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COUTINHO, Carlos Nelson.

Cultura e Sociedade no Brasil


Enquanto marxistas, Lukács e Gramsci nos ensinam a ver nas formas e nas ideias algo mais do que as leis da escrita
ou a coerência do discurso: formas e ideias são também expressão condensada de constelações sociais, meios
privilegiados de reproduzir espiritualmente as contradições reais e, ao mesmo tempo, de propor um modo novo de
enfrentá-las e superá-las. (9)

No plano do conteúdo, por outro lado, penso haver um fio vermelho que atravessa os ensaios, dando-lhes relativa
unidade: em todos eles, empenho-me sempre por demonstrar que o problema central da cultura brasileira - ou seja,
cm termos gramscianos, a escassa densidade nacional-popular de seus produtos - tem sua gênese na ausência de
um "grande mundo" democrático com nossa sociedade (para repetir a expressão lukacsiana que utilizo no ensaio sobre
Graciliano Ramos), ausência que resulta dos processos de transformação pelo alto ("via prussiana", "revolução
passiva") que marcaram a história brasileira, impedindo ou dificultando a participação popular criadora nas várias
esferas do nosso ser social. A principal consequência dessa constelação sócio-histórica no plano da vida cultural
brasileira foi a preponderância de uma cultura "ornamental", elitista, que muito dificultou a construção de uma efetiva
consciência crítica nacional-popular entre nós. Essa preponderância, contudo, jamais significou monopólio: muitos dos
ensaios aqui reunidos visam precisamente a resgatar figuras que se colocaram contra a corrente dominante.
empenhando-se por revelar em suas obras as graves distorções humanas e sociais geradas em nosso país pela "via
prussiana. Ao fazerem isso, tais figuras criaram ao mesmo tempo as bases para o florescimento de uma arte e de uma
consciência social alternativas. Também busco indicar, em alguns ensaios, a emergência das novas condições sociais
que tomaram possível hoje elevar essa cultura crítica alternativa à condição de cultura hegemônica - o que nada tem
a ver, é importante sublinhar, com cultura "única” ou "oficial". (10)

Como Marx disse, a chave da anatomia do macaco está na anatomia do homem. Tracei aqui, conscientemente, as
linhas gerais das relações entre Estado e sociedade civil, e entre sociedade civil e organização da cultura, entre
intelectuais e sociedade civil etc., tal como se manifestam numa sociedade desenvolvida, sob uma forma que - ainda
segundo uma indicação metodológica de Marx - poderíamos chamar de "forma clássica". Essa forma clássica mais
desenvolvida nos permite pensar a anatomia do caso brasileiro, ou seja, de uma forma mais primitiva e menos
explicitada, bem como examinar como ela se criou no passado e vem se transformando até nossos dias. Diria,
antecipando minha conclusão, que o Brasil conhece uma trajetória que leva de uma situação de completa debilidade
(ou mesmo ausência) de sociedade civil até outra situação, a presente, caracterizada por uma sociedade civil mais
ativa, mais complexa, mais articulada. E é preciso lembrar que essa trajetória é expressão do progressivo ingresso do
Brasil, ainda que por vias transversas, na era do capitalismo industrial. (18-19)

O modo pelo qual se processou nossa Independência não alterou substancialmente o quadro: a Independência
resultou de urna manobra "pelo alto", de um golpe palaciano, e não de uma ativação prévia da sociedade civil (ainda
inexistente). Mas as próprias necessidades políticas do país tornado independente, bem como o desenvolvimento
econômico, colocaram novas questões: surgiu a necessidade de elaborar uma camada de intelectuais capaz de servir
ao novo Estado. Isso impôs, por exemplo, a criação de instituições de ensino superior (principalmente jurídicas) no
próprio país, em contraste com a situação colonial, quando os intelectuais eram formados na metrópole portuguesa.
Surge também, com o aparecimento de um incipiente mercado cultural, a necessidade de criar os primeiros
rudimentos de um sistema de organização da cultura: publicam-se jornais, editam-se livros, montam-se peças de teatro
etc. (19)

O escravismo cria um grande vazio entre as duas classes fundamentais da sociedade brasileira: por um lado, os
escravos que, evidentemente desorganizados e carentes de um projeto político global, não podem absorver os
intelectuais como seus intelectuais orgânicos; e, por outro, os latifundiários escravocratas, que precisavam dos
intelectuais apenas como mão de obra qualificada para a implementação das atividades administrativas do Estado que
controlavam. Não precisando legitimar sua dominação através da batalha de ideias, as classes dominantes de então
incentivavam uma cultura puramente ornamental, que serviu para conceder status tanto aos intelectuais quanto aos
seus mecenas, mas que não tinha incidência efetiva sobre as contradições reais do povo-nação. Em tal atmosfera
social rarefeita, era difícil para o intelectual encontrar o meio próprio para seu florescimento independente, para sua
autonomia relativa. Restavam-lhe poucas opções; a principal, quase exclusiva, era aceitar a sua cooptação pelas
classes dominantes, tornar-se funcionário do aparato de Estado. E não podia ser de outro modo, numa situação em
que praticamente não havia sociedade civil: o parlamento, eleito pelo voto censitário de uma exígua minoria, não podia
ser considerado uma entidade autônoma em face do Estado cm sentido estrito; os partidos políticos não eram partidos
de massa, mas simples apêndices do Estado. Por outro lado, o mercado cultural era extremamente restrito; se hoje é
quase impossível ao intelectual sobreviver no Brasil com a venda de suas obras, pode-se facilmente imaginar o que
ocorria no século 19. (21)

Essa situação não se alterou radicalmente durante a Primeira República. Também a República, como a Independência,
foi fruto de uma mudança "pelo alto"; foi pouco mais do que um golpe militar; as grandes massas, que continuavam
desorganizadas, não participam de sua proclamação. O arremedo de instituições republicanas criado em seguida não
era de molde a fortalecer a sociedade civil. O parlamento continuou a ser um mero apêndice do Executivo; os partidos
eram nada mais que confrarias locais a serviço de alguns coronéis envolvidos na política. No essencial, a vida
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intelectual continua restrita a poucos setores das camadas médias; continua em grande parte a ser uma cultura
“ornamental", algo que Afrânio Peixoto expressou muito bem quando, ingenuamente, definiu a literatura como sendo
"o sorriso da sociedade". As polêmicas culturais abrem fissuras na superfície homogênea da camada intelectual, mas
não tocam nas questões de fundo: não passam, no mais das vezes, de tempestades em copo d'água. (22-23)

Mas seria errado não ver que algo começa a se mover, algo que explodiria à luz do sol sobretudo a partir dos anos de
1920. A sociedade brasileira vai se tornando mais complexa (ou menos simples), o capitalismo vai se tomando o modo
de produção dominante também nas relações internas. Nossa estrutura social, com a Abolição, com os primeiros inícios
da "via prussiana" no campo, começa a se tomar mais próxima da estrutura de uma sociedade capitalista, ainda que
continue atrasada e fortemente marcada por restos pré-capitalistas; novas classes e camadas sociais se apresentam
no cenário político do País. (23)

Começa assim a surgir, com a introdução do capitalismo, com o início das lutas operárias e com as agitações das
camadas médias, um germe do que se poderia chamar de "sociedade civil". Multiplicam-se as associações proletárias;
em consequência, surge uma ainda rarefeita mas ativa imprensa operária, de orientação predominantemente
anarquista. Temos assim que, a um embrião de sociedade civil (associações sindicais e primeiros grupos políticos
de artesãos e operários), corresponde um embrião de organização cultural exterior ao Estado (a imprensa e as
associações culturais dos proletários). (23-24)

E tampouco é casual que, cm 1922, assista-se a um fato da maior importância na vida do país: a fundação do Partido
Comunista do Brasil. Temos com isso, pela primeira vez cm nossa história, a criação de um partido político feita a partir
de baixo; e de um partido não só independente do Estado, mas até mesmo antagônico a ele. O PCB, embora ainda
não fosse um organismo de massa, representava o embrião de um autêntico partido moderno, que é momento básico
de urna sociedade civil efetiva. O modo "prussiano" pelo qual se deu a chamada Revolução de 1930 - mais uma
manobra "pelo alto", fruto da conciliação entre setores das classes dominantes e da cooptação das lideranças políticas
das camadas médias emergentes (expressas no "tenentismo") - quebrou em grande parte as tendências que se vinham
esboçando antes. Mas não as destruiu inteiramente. [...] Mas a diversificação da formação social brasileira prosseguia;
o próprio capitalismo "à prussiana", impulsionado pelo Estado getulista, encarregava-se de promover essa
diversificação. Tinha-se agora um pressuposto (que se podia certamente reprimir, porém não mais eliminar) para a
criação de uma sociedade civil, de uma organização da cultura menos vinculada a um Estado onipotente. (24-25)

A Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira são movimentos políticos de massa de proporções até
então desconhecidas cm nossa história. Essa socialização da política indica que já estavam cm andamento os
processos que levariam à criação no Brasil de uma sociedade civil autônoma e pluralista. (25)

Essa debilidade da sociedade civil - é bom não esquecer - revela-se também pelo lado oposto: no caráter abertamente
"golpista", igualmente autoritário e elitista, que marcou a atuação das forças políticas renovadoras do período. Longe
de apostarem no fortalecimento da sociedade civil, as forças populares apostavam no golpe, no putsh blanquista, na
ação de exíguas minorias, como se viu cm 1935, quando o movimento de massas esboçado na ANL - que fora posto
na ilegalidade - é abandonado em favor de uma quartelada. (26)

Esses embriões de sociedade civil, esses pressupostos de uma autonomia da cultura, favorecidos ademais pela
situação internacional, apareceriam de modo mais claro em 1945, com a redemocratização do país. Fato significativo
é que, pela primeira vez, o Partido Comunista do Brasil, legalizado, toma-se um partido de massas; e revela, na
época. compreender melhor do que em 1935, embora de modo ainda insuficiente, a importância da luta democrática,
do fortalecimento da sociedade civil nos combates pelo socialismo cm nosso país. Os sindicatos operários, embora
continuassem atrelados à cutela do Ministério do Trabalho, começam ter um peso crescente não só nas lutas
econômicas, mas inclusive na vida política nacional. Também as camadas médias buscam formas de organização
independentes, nos partidos e fora deles: escritores, advogados, jornalistas criam associações para a defesa de seus
interesses e de seus ideais. Tudo isso amplia o campo da organização material da cultura; urna ampla e muitas vezes
fecunda batalha das ideias começa a ter lugar entre nós. Há um acentuado empenho social da intelectualidade, um
maior comprometimento com as causas populares e nacionais. (26)

O clima favorável à democratização da vida rural aberto em 1945 sofreu altos e baixos (basta pensar no fechamento
do PCB cm 1947, no clima de guerra fria que marca o governo Dutra), mas pode-se dizer que a tendência no sentido
de uma democratização geral da vida brasileira continua a se impor, ampliando-se bastante no final do período pré-
1964, sobretudo a partir do governo Kubitschek. Mas, mesmo assim, ainda são pouco sólidas as bases de um novo
caminho (democrático) para a vida nacional e de uma nova hegemonia (nacional-popular, e não mais elitista) na cultura
brasileira. (28)

Isso se tomou evidente quando, cm 1964, uma aliança entre os vários segmentos das classes dominantes conseguiu
truncar o processo de democratização cm curso, impondo mais uma vez uma solução "prussiana" para os problemas
decorrentes da necessidade de levar o país a um novo patamar de acumulação capitalista. O novo regime ditatorial,
particularmente no período que se seguiu ao Al-5, tentou por rodos os meios destroçar o embrião de sociedade civil
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autônoma que se vinha esboçando. E é evidente que a organização da cultura não foi poupada. Não é casual que,
entre as primeiras medidas do regime ditatorial implantado cm 1964, estivesse o fechamento dos principais institutos
democráticos de organização cultural da época, os Centros Populares de Cultura (CPCs) e o Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (Iseb), bem como a dissolução do Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI) e intervenções
nas universidades. Todo o esforço da "política cultural” do regime se voltou no sentido de dar força às correntes elitistas
e/ou escapistas no plano cultural. E isso era obtido principalmente de dois modos: por um lado, reprimindo e
censurando os intelectuais que defendiam uma orientação cultural nacional-popular, com o que se abria espaço para
o monopólio de fato das correntes "intimistas"; por outro, quebrando a autonomia da sociedade civil, autonomia que,
como vimos, é a base necessária para uma cultura pluralista e democrática. Outro fator conspirou ainda para
obstaculizar a democratização da cultura. O regime ditatorial-militar criou as condições políticas necessárias à
passagem do capitalismo brasileiro para uma nova etapa: a etapa da dominação dos monopólios, a etapa do
capitalismo monopolista de Estado. Com isso, introduziu-se um faro novo no sistema de organização da cultura: uma
parte substancial deste, a dos meios de comunicação de massa, passou a ser dominada por grandes monopólios. A
televisão é o caso mais evidente, mas o fenómeno se manifesta também em outras áreas, como a grande imprensa, o
cinema etc. O "capital mínimo" (Marx) necessário à criação de um organismo cultural tomou-se agora tão elevado, em
setores fundamentais, que somente os grandes grupos monopolistas podem dispor dele. Mas devo advertir que não
penso como Theodor W. Adorno; não acho que a indústria cultural seja um sistema monolítico, sem brechas. Mesmo
antes que se chegue a uma radical inversão de tendência, a uma situação na qual os organismos de difusão cultural
sejam apropriados coletivamente pela comunidade através dos produtores culturais associados, o que só ocorrerá
numa sociedade socialista fundada na democracia política - mesmo antes disso, e para que possamos chegar a isso,
a luta pela democratização da cultura pode e deve obter ganhos parciais de grande importância e significação. Por um
lado, é preciso lembrar que há ainda setores culturais em que pequenas e médias empresas podem operar, garantindo
assim uma maior variedade de orientações, um maior pluralismo; é o caso da indústria editorial, da chamada imprensa
alternativa, da montagem teatral etc. E, por outro lado, à medida que a resistência democrática vai pondo fora de
funcionamento os instrumentos de repressão e de censura, os próprios monopólios da cultura – penso particularmente
na televisão e na grande imprensa escrita – começam a abrir mais espaços às exigências da sociedade civil, a dar
passagem relativa ao pluralismo que nela tem lugar. Além disso, com a conquista de um regime de efetivas liberdades
democráticas, podem-se conceber formas diretas de controle - exercidas tanto pelos próprios produtores culturais
quanto pelos organizadores da sociedade civil - sobre a geração dos programas televisivos e sobre a informação cm
geral. E mais: malgrado o caráter deletério da "política cultural" da ditadura, nem tudo foram sombras na cultura
brasileira durante os anos do regime militar. Não quero me referir apenas à resistência passiva ou ativa da esmagadora
maioria dos intelectuais, que – independentemente de suas posições ideológicas – colocaram-se oposição às medidas
repressivas do regime no plano da cultura. Há um fato que me parece ainda mais significativo, já que está na raiz dessa
resistência: é que o regime militar - modernizando o país, promovendo um intenso desenvolvimento das forças
produtivas, ainda que a serviço do capital nacional e multinacional, ainda que conservando traços essenciais do atraso
no campo - deu impulso aos fatores objetivos que levam a uma diferenciação social e, como tal, à construção de uma
autêntica sociedade civil entre nós. A intensa sede de organização que, nos últimos anos, atravessou o país,
envolvendo operários, mulheres, jovens, setores médios, intelectuais, até mesmo setores das classes dominantes,
atesta a presença efetiva dessa sociedade civil. (28-30)

O próprio desenvolvimento do capitalismo, ao criar um mercado de força de trabalho intelectual, alterou a situação
dos produtores de cultura: a possibilidade de que eles exerçam sua função já não depende do favor pessoal, já não
resulta da cooptação. O velho intelectual elitista, prestigiado por possuir cultura, converte-se cada vez mais em
trabalhador assalariado. Experimenta agora a necessidade de se organizar, como qualquer outro grupo social, para
lutar por seus interesses específicos, entre os quais não se situa apenas a melhoria das condições de trabalho; e, entre
essas últimas, ocupa lugar de destaque a sua autonomia enquanto criador. A luta pelo especifico articula-se aqui com
a luta geral, ou seja, com a luta pela liberdade de expressão, de criação e de crítica, que só podem ser asseguradas
plenamente num regime democrático aberto à renovação social. De casta fechada, de corporação de notáveis, os
intelectuais passam a ser uma parcela do mundo do trabalho. Criaram-se assim as condições para que os intelectuais
compreendam de dentro, como uma exigência de sua própria sobrevivência como produtores de cultura, a necessidade
da construção de uma sociedade democrática. A conquista da democracia – de um sistema de organizações culturais
aberto e pluralista, apoiado numa sociedade civil autônoma e dinâmica - torna-se a base para o florescimento de uma
cultura nacional-popular entre nós; mas a elaboração e difusão de tal cultura, contribuindo para a hegemonia dos
trabalhadores (do braço e da mente) na vida nacional, é por seu rumo um momento ineliminável na conquista,
consolidação e aprofundamento da democracia, de uma democracia de massas que seja parte integrante da luta e da
construção de uma sociedade socialista em nosso pais. (32-33)

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