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Texto para uso didático na disciplina DER 100 – Sociedade e Natureza, no Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento Rural/UFRGS, sob responsabilidade de Jalcione Almeida.


Não pode ser citado como fonte bibliográfica.
Março de 2000.

O CAMPO DA PESQUISA E DAS AÇÕES SOBRE O MEIO AMBIENTE 1

Introdução

O meio ambiente se tornou nas duas últimas décadas um importante componente do debate
social. No entanto, é difícil dizer qual o lugar que o mesmo ocupará neste debate.
A amplitude das questões apresentadas em torno do tema caracteriza um profundo
movimento social, isto é, um componente novo e duradouro da realidade social, do funcionamento e
da evolução da sociedade.
Por que o meio ambiente transformou-se em uma verdadeira questão? Porque ele configura-
se como uma interrogação institucionalizada que mobiliza e organiza as representações coletivas
(sociais). A criação de ministérios públicos do meio ambiente consagra a “questão do meio
ambiente” como tema inserido no “espaço público”. Algumas evidências podem ser apresentadas,
de imediato:
• o meio ambiente como trunfo político, entrando no jogo institucional da democracia
regido pelo voto e pelos partidos;
• o lobbie ecologista;
• a construção de uma “opinião pública” cada vez mais sensibilizada pelos problemas
ambientais (exploração de situações locais e em nível regional de conflitos para mostrar a
legitimidade das posições ecologistas).
Do ponto de vista sociológico, pode-se falar de uma ideologia no sentido literal do termo,
isto é, um campo estruturado de representações coletivas fundado sobre um sistema de valores
sociais. Fala-se freqüentemente sobre a ética e a ética das relações sociais e do bem-comum. Esta
parece ser uma ideologia verdadeira política, atualizando a questão democrática através de pontos
essenciais, como o direito do cidadão à informação e à participação nas decisões de caráter público.

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O exposto neste texto tem forte apoio nas idéias do sociólogo francês Marcel Jollivet e de sua equipe
multidisciplinar de pesquisa (L.A.D.Y.S.S - Universidade de Paris X) e do Programa Meio Ambiente, Vida e
Sociedades (Programme Environnement, Vie et Sociétés - CNRS). As pesquisas e reflexões deste grupo
servem, em muito, para orientação do trabalho acadêmico e de programas de ação política sobre o tema
“meio ambiente” no Brasil nos dias atuais, por isso a iniciativa de divulgação.
Tudo isso é suficiente para tornar a análise da questão do meio ambiente muito difícil, tarefa
por vezes incômoda. Ainda mais porque esta é uma questão recente (sobretudo no Brasil), em
estado instável, não solidificado, portanto, aberto e permeável.
O meio ambiente é uma noção polissêmica por excelência, permitindo todos os tipos de
amálgamas, assumindo uma riqueza simbólica e uma real capacidade para provocar a mobilização
social em torno das transferências de sentido que a noção pode suscitar. Isso remete, novamente,
àquilo que foi dito anteriormente: esta é uma noção geradora de ideologia.
Esta noção também é fonte importante de equívocos e contradições, prestando-se, inclusive,
ao jogo político, da esquerda à direita, de um economicismo à ecologia radical.
Até aqui, o que foi dito refere-se à dimensão mais propriamente política da questão do meio
ambiente. Outra dimensão, a econômica, também é bastante forte no debate e na análise da
problemática ambiental. Esta trata da questão como um novo impulso para a economia industrial,
por vezes aparecendo como apelo de marketing. Outra perspectiva é aquela que vê o meio ambiente
como parte dos caminhos de acesso à “sociedade de serviços”, à tercerização da economia (turismo
verde, por exemplo), contribuindo, assim, para uma terceira fase do desenvolvimento que é aquele
que privilegia os “mercados de clientela”.
Uma terceira dimensão também se evidencia: a naturalista, ou seja, aquela que vê os
problemas reais e concretos relacionados ao meio ambiente como estando em relação direta e causal
com a gestão dos recursos, elementos e meios naturais, seja com respeito à água, ao ar, às zonas
úmidas, às florestas tropicais etc. Essa dimensão, por vezes associada à dimensão econômica, se
sobressai a partir de uma dupla constatação:
• da crescente escassez dos recursos naturais básicos, principalmente de “boa
qualidade”; e
• da interdependência total entre os diferentes compartimentos da biosfera,
transferindo a poluição de uns para outros (acúmulo na cadeia trófica ou
modificação dos equilíbrios do planeta).
Basicamente, são essas dimensões, com suas respectivas interpretações, que fundamentam o
meio ambiente como um todo, como entidade em si. Em cada um dos aspectos considerados, é
somente uma parte ou uma faceta do conjunto formulador do sistema que aparece. O clima, a
camada de ozônio, a biodiversidade, por exemplo, assumem um papel unificador, espécie de
“globalização” dos fenômenos. Em alguns contextos, começa-se a falar, cada vez mais, em
“mudança global” e menos em “meio ambiente”, submetendo o local a uma verdadeira “ordem
planetária”, justificando ainda mais a intervenção do “poder público”.
A “questão do meio ambiente” inaugura várias outras questões, extremamente diversas em
seus conteúdos, apelando para múltiplas disciplinas que pertencem aos grandes setores de pesquisa
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tradicionais. Isso leva a uma indagação inicial: como conceber um programa de pesquisa ou de
interesse nesta área? Saímos de uma fase mais “pragmática” em se tratando da questão, onde a
influência monodisciplinar era (e é em alguns casos e contextos) determinante, e entramos em uma
outra, mais complexa e exigente, que é a de construir um conjunto de questões coerentes que
fortaleça a prática interdisciplinar.
Mas como pensar a questão do meio ambiente dentro desta complexidade? Baseado em
Jollivet e Pavé (1992; 1993) propõe-se organizar a reflexão em torno de seis questões derivadas,
tratando de maneira um pouco mais detalhada quatro delas:
• é necessário - ou pode-se - delimitar um campo específico de interesse (para a
pesquisa ou para a ação propriamente dita) sobre o meio ambiente? Em caso afirmativo, que
definição deste campo pode servir-lhe de “paradigma”?;
• em torno de quais áreas poder-se-ia organizar este campo considerado em seu
conjunto?
• quais os problemas teóricos e metodológicos particulares de uma pesquisa (ou
ação) sobre o meio ambiente?
• quais as repercussões das pesquisas de meio ambiente sobre as diferentes
disciplinas envolvidas? Como os problemas de meio ambiente podem orientar, e até mesmo
modificar, suas problemáticas, seus processos, seus objetivos?
• quais fatores devem ser considerados para a escolha de uma estratégia de pesquisa
e, consequentemente, qual estratégica adotar? O que priorizar e por quê?
• que tipos de ações empreender no quadro desta estratégia, levando em conta as
características do meio ambiente enquanto campo de pesquisa e de interesse político para a
ação?

Os diferentes aspectos do campo de pesquisa e das ações sobre o meio ambiente

Para balizamento inicial, sugere-se uma definição para meio ambiente:


“é o conjunto de meios naturais ou artificializados da ecosfera onde o homem se
instalou, que ele explora e administra, e o conjunto dos meios não antropizados necessários
à sua sobrevivência. Estes meios são caracterizados:
- por sua geometria, seus componentes físicos, químicos, biológicos e humanos e a
distribuição espacial destes componentes;
- pelos processos de transformação, de ação ou de interação implicando estes
componentes, fazendo-os mudar no espaço e no tempo; e

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- por suas múltiplas dependências em relação às ações humanas” (Jollivet e Pavé,
1993).

A problemática ambiental situa-se na convergência de diversas correntes com preocupações


de diferentes origens. Falta, no entanto, uma história global das questões que estão hoje reunidas
sob este termo e que formam, juntas, o que se pode chamar a “questão do meio ambiente”. De
maneira preliminar, talvez um pouco desornada e certamente incompleta, propõe-se a seguinte
enumeração:
• questão da diversidade biológica, de sua caracterização, de sua dinâmica e de seu papel no
suporte e desenvolvimento das sociedades humanas, que remete atualmente ao problema de sua
conservação;
• temor de um esgotamento dos recursos naturais não renováveis e interrogações sobre as
modalidades do desenvolvimento industrial;
• preocupações relativas à “gestão” dos recursos naturais renováveis;
• inquietações sobre as utilizações tanto civis como militares da energia nuclear;
• preocupações relativas à evolução da composição da atmosfera (camada de ozônio, efeito
estufa, oxidantes, etc.);
• preocupações relativas às chuvas ácidas, à evolução do clima;
• problemas de saúde ligados às condições de trabalho, à água e ao ar;
• problemas de epidemias e de higiene social;
• problemas de saúde ligados à alimentação;
• aspirações de melhoria da qualidade de vida e gosto pela “natureza”;
• questão da diversidade de culturas humanas e da conservação do patrimônio cultural;
• questão muito recente de meios ambientes artificiais colocada pela pesquisa espacial;
• os riscos naturais;
• o problema da agricultura artificializada, “quimificada”;
De um modo geral, no mundo todo a questão do meio ambiente é tratada segundo três
abordagens principais:
• a gestão/conservação dos recursos naturais (grande influência da economia
neoclássica - “economia ambiental”);
• enquanto espaço de conflitos sociais; e
• como sendo produto do esgotamento de paradigma e na busca de novos
“modelos” (influência da perspectiva sistêmica).

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Uma estruturação implícita da questão do meio ambiente

Na falta de uma análise mais apurada e com dimensão histórica, que esclareça os
pressupostos sobre os quais estão assentados os enfoques científicos atuais sobre a questão, de
maneira ainda rudimentar pode-se esboçar um quadro de aproximações sucessivas que foram feitas
e que estruturam atualmente o campo de pesquisa e de ações dentro da questão ambiental:

(1) Diversidade biológica (2)


(1) Recursos naturais não renováveis (2)
(1) Recursos naturais renováveis (2)
Subdesenvolvimento (2)
Composição da atmosfera (2)
Evolução do clima (2)
(1) Desenvolvimento industrial (2)
(1) Risco nuclear (2) (3)
Condições de trabalho (3)
Condições de vida (3)
Águasaúde (3)
Epidemias (3)
Saúdealimentação (3)
(1) Natureza
(1) Diversidade cultural
(4)

Como se pode ver, três diferentes conjuntos se apresentam:


• um, em torno da “gestão de recursos naturais renováveis” (1);
• outro, em torno dos “grandes equilíbrios” do planeta (2); e
• um terceiro, mais disperso e mais multifacetado, sobre a qualidade da situação e do
modo de vida e suas conseqüências sobre a saúde (ou mais globalmente, sobre as relações
saúde-meio ambiente) (3)
As três questões remetem, retrospectivamente, a uma outra questão mais geral que, de uma
certa maneira, engloba todas: a do desenvolvimento das sociedades humanas (4). Esta questão é
hoje colocada tanto para as sociedades industriais como para aquelas ditas “menos avançadas” ou
claramente subdesenvolvidas. Trata-se, portanto, não somente do desenvolvimento econômico, mas
também do desenvolvimento social.

A segunda fase de integração

Esses três subconjuntos estabelecem progressivamente algumas ligações:

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• a gestão de recursos renováveis aparece como algo a ser integrado, tanto a
montante como a jusante de toda análise dos ciclos fundamentais que asseguram os grandes
equilíbrios bio-físico-químicos do planeta;
• a ligação entre a gestão de recursos naturais (renováveis ou não), à qualidade das
condições de vida e os problemas de saúde;
• a questão da incidência das modificações climáticas previsíveis sobre a saúde do
homem que ainda está em aberto; e
• finalmente, a agitação da questão do meio ambiente em nível planetário,
implicando a análise dos grandes ciclos bio-físico-químicos e fornecendo um princípio de
integração ao conjunto das pesquisas sobre a mudança climática.
Por mais sumárias que sejam, e apesar de estarem sendo revisadas em seus pormenores,
estas considerações mostram que um processo de integração das pesquisas e das ações sobre o meio
ambiente está em andamento e que se trata de explicitar os mecanismos que garantam uma
programação coerente e cumulativa de pesquisa e de ações.

Um ponto de vista unificador?

O tratamento planetário da questão ambiental pode fornecer um princípio de integração para


o conjunto das pesquisas e ações sobre o meio ambiente. Isto implica um ponto de vista geral, qual
seja, o de ser capaz de organizar as pesquisas e as ações sobre o meio ambiente como um campo
próprio de pesquisa. Desde já pode-se considerar uma série de elementos constitutivos sobre esse
ponto de vista:
• ele deriva de uma questão central, ou seja, a das interações, por um lado, entre as
evoluções da ecosfera e, por outro, das sociedades humanas;
• ele designa um objetivo de conhecimento bem preciso, que está contido no enunciado
anterior: trata-se de estudar bem as ações recíprocas da ecosfera sobre as sociedades
humanas e das sociedades humanas sobre a ecosfera, exigindo uma análise de como
evoluem conjuntamente;
• o ponto de vista em questão é duplamente globalizante: por um lado, ele entende a
ecosfera como um todo, isto é, como um conjunto de fluxo, de transferência, de
transporte, de processos (de acumulação, de transformação, de crescimento, etc.) agindo
sobre os componentes físicos, químicos, biológicos e sociais latu senso (na perspectiva
“clássica”, o homem e as sociedades humanas mantinham uma situação particular, à
margem da ecosfera);

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• a escolha do nível de integração delimita o objetivo: o nível escolhido corresponde àquele
onde se coloca em evidência o que é problema, a saber, uma modificação de parâmetros
biológicos, físicos ou químicos capaz de exercer influência sobre a saúde do homem e
sobre suas condições de domicílio no planeta (isso precisa e limita o campo das
“interações” que fazem parte das questões do meio ambiente).
Para isso, deve-se reorientar o quadro atual de pesquisas e ações sobre o meio ambiente,
ainda de caráter “funcional” e particularizado, na direção do ponto de vista globalizante proposto,
subentendendo o conjunto de pesquisas e ações identificadas por uma tríplice referência igualmente
planetária: de início, a referência à diversidade biológica (e à sua necessária gestão, ou pelo menos
“conservação”); em seguida, a referência a um direito do homem ao bem-estar e a um destino
solidário da humanidade.
Assim, a “questão do meio ambiente” poderia ser vista e entendida como resultado da
ativação de três paradigmas:
• dos equilíbrios planetários;
• da diversidade biológica; e
• de uma solidariedade do conjunto da espécie humana (no sentido, pelo menos, de
uma dependência mútua entre os homens).
Esta perspectiva implica em levar em conta as seis questões seguintes que permitem que as
novas noções introduzidas se relacionem mutuamente:
• como as modificações dos estados e das dinâmicas bio-físico-químicas agem
sobre a diversidade biológica?
• inversamente, como a evolução da diversidade biológica age sobre estes estados e
dinâmicas?
• como as modificações destes estados e dinâmicas repercutem sobre as relações
sociais entre os homens?
• inversamente, como as dinâmicas atuais das relações sociais agem sobre os
estados e as dinâmicas naturais?
• como a questão da conservação da diversidade biológica repercute sobre as
relações sociais? e
• inversamente, como as dinâmicas sociais em andamento agem sobre a diversidade
biológica?
Essas formulações são apenas proposições que se estima corresponder ao estado atual das
problemáticas e das pesquisas/ações.

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Os problemas teóricos, metodológicos e tecnológicos

Este é um ponto que mereceria um longo seminário para ser suficientemente bem tratado.
Não é caso, agora. No entanto, menciona-se, rapidamente, dois aspectos no seu interior que, crê-se,
merecem destaque: a análise sistêmica e a interdisciplinaridade como requisitos fundamentais para a
abordagem (pesquisa e ação) da questão do meio ambiente.

A análise sistêmica

Desde há muito tempo, a abordagem de objetos, de fenômenos, de “sistemas complexos”


colocou questões de método para o mundo científico, essencialmente porque o reducionismo
clássico e o método analítico se revelaram impotentes para resolver um grande número de
problemas colocados por esses objetos, para descrevê-los e explicar seu comportamento.
O meio ambiente, objeto de estudo de evidente complexidade, mesmo no sentido ingênuo do
termo, não é uma exceção. Objeto, sistema complexo e diversificado, o meio ambiente é um espaço
ou campo sobre o qual diferentes perspectivas analíticas e metodológicas e áreas do conhecimento
se defrontam. Não há dúvida de que o método analítico, de um lado, e a análise sistêmica, de outro,
trouxeram resultados determinantes. Um e outro não são, aliás, contraditórios, mas complementares
e eficazes se forem bem utilizados e se forem evitadas “perversões” em cada um.
É bom, finalmente, lembrar que a abordagem sistêmica não coloca em questão o esquema de
causalidade, contrariamente ao que às vezes foi ou é enunciado. De fato, se é verdade que num
objeto complexo o esquema “uma causa ⇒ um efeito” é muito simplista, em contrapartida, se
admitimos completar este esquema por efeitos de causas múltiplas, as seqüências causais e os anéis
de retroação, obtém-se uma extensão perfeitamente operacional no estado atual de nosso
conhecimento.

A interdisciplinaridade

A pesquisa sobre o meio ambiente é, por natureza, interdisciplinar, envolvendo todas as


disciplinas em diferentes graus. Essa interdisciplinaridade deve ser considerada sob dois modos:
• enquanto participação de diversas disciplinas num campo comum de pesquisa;
• enquanto trabalho de pesquisa e ação conduzido em comum por várias disciplinas.
Definir um campo de pesquisa ou ação comum, de maneira suficientemente precisa para que
cada disciplina se situe em relação às outras, num empreendimento coletivo, visando responder às
mesmas questões, é já, por isto mesmo, permitir a interdisciplinaridade.
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Isto não significa, em hipótese alguma, que as pesquisas monodisciplinares não possam ser
efetuadas sobre temas oriundos de problemas de meio ambiente. Atualmente, não se pode mesmo
construir boas pesquisas neste campo senão com um sólido apoio monodisciplinar.
Mas, seriam as pesquisas e ações sobre o meio ambiente simples resultado de uma soma de
pesquisas e ações disciplinares? Sobre isto, não há uma resposta absoluta, aliás uma parte
importante das pesquisas e ações sobre o meio ambiente segue mais ou menos este esquema.
Conhece-se seus limites e dificuldades, particularmente para a exposição sintética dos resultados:
responde-se na maioria das vezes a excelentes questões colocadas e, assim, a síntese se apresenta
como uma colagem mais ou menos heteróclita.
A prática interdisciplinar conduz a um contato quase permanente entre pesquisadores de
diferentes disciplinas. Muitos exemplos provam que esta prática é possível, constituindo-se numa
das maiores conquistas dos últimos anos, especialmente em alguns contextos europeus e em poucas
situações no Brasil2. Entretanto, é certo que esta prática é difícil, limitante, desconfortável, pois
obriga compreender, avaliar, criticar procedimentos diferentes de sua própria disciplina, questioná-
los em última análise. Ora, como isto é válido para todos, o enfoque interdisciplinar de “campo”
pode ser rico de ensinamentos para todas as partes em questão.

2
Existem ainda poucas experiências interdisciplinares de docência e pesquisa no meio acadêmico
brasileiro, destacando-se a do programa de pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento, da
Universidade Federal do Paraná. Em nível de pesquisa acadêmica, cita-se também o PROINTER, iniciativa
de pesquisa interdisciplinar sobre a “Metade Sul” do Rio Grande do Sul, em andamento desde meados de
1999 no PGDR/UFRGS.
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Quadro 1: CINCO CONSELHOS ÚTEIS PARA UM TRABALHO INTERDISCIPLINAR *

1. Tenha consciência dos limites de seu próprio saber. Não tema o questionamento, mas avance com
precaução. Procure, primeiro, as suas próprias fraquezas;

2. Leve em conta a grande importância das pessoas. A confiança mútua, a fraternidade, a disposição
para o diálogo e a “alquimia” do grupo, assim como, naturalmente, a competência e a criatividade,
são fatores primordiais de sucesso. Ofereça livremente, sem abusar, seus melhores conselhos
quando alguém se dirigir a você;

3. Leve em consideração que cada projeto ou programa é uma aventura em um território pouco ou
mal delimitado. Você certamente cometerá erros, mas tirará, também certamente, lições de cada um
desses erros. Você aprenderá mais com eles que com os acertos: as melhores equipes são aquelas
que cometeram mais erros, mas não os renovam a cada vez;

4. Não se contente com sucessos rápidos, fáceis. Prepare-se para trabalhar muito para obter um
avanço no trabalho interdisciplinar, pois assim não se decepcionará;

5. Enfim, invista em seu projeto de pesquisa ou programa de ação interdisciplinar. Seja um pouco
“paranóico”... Um projeto ou um programa deste tipo é como uma gestação que leva um enorme
tempo para sua concretização.

(*) Traduzido e adaptado por Jalcione Almeida, de Ashok Gadgill.


(apud Zanoni et al. “La recherche en environnement: à propos de quelques pratiques
interdisciplinaires”, Nature Sciences Sociétés, vol. 6, n. 1, 1998. pp.50-57.)

Disciplinas, interdisciplinaridade e meio ambiente

Os problemas de meio ambiente atuam sobre as disciplinas, seja por uma fixação das
orientações e das temáticas de pesquisa e de ação já existentes, seja ainda pela modificação das
hierarquias entre as prioridades, seja finalmente pela constituição de novas especialidades.
O conjunto de iniciativas dado à pesquisa e a ação e seus efeitos concretos sobre as
diferentes disciplinas e as respectivas pesquisas e ações em andamento constituem o primeiro
degrau da interdisciplinaridade. O segundo degrau é o trabalho em comum, o confronto de idéias
entre as disciplinas, com tudo o que pressupõe em termos de dificuldades, de compreensão e de
eventuais problemas metodológicos (ver quadro 1 acima).
Concretamente, químicos, físicos, agrônomos, biólogos, engenheiros de todas as
especialidades trabalham, em algumas realidades, cada vez mais em comum no quadro das
pesquisas e das ações sobre meio ambiente. O maior problema é o de introduzir não apenas as
ciências sociais, ainda insuficientemente envolvidas nas pesquisas sobre o meio ambiente, mas

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também as ciências matemáticas, que têm muito a nos dizer. Quanto às ciências humanas, por
exemplo a psicologia, estão praticamente ausentes. Isto supõe uma reflexão a parte.

As disciplinas e os setores envolvidos

As ciências da vida: da ecologia e da biologia

Dentre todas as disciplinas envolvidas, a ecologia desempenha um papel particular. De


início, por razões sociais: os grupos sociais que mais levantaram problemas sobre o meio ambiente
são grupos de “ecologistas políticos”, muitas vezes de maneira local, emocional, pouco científica,
mas, é inegável, de maneira real, concreta e urgente.
Se a ecologia é a primeira disciplina envolvida nas pesquisas (sobretudo), outras também o
são: a fisiologia animal e vegetal, a biologia evolutiva, a biologia humana, a microbiologia, a
biologia molecular, etc.

A química

A química é uma das disciplinas mais envolvidas pelos problemas do meio ambiente, por
três razões básicas:
• a primeira, de origem social, colocando a disciplina em posição se não de acusada
pelo menos de suspeita, como estando na origem das poluições;
• a segunda, de origem econômica, colocada pelo setor da produção: elaboração de
produtos novos, pouco ou não poluentes, biodegradáveis, estudo dos problemas
de despoluição em meio industrial e natural, etc.;
• a terceira, de origem científica: é conhecido o extraordinário desempenho da
química de síntese em relação à química analítica. Aquela é uma química dos
meios simplificados (o número de reações e de componentes é limitado, os
parâmetros físicos são controlados), bastante orientados aos procedimentos
industriais. Hoje, a química analítica ganha força novamente, na compreensão da
dinâmica dos sistemas complexos, ofertando contribuições para os “meios
naturais” que certamente trarão conseqüências para a química de síntese.

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As ciências ligadas às Engenharias

Estas ciências já contribuem muito com o meio ambiente (aplicações da hidrodinâmica, da


acústica, da aerodinâmica, etc.). Elas contribuem em grande escala para a elaboração do
“instrumento universal” fundado na trilogia “modelo, análise, controle”. Os aspectos tecnológicos,
em particular a arte dos procedimentos que desenvolvem em primeira linha para numerosos
problemas industriais e ambientais (novos procedimentos ligados às tecnologias “limpas”,
procedimentos de tratamento de detritos, restauração do meio ambiente, de combate à poluição
sonora, etc.). Duas áreas no entanto ainda são pouco envolvidas: a informática e a automação; estas,
não somente para prever mas, sobretudo, para antecipar e incitar.

As ciências do universo

As ciências do universo estão “naturalmente” envolvidas nos problemas do meio ambiente.


Seu estatuto é, por sinal, próximo ao da ecologia, correndo igualmente o risco de trazer os
problemas do meio ambiente para suas problemáticas. As ciências astronômicas, no entanto, são as
mais fracamente implicadas com o meio ambiente. Mas, as outras disciplinas que derivam das
ciências do universo (ciências da Terra, ciências do solo, ciências da atmosfera, oceanografia, etc.)
estão muito implicadas no estudo do meio físico de nosso planeta, de alguns aspectos biológicos
(geosfera, hidrosfera e atmosfera) e do passado (paleontologia, paleoclimatologia, estudos
paleoambientais, etc.)

As ciências do homem e da sociedade

A dimensão humana ocupa uma posição central e a noção de meio ambiente sobre a qual
trabalhamos é relativa ao homem e às sociedades humanas. Elas se interessaram pela questão do
meio ambiente mais tardiamente se comparadas com as ciências da Terra ou da Vida, ao menos no
que se refere ao “meio ambiente natural”. Devido a isto, elas estão envolvidas de uma maneira
ainda desigual e insuficiente.
No que se refere ao “meio ambiente construído”, as ciências do homem e da sociedade têm,
ao contrário, uma anterioridade sobre as ciências da natureza (com relação às cidades). Um grande
número de disciplinas está envolvido.
As primeiras disciplinas que foram envolvidas são, na ordem, a economia, o direito e a
sociologia, tendo um volume de pesquisas e reflexões mais numeroso e onde mais avançaram na

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problematização das questões levantadas em relação ao meio ambiente. A abertura deveria ser feita
rapidamente em direção à ciência política.
A geografia e a história, por sua vez, começam lentamente a se envolver de maneira mais
ativa. Elas têm um papel central a desempenhar: a primeira, porque nela a questão do meio
ambiente reencontra seu “paradigma fundador”; a segunda, porque a história econômica e social e,
de maneira geral, o tempo jogam um papel essencial nos processos que constituem o pano de fundo
dos problemas do meio ambiente. A arqueologia, a paleontologia, a pré-história e a antropologia
histórica estão muito engajadas nas pesquisas sobre os paleo-meio ambientes.
A filosofia fez uma entrada forçada recentemente e muito eficaz na área. Entretanto, o
campo a cobrir é vasto e a epistemologia, em especial, que deveria desempenhar um papel
importante, permanece ainda fora do jogo, se for levado em conta os problemas metodológicos que
derivam das pesquisas sobre o meio ambiente (em particular sua dimensão interdisciplinar). A
história das ciências e das técnicas é, neste sentido, um elemento fundamental a desenvolver.
A antropologia oferece um fundo de conhecimentos de uma extrema riqueza para uma
compreensão das relações natureza-cultura. Esse fundo permanece ainda inexplorado na perspectiva
do meio ambiente.
A psicologia social contribui desde já de maneira relevante para a análise das representações
do meio ambiente. O lugar da psicologia stricto sensu é mais problemático e deveria ser definido.
Por fim, a demografia não pode ser a grande ausente, como ainda o é atualmente. As
relações entre a evolução das populações humanas e os problemas de meio ambiente são diretas, em
todos os planos.

As matemáticas e a física de base

Como já afirmado, as matemáticas estão, aparentemente, ainda pouco envolvidas nos


problemas de meio ambiente, ou apenas indiretamente pelo estudo de objetos matemáticos oriundos
de certas disciplinas implicadas no estudo dos problemas ambientais, como por exemplo na fase de
análise matemática e numérica dos modelos. Contudo, certas questões originais poderiam ser
abordadas a respeito:
• a emergência de propriedades nos sistemas organizados (modelização e análise do
processo de organização);
• o tratamento de problemas de escalas espaciais e temporais, em especial do
comportamento qualitativo de sistemas constantes com tempos muito
diferenciados, ou da aparição de estruturas espaciais com diferentes escalas;

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• a análise de objetos matemáticos com comportamentos complexos que permitam,
por exemplo, representar sistemas de alta complexidade “lógica”;
• o tratamento da incerteza, por exemplo, do estudo teórico dos processos de
decisão com futuro incerto;
• a definição de indicadores que possam anunciar mudanças bruscas de estados
(comportamentos das trajetórias de um sistema dinâmico vizinho de um ponto
singular, em presença de ruído, ...);
• mais geralmente, as propriedades dos sistemas dinâmicos.
Esta breve apresentação mostra o leque das disciplinas atualmente, ou potencialmente,
envolvidas pela pesquisa e pela ação sobre o meio ambiente: quase todas as áreas do conhecimento
humano estão implicadas. É uma das dificuldades mas, também, uma das riquezas desta
problemática. Não é, pois, surpreendente se a questão da interdisciplinaridade se expressa, de forma
crucial, sobre esta problemática.

Quais as estratégias de pesquisa e de ação?

Ao que tudo indica, o campo a cobrir é vasto... e as forças limitadas; é necessário escolher.
Neste contexto, de maneira bem geral e direta, os pontos que aparecem como necessários ao debate
são os seguintes:
• a participação nos grandes programas internacionais (sob quais condições?);
• as prioridades nacionais: prioridades políticas e escolhas científicas;
• a dinâmica interna do campo de pesquisa: prioridades para o conhecimento;
• o bom emprego do potencial científico nacional e sua valorização.

Quais ações e para que objetivos?

No contexto definido, qual é a política científica e quais devem ser as linhas diretoras de sua
prática para uma programação científica de pesquisa que influencie a ação sobre o meio ambiente?

Os objetivos das ações a serem empreendidas

• garantir que a problematização científica seja crescente, e onde o processo de integração


deste campo de pesquisa continue de maneira controlada;

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• que a confrontação entre disciplinas e métodos possa se desenvolver, visando testar e
validar os melhores métodos para tratar o meio ambiente;
• ajustar as ações à conjuntura, à estratégia e aos meios.

As modalidades das ações

• de início, apoiar-se sobre um esforço de programação estruturada e constantemente


reatualizada;
• em seguida, lançar ações de programação incitadoras, como fase exploratória, antes da
estruturação do esforço de pesquisa;
• na seqüência, sustentar ações de animação e de reflexão sobre o campo de pesquisa da
programação científica, mas também de apoio à extensão da prática interdisciplinar;
• finalmente, e sobretudo, a integração das pesquisas numa atividade interinstitucional e
internacional.

As questões de formação

O desenvolvimento da pesquisa e o incremento das ações em torno da questão do meio


ambiente não poderão ser alcançados sem a formação de jovens pesquisadores e profissionais.
Obviamente, exige-se ainda a disponibilidade de “especialistas”, a saber, de engenheiros, biólogos,
agrônomos e técnicos do meio ambiente. Parece também necessário propor, em outros cursos,
matérias ou atividades de sensibilização dos problemas ambientais, em diferentes níveis escolares e
acadêmicos. Mas, como promover ações de formação para responder a esses objetivos?
É necessário por-se de acordo sobre o principio seguinte: o campo é vasto e o primeiro
perigo está em diluir uma tal formação numa generalidade muito grande, isto é, fabricar generalistas
sem uma verdadeira competência profissional.
Para se evitar isso, é preciso formar de início bons matemáticos, físicos, biólogos, ecólogos,
agrônomos, sociólogos, economistas..., antes de envolvê-los nos problemas de meio ambiente. A
especialização em matéria de meio ambiente interviria, portanto, no final dos cursos, em especial
para engenheiros e técnicos. Nesta fase, os conteúdos seriam mais centrados no objeto “meio
ambiente”.
Pode-se imaginar também que, durante a fase “clássica” de um curso, centrado no domínio
de uma disciplina e, independentemente das finalidades deste curso, seja exposto o olhar desta
disciplina sobre os problemas ambientais. Não seria, portanto, fora de propósito falar-se para um
futuro agrônomo de ecologia, de ecotoxicologia, de diversidade biológica, etc.
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Também poderia ser pensado programas de ensino, um pouco sintéticos, de sensibilização
aos problemas do meio ambiente, que fossem propostos ao conjunto de jovens em formação. Para
um tal objetivo, o enfoque global, se for tomado o cuidado de que este não é o único que existe,
poderia responder a este cuidado. Numa escala local, o estudo de casos concretos imediatamente
compreensíveis poderia servir de apoio, como ponto de partida, para uma exposição mais geral.
Por fim, deve ser levado em conta nas ações de formação a introdução e desenvolvimento da
análise dos sistemas, iniciando os alunos na prática da pesquisa e da reflexão interdisciplinar.

Para concluir, alguns elementos para uma problemática

O meio ambiente surge como um campo de conflitos de interesses crescentes, onde os


participantes dos debates são numerosos e seus interesses extremamente conflitantes, ou seja, o
meio ambiente aparece, cada vez mais, como um elemento determinante, campo de interesse central
para o desenvolvimento. As políticas públicas são cada vez mais dependentes das conjunturas
políticas mais gerais que são influenciadas, por sua vez, pela necessidade de preservação ambiental
(grupos ecologistas, demandas de consumidores, exigências de agências financiadoras
internacionais, pressões políticas internacionais, etc.).
O poder público aparece também como o único a ter legitimidade suficiente para impor uma
regra coletiva, mesmo que sua aplicação se faça por intermédio de organizações profissionais,
submetendo um conjunto da população ou de grupos sociais a uma determinação (dimensão
eminentemente política do meio ambiente).
A questão do meio ambiente não remete a um modismo, que passará com o tempo; é um
novo campo que se abre ao debate social e político, uma nova área para pensar o desenvolvimento.
Por outro lado, é um tema que toca profundamente o imaginário, as representações e o sistema de
valores sociais. Isto implica em pensar as relações entre a sociedade, a técnica e a natureza.
Por fim, a questão do meio ambiente poderá trazer um novo reconhecimento profissional e
social a muitas categorias, transformando-as em peças-chave de um novo desenvolvimento.

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Bibliografia de apoio

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