Sei sulla pagina 1di 110

1.

Anemia Falciforme

Começamos com uma pequena contextualização da importância da


fisiopatologia e da sua “área de investigação”.

Basicamente o nosso organismo tende a evoluir para o equilíbrio, para aquilo


que nós denominamos como homeostase. Ou seja, perante uma
agressão/estímulo, o nosso organismo ativa mecanismos homeostáticos de
auto-regulação que permitem restabelecer o equilíbrio.

Agora, a origem da patologia é distinta para dois autores:

• Virchow, pai da patologia celular → Célula como causa da doença;


• Pauling, pai da patologia molecular → Molécula como causa da
doença.

Os mecanismos fisiopatológicos são uma “faca de 2 gumes” porque


conseguem restabelecer o equilíbrio mas também podem estar na base de
determinadas patologias:

Equilíbrio Doença
Sistema Combate contra infeccções Desregulação leva a doenças
Imunitário auto-imunes
Coagulação Permite hemostase numa Coagulação excessiva leva a
solução de continuidade num formação de trombos com risco de
vaso tromboembolismo
Regeneração Permite solucionar uma ferida Permite o crescimento anormal de
cutânea células - cancro
Das primeiras doenças onde se estudou a fisiopatologia foi a Anemia
Falciforme.

A anemia falciforme carateriza-se por eritrócitos em forma de foice, que


assumem esta forma – falciformizam - com as seguintes caraterísticas do meio:

• Diminuição de O2;
• Meios ácidos (pH <7);
• Aumento da temperatura;
• Aumento do 2,3 BPG;
• Diminuição da HbF.

Assim, percebeu-se que, em determinadas circunstâncias, os eritrócitos


modificavam a sua forma de disco bicôncava para assumirem a forma
semelhante a uma foice. O próximo passo? Perceber o porquê!

Como é que os eritrócitos adquirem a forma de foice?

Este gráfico demonstra os resultados


obtidos da eletroforese de cadeias de
hemoglobina em indivíduos normais ( a) ),
indivíduos heterozigóticos ( c) ), indivíduos
homozigóticos para a mutação com anemia
falciforme ( b) ), o que permitiu perceber que
se tratava de uma patologia a nível molecular,
concordante com a teoria de Pauling.

A cadeia de hemoglobina (Hb) é constituída por duas cadeias α (2 α)


codificadas pelo cromossoma 16 e duas cadeias beta (2β) codificadas pelo
cromossoma 11, organizando-se numa estrutura quaternária.

Vai ocorrer uma mutação no cromossoma 11 na porção que codifica a


cadeia beta da hemoglobina → há substituição de uma única base, passando de
GAG (que codifica o aminoácido Glutamato) para GTG (que codifica para o
aminoácido Valina). Assim, passamos de uma hemoglobina HbA (normal) para
uma hemoglobina HbS (alterada).
Existe uma alteração na estrutura primária da cadeia beta da
Hemoglobina, originando uma cadeia βs, que influenciará a estrutura secundária,
terciária e quaternária da molécula.

Estas cadeias de HbS vão apresentar uma região hidrofóbica (devido ao


a.a Valina) que, na ausência de O2, vai estar exposta, permitindo a interação com
outras moléculas de HbS, levando à formação de polímeros que são insolúveis,
acabam por precipitar nas paredes dos eritrócitos e alterar a sua estrutura.

No entanto a mutação pode ocorrer em apenas 1 ou nos 2 cromossomas,


o que vai originar diferentes graus de severidade da doença:

Nota que mesmo os indivíduos com apenas um alelo mutado βs já


possuem proteção para a malária, uma vez que os eritrócitos são diferentes o
suficiente para interromper o ciclo de replicação do Plasmodium falciparum.
Efeito de Bohr

O efeito de Bohr permite perceber a diferente afinidade da Hemoglobina


pelo O2, que varia conforme as necessidades do organismo:

1) Nos tecidos/órgãos, o que o organismo


quer é permitir a oxigenação destes mesmo
tecidos, pelo que convém que a afinidade
da hemoglobina ao O2 seja baixa para que
a hemoglobina consiga “largar” o O2 que
carregou;
2) Nos pulmões queremos exatamente o
oposto, queremos carregar toda a
hemoglobina que temos com o O2
disponível, pelo que a afinidade será maior.

É isto mesmo que a imagem acima explica:

1) A afinidade da hemoglobina aumenta (linha vermelha) ao nível dos


pulmões, onde se quer “carregar” de O2, quando:
• Diminui a temperatura;
• Aumenta o pH;
• Diminui o CO2;
• Diminui o 2,3 BPG (2,3 bifosfoglicerato).
2) A afinidade da hemoglobina diminui (linha azul) ao nível dos tecidos, onde
se quer descarregar o O2, quando:
• Aumenta a temperatura;
• Diminui o pH (basta pensar que os músculos possuem ácido lático);
• Aumenta o CO2;
• Aumenta o 2,3 BPG.

Que repercussões existem no organismo?

Já percebemos que a hemoglobina está alterada, que isso vai promover a


polimerização das cadeias de HbS e, consequentemente, deformar os eritrócitos.
Todo o sangue é filtrado no baço, pelo que podemos já imaginar que vamos ter
alterações neste órgão. Por outro lado, eritrócitos “deficientes” vão-se tornar
inviáveis e sofrer lise celular, pelo que vão libertar a hemoglobina para o sangue,
havendo uma grande degradação da mesma, o que vai aumentar os níveis de
bilirrubina, entre outros.
Aqui encontram explicadas algumas manifestações da Anemia Falciforme
conforme o que fomos falando:

MANIFESTAÇÕES DA EXPLICAÇÃO
DOENÇA
Palidez Diminuição da hemoglobina
Icterícia Degradação da hemoglobina com acumulação de bilirrubina
Cansaço Diminuição da hemoglobina
Isquémia e necrose das Eritrostase na microcirculação
extremidades
Esplenomegália Sequestro esplénico pelos eritrócitos deformados
Infecções frequentes por A zona marginal do baço é responsável pela resposta imunitária
m.o. encapsulados contra os polissacáridos das cápsulas do m.o. encapsulados

Tempo de latência: tempo entre a desoxigenação e a falciformização dos


eritrócitos. Quanto maior o tempo de latência, menos severa a patologia e mais
fácil é o tratamento.

• Será tanto menor quanto maior for a HbS;


• Será tanto menor quanto maior for a [O2].

Opção de tratamento da Anemia Falciforme:

Hidroxiureia, fármaco que permite aumentar a [Hb fetal], uma vez que esta
vai diminuir a interação entre as cadeias deformadas HbS (porque aumenta a
interação HbS-HbF), pelo que as crianças costumam ter uma doença menos
severa (porque apresentam valores mais altos de HbF).
2. Stress Oxidativo

O ser humano foi evoluindo em concordância com o mundo que o rodeia, de


tal forma que foi-se tornando cada vez mais complexo até ao ponto em que
começou a utilizar o O2 presente na atmosfera para o seu metabolismo, iniciando
o metabolismo aeróbio que seria mais rentável do ponto de vista energético do
que o metabolismo anaeróbio.

No entanto verificou-se que o O2 não possui apenas efeitos benéficos mas


que pode ser lesivo para o organismo, através de umas substâncias
denominadas espécies reativas de oxigénio (ERO’s).

• Exemplo: Retinopatia da Prematuridade – as ERO’s vão lesar os vasos da


retina e impedir a ação do VEGF (vascular endothelial growth factor), pelo
que esta patologia provocava cegueira.

Assim, os seres mais complexos precisam de:

• O2;
• Mecanismos anti-oxidantes.

Stress oxidativo = perturbação entre a produção de espécies reativas de


oxigénios e espécies redutoras (mecanismos anti-oxidantes) que culminam em
lesão celular e molecular. TEM DE HAVER SEMPRE LESÃO
CELULAR/MOLECULAR para ser considerado stress oxidativo.

As ERO’s, ao contactarem com outras substâncias do nosso organismo,


podem não só lesá-las como permitir a propagação e formação de novas ERO’s.

Agora vamos recapitular muito rapidamente o equilíbrio redox. Basta o


slide da aula do Dr.Válter Fonseca e ficam a perceber.
Mnemónica: espécies oxidantes são as que doam oxigénio → OXI – D –
Ante. → Oxigénio – Doam. Tem lá o “D” de “doar” e “oxidante” começa com “oxi”
que fica “Oxigénio”. Por isso: Oxidante = Oxi doa = Doa oxigénio. Como só pode
doar uma coisa, tem de receber hidrogénio.

Por contrapartida, as espécies redutoras tem de receber oxigénio e doar


hidrogénio.

Há quem considere OIL RIG

→ OIL = Oxidation Is Loss (of electrons)

➔ RIG = Reduction Is Gain (of electrons)

Pelo que as espécies oxidantes vão perder O2 (ou perder um eletrão) ou


ganhar um H+ enquanto as espécies redutoras vão ganhar um O2 (ou ganhar
um eletrão) ou perder um H+.

Agora que percebemos esta primeira parte, vamos ver com mais
pormenor a questão das espécies reativas de oxigénio (ERO’s).

O que são as espécies reativas de oxigénio?

Uma ERO’s é toda e qualquer substância que seja capaz de reagir com um
constituinte celular: lípidos, proteínas ou ácidos nucleicos (nota que NÃO reage
contra glícidos).

Podemos dividir em 2 famílias:


Há algumas caraterísticas importantes a saber das ERO’s:

➔ Têm reatividade variável (a OH é a mais reativa de todas);


➔ Têm semi-vida curta;
➔ O seu potencial lesivo depende da sua compartimentação na célula.

Esta última é bastante simples: se eu tiver uma espécie A, muito reativa


mas que está alojada no interior de um lisossoma não vai contactar diretamente
com lípidos, proteínas ou ácidos nucleicos. No entanto, se eu tiver uma espécie
B, menos reativa mas que está presente no citosol da célula então vai estar mais
exposta e vai lesar mais facilmente as substâncias que as rodeiam. Assim, a
espécie B será mais lesiva que a espécie A.

Dai que “ A toxicidade (biológica) não se correlaciona necessariamente


com o potencial (intrínseco) de reatividade” .

Os metais de transição, como o Ferro e o Cobre possuem eletrões


desemparelhados na órbita atómica, pelo que são quimicamente instáveis,
considerados radicais livres. Assim, podem reagir, de forma específica com as
ERO’s (por se localizarem em proximidade das ERO’s, dentro das células),
lesando substâncias como lípidos, proteínas e ácidos nucleicos (não glícidos!)
causando lesão celular/molecular.
(NECESSÁRIO SABER AS REAÇÕES PARA O EXAME)

Nota que o nosso organismo possui [Fe3+]>>> [Fe2+], pelo que é necessário que
a reação de Haber-Weiss 1 ocorra antes da reação de Fenton, de modo a
proporcionar o ião ferroso Fe2+ necessário à reação de Fenton.
De onde surgem as EROs?

Quanto à origem das ERO’s, estas podem ser endógenas ou exógenas:

Destas duas classes (endógenas ou exógenas), as endógenas acabam por


ser mais perigosas porque não é possível evitá-las, uma vez que decorrem de
processos orgânicos intrínsecos à vida e desenvolvimento, enquanto os
exógenos são evitáveis e mais facilmente controlados.

De destacar:

➔ Respiração aeróbia mitocondrial, onde a


molécula de O2 recebe um eletrão por
parte da coenzima q (Q), sendo que o ião
superóxido é convertido, pela superóxido
dismutase dependente de manganésio
(Mn SOD) em peróxido de hidrogénio
(H2O2), que é uma ERO’s não radicalar;

➔ Burst respiratório, realizado pelas células


fagocitárias que permite formar ERO’s de
forma a serem utilizadas na degradação dos
produtos fagocitados, consumindo NADPH
para doar um H+.

➔ Fármacos, o que poderá ser vantajoso nalguns tratamentos


oncológicos onde queremos destruir as células cancerígenas que têm,
por norma, grande índice mitótico, pelo que beneficiamos do stress
oxidativo causado por estes fármacos.

Eritrocupreína : é uma proteína que funciona como superóxido dismutase


dependente de cobre (ao contrário da Mn SOD) que vai pegar no ião superóxido
e originar peróxido de hidrogénio, pelo que passamos de uma ERO muito
agressiva (superóxido) para outra menos agressiva (peróxido de hidrogénio).
Porque é importante? Porque no eritrócito vamos ter O2 e Fe, pelo que temos
lenha (Fe como material de transição) e o O2 (que pode originar EROs).

Que consequências têm as EROs?

Agora uma parte um pouco mais chata mas serve apenas para perceber
que nem todas as substâncias são atacadas pelas mesmas EROs e que as
consequências são diferentes e específicas de cada estrutura:

Substância EROs Mecanismo Principal produto


principal
-Modificação das bases de DNA
Ácido . -Quebra das ligações simples e/ou duplas 8-
Nucleico OH -Formação de aductos com proteínas Hidroxidesoxiguanosina
-Deficiência de mecanismos de reparação
Lípidos . Lipoperoxidação
OH , RO , Aldeído, endoperóxido,
(não (Iniciação, Propagação, Terminação)
isoprotano, hidrocarbono
saturados) ONOOH
. - Peroxidação
Proteínas OH , RO , - Destruição da estrutura terciária 3 - Nitrotirosina
ONOOH - Degradação e fragmentação

Mecanismo de Lipoperoxidação:

1) Iniciação – remove-se um H+ de um ácido gordo não saturado;


2) Propagação – adiciona-se um O2 a um ácido gordo e retira-se um H+ a outro
ácido gordo, iniciando-se uma reação em cadeia;
3) Terminação – quando existe contacto de um ácido gordo com um agente anti-
oxidante como uma vitamina lipossolúvel (A, D, E ou K) que vai doar o H+
perdido inicialmente, interrompendo o ciclo.

Nota que este mecanismo de lipoperoxidação é especialmente perigoso para


os fosfolípidos da membrana, podendo colocar em causa a integridade da
membrana celular, fluxo iónico etc.

Basicamente o que esta experiência quer dizer é que a [EROs] na célula vai
ditar o seu outcome:

1) Se [EROs] for < [anti-oxidantes] → célula entra em apoptose;


2) Se [EROs] for > [anti-oxidantes] → célula entra em necrose.

Fica, também, uma rápida revisão de apoptose vs necrose. (saudades de


Biopat?)

1) Apoptose : existe condensação e fragmentação do


núcleo, destruição das proteínas do citoesqueleto
mas a membrana celular mantém-se ÍNTEGRA, não
é destruída e as células mantêm-se
individualizadas.
Aqui, encontramos duas formas de apoptose:
- Via intrínseca (via mitocondrial porque depende
de danos celulares dentro da célula, daí intrínseca);
- Via extrínseca (ativada por ligandos externos à
célula, as substâncias da família Fas-ligando).
2) Necrose: aqui já temos condensação e fragmentação do núcleo,
hipereosinofilia e rutura da membrana celular, com fluxo de substâncias
intra e extracelular. Pode levar à formação de DAMPs (damage associated
molecular pattern) que vão ativar o sistema imunitário inato como forma
de sinalização para fagocitose das células necrosadas.

Que formas temos de combater as EROs?

Agora nem tudo é mau porque o nosso organismo, preparado para lidar com
as espécies reativas de oxigénio desenvolveu mecanismos anti-oxidantes, que
podem ser diretos ou indiretos:

➔ Diretos: lidam diretamente com as EROs;


➔ Indiretos: reparam os danos causados pelas EROs.

Comecemos pelos indiretos, é uma questão de pensarmos em progressão


do efeito causado, ou seja, primeiro vamos evitar que aconteça (mecanismos de
prevenção), depois vamos impedir a sua atuação (mecanismos de defesa) e
depois vamos tentar minimizar os efeitos (mecanismos de reparação).

- Mecanismos de prevenção: utilizar metais como quelantes para evitar a


formação de EROs;

- Mecanismos de defesa: como o tocoferol (vitamina E);

- Mecanismos de reparação: enzimas reparadoras de DNA.

Os mecanismos diretos passam por enzimas que vão pegar em EROs e


formar outros compostos ou em EROs menos reativas, bem como por anti-
oxidantes de baixo peso molecular (BPM).
➔ Enzimas

Nota que existem dois tipos de superóxido dismutase, dependente de


Cobre/Zinco ou de manganésio, consoante se encontram no citosol ou na
mitocôndria. É verdade que o peróxido de hidrogénio (H2O2) é uma EROs. No
entanto, é bastante menos reativo que o ião superóxido (O2-), pelo que é benéfico
para o organismo fazer esta “atenuação” de EROs.

Basicamente a Catalase vai degradar o peróxido de hidrogénio,


convertendo-o em O2 e água. Está presente nos peroxissomas.

A Peroxidase vai pegar, também, no peróxido de hidrogénio e converter


a água, utilizando, para isso, o glutatião.

Assim, qual a diferença entre a catálase e a peroxidase? Basicamente vão


funcionar em circunstâncias diferentes:

➔ Se [H2O2] for baixa – utiliza-se a peroxidase porque a


regeneração do glutatião consegue acompanhar a necessidade;
➔ Se [H2O2] for alta – utiliza-se a catalase porque o organismo não
consegue regenerar o glutatião de forma rápida o suficiente
para as necessidades do organismo.

Depois existem ainda substâncias anti-oxidantes com ação direta


(scavenger), que vão doar eletrões às EROs de forma a torna-las menos reativas
e mais estáveis, bem como anti-oxidantes com ação indireta (quelante) que
impedem a participação dos metais de transição nas reações de Fenton e Weiss.
Destes anti-oxidantes destaca-se os dipéptidos de histidina, que predominam
no miocárdio e no SNC e que não originam compostos EROs finais.
Vamos lá, resumir isto:

Que doenças estão relacionadas com o stress oxidativo?

Há várias patologias nossas conhecidas que têm uma importante


componente de stress oxidativo:

Patologia Ação das EROs


Aterosclerose Formação de placas de ateroma devido à oxidação das LDL
Lesão de isquémia-reperfusão No contexto de EAM, explicado a seguir
Síndrome da dificuldade Há formação de peróxido de hidrogénio com consumo de NADPH,
respiratória havendo lesão dos alvéolos
Doenças auto-imunes (Artrite Formação de EROs por parte dos PMN com lesão do ácido
Reumatóide) hialurónico
Carcinogénese Diminuição da MnSOD (Superóxido dismutase dependente de
manganésio) com acumulação de ião superóxido.

Lesão de isquémia – reperfusão é potenciadora da formação de EROs e


vamos agora perceber porquê.

Vamos dividir isto em 3 momentos: isquémia, reperfusão e passado


algum tempo após a reperfusão.

1) No momento da isquémia, vamos ter uma diminuição do aporte de


O2 ao tecido. Assim, vai ocorrer depleção do ATP em adenosina e
hipoxantina. A hipoxantina, por sua vez, vai ser convertida a ácido
úrico e ião superóxido pela xantina oxidase. Assim, a isquémia vai
contribuir para aumentar a [ião superóxido];
2) Quando se estabelece a reperfusão, existe um aporte “súbito” de O2
para o tecido, pelo que o metabolismo aeróbio vai levar à formação
de ião superóxido a uma velocidade superior à que a Mn SOD
consegue converter o ião superóxido em peróxido de hidrogénio;
3) Algum tempo após a reperfusão há recrutamento de PMN ao tecido
lesado, que pode levar ao tal mecanismo de burst respiratório com
formação de EROs.

Que opções terapêuticas existem?

Infelizmente os vários estudos que foram realizados no contexto de


stress oxidativo e opções terapêuticas têm-se revelado pouco eficazes, devido
a várias questões:

1) Dificuldade na interação entre EROs e anti-oxidantes pela questão da


compartimentação das EROs;
2) Anulação dos efeitos benéficos das EROs;
3) Inibição dos mecanismos anti-oxidantes endógenos.
1ª Aula TP - INTRODUÇÃO E INFLAMAÇÃO

Nas aulas TP’s vou seguir sempre o mesmo método: uma parte inicial de
explicação e contextualização teórica sobre o tema geral da TP em questão e
uma parte final com a “resolução” passo a passo da TP propriamente dita. Por
isso tu geres o que queres ler!

Assim, a 1ª Aula TP – INTRODUÇÃO E INFLAMAÇÃO

Introdução teórica – Inflamação (Robins)


A Inflamação é um mecanismo fisiológico que cobre várias etapas:

Como a maior parte dos mecanismos, este pode ser benéfico mas, se mal
controlado, será prejudicial, como os mecanismos de inflamação crónica que
podem estar na base das doenças auto-imunes inflamatórias, onde temos uma
reação inflamatória desmedida e exagerada contra o próprio organismo.

Temos 2 tipos de inflamação:


Inflamação Aguda Inflamação Crónica
Instalação Rápida Lenta
Duração Curta Grande
Células Polimorfonucleares (PMN) Linfócitos e macrófagos
Manifestações clínicas Sinais evidentes Sinais discretos/despercebidos

Foram definidos 4 sinais cardinais


da inflamação por Celsius, tendo o 5º
sinal sido adicionado, anos mais tarde,
por Virchow:

Celsius – Calor, Dor, Edema/Tumor,


Rubor (Mnemónica: CDER – Calor, Dor,
Edema, Rubor);

Virchow – Perda de função.


Inflamação Aguda
Neste tipo de inflamação ocorrem duas alterações principais:

➔ Alterações vasculares: vasodilatação e aumento da permeabilidade


vascular;
➔ Eventos celulares: recrutamento de leucócitos + ativação e ação dos
mesmos.

Como é que o organismo reconhece os agentes patogénicos/células mortas?

Existem várias células do sistema imunitário – células fagocitárias,


dendríticas e células epiteliais – que apresentam recetores denominados pattern
recognition receptor – PRR – que vão reconhecer estruturas comuns a
microorganismos como bactérias e vírus, denominados PAMPs (pathogen
associated molecular patterns) ou células mortas, denominados DAMPs
(damage associated molecular pattern).

Estes PRR’s podem-se dividir, por sua vez, em duas categorias:

➔ Toll like receptor (TLRs), que vão promover o aumento da expressão


de moléculas de adesão bem como a libertação de citocinas;
➔ Inflamossomas, que vão promover a ativação da caspase 1 de forma a
clivar a IL-1 para a sua forma biologicamente ativa (IL-1 como IL pro-
inflamatória).

Agora vamos perceber as alterações que ocorrem na inflamação aguda,


começando pelas alterações vasculares.

Que alterações vasculares ocorrem na inflamação aguda?

Como referimos, existe vasodilatação e aumento da permeabilidade dos


vasos. Consoante as alterações, pode-se formar:

➔ Transudado: quando temos a formação de uma substância líquida mas


pobre em proteínas plasmáticas e células, decorrente da vasodilatação
(com aumento da pressão hidrostática) mas não da permeabilidade
vascular. Assim, causas possíveis podem ser IC (com aumento da
pressão hidrostática) ou insuficiência hepática e/ou renal com
diminuição da pressão oncótica.
➔ Exsudado: temos uma substância rica em líquido, proteínas
plasmáticas e células, decorrente da vasodilatação e do aumento da
permeabilidade vascular, sendo este caraterístico da inflamação.

Transudado Exsudado
Líquido Muito Muito
Proteínas Pouco Muito
Células Pouco Médio
Causa Vasodilatação Vasodilatação (histamina) + Aumento da
(histamina) permeabilidade (histamina + quinina)
Inflamação Não caraterístico Caraterístico

Quais as alterações celulares que ocorrem na inflamação aguda?

Depois de se “notificar” o organismo que existe um microorganismo ou


um tecido lesado e que é necessário iniciar uma resposta inflamatória, os
leucócitos têm de conseguir sair dos vasos sanguíneos e dirigirem-se para o loca
da ação. Esta é a forma como o fazem:

1) Marginação: devido à estase sanguínea e ao tamanho dos leucócitos


(maiores que os eritrócitos), estes começam a circular na parte periférica
dos vasos, junto às paredes;
2) Rolamento: existem fracas interações entre seletinas expressas na
superfície dos leucócitos e no endotélio;
3) Adesão: após a libertação de quimiocinas pelas células presentes no local
da inflamação há um aumento da afinidade por parte das integrinas
expressas na superfície do leucócito, que vão interagir com os respetivos
ligandos na superfície do endotélio, havendo uma interação mais forte e
mais duradoura;
4) Transmigração: passagem dos leucócitos entre as células endoteliais;
5) Migração: através do gradiente de quimiocinas, os leucócitos migram até
ao local da inflamação para que possam desempenhar a sua ação.
Primeiras células a migrar: neutrófilos. Só depois há migração dos
linfócitos, dai os neutrófilos estarem presentes na inflamação aguda e os
linfócitos na inflamação crónica.

Depois do leucócito atingir o local da inflamação, irá ser ativado de forma a


aumentar a sua capacidade fagocítica, de produção de substâncias
microbiocidas bem como de citocinas ativadoras de outros leucócitos. Nota que
o mecanismo pelo qual há degradação das estruturas fagocitadas passa pela
formação de EROs, pelo que, caso exista destruição destes leucócitos, as EROs
poderão afetar os tecidos envolventes, daí que na resposta inflamatória não se
consiga atuar única e exclusivamente sobre as células danificadas e se acabe por
atingir, paralelamente, células saudáveis.

A Inflamação Aguda pode ter 3 outcomes possíveis:


Quais os principais mediadores da resposta inflamatória aguda?

Esta parte é “puramente” teórica e farmacológica mas como vem sugerido


pela ficha TP como conceito importante, abordo rapidamente.

Os mediadores que intervêm na resposta inflamatória podem ser de 2 tipos:

• Mediadores provenientes de células;


• Mediadores presentes no plasma.

Quanto aos mediadores de origem celular, existem alguns que estão


armazenados em pequenas vesículas, podendo ser libertados quando
necessário, enquanto outros são sintetizados “na altura” pela própria célula.
Quanto aos mediadores presentes no plasma, estes são produzidos, na sua
maioria, pelo fígado e encontram-se na forma inativa, sendo ativados no local da
inflamação.

Apenas para rever, não se esqueçam das citocinas inflamatórias e das anti-
inflamatórias:

Citocinas inflamatórias Citocinas anti-inflamatórias


IL-1 IL-10
IL-6 TGF-β
TNF-α
Inflamação Crónica
Inflamação que dura mais do que alguns dias, onde os fenómenos de
eliminação, reparação e fibrose ocorrem simultaneamente. É caraterizada por:

➔ Predomínio de linfócitos, plasmócitos e macrófagos;


➔ Grande dano tecidual com fenómenos de fibrose e perda de
função do órgão;
➔ Angiogénese (formação de novos vasos).

Nota que podemos distinguir 2 tipos de macrófagos diferentes em termos


de ativação e função:

- Os macrófagos M1 que têm uma função fagocítica e de combate contra


microorganismos;

- Os macrófagos M2 que têm uma função de reparação, fibrose e


angiogénese de tecidos lesados.

Quanto aos linfócitos, como vocês já sabem temos os linfócitos B e os


linfócitos T, sendo que os linfócitos B originarão os plasmócitos com capacidade
de formação de anticorpos específicos aos antigénios que querem destruir. Por
oposição à imunidade humoral (linfócitos B), a imunidade celular (linfócitos T) é
mais uma atuação “mano a mano”. Podemos dividir os linfócitos T em CD4+ (TH)
ou CD8+ (Tc), sendo que os primeiros estão associados ao MHC II, enquanto os
linfócitos Tc estão associados ao MHC I.
Mnemónica: agradeçam esta ao Prof. Bruno Silva-Santos que foi ele que
nos ensinou numa teórica do 1º ano. Para saber que MHC corresponde a que
tipo de linfócitos, basta saber que a multiplicação do CD do linfócito pelo MHC
correspondente tem de dar 8. Por isso, os linfócitos TH (CD4+) estão associados
ao MHC II (4 * 2 = 8), enquanto os linfócitos TC (CD8+) estão associados ao MHC
I (8 * 1 = 8).

Quanto aos linfócitos TH, estes têm vários tipos de estímulos e formas de
atuação:

Estímulo Linfócito TH Libertam Estimulam Combatem


Microorganismos
IL-12 TH1 IFN-γ Macrófagos M1
intracelulares
Eosinófilos Parasitas
IL-2, IL-4 TH2 IL-4, IL-5, IL-13
Basófilos Resposta alérgica
Bactérias
IL-17, IL-21, IL-
IL-6, IL-21 TH17 22
Neutrófilos extracelulares
Fungos

Os granulomas são estruturas típicas da inflamação crónica, onde


podemos ter os vários constituintes:

1) Região central de necrose caseosa – no


caso dos granulomas da tuberculose
(granulomas caseados);
2) Região de macrófagos ativados que
constituem um conjunto de células de
aspeto epitelioide;
3) Orla de linfócitos T.

Pode haver fusão dos vários macrófagos


ativados que poderão originar células gigantes
multinucleadas.

Os granulomas são típicos de algumas doenças como tuberculose,


sarcoidose, doença de Chron e granuloma de corpo estranho.

Para terminar, vamos só perceber quais os efeitos da inflamação no nosso


organismo. Começando pelas citocinas inflamatórias, sabemos que o TNF-α e a
IL-1 têm funções biológicas semelhantes, enquanto a IL-6 vai atuar,
principalmente, ao nível do fígado, levando à produção de proteínas de fase
aguda positiva (como a PCR, por exemplo).
Quais as consequências orgânicas da inflamação?

1. Febre

A febre consiste na elevação da temperatura corporal em resposta a


pirogéneos, que são substâncias que vão promover a síntese de prostaglandinas
na região vascular e peri-vascular do hipotálamo, que é o nosso centro regulador
da temperatura.

Estas prostaglandinas, nomeadamente as PGE2 vão fazer um


reset ao setpoint da temperatura no hipotálamo e vão aumentá-lo.
Assim, faz sentido que os AINE’s, ao inibirem as enzimas COX,
bloqueiem a síntese de PGE2, pelo que vão baixar a febre.

Pirogénos → podem ser exógenos (lipossacáridos de bactérias) ou endógenos


(IL-1 e TNF-α, mas não a IL-6!).

2. Elevação das proteínas de fase aguda positiva

A maior parte das proteínas do plasma são produzidas no fígado e, aquando


de uma infeção, há um aumento da síntese de determinadas proteínas (as
proteínas de fase aguda POSITIVA) em detrimento das proteínas de fase aguda
NEGATIVA, pela acção da IL-6 (e não das outras citocinas inflamatórias).

Há 3 proteínas principais cuja produção aumenta numa resposta inflamatória:

➔ Proteína C reativa (PCR);


➔ Fibrinogénio;
➔ Proteína Amilóide A sérica.

Tanto a PCR como a Proteína Amilóide A sérica vão desempenhar funções


de opsonização sobre os microorganismos, ativando o sistema de complemento
e promovendo a eliminação dos patogéneos. Por outro lado, o fibrinogénio vai
promover a agregação de eritrócitos, formando umas pequenas pilhas (rouleaux)
de tal forma que vão mais facilmente sedimentar, ou seja, na mesma unidade de
tempo vão sedimentar mais eritrócitos do que numa situação normal, daí que a
velocidade de sedimentação (VS) vai aumentar numa situação de inflamação.

3. Leucocitose

Temos um aumento do nº de leucócitos no sangue, que nos pode


indicar/sugerir uma patologia:

- Leucocitose com Neutrofilia – sugere uma infecção bacteriana;

- Leucocitose com Linfocitose – sugere uma infeção viral;

- Leucocitose com eosinofilia – sugere asma brônquica, rinite alérgica ou


infeção parasitária.
Pneumonia
Como podem ver, o caso clínico trata-se de um doente com pneumonia,
pelo que faz sentido abordar, de forma muito sintética, esta patologia.

A pneumonia é uma infeção do parênquima pulmonar, sendo que, na


maioria das vezes, é muito difícil encontrar o agente etiológico associado, pelo
que se faz um tratamento empírico (aplica-se um AB de largo espetro como
terapêutica porque não se tem certeza do microorganismo que está na base da
pneumonia).

Alguns agentes etiológicos possíveis:


Agentes etiológicos Causa
Streptococcus pneumoniae Aspiração dos m.o. da via respiratória
superior (faringe) para a inferior (pulmões)
Staphylococcus aureus Via hematogénea
Enterobactérias Doentes entubados (origem gastrointestinal)
Pseudomonas aeroginosa Doentes ventilados
As manifestações clínicas da pneumonia (febre, tosse, expectoração,
taquipneia) normalmente são consequência da não-eliminação do
microorganismo das vias respiratórias inferiores com consequente replicação ao
nível dos alvéolos. Nota que a semiologia não permite distinguir uma pneumonia
bacteriana de uma pneumonia viral.

A pneumonia pode se classificada nas mais variadas formas, sendo que é


importante saber:

• PAC (pneumonia adquirida na comunidade) – Streptococcus pneumoniae,


Haemophilus Influenza e Staphylococcus aureus;
• Pneumonia nosocomial: Pseudomonas aeroginosa, Acinetobacter
baumanii. É a principal causa de morte por infeção nosocomial;
• Pneumonia no idoso: manifestações atípicas, predominando a
taquipneia, confusão mental, fadiga, anorexia, entre outros;
• Mycoplasma pneumoniae é um agente típico em jovens < 20 anos e
normalmente não é coberta pelos AB de tratamento empírico;
• Doente com SIDA: pensar em causas atípicas como Pneumocystis
jirovecii ou Cryptococcus spp (ambos são fungos).

Nestes doentes com pneumonia é útil fazer colheita de expectoração, antes


do início da antibioterapia de forma a conseguirmos identificar o agente.

Quanto ao tratamento, se tivermos um doente saudável sem toma recente


de AB deveremos fazer amoxicilina. Se o doente tiver comorbilidades,
poderemos adicionar um macrólido (como azitromicina se Gram – ou
Claritromicina se Gram +).
Resolução da TP 1 – Introdução e Inflamação
Vamos analisar a TP 1 passo a passo.

Comecemos pela identificação do doente. MASA são as iniciais dos vários


nomes e apelidos do doente. Por exemplo, eu sou Pedro Medeiros Pinto, por isso
ficaria PMP. Isto faz-se por questões de confidencialidade de identificação do
doente.

Pela identificação podemos já tirar algumas informações: 79 anos, pelo


que temos um doente idoso que vive num lar. Isto de viver num lar pode ser
importante em questões de agentes etiológicos da pneumonia, onde devemos
pensar em alguns agentes menos típicos como Moraxella catarrhalis, além dos
típicos S.pneumoniae e H.influenza.

O que motivou ida do doente à urgência – dispneia, febre e tosse com


expectoração. O que é que isto nos leva a pensar?

Dispneia + tosse com expetoração – afeção da via respiratória.

A dispneia é a sensação subjetiva de falta de ar, não quantificável pelo


doente. Esta dispneia é um sintoma, ou seja, o doente consegue sentir a dispneia
mas o médico não consegue ter perceção disso. O que acontece é que a dispneia
(sintoma) se manifesta sobre alguns sinais (e é esta a diferença entre sintoma e
sinal). Um sinal é algo que se consegue ver. Neste caso, a dispneia traduz-se
sobre taquipneia (aumento da Frequência Respiratória (FR)) e tiragem (supra-
clavicular, infra-clavicular e intercostal).

A tosse com expectoração é uma consequência do exsudado que se


forma e acumula nos alvéolos pulmonares. Basicamente, os macrófagos
residentes do pulmão não conseguem eliminar os microorganismos, pelo que
desencadeiam uma resposta inflamatória. Esta vai promover a vasodilatação e
aumento da permeabilidade vascular com consequente formação de exsudado.
Este vai originar a expectoração, que através da tosse tenta ser eliminado, com
o intuito de não só permitir uma troca gasosa mais eficiente mas também de
eliminar os microorganismos que lá se acumulam.

Febre – decorre da ação de pirógenos (endógenos ou exógenos) que


levam à formação de PGE2 junto do hipotálamo. Na sequência de uma resposta
inflamatória, poderá ter por base (ou não) uma infecção. Nem toda a febre
decorre de uma infecção!
Assim, devemos logo ter em mente algo como pneumonia (infeção do
parênquima pulmonar, das vias respiratórias inferiores).

Vamos perceber como o aparecimento e evolução dos sintomas do


doente.

Iniciou um quadro de febre (quando vemos TT significa temperatura


timpânica), onde oscilou entre 38.5ºC-40.0ºC. Isto quer dizer que a febre foi
quantificada, ou seja, não é apenas sensação febril mas sim febre quantificada e,
como TT>37.5ºC podemos mesmo considerar que o doente teve febre. Ainda se
lembram das IL’s que estavam na base da febre? A IL-1 e a TNF-α mas não a IL-
6, não se esqueçam!

O facto do doente sentir arrepios é importante porque nos ajuda a


confirmar que o doente teve, efetivamente, febre. Imaginem um doente que vos
diz que “se sentiu com febre” no dia anterior. Vocês perguntam se ele mediu e
ele diz que não. Então referem que o doente teve sensação febril, porque não
conseguem afirmar que teve febre porque não sabem o valor da temperatura
corporal do doente. Mas se o doente vos disser que “se sentiu com febre, teve
arrepios e suores” então podem acreditar com maior segurança que teve,
efetivamente, febre, neste caso febre não quantificada.

A tosse com expectoração mucopurulenta já percebemos que está


relacionada com a resposta inflamatória que ocorre ao nível do parênquima
pulmonar quando os macrófagos residentes não conseguem “dar conta do
recado” e ativam esta resposta como forma de tentar melhorar a eliminação dos
microorganismos. No caso do nosso doente, deveremos pensar em quais 3
agentes principais? S.pneumoniae, M.catarrhalis, H.influenza!

A prostração significa um estado de “abatimento” físico e psíquico, uma


diminuição do estado de consciência do doente. Como acontece? Basicamente
temos um senhor idoso, 79 anos, com taquipneia consequente da dispneia que
sente (ou seja, o doente sente “falta de ar”, pelo que vai aumentar a frequência
respiratória para tentar obter mais “ar”), pelo que vamos ter perda de água pelas
mucosas e pela própria respiração. A juntar ao facto da idade do doente, onde
sabemos que os idosos, frequentemente, têm perda do reflexo da sede. Assim,
a baixa volémia vai levar a hipoperfusão cerebral (chega pouco sangue à cabeça,
basicamente), o que vai levar a uma diminuição do estado de consciência.

A astenia é definida como um cansaço geral, fraqueza orgânica, que se


atribui à alteração do metabolismo glicídico para metabolismo lipídico e proteico,
pelo que explica, também, as mialgias.

Assim, depois deste texto todo, fica aqui um resumo dos principais
sintomas do doente.

Além disso, referiu ainda a existência


de dispneia para pequenos esforços. A
dispneia pode ser classificada segundo uma
escala da NHYA (New York Heart
Association) em 4 graus, sendo que o nosso
doente apresenta uma dispneia classificada
em grau III.

A expectoração hemóptica significa que apresentava expectoração com


sangue, sendo que este provém de uma disfunção da barreia alvéolo-capilar que
permite o “leak” de eritrócitos de dentro dos capilares para o espaço alveolar,
misturando-se com a expectoração.

Quanto aos seus antecedentes pessoais, o que é preciso ter em


consideração? A HTA Essencial significa que o doente tem hipertensão arterial
(HTA) de causa desconhecida (primária), sem se reconhecer uma causa orgânica
(90% das hipertensões no adulto são deste tipo).
DPOC significa Doença Pulmonar Obstutiva Crónica que vamos estudar
numas aulas mais à frente mas ficam já a saber que se pode dividir em Bronquite
crónica e enfisema. Vamos ter um estreitamento das vias respiratórias e
destruição do parênquima pulmonar.

A Demência de Alzheimer vocês sabem o que é mas explicar só que,


neste contexto poderá ser importante ter em atenção que, sendo uma demência,
poderá promover ou facilitar as pneumonias de aspiração porque o reflexo do
vómito poderá estar alterado. Se for uma pneumonia de aspiração, então será
porque classe de microorganismos? Por Enterobactérias.

As pneumonias de repetição pode-nos sugerir duas questões: ou


fortalece a ideia de que o lar poderá ter más condições de higiene que favorecem
as pneumonias de repetição ou que a Demência de Alzheimer poderá estar tão
avançada que explica as pneumonias de aspiração. Nota que isto são apenas
“teorias”, coisas que deves ir pensando mas não são, obrigatoriamente, assim! O
senhor poderá ter as pneumonias de repetição por outra causa que não estas.

Agora vamos só perceber quais os fármacos que são utilizados e para que
doenças são.

Brometo de Tiotrópio – é um LAMA (Long Acting Muscarinic Antagonist),


para se utilizar de forma crónica (uma vez que tem um início e duração de ação
lento e prolongado). A lógica é a seguinte: se na DPOC temos o músculo liso das
vias respiratórias a contrair “em demasiado”, vamos querer bloquear essa
contração excessiva. Assim, vamos bloquear os recetores muscarínicos do
músculo liso, de forma a aumentar a permeabilidade das vias respiratórias de
menor dimensão.

Fluticasona + Salmeterol – A Fluticasona é um corticoesteróide que vai


diminuir a reação inflamatória que existe na DPOC, ao bloquear a fosfolipase e
toda a cadeia do ácido araquidónico. Por outro lado o Salmeterol é um LABA
(Long Acting Beta Agonist), ou seja, um agonista β2 que está presente no
músculo liso das vias respiratórias. Vamos pensar: se o SNParassimpático vai
contrair o músculo (broncoconstrição), então o SNSimpático vai relaxar o
músculo (broncodilatação). Assim, um LABA é um broncodilatador de longa
ação, também para fazer de forma crónica. Ao contrário dos LAMA, não vai
promover a não contração (impedir a broncoconstrição) mas vai mesmo
promover a broncodilatação! Parece que não mas é diferente.

Portanto, para a DPOC o doente faz o Brometo de Tiotrópio e a


Fluticasona+Salmeterol.

O Olmesartan é um anti-hipertensor da classe dos ARA’s (Antagonista


do Recetor da Angiotensina II), pelo que vai impedir toda a ação do sistema
Renina-Angiotensina-Aldosterona. A angiotensina II, de forma mais específica,
vai ser vasoconstritor, pelo que aumenta a tensão arterial (TA = DC x RVP, DC é
o débito cardíaco e RVP é a resistência vascular periférica). Assim, ao
impedirmos a vasoconstrição, vamos diminuir a RVP, pelo que diminuímos a
tensão arterial.

A Memantina é utilizada para a doença de Alzheimer, é um bloqueador do


recetor de NMDA de glutamato, pelo que impede a morte neuronal.

Agora chegamos à parte gira, que é perceber o porquê das coisas.

Como já tínhamos visto, temos um doente consciente mas prostrado (com


a diminuição do estado de consciência que se deve à desidratação do doente).
Mantém a febre ao exame objetivo (TT = temperatura timpânica = 38.9ºC),
apresenta ainda as mucosas desidratadas (devido à taquipneia) e cianose labial.

Quanto à cianose, esta é a coloração azul-arroxeada que podemos ver na


pele, mucosas ou leito ungueais (como quem diz, unhas).

Existem dois tipos de cianose: cianose central e cianose periférica. A


cianose periférica é aquela que vemos nas extremidades, como nos dedos das
mãos ou dedos dos pés. Esta cianose está relacionada com a temperatura e com
a vasoconstrição, ou seja, quando está muito frio os vasos vão-se afastar da
superfície da pele para evitar a perda de calor, pelo que existe uma grande
vasoconstrição que se faz sentir mais na periferia do corpo, como nas mãos/pés.
Assim, vamos ter uma diminuição da entrega de O2 aos tecidos porque temos
menos sangue a chegar lá. Este tipo de cianose “não é” preocupante porque
basta aquecermo-nos que vamos restabelecer a circulação e oxigenação o local.

A cianose labial é um tipo de cianose central que nos leva a pensar numa
causa respiratória normalmente. Para haver cianose tem de existir >5 g/dL de
desoxihemoglobina no sangue. Ao contrário do que podem pensar, uma pessoa
com um valor alto de Hb terá, mais facilmente, cianose do que um indivíduo com
anemia. Isto porque é mais fácil ter 5g/dL de desoxi-Hb num indivíduo que, de
base, tem 15 g/dL de Hb do que um indivíduo que tem, de base, 10g/dL de Hb.

Assim, o facto do doente ter cianose labial faz-nos pensar que a dispneia
é, de alguma forma, já acentuada e que já temos dificuldade a oxigenar os
tecidos.

A FR (frequência respiratória) está aumentada (considerada aumentada


quanto FR>20 cpm) como resposta à dispneia e hipoxia do doente. Diz-se que o
doente está taquipneico.

A FC (frequência cardíca) está aumentada (considerada aumentada


quando FC>100bpm) como resposta à prostração e hipoperfusão cerebral. Num
doente a desidratar vamos ter uma TA baixa, pelo que o aumento da FC vai
aumentar o débito cardíaco (DC= FC x VS, onde VS é o volume sistólico) de forma
a aumentar a TA. Diz-se que o doente está taquicárdico.

A auscultação cardíaca (AC) está normal, onde se identificam apenas os


2 sons “normais”, S1 (que corresponde ao encerramento das válvulas aurículo-
ventriculares) e S2 (que corresponde ao encerramento das válvulas semilunares).
Não existem extra-sons nem sopros, pelo que não se denotam alterações
cardíacas.

Na auscultação pulmonar (AP), temos o murmúrio vesicular (MV)


presente e simétrico, significa que o som normal dos alvéolos a abrir e fechar
(com a passagem do ar) está presente, que é o esperado. É importante estar
simétrico também nos 2 hemitóraxes. Depois temos fervores subcrepitantes na
base pulmonar direita, que são ruidos adventícios (sons que não se ouvem em
situação fisiológica e que nos fazem um heads up para pensar que não está tudo
bem), sendo que estes fervores subcrepitantes (presentes na inspiração e
expiração) fazem pensar em afeção da estrutura broncopulmonar, o que faz
sentido no contexto da DPOC.

Quanto ao exame objetivo do abdómen (inspeção, auscultação, percussão


e palpação) está tudo normal, como seria de esperar neste doente.

Nos membros inferiores é importante despistar sinais de edema


(nomeadamente se tivéssemos a pensar em Insuficiência Cardíaca poderíamos
ter edema dos membros inferiores, que não temos) bem como de trombose
venosa profunda (ambas as situações poderiam explicar o quadro de dispneia,
pelo que é importante excluirmos estas alterações).

Vamos lá ver estas análises agora. Para isto o que vocês fazem é pegar
na última página da vossa ficha da TP que tem lá os valores de referência que
devem utilizar.

Leucócitos estão aumentados, pelo que temos uma leucocitose. Isto


acontece porque a libertação de citocinas inflamatórias promove a passagem de
leucócitos da medula óssea (local de produção) para o sangue.

Neutrófilos estão também aumentados. Isto significa que temos uma


leucocitose com neutrofilia, pelo que temos grande probabilidade de a infecção
ser bacteriana.

Plaquetas estão, também, aumentadas, o que dá uma trombocitose. Isto


acontece porque a trombopoetina, hormona produzida pelo fígado que estimula
a produção de plaquetas pela modula, é uma proteína de fase aguda positiva,
pelo que temos um aumento da trombopoetina e, consequentemente, da síntese
de plaquetas.

A PCR é, também, uma proteína de fase aguda positiva, daí estar elevada
no sangue. Relembrar que é a IL-6 que vai estimular a produção de proteínas de
fase aguda positiva pelo fígado.
Passando agora para a gasimetria (em ar ambiente):

pH: está ligeiramente elevado, uma vez que o pH normal varia entre 7,35
e 7,45. Assim, o nosso doente está em alcalose porque tem o pH>7,45. Agora,
temos de pensar na causa. Nesta questão de ácido-base é importante perceber
qual a causa. Como o nosso doente tinha a tal pneumonia com a taquipneia,
significa que está a “hiperventilar”, pelo que está a perder demasiado CO2. Ora o
CO2 é uma substância ácida, pelo que se perdemos muito ácido, ficamos com o
pH alcalino. → O nosso doente tem uma alcalose respiratória.

A PaO2 significa a pressão parcial de oxigénio que existe no sangue


arterial. Como podem ver pelos valores de referência, esta está diminuída, pelo
que o indivíduo está em hipóxia. É fácil perceber que esta hipóxia do doente será
o principal estímulo para aumentar a FR do mesmo, numa tentativa de “ter mais
ar para respirar”.

A PaCO2 está baixa como consequência da taquipneia, o que vai originar


a alcalose respiratória.

O HCO3-, que é uma base, está perto do seu limiar inferior. Se o organismo
está em alcalose respiratória, o que faria sentido é o organismo “eliminar” as
bases de forma a se tornar um pouco mais ácido, para conseguir descer o
pH>7,45. Daí que, ainda que dentro do limite inferior, o valor está, teoricamente,
a baixar, de forma a compensar a alcalose respiratória.

Por fim, o exame cultural da expectoração demonstra que o nosso doente


estava infetado com Streptococcus pneumoniae, que é o principal agente quer
nas PAC (pneumonia adquirida na comunidade), bem como nos lares (a juntar
aos outros 2 que já falamos, vão ler mais acima!). Assim, já podem quase
adivinhar o AB que vai ser dado ao doente, espero eu!

O Raio-X do tórax mostra-nos um infiltrado no 1/3 inferior do campo


pulmonar direito que, se vocês bem se lembram, era onde se auscultavam os
fervores subcrepitantes. Assim, conseguimos perceber que temos os alvéolos
desta região tão “preenchidos” com expectoração que não só causam os tais
fervores subcrepitantes, como as alterações na gasimetria arterial, adicionado
ainda o preenchimento do seio costo-frénico direito, o que nos sugere a
existência de um derrame pleural. O derrame pleural acontece por haver
extravasamento a partir do exsudado formado.
Bem, se pensaram em Amoxicilina, ótimo! Se pensaram em Amoxicilina +
Azitromicina, melhor ainda, se bem que aqui já era mais difícil. A questão de
adicionar a azitromicina é apenas pelos AP do doente, ou seja, um doente com
76 anos, pneumonias de repetição, com DPOC… tem algumas comorbilidades
que podem justificar esta intervenção mais agressiva em termos de
antibioterapia.
Aula TP 2 – Perturbações iónicas e pH

Bem, passamos para uma nova TP que aviso desde já que é algo complexa
por isso muita atenção, principalmente na introdução teórica. Se perceberem
equilíbrio ácido-base estão ótimos para este ponto do semestre.

Introdução Teórica – Kumar + Slides da Drª Rute Baptista


A água é um dos principais constituintes do organismo, sendo que varia
nos dois sexos e com a idade:

No nosso organismo, a água é armazenada em 3 diferentes


compartimentos: intracelular e extracelular (que se divide ainda no espaço
intersticial que rodeia as células e no espaço vascular):

Sim, o esquema deixa algo a desejar vocês percebem a ideia. É importante


terem a noção que, em 50/55% do nosso peso corporal é água e que dessa %,
cerca de 35% encontra-se dentro das células do nosso corpo. Depois, a água
que não está dentro das células está ou dentro dos vasos (a menor parte, apenas
5%) ou a banhar as células/tecidos – 12 a 13%.

A pressão osmótica é entendida como a força que um compartimento tem


em manter a água naquele local. É tanto maior quanto maior for o nº de solutos
nesse compartimento.

Nota que a água, por osmose, se move do local com menos solutos para
o local com mais solutos!
Cada compartimento tem um soluto que é responsável pela pressão
osmótica naquele local:

➔ Meio intracelular: ião K+;


➔ Meio extracelular – espaço intersticial: ião Na+;
➔ Meio extracelular – espaço vascular: proteínas plasmáticas.

Assim, percebemos que o armazenamento de Na+ é fulcral para


regularmos o volume do líquido extracelular (vascular e intersticial), sendo que
este ião tem uma grande regulação por parte do rim.

Vamos ter dois mecanismos principais:

➔ Mecanismo de regulação de volume


➔ Mecanismo de regulação da osmolaridade

Mecanismo de regulação de volume


O mecanismo de regulação de volume possui recetores que vão estar
relacionados com as alterações da volémia e não da [Na+] no sangue.

Ao nível do rim, o principal local de atuação é no TCP (com a angiotensina


II) e no o tubo coletor (aldosterona e ANP).

Temos 2 tipos de recetores:

➔ Recetores intra-renais: células justa-glomerulares na camada


muscular da arteríola aferente do glomérulo renal.
➔ Recetores extra-renais: células no arco aórtico, no seio carotídeo e na
aurícula esquerda.

A arteríola aferente, regulada não só pela angiotensina II (promove a sua


vasoconstrição) como pela PGE2, que promove a sua dilatação, vai ditar a taxa
de filtração glomerular, ou seja, quanto do sangue é filtrado para urina.

A aurícula esquerda possui estes recetores que vão permitir perceber o


grau de enchimento da aurícula (que acaba por traduzir a volémia do doente,
uma aurícula muito cheia à partida indica que o doente tem muito sangue), pelo
que vai regular a volémia do doente pela libertação de ANP (atrial natriuretic
peptide, que atua no tubo coletor).

O arco aórtico e seio carotídeo vão transmitir informação pelo


SNSimpático ao coração, de tal forma que podem influenciar a FC e, desta forma,
regular a TA.
Espero que este esquema ajude a perceber um pouco:

O que acontece numa pessoa com edema?

Uma pessoa com edema tem um aumento do volume no espaço extra-


celular, nomeadamente no espaço intersticial. O que é que isto faz? Faz com que
o espaço intra-vascular “pareça” estar mais vazio do que o habitual, pelo que
podemos ter a TA mais baixa que o suposto. No entanto a água está apenas no
sítio errado!

No entanto, o que acontece é que os recetores de pressão intra e extra-


renais (os sensíveis à variação da volémia) vão ter a perceção que existe uma
baixa da volémia, pelo que vão ativar os respetivos mecanismos (ativação do
Sistema Renina-Angina-Aldosterona bem como bloqueio da libertação do ANP
e aumento da libertação de catecolaminas para aumentar a FC).

Mecanismo de regulação da osmolaridade


As alterações na [Na+] são sentidas por osmorrecetores, que vão regular
o estímulo da sede e a libertação da ADH.

A ADH (hormona anti-diurética) é, como o próprio nome indica, a


hormona que impede a diurese, pelo que “impede” a formação de urina. A mim
facilita-me pensar que é a hormona “anti-xixi”, ou seja, concentrações elevadas
de ADH vão diminuir o volume de urina e tornar a urina mais concentrada,
enquanto baixos valores de ADH vão originar muito volume de urina, muito
diluída. Podem pensar também como hormona “poupadora de água”.
De onde vem? → Núcleo supra-ótico do hipotálamo (e não paraventricular,
daí vem a oxitocina!)

Onde atua? → Nas células principais do tubo coletor (e não só!)


Recetor Local Função
V1A Músculo liso dos vasos Vasoconstrição
V1B Hipófise anterior Facilita a libertação da ACTH
Células principais do tubo Mantém a aquaporina 2 aberta para reabsorção de
V2
coletor do rim água

Relembrar que o tubo coletor tem 2 tipos de células:

• Células principais, com grande nº de bombas Na+/K+, onde atua a ADH;


• Células intercalares (α e β) onde temos troca de H+/HCO3- para regular o
equilíbrio ácido-base.

Como funciona a ADH?

1. Quando a [Na+] > 135mmol/L há libertação de ADH por parte do núcleo


supra-ótico do hipotálamo;
2. A ADH atua nos seus vários recetores, sendo que, ao nível do tubo coletor
do rim, atua nos recetores V2;
3. As células principais do tubo coletor vão ter uma ativação da Adenil
ciclase, aumentando a [cAMP];
4. Este aumento do cAMP vai promover a fusão de vesículas que contêm
aquaporinas nos 2 lados da membrana das células principais do TC;
5. Assim, forma-se um canal que permite a passagem unidirecional de água
da urina para o sangue;
6. Aumenta-se a reabsorção de água, diminuindo a água que é perdida na
urina e aumentando o volume de água no sangue;
7. Ao aumentar a água no sangue vamos diminuir a [Na+] pelo que
interrompemos o estímulo de libertação da ADH.
Aqui vai um resumo importante para não confundirem a regulação de
volume com a regulação da osmolaridade:

Agora interessa falar muito brevemente nos tipos de alterações


eletrolíticas que mais frequentemente se encontram, como os que dependem das
variações de Na+ bem como os de K+.

• Hipernatrémia: aumento da [Na+]>145mmol/L;


• Hiponatrémia: diminuição da [Na+]<135mmol/L;
• Hipercaliémia: aumento da [K+]>5.0mmol/L;
• Hipocaliémia: diminuição da [K+]<3.5mmol/L.

Estes conteúdos são bastante complexos e, na minha opinião, não faz


sentido saberem tão cedo no curso. Para os mais curiosos, fica uma explicação
pormenorizada no Kumar entre as páginas 648 e 656. Eu vou fazer um resumo
muitooo sumário para que não fiquem completamente ignorantes no que toca a
este tema.
Hiponatrémia
Como já sabem, a hiponatrémia equivale a uma [Na+]<135mmol/L. No
entanto, esta hiponatrémia pode ser acompanhada de hipovoléima, euvolémia
ou hipervolémia. Vamos ver cada caso.

Hiponatrémia com hipovolémia – significa que o organismo não só


perdeu Na+ como perdeu, também, água/sangue. Assim, podemos dividir as
causas em 2 conjuntos:

- Causas extra-renais: vómitos, diarreia, hemorragias;

- Causas renais: diurese osmótica (quando o organismo tem uma diurese


aumentada devido à presença de susbtâncias osmoticamente ativas, como
glicose no caso dos diabéticos) ou abuso de diuréticos.

Hiponatrémia com euvolémia – temos demasiada ingestão de água para


aquela que o organismo consegue eliminar, pelo que acaba por haver uma certa
diluição, ou seja, não é o organismo que tem pouco Na+ mas há demasiada água
para o Na+ que existe. O que pode causar isto?

- Hipersensibilidade à ADH (pelo que o organismo reabsorve muita água


que seria eliminada pela urina), aumento da produção de ADH ou polidipsia
psicogénica (a pessoa bebe água de forma incessante sem ter sede).

Hiponatrémia com hipervolémia – acaba por funcionar como as causas


de edema do organismo – insuficiência cardíaca, insuficiência hepática,
hipoalbuminémia.

Hipernatrémia
Esta situação é mais rara que a hiponatrémia e, na maioria das vezes deve-
se a uma diminuição do aporte de água. Ou seja, não é necessariamente a [Na+]
que aumenta mas sim a água para diluir esse Na+ que vai diminuir.
Antes de falarmos das causas vamos só relembrar o seguinte mecanismo:

Assim, as principais causas podem ser:

- Diminuição da sensibilidade à ADH – diabetes insipidus nefrogénica –


chama-se nefrogénica porque a culpa está no “rim”, nomeadamente nas células
principais do tubo coletor do rim que não vão ser sensíveis à ligação da ADH no
recetor V2, pelo que não vão promover a reabsorção de água;

- Diminuição da produção de ADH – diabetes insipidus central – o


problema é central, nomeadamente ao nível do hipotálamo, não havendo
produção da ADH;

- Fármacos ou ou soluções que aumentem a [Na+].

Alterações na [K + ]
O K+ é um ião que se encontra, principalmente, a nível intra-celular, pelo
que os seus níveis séricos dependem de:

1) O que é retirado para dentro da célula (uptake intra-celular);


2) O que é perdido: quer pelo rim (perda renal de K+) quer por perda
gastrointestinal (perda extra-renal de K+).

Agora, como regulamos o uptake de K+ intra-celular?

Uptake intra-celular estimulado por: Uptake intra-celular inibido por:


- Insulina - Acidose
- Estimulação β adrenérgica - Estimulação α adrenérgica
- Teofilinas - Lesão/morte celular

Numa situação de acidose temos um aumento da [H+], sendo que existe


um trocador iónico ao nível da célula entre K+ e H+, pelo que há uma certa
reciprocidade entre estes 2 iões:

➔ Uma acidose vai promover uma hipercaliémia porque o H+ vai tentar


entrar dentro da célula para diminuir a sua [H+] no sangue, pelo que
aumenta a saída de K+ para o sangue (hipercaliémia);
➔ Uma hipocaliémia vai promover a saída de K+ das células para a
corrente sanguínea, pelo que ao sair K+ vai entrar H+, pelo que
podemos promover uma alcalose.
O principal regulador do balanço do K+ é o rim:

➔ Reabsorção: de todo o K+ que é filtrado, cerca de


90% é reabsorvido no TCP (tubo contornado
proximal), onde apenas 10% são entregues à
ansa de Henle, TCD e tubos coletores;
➔ Secreção: no tubo coletor, nas células principais,
a ação da aldosterona promove a reabsorção de
Na+ em troca da secreção de K+ e H+. (Estímulos
para libertação de aldosterona: hipercaliémia e
angiotensina II).

Hipocaliémia
Como se define hipocaliémia? Com a [K+]<3.5mmol/L! Nota que a [K+] séria
do K+ está em valores muito inferiores, bem como a janela de concentrações entre
hipo e hipercaliémia é muito mais estreita do que para a [Na+].

Principais causas de hipocaliémia:

- Diarreia crónica;

- Uso de diuréticos;

- Hiperaldosteronismo (aumenta a secreção de K+ nos tubos coletores);

- Deficiência na ingestão de K+.

Hipercaliémia
A hipercaliémia define-se como [K+]>5.0mmol/L.

Principais causas de hipercaliémia:

- Após prática de exercício físico vigoroso (normalmente insignificante);

- Aumento da libertação de K+ pela célula e diminuição da sua excreção


renal;

- Iatrogénico com toma concomitante de IECA (ao


diminuir a angiotensina II vai diminuir a aldosterona pelo
que diminui a excreção de K+) com um diurético poupador
de potássio (como os antagonistas da aldosterona –
espirinolactona ou epleronona – ou um bloqueador dos
canais de Na+ das células principais do tubo coletor –
bloqueador do ENaC como triantereno ou amilorida).
Equilíbrio ácido-base
Como vos disse, é mesmo importante que estejam atentos a esta parte
porque vai ser importante para o resto da vossa vida. É uma questão mesmo de
perceber, pouco tem de decorar. Vamos lá então!

A [H+] intra e extra celular é um mecanismo muito bem regulado, uma vez
que o pH é o -log[H+], por isso uma pequena variação na [H+] dá, efetivamente,
uma alteração logarítmica no pH.

Não confundir os termos:

1) Acidémia → pH<7.0 → [H+] elevada → causada por uma acidose


2) Alcalémia → pH>7.0 → [H+] baixa → causada por uma alcalose

Ou seja, a acidose/alcalose são o mecanismo/processo fisiopatológico que


leva às alterações da [H+] no sangue. A variação de pH correspondente vai
originar um estado de acidémia ou de alcalémia.

Para ficar já esclarecido, o pH do sangue varia entre 7,35 a 7,45. Por isso, os
valores orgânicos de acidémia e alcalémia são diferentes dos valores bioquímos.
Logo, acidémia → pH<7,35

Alcalémia → pH>7,45.

A nossa dieta é especialmente rica em substâncias ácidas, pelo que têm de


existir mecanismos tampão que consigam neutralizar estas substâncias de forma
a não influenciarem a [H+] sérica e, consequentemente, o pH.

Que sistemas-tampão existem para regular o equilíbrio ácido base?

O sistema mais importante é o do bicarbonato-ácido carbónico. Este funciona


sobre a seguinte equação:

Assim, quando existe uma situação de acidose que faça aumentar a [H+],
vamos ter um aumento dos reagentes, pelo que a equação se desloca para a
direita, ou seja, há consumo de bicarbonato (HCO3-) para formar ácido carbónico
(H2CO2) que, na presença de anidrase carbónica, de vai converter em dióxido de
carbono (CO2) e água (H2O).

Assim, para evitar a acidémia há conversão de H+ em ácido carbónico e,


consequentemente, CO2. Como vimos, o CO2 é uma substância ácida, pelo que o
organismo vai aumentar a FR de forma a ventilar mais para eliminar o CO2 pela
respiração. No entanto, este mecanismo não vai regenerar o bicarbonato que se
perdeu!

Assim, temos de arranjar forma de “reaver” o bicarbonato perdido. E a


solução está no rim: vamos aumentar a secreção de H+ no rim de forma a
reabsorver o bicarbonato que tinha sido filtrado no sangue.

Vamos falar um pouco do bicarbonato (HCO3-). A sua [HCO3-] varia entre 22


e 30 mmol/L e é preciso manter esta janela num intervalo muito estreito, por isso
quase todo o HCO3- que é filtrado do sangeu vai ser reabsorvido no rim de forma
a regenerar o bicarbonato consumido.

Reabsorção renal de bicarbonato

Ocorre 90% ao nível do TCP, local onde existe maior concentração de


anidrase carbónica.

Como é que isto procede? O que estão a ver na imagem é uma célula do TCP.
Existe uma Na+/K+ ATPase (que não está representada) que faz com que o Na+
passe de dentro da célula para o sangue (como está representado) enquanto o
K+ entra dentro da célula (não representado).

Assim, no outro lado da membrana existe


um anti-porte de Na+/H+. Como o Na+ tinha
saído de dentro da célula, agora vai entrar pelo
anti-porte, enquanto o H+ vai sair de dentro da
célula para o lúmen do TCP. Neste lúmen, o H+
vai reagir com o HCO3-, de forma que vão
originar ácido carbónico (H2CO3). A anidrase
carbónica do lúmen (Anidrase carbónica IV) vai
converter o ácido carbónico em CO2 e H2O (na
imagem também), sendo que estes são
reabsorvidos e, pela anidrase carbónica II vão
ser convertidos em ácido carbónico, que se
dissocia em bicarbonato e H+. O bicarbonato é
reabsorvido para o sangue enquanto o H+
retorna pelo anti-porte Na+/H+ para o lúmen do TCP.
Agora um pequeno esquema para resumir isto:

Excreção renal de H+

Já vimos que existe muito H+ a ser secretado no TCP ao nível do anti-porte


Na+/H+. No entanto, este H+ acaba por ser reabsorvido na forma de ácido
carbónico, sendo depois novamente secretado em H+… Ou seja, forma-se aqui
um loop onde o H+ acaba por não ser realmente desperdiçado para a urina.
Assim, a sua secreção vai ocorrer distalmente no nefrónio.

Ao nível do tubo coletor vimos que existiam as células principais, onde atuava
a ADH e a aldosterona e outras células, as células intercaladas (α e β) onde
dissemos que havia a regulação do ácido-base.

As células intercaladas α vão atuar em situações de acidémia (fácil decorar:


alfa – acidémia) porque vão secretar H+ para o lúmen/urina enquanto reabsorvem
K+. Nota que a ação da aldosterona promove a reabsorção de Na+ nas células
principais, enquanto há secreção de K+ para o lúmen/urina. Assim, a ação da
aldosterona vai disponibilizar o K+ no lúmen para ser reabsorvido pelas células α,
o que vai permitir a secreção de H+. → A aldosterona estimula a secreção de H+.

As células intercaladas β vão ser o oposto (atuar em situações de alcalémia),


ou seja, vão promover a secreção para o lúmen/urina de HCO3- e a reabsorção de
H+, pelo que têm a função oposta.
Nota que a secreção de H+ para a urina ocorre como forma de eliminação
de ácido o nosso organismo. A urina é, por isso, ácida, ou seja, pH<7. No entanto,
caso o pH da urina fique pH<4 o rim deixa de conseguir eliminar H+ para lá. Como
é que isto se resolve? Existem mecanismos de tampão na urina que vão manter
o pH>4, de forma a possibilitar a secreção de H+.

Quais os mecanismos tampão que vão manter o pH da urina >4?

Temos 2 mecanismos principais:

1) Ácido titulável, no qual temos uma substância que é filtrada para a


urina que vai ser capaz de receber um H+, sendo que depois são
eliminados pela urina.
a. Exemplo: Ácido fosfórico

2) Amónia, útil em situações de acidose


metabólica, sendo mais eficiente que os
ácidos tituláveis nesta situação. Nas
células do tubo contornado proximal, a
glutamina é convertida a amoníaco
(NH3). Este passa para o lúmen do
túbulo, onde viaja ao longo do tubo até
se conjugar com um H+, originando
amónia (NH4+), sendo excretado na
urina nesta forma. Assim, permite
“eliminar” um H+ da urina, contribuindo
para a não-adicificação da urina.
Agora vamos perceber, efetivamente, o que é o equilíbrio ácido-base em
termos clínicos.

Em primeiro lugar, temos de pensar em 2 sistemas que funcionam


paralelamente e que se influenciam mutuamente:

1) Aparelho respiratório, vai regular a libertação de mais ou menos CO2


(acidose ou alcalose respiratória);
2) Aparelho renal, onde vamos regular o bicarbonato e os restantes
tampões existentes (acidose ou alcalose metabólica).

Um exemplo da sua interação é a seguinte: no caso de uma acidose


metabólica o organismo vai tentar compensar com um alcalose respiratória, ou
seja, se temos demasiado “ácido” no organismo por razões metabólicas, o
aparelho respiratório vai eliminar o “ácido” que tem (CO2) através da
hiperventilação.

É importante que compreendam este quadro mas vamos analisar linha a


linha.

Acidose respiratória: ora se é uma acidose, então o pH estará normal ou


a diminuir, pois está a ficar mais ácido. A PaCO2 está alta, porque é a causa da
acidose (respiratória), estamos a reter CO2. Para compensar, o organismo vai
tentar aumentar a reabsorção de bicarbonato para contrariar a acidez.

Alcalose respiratória: teremos o pH normal ou a aumentar, pois está a


ficar mais alcalino. A PaCO2 vai estar baixa (porque é uma alcalose respiratória),
pelo que não há necessidade do organismo compensar com a reabsorção de
bicarbonato, pelo que este valor está baixo.

Acidose metabólica: vamos ter o pH normal ou a descer porque está a


ficar ácido. Se a acidose é metabólica, temos de compensar com o sistema
respiratório, pelo que queremos uma alcalose respiratória, ou seja, hiperventilar
para diminuir a PaCO2 (chamada respiração de Kussmaul, onde o doente respira
muito profundamente mas com FR elevada), pelo que esta estará baixa. O
bicarbonato está baixo pelo seu consumo pelo organismo.

Alcalose metabólica: vamos ter o pH normal ou a aumentar, porque está


a ficar alcalino. O sistema respiratório vai ventilar pouco de forma a tentar
aumentar a componente ácida através da retenção de CO2, pelo que este está
alto. Por outro lado, o bicarbonato estará alto também, uma vez que é uma
alcalose metabólica.

Nota que esta resposta compensatória não é aleatória, existe uma proporção em
termos de “reajustamento” do equilíbrio com resposta respiratória ou renal em
função da origem do estímulo:

Ou seja, numa situação de acidose metabólica, por cada diminuição da


concentração plasmática de 1 HCO3-, vamos ter o “desperdício” de CO2 em
1,25mmHg PaCO2.

Por outro lado, numa alcalose metabólica, pelo aumento de 1 HCO3-


vamos ter a retenção de CO2 para aumentar a sua pressão marcial em
0,75mmHg.

Agora, as alterações de origem respiratória dividem-se em crónicas ou


agudas, sendo que as alterações crónicas vão ter repercussões mais pesadas
que as de caráter agudo.
Numa acidose respiratória, por cada aumento da PaCO2 em 10mmHg,
vamos aumentar em 1 ou 4 mmol/L a [HCO3-], consoante seja aguda ou crónica.

Numa alcalose respiratória, por cada perda de PaCO2 em 10mmHg,


vamos perder 2 ou 4 HCO3- consoante seja aguda ou crónica, respetivamente.

Agora interessa perceber que a resposta do organismo às alterações do


balanço ácido-base não ocorre de forma simultânea em todos os mecanismos
reguladores, ou seja:

➔ Existe um mecanismo de correção imediato: sistemas tampão que vão


alterar de forma rápida (mas em pouca quantidade) a concentração de
HCO3-;
➔ Mecanismo de correção renal que regula a reabsorção ou excreção de
H+, que demora horas a iniciar mas só se completa ao final de alguns
dias;
➔ Mecanismo de correção respiratório inicia-se 30 minutos depois do
desequilíbrio e completa-se entre 12h a 24h.

Sistemas Adaptação Adaptação


tampão respiratória metabólica

Depois de termos abordado rapidamente os 4 desequilíbrios simples (são os


mais comuns, sendo que podem existir desequilíbrios mistos!) do balanço ácido-
base, vamos atentar nos desequilíbrios de origem metabólica porque podem ser
os mais difíceis de compreender.

Mas quais são os valores de referência para os diferentes componentes?

Esta é a tabela que têm nas últimas páginas das vossas fichas da TP de
fisiopat e são os valores pelos quais se devem reger.
Acidose metabólica
A acidose metabólica carateriza-se como:

➔ pH < 7,35;
➔ [HCO3.] < 22mmol/L;
➔ PaCO2 < 35 mmHg.

Ou seja, podemos ter uma acumulação de ácido no nosso organismo ou


uma perda de base (perda de HCO3-), sendo que estas situações têm origens e
causas diferentes. Como fazemos para distinguir uma da outra? Calculamos o
anion gap!

O que é e como calcular o anion gap?

Antes disso temos de saber que o total de catiões (iões de carga +) e de


aniões (iões de carga -) é a mesma, ou seja:

Total de catiões = Total de aniões

Agora, que catiões é que nós conseguimos medir no sangue? Os mais


representativos são o Na+ (cuja concentração varia entre 135 e 145 mmol/L) e o
K+ (cuja concentração varia enter 3.5 e 5 mmol/L). Depois existem outros aniões
que não são medidos mas que existem no sangue, como o Ca2+ e o Mg2+ que são
chamados de catiões não medidos porque sabemos que existem mas a sua
concentração no sangue é baixa.

Quanto aos aniões temos de destacar o Cl- e o HCO3-, bem como outros
aniões que sabemos que não existem mas que não são medidos, chamados de
aniões não medidos.

Substituindo os catiões e aniões pelos iões que mencionamos em cima,


vem que:

Rearranjando a equação, chegamos a:

Assim, chegamos à conclusão que o Anion Gap é a diferença entre as


cargas positivas e as cargas negativas, ou seja, a diferença entre os aniões não
mensurados e os catiões não mensurados. Idealmente, esta diferença seria 0 (de
acordo com a definição de que o balanço de cargas positivas e negativas no
organismo é 0), mas isso não acontece! Porquê?
Porque existem mais aniões não mensurados do que catiões não
mensurados, há mais iões de carga negativa no nosso sangue que nós não
conseguimos medir do que catiões que não conseguimos medir. Logo, o Anion
Gap varia entre 8 a 10mmol/L.

Numa situação de acidose metabólica vamos ter consumo de HCO3-, pelo


que a sua concentração vai diminuir. Para que o total de catiões seja igual ao
total de aniões, vão ter de acontecer uma de duas coisas:

1) Ou o que aumenta é o Cloro, pelo que temos uma acidose metabólica


hiperclorémica;
2) Ou aumentam os aniões não medidos, pelo que temos uma acidose
metabólica normoclorémica mas com aumento do anion gap.

Assim, definimos Anion Gap (Hiato aniónico) como a diferença entre os


aniões não mensurados e os catiões não mensurados, que varia entre 8 a 10
mmol/L.

Agora sim vamos perceber como funciona isto da acidose metabólica. A


primeira coisa que fazemos logo é calcular o Anion Gap e, a partir daí, vamos
perceber se:

• Estamos a perder base (HCO3-), sendo que


o anion gap se mantém - chamada acidose
metabólica hiperclorémica ou com anion
gap normal;
• Estamos a acumular um outro ácido no
nosso organismo, pelo que o anion gap vai
aumentar porque vamos aumentar os
aniões não mensurados - chamada acidose
metabólica normoclorémica ou com anion
gap aumentado.
Acidose metabólica com aumento do anion gap (normoclorémica)

Se temos o aumento do anion gap significa que vamos ter aumento dos
aniões não medidos, ou seja, vamos acumular substâncias ácidas que vão ter
carga negativa, daí que há uma maior diferença (em relação ao normal) entre os
aniões medidos e os catiões medidos, pelo que aumenta o valor do AG (AG>10).

Fica uma mnemónica para as causas de acidose metabólica com aumento


do anion gap: GOLDMARRK

Este gráfico vai comparar uma situação


normal (parte da esquerda da imagem) com uma
situação de acidose metabólica normoclorémica.
Vemos que existe uma diminuição da [HCO3-] que se
justifica pelo seu consumo no contexto de uma
acidose metabólica pelo aumento de ácidos não
medidos, como é o caso do lactato. Percebemos
então que o esquema ao lado demonstra uma
acidose metabólica causada pela acidose lática.

Acidose metabólica sem aumento do anion gap (hiperclorémica)

Se não vamos aumentar os aniões não medidos no organismo mas temos


de manter a totalidade de aniões = totalidade de catiões, então vamos ter uma
perda de base (HCO3-) com consequente aumento do cloro, daí ser
hiperclorémica.

Agora resta perceber onde vamos perder esse bicarbonato, que poderá
ser de duas formas: através do rim ou de forma extra-renal.
Sabemos que, numa situação de acidose
metabólica com um funcionamento normal do
rim, vamos tentar eliminar H+ para a urina, urina
esta que deve manter um pH>4 para permitir
esta excreção de H+ ativa. Assim, vamos
sintetizar amoníaco (NH3) ao nível das células
do TCP que vai reagir com o H+ secretado para
a urina e formar o ião amónia (NH4+). Acontece
que esta amónia é excretada na urina como
NH4Cl, pelo que, se conseguirmos dosear o Cl-
na urina conseguimos estimar a eliminação de
NH4+.

Por outro lado, para que ocorra essa eliminação com o Cl- é preciso que
ocorra reabsorção renal de HCO3-, pelo que conseguimos depreender que se
houver pouca reabsorção de bicarbonato haverá pouca quantidade de Cl- na
urina, pelo que estamos a perder bicarbonato para a urina → perda renal de
bicarbonato.

No entanto, se a [Cl-]urinário for alta significa que conseguimos eliminar


bastante ácido pela urina e que foi reabsorvido bicarbonato, pelo que exclui a
causa renal como perda de bicarbonato e sugere → perda extra-renal de
bicarbonato.

Assim já conseguimos perceber esta imagem: o Anion Gap urinário pode


ser definido como a diferença entre catiões e aniões urinários.

Numa situação de perda extra-renal de HCO3- vamos ter uma grande


eliminação renal de Cl-, pelo que depreendemos que a eliminação de NH4+ é,
igualmente, alta e que as suas concentrações na urina são grandes.
Consequentemente, a diferença entre catiões e aniões é negativa porque temos
bastantes aniões na urina, pelo que o AGu é negativo.

Agora vamos fazer o pensamento ao contrário. Calculo o AGu e dá


positivo. Começo por pensar “o que significa este AGu?” → Diferença entre
catiões e aniões. Se é positivo, significa que [catiões]urinário > [aniões]urinário, que é
como quem diz [Cl-]urinário é baixa. Se é baixa então é porque se reabsorveu pouco
HCO3- ao nível do rim, pelo que estamos a perder bicarbonato de forma renal →
perda renal de HCO3-.

Fica aqui um resumo dos tipos de acidose metabólica bastante útil.

Nota muito importante: se tivermos um doente com um pH normal mas o


AG (sanguíneo, não o urinário) estiver aumentado, então temos que pensar que
está a ocorrer pelo menos um processo de acidose metabólica!

Outra das importâncias do Anion Gap é a possibilidade de perceber se


está a ocorrer algum tipo de distúrbio misto! Vamos primeiro definir duas coisas:

A variação do anion gap é a diferença entre o anion gap do doente e seu


valor normal (entre 8 a 10), ou seja, esta variação basicamente diz-nos se temos
uma acidose com aumento de anion gap (normoclorémica) ou não.

A variação da [HCO3-] corresponde à diferença entre o valor de referência


do bicarbonato e o bicarbonato do doente. Teoricamente, se o doente tiver uma
variação positiva, significa que estamos numa situação de acidose (ou por
consumo de HCO3- ou por perda (renal ou exta-renal) do mesmo).

Agora podemos ter um rácio entre as duas variações:


Imaginem uma situação de acidose metabólica com aumento do anion gap
no contexto de, por exemplo, acidose lática. A variação de AG vai ser positiva
porque temos o anion gap aumentado. Por outro lado, perante a acumulação de
ácido, o bicarbonato vai ser consumido de uma forma proporcional à quantidade
de ácido que existe no organismo, pelo que a variação de bicarbonato é positiva
também (de acordo com as fórmulas mencionadas em cima).
Consequentemente, o ratio das variações de AG/Bicarbonato será positivo.

O que significa se houver uma discrepância no ratio?

De uma forma simples, sugere um distúrbio de causa mista!

Vamos ver alguns exemplos:

1) Vómitos + acidose lática

Numa situação de vómitos o que vai acontecer é que vamos perder ácido
gástrico, pelo que teremos uma alcalose metabólica. Essa alcalose metabólica vai
fazer com que a variação de bicarbonato seja negativa, ou seja, o doente vai ter
mais bicarbonato do que seria suposto (referência).

Por outro lado, a acidose lática vai originar uma acidose metabólica com
aumento do anion gap, pelo que AG vai ser positivo.

Logo, se temos uma variação de bicarbonato negativa e uma variação de


AG positiva, vamos ter uma discrepância no ratio entre estas duas variações! Isto
porque temos uma alcalose metabólica + acidose metabólica com aumento do
anion gap → distúrbio misto!

2) Diarreia + Acidose lática

Numa situação de diarreia o que vamos ter é uma perda extra-renal de


bicarbonato, pelo que entramos na categoria das acidoses metabólicas sem aumento do
anion gap ou hiperclorémicas com perda extra-renal de bicarbonato.

Na acidose metabólica já vimos que temos um aumento do anion gap do doente.


Assim, vemos que a variação de AG é positiva. No entanto temos como se
fossem “duas acidoses” pelo que a perda de bicarbonato é maior do que a que seria
expectável, pelo que temos uma discrepância nas duas variações. Isto acontece porque
tempos um distúrbio misto → acidose metabólica hiperclorémica (diarreia) + acidose
metabólica com aumento de anion gap (acidose lática).

Alcalose metabólica
A alcalose metabólica carateriza-se por:

• pH > 7,45;
• [HCO3-] > 30 mmol/L;
• PaCO2 > 45mmHg.

Esta situação é bastante frequente e pode mesmo levar à morte! Como é


que acontece? Basicamente temos duas fases:

1) Geração da alcalose metabólica por perda excessiva de ácido ou


ganho/acumulação de base;
2) Manutenção da alcalose metabólica por incapacidade de excreção
renal de bicarbonato.

As principais causas são:

➔ Administração exógena de base;


➔ Perda GI de HCl-;

Por vezes pode estar associada a uma situação de hiperaldosteronismo,


onde temos uma grande reabsorção de Na+ com eliminação de K+, o que vai
originar uma hipocaliémia com consequente saída de K+ de dentro da célula e
entrada de H+, o que origina uma acidose intra-celular e uma alcalose metabólica.
Acidose respiratória
A acidose respiratória é definida como:

• pH < 7,35;
• [HCO3-] > 30mmol/L (porque é compensatório);
• PaCO2 > 45mmHg.

Agora, quais as principais causas desta alteração? → Hipoventilação


pulmonar. Se o pulmão estiver a ventilar menos, estamos a desperdiçar menos
CO2, pelo que o vamos reter e originar esta acidose respiratória. Esta
hipoventilação pulmonar pode ser com ou sem patologia pulmonar.

Hipoventilação s/ patologia pulmonar Hipoventilação c/ patologia pulmonar


Depressão do centro respiratório Asma
Cifoescoliose DPOC
Doença neuromuscular Pneumonia

Alcalose respiratória
A alcalose respiratória define-se como:

• pH > 7,45;
• [HCO3-] < 22mmol/L;
• PaCO2 < 35mmHg.

Como é que acontece esta alteração? Situação oposta, ou seja, em caso


de hiperventilação! O doente está a perder demasiado CO2 de tal forma que entra
em alcalose respiratória. O organismo, para compensar, vai aumentar a perda de
bicarbonato (principalmente de forma renal). Esta hiperventilação pode ser com
ou sem patologia respiratória:

Hiperventilação s/ patologia pulmonar Hiperventilação c/ patologia pulmonar


Febre Pneumonia
Gravidez Embolia pulmonar
Vamos agora só resolver 2 casos para que percebam passo a passo como
analisar o equilíbrio ácido-base:

CASO 1

Começamos logo a pensar que, se o doente teve diarreia, então poderá


ter perdido bicarbonato na diarreia, o que nos leva a suspeitar de acidose
metabólica.

Começamos a olhar para o pH → 7,31. O doente tem uma acidémia. Agora


vamos perceber qual a acidose que a causou, ou seja, qual a alteração orgânica
que esteve na base da alteração do pH.

Vemos que a PaCO2 está diminuída (<35mmHg), enquanto a [HCO3-] está


baixa (<22mmol/L). Logo, percebemos que a acidémia não poderá ser por
retenção de CO2 mas sim por perda de base, pelo que comprova a acidose
metabólica.

Logo, vem que:

➔ Alteração primária: perda de base;


➔ Resposta compensatória: hiperventilação para perda de CO2.

Depois, vamos calcular o Anion Gap:

[Na+] + [K+] – [Cl-] – [HCO3-] = 134 + 2.9 – 111 – 16 = 136.9 – 127 = 9.9

Logo, o valor do anion Gap está no limite superior do normal, pelo que é
uma acidose metabólica sem aumento do anion Gap ou hiperclorémica.

Vamos perceber as variações de bicarbonato e de PaCO2 para ver se a


acidose foi bem compensada.
Umas páginas acima vimos uma tabela com as variações de PaCO2 e de
[HCO3 ] em função da patologia associada: acidose metabólica, alcalose
-

respiratória etc.

Assim, sabemos que, numa acidose metabólica, por cada diminuição de 1


mmol/L de HCO3-, a PaCO2 deve diminuir 1,25. Vamos ver, primeiro, quanto
variou a [HCO3-] em relação ao valor de referência.

[HCO3- referência] - [HCO3- do doente] = 25 – 16 = 9mmol/L

Agora é uma questão de fazermos a proporção da variação de PaCO2 para


aquilo que variou a [HCO3-] do doente, de forma a ver se a compensação
respiratória está a ser feita como esperado.

Assim, era suposto a PaCO2 variar 11mmHg. Fazendo a diferença entre a


PaCO2 de referência (40mmHg) com a variação esperada (11mmHg) obteve-se
o intervalo de 24 a 34 mmHg, onde se enquadra o valor de PaCO2 = 31 mmHg
que o nosso doente tem. O que isto quer dizer? Que a compensação foi bem feita!

R: Acidose metabólica sem anion gap aumentado ou hiperclorémica.

CASO 2

Começamos a pensar que se a mulher teve vómitos, então perdeu ácido


gástrico pelo vómito, pelo que poderá ter uma alcalose metabólica.
No entanto, a gasimetria revela um pH de 7.23, logo, uma acidémia!

A PaCO2 está baixa (<35mmHg), pelo que estamos a perder CO2 em


relação ao valor de referência, pelo que a acidose não poderá ser respiratória.

Por outro lado, o HCO3- está baixo (<22mmol/L), pelo que poderá explicar
o seu consumo para combater a acidémia verificada, pelo que teremos uma
acidose metabólica com uma resposta respiratória compensatória.

Se temos uma acidose metabólica, temos de ver se estamos a ganhar


ácido ou a perder base (aumento do anion gap ou anion gap normal,
respetivamente).

AG = [Na+] + [K+] – [HCO3-] – [Cl-] = 140 + 3.4 – 9 – 77 = 143.4 – 86 = 57,4

Logo, temos claramente um ANION GAP aumentado, pelo que


percebemos que o organismo está a acumular ácido orgânico.

Como vimos pelos sinais do doente (obnubilada, mucosas secas,


hipotensa, taquicardia), percebemos que está desidratada, pelo que se deduz
que a volémia seja baixa – hipovolémia. Ora, se temos “pouco sangue” dentro
dos vasos, então os órgãos não serão tão bem perfundidos quanto deveriam,
pelo que a disponibilização de O2 aos tecidos é menor, promovendo a
fermentação lática com acumulação de lactato de justifica o aumento do ANION
GAP.

Vamos perceber se a compensação respiratória é adequada ou não, pelo


que:

Na acidose metabólica, pela diminuição de 1 [HCO3-] vamos ter uma


diminuição da PaCO2 em 1,25mmHg (considerando esta situação uma situação
aguda (5 dias)).

Assim, se a variação de [HCO3-] = 25 (valor de referência) – 9 = 16, temos


que a variação de PaCO2 expectável seria de (16*1,25)/1 = 20mmHg.

O valor de referência da PaCO2 poderá ser de 40, pelo que 40 – 20 =


20mmHg (15-25 mmHg). A PaCO2 do doente está em 22, pelo que a
compensação é adequada.

R.: Acidose metabólica com AG aumentado por acidose lática com


compensação respiratória adequada.

No entanto, se formos fazer o ratio delta/delta, vem que o delta (variação)


do AG é de 10-57,4 = 47,4. Por outro lado, o delta (variação) da [HCO3-] é de 25
– 9 = 16. Logo, o ratio delta/delta é 47,4 / 16 ~ 2,75 (bem diferente de 1 !).

O que nos sugere este ratio delta/delta? Que a variação do anion gap não
está a ser proporcional à variação da [HCO3-]. Se pensarmos, o vómito implica
perda de HCl, o que representa ganho de HCO3-, pelo que a variação de HCO3-
não é tão brusca como a variação do Anion Gap. O ratio delta/delta > 2 sugere
uma alcalose metabólica concomitante. Assim, estamos na presença de um
evento misto!

R.: Acidose metabólica com AG aumentado (pela hipoperfusão) +


Alcalose metabólica (pelo vómito).
Resolução da TP2

Bem, começando pela identificação podemos retirar de importante que é


um doente do sexo masculino (importante pensar que homens e mulheres têm
prevalências diferentes em relação a diferentes doenças), a idade do senhor (65
anos), o facto de residir num lar e de estar parcialmente dependente nas
atividades da vida diária faz-nos pensar que poderá ter já algum tipo de
demência ou comorbilidades.

Uma diarreia define-se como o aumento da frequência de dejeções para


a pessoa em questão, bem como a diminuição da consistência das fezes (fezes
não moldadas). Existem vários critérios para classificação das diarreias: em
função do tempo, a diarreia pode ser:

- Diarreia aguda (< 2 semanas);

- Diarreia persistente (entre 2 a 4 semanas);

- Diarreia crónica (>4 semanas).

Por outro lado, também podemos tentar perceber a localização


anatómica de origem da diarreia: uma diarreia “alta” (proveniente do intestino
delgado) é uma diarreia em grande quantidade/volume mas com pouca
frequência (poucas dejeções diárias), enquanto uma diarreia “baixa” (provém do
cólon/reto) e carateriza-se pela grande frequência das dejeções mas pelo
pequeno volume em cada dejeção.

Isto para dizer que uma diarreia, em termos hidro-eletrolíticos se pode


traduzir numa perda de água e de alguns iões como Na+, K+ e HCO3-, pelo que
podemos logo suspeitar de uma hiponatrémia com hipovolémia (e consequente
acidose metabólica com aumento de anion gap por acidose lática) bem como
uma acidose por perda de base de origem extra-renal (acidose metabólica sem
anion gap ou hiperclorémica).

A febre já sabemos o seu mecanismo fisiopatológico: as citocinas


pirogénicas vão ser libertadas pelas células do sistema imunitário como
macrófagos, neutrófilos, que vão pela circulação atuar ao nível do hipotálamo. O
endotélio da região peri-hipotalâmica vai libertar uma grande quantidade de
PGE2. No entanto, como o PGE2 não funciona como um neurotransmissor, o
aumento da [PGE2] nesta região vai atuar ao nível das células da microglia,
estimulando a produção de cAMP. Este cAMP já vai servir como
neurotransmissor, atuando ao nível do hipotálamo, de forma a alterar o setpoint
do organismo. Alterando o setpoint, o organismo vai ter duas formas de
aumentar a temperatura corporal até ao nível do setpoint: diminuindo as perdas
de calor (vasoconstrição, daí as mãos ficarem mais pálidas) e aumento da
produção de calor (arrepio, que estimula a contração muscular e, assim,
aumentar o calor produzido pelo corpo). Quando o organismo atinge o setpoint,
o organismo vai atuar no sentido de diminuir a temperatura corporal até ao
setpoint, daí os mecanismos de dissipação de calor como os suores e a ventilação
aumentada.

A prostração denota apenas uma diminuição do estado de consciência


(por hipoperfusão cerebral), podendo ter várias origens, sendo que a
desidratação decorrente da diarreia poderá ser uma das suas causas.

Passando para a história da doença atual temos que:

O doente apresenta uma diarreia aguda (< 2 semanas), de baixa


consistência (líquida) mas sem sangue (o que é muito importante porque permite
logo diferenciar se é uma diarreia orgânica ou diarreia funcional, sendo que neste
caso, na ausência de sangue, consideramos uma diarreia funcional. Múltiplas
dejeções diárias abundantes (>10) sugere-nos uma origem baixa (cólon/reto). A
dor abdominal tipo cólica difusa em todos os quadrantes pode-nos fazer pensar
nalgum tipo de reação peritoneal ou poderá ser apenas pela irritação da mucosa
do cólon (sendo que este ocupa todos os quadrantes). A febre leva-nos a
acreditar numa resposta inflamatória do organismo, sendo que esta cede ao
paracetamol (anti-pirético e analgésico mas não anti-inflamatório!). A anorexia
refere-se à ausência de apetite (e não à perda de peso!) enquanto a astenia se
deve à ação das IL-1 e a TNF-α na alteração do metabolismo glicídico para
metabolismo proteico e lipídico, levando a esta sensação de “cansaço
generalizado”.

Assim, para resumir esta parte: o doente tem um sintoma – diarreia


líquida com início há 7 dias – que tem vários acompanhantes: ausência de
sangue, cheiro fétido, dor abdominal em todos os quadrantes, febre, anorexia e
astenia.

Esta diarreia com os acompanhantes mencionados faz pensar numa


diarreia inflamatória aguda!

A prostração progressiva deve-se, provavelmente, à desidratação


decorrente da diarreia do doente, onde há grande eliminação de água e de Na+.
Isto vai levar, invariavelmente, a uma diminuição da volémia, com consequente
hipoperfusão não só tecidular como cerebral, o que neste caso explica a
prostração progressiva.

Passamos aos negas: nega vómitos, tosse, toracalgia, disúria e


polaquiúria.

Ao negar vómitos basicamente diz-nos que não houve perda de ácido


pelo estômago, o que diminui a probabilidade de termos uma alcalose
metabólica.

A tosse é um estímulo que serve de proteção para as vias respiratórias


inferiores, enquanto o espirro serve de proteção para as vias respiratórias
superiores. A tosse é estimulada através de substâncias que vão atuar nuns
recetores VR1 que, de forma sumária, vão promover a inspiração profunda, o
encerramento da glote com aprisionamento de grande volume de ar na cavidade
torácica, contração dos músculos expiratórios, aumento da pressão dentro da
cavidade torácica até que há abertura da glote com expulsão súbita de grande
volume de ar, permitindo a eliminação de substâncias nas vias respiratórias
inferiores. Basicamente, a ausência de tosse vai diminuir a probabilidade de
afeção de alguma patologia do foro respiratório.
A toracalgia refere-se a dor na região torácica que pode ter várias
causas, cardiopulmonares ou não-cardiopulmonares (segundo a divisão feita
pelo Harrison).

TORACALGIA
Não-cardiopulmonar
Cardio-pulmonar
Gastrointestinal Neuromuscular
EAM Espasmo esofágico Hérnia discal
Pericardite Refluxo esofágico Síndrome de Tietze
(inflamação costo-condral)

Pneumonia/Pleurite Úlcera Péptica


TEP
Pneumotórax espontâneo

A ausência deste sintoma pode diminuir a probabilidade do doente ter


alguma das patologias mencionadas.

A disúria refere-se à sensação de dor/ardor ao urinar, enquanto a


polaquiúria refere-se como uma frequência aumentada de micções com
diminuição do volume em cada micção, ou seja, é o chamado “xixi às pinguinhas”.
Ao negar estes 2 sintomas vamos diminuir a suspeita numa patologia urinária.

Foi medicado com UL-250 e Loperamida.

Ora, o UL-250 funciona como um pró-biótico, ou seja, um fármaco que


na verdade contém Saccharomyces boulardii, com o objetivo de restaurar a flora
gastrointestinal, impedindo, assim, a proliferação de espécies patogénicas. Vai
restaurar o efeito de exclusão por parte dos restantes microorganismos que
tentem proliferar no tubo GI.

A Loperamida é um agonista opióide que vai atuar nos recetores


opióides μ (miu), controlando o sistema nervoso entérico e promovendo uma
diminuição da motilidade e da secreção gastrointestinal, sendo que, desta forma,
tem como objetivo diminuir o número de dejeções de fezes. Nota que este
fármaco não deverá ser utilizado na presença de febre ou sangue, pois estes vão
aumentar a suspeita de uma diarreia infeciosa e, a última coisa que queremos
num doente com diarreia infeciosa é bloquear a motilidade intestinal, pois dessa
forma vamos aumentar a permanência do agente patogénico dentro do tubo GI
ao invés de estimularmos a sua expulsão. Como não atravessa a barreia hemato-
encefálica, não tem efeito analgésico.

Ao negar antibioterapia nos últimos 3 meses vai-nos diminuir a


hipótese de uma diarreia de causa infeciosa. Isto porque muitos AB’s vão, como
sabem, alterar a flora comensal, nomeadamente a flora comensal GI. Esta
desempenha um papel de exclusão, ou seja, a presença “natural” de
determinados microorganismos vai impedir o crescimento e proliferação de
outros, nomeadamente dos microorganismos patogénicos. Nota que a
clindamicina (e não só!) está relacionada com a colite pseudomembranosa,
permitindo o crescimento anormal de Clostridium difficile.

Temos um doente hipertenso (mal controlado), que sofreu um AVC há


5 anos. Nota que a hipertensão mal controlada poderá (e provavelmente esteve)
na base do AVC (principalmente se este tiver sido de origem hemorrágica, uma
vez que os AVC’s poderão ser, fundamentalmente, de origem isquémica (80%)
ou hemorrágica (20%)).

Este AVC teve como sequela uma hemiparesia direita, pelo que o doente
tem uma diminuição da força no hemicorpo direito, o que permite compreender
que o AVC terá ocorrido no hemisfério esquerdo.

O nosso doente é fumador e diz-nos que tem um UMA=40. UMA =


Unidade maço ano. Como é que se calcula? Divide-se o número de cigarros que
se fuma por dia por 20 (nº de cigarros que tem um maço).

Assim, um UMA=40 diz-nos que, por exemplo, fuma 40 maços num ano
ou 20 maços em 2 anos e por aí adiante.

O Lisinopril é um IECA, ou seja, um inibidor da enzima conversora de


angiotensina, pelo que impede a conversão de angiotensina I em angiotensina II,
impedindo a atuação do sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona. Logo, é
utilizado como um anti-hipertensor.
A Hidroclorotiazida, como o nome indica, é uma tiazida, um diurético
que atua no tubo contornado distal, impedindo a reabsorção tanto de Na+ como
de Cl-, daí promover a diurese e funcionar como um anti-hipertensor.

A Amlodipina é um bloqueador dos canais de cálcio, da família das


Diidropiridinas, pelo que tem maior ação ao nível do vasos do que ao nível dos
coração. Assim, funciona como um vasodilatador, diminuindo a RVP e, desta
forma, vai diminuir a tensão arterial, sendo um anti-hipertensor.

Assim, o nosso doente faz 3 anti-hipertensores (Lisinopril,


Hidroclorotiazida, Amlodipina).

A AAS significa ácido acetilsalicílico (vulgo aspirina) vai funcionar como


um anti-agregante plaquetário, uma vez que vai bloquear a COX-1, pelo que
impede a degradação do ácido araquidónico e, consequentemente, os seus
produtos de degradação, como é o caso do Tromboxano A2 (TxA2). Este é
necessário para a ativação e estimulação das plaquetas, facilitando a sua
agregação. Logo, ao diminuirmos a [TxA2] vamos diminuir a agregação
plaquetária. Este doente vai tomar AAS o resto da vida como prevenção
cerebrovascular uma vez que já teve um AVC.

Vamos começar por analisar o Exame Objetivo.

O doente estar magro não nos dá grande informação porque não nos
diz a variação do seu peso. Uma perda de peso involuntária é sempre um fator
de alarme, mas é necessário quantificar. Assim, o que o Harrison nos diz é que
devemos valorizar uma perda de peso involuntária de >4,5kg ou 5% do peso
corporal no espaço de 6 a 12 meses. Isto porque há uma perda fisiológica de
peso a partir dos 60 anos de idade, pela diminuição da hormona de crescimento
(GH) da Insulin Growth Factor (IGF-I). As principais causas de perda de peso
involuntário são neoplasias malignas, doenças inflamatórias crónicas, doenças
metabólicas (hipertiroidismo, diabetes) ou doenças psiquiátricas.

Dentro do nosso caso clínico pode fazer sentido a neoplasia maligna (se
pensarmos num cancro colo-retal), as doenças inflamatórias crónicas (se
pensarmos numa Doença de Chron ou Colite Ulcerosa) ou mesmo uma doença
metabólica porque, até à data, não podemos excluir estas opções. No entanto,
as doenças psiquiátricas não fazem muito sentido no contexto do caso clínico.

A prostração faz-nos sentido uma vez que o doente teve uma diarreia
líquida, com alteração do balanço hidroeletrolítico, consequentemente da
volémia e da tensão arterial, tendo hipoperfusão cerebral. Nota que esta
diminuição da reatividade assenta em 3 pilares: resposta ocular (só abre os olhos
com um estímulo bastante doloroso), resposta verbal (diz palavras que não se
percebem) e resposta motora (não cumpre ordens simples) são 3 critérios da
escala de coma de Glasgow que nos servem para avaliar o estado de consciência
do doente. Aqui temos um doente claramente com diminuição do estado de
consciência.

A PA (Pressão Arterial = Tensão Arterial) está baixa, 80/45mmHg, ou


seja, o doente está hipotenso. Como se define hipotensão? A definição de
hipotensão é simples: a PAM deverá ser <60mmHg num doente previamente
normotenso.

Como se calcula?

A PAM do nosso doente é 80 + 2* 44 = 80 + 84 = 164. 164/3 =


56mmHg. Assim, no nosso doente que era hipertenso, a PAM de 56mmHg já o
coloca numa situação de hipotensão.

Agora a FC=120bpm, o doente está taquicárdico. Faz sentido uma vez


que, tendo uma diminuição da pressão arterial, vamos ter menor ativação dos
barorrecetores. Assim, vai diminuir o input aferente que vem dos barorrecetores
(seio carotídeo e arco aórtico) pelo IX e X para o SNC. Este input aferente vai para
o Núcleo do Trato Solitário (NTS). Daqui, face à diminuição do input aferente,
vamos ter uma diminuição do output eferente por parte do X para o nódulo Sino-
Auricular, que é como quem diz, temos menos atividade parassimpática no
nódulo SA, pelo que a FC poderá aumentar. Por outro lado, vamos ter aumento
do output eferente simpático por desinibição, ou seja, como diminuiu o input
aferente parassimpático, os nervos simpáticos deixaram de estar inibidos, pelo
que a sua atividade vai aumentar, de tal forma que vão promover o aumento da
contratilidade cardíaca no coração e a contração da musculatura lisa nos vasos,
de forma a aumentar a FC.

O doente estava febril (38,5ºC), sendo que a febre se classifica >37,5ºC


com alteração do setpoint no hipotálamo. Como respondeu a farmacologia anti-
pirética (neste caso o paracetamol), percebemos que se trata de febre e não de
hipertermia (onde não há alteração do setpoint pelo que os fármacos anti-
piréticos não são úteis).

Polipneico → FR > 18cpm.

Respiração tipo Kussmaul → padrão respiratório específico associado


a acidose metabólica, onde o organismo tenta fazer inspirações e expirações
profundas com uma grande frequência, de forma a eliminar a maior quantidade
de CO2 possível, ou seja, tentar balançar a acidose metabólica com uma alcalose
respiratória compensatória. (NÃO CONFUNDIR COM O SINAL DE KUSSMAUL
NA PRESSÃO VENOSA JUGULAR!). As condições que podem originar
respiração tipo Kussmaul são todas aquelas as que puderem originar acidose
metabólica, quer por perda de base (sem anion gap ou hiperclorémica) ou por
ganho de ácido (com anion gap ou normoclorémica).

O facto de termos uma SpO2 99% faz-nos pensar que a razão para
estar polipneico não é por falta de oxigénio no sangue, ou seja, o doente não está
a tentar obter mais O2, pelo que só sobra uma opção: está a tentar perder mais
CO2.
Mucosas coradas → diz-nos que estão a ser bem perfundidas, pelo que,
à partida, o doente não está em choque (ou seja, não existe défice de perfusão
orgânica).

Mucosas muito desidratadas → consequentes da FR elevada do doente


(perde H2O das mucosas sobre a forma de vapor).

Anictéricas → significa que as mucosas não têm uma coloração


amarelada. A Icterícia pode ter inúmeras causas mas deve-se a um aumento da
[bilirrubina], que pode ser não conjugada ou conjugada. Para que as mucosas
adquiram a coloração amarelada a [bilirrubina]>2,5mg/dL.

Extremidades frias e pálidas → faz-nos pensar que temos uma


diminuição da perfusão a nível periférico, o que faz sentido uma vez que o doente
está hipotenso. Se está hipotenso, vai “poupar” o sangue das periferias e levá-
los aos órgãos major (coração, pulmões, rins, cérebro).

Livedo reticularis → temos um aspeto rendilhado de vasos eritemato-


cianóticos que normalmente acontecem por uma afeção venosa. Normalmente
acontece fisiologicamente em resposta ao frio ou como resposta a doenças
sistémicas (como Lúpus Eritematoso Sistémico ou Síndrome Anti-Fosfolípidos).
Estão, muitas vezes, associados a questões vasculares (vasculites) ou
hematológicas (estados de hipercoagulabilidade). A extensão deste livedo
reticularis pode ser quantificado numa escala, a Escala de Mottling, que
basicamente correlaciona a extensão do livedo com a probabilidade de
sobrevivência no choque séptico. Assim, temos de pensar em várias patologias,
como um estado de hipercoagulabilidade (trombofilias), vasculites ou doenças
sistémicas.

Na AC não temos alterações à exceção da taquicardia que já vimos, o


que nos diminui a probabilidade de patologias cardíacas.

Na AP não temos alterações em relação ao normal, com a manutenção


do murmúrio vesicular bilateralmente, sem ruídos adventícios, pelo que diminui
a probabilidade de patologias pulmonares.

Abdómen distendido, timpanizado - significa que o abdómen não tem


a sua conformação normal, está distendido e poderia ser tanto por água como
por ar. Como está timpanizado leva-nos a querer que temos um abdómen “cheio
de ar”. O facto de termos ruídos hidro-aéreos aumentados (RHA) faz-nos pensar
que o tubo GI está em esforço ou com motilidade aumentada, pode ser tanto pela
diarreia em si, como por uma suboclusão intestinal ou hemorragia digestiva.
Sabendo que o nosso doente tem diarreia, esta será a maior causa do aumento
dos RHA.
Abdómen doloroso à palpação profunda nos quadrantes superiores
mas sem dor à descompressão – se temos dor à palpação profunda dos
quadrantes superiores temos de pensar nas várias estruturas que se encontram
nestes quadrantes, como: fígado, vesícula biliar, ângulo hepático do cólon,
estômago, duodeno e pâncreas, ângulo esplénico do cólon e baço.

A dor abdominal pode ter várias origens, estando relacionada com


inflamação o peritoneu parietal, obstrução mecânica de víscera oca, alteração
vascular, distensão da cápsula de um órgão, inflamação de alguma víscera, entre
outros.

Agora, se temos uma dor à palpação profunda mas sem dor à


descompressão teoricamente não deveremos ter inflamação do peritoneu
parietal, uma vez que este costuma ter dor à descompressão. Dor abdominal à
descompressão rápida chama-se Sinal de Blumberg e é sugestivo de inflamação
do peritoneu parietal (e não de apendicite!!!). No contexto do doente, esta dor
poderá ocorrer por distensão das vísceras ocas que acontecem no contexto da
diarreia.

Membros inferiores com atrofia muscular → provavelmente a ação das


citocinas pirogénicas poderão levar à alteração do metabolismo glicídico para
metabolismo proteico e lipídico, com consequente consumo/destruição
muscular.

Membros inferiores sem sinais de TVP nem edema → isto vai diminuir
as suspeições de algumas patologias como trombofilias, bem como as várias
causas de edema (seja cardíaca (Insuficiência cardíaca), hepática (cirrose), renal
(doença renal crónica ou glomerulonefrites), ou metabólica (hipoproteinémia)).

Pupilas isocóricas/isoreativas – significa que o diâmetro das pupilas


está normal (entre 2 a 5 mm) e simétricas entre si e que reagem igualmente ao
reflexo fotomotor (II par como aferente e III par como eferente).

Hemiparésia direita de predomínio braquial – significa que o doente


teve o tal AVC (vide Antecedentes Pessoais) no hemisfério esquerdo,
nomeadamente na porção mais inferior da circunvolução frontal ascendente (na
parte + inferior do homúnculo motor), o que nos sugere uma afeção da
A.Cerebral Média.

Força muscular grau 2 – se bem se lembram, a força pode-se avaliar em


5 graus. O nosso doente consegue produzir movimento no braço direito apenas
a favor da gravidade.
Reflexos osteotendinosos sem alterações – significa que mantém a
integridade dos vários arcos reflexos de cada reflexo testado (à partida, serão o
reflexo radial, bicipital, tricipital, rotuliano, anquiliano).

Sem rigidez da nuca vai-nos diminuir a suspeição de patologias que


promovam irritação das meninges como meningite, que pudesse justificar o
estado de prostração do doente. São feitos exames como Brudzinski e Kerning.

A [Hb] do nosso doente está normal, se bem que está próximo do limite
inferior. Sendo um fumador deveria estar mais alta.

Os Leucócitos estão aumentados, o que nos faz pensar numa situação


de leucocitose. Já sabemos que as citocinas inflamatórias vão promover a maior
passagem de leucócitos da medula para o sangue, daí este incremento.

Os Neutrófilos estão aumentados, o que nos faz pensar numa situação


de neutrofilia. Uma vez que estes são os mais relevantes para o combate a
infecções bacterianas, temos de ter essa possibilidade em linha de conta, ainda
para mais num doente com diarreia e febre.

A PCR está aumentada, o que confirma a acção da IL-6 no fígado com


produção das proteínas de fase aguda positiva. Para que serve a PCR? É uma
proteína que vai promover a opsonização e, desta forma, promover o
reconhecimento do agente patogénico por parte das células fagocíticas e, assim,
contribuir para a eliminação do agente agressor.

A Creatinina aumentada está associada, principalmente, a Insuficiência


Renal. No entanto, no contexto deste doente, o que nos salta mais à vista são
duas questões: por um lado, existe uma degradação das massas musculares,
sendo que estes contém fosfocreatina, pelo que o seu valor pode estar
aumentado no sangue por esta causa. Por outro lado, a diminuição da volémia
vai originar uma Insuficiência Renal Pré-Renal, ou seja, o rim recebe menos
sangue do que deveria receber, pelo que o problema não está no rim mas “antes
deste”, ou seja, chega lá pouco sangue, pelo que se eliminam poucas substâncias
tóxicas do sangue, como a creatinina, daí o seu valor aumentado.

A Ureia é um produto da degradação de aminoácidos, sendo libertada


pelo fígado e excretada na urina. Assim, a sua elevação no sangue pode-nos
sugerir uma de duas coisas: ou degradação aumentada de aminoácidos
(músculo) ou fraca eliminação pela urina. Estamos numa situação de urémia.

O Na+ está baixo, pelo que temos uma hiponatrémia. Esta hiponatrémia
poder ser hipovolémica, euvolémica ou hipervolémica. No contexto da diarreia
faz sentido que seja hipovolémica com perda tanto de Na+ como de água através
da diarreia. Por outro lado a utilização do diurético (Hidroclorotiazida) vai
diminuir a reabsorção renal de Na+.

O K+ está aumentado → hipercaliémia. Isto acontece por várias causas:


por um lado, a acidose metabólica vai aumentar a [H+] de tal forma que este, para
baixar a acidémia do sangue, vai tentar entrar dentro das células, trocando com
o K+, aumentando a sua concentração no organismo. Por outro lado, o doente
utiliza um IECA (Lisinopril), que vai impedir a ação do Sistema RAA, pelo que a
Aldosterona (que promove reabsorção de Na+ e excreção de K+) não vai ter efeito
e vamos ter acumulação de K+.

O Cl- está diminuído, uma vez que está a ser perdido pela diarreia, o que
origina uma hipoclorémia. Isto faz sentido no contexto da utilização da tiazida,
que impede a reabsorção de Na+ e de Cl-.

A glicose está em valores normais, pelo que excluímos a causa da


prostração e diminuição do estado de consciência com hipoglicémia. (Pode estar
um pouco aumentada mas não sabemos se a colheita foi feita em jejum, por isso
poderá ser um valor normal. Acima de 126mg/dL em jejum é critério para
Diabetes).

A amílase está normal, sendo que, se esta enzima é produzida pelo


pâncreas, o facto desta estar normal faz-nos excluir patologia pancreática que
pudesse justificar a intensa dor abdominal (se bem que a dor da pancreatite
costuma ser em cinturão, com irradiação para a porção lombar).
Agora está parte é MUITO IMPORTANTE que percebam → é o
equivalente à febre da aula passada.

Vamos começar por ver o pH = 7,23. Este pH está baixo, ou seja, o


doente tem uma acidémia. Agora, a acidémia pode ter 2 origens possíveis:
metabólica ou respiratória?

Vejamos rapidamente a PaO2 = 80mmHg, o que está dentro dos valores


normais, pelo que reforçamos que a polipneia do doente não se deve a hipóxia
mas sim a outro estímulo.

Agora, se estamos em acidémia, temos 2 opções: ou estamos a


acumular algo ácido ou estamos a perder algo básico. Vamos ver qual das opções
se verifica.

A PaCO2 está baixa, o doente está em hipocápnia. Assim, se o CO2 é


uma substância ácida e esta está diminuída, significa que a acidémia não poderá
vir daqui. Pelo que se exclui a acidose respiratória, uma vez que estamos numa
situação de alcalose respiratória.

A [HCO3-] está baixa, pelo que temos uma componente básica


diminuída. Assim, esta poderá ser a origem do problema: perda de base, de
origem metabólica. Temos uma acidose metabólica com perda de base, pelo que
temos uma acidose metabólica sem aumento de anion gap ou hiperclorémica.

Assim, já identificamos a origem do problema: o doente tem uma


acidémia justificada por uma acidose metabólica. Agora, dentro das acidoses
metabólicas, estas podem ser com aumento ou não do anion gap, que é como
quem diz, normoclorémica (é o organismo a reter ácidos orgânicos) ou
hiperclorémica (temos perda de base).

Vamos calcular o anion gap:

AG = [Na+] + [K+] – [HCO3-] – [Cl-] = 129 + 6,4 – 11 – 96 ~ 28.

Assim, vamos ter um aumento do anion gap, pelo que temos uma
acidose metabólica com aumento do anion gap, o que significa que o organismo
está a reter alguma substância ácida!

Quanto aos [lactatos], estes estão muito aumentados, o que significa


que o organismo recorreu à fermentação lática como forma de obter energia,
provavelmente pela diminuição da perfusão tecidular decorrente da baixa
volémia.
Parece, então, que temos uma acidose metabólica com duas origens:
uma perda de base extra-renal (perda pela diarreia) que seria uma acidose
metabólica sem aumento do anion gap e uma acumulação de ácido lático que vai
aumentar o anion gap do doente. Logo, temos uma acidose metabólica com duas
origens!

Agora queremos saber se o doente tem uma resposta compensatória


satisfatória, ou seja, se está a perder CO2 suficiente para a acidémia verificada.
Assim, vamos ver que a variação de [HCO3-] é de 22 (valor de referência) – 11
(valor que o doente apresenta) = 11 mmol/L.

Se para cada diminuição de 1 HCO3- mmol/L é suposto baixarmos


1,25mmHg de PaCO2, então fazemos uma regra de “3 simples” e para uma
diminuição de 11 mmol/L de HCO3- eu deveria ter perdido 14mmHg de CO2.

O valor de referência para o CO2 é de 40mmHg, pelo que se subtrair


14mmHg fico com 26mmHg. A 26mmHg atribuímos uma margem de +/-
5mmHg, pelo que esperamos que a PaCO2 do doente esteja entre 21 e 31mmHg.
Como o doente tem uma PaCO2 de 27mmHg, consideramos que a compensação
respiratória está correta!

Uma vez que vimos uma possível “dupla acidose” faz sentido fazermos
o ratio delta, ou seja, analisar a variação do anion gap com a do bicarbonato.

• Variação do ANION GAP = ANION GAP doente – ANION GAPreferência


= 28 – 10 = 18
• Variação da [HCO3-] = [HCO3-]doente - [HCO3-]referência = 11 – 22 = 11

O ratio delta é variação do anion gap/variação da [HCO3-], pelo que


temos 18/11 ~ 1,63.

O que isto nos sugere é que a variação do anion gap não está a ser
proporcional à variação do bicarbonato, pelo que esta perda de bicarbonato não
pode explicar a variação do anion gap e esta terá de vir “de outro lugar”,
nomeadamente da acumulação de ácido.

Assim, confirmamos que o doente apresente uma acidose metabólica


com anion gap aumentado (acidose lática) + acidose metabólica sem anion gap
(diarreia) com resposta respiratória compensatória.
Para terminar, a análise à urina exclui a presença de leucócitos (o que já
era expectável com a ausência de disúria), pelo que diminui a probabilidade de
infeção urinária (que nos idosos pode dar um quadro de confusão mental).

A presença de eritrócitos e proteínas na urina são diminutos mas podem


ser um sinal de alerta para patologias glomerulares.

A ausência de glicose na urina exclui glicosúria, muito típica em doentes


diabéticos, sendo que uma cetoacidose diabética poderia explicar o quadro
apresentado pelo doente, nomeadamente no que toca à diminuição do estado de
consciência bem como à acidose com aumento do anion gap por acumulação de
corpos cetónicos.

A presença de níveis hidroaéreos no intestino delgado sugerem um


amento da atividade a este nível, uma vez que estes níveis se referem à diferença
entre o ar e o líquido dentro deste órgão, o que justifica o aumento dos RHA.

O nosso doente foi submetido a terapêutica endo-venosa com


bicarbonato de forma a coririgir a acidose metabólica.

Para corrigir a desidratação e hiponatrémia foi administrado soro de


NaCl endo-venoso, bem como administrado oralmente um paracetamol (anti-
pirético).

De uma forma sumária, após 6h do início da terapêutica registou-se uma


melhoria significativa do quadro clínico, com a correção ou aproximação dos
valores de referência para todos os critérios.
Insuficiência Renal

Antes de falarmos da insuficiência


renal, é importante revermos parte da
anatomia e fisiologia renal.

Aos rins chega 20% do débito


cardíaco, ou seja, a cada batimento
cardíaco, 20% do volume de sangue
ejetado pelo coração vai para os rins, pelo
que percebemos que o organismo quer
que os rins tenham acesso a muito sangue.
Serão órgãos assim tão importantes?

Do coração esquerdo, pelo arco


aórtico, aorta torácica, aorta abdominal,
artérias renais, o sangue entra no rim,
passando primeiro pelo córtex renal e só depois para a medula renal. No entanto,
devido à grande atividade metabólica da medula renal e ao lento fluxo sanguíneo
nesta região, é uma área muito suscetível a isquémia!

Dos vários constituintes do rim, destacamos o córtex renal, local onde


se localizam o glomérulo (com as arteríolas aferente e eferente), bem como os
tubos contornados proximal e distal (TCP e TCD, respetivamente), sendo que na
medula predominam as ansas de Henle e os tubos coletores.
Ao nível do corpúsculo renal podemos contar com o glomérulo, que é
constituído por um “emaranhado” de vasos. Para uma substância passar do
endotélio do vaso para o interior da cápsula de Bowman e prosseguir nos tubos
renais vai ter de ultrapassar: endotélio vascular (que é fenestrado!), membrana
basal, folheto visceral da cápsula de Bowman (podócitos).

O endotélio vascular possui fenestras com carga negativa que se opõem


à passagem de proteínas como albumina, pelo que, fisiologicamente, não
existem proteínas na urina.

No espaço entre os vasos do glomérulo temos 2 tipos de células: células


mesangiais e macrófagos, que podem ser responsáveis por desencadear
respostas inflamatórias no glomérulo.

Quais as principais funções do rim?

Algumas das funções renais mais importantes:

Regulação do
Depuração do Regulação
equilíbrio ácido Endócrina
sangue hidroeletrolítica
base

Em primeiro lugar, alguém sabe porque é que não há dor “de rim”? O
rim, em si, não tem recetores nociceptivos, ou seja, não há recetores dentro do
órgão que permitam a sensação de dor, daí ser um órgão com manifestação
sintomática tardia. No entanto, quando há afeção da cápsula renal ou do uretero,
aí sim já temos manifestações álgicas.
A função depuradora permite ao rim fazer a eliminação de substâncias
hidrossolúveis e produtos tóxicos do sangue para a urina, como ureia, compostos
nitrogenados, fármacos. Nota que as substâncias lipossolúveis são eliminadas
pelo fígado.

A função de equilíbrio ácido-base é fulcral uma vez que vai implicar a


reabsorção/secreção de bases como bicarbonato e de ácidos como H+.

A função hidroeletrolítica está relacionada com a perda de iões e água


para a urina (ou não) em função das necessidades do organismo.

A função endócrina prende-se com a produção da Eritropoetina


(estímulo para a eritropoiese), bem como a ativação de calcitriol.

Como funciona o rim?

1) Filtração

Ao nível do glomérulo renal, vamos conseguir filtrar o sangue. Numa


pessoa saudável, cerca de 100 a 120mL de sangue são filtrados por minuto, pelo
que temos a passagem de substâncias do sangue para o interior da cápsula de
Bowman e, depois, pelo polo urinário vão entrar nos túbulos renais, começando
pelo TCP.

Assim, por dia vamos filtrar 180


L por dia, dos quais reabsorvemos 178L
e formamos 2L de urina.

2) Reabsorção

A reabsorção corresponde à passagem de substâncias do interior dos


túbulos renais, que teriam sido filtradas, novamente para o sangue. Basicamente
funciona como um “arrependimento” do organismo em querer reaver algumas
substâncias que foram filtradas para a urina mas que podem fazer “falta” ao
organismo.

A maior parte das substâncias (65%) são reabsorvidas no TCP, como o


Na , K e a glicose. A reabsorção de Na+ ao longo do túbulo renal vai criar um
+ +

balanço osmótico que vai conduzir a reabsorção da água gradualmente ao longo


do túbulo (exceto na parte ascendente da ansa de Henle, que é impermeável à
água!).
3) Secreção

Por vezes, o rim “esquece-se” de filtrar algumas substâncias que não


fazem falta no sangue. Assim, para termos mais uma hipótese de eliminarmos
determinadas substâncias existe a secreção, passagem de substâncias do
sangue para a urina.

Que substâncias são secretadas? Creatinina, histamina, fármacos, entre


outros.

Mecanismo contra-corrente

Na ansa de Henle existe um mecanismo de contra-corrente uma vez que


o fluxo pode ser descendente (no segmento descendente da ansa) contra o fluxo
ascendenten (no segmento ascendente da ansa).

• Segmento descendente da Ansa de Henle: o fluído intra-tubular vai


encontrar um interstício cada vez mais hipertónico, pelo que a água vai
passar passivamente, por osmose, do interior do túbulo para o interstício
e, daqui, para o sangue, havendo reabsorção de água neste segmento.
• Segmento ascendente da ansa de henle: vão predominar bombas que
vão fazer a secreção de iões como Na+ e Cl- do fluído intra-tubular para
o interstício, sendo os principais responsáveis por manter o interstício tão
“hipertónico”. Neste segmento NÃO HÁ movimentação de água, uma vez
que é impermeável à mesma.

(Para melhor compreensão deste mecanismo : https://www.youtube.com/watch?v=cYyJF_aSC6o )

É ao nível do tubo coletor que existe ação da ADH (vasopressina) ao


nível dos recetores V2 das células principais, bem como ação da aldosterona
(nestas mesmas células), de forma a regular quer a osmolaridade, quer a volémia
(respetivamente).

É nas células principais do tubo coletor que existe um mecanismo de


reequilíbrio do ácido base, com secreção de H+ ou de HCO3- consoante a
necessidade.

Função de regulação do volume e pressão sanguíneos


Ao nível do rim podemos ter 2 indicadores que vão ser importantes na
regulação do volume e pressão sanguíneos: as células justaglomerulares e as
células da mácula densa.

• Células justa-glomerulares
São células da camada muscular lisa da arteríola aferente que funcionam
como barorrecetores, ou seja, vão “avaliar” a pressão sanguínea neste
vaso. Caso seja baixo, vão libertar uma enzima – renina – que vai converter
o angiotensinogénio em angiotensina I e, daí, ativar todo o SRAA.

• Células da mácula densa


São células do TCD que estão próximas do glomérulo de Malpighi e que
são sensíveis à [NaCl]. Caso esta [NaCl] esteja baixa significa que está a
chegar pouco NaCl na urina às células da mácula densa, pelo que podem
“espelhar” o NaCl do sangue e fazer pensar que este está baixo. Assim,
como é que vamos contornar este problema? De duas formas: 1) Ativando
novamente o SRAA. As células da mácula densa vão libertar
prostaglandinas que vão atuar nas células justaglomerulares,
promovendo a libertação de renina e ativando o SRAA; 2) Libertando
adenosina que vai promover a vasodilatação da A.Aferente de forma a
aumentar a taxa de filtração glomerular (TFG) para que, depois de
aumentarmos a reabsorção de NaCl para o sangue, consigamos “mostrar”
às células da mácula densa que já há uma [NaCl] suficiente que permita
encerrar o estímulo que desencadeou tudo isto (diminuição da [NaCl] nas
células da mácula densa). Este último ponto ( 2) ) denomina-se de
feedback tubulo-glomerular uma vez que o que é percebido no túbulo é
transmitido ao glomérulo, de forma a alterar a TFG.

Resumindo:

Como viram, o mecanismo que despoleta a ativação do SRAA prende-se,


principalmente, com a diminuição da volémia, o volume de sangue efetivo que
está nos vasos e não todo o volume de líquido no organismo.
O que isto quer dizer é que, numa situação de edema, onde temos uma
volémia baixa mas uma grande quantidade de líquido no compartimento
intersticial, irão predominar os mecanismos de reabsorção de Na+ e H2O, quando
na verdade não temos pouco volume mas sim muito volume “mal localizado” no
organismo. Em que situações pode acontecer?

➔ Insuficiência cardíaca : temos um aumento da pressão hidrostática


pela congestão cardíaca, com promoção da saída de água dos
vasos para o espaço intersticial;
➔ Síndrome nefrótico : temos perda de proteínas do sangue, pelo que
existe uma diminuição da pressão oncótica nos vasos;
➔ Cirrose : temos uma combinação, com diminuição da produção
proteica (e consequente diminuição da pressão oncótica) bem
como congestão hepática que promove o aumento da pressão
hidrostática.

Nota que um patologia renovascular, como aterosclerose, pode levar à


diminuição da perfusão renal e, assim, simular uma “hipovolémia”, ativando o
SRAA e provocando HTA secundária (secundária porque tem uma patologia
conhecida).

A taxa de filtração glomerular (TFG) aumenta quando temos uma


vasodilatação da arteríola aferente (por ação da PGE2, por exemplo), porque vai
chegar mais sangue ao glomérulo, e uma vasoconstrição da arteríola eferente,
porque aumenta a pressão hidrostática ao nível do glomérulo (porque vamos
lentificar a velocidade de “saída” do sangue do glomérulo).

Função de regulação do equilíbrio ácido-base


Os rins, juntamente com os pulmões, têm a capacidade de regular o
equilíbrio ácido-base.

Os rins vão conjugar esta perda de H+ ou reabsorção de HCO3- em 2


segmentos principais: TCP e tubo coletor.

Quanto ao H+, o principal local de secreção é ao nível do tubo coletor,


nomeadamente nas células intercaladas tipo α. Aqui, o H+ vai ser tamponado com
substâncias como amoníaco (NH3, produzido ao nível do TCP a partir do
glutamato), originando o ião amónia (NH4+).

Quanto ao HCO3-, este vai ser reabsorvido ao nível


do TCP. Este mecanismo já foi explicado antes mas
basicamente vamos ter um loop de H+ que, inicialmente,
passa para o túbulo renal, conjugando-se com o
bicarbonato, originando ácido carbónico. Pela ação da
anidrase carbónica (CA IV), dissocia-se em H2O e em CO2,
sendo que são ambos reabsorvidos para a célula do TCP.
Aqui, novamente pela ação da anidrase carbónica (CA II)
vão formar ácido carbónico, que se dissocia em H+ e HCO3-
, permitindo a reabsorção de HCO3+ e disponibiliza,
novamente, o H+ para entrar no loop e permitir a
reabsorção de mais HCO3-. Assim, vamos ter reabsorção
de HCO3- sem estarmos a perder ou ganhar H+.

Função de regulação da [K + ]
O K+ é reabsorvido em 90% no TCP e secretado ao nível do tubo coletor,
em resposta à ação da aldosterona. Esta atua nas células principais do tubo
coletor e promove a reabsorção de Na+ com secreção de K+.

Possíveis causas de hipocaliémia são situações de


alcalose, de hiperaldosteronismo, de uso de diuréticos
(como tiazidas ou diuréticos de ansa), perdas extra-renais
(diarreia ou vómitos) ou diminuição da ingestão de K+ pela
dieta.

Possíveis causas de hipercaliémia são situações de


acidose, insuficiência supra-renal com diminuição da
aldosterona, uso de diuréticos poupadores de potássio
(antagonistas da aldosterona como espirinolactona ou
eplerenona ou bloqueadores do ENaC como o amilorido).
Função de regulação dos níveis de Cálcio (Ca 2+ )
Basicamente o rim vai permitir a formação do calcitriol a partir do
calciferol, o que vai funcionar como a vitamina D3 ativada, o que vai permitir
aumentar a absorção intestinal de Ca2+ e, desta forma, aumentar a calcémia.

Por outro lado, o rim é um local de atuação da PTH, o que vai permitir
aumentar a reabsorção de Ca2+ e a secreção de fosfato (PO42-) para a urina.

Função endócrina
Além da produção de calcitriol, o rim tem uma função endócrina ao nível
da produção de eritropoetina (EPO) ao nível dos capilares peri-tubulares. O
estímulo para a libertação de eritropoetina é a hipóxia detetada pelos
quimiorrecetores renais.

Quanto mais grave a insuficiência renal, menor vai ser a libertação de EPO,
pelo que poderemos ter um estado de anemia. Assim, nestes doentes, a primeira
terapêutica contra a anemia é a substituição de EPO com um análogo da mesma.

O que acontece ao rim numa situação de Lesão renal?

Depois de termos percebido um pouco da fisiologia renal e as principais


funções do rim, vamos perceber de que forma é que estas podem estar alteradas.

Comecemos por uma questão simples: se tivermos um lesão no rim e


perdermos nefrónios, o que vai acontecer?

Basicamente, os nefrónios que restam vão ter de trabalhar “o dobro” de


forma a compensar os nefrónios que morreram, vão fazer uma hiperfiltração
glomerular de forma a compensar os nefrónios ausentes. Isto vai, naturalmente,
levar a uma hipertrofia do rim, uma vez que todo o nefrónio vai hipertrofiar de
forma a potenciar a sua função.

Numa fase inicial, esta hiperfiltração+hipertrofia renal vai compensar a


perda de alguns nefrónios. No entanto, é uma solução “a curto prazo” que deixa
sequelas a longo prazo. Ou seja, no início é benéfico mas, eventualmente, vai
acabar por ser “auto-destruitivo”.

A lesão renal pode-se localizar principalmente em 2 locais:

➔ Glomérulo (Glomerulopatia);
➔ Túbulos renais (patologia tubulointersticial).
Anatomy of a normal glomerular capillary is shown on the left.
Note the fenestrated endothelium (EN), glomerularbasement
membrane (GBM), and the epithelium with its foot processes (EP).
The mesangium is composed of mesangial cells (MC)
surroundedby extracellular matrix (MM) in direct contact with the
endothelium. Ultrafi ltration occurs across the glomerular wall and
through channels in the mesangial matrix into the urinary space
(US). Typical localization of immune deposits and other pathologic
changes is depicted on the right. (1) Uniform subepithelial
deposits as in membranous nephropathy. (2) Large, irregular
subepithelial deposits or “humps” seen in acute postinfectious
glomerulonephritis. (3) Subendothelial deposits as in diff use
proliferative lupus glomerulonephritis. (4) Mesangial
depositscharacteristic of immunoglobulin A nephropathy. (5)
Antibody binding to the glomerular basement membrane (as in
Goodpasture syndrome) does not produce visible deposits, but a smooth linear pattern is seen on immunofl uorescence.
(6) Eff acement of the epithelial foot processes is common in all forms of glomerular injury with proteinuria.

Exemplo:

Há diferentes componentes do rim que podem ter diferentes


suscetibilidades a lesão renal:

1) Se diminuirmos o fluxo renal, vamos não só ter uma diminuição da TFG


como vamos ter uma possível isquémia da medula renal (região mais
sensível à isquémia);
2) O glomérulo é o local que vai lidar com o sangue numa primeira instância,
pelo que pode “sofrer” com a deposição de complexos imunes ou outras
substâncias como sistema de complemento.

Se o rim começar a falhar, o que vai acontecer?

Naturalmente vamos começar a perder as funções do rim e vamos “sofrer”


com as consequências disso, ou seja, vamos diminuir a capacidade de regular o
balanço hidroeletrolítico, ácido-base, componente endócrina e, acima de tudo,
componente depuradora.

A “não-depuração” do sangue vai levar à acumulação de várias


substâncias tóxicas para o nosso organismo (como ureia e creatinina, entre
outros), o que vai originar um síndrome chamado urémia.
Nota que a urémia não é, apenas, a acumulação de ureia no sangue! Mas
sim uma síndrome que acontece pela acumulação de várias substâncias, como
creatinina e outras toxinas, que vai ter várias repercussões orgânicas, tais como:

As lesões renais podem ser divididas em 3 localizações:

Lesão pré-renal Lesão intra-renal Lesão pós-renal

As lesões pré-renais são aquelas que acontecem “antes do rim”, ou seja,


depende do fluxo de sangue que chega ao rim.

As lesões intra-renais são todas aquelas que afetam as várias


componentes do rim que vão contribuir para as suas funções, ou seja, o
glomérulo, os túbulos renais, o interstício renal e mesmo os vasos peri-tubulares.

As lesões pós-renais são as que acontecem “depois do rim”, ou seja,


comprometem o fluxo da urina e consequente excreção.
Lesão pré-renal Lesão intra-renal Lesão pós-renal
Diminuição da volémia Glomerular Compressão do uretero
o Hemorragia o Glomerulonefrite Nefrolitíase
o Diarreia o Síndrome Nefrótico
Fibrose retroperitoneal
o Vómitos
Tubular Bexiga neurogénica
Situações de edema o Agudo: necrose tubular Fármacos anticolinérgicos
aguda, mieloma múltiplo (retenção urinária)
o Crónico: doença renal
o Insuficiência cardíaca, políquística
o Insuficiência hepática
o Síndrome nefrótico
Utilização de AINEs Vascular
Estenose bilateral das artérias o Agudo: hipertensão
renais maligna, vasculite,
tromboembolismo renal
o Crónica: nefroesclerose
hipertensiva
Intersticial
o Nefrite intersticial
o Pielonefrite

Lesão renal aguda


Passamos agora propriamente para a lesão renal aguda (LRA). Esta pode
ter várias origens e apresentar-se de várias formas, dependendo do local da
lesão (se é pré-renal, intra-renal ou pós-renal).

De forma geral, a lesão renal aguda cursa com diminuição da função


depurativa, pelo que vamos ter uma acumulação de produtos como ureia,
creatinina, outros tóxicos de forma súbita no organismo.

Um dos sintomas que poderemos notar é a diminuição do volume de urina


por dia, onde entram 2 termos: oligúria e anúria. No entanto, podemos ter LRA
sem ter estes sintomas.

Oligúria = <400mL de urina por dia (ou

Anúria = <100mL de urina por dia.

Outra das consequências é, naturalmente, uma diminuição da TFG


recente.
Mas como definimos Lesão Renal Aguda?

Temos 3 critérios principais:

o Aumento da concentração sérica de creatinina em ≥0,3mg/dL em menos


de 48h;
o Aumento da concentração sérica da creatinina em 1,5x o valor basal;
o Diminuição do output urinário para ≤0,5mL/kg/h durante 6h.

Existem várias etiologias possíveis para lesão renal aguda, sendo que as
podemos dividir naquelas 3 categorias que vimos antes:

Lesão pré-renal Lesão intra-renal Lesão pós-renal


Diminuição da volémia Lesões do glomérulo Obstrução renal por
(hemorragia, vómitos, (glomerulonefrite, síndrome nefrótico) nefrolitíase
diarreia)
Edema (insuficiência
Lesões do túbulo (necrose tubular Neoplasia renal, uretero,
cardíaca, hepática) aguda, medicamentos) bexiga, próstata
Síndrome nefrótico Lesões do interstício (pielonefrite, Bexiga neurogénica
nefrite intersticial)
Utilização excessiva de Lesõs dos vasos (hipertensão
AINES maligna, tromboembolismo, vasculite)

1) Causas pré-renais

Sabemos calcular a filtração glomerular pondo em jogo 2 variáveis principais


em 2 locais diferentes:

1) Pressões hidrostáticas (no capilar glomerular e no túbulo renal);


2) Pressões oncóticas (no capilar glomerular e no túbulo renal).

Assim, é fácil pensarmos que o que nos favorece é uma grande pressão
hidrostática dentro dos capilares glomerulares e baixa no túbulo, de forma a
permitir um gradiente que favoreça a passagem de água para o interior do
túbulo.

Quanto à pressão oncótica, esta é maior no capilar, uma vez que os túbulos
não deverão contar proteínas ou moléculas desta dimensão.

Para aumentarmos a pressão hidrostática capilar, podemos mexer em 2


variáveis:

1) Arteríola aferente, sendo quem uma vasodilatação desta artéria permite


aumentar a pressão dentro do glomérulo;
2) Arteríola eferente, sendo quem uma vasoconstrição desta artéria permite
aumentar a pressão dentro do glomérulo.
Assim, é fácil perceber que todas as patologias que forem diminuir o sangue
que entra pela arteríola aferente (como diminuição da volémia ou as situações de
edema) vão diminuir a filtração e, desta forma, comprometer a depuração do
sangue.

Por outro lado, a resistência vascular periférica destas duas arteríolas


também é importante uma vez que a vasodilatação da A.Aferente, dependente
de PGE, pode ser posta em causa com o uso de AINEs, enquanto a
vasoconstrição da A.Eferente pode ser posta em causa com o uso de IECAs (que
impedem a formação de angiotensina II, um vasoconstritor potente que atua
preferencialmente na A.Eferente).

2) Causas intra-renais

É questão de pensarmos nos vários segmentos do túbulo renal, sendo que as


causas podem ser inflamatórias, isquémicas ou mesmo tóxicas.

Além das mencionadas nas tabelas acima, é importante falarmos do potencial


nefrotóxico dos aminoglicosídeos, uma classe de antibióticos que vai ter efeitos
nefastos no rim, originando LRA intra-renal.

A própria Sépsis pode levar à LRA por duas questões: pré-renal, pela
hipoperfusão renal que se vai originar no seguimento de um choque séptico com
vasodilatação generalizada e intra-renal, pelo aumento de citocinas inflamatórias
(IL-1, IL-6, TNF-α) que vão originar inflamação intra-renal.
3) Causas pós-renais

É simples, basta pensar que são todas as causas que possam estar entre o
rim e a uretra.

Podemos dividir em intrínsecas (situações apenas do aparelho urinário, como


nefrolitíase, neoplasias, entre outros) ou mesmo extrínsecas (como fibrose
retroperitoneal que pode levar a estenose do uretero).

Nota que, todas as causas supra-vesicais (acima da bexiga) só poderão


originar LRA se forem bilaterais, caso contrário o organismo consegue
compensar (exceto se o doente só tiver um rim, obviamente).

Independentemente de qual a causa da LRA, todas vão evoluir,


eventualmente, para necrose tubular aguda, que vai originar um caráter
irreversível à LRA, pelo que o ideal é atuar na janela temporal entre a instalação
da LRA e a necrose tubular aguda. No entanto, o mecanismo fisiopatológico que
vai originar a necrose tubular aguda é, ainda, impreciso, havendo teorias
discrepantes (teorias tubulares ou vasculares).

Existem várias teorias explicativas, sendo que se acredita que a LRA provém
de uma interação das várias hipóteses:

1) Hipótese tubular: há acumulação de células mortas no interior do túbulo,


havendo aumento da pressão intra-tubular de tal forma que vai diminuir
a pressão de perfusão sanguínea;
2) Hipótese vascular: a hipoperfusão renal com vasoconstrição da
A.Aferente e vasodilatação da A.Eferente vai diminuir a pressão de
perfusão intra-glomerular, diminuindo a filtração;
3) Hipótese da hipóxia: vai promover alterações nas moléculas de adesão
entre as células que constituem o túbulo renal, havendo “leak” de fluído
para o espaço intersticial.
Como se manifesta a LRA?

Isto é tudo muito bonito mas o que nos faz pensar que um doente possa
ter LRA?

Os sintomas vão variando com o tempo, sendo que, numa fase inicial, a
alteração da regulação hidro-eletrolítica pode ser percepcionada por uma
sensação de fadiga e mal-estar.

À medida que vamos continuando com esta acumulação hidro-eletrolítica,


vamos registar alguns sinais e sintomas que expressam a sobrecarga de volume,
como dispneia, ortopneia, aparecimento do som cardíaco S3, edema periférico.
Um estado de confusão mental pode ser consequência da acumulação de
substâncias nitrogenadas no cérebro.

Dispneia, Ortopneia
Fadiga Edema periférico
Mal-Estar S3
Confusão mental

Nota que os sinais/sintomas dependem não só da etiologia por detrás da


LRA como também do estadio de evolução da patologia.

Uma LRA pré-renal pode originar uma azootémia pré-renal, ou seja, uma
elevação dos valores séricos de ureia e outros compostos nitrogenados sem
haver uma lesão tubular, pelo que se deve mesmo à diminuição da perfusão renal
com consequente diminuição da TFG. Ou seja, estes valores elevados de
compostos nitrogenados no sangue devem-se, apenas, a uma não filtração e
depuração do sangue. Por outro lado, a osmolaridade da urina está,
normalmente, dentro dos parâmetros de referência, uma vez que não há lesão
tubular e toda a urina que se forma é muito concentrada (1200 mOsm/L).

Por outro lado, quando temos necrose tubular aguda, a urina é muito
menos concentrada, normalmente <350 mOsm/L, uma vez que o rim perde a
capacidade de concentrar a urina.

Um forte sinal que nos sugere LRA pré-renal é o ratio ureia/creatinina.


Mas antes disso, é preciso dar umas pequenas noções do processo renal de
ambas as substâncias.
O metabolismo da ureia ocorre, principalmente, ao nível do fígado, onde
substâncias como aminoácidos, que contém compostos nitrogenados, vão ser
degradados e originar amoníaco. Daqui, este amoníaco é “demasiado tóxico”
para ser secretado desta forma, pelo que o fígado vai convertê-lo em substâncias
menos tóxicas como a ureia, de forma a ser eliminado pela urina.

Ao nível do rim, a ureia é filtrada do sangue para a urina, sendo que parte
dela é, parcialmente, reabsorvida no TCP, pelo que não vamos expulsar toda a
ureia que temos no sangue através da urina. O que é que isto quer dizer? Que os
valores da ureia no sangue, se fossem só filtrados do sangue para a urina,
baixariam bastante, ou seja, o sangue ficaria com menos [ureia]. No entanto,
como há reabsorção de alguma ureia, é como se a [ureia] não tivesse baixado
tanto porque acabou por reaver alguma da ureia que tinha perdido. Isto faz,
então, uma subvalorização da função renal, ou seja, se formos ver a [ureia] no
sangue estamos a achar que o rim elimina menos do que aquilo que realmente
elimina, uma vez que, efetivamente, eliminou (por exemplo) 100 partículas de
urina mas, como reabsorveu algumas (por exemplo) 20 partículas, acabou só por
eliminar 80 partículas de ureia. Nota final: a ureia subvaloriza a filtração
glomerular.

Agora, em relação à creatinina, esta é o produto de degradação da


fosfocreatinina que existe ao nível dos músculos como forma de reserva
energética. Nota que a sua produção, ao nível do organismo, é praticamente
constante e diretamente proporcional em relação à massa muscular de uma
pessoa (sendo maior nos atletas e nas pessoas melanodérmicas). Por outro lado,
a sua eliminação é totalmente renal. Assim, a [creatinina] no sangue depende,
principalmente, da sua excreção e não da sua produção. Do sangue vai para os
rins, onde é filtrada para a urina. Além disso é, ainda, secretada, ou seja, ainda
há creatinina que passa do sangue para a urina que, inicialmente, não tinha sido
filtrada. Isto vai sobrevalorizar a função renal. Ou seja, inicialmente tinha 150
partículas de creatinina no sangue, consegui filtrar 100 partículas para a urina.
Assim, a minha “verdadeira capacidade” de eliminar creatinina foi de 100
partículas. No entanto, há possibilidade de haver secreção de + 20 partículas de
creatinina, pelo que no meu sangue só vão sobrar 30 partículas (em vez das 50
que era suposto sobrar), pelo que parece que o meu rim eliminou mais do que,
realmente, elimina. Nota final: a creatinina vai sobrevalorizar a função renal.

Aqui vai um resumo do que é fulcral perceberem:

Agora que já percebemos isto, vamos analisar o ratio ureia/creatinina.


Numa situação normal, a ureia está numa [ureia] > [creatinina] no sangue, na
proporção de 10:1 ou de 15:1. No entanto, pode acontecer que, no caso de uma
lesão pré-renal este ratio aumente, ficando em 20:1 ou mesmo 30:1, o que nos
vai despertar um alerta!

Como se justifica o ratio ureia/creatinina aumentado?

Numa situação de lesão pré-renal, vamos diminuir a TFG, pelo que vamos
diminuir a filtração das substâncias. O que é que isto faz? Com que não
consigamos diminuir a [ureia] nem de [creatinina] no sangue, uma vez que quase
não há filtração. No entanto, a reabsorção e a secreção mantém-se, pelo que a
pouca ureia que foi eliminada pode ser reabsorvida e a creatinina pode ser
secretada para o sangue. Isto faz com que a perda de ureia seja mínima e a perda
de creatinina seja maior do que a de ureia. Logo, o ratio das suas concentrações
vai aumentar, porque a [ureia] variou muito pouco enquanto a [creatinina] variou
mais porque conseguiu secretar para o interior dos túbulos renais.

Doença renal crónica (DRC)


Basicamente funciona como uma lesão renal aguda que não foi tratada e se
prolongou no tempo, pelo que, em termos de sinais e sintomas, vão estar
presentes vários que são comuns com a lesão renal aguda mas existem outros
que nos sugerem, à partida, uma doença renal crónica, tais como:

o Neuropatia
o Osteodistrofia
o Anemia
o Atrofia renal bilateral em métodos de imagem

Em Portugal tem uma prevalência de 13%, semelhante à da Diabetes


Mellitus.
Mas como definimos esta patologia?

1) Alterações estruturais ou funcionais durante > 3 meses;


2) Alterações estruturais patológicas (dilatação da árvore pielo-calicial e
diminuição da espessura do parênquima renal);
3) TFG< 60ml/min/1.73m2;
4) Marcadores de lesão renal: hematúria, proteínuria.

Quais os fatores de risco para DRC?

1) Diabetes 5) Fármacos nefrotóxicos;


2) HTA; 6) Envelhecimento;
3) Obesidade; 7) Lesão renal aguda;
4) Dislipidémia; 8) Doenças auto-imunes.

Quais as principais etiologias da DRC?

À partida, temos logo de pensar nalgumas etiologias mais prováveis:

1) Diabetes mellitus;
2) Hipertensão;
3) Glomerulonefrite;
4) Doença renal poliquística;
5) Nefrite intersticial.

A Diabetes mellitus leva a um estado de hiperglicemia, sendo a glicose uma


substância osmoticamente ativa e com capacidade de fazer glicosilação não
enzimática de algumas proteínas. Assim, muitas vezes vamos ter deposição ao
nível do rim de nódulos amorfos que representam aglomerados de proteínas
glicosadas, podendo afetar a membrana de filtração, originando uma nefropatia
diabética (normalmente apenas 10 anos após um doente ter diabetes). Esta é
caraterizada pela deposição de material amorfo, eosinofílico, ao nível do
mesângio, originando uma lesão chamada Lesão de Kimmelstiel-Wilson. Este
material amorfo vai comprimir as arteríolas ao nível do glomérulo e diminuir a
TFG.

A HTA vai levar a um espessamento da Arteríola Aferente, de tal forma que


vamos ter um lúmen cada vez mais reduzido, o que vai não só diminuir a TFG
mas também aumenta o risco de isquémia da medula renal e promove uma
situação de hipóxia.
A fisiopatologia da DRC é MUITO DIFERENTE da fisiopatologia da LRA, uma
vez que, na LRA, podemos ter lesão dos nefrónios mas, muitas vezes, estes são
regenerados, retornando a uma arquitetura e conformações normais. No entanto,
na DRC o que acontece é uma lesão irreversível dos nefrónios, de tal forma que
os nefrónios restantes vão ter que compensar e suportar a carga de trabalho que,
antes, seria “dividida” pelos vários nefrónios. Logo, vamos ter uma hiperfiltração
e hipertrofia por parte dos nefrónios restantes → Teoria dos nefrónios intactos.

Assim, temos uma hiperfiltração glomerular e hipertrofia do nefrónio na


DRC. Inicialmente é satisfatório e ajuda o rim a compensar com os nefrónios que
foram eliminados. Mas temos um problema: os podócitos (células que formam a
membrana epitelial) são células terminais, não replicativas, que não conseguem
hipertrofiar, pelo que os pedicelos (prolongamentos secundários dos podócitos)
não conseguem aumentar o seu tamanho e, perante uma membrana de filtração
em expansão, vão deixar pequenos poros “vazios”, permitindo a passagem de
substâncias de maiores dimensões.

Logo, a passagem de proteínas vai permitir explicar o porquê de termos


proteinúria, sendo que esta depende, então, de 2 fatores:

1) Perda do efeito repelente da membrana de filtração (com carga negativa)


que repelia outras proteínas (também com carga negativa);
2) Aumento do tamanho dos poros, permitindo a passagem de substâncias
de grandes dimensões.

No entanto, por causas ainda pouco compreendidas, esta hiperfiltração e


hipertrofia vão aumentar, como já vimos, a proteinúria. A presença de proteínas
na urina vai fazer com que determinadas proteínas atinjam o TCP, originando
uma reação inflamatória naquele local, promovendo a passagem de citocinas
inflamatórias e quimiocinas. O recrutamento de linfócitos e plasmócitos para o
local vai promover uma transição epitélio-mesenquimal por parte das células do
TCP, permitindo, assim, originar fibroblastos que vão fibrosar o interstício e os
próprios túbulos, levando a uma esclerose glomerular.

Assim, vamos acelerar o processo de morte dos nefrónios, o que vai


comprometer a função renal, pelo que antecipa o aparecimento da síndrome
urémica.
Os rins têm uma reserva funcional bastante elevada, de tal forma que
podem perder até 50% dos seus nefrónios e manter uma função renal normal.
No entanto, quando já só está disponível <20% da função renal, começa a existir
uma diminuição da TFG que pode, efetivamente, ser sintomática para o doente.
Assim, um doente com DRC pode sofrer bastante com uma agudização
da sua situação, como uma infeção, obstrução urinária, aumento do turnover
proteico, pelo que podemos ter uma DRC que cursa com uma LRA.

Como se manifesta uma DRC?

Além dos sintomas típicos da LRA, existem outros mais específicos que já
mencionámos, como a neuropatia, anemia, osteodistrofia e a atrofia renal
bilateral. Porém, interessa explicar outras situações.

Podemos ter uma hiponatrémia com hipervolémia, que, se bem se


lembram, era caraterizada pelas situações que podem originar edema periférico,
como insuficiência cardíaca, cirrose e insuficiência renal.

O edema periférico pode corresponder a um aumento do peso do doente!

➔ Balanço de Na+

Estes doentes têm os seus mecanismos de regulação de Na+ e H2O


bastante alterados, pelo que sofre mais alterações com perdas extra-renais de
Na+ que as restantes pessoas (vómitos, diarreia…), sendo mais suscetíveis ao
colapso vascular e ao choque.

➔ Balanço de K+

Estes doentes são caraterizados por terem uma grave hipercaliémia, uma
vez que o rim perdeu a sua capacidade de secretar K+ para a urina. Numa primeira
fase, vamos ter um aumento do número de canais no Tubo coletor que vão
promover a secreção de K+ sensível à aldosterona.

Muitas vezes, os doentes com DRC vão ter uma hipoaldosteronismo


hiporeninémico, ou seja, temos baixos níveis de aldosterona porque o rim vai
libertar pouca renina (que, consequentemente, vai produzir pouca angiotensina I
e II), pelo que a secreção de K+ dependente da aldosterona está diminuída.
➔ Equilíbrio ácido-base

Estes doentes têm um risco aumentado para acidose metabólica uma vez
que não vão conseguir secretar ácido nem reabsorver bicarbonato, pelo que são
extremamente sensíveis a situações que possam aumentar os ácidos orgânicos
(cetoacidose diabética ou alcoólica, acidose lática) ou perda de base (diarreia).

Numa primeira fase, os doentes podem ter uma acidose metabólica sem
aumento do anion gap (ou hiperclorémica), uma vez que a transição epitélio-
mesenquimal vai diminuir o nº de células epiteliais do TCP, pelo que podemos ter
uma diminuição das células que vão sintetizar o amoníaco. Numa fase mais
avançada da doença, podemos ter uma acidose metabólica com aumento do
anion gap porque o organismo vai perder a capacidade que tem de excretar
ácido, pelo que o vai acumular e aumentar o anion gap do doente.

➔ Afeção do metabolismo ósseo

O metabolismo ósseo está, nestes doentes, muito afetado, por várias


razões:

1) Diminui a ativação do calcitriol (vitamina D3 ativada);


2) Diminui a capacidade de absorção de Ca2+ ao nível do tubo GI;
3) Produção aumentada de PTH;
4) Reabsorção óssea crónica;
5) Retenção de fosfatos.

Basicamente o rim vai deixar de ativar a vitamina D3 (calcitriol), pelo que


vamos ter uma diminuição da absorção intestinal de Ca2+. Assim, vamos ter uma
hipocalcemia. Esta hipocalcémia vai originar um hiperparatiroidismo secundário
(secundário a um problema renal) de forma a aumentar a produção de PTH, a
hormona paratiroide. A PTH vai promover o “breakdown” do osso, de forma a
aumentar a [Ca2+] no sangue, o que vai promover uma osteomalacia. Além disso,
o rim não vai conseguir secretar os iões fosfato, pelo que vamos ter uma
hiperfosfatémia que pode reagir com o Ca2+, diminuindo a sua concentração, pelo
que temos mais um estímulo para o hiperparatiroidismo secundário.
Assim, temos duas razões principais para o hiperparatiroidismo
secundário à DRC:

1) Diminuição da ativação do calcitriol, com diminuição da absorção


intestinal de Ca2+;
2) Hiperfosfatémia que vai reagir com o Ca2+, diminuindo a sua
concentração sérica.

A PTH é uma hormona fosfatúrica, ou seja, vai promover a excreção de


fosfato pela urina, uma vez que não faria sentido a PTH estar a aumentar a [Ca2+]
para depois este reagir com o fosfato e diminuir a sua [Ca2+].

Por outro lado, de forma a não termos um aumento exagerado da [Ca2+]


existe um mecanismo regulatório que se baseia na elevação do FGF-23, que vai
impedir o aumento do calcitriol e, desta forma, diminuir a absorção intestinal de
Ca2+ e de fosfato.

Logo, a diminuição da TFG vai promover a retenção de fosfato –


hiperfosfatémia – que vai ativar a PTH e aumentar o FGF-23.

➔ Afeção cardiovascular e pulmonar

Nesta classe de doentes é típico vermos alguns sintomas como


hipertensão (pela sobrecarga de volume e de Na+ e pela hiperreninémia),
insuficiência cardíaca e edema pulmonar.

Pericardite pode acontecer pela acumulação de substâncias nitrogenadas


e tóxicas no pericárdio, originando, na auscultação, um artrito pericárdico.

As principais causas de morte em doentes com doença renal crónica


refletem-se em doenças cardiovasculares.

Nota que em doentes com DRC os níveis de troponinas estão, de forma


basal, aumentados. Se estiverem sempre altos, a suspeição de EAM é baixa. No
entanto, se os níveis de troponinas aumentarem, então teremos de averiguar se
o doente poderá ter um EAM.

➔ Afeção hematológica

Ao nível dos eritrócitos, os doentes com DRC vão apresentar uma anemia
normocítica e normocrómica, relacionada com a diminuição da produção de
eritropoetina. Por outro lado, também pode haver hemorragias em doentes a
fazer diálise. Assim, beneficiam bastante da medicação com análogos da EPO!

Ao nível dos leucócitos, poderá haver uma diminuição (leucopénia) por:

1) Efeito fibrótico da PTH na medula;


2) Efeito supressor dos compostos nitrogenados na medula.

Ao nível das plaquetas e da coagulação, os doentes com DRC costumam


apresentar, rotineiramente, um estado de hipocoagulabilidade pela diminuição
do fator de coagulação III.

➔ Afeções neurológicas

A acumulação de compostos nitrogenados pode promover várias


alterações do foro neurológico, como:

o Perturbações do sono;
o Confusão mental;
o Asterixis;
o Mioclonias;
o Síndrome das pernas inquietas.

➔ Afeções dermatológicas

Podem ser muito variadas, das quais se destacam:

o Palidez (pela anemia);


o Coloração acinzentada (hemocromatose mediada por
transfusões sanguíneas);
o Equimoses pela hipocoagulabilidade.
o Alteração da pigmentação pela deposição de urocromos.
Como podemos classificar a DRC?

A DRC é classificada, em termos de prognóstico, pelos critérios KDIGO, que


vão conjugar duas variantes:

1) A taxa de filtração glomerular, dividida em 5 parâmetros (sendo que a


DRC se define para uma TFG<60ml/min);
2) O nível de proteinúria, sendo que se divide em 3 parâmetros
(microalbuminúria tem uma excreção de proteína entre 30 a 300 mg/dia,
enquanto a macroalbuminúria tem uma excreção >300mg/dia).
Resolução da 3ª TP – Doença Renal Crónica

Comecemos, desde o início, a pensar na nossa doente. Já tínhamos visto


que, ao termos uma doente de 68 anos, temos de pensar em patologias
específicas desta idade, nomeadamente doenças cardíacas, cerebrovasculares,
metabólicas, respiratórias, entre outras. Concretizando: enfarte agudo do
miocárdio, insuficiência cardíaca, pericardite, HTA, AVC, diabetes, dislipidémia,
pneumonia, insuficiência respiratória, DPOC, asma.

Ao termos uma doente do sexo feminino, sabemos que há patologias com


diferentes prevalências em relação ao sexo, nomeadamente as doenças auto-
imunes são mais frequentes nas mulheres do que nos homens.

Termos uma mulher do sexo feminino com mais de 65 anos faz-nos


aumentar o risco de doenças CV.

Tanto as mulheres como os homens morrem mais doenças cardíacas,


neoplasias malignas (no caso das mulheres morrem mais de cancro do pulmão,
cancro da mama, cancro do cólon). Depois as mulheres morrem mais de doenças
cerebrovasculares e de doenças respiratórias baixas do que os homens.

Ser de raça negra também é um “heads up” para nós porque temos de
pensar em patologias mais específicas, nomeadamente uma diminuição dos
níveis da renina e uma menor resposta anti-hipertensora nos fármacos que
atuarem neste mecanismo SRAA.

Ser divorciada e reformada apenas nos dá informação do grau de


acompanhamento social que a doente possa ter, o que pode influenciar algumas
questões como adesão à terapêutica, grau de independência, qualidade de vida,
etc.

A alteração súbita do estado de consciência é um sintoma muito vasto,


tendo várias etiologias possíveis. Assim, no início temos de deixar em aberto
várias opções.
A alteração do estado de consciência pode-se dever a várias causas, pelo
que vamos dividir em categorias:

Cardiovasculares Metabólicas Neurológicas Infecciosas Exógena


EAM Hipoglicémia AVC Pneumonia Intoxicação
Trombo nas Cetoacidose Meningite ITU
carótidas
Arritmia cardíaca Encefalite
Hipotensão Hemorragia
subaracnoideia
espontânea
Herniação do
tronco cerebral

Por isso, à partida, temos de pensar em tudo isto.

Termos um doente sem acompanhamento médico regular é mau sinal


porque pode indicar descompensação de uma patologia de base ou mesmo o
não diagnóstico de uma patologia importante, por isso, por si só, não nos sugere
nada em específico.

Doente obnubilada significa que temos uma doente com uma alteração
do estado de consciência (uma vez mais, já sabemos que conseguimos
quantificar o estado de consciência através da escala de coma de Glasgow que
mede a resposta a 3 parâmetros: resposta ocular, resposta verbal e resposta
motora).

A alteração súbita do estado de consciência foi acompanhado por


sensação de náuseas com vómitos alimentares. Assim, faz sentido pensarmos
o que pode causar náuseas e vómitos e o que, em comum, poderá estar
relacionado com a alteração súbita do estado de consciência.

O que significa náuseas? É a sensação subjetiva de vontade de vomitar,


enquanto vómito é, efetivamente, a expulsão de conteúdo gastrointestinal após
uma inversão do peristaltismo, acompanhada com contração dos músculos
tóraco-abdominais (e peristálticos).
Nota que vómito é diferente de regurgitação, uma vez que regurgitação
é a passagem de conteúdo gástrico para a boca sem “esforço”.

Quais os mecanismos fisiopatológicos por detrás disto?

Os mecanismos fisiopatológicos da náusea são pouco conhecidos mas


acredita-se que é necessário uma percepção sensorial consciente, daí que tenha,
necessariamente, integração cortical.

Não obstante, os vómitos têm uma fisiopatologia mais conhecida, estando


integrados ao nível do tronco cerebral. Basicamente vamos ter uma coordenação
de vários grupos musculares diferentes. Começamos pela contração dos
músculos respiratórios e da parede abdominal, de forma a aumentar a pressão
intra-abdominal e pressão intra-torácica. Depois, há uma herniação do cárdia
(pelo hiato esofágico) para a região torácica e uma ascenção da laringe para
propulsar o vómito. Registam-se contrações retrógradas (inversão do
peristaltismo) de forma a haver expulsão do conteúdo gástrico para a boca.

Existem vários estímulos capazes de iniciar o vómito:

Ação Integração Recetores


Pensar em alimentos ou Cortical ---
cheiros desagradáveis
Movimento do labirinto VIII → Tronco cerebral M1 e H1
Irritação da mucosa gástrica X → tronco cerebral 5-HT3

Presença de substâncias no Área postrema (bulbo) M1, H1, 5-HT3, D2


sangue
Quanto às causas de vómito, estas podem ser muito variadas:

Intra-peritoneal Extra-peritoneal Metabólica


Obstrução (pilórica, duodenal, Cardiovascular (EAM, Fármacos (quimioterapia,
síndrome da mesentérica superior, miocardiopatia) antiarrítmicos, antibióticos)
cólica)
Infeção (bacteriana ou viral) Doenças labirínticas Cetoacidose
Inflamação (Hepatite, Colecistite, Intra-cerebrais Urémia
Pancreatite, Apendicite) (hemorragia, abcesso,
hidrocefalia)
Refluxo gastroesofágico Gravidez

Agora, temos de pensar em causas de alteração do estado de consciência


que possam cursar com náuseas e vómitos. Assim, conseguimos excluir, à
partida, as causas de náuseas e vómitos inta-peritoneais (como as obstruções,
infeções, inflamações ou refluxo gastroesofágico), porque não farão muito
sentido no quadro clínico.

No entanto, não conseguimos excluir já causas cardiovasculares (como


EAM ou cardiomiopatia) nem cerebrais (abcesso, hemorragia, hidrocefalia), se
bem que as causas labirínticas poderão fazer menos sentido.

Por outro lado, nas causas metabólicas, continua a fazer sentido pensar
em intoxicação medicamentosa/alimentar, urémia, cetoacidose, patologia
tiroideia mas excluímos a gravidez (por ter 68 anos de idade).

Assim, que hipóteses temos até agora? Causas cardiovasculares,


cerebrais e metabólicas.

Diz-nos que o episódio decorreu sem movimentos tónico e/ou clónicos


ou de incontinência de esfíncteres. Isto vai-nos diminuir uma outra hipótese que
poderia ser causa de alteração do estado de consciência que seria uma crise
epilética.

As crises epiléticas podem ter duas principais origens:

1) Crises epiléticas provocadas, com uma causa identificável extrínseca ao


cérebro, agudo e bem identificado;
2) Crise epilética não provocada, por alterações cerebrais intrínsecas.
As crises epiléticas provocadas podem ser na sequência de um AVC
(isquémico ou hemorrágico), alterações hidroeletrolíticas, insuficiência
renal/hepática, infeção respiratória/urinária, infeções do SNC ou mesmo
alguns fármacos.

As crises epiléticas não provocadas podem ser primárias (de causa


desconhecida), secundárias a uma lesão conhecida ou criptogénica (sem
conseguirmos identificar a lesão mas com alta suspeição da mesma).

A incontinência de esfíncteres é um sintoma que acontece muitas vezes


durante uma crise convulsiva, pelo que a sua ausência diminui a probabilidade
de ter sido esta a causa da alteração do estado de consciência.

Temos uma doente com HTA há vários anos, sendo que a HTA é fator de
risco para muitas doenças, nomeadamente cardiovasculares, cerebrovasculares,
renais, entre outras. Por isso não nos ajuda propriamente a afunilar na hipótese
diagnóstica, dá-nos apenas uma ideia que, muito provavelmente, será uma HTA
primária (sem causa conhecida).

Há 3 anos realizou análises sem alteração, exceto creatinina 1.8mg/dL. O


que é que isto nos faz pensar? Numa afeção do rim! Isto porquê? Sabemos que
a produção de creatinina no organismo é praticamente constante e que a sua
eliminação é, inteiramente, renal. Se a [creatinina] aumentou então significa única
e exclusivamente que o rim deixou de eliminar a creatinina de forma eficaz. Agora
as causas disso podem ser mesmo muito variadas.

O que conseguimos concluir daqui é que, há 3 anos, a doente tinha uma


LRA. Agora não sabemos se teve resolução ou se foi agravando
progressivamente, mas uma vez que nos foi dito que a doente tem pouco
acompanhamento médico, poderemos pensar numa progressão do problema,
pelo que suspeitamos de DRC, isto porque a LRA pode ser fator de risco para
DRC.

Ao não ter história de outras patologias não podemos descartar que,


efetivamente, não as tem! Lembrem-se que a doente ia pouco regularmente ao
médico, por isso pode ter doenças que ela própria desconhece, pelo que não
devemos logo confiar nisto!
Já tínhamos visto nas aulas anteriores que a amlodipina é um bloqueador
dos canais de cálcio, sendo que vai ter maior função vasodilatadora do que iono
e cronotrópica negativa. Isto quer dizer que vai funcionar como anti-hipertensor
ao diminuir a RVP e, desta forma, diminuir a TA, já que esta é TA= DC x RVP ,
ou seja, TA = VS x FC x RVP.

Existem outros bloqueadores do canal de cálcio, como o verapamil e o


diltiazem. O Verapamil tem uma função principalmente iono e cronotrópica
negativos, ou seja, vai diminuir basicamente a FC e o VS. O Diltiazem vai ser um
intermédio entre o verapamil (predominantemente cardíaco) e a amlodipina
(predominantemente vascular).

O que devemos pensar aqui? Poderá ser a Amlodipina um responsável


pelo estado de alteração do estado de consciência? Até pode, uma vez que
funciona como um vasodilatador e anti-hipertensor, poderemos ter a doente com
hipotensão de tal forma que origina uma hipoperfusão cerebral que justifique a
diminuição do estado de consciência!

A doente não está pirética, está apirética, uma vez que a temperatura
timpânica está a 36,5ºC (aproveitem para relembrar a diferença entre febre,
hiperpirexia e hipertermia!).
A Pressão Arterial está elevada, a doente está hipertensa. Segundo a
sociedade europeia de cardiologia e a de hipertensão, os graus de hipertensão
podem-se dividir em função dos valores da pressão arterial sistólica e/ou
diastólica. A nossa doente tem uma PA=174/90mmHg, pelo que tem uma
hipertensão de grau II. Nota que a nossa doente é hipertensa há “vários anos” e
que não recorre regularmente ao médico, pelo que podemos pensar que a HTA
tem já manifestações graves no organismo.

A FC=92bpm faz com que a nossa doente esteja próxima do limiar


superior, quase em taquicardia. Poderá estar associada ao estado de
obnubilação da doente.

A FR=19cpm também está, novamente, na transição entre eupneica e


taquipneica. Podemos pensar que a doente está a iniciar uma resposta
compensatória respiratória a uma possível acidose, pelo que poderá estar a
começar a hiperventilar de forma a diminuir a PaCO2.

A doente obnubilada, desorientada, pouco reativa a estímulos denota o


estado de diminuição de consciência que já tínhamos visto inicialmente.

As pupilas isocóricas, isorreativas, sem miose nem midríase e com


reflexo oculo-cefálicos mantidos vão dizer-nos que, à partida, não temos
alteração do controlo do diâmetro pupilar (III par na componente parassimpática
e plexo simpático pericarotídeo), o que nos pode diminuir a suspeita de uma
afeção neurológica. Por outro lado, o reflexo oculo-cefálico (reflexo no qual, ao
movimentar a cabeça para um lado, os olhos movimentam-se na direção oposta
de forma a preservar o objeto visualizado no centro do campo visual) vai ter uma
integração de informação no tronco cerebral, pelo que nos faz diminuir a
probabilidade de uma afeção destas estruturas ou mesmo labiríntica (para nos
dar referência da posição da cabeça).

Pele e mucosas acianóticas e anictéricas. O facto de estarem acianóticas


vai-nos excluir as hipóteses de cianose central (como a diminuição da SatO2 no
sangue ou a presença de formas reduzidas de hemoglobina) bem como de
cianose periférica (obstruções venosas ou arteriais, frio, diminuição do output
cardíaco). Ao estarem anictéricas, permite-nos excluir algumas patologias como
anemia hemolítica, eritropoiese deficiente, colecistite ou litíase vesicular, bem
como coledocolitíase (principais causas de icterícia)!

Palidez mucocutânea pode-nos sugerir uma situação de anemia, sendo


que esta pode ter inúmeras causas! Para já, fiquemos só com a ideia que palidez
mucocutânea pode querer significar anemia, que só vamos conseguir analisar
melhor quando virmos as análises laboratoriais.

Desidratada, com prega cutânea significa que, ao puxarmos um pouco


da pele da nossa doente (por exemplo, no dorso da mão), a pele vai demorar a
“retomar” a sua posição e vão-se formar algumas rugas no local onde puxamos
a pele, sendo que este sinal nos faz suspeitar de desidratação. Esta desidratação
poderá estar a causar uma hipovolémia com consequente hipoperfusão cerebral
e alteração do estado de consciência, pelo que temos de ter isto em causa! Temos
de nos lembrar que a doente vomitou, pelo que poderá ter perdido água desta
forma.

A ausência de adenomegálias faz-nos diminuir a suspeita de patologias


infeciosas na nossa doente.

A ausência de ingurgitamento jugular faz-nos excluir algumas


possibilidades como IC direita, cirrose hepática ou hepatomegália, basicamente
tudo o que fosse aumentar a pressão nas câmaras direitas do coração.

A ausência de sopros carotídeos vai diminuir a hipótese de que


poderíamos ter uma placa de ateroma nas A.Carótidas que contribuísse para a
hipoperfusão cerebral.

A AC e a AP estão normais, pelo que vai diminuir a nossa suspeita de


patologia cardíaca ou pulmonar.

Assim, até agora, o que temos de ter em mente? Causas metabólicas


(cetoacidose, urémia) e intoxicações farmacológicas ou alimentares, para já!

O exame objetivo do abdómen está normal à excepção dos RHA que


estão aumentados em frequência e intensidade. O que nos faz pensar? Oclusão
intestinal, hemorragia digestiva ou diarreia!
A oclusão intestinal será menos provável porque não teremos uma relação
possível com a diminuição do estado de consciência.

No entanto, a hemorragia digestiva poderia levar a náuseas e vómitos


(neste caso, hematemese (vómitos com sangue) se tivéssemos, por exemplo,
uma situação de úlcera péptica) com uma hemorragia tão intensa que poderia
causar uma hipovolémia com hipoperfusão cerebral. No entanto, dada a HTA da
doente, esta causa será pouco provável porque não podemos ter hipoperfusão
cerebral com uma TA tão alta.

A diarreia poderia ser uma perda exagerada de bicarbonato, com uma


acidose metabólica que justificasse o quadro apresentado.

Ao nível dos Membros Inferiores vamos ter um edema bilateral até ao


joelho (godet +++).

É importante falarmos um pouco de edema.

Como já sabemos, de toda a % de água do organismo, apenas cerca de


18% de encontra no espaço extra-celular, onde 13% permanece no espaço
intersticial e 5% no espaço intra-vascular. O que regula a passagem de água de
um compartimento para o outro?

1) A pressão hidrostática intra-capilar, sendo que, quanto maior for esta,


maior a passagem de água intra-vascular → intersticial;
2) A pressão oncótica intra-capilar, sendo que, quanto maior for esta, maior
a passagem de água intersticial → intra-vascular;
3) A pressão hidrostática intersticial, sendo que, quanto maior for esta, maior
a passagem de água intersticial → intra-vascular;
4) A pressão oncótica intersticial, sendo que, quanto maior for esta, maior a
passagem de água intra-vascular→ intersticial.

A água sai dos capilares na extremidade arterial da rede capilar, enquanto


retorna do espaço intersticial para o espaço vascular na extremidade venosa da
rede ou pela drenagem linfática.

Edema carateriza-se como a situação onde vamos ter um aumento do volume


intersticial, que pode ser por aumento da pressão hidrostática intra-vascular
(associada a uma obstrução à drenagem venosa e/ou linfática) ou diminuição da
pressão oncótica no sangue (como na insuficiência hepática ou síndrome
nefrótico).

Numa situação de edema verifica-se uma diminuição da volémia uma vez que
a água se desloca do espaço intra-vascular para o espaço intersticial, o que vai
resultar num conjunto de mecanismos adaptatórios que vão tentar aumentar a
volémia, como a retenção renal de sódio e, consequentemente, de água.
Quais as principais causas de edema?
Causa Explicação Manifestações Localização
Vamos ter acumulação de sangue ao Dispneia -Generalizado
nível do coração, aumentando a Ortopneia - Depende da gravidade,
pressão de sangue na circulação Sibilos bilaterais pelo que ao final do dia se
Insuficiência
venosa, aumentando a pressão Aumento da pressão acumula nos MI mas num
Cardíaca
hidrostática e diminuindo avenosa jugular doente acamado
passagem de sangue para o espaço S4 (sobrecarga de acumula na região sacral.
intra-vascular. pressão)
Vamos ter uma retenção de água e Hematúria Se for por síndrome
sódio ao nível do rim pela diminuiçãoProteinúria nefrótico acumula-se nos
da TFG, pelo que aumenta o volume HTA tecidos mais moles, daí
Insuficiência intersticial. Atrito pericárdico (se for ser predominantemente
Renal Síndrome nefrótico – intensa perda DRC pela urémia) matinal e na região peri-
de proteínas com diminuição da Síndrome nefrótico com orbital.
pressão oncótica do sangue. edema peri-orbital
matinal
Vamos ter uma acumulação de Hepatomegália Primeiro está associado a
sangue ao nível do fígado, o que vai Ascite ascite e, só numa fase
Insuficiência levar à diminuição da volémia e mais avançada, vai
Hepática / ativação de mecanismos de retenção originar um edema
Cirrose de água e Na+. Temos generalizado.
hipoalbuminémia que vai diminuir a
pressão oncótica nos vasos.
Acontece em dietas hipoproteicas
Défice
que vão diminuir a pressão oncótica
Nutricional
nos vasos.

A nossa doente tem um edema bilateral, o que nos vai diminuir as


hipóteses de edema localizado (obstrução venosa ou linfática, linfagite crónica,
remoção dos gânglios axilares regionais…).

Até agora, temos alguns sinais e sintomas que nos foram afunilando nas
hipóteses diagnósticas, como a alteração súbita do estado de consciência,
vómitos e náuseas, HTA, edema. Juntando todas estas hipóteses, o que nos faz
mais sentido é começar a pensar numa afeção renal que possa induzir um estado
de insuficiência renal de tal forma que contribui para a acumulação de
substâncias que, numa situação normal, seriam filtradas, denominando-se numa
síndrome urémica, que seria capaz de explicar as alterações do estado de
consciência (causa metabólica), bem como as náuseas e vómitos (causa
metabólica). A HTA é um grande fator de risco para a DRC e a insuficiência renal
pode promover uma retenção de água e sódio que cause edema. Assim, parece
bater tudo certo!

Godet (+++) significa que, quando fazemos pressão com um dedo numa
superfície óssea (normalmente ao nível da tíbia) vai-se formar uma pequena
“covinha” no local da digitopressão que vai demorar a retornar ao normal e que
nos sugere fortemente da existência de edema naquele local. É uma escala
subjetiva que varia de 1+ para 3+ de acordo com a profundidade da “covinha” e
o tempo que demora a restabelecer a normalidade.

A ausência de dor à palpação dos trajetos vasculares vai-nos diminuir a


probabilidade de uma obstrução venosa ou tromboflebite que pudesse justificar
este edema nos MI.

A dor à dorsiflexão do pé é denominada de Sinal de Homans e é


sugestivo de trombose venosa profunda, que poderia, também, ser uma causa
de edema dos MI.

Assim, dada a ausência de dispneia ou alterações na auscultação cardio-


pulmonar, excluímos a causa cardíaca para o edema. Por outro lado, não havia
alterações no EO abdominal que pudessem ser compatíveis com edema de
origem hepática, pelo que a origem renal é, efetivamente, a mais forte!

Potrebbero piacerti anche