univer- salidade e a necessidade dessas verdades para a salvagao do homem e © bem-estar da sociedade objetivamente (ou em si mesmos) considera- dos; enfim, negavam (e negam) também que os individuos e as socieda- des possam chegar ao conhecimento de tais verdades. Examinemos agora a evolugdo da histéria no século XX. 3. Os totalitarismos do século XX Vimos que no século XIX os Papas combatiam o liberalismo, que deixava ao Estado e aos cidadaos plena liberdade de opinio, sem refe- réncia & Lei de Deus. No século XX, porém, deu-se um fenémeno novo: apareceram sis- temas sécio-politico-econdmicos que puseram em pratica o contrario do liberalismo, a saber: 0 totalitarismo; o Estado seria o unico sujeito pensante auténomo; os cidaddos deveriam configurar-se ao modo de pensar do Governo. Tais foram o caso do comunismo, que desde 1917 passou a dominar a Russia; o caso do fascismo, atuante no govemo da Italia des- de 1922, 6 0 do nacional-socialismo, forte na chefia da Alemanha a partir de 1933. Aos stiditos foi imposta coagao para que pensassem e vives- sem segundo as normas do Estado, que no comunismo é€ no nacional- socialismo era contrario aos principios da fé catdlica. Tal nova ordem de coisas levou especialmente o Papa Pio XI a proclamar a liberdade do ser humano no tocante ao seu modo de pensar e viver. Em 1937 publicou S. Santidade a Enciclica Divini Redemptoris, que condenava a sufocagao da liberdade individual e coletiva por parte do comunismo. No mesmo ano escreveu a Enciclica Mit brennender Sorge contra o hitlerismo, da qual vai aqui extraido o seguinte tépico: “O ser humano como pessoa possui direitos que ihe vém de Deus e que devem permanecer fora de toda negagao, privag&o ou entrave por parte da sociedade” (A.A.S. 29, 1937, p. 159). Por conseguinte, o fiel possui inalienavel direito a confessar a sua é e a pé-la em pratica segundo os meios oportunos. As leis que impe- dem ou tornam dificeis a confisséo da fé e o seu exercicio estao em contradigao com a lei natural. 259 20 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 516/2005 Mais: Pio Xt! distinguiu entre liberdade das consciéncias e liber- dade de consciéncia. Rejeitou esta tiltima formula como equivoca, por- que geralmente utilizada nos sistemas laicistas para designar “a absoluta independéncia das consciéncias, 0 que é absurdo para o homem criado @ resgatado por Deus”. Pio XI, porém, reconheceu como valida “a liber- dade das consciéncias", afirmando que “travava com alegria e garbo o bom combate em pro! da liberdade das consciéncias’ (Non abbiamo bisogno, A.A.S. 1931, pp. 301s). O Papa Pio XI, ao declarar tais coisas, nao tencionava derrogar as sentengas de seus antecessores, mas apenas desenvolvia a genuina doutrina catslica dentro das circunstancias que os regimes totalitarios da época apresentavam. S&o palavras de Pio Xt: “O que Pio X condenou, Nés 0 condenamos também. Todas as vezes que laicidade implica um sentido ou um proposito hostil a Deus e 4 religiao, N6s a rejeitamos de modo absoluto e declaramos abertamente que deve ser recusada” (Maximam gravissimamque, A.A.S. 16, 1924, p. 10). Nos decénios seguintes, o Papa Pio XI! viu-se obrigado a reafirmar a liberdade do individuo para crer, lembrando, coma Tradig&o cristé, que a fé n&o pode ser imposta: “Se desejamos que suba a Deus a suplica comum de todo o Corpo Mistico a fim de que todas as oveihas errantes se encontrem quanto an- tes no Unico aprisco de Jesus Cristo, decleramos que é absofutamente necessario que isto se faga livremente e com plena espontaneidade, pois ninguém tem fé sem o querer. Els por que, se ha alguns que, sem ter [6, séo constrangidos a entrar no edificio da Igreja, a aproximar-se do altar e receber os sacra- mentos, esses, sem divida, nao se tomam verdadeiros cristdos; a fé deve ser uma livre homenagem da inteligéncia e da vontade” (Enciclica Mystici Corporis Christi, A.4.S. 35, 1943, DS 3822). Considerando os regimes ditatoriais da sua época, lembrava Pio XII: “Proteger os direitos inviolaveis dos homens e vigiar para que cada um possa cumprir facilmente suas obrigagées, 6 o dever fundamental de todo poder publico” (Radio-mensagem de 1706/1941, A.A.S. 33, 1941, p. 200). Sempre em vista dos totalitarismos politicos do século XX, o Papa Jodo XXIII afirmou na Enciclica Pacem in Terris: “Todo ser humano tem direito ao respeito da sua pessoa..,, a liber- dade na procura da verdade, na expressdo e na difusdo do pensamen- 260 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 2 to... desde que as exigéncias da ordem moral e do bem comum sejam salvaguardadas” (Parte |). $&o estes alguns tragos marcantes do ensinamento da Igreja no s@culo XX frente as ideologias totalitarias atéias, que representavam um elemento inédito na histéria da humanidade. Passemos agora ao texto do Concilio do Vaticano {1 (1962-65). 4. A Declaragao conciliar sobre a Liberdade Religiosa 4.1, Preliminares © Concilio do Vaticano {1 (1962-65) reuniu-se para estudar os gran- des desafios que se punham & Igreja em meados do século XX. Entre outros, havia o que resultava de duas séries de pronunciamentos papais devidos a sucessivas fases da historia: os que condenavam o liberalismo relativista, racionalista, defsta dos séculos XVIIVXIX, @ os que rejeitavam 0s totalitarismos sufocantes da liberdade no século XX. Em conseqiién- cia, numerosos Bispos conciliares pediram insistentemente que o Conci- lio se pronunciasse sobre os direitos do homem, procurando fazer a sin- tese de quanto fora até entao dito na Tradigao recente da Igreja; seriam assim denunciados os exageros tanto de um lado como do outro. As ra- z6es aduzidas pelos peticionarios eram as seguintes: 4) Imperativo da verdade: A Igreja deve ensinar a defender o di- reito a liberdade religiosa, pois se trata, em ultima analise, da verdade cuja guarda foi por Cristo confiada a Igreja. 2) Razdo de defesa: A Igreja nao pode calar-se quando perto da metade dos homens se vé privada da liberdade religiosa por obra do materialismo ateu de diversos tipos. 3) Razio de coabitagao pacifica: Hoje em todos os paises do mundo existem pessoas religiosas e outras sem religido; nao obstante, $40 chamadas a viver em paz numa Unica sociedade humana; a Igreja, guiada pela luz da verdade, deve indicar os termos que facilitem essa coabitagao. 4) Razao apologética: Grande numero de nao catdlicos julgam ou suspeitam que a Igreja é maquiavélica. Com efeito; afirmam que ela exi- ge 0 livre exercicio da religido quando os catdlicos sao minoria num pais, mas recusa essa liberdade quando os catélicos séo majoritarios. Como se vé, era inevitavel que o Concilio, para gozar de autorida- de e respeito frente ao grande publico, enfrentasse a delicada questao da liberdade religiosa. Isto foi feito por etapas, através de reflexdes e debates que visavam a considerar as diversas facetas do assunto. 261 22 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 516/2005 4.2. O teor da Liberdade Religiosa A Declaracao Dignitatis Humanae, que resultou desse prolonga- do estudo, incorpora tanto a condenagao do liberalismo relativista quanto a do totalitarismo sufocador. Com efeito, logo no seu inciso n° 1 o Conci- lio rechaga qualquer forma de relativismo: “Professa em primeiro lugar o Sacro Sinodo que 0 préprio Deus ma- nifestou ao género humano 0 caminho pelo qual os homens, servindo a Ele, podem salvar-se e tornar-se felizes em Cristo, Cremos que essa tinica verdadeira Religido subsiste na Igreja Catélica e Apostélica, a quem o Se- nhor Jesus contiou a tarefa de difundi-la aos homens todos, quando disse aos Apéstolos: ‘de, pois, e ensinai os Povos todos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo, ensinando-thes a guardar tudo quan- to vos mandei’ (Mt 28, 19-20). Por sua vez, estéo os homens todos obriga- dos a procurar a verdade, sobretudo aquela que diz respeito a Deus e a Sua Igreja e, depois de conhecé-la, a abragd-la e a Pratica-la... Continua integra a tradigao doutrinéria catélica sobre o dever moral dos homens e das sociedades em relagdo a verdadeira e a Unica Igreja de Cristo”. “Verdadeira religido, unica Igreja" so nogdes muito contrarias as do liberalismo do século XIX. Todo homem esta, pois, obrigado diante de Deus e da sua consciéncia a Procurar a verdade religiosa revelada pelo préprio Deus e subsistente na \greja Catdlica, mas deve fazé-lo sem co- acdo extrinseca (fisica, moral ou juridica). Por isto o subtitulo da Declara- Gao DH explicita sabiamente: “A respeito do direito da pessoa e das co- munidades a liberdade social e civil em matéria religiosa’. E, pois, no foro social e civil, nao de modo absoluto nem no foro intimo da consci&n- cia, que vigora a Liberdade Religiosa. Notemos que Pio VI, Gregério XVI @ Pio IX negavam essa liberda- de tal como era apregoada pelos racionalistas e relativistas: estes a fun- damentavam no individualismo inconsistente e voldivel dos cidadaos, fa- Zendo do individuo a regra suprema do comportamento humano. Ao con- trario, 0 Concilio do Vaticano I fundamenta essa liberdade no fato de que todo homem é chamado por Deus a se ultrapassar e realizar plenamente em Deus e deve dar este passo de maneira livre, humana, inteligente; todo homem tem o direito natural de Proceder com liberdade, especial- mente por ocasiao das grandes decisdes da sua vida. E 0 que 0 Concilio declara num texto denso (n° 2), do qual cada Palavra merece ser especialmente ponderada: “E postulado da propria dignidade, que os homens todos = por se- rem pessoas, isto 6, dotados de razéoe de livre arbitrio e Por isso enaitecidos com a responsabilidade pessoal ~ se sintam Por sua natureza impelidos e moralmente obrigados a procurar a verdade, sobretudo a que concerne a 262 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 23 religido. Sdo obrigados também a aderir 4 verdade conhecida e a ordenar toda a vida segundo as exigéncias da verdade. Nao podem, porém, satis- fazer a essa obrigagéo de maneira consentanea 4 propria natureza a ndo ser que gozem de liberdade psicolégica junto com a imunidade de coagéo externa. Nao é, pois, na disposigao subjetiva da pessoa, mas na sua mes- ma natureza que se funda o direito a liberdade religiosa”. HA, pols, uma reciprocidade entre liberdade religiosa e obrigagao de procurar a verdade religiosa, como notava o Bispo Mons. Ancel, Auxi- liar de Lido durante o Coneilio: “Nao soniente néo ha oposicdo entre liberdade religiosa e obriga- go de procurar a verdade, mas a liberdade religiosa se fundamenta so- bre esta obrigag&o mesma e a obrigagao de procurar a verdade postula a liberdade religiosa”. ALLiberdade Religiosa implica, portanto, séria responsabilidade da pessoa diante de Deus. 4.3. E a fungao do Estado? Ao Estado 6 licito professar oficialmente alguma confissao religio- sa. Existem hoje Estados muguimanos no mundo, como existem Esta- dos catélicos. Todavia nao se pode admitir que o Estado faga discrimina- gdo entre os cidaddos por motivos de crenga, restringindo fisica ou juridi- camente a Liberdade Religiosa dos mesmos. O Estado nao deve legislar em matéria religiosa confessional a nao ser que corra perigo a justa or- dem piblica. S4o’palavras de Ledo XIillem 1885: “Deus distribuiu 0 governo do género humano enire dois poderes: a Igreja, encarregada das coisas divinas; o Estado, encarregado das coi- sas humanas” (Enc. Immortale Dei). “A sociedade civil, instituida para a utilidade de todos, deve promo- ver @ prosperidade ptibica, cuidando nao somente de nao perturbar os cidadaos em coisa alguma na obtengao do Bem Supremo Imutavel, ao qual aspiram, mas também facilitando de todo mado a consecugao desse Fim’ (ib.). “Uma sociedade civil que sufocasse as sociedades particulares, atacaria a si mesma, pois todas as sociedades tém sua origem no mesmo principio, ou seja, na natural sociabilidade dos homens” (Enc. Rerum Novarum, A.A.S. 23, 1891, pp. 661-665). Pio XII, no Natal de 1942, acentuou o conceito: “© Estado deve estar a servigo da sociedade no respeito absoluto da pessoa humana e da sua atividade em vista da sua finalidade eterna” (AAS. 35, 1943, p. 22). 263 24 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 Tal conceito de Estado esta longe de ser laicista ou liberal, como nota 0 Cardeal Pavan: “O modelo do Estado ao qual 0 documento (DH) se refere, no é laicista nem neutro; é, ao contrario, um Estado que julga ser seu dever e Seu direito desenvolver uma atividade Positiva frente 4 crenca religiosa, mas de modo correspondente a sua indole propria. Primeiramente, uma Protegdo eficaz do direito & liberdade em matéria religiosa toma menos dificil aos cidadéos o cumprimento de seus deveres religiosos; € isto nao pode deixar de ser positivo para a verdade. Sim; aqueles que aderem 4 verdadeira religio, tém assim a possibilidade de a professar e difundir; e aqueles que estao no erro, tém a ocasiao de o descobrir, mas de modo correspondente a sua dignidade e 4 natureza da relag&o que existe entre a pessoa e a verdade; isto implica descobrir a verdade sob a luz da verdade € nao por motivo de pressées extemas” (La Liberté Religieuse, pp. 187s). O proprio S. Tomés de Aquino (¢ 1274) sustenta a doutrina que distingue a finalidade do Legisiador Divino da do legislador humano: “A finalidade da lei humana e a da lei divina nao se confundem. A lei humana tem por objetivo a tranqiiilidade da sociedade no tempo pre- sente; a lei atinge esta meta retreando os atos exteriores na medida em que a maldade pode perturbar a paz da sociedade. Mas a finalidade da lei divina é levar o homem ao seu termo supremo ou a felicidade eterna... A lei humana contenta-se com impedir o que tornaria impossivel a vida em sociedade; as outras coisas, ela as trata como licitas, nao porque as aprove, mas porque n&o as pune. Mas a tei divina nao deixa impune o que quer que contrarie a virtude” (Suma Teolégica //i qu. 98, art. 1; 95, 1; WE 77, 11), Visto que 0 exercicio da religiéo consiste, antes do mais, em atos interiores voluntarios e livres, pelos quais o homem se volta diretamenite para Deus, tais atos néo podem ser nem impostos nem proibides por algum poder meramente humano. “Os alos religiosos, pelos quais os homens se relacionam por inti- ma convicgao, em particular e em piiblico, com Deus, transcendem pela propria natureza a ordem terrestre e temporal das coisas. Por isso, o poder civil, cujo fim proprio é velar pelo bem comum temporal, deve, é claro, reconhecer a vida religiosa dos cidadéos e favorecé-la, mas hé de ver-se acusado de exceder os limites, caso presumir orientar ou impedir alos religiosos” (n° 3). S. Tomas vai mais longe ainda: baseando-se em Sao Paulo (Rm 14, 22s; 1Cor 8, 7-13), afirma que “todo homem tem obrigagao de agir conforme os ditames de sua consciéncia, mesmo quando esta Ihe pre- 264 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 25 __LBERDADE RELIC eee ceitua um ato intrinsecamente mau" (Super Epistulas S. Pauli Lectura, § 1120, sobre Rm 14, 14). Isto quer dizer: a consciéncia candida, sincera e de boa fé obrigao. sujeito a agir, mesmo quando esteja inculpadamente errénea. E por isto que a Declaragdo DH observa que @ Liberdade Religiosa é direito também daqueles que erram: “O direito a essa imunidade conti- nua a existir, ainda para aqueles que nao satisfazem a obrigagao de pro- curar a verdade e de a ela aderir, Seu exercicio nao pode ser impedido, contanto que se preserve a justa ordem publica” (DH n° 2). Apreservagao da justa ordem piiblica.., Tal é 0 limite que © Estado pode e deve opor ao exercicio da Liberdade Religiosa; ver DH n°7: “Como a sociedade civil, além disso, possui 0 direito de proteger- se contra abusos que possam surgir sob pretexto de liberdade religiosa, pertence sobretudo ao poder civil garantir tal protegéo. Ha de faz6-lo po- rém nao de modo arbitrario, ou, quem sabe, com favoritismo injusto para uma parte, mas segundo normas. juridicas, de acordo com @ ordem moral objetiva, normas que se requerem: para a eficaz tutela dos direitos em favor de todos os cidadéos e de uma composi¢do pacifica de tais direitos; @ ainda para a promocaéo adequada daquela honesta paz publica que 6a convivéncia ordenada na verdadeira justiga; e também para a devida pro- tegao da moralidade publica. Tudo isso constitui parte fundamental do bem comum é cai sob a nogéo de ordem publica”. Pée-se agora uma questao: 5, Que valor doutrinario toca a Declaragéo DH? Ha quem diga que nem os Papas Pio VI, Gregério XVI, Pio IX nem © Goncilio do Vaticano II proferiram definigées ex-cathedra ou solenes ao tratar da Liberdade Religiosa. Por isto ficaria a critério de cada fiel catélico pensar o que quisesse a respeito; especialmente estaria, em consciéncia, livre para ndo aceitar a Declaragéo DH. Tal conclusdo seria errénea. Com efeito; os Papas citados nao fa- laram como mestres particulares para comunidades privadas, mas fala- rama toda a Igreja como Pontifices. Os seus documentos fazem parte do magistério auténtico do Sumo Pontifice, ao qual se deve prestar “um as- sentimento religioso da vontade e da inteligéncia... uma adesao sincera” (cf. Lumen Gentium n° 2). $40 Roberto Belarmino julga que, segundo Lc 22, 32, Jesus obte- ve, por sua oragdo em favor de Pedro e seus sucessores, a graga de jamais ensinar algo contra a verdadeira fé, e acrescenta: “Pelas palavras ‘Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas’ (Jo 21, 15s), 265 26 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” §16/2005 Pedro foi constituido Pastor e Doutor de toda a Igreja; Por conseguinte, a Igreja inteira deve escutd-lo e segui-lo; portanto, se ele erra, toda a Igreja erra” (De Romano Pontifice IV 3). Eclaro que neste raciocinio nao se considera o Papa como mestre privado, mas, sim, como doutor publico da Igreja universal, mesmo que ele no defina Proposigées ex-cathedra. E muito Pprocedente e sabio o atrazoado de So Belarmino. Ora verifica-se que os Papas do século XIX, ao condenar 0 libera- lismo, 0 fizeram com insisténcia e mediante documentos de peso, que $40 as Enciclicas. Por conseguinte, as suas afirmagédes merecem acato; $80 pronunciamentos do magistério ordinario da Igreja. Pelos mesmos motivos deve-se dizer que varios Papas e um Con- cilio Ecuménico no século XX, ensinando a respeito da liberdade da pes- soa humana, mesmo sem explicitar o carater solene de suas afirmagées, gozaram da assisténcia infalivel do Espirito Santo. ~ Nao se poderia ima- ginar que tenham arrastado a Igreja inteira para o erro num setor téo importante. Por conseguinte, o Concilio do Vaticano II nao renegou as declaragdes dos papas do século XIX; ao contrario, completou-as, acres- Centando-lhes proposigées decorrentes da experiéncia da Igreja no sé- culo XX. O préprio texto da Declaragéo DH comega afirmando que o Concilio “perscrutou a Sagrada Tradig&o e doutrina da Igreja, tirando dai Colsas novas sempre de acordo com as verdades antigas” (n° 1). Paulo VI, alids, aos 12/01/1966, um més e Pouco apés a Promulgagao de DH (7/1 2/1965), proferiu as ‘seguintes palavras numa audiéncia geral: “N&o devemos dissociar os ensinamentos do Concitio do patriménio doutrinério da Igreja; mas, antes, ver como se inserem neste, como so coerentes com este e comoo seu Contetido ven a ser, para este patriménio, um testemunho, um desenvolvimento, uma explicagao, uma aplicagao, Entao, até as novidades doutrindrias do Concilio... deixar&o de provocar objegées referentes a fidelidade da igreja & sua misséo de ensinar. Por conseguinte, afastar-se-lam da verdade aqueles que julgas- sem que, frente ao ensino tradicional da Igreja, 0 Conctlio significa uma separagao, uma ruptura ou mesmo, como dizem alguns, uma emancipa- Donde se vé que as declaragées conciliares referentes a Liberdade Religiosa tm 0 peso do magistério ordinario da Igreja, & qual o Espirito 266 LIBERDADE RELIGIOSA E INDIFERENTISMO? 27 Santo presta sua assisténcia, para que néo erre e para que possa merecera adesao fiel de todos os catélicos. Afirmou 0 Concilio do Vaticano | em 1870: “Fide divina et catholica ea omnia credenda sunt quae in verbo Dei scripto vel tradito continentur et ab Ecclesia sive solemni iudicio sive ordinario et universali magisterlo tamquam divinitus revelata credenda proponuntur. Com fé divina e caidlica devem-se crer todas as proposigées conti- das na Palavra de Deus escrita ou oral e propostas como reveladas por Deus e dignas de fé pelo magistério da Igreja, quer em definigao solene, quer pelo seu magistério ordinario e universal” (DS 3011). Em sintese: frente ao agnosticismo liberal e racionalista do século XIX a Igreja de Gregério XVI @ Pio IX afirmou as obrigagoes (verticais) da criatura para com 0 seu Criador e Redentor. Frente aos totalitarismos perseguidores do século XX, Pio XI € Pio XII incutiram as dimensées sécio-civicas (horizontais) da Liberdade Religiosa. Ora estes dois as- pectos complementares da verdade foram sintetizados pelo Concilio do Vaticano Il: este quis mostrar a inalienavel dignidade natural da pessoa humana, que nao pode ser violentada em quest6es de consciéncia; mas também incutiu a inutilidade da liberdade horizontal (frente as institui- gées civis e meramente humanas) se o ser humano nao cuida de procu- rar a verdade; desfigura-se a pessoa que é negligente no tocante ao Fim Supremo ou ao sentido da sua vida; assemelha-se a0 viajante que se pée a caminho, mas nao cuida de saber qual o rumo que deve tomar. 6. Conclusao Verifica-se, num estudo mais exato, que os textos da Igreja atinentes & Liberdade da pessoa humana nao se contradizem; apenas poem em relevo aspectos parciais do mesmo tema sugeridos pelas circunstancias de cada época. Quem 0 percebe, nao tem dificuldade em fazer a sintese harmoniosa da doutrina. Seria descabido crer que o Senhor Jesus tenha abandonado a sua Igreja, permitindo que um Concilio, como 6rgéo do magistério ordinario da Igreja, caisse em graves erros de doutrina ou de Moral. Aqueles a quem custa aceitar os ensinamentos do Concilio, tem a possibilidade de um exame objetivo e sereno das sucessivas declaragoes da Igreja, em virtude do qual percebera que nao ha contradi¢ao. Mais: resta-lhes ainda 0 que é mais importante: a fé no Senhor Jesus € nas suas promessas de assisténcia infalivel por Ele feitas 4 sua Igreja. A fé em Jesus Cristo é inseparavel de atitudes concretas decorrentes da adesdo ao Senhor. — E de esperar que os irm&os tradicionalistas, cujas boas intengdes sao ine- géveis, percebam a plena verdade e se abstenham de seguir rumos de- sastrosos para a causa que precisamente eles tanto amam. 267 Contestado o Ministério: ABORTO POR ESTUPRO O Prefeito César Maia baixou um decreto que contradiz a norma do Ministério da Saude e por isto merece especial consideragao. Abaixo seguem-se 0 texto do decreto e seus antecedentes. 1. O Decreto DECRETO N° 26123 DE 11 DE MARCO DE 2005 Dispée sobre servicos médicos nas unidades de satde do Munici- pio do Rio de Janeiro. O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuig6es legais; considerando a norma do Ministério da Satide divulgada amplamente pela imprensa; considerando os riscos de grave afetagao a norma juridica vigente; DECRETA Art. 1° As unidades de sauide da rede municipal ndo acataréo a norma técnica do Ministério da Saude que autoriza os servicos médicos a reali- Zarem abortos em casos hipotéticos de estupro, sem a necessidade de apresentagao de registro de ocorréncia policial, Art. 2° O descumprimento deste decreto implicaré responsabilidades le- gais relativas. Art. 3° Este Decreto entra em vigor na data de sua publicagao. Rio de Janeiro, 11 de margo de 2005 — 441° ano da fundagao da Cidade. CESAR MAIA 2. Os antecedentes O Codigo Penal brasileiro, em seu artigo 128, isenta de qualquer Sango a mulher que efetue aborto em caso de estupro e em perigo de vida. Esta despenalizagao néo quer dizer que o aborto em tais casos deixe de ser crime. E sempre crime, mas nos dois casos apontados a autora do crime nao 6 punida, porque jé se acha bastante traumatizada pelo estupro ou pelo perigo de vida. Algo de andlogo ocorre quando um filo rouba do pai: nao é punido, pois ele e os seus j4 estéo assaz pena- lizados pela ocorréncia de um crime em familia. 268 ABORTO POR ESTUPRO 29 Valendo-se do citado artigo 128, o Ministério da Saude baixou em dezembro de 2004 uma Norma segundo a qual “a mulher, [em caso de estupro], ndo é obrigada a registrar queixa na policia; o médico deve atender-Ihe do mesmo jeito. Caso depois se constate que a gravidez nao havia sido resultado de violéncia sexual, diz a Nota, o médico nao podera ser punido, uma vez que agiu com base em informagées que legalizavam a pratica do aborto”. Com esta nova Norma, anunciada pelo Ministério da Saude, 0 aborto poder ser livre e indiscriminadamente praticado em todo o pais, apesar de continuar formalmente sendo um crime previsto no Cédigo Penal. Efe- tivamente, de acordo com a nova Norma, basta a mulher declarar que foi estuprada, para ter direito a abortar seu filho. Assim sendo, qualquer médico que pratique abortos clandestinamente, podera alegar em sua defesa que as mulheres todas que 0 procuraram para fazer aborto afir- maram ter sido estupradas. Mesmo que o proprio médico reconhega a improbabilidade de que vinte ou mais mulheres que o procurem diaria- mente tenham realmente sido estupradas, ele podera alegar simples- mente que a Norma Técnica do Ministério da Satide o obriga a acreditar nelas sem necessidade de nenhum outro questionamento. Uma vez aceita esta situagdo pela sociedade e pelo ordenamento juridico brasileiro, o préximo passo seria a imediata legalizagéo do aborto, que @ o que se pretende de fato. E a esta situagao que o decreto de César Maia deseja opor-se. De resto, o Supremo Tribunal Federal houve por bem lembrar ao Ministério da Sadde que o Poder Executivo nao possui a faculdade de legislar, dado que esta compete ao Legislativo. IGREJA CONSERVADORA E PROGRESSISTA Ojornal © GLOBO, aos 10/04/05, publicou a seguinte Carta de leitor: “Sé existem duas instituig6es milenares no Ocidente: a Igreja Catéli- ca e a universidade, esta prestes a completar seu primeiro milénio, mas somente a Igreja é bi-milenar. Ter sobrevivido durante tanto tempo e ainda continuar tendo importéncia e influéncia indubitaveis nos destinos do mun- do revela que a0 longo deste 20 séculos teve mais acertos do que erros. Merece de todos, catélicos ou nao, ser respeitada em suas posigées apa- rentemente retrogradas, mas que revelam uma firmeza de propésitos e ide- ais, néo devendo pois, como instituigao respeitavel, sofrer de generaliza- ¢6es criticas em virtude de escorregdes verbais por parte de alguns de seus membros. ROBERTO CESAR DE CASTRO” (por e-mail, 7/4), Séo Paulo, SP 269 Em Ponte Nova (MG): PREFEITO MANDA RETIRAR IMAGENS RELIGIOSAS Em sintese: O Prefeito de Ponte Nova (MG) mandou retirar das re- parti¢6es publicas todos os sinais religiosos. Com isto fere os direitos da populagdo. Na verdade, o Estado brasileiro é leigo, isto é, sem religi&o ofici- al, mas ndo é contrario a religiao e as manifestagées religiosas do povo. Este deve gozar de liberdade religiosa na medida em que nao fira a ordem pubica. A opinido publica de Minas Gerais e do Brasil inteiro (pode-se di- zer) foi abalada pela noticia de que o recém-emposado Prefeito de Ponte Nova (MG) mandou retirar das escolas e repartigées pUblicas os crucifi- xos e demais simbolos religiosos. Tal atitude da autoridade sugere co- mentéarios. 1. O porqué da proibigao Algo de semethante ocorreu em 2004 na Franga. A razdo disto é que se multiplicavam nas escolas os trajes tipicos de meninas mugulmanas, descaracterizando o aspecto proprio da sociedade ocidental francesa. O mesmo, porém, nao se pode dizer em relagdo a Ponta Nova (MG); 0 que 0 Prefeito alega é que o Estado no Brasil é leigo ou nao tem religiao oficial, como a tinha no tempo do Império; por conseguinte ndo utiliza simbolos religiosos. Aesta alegagéio respondemos que “Estado leigo” nao é Estado con- trario & Religido; 6 Estado que, embora ndo professe algum Credo religioso, nao impede que o povo professe sua fé e a exprima nos lugares pUblicos que s&o lugares do povo (escolas, hospitais, reparticdes publicas), O povo tem direito a liberdade religiosa, ou seja, a exprimir sua fé livremente, contanto que nao prejudique a ordem pubica. Veja-se a res- Peito 0 artigo deste fasciculo as pp. 253-267. © povo assim agredido é 0 povo do Brasil, especialmente o de Minas Gerais. Estado que se distingue pela riqueza artistica de suas. igrejas e imagens, e cujo povo, profundamente piedoso, 6 consciente de suas tradigdes religiosas. Observa ainda o Pe. Wagner Augusto Portugal em artigo publicado no JORNAL DO BRASIL de 5/2/05, p. A11: 270 PREFEITO MANDA RETIRAR IMAGENS RELIGIOSAS. uv “O prefeito, infelizmente, deveria ter avisado antes das eleicGes que ira tomar esta atitude. Isso porque ele foi eleito com amplo apoio da comunidade catolica, inclusive indicando para o seu secretariado lideran¢as catdlicas, numa verdadeira cruzada de renovacao naquela importante cidade mineira. O pre- feito, que desiludiu a muitos, deveria se preocupar com os atos atinentes 4 vida administrativa do municipio, como satide, educacéo, seguranga, sanea- mento, geragao de empregos, superagao da exclusdo social e, nao com medi- das que ndo representam o pensamento dominante do povo mineiro. Se nao bastasse a atitude infeliz, o prefeito deveria anunciar que esta tomando esta atitude num desrespeito ao senso da maioria da populagao de Ponte Nova. O Brasil, hoje plural e com grandes faces religiosas, nasceu sob a égide da Santa Cruz, sendo conhecido como Terra de Santa Cruz. A formagao do povo brasileiro é catélica, cristé, e 0 Cristo na Cruz 6 sagrado, portanto, para a maioria do nosso povo. A mais, a presenga do crucifixo nas repartigoes, nas salas de aula, 6 uma tradigéo que nao fere a liberdade religiosa entre nds. Nunca nenhuma religiéo nao crista recla- mou da presenga dos simbolos do cristianismo. Nossas cidades, em sua grande maioria, possuem padroeiros, em cujo dia os festejos acontecem. Especialmente na nossa Minas Gerais. Ponte Nova, que tem grande pre- senga catdélica, tem como padroeiro S40 Sebastiao, ha pouco celebrado. O prefeito foi eleito para melhorar os servigos ptiblicos de responsabilida- de da municipalidade”. Atitulo de complemento, acrescentamos palavras de D. Luciano Men- des de Almeida, arcebispo em cuja diocese de Mariana se deu 0 caso: “A democracia participativa abre perspectivas para o aprimoramen- to da concérdia, oferecendo a muitos a possibilidade de contribuir com a propria experiéncia para o bem comum, com especial atengéo para os mais carentes. Somos todos chamados a cooperar. E indispenséavel, no entanto, aprendermos a conviver no respeito miutuo e no pluralismo. A patria livre prociama e salvaguarda a liberdade de consciéncia, incluindo a liberdade refigiosa que manifesta a dignidade da pessoa humana. Asociedade solidaria e fraterna requer o aprego e a estima recipro- cos e deve assegurar 0 respeito 4 pessoa e 4 seus valores é 0 direito de cada um de expressar, com liberdade, suas convicgdes e sua fé. Vivendo no mundo pluralista, devemos educar-nos para o didlogo e para o reco- nhecimento da dignidade de cada pessoa. Sinais e simbolos religiosos expressam nossos valores e nossa identidade, a partir da qual somos chamados a cooperar para o bem co- mum. N&o hé nenhuma contradigao entre manifestar os préprios valores e igualmente respeitar os valores do préximo. 271 32 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 Homenagear um amigo que da a vida pelos irmdos é um dever de gratiddo que a todos enobrece. Quando os catdlicos reverenciam a ima- gem de Jesus Cristo, Filho de Deus, que, na cruz, dé a vida por nos, querem nesse ato louvar e agradecer a Deus e aprender a servir 0 proxi- mo com amor. E preciso compreender em profundidade o significado dos simbolos e imagens e, ao mesmo tempo, alegrar-se quando outros, na busca da verdade, reverenciam valores e sinais que hao de ajuda-los a promover o bem do préximo. Em um de nossos municipios mineiros, para surpresa do povo, o prefeito determinou que fossem retirados os simbolos réeligiosos das re- partigées da prefeitura, das creches e das escolas” (FOLHA DE SAO PAULO, 22/01/2005) 2. O porqué dos simbolos Do ponto de vista biblico nado ha embargo ao uso de imagens e simbolos religiosos. Estado proibidos os idolos ou as imagens confeccionadas para adora- ¢40. Vejam-se os argumentos do debate em nosso Curso de Dialogo Ecuménico, Médulo 26, Ed. “Mater Ecclesiae”, C.P. 1362, 20001-970 Rio (Ru). Os mestres de espiritualidade n&o hesitam em aconselhar a con- templacgéo de uma imagem a quem deseje elevar a mente aos valores superiores. Tenha-se em vista 0 texto de Santa Teresa de Avila: “Eis um meio que vos poderé ajudar... Cuidai de ter uma imagem ou uma pintura de Nosso Senhor que esteja de acordo com o vosso gos- to. N&o vos contenteis com trazé-la sobre 0 vosso coragdo sem jamais a olhar. Servi-vos da mesma para vos entreterdes muitas vezes com Ele” (Caminho da Perfeigao). E por que essa 6nfase nas imagens? O recurso a imagens ou sinais 6 exigéncia da natureza psicos- somatica do homem. Mesmo quem exprime conceitos abstratos ou metafisicos, precisa de sinais sensiveis, como s4o a palavra oral, a escri- ta, os mitos, os nimeros... Tudo o que é invisivel tende a se traduzir por sinais ou simbolos. Na época moderna o simbolismo ou a linguagem figurada caiu em certo desuso por causa do racionalismo, que privilegia a expressdo dire- ta dos conceitos. O fildsofo grego Aristételes ({ 322 a.C.) 6, de certo modo, o precursor dessa mentalidade, pois afirmava que as metéforas sdo linguagem imprépria, que deveria ser reduzida a linguagem prépria ou clara, Em nossos dias, porém, registrou-se nova estima dos simbolos, principalmente no setor religioso. A linguagem dos simbolos supée ca- 272 PREFEITO MANDA RETIRAR IMAGENS RELIGIOSAS 33 pacidade intuitiva (diversa do raciocinio). Poe em relevo secretas moda- lidades e finos matizes que o discurso oral nao da a perceber. O simbolo assim é a epifania de um mistério indizivel. Valioso espécimen dessa fungdio vém a ser os icones orientais, que fascinam 0 bom entendedor. E preciso, pois, ter disposigdes adequadas para compreender os simbolos. Possam estas reflexées chegar ao conhecimento do Sr. Prefeito de Ponte Nova! BIOETICA: DUAS CARTAS Células-tronco “Retomei recentemente ao Brasil apés dois anos de trabalho com um renomado grupo de pesquisa em células-tronco no Canada. Ao chegat, deparei-me com um clima de euforia incomum em relagéo as promessas atribuidas as celulas-tronco embrionarias. Familias e deficientes fisicos esto iludidos com uma euforia sem base cientifica que Justifique o uso de células-tronco embriondrias humanas. Como uma das pouquissimas pesquisadoras do uso de células-tronco no tratamento de doencas neurodegeneralivas no Brasil, acredito no potencial de células-tronco maduras, que sdo, de falo, as mais promissoras; as Unicas alé hoje empregadas em terapias. }4 em fase clinica. As células- tronco derivadas do embriao geraram lumores e S40 rejeitadas pelo organismo transplan- tado. O lobby feito por um pequeno grupo confunde os leigos. Todas as terapias testadas no Brasil e no mundo até hoje foram feitas apenas com células maduras € 86 estas alcan- garam resullados promissores! CLAUDIA BATISTA professora-adjunta do Departamento de Histologia e Embriologia da Universidade Fe- deral do Rio de Janeiro (via Globo Online, 3/3), Rio” Morte Cerebral “O artigo de Luiz Roberto Barroso, publicado no dia 2, a respeito de anenceialia apresenta varios pontos que devem ser reparados. A definicao legal do momento da morte, a morte cerebral, é regulada pela resoluupdo 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina. Para que ela seja constalada, hé uma série de exigéncias a serem cumpridas pelo médico que a atesta como coma aperceplivo, auséncia de alividade motora supra- espinhal e apnéia. A chamada morte cerebral deveria na realidade ser denominada de morle encefélica, pois, para que seja efetivada, hd necessidade de que todo o encélalo, @ ndo apenas o cérebro, que é parte dele, tenha morrido. A morte do tronco cerebral é indispensavel para que seja deciarada a morte. O articulista declara que o anencefélico sequer chega a ter vida cerebral, mas ele tem vida encefdlica pois seu tronco cerebral esta vivo. A prova disso é que tanto intra como extra-Utero ele se movimenta, tem batimentos cardfacos, respira, degiute, urina e evacua. Ele tem, antes de tudo, vida hu- mana e seu genoma prova isso. O que defendemos é 0 direito a vida humana e ndo a vida cerebral do anencefalico e esta vida a Constituigdo resquarda. HERBERT PRAXEDES (por e-mail, 8/11), Niterdi, Rl” 273 Em Detroit (U.S.A.) CONGREGAGAO PROTESTANTE SE CONVERTE AO CATOLICISMO Em sintese: Segue-se o relato das peripécias do pastor Alex Jones, que, com a familia e a Congregagao respectivas, se converteu ao Catoli- cismo. E importante salientar que o principal motivo de converséo foi o estudo da histéria da Igreja, que mostra a continuidade entre Jesus Cris- to e a Igreja Catélica. O relato subseqiiente narra as etapas da convers&o do pastor Alex Jones e de sua comunidade ao Catolicismo. A autora do relato é a sra. Diana Morey Hanson, cujo texto foi traduzido por José Fernandes Vidal e enviado a PR via internet. Segue-se o texto, ao qual sera acrescentado breve comentario. INTRODUGAO Quando o rev. Alex Jones prega, sua voz cheia de profunda sensibi- lidade ressoa fora do ambiente da cipula branca da Igreja Cristé Maranatha, na avenida Oakman, no oeste de Detroit. Entretanto, assim nao acontece- 1a mais por muito tempo: 0 espagoso e formalmente ornado templo foi vendido. Isto porque a Congregagao, predominantemente afro-americana, se reduziu de 200 para 80 nos ultimos dois anos, Pois o pastor Jones, 58 anos, trocou 0 culto Pentecostal por uma réplica da Missa Catélica. Eno domingo, 4 de junho, celebrando a Unidade Crist e a Ascensao do Senhor, a Congrega¢ao decidiu, por 39 votos a favor e 19 contra, os pré- ximos passos necessarios para se tomar catélica. Sua histéria é uma joma- da de fé que esta cheia de surpresas, angustias, duvidas, amor e alegria. “ESTA MALUGO”? “Eu pensava que algum espirito se apoderara dele”, diz Linda Stewart sobre seu tio Alex, pastor da Igreja Maranatha (que em aramaico significa “o Senhor vem"). “Pensava que nessa procura pela verdade ele se extraviara e perdera a cabeca”. A razdo para a preocupagao de Linda Stewart era que seu tio, tido como um pai por ela desde 0 falecimento de seu verdadeiro pai havia alguns anos, trocara o estudo da Biblia, realizado as quartas-feiras, pelo estudo dos primitivos Padres da |greja. E gradualmente foi trocando 0 culto dominical por um definitive retomo 4 Missa Catdlica: ajoelhar-se, Sinalda Cruz, 274 CONGREGAGAO PROTESTANTE SE CONVERTE AOCATOLICISMO 35 Credo de Nicéia, celebragao Eucaristica - todos os nove passos. “Tinhamos aprendido que a Igreja Catélica era a grande prostituta”, explicou Linda. “Ti- nhamos aprendido que o Papa era 0 anticristo... Maria? Maria? De modo al- gum! Eramos felizes e seguiamos em frente, seguiamos exatamente a Jesus e, entao, la ele velo e nos torceu com uma chave-inglesa. Eu estava triste — disse Stewart — 6 pensava: ‘est maluco se julga que iremos cair nessa!”. O principio de tudo isso ocorrera ha alguns anos, quando Jones assistira a um debate entre 0 anti-catélico David Hunt e o apologista Karl Keating no show de radio “Catholic Answers” (= “Respostas Catolicas”). Keating fizera uma pergunta profunda: “Em quem vocé acredita no caso de um acidente: naquele que ali estava como testemunha ocular ou naquele que apareceu apdés se passar anos?” Para aprender sobre a Primitiva \greja Crista, Keating acentuou que era necessario ler os Pa- dres da Igreja Primitiva, que estavam la desde 0 comego. “Isso fazia sentido, mas eu ainda nao estava maduro para mudar’, diz o rev. Jones. “Guardei isso no meu coragdo e ponderel; mas nada me fez sentido até que li os Padres e constatei uma Cristandade que nao tinhamos na nossa Igreja’. AMUDANGA O Rev. Jones estava comegando... “Percebi que o centro do culto nao era a pregagéo nem as celebragdes dos dons do Espirito, mas a Eucaristia como 0 Corpo e Sangue de Cristo presente” — diz. No comego do verao de 4998 © pastor Jones, com seu estudo da Biblia nas quartas-feiras, decidiu reativar 0 culto da (greja Primitiva. Um més mais tarde, Jones passou a realizar uma celebragao eucaristica to- dos os domingos. “Minha Congregagao considerou isso ridicule” — ele recorda. “Eles julgavam que uma vez por més era 0 suficiente. Reconhe- ci que 0 povo queria soltar sua voz repleta de tristeza” — diz. Somadas aos usos teolégicos, havia diferengas raciais, culturas e sociais, impedindo que concordassem. “A unica instituig&o negra afro- americana propria é a igreja” — diz Jones. “Quando vocé abre mao dela e vai para uma instituigao prépria branca, que 6 insensivel as necessida- des dos negros americanos, nao fica facil”. O livro “Cruzando o Tibet’, de Steve Ray, professor de Biblia em Mildo, proporcionou a Jones ensinamentos das Escrituras sobre 0 Batis- mo e a Eucaristia. Jones reportou-se a Ray quando procurou 0 Semina- rio do Sagrado Coragao € falou com Bil Riordan, anteriormente professor de teologia ali. Comegou a se encontrar com Ray de forma regular e a dialogar quase diariamente por telefone ou e-mail. O estudo da Biblia as quartas-feiras de Jones se tornou um estudo sobre os primitivos Padres 275 36 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" §16/2005 da Igreja, sobre o Catecismo Catdlico, Maria, os santos, 0 purgatorio, a teologia sacramental eo desenvolvimento da doutrina, “Comecei a deixar de lado a Sola Scriptura (= somente a Biblia), o coragao e a alma da fé protestante” — diz Jones. © POVO COMEGOU A SAIR Até a sobrinha de Jones pensou assim. “Cada Domingo ia para casa ¢ dizia: ‘Este é o meu ultimo Domingo. Vou sair e nao voltar mais la". Mas, diz Stewart, como Confiava que seu tio era um homem de Deus, acabava retornando e gradualmente as coisas comegaram a fazer senti- do. No processo de trocar © servigo de culto da Maranatha, o rev. Jones ‘Por que eu deveria recriar a toda?” Havia j4 uma igreja que a Igreja Catélica! “Comecei por perceber que a igreja da sala superior era a Igreja Catdlica” - diz Jones. “Todas as demais tiveram uma data de comego e fundador posteriores. Eu encontrara a Igreja de Jesus Cristo e estava querendo perder tudo 0 mais’. Assim, foi ele testado... PERTURBACAO NO FRONT DOMEsTICO “Primeiro pensava que ele fora atraido pelo excitamento de fazer liturgia como os Primitivos Padres da Igreja" - diz Donna Jones, esposa de Alex, de 33 anos. “Isto Parecia coisa temporaria. Entao, ele comegou @ trocar as coisas drasticamente e eu Comecei a realmente ficar admira- da do que estava levando adiante. Fiquei perturbada Porque sentia que ele estava indo para o caminho errado”, Muitas vezes, afirma o pastor Jones, sua esposa e seus trés filhos. adultos, José, Benjamim e Marcos, eram completamente hostis as mu- dangas. Mas isso n&o era surpresa. “Ele havia pregado que a Igreja Catélica era cheia de adoragéo a idolos” - diz Donna. “Assim, quando comegou a abraca-la, eu disse: ‘Ha alguma coisa errada aqui’. Ele me prensou na parede”. Alex e Donna comegaram a discutir e a debater os usos, muitas vezes nas primeiras horas da manha. “Eu comecei a estudar a Igreja Catélica Porque precisava refutar 0 que ele estava pregando” — explicou Donna. “Precisava de munigao. Mas, logo que eu comecei a ler Sobre os Padres da Igreja, uma mudanga co- megou a ter lugar no meu coragao”. No verao de 1998, Dennis Walters, Cristo, em Ann Arbor, se encontrou com os Jones na casa de Steve Ray, “Decidi, antes de deixa-los afundar ou nadar por si mesmos” — diz Walters - “que ofereceria minha ajuda a eles". Walters forneceu-lhes, 276 CONGREGAGAO PROTESTANTE SE. CONVERTE AO CATOLICISMO__37 aos mais velhos e a0s diaconos, Catecismos Catélicos, e respondia a suas muitas perguntas sobre a doutrina catélica. Desde margo de 1999, Walters se encontrou com os Jones todas as tergas-feiras por 4ou5 horas. “Levei a maioria do meu material da RCIA para eles” - diz. Donna levantava sempre mais perguntas. “Eu fazia as questées que trazia das ruas, para as quais me sentia mais desesperada por res- postas, e falava ao Senhor Jesus como se tivesse uma conversa com outro ser humano no carro” ~ diz ela. "Meus labios se moviam e eu nao dava atengdo a quem me v! Ela jutou com a real possibilidade de que a admiss&o na Igreja Gatolica poderia significar a perda do emprego de seu marido. “Assim, eu disse: Senhor o que estou fazendo apds 25 anos de ministério? O que ha com minhas m&os? Eu nao estou preparada para me tornar pedicure ou manicure” — ri. “Entao 0 Espirito Santo me falou no coragdo: ‘Eu nao estou questionando a sua concordancia. Estou tratando da sua confor- magao com a imagem de Cristo”. Exatamente 8 meses depois, Donna se dirigiu a seu marido numa tarde e anunciou: “Eu sou Catdlica”. ACONDUTA CAUTELOSA DE ROMA Mas 0 processo de admissao na Igreja nao & de modo algum tao rapido. A Maranatha comunicou-se com a Arquidiocese de Detroit durante mais de um ano. A Arquidiocese esta procedendo com cautela ja que ha muito a ser estudado, incluindo a RCIA, a situagao dos re-casados € as posigdes do ministério catélico adequadas para os ministros do Maranatha. Ned McGrath, diretor de comunicagées da Arquidiocese de Detroit, liberou a mudanga a adogao do Credo. “No espirito do Grande Jubileu, 0 Cardeal Maida e a Arquidiocese se abriram ao questionamento de outros lideres cristéos e/ou suas congregagdes em perspectiva a possiveis mudangas para associagoes individuais & Igreja Catolica Romana. Até agora esses dialogos podem e devem ser descritos como introdutérios, privados e inconclusivos”. Ha algumas semanas, 0 bispo Moses Anderson, Unico bispo afro- americano de Detroit, realiza 0 culto nos domingos na Maranatha. Apdos 0 culto ele responde as perguntas @ diz a Congregag&o que os bispos es- to excitados com a situagdo ocorrida ali. “Ele diz que os bispos discutem tanto porque nao querem parecer estar tirando vantagem da situagao” — afirma Walters. Por enquanto, ha a possibilidade do pastor Jones entrar para 0 semi- nario e se tomar padre ou didcono catdlico. Pastores casados de outros credos tém feito exatamente isso: Steve Anderson, de White Lake, era padre numa igreja carismatica episcopal antes de deixar sua igreja e presbiterato 277 38 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 Para Se unir a Igreja Catélica. Casado e pai de trés jovens rapazes, Anderson recebeu a permissao de Roma para se tomar um padre catélico e entrard no Seminario Maior do Sagrado Coragaio no outono, para comegar trés anos de estudos antes de ser ordenado para a Diocese de Lansing. Ihe a fazer, “Posso sair e conseguir um emprego agora” — ri Jones. Ele foi professor da escola plibica de Detroit Por 28 anos, 17 dos quais conju- gando esse estudo com seu trabalho pastoral. SER OU NAO SER CATOLICO Tudo, finalmente, se decidiu com o voto de 4 de junho. A questao: “Vocé quer tomar os préximos passos necessérios Para admissao na Igreja Catélica?” Logo que a Congregagao entrou pelas grandes portas de ma- diregao a Igreja Catélica. Irromperam aplausos quando a decisao a favor de se tornar catdlica foi anunciada, mas a vitéria foi agridoce. Jones encorajava os 19 que votaram para n&o continuar na Con- gregacdo, jé que ela continuaria com a mudanga; mas ele ja Previra que alguns a deixariam. “Este 60 aspecto mais penoso da colsa. Ver pesso- @S que vocé ama ir embora Porque nao entenderam” ~ diz Jones. Até mesmo membros da igrejas vizinhas estavam transtornados. “E como se eu tivesse me unido ao inimigo, como se os tivesse traido. Teve gente me chamando de volta, dizendo: ‘Eu o amo, estou rezando Por vocé, mas no entendo o que esta fazendo’, E nao importava vocé tentar fazé-los entender: eles nao queriam ouvir’ Entre esses 19 da Maranatha estava Leola Crittendon, 64 anos, “Sou uma das pioneiras” — ela diz. “E comoa Morte da igreja. E de cortar coracao”. Crittendon disse que nunca assistira as reunides das tardes de quartas-feiras porque sabia que Nnéo se tornaria Catélica, “Isso ndo era comigo”. O Pastor Jones — diz ela - era como um irm&o para elae para sua familia. “Nés 0 amamos ternamente; desejamos que fique bem e fezamos por ele diariamente; mas a familia vai em busca de Outra igreja” 278 CONGREGAGAO PROTESTANTE SE CONVERTE AO CATOLICISMO _39 - diz Crittendon. “O Pastor Jones disse que essa era a vontade de Deus para ele, mas ess@ nao é a vontade de Deus paramimea minha familia”. Para outros foi acasiao de festa: “Estou muito feliz” ~diz a sobrinha de Jones, Linda Stewart. "Ndo posso esperar para entrar em comunhéo plena com a Igreja {catdlica] porque acredito realmente que ela éa lgreja que Cristo deixou aqui e preciso ser parte dessa Igreja”. Diz DeGloria Thompson, uma mae divorciada com dois adolescen- tes: “E excitante estar exatamente na linha da Igreja de Cristo”. “Egtou pronto” — diz Gregorio Clifton, 41 anos, pai de quatro jovens criangas. “Gosto de ir e receber a Eucaristia’. © Reverendo Michael Williams tinha sido durante 42 anos um dos mais velhos da Maranatha. “Sei seguramente, sem qualquer sombra de duvida, que esta mudanga é uma mudanga divina ea direg&o que estamos tomando é uma diregao divina”. O rev. Alex Jones também sabe disso. "Este 6 um trabalho definiti- vamente do Santo Espirito” — diz. “Quando me foi revelado que esta era sua Igreja, nao tive uma decisao dificil a tomar, embora soubesse que custaria tudo” - diz. Agora haa necessidade de um templo para anova igreja. Os mem- bros da Maranatha tém 30 dias para encontrar um. Jones nao esta per- turbado. “Confiamos em que Deus nos encontrara um” ~ diz. Para o Pas- tor Jones e para Congregagao Marantha, esta historia continuara... REFLETINDO... Mais uma veZ verifica-se que 0 fio condutor que levou 0S irmaos. protestantes ao Catolicismo foi o estudo da historia da Igreja e de seus grandes escritores: estes manifestam a agao do Espirito Santo que acom- panhou 0 desenvolvimento do grao de mostarda semeado por Jesus & entregue 20S Apéstolos € seus sucessores com a promessa de assistén- cia infalivel. A arvore que 6 hoje a Igreja Catolica, corresponde 20 grao de mostarda inicial. O estudo da histéria mostra a agao do Espirito Santo para evitar degenerescéncia. O olhar do protestante & bem diverso. Dir-se-ia que, pare ele, 0 Cristia- nismo comega com Lutero ou um reformador posterior. Ignora ou faz GoMO se ignorasse as grandes testemunhas da fé antigas € medievais. Dande surge & pergunta: Deus tera esquecido a sua Igreja? Jesus tera traido os seus segui- dores, permitindo que caissem no paganismo, do qual Lutero os veio libertar? Visto que estas hipdteses sao inadmissiveis, resulta que existe continuidade entre Jesus Cristo ¢ a igreja Catélica de hoje, continuidade mediante a qual conhecemos 0 verdadeiro Cristo e sua auténtica mensagem. Quem se afasta desta continuidade encontra apenas o “bom senso” de ‘profetas” humanos. 279 Destoante da fé Catdlica: “JESUS, SIMBOLO DE DEus” Por Roger Haight $.u. Em sintese: 0 livro de Roger Haight foi censurado pela Congrega- ¢40 para a Doutrina da Fé porque fere a 16 catélica no tocante 4 Preexisténcia do Logos, 4 SS, Trindade, ao mistério da Encamagao, 4 Mediacao salvifica de Cristo; 4 ressurrei¢éo de Jesus. O artigo subse- qiiente desenvoive cada um desses Pontos conflitantes. Carregado de vigiar em Pro! da Conservagao da reta fé — 0 que se faz, entre outras Coisas, mediante a apreciacao de livros Suspeitos de profes- Em 1999 foi dado a lume o livro “Jesus Simbolo de Deus", do Pe. Roger Haight, professor de teologia e ex-presidente da Sociedade Teol6- gica Catdlica da América. Como fosse obra Suspeita de propor teses nao ortodoxas, comecgou a ser examinado pela Congregagao Para a Doutrina pensamento a fim de se Poder avaliar com clareza © Conteddo da obra, 1. © contetido do livro S&o sete os itens falhos que o autor, devidamente interpelado, quis manter, embora firam a fé6 Catdlica, 1.1, Método teolégico O autor Propugna a Subordinagdo da Mensagem as Categorias da cultura e do Pensamento Contemporaneos, O autor afirma que nado entra na mentalidade do homem Mmoderno professar a Superioridade do Cristi- anismo sobre as demais crencas religiosas, Em Nossos dias j4 n3o se Pode dizer que Jesus Cristo 60 centro absoluto, ao qual se devem subor- dinar todos og outros grandes lideres religiosos da historia, 280 “JESUS, SIMBOLO DE DEUS” 41 Ora tais idéias contrastam com a fé catélica. Esta professa a vera- cidade da sua mensagem € rejeita o relativismo religioso. O Evangelho ha de ser interpretado segundo critérios biblicos e ndo com referéncia a critérios heterogéneos das diversas culturas da humanidade. Seja ainda acrescentado que afirmar a superioridade do Cristianis- mo nao significa recusar 2 salvagdo para os nao cristéos. A quem esta candidamente no erro, Deus juigaré essa pessoa de acordo com a sua fidelidade aos ditames de sua consciéncia reta e candida. Ver Lumen Gaudium 16; Gaudium et Spes 22. 4.2. Apreexisténcia do Verbo R. Haight nao encontra no Novo Testamento, nem mesmo no pro- logo de SA0 Joao, 0 fundamento para afirmar a preexisténcia do Verbo, ou seja, a divindade do Logos. Para Haight, Jesus 6 mero simbolo de Deus, ou seja, uma soma de categorias nao divinas que representam oO Divino. Quanto a Escritura, ela nao pode ser entendida hoje como outrora, quando os leitores nela viam a descrigao de realidades historicas. ‘Ao afirmar que o Logos é consubstancial ao Pal, 0 Coneilio de Nicéia | (325) nao intencionou definir a Divindade do Logos, mas, sim, que, 0 ser humano criado ou a pessoa de Jesus de Nazaré é 0 simboto concreto que exprime a presenga, na historia, de Deus como Logos (p. 439 da edigaéo norte-americana). 1.3. A Divindade de Jesus Embora o autor diga que “Jesus deve ser reconhecido como Deus” (p. 283), esta expressao para Haight significa ‘somente que Jesus € sim- bolo e, como tal, faz 0 papel de mediador da presenga salvifica de Deus na historia dos homens” (pp. 262.295). Jesus também é verdadeiro ho- mem no sentido de que é “um ser humano como nés” (pp. 205.428), “uma criatura finita” (p. 262). Segundo o autor, a mentalidade moderna sugere uma interpretagéo nova da formula de Calcedénia (segundo a qual em Jesus ha duas naturezas e uma pessoa divina): a uniao hipostatica indo seria sendo “a unido de Deus como Verbo com a pessoa humana de Jesus” (p. 442). Ora a negagéo da Encarnagao propriamente dita é a negagao do proprio Cristianismo. Este tem como artigo central do seu Credo 0 misté- rio da Encarnagao: Deus eterno assumiu no seio de Maria Virgem a natu- reza humana e passou @ viver como homem de tal modo que 0 sujeito de todas as suas agdes era sempre Deus (artigo este que, apés prolonga- dos debates, foi definido pelo Concllio de Calced6nia em 451). 281 42 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS” 516/2005 1.4. A SSma. Trindade. O autor nega haver em Deus trés pessoas. Os Vvocabulos “Logos” e “Espirito” apenas exprimiriam as intervencées de Deus na historia dos homens. Em particular 0 “Espirito” designaria a comunicagao intima de “entidades reais em Deus”. Isto seria contradizer a doutrina segundo a qual Deus 6 Unico e uno (pp. 482s). Estas afirmacdes de Roger Haight ferem em cheio a {6 catélica. A Teologia, especialmente através das obras de S. Agostinho e S. Tomas de Aquino, dedicou-se a consideragao do dogma e afirmou haver em 1.5. O valor salvifico da morte de Jesus O autor afirma nao ser necessario que Jesus se tenha considerado salvador universal. O conceito de “morte expiatéria e redentora” nao pro- Nao é necessario desenvolver longas consideragées para demons- trar quanto tais dizeres Se opdem & mensagem do Novo Testamento e 4 Fecusou. A Paix&o de Cristo ha de ser considerada a luz da tecapitula- 40; de que trata Sao Paulo em Rm 5, 12-17; 1Cor 15, 47-49, 1.6. Unicidade e universalidade da mediagao salvifica de Je- Sus e da Igreja SOS modos" (p. 412). Seria desejavel em todos Os fiéis catélicos a Capacidade de reco- nhecer como Portadoras de Salvagao outras mediagGes postas ao mesmo nivel que 0 Cristianismo (P. 415). Assim 6 relativizado o papel da Igreja. 282 “JESUS, SIMBOLO DE DEUS" 43 Diz ainda o autor: “E impossivel na cultura pés-moderna pensar que alguma religido possa pretender ser 0 centro ao qual as demais devam ser reconduzidas. Tais mitos séo simplesmente ultrapassados” (p. 533). O desejo de conseguir falar melhor ao mundo contemporaneo leva Haight a relativizar a verdade da fé. Todavia o Credo nao pode mudar de acordo com as culturas humanas. A verdade é uma sé e, por dom de Deus, ela se encontra no Credo catdlico. O fiel catolico nado se deve aca- nhar de o dizer quando oportuno. Ele reconhece, porém, que fora da Igreja visivel pode haver salvagdo para quem professa o erro candida- mente, salvagdo que vem de Deus Pai mediante Cristo e a sua Igreja. Assim a mediagdo salvifica de Cristo e da Igreja (que é inseparavel de Cristo) é universal; deve-se mesmo dizer: existem dois modos de perten- cer a Igreja: o visivel (que professa a mesma fe, recebe os mesmos sacramentos e obedece 4 mesma hierarquia) e o invisivel (que toca aos nao catdlicos sinceros e retos). 4.7. Aressurreigéo de Jesus O autor professa o principio: “De modo geral nao se deveria supor tenha acontecido no passado aigo que em nossos dias é impossivel” (p. 127). Por conseguinte afirmar a ressurreigéo de Jesus significa “dizer que Jesus est4 ontologicamente presente, vivo como um individuo na esfera de Deus” (p. 151). Foram os discipulos que forjaram a idéia de ressurreigo, significando que a obra salvifica de Deus iniciada antes da morte de Jesus se prolonga apés a morte dele em virtude do amor mise- ricordioso de Deus. E evidente a dissonancia de tal interpretagao quando comparada aos dizeres de Sao Paulo em 1Cor 15, 14-17. O Apéstolo faz da ressur- reigdo de Cristo a pedra de toque da mensagem crist. A Tradigao e a fé da lgreja abragaram a proposig&o, pois corresponde ao conceito paulino de recapitulagéo Jesus ressuscitado é a nova criatura (2Cor 5, 17), 0 novo Adao, ao qual todos se devem configurar (1Cor 15, 47-49). 2. Conclusao Estas ponderagées apresentadas pela Congregagao para a Doutri- na da Fé justificam a condenacao da obra de Roger Haight. O povo de Deus tem o direito de receber esclarecimentos da autoridade competen- te acerca do que condiz e nao condiz com a reta fé que ele quer profes- sar. S40 Paulo compara a heresia a “uma gangrena que corrdi” (2Tm 2, 17). Dal a necessidade de que verdade e erro nado se mesciam na apre- sentagao da Boa Nova. A preocupagao basica do Pe. Roger Haight esta em nao ferir a mentalidade do homem contemporaneo. Entre ferir a esta e ferir os gran- 283 44 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 des artigos da fé é preferivel o primeiro alvitre. Na verdade, a mentalida- de do homem contemporaneo é questionavel em varios pontos: ela esta aberta para o Transcendental, como demonstra a existéncia de numero- sas seitas. Presta-lhe servigo quem tem a coragem de levantar o véu do mistério que cerca o homem em vez de o afundar nas suas categorias timidas. A doutrina da fé bem explanada se coaduna sem dificuldade com © pensamento cientifico, tecnolégico do homem contemporaneo. Carta DE Jesus Quando vocé se levantava, hoje cedo, Eu o estive observando e esperando que vocé me falasse, mesmo que fossem apenas umas pou- cas palavras, perguntando a minha opiniéo, agradecendo-me por algu- ma coisa boa que tivesse acontecido com vocé, ontem. Mas notei que vocé estava muito ocupado, buscando a roupa ade- quada para vestir e ir ao trabalho. Continuei esperando vocé, enquanto corria pela casa, arrumando-se. Supus que vocé teria uns poucos minu- tos, para me dizer um “Oi!", mas vocé estava apressado demais. Observei vocé, ainda, quando ia ao trabalho, e esperei paciente- mente durante todo o dia. Com tantas atividades, suponho que vocé es- taria ocupado demais para me dizer alguma coisa. “Ainda encontrara um tempinho para mim’, pensei. Depois, vocé ligou a TV. Esperei pacientemente. Enquanto vocé Jantava, escutava as noticias, novamente esqueceu-se de falar comigo. Na hora de deitar, certamente, vocé estava muito cansado. Depois de dizer “Boa noite" 4 sua familia, vocé caiu na cama e dormiu. Nao faz mal, porque talvez vocé néo cai na conta de que sempre estou ail para vocé. Tenho mais paciéncia do que vocé imagina. Também gostaria de the ensinar a ter paciéncia com os outros. Amo tanto vocé que espero, todos os dias, uma oragdo, um pensamento ou um pouco de gratidao do seu coragao. Bem. Vejo que vocé esta se levantando, de novo. E, mais uma vez, esperarei Sem outro motivo do que meu amor por vocé, aguardando sem- Pre que, algum dia, vocé me dedique um tempinho, Tenha, hoje, um bom dia. Seu amigo, Jesus. (Transcrito da revista ITAICI, marco 2005, p. 96) 284 Os mistérios do universo: SEREMOS OS UNICOS NO UNIVERSO? Em sintese: Dois cientistas de lingua inglesa publicaram impor- tante livro que analisa as condig6es para que surja e persista a vida como a conhecemos, e conciuem que dificilmente fora da Terra se terao reali- zado ou se realizem tais condigdes. Conseqitentemente o género huma- no seria uma realidade singular em todo o universo conhecido. Nao fica excluida, porém, a possibilidade de vida diferente daquilo que entende- mos por tal vocdbulo. O paleontélogo Prof. Peter Ward eo astrénomo Dr. Donald Brownlee publicaram um livro que, traduzido para o portugués, tem por titulo “Sés no Universo?” e © sub-titulo “Por que a vida inteligente é improvavel fora do planeta Terra?”. Por “vida” entendem o que designamos por tal voca- bulo; no é excluida a possibilidade de vida em sentido diferente do nos- $0 OU com outras exigéncias de temperatura e ambiente. Para que tenha origem e persista a vida como a conceituamos, os autores apontam doze requisites cuja realizado € imprescindivel. O Dr. Joaquim Blessmann reproduz com suas palavras esses requisitos no seu artigo intitulado “Seremos os Unicos no Universo?” e publicado na revista CULTURA E FE n° 107, pp. 49-53, paginas das quais vao extraidos os seguintes tépicos: “Peter Ward é paleontélogo e Donald Brownlee astrénomo. Eles admitem que n&o podem provar que sejamos os unicos, mas consideram que ha grande probabilidade que assim seja. ‘Somos produto de um lan- ce de sorte, uma combinagdo unica de fatores que nao se repetem em nenhum outro lugar do universo conhecido’, disse Ward em uma entre- vista a Veja (VEJA, 2000, p. 11). Manifestaram suas dividas sobre a difuséo de vida complexa no universo, tao apregoada na época, e decidiram escrever um livro no qual exporiam suas razdes para julgarem muito rara a vida complexa. Eles definem como ‘vida complexa’ a dos animais e a das plantas superiores, em contraposigdo a ‘vida bacteriana’. Os autores, como bons cientistas, porém advertem para as limita- des de suas idéias [WARD e BROWNLEE, 2.000, p. 309): 285, 46 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 ‘O grande perigo para a nossa tese [...] 6 que ela seja um produto de nossa falta de imaginagao. Pressupomos neste livro que a vida animal sera de algum modo semelhante a da terra. Adotamos a posigéo taivez chauvinista de que a vida terrestre é 0 Unico tipo de vida, que as lig¢des da terra sdo ndo apenas guias, mas também regras. Pressupomos que o DNA 6é a Unica maneira, em vez de apenas uma das maneiras. Talvez a vida complexa [...] esteja to amplamente distribuida como a vida bacteriana e tenha uma constituigéo igualmente varidvel. Talvez a Terra nao seja rara afinal, mas somente uma variante em um agrupamento quase infinito de planetas com vida. Contudo, ndo acreditamos nisso [o grifo é nosso], pois ha tantos indicios e interferéncias [...] de que isso no ocor- re” (pp. 49s). Voltemos ao que dizem Ward e Brownlee. Mesmo sem “catastrofes globais” ha uma série de requisitos astronémicos que devem ser satisfei- tos para que se possam desenvolver organismos mais complexos, e que Sao apresentados por estes autores: — O planeta deve estar orbitando em torno de uma estrela com emiss&o de energia relativamente constante por bilhdes de anos. Isto exclui planetas que orbitem em torno de estrelas varidveis, ou em tomo de sistemas estelares duplos ou triplos: seria muito mais provavel a emis- sao de jatos de energia que esterillzariam a vida nascente ou acabaria com vida mais evoluida, porventura existente. — Além de condigées estaveis por longos periodos, a vida animal (como a conhecemos, salientam Ward e Brownlee ao longo de todo o livro) necessita de condig6es benignas e muito especificas. E necessario oxigénio. E decorreram cerca de dois bilhdes de anos até que fosse pro- duzida a quantidade de oxigénio necessaria para a existéncia de animais na Terra. — O planeta deve orbitar a uma distancia conveniente da estrela, de modo a permitir a existéncia de agua liquida, sem a qual a vida animal complexa, como a da Terra, ndo pode existir. — O impacto de asterdides e cometas deve ser relativamente raro. Esses impactos podem causar exting¢ées em massa. Para manter essa taxa de impacto baixa, é necessario que o material ‘salto’ no sistema estelar (que nao se aglutinou para formar planetas, ficando avulso na forma de asterdides e de cometas) seja relativamente pouco. ~O tamanho e a localizagéo dos demais planetas no sistema estelar influem em muito. No caso do nosso sistema estelar (0 sistema solar), os planetas gigantes, principalmente Jupiter, esto na distancia correta e tém o tamanho apropriado para atrairem para si os elementos soltos no 286 SEREMOS OS UNICOS NO UNIVERSO? 47 sistema solar. Para a Terra, comentam Ward e Brownlee, ‘ha indicios de que 0 gigantesco planeta Jupiter agiu como um apanhador de cometas e asterdides [...]. Jupiter, portanto, reduziu a taxa de eventos de extingao em massa, podendo ser uma importante razdo pela qual a vida superior conseguiu se formar e, depois, se sustentar neste planeta’ [WARD e BROWNLEE, 2000, p. 21]. — No sistema solar sé a Terra e Plutéo tém uma lua proporcional- mente tao grande, quando comparada com o planeta em torno do qual orbitam. O tamanho de nossa Lua e a distancia em que ela esta estabili- zam a inclinag&o da Terra. E essa inclinagdo é€ tal que as estagdes néo s&o por demais rigorosas. —A Terra é 0 Unico planeta com placas tect6nicas, que causam 0 movimento dos continentes. E, segundo os autores justificam mais adi- ante, placas tecténicas e Lua grande sao, em seu entender, essenciais para o surgimento e persisténcia da vida. —O sistema solar apresenta um alto e incomum teor de elementos pesados (como carbono, ferro e muitos outros) que so indispensaveis para a vida. — Sistemas planetarios com planetas gigantes em drbitas que se afastam muito da circular (altamente elipticas) originam ambientes esta- veis, nao propicios a vida complexa. Além do que, alguns Planetas po- dem ser langados fora do seu sistema estelar. - A massa do planeta deve ser capaz de reter atmosfera e ocea- nos, bem como de gerar o calor necessario para a chamada ‘tecténica das placas’. Para que elas se movimentem 6 necessario um nucleo sdli- do-pastoso. — Os oceanos devem estar na medida certa: nem em excesso nem muito pouco. - A localizagéo do planeta na galaxia é também importante. Nos centros das galaxias e em galaxias com um numero relativamente muito grande de estrelas (os aglomerados globulares), os ‘choques’ entre es- trelas bem como o grande numero de supernovas (estrelas que explodem) nao fornecem condigdes estaveis por longo tempo (alguns bilhdes de anos) que so necessérias para o aparecimento de vida complexa. Por outro lado, na regiéo externa das galéxias a maioria das estrelas € pobre em metais necessérios a vida. Nao ha sequer a quantidade que deles é neces- saria para a formacdo de planetas como a Terra.” (pp. 51-53). Deve-se observar que a fé catélica nao faz objegao & hipdtese de existirem seres inteligentes em outros planetas. Ha mesmo autores que 287 48 “PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 516/2005 julgam que a enorme quantidade de matéria espalhada pelo universo exige a presenga de seres intelectuais; estes, percebendo a grandeza e a beleza do cosmos, seriam os encarregados de louvar a Deus por suas maravilhas. Todavia a palavra decisiva nessa area fica a ciéncia. Caso existam seres extraterrestres, sero criaturas do mesmo Deus que fez o mundo presente. CANTICOS PROTESTANTES EM CELEBRAGOES CATOLICAS A pedido de amigos abordaremos a tematica acima. N&o é conveniente adotar canticos protestantes em celebragées. catdlicas pelas raz5es seguintes: 1) Lex orandi lex credendi (Nés oramos de acordo com aquilo que cremos). Isto quer dizer: existe grande afinidade entre as formulas de fé e as formulas de oragdo; a fé se exprime na orago, ja diziam os escritores cristéos dos primeiros séculos. No século IV, por ocasido da controvérsia ariana (que debatia a Divindade do Filho), os hereges queri- am incutir o arianismo através de hinos religiosos, a0 que S. Ambrésio opés os hinos ambrosianos. Mais ainda: nos séculos XVII-XIX 0 Galicanismo propugnava a exis- téncia de Igrejas nacionais subordinadas nao ao Papa, mas ao monarca, Em conseqtiéncia foi criado o calendério galicano, no qual estava inserida a festa de Sao Napoledo, que podia ser entendido como um martir da Igreja antiga ou como sendo o Imperador Napoledo. Pois bem, os protestantes tém seus cantos religiosos através de cuja letra se exprime a fé protestante. O catélico que utiliza esses cAnticos, nao pode deixar de assimilar aos poucos a mentalidade protestante; esta é, em certos casos, mais subjetiva e sentimental do que a catdlica. 2) Os cantos protestantes ignoram verdades centrais do Cristianis- mo: a Eucaristia, a Comunh&o dos Santos, a Igreja Mae e Mestra... Es- ses temas nado podem faltar numa auténtica espiritualidade crista. 3) Deve-se estimular a produgdo de cAnticos catélicos com base na doutrina da fé. Estévao Bettencourt 0.S.B. 288 Encontra-se a disposigao dos Ieitores um atualizado Indice Geral , de a4 ‘ Pergunte ¢ Responderemos Bi INDICE GERAL sarap a) 1957 a 2004 _ Indice geral dos artigos . Indice geral de editoriais indice geral de livros apreciados Um volume de 348 pp. one ie A venda na Livraria Lumen Christi Preco do exemplar para venda na livraria: R$ 20,00 Pedidos de fora do Rio de Janeiro devem ser feitos 4 Escola “Mater Ecclesiae”: RS 28,00 Caixa Postal 1362 CEP 20001-970 - Rio de Janeiro RJ Tel/fax: (021) 2242-4552 www.materecclesiae.com.br e-mail: materecclesiac@materecclesiae.com.br Langamento: Dom Anselmo Chagas de Paiva, OSB AMORIS OFFICIUM PASCERE A dimensio do servigo da autoridade do superior religioso a luzda MeseONO OCIS FH Regra de Sto Bento, a partir de uma leitura teolégico-juridica do canon 619do CIC smroneae 320 pp. 16x 23cm R$ 25,00 a Oautor émonge do Mosteizo de Sao Bento do Riode Janeie ' oe divtor da Faculdade de Sao Bento, onde leciona Direito Canénico ; . Opresente trabalho é sua tese de doutorado. Depois de dar as ratzes : - EE gee historicas do cin, 619 do Cédigo de Direito Candnico,apresentaa ta ee “4 : autoridade do superior no contexto da vida mondsticae enfim |. aaalisa as responsabilidades do superior eeste coma servidor ¢ pastor. RENOVE 0 QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR RENOVAGAO OU NOVA ASSINATURA (ANODE 2005 - DE JANEIRO A DEZEMBRO) NUMERO AVULSO .........- PERGUNTE E RESPONDEREMOS ANO 2004 Encadernado em percalina, 580 pags., com indice. (Numero limitado de exemplares) .. RS 70,00. Livros Portugueses 4 venda na Livraria Lumen Christi INTRODUGAO AO ESPIRITO DA LITURGIA F . Cardeal Joseph Ratzinger introducao Fiend Patan Lisboa EU OMEM 174 pp 14x 2icm RS 50,00 cee Quote fi publicada bt poucos anasesta obra tone enorme npercussiagterido b PLATT 6421 sido traci em wiros pases inclusive em Portugal Ocntio careal Ratzinger : ~boje Papa Bento XV1-segueindoas pegadas do grande teslogo Romeo Guuatbini quer ajar os fits que se tomsaraam inseguros neste tempo cle experitncias pbs- conciliares a olbar para fore escomdia davidaecesial Atdesenrolaseacagio : {itieagiea que nos sacraments, cm particular na Evcarstia, permite tor parte ‘na agtiosabuficade Crista.A obra abe aoleitorrasgoscde contemplagi mas nia cdeixa de apresentar aspectes polémicos propostos com fanqueza. PENSAR E VIVER A FE NO TERCEIRO MULENIO snus unsne Corvite aos homens e mulheres do nosso tempo Bernard Sesbiié - Grafica de Coinibra Pensar e viver a 680 pp 16x 23cm R$ 133,00 Fé Conbecio tedlogo jesuita fancts autor comumacstraordiniriaca- 4 Terceiro (pacidlade de sintesecormvida.o bomen de hoje a umn didlogointioo sobre afé catélica. “Eu desejava-afirma cle ~daro testemunko pessoal de minha Pripria fe, dizender eis o que me torna feliz,eis 0 que mefaz-viver” A obra destinase a crisis como.a née cristitos senda um comvite acrer, Nai trata apenas dafé, mas abordaaquestao do ato de crex.O “Creio em Deus Pai?” fio condutor dos virios capitulos do liv. ORAGAO UNIVERSAL Diasfestivos feriais esantoral 2° edicdo atualizada e aumentada Grafica de Coimbra 582 pp 17,5x25em R$ 130,00 Esta obra néto tem equivalente no Brasil Trata-se de uma colegéa de Surmullriasde Onagio Universal ou dos Fitisparatodosastempos litirgicos, Parao culto encaristico fora da missa Conclui com textos de littagias antigas ecom formulérios musicais: NAO MANDE PAGAMENTO ANTECIPADO PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL OU CONFORME OPGOES NA 2°CAPA VEJA NOSSOS ENDERECOS NA 2° CAPA

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