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Fúlvia Rosemberg
Fundação Carlos Chagas
Chirley Bazilli
Paulo Vinícius Baptista da Silva
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo
Palavras-chave
Correspondência:
Fúlvia Rosemberg
Fundação Carlos Chagas
Av. Prof. Francisco Morato, 1565
05513-900 — São Paulo — SP
e-mail: frosemberg@fcc.org.br
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 125-146, jan./jun. 2003 125
Racism in Brazilian schoolbooks and the fight against
it: a review of the literature
Fúlvia Rosemberg
Fundação Carlos Chagas
Chirley Bazilli
Paulo Vinícius Baptista da Silva
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Abstract
Keywords
Contact:
Fúlvia Rosemberg
Fundação Carlos Chagas
Av. Prof. Francisco Morato, 1565
05513-900 — São Paulo — SP
e-mail: frosemberg@fcc.org.br
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O desafio mais crítico para aqueles que lu- economista Ricardo Henriques, pesquisador do
tam contra o racismo no Brasil está justa- Ipea, em seu livro Raça e Gênero nos sistemas
mente em convencer a opinião pública do de ensino. Além disso, o tema entra muito cedo
caráter sistemático e não-casual dessas desi- na história das políticas governamentais: Hol-
gualdades; mostrar a sua reprodução coti- landa (1957) situa em 1933, ao que tudo indi-
diana através de empresas públicas e priva- ca, a primeira ação do governo federal de ex-
das, através de instituições da ordem públi- purgo da xenofobia (ideologia irmã do racismo)
ca (como a polícia e os sistemas judiciário e em livros didáticos de história. Finalmente, re-
correcional); através de instituições educaci- fere-se a uma importante fatia da economia
onais e de saúde pública. Só assim pode-se brasileira e a um fenômeno indiscutivelmente
esperar levantar o véu centenário que enco- de massa: em 2002, o Programa Nacional do
bre as dicotomias elite/povo, branco/negro Livro Didático (PNLD) havia despendido 539,04
na sociedade brasileira. milhões de reais na compra e distribuição de
GUIMARÃES, A. S. Racismo e Anti-Racismo 120,65 milhões de exemplares de livros didáti-
no Brasil cos para os alunos das escolas públicas (Brasil.
MEC, 2002, p. 291).
Este artigo se propõe a efetuar uma A despeito desses indicadores, a pro-
revisão da literatura sobre expressões do ra- dução brasileira de pesquisas sobre livros didá-
cismo em livros didáticos brasileiros e seu ticos em geral (Freitag et al., 1989; Munakata,
combate. Apóia-se em levantamento biblio- 1997), e sobre racismo em livros didáticos, em
gráfico sistemático, e o quanto pôde exaus- especial, é reduzida e incipiente (Negrão, 1987;
tivo, de pesquisas acadêmicas e estudos, Pinto, 1987a, 1992; Silva, 2002). Com efeito,
acadêmicos ou não, sobre o tema publicados uma revisão da base de dados da ANPEd (As-
nas cinco últimas décadas. sociação Nacional de Pós-Graduação em Edu-
Para apoiar a empreitada, foram usados cação) sobre teses e dissertações defendidas
como guias estados da arte sobre racismo (ou em programas de pós-graduação a ela filiados,
discriminações, preconceitos e estereótipos ra- no período 1981-1998, revelou a presença de
ciais) em livros didáticos e paradidáticos já dis- 114 títulos sobre o tema do livro didático,
poníveis (Pinto, 1987a; Negrão, 1987, 1988; quatro dos quais relacionados ao racismo (es-
Negrão; Pinto, 1990; Bazilli, 1999; Silva, 1 tereótipo, preconceito ou discriminação), para
2002), bem como em livros didáticos em geral um total de mais de 8 mil títulos de teses e
(Freitag et al., 1989; Munakata, 1997, 2001). dissertações estocadas em sua base de dados.
O tema encontra-se na confluência de Silva (2002) encontrou apenas 44 referências
vários campos de estudos e recortes disciplina- sobre racismo em livros didáticos publicadas
res: Educação, Psicologia, História, Lingüística, no período 1987-2000, pesquisando 24 bases
Sociologia, estudos sobre relações raciais, estu- de dados nacionais, sendo que muitas delas
dos sobre livros didáticos. A questão tem mobi- constituem textos diversos produzidos a par-
lizado diversos atores: governantes, técnicos(as), tir de uma mesma pesquisa básica. Assim, a
legisladores, educadores(as), militantes dos mo- confluência dos campos de conhecimento —
vimentos sociais, mídia, pesquisadores(as).2 As- livro didático e relações raciais na educação —
sim, é evocado como um dos primeiros exem- potencializam-se com o sinal negativo, pois a
plos de desigualdade racial na educação, como desvalorização acadêmica recai sobre ambos
foi destacado no discurso do Presidente da
República Luís Inácio Lula da Silva (por ocasião 1. Trata-se de revisão da literatura como apoio para suas dissertações de
mestrado e teses de doutorado.
do ato público para criação da Secretaria de 2. A partir deste momento, o texto abandona a fórmula “o(a)”, adotando
Promoção da Igualdade Racial), ou no texto do o genérico masculino.
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(Munakata, 1997; Pinto, 1992; Gonçalves; Sil- cepções individuais, mas, por definição,
va, 1999).3 não é uma característica de indivíduos. Por-
Neste artigo sintetizamos o que pude- tanto, combater o racismo não significa lu-
mos apreender nos estudos e pesquisas sobre tar contra indivíduos, mas se opor às práti-
a representação de negros em livros didáticos cas e ideologias pelas quais o racismo opera
brasileiros, organizando uma síntese em três através das relações culturais e sociais. Na
grandes tópicos:4 a) síntese geral das caracte- ideologia dominante, em geral não se reco-
rísticas e contexto de produção de pesquisas e nhece que o racismo seja um problema es-
estudos, como se vista de um vôo de pássaro; trutural. (...) o termo racismo é reservado
b) enunciando o discurso racista e c) comba- apenas a crenças e ações que apóiam aber-
tendo o discurso racista nos livros didáticos. tamente a idéia de hierarquias de base
Evidentemente, no contexto das rela- genética ou biológica entre grupos de
ções raciais brasileiras das últimas décadas — pessoas. O problema dessas definições res-
quando o mito5 da democracia racial convive tritas de racismo é que elas tendem a fazer
com o “novo” racismo contemporâneo —, enun- vista grossa à natureza cambiante do racis-
ciar o discurso racista já constitui uma primeira mo nas últimas décadas. O discurso do ra-
ação para seu combate, como evidenciado na cismo está se tornando cada vez mais im-
epígrafe do artigo. Portanto, a separação dos pregnado de noções que atribuem deficiên-
tópicos não significa visão fragmentada da ação cias culturais a minorias étnicas. Essa cul-
política de combate ao racismo em sua dimen- turalização do racismo constitui a substi-
são ideológica, mas simplesmente facilita a cons- tuição do determinismo biológico pelo cul-
trução do texto. tural. Isto é, um conjunto de diferenças ét-
No artigo privilegiamos o uso da ex- nicas reais ou atribuídas, representando a
pressão “discurso racista” sempre que possível, cultura dominante como sendo a norma, e
evitando os termos e conceitos habituais nes- as outras culturas como diferentes, proble-
sa produção: estereótipo, preconceito e discri- máticas e, geralmente, também atrasadas.
minação. A razão é simples: tal expressão é mais (p. 174)
compatível com o conceito de racismo que
adotamos e que se filia ao de autores que, Tal conceito permite que se explicitem
como Essed (1991), consideram duas dimensões expressões de racismo sem que se necessite
do racismo: a dimensão estrutural e a dimen- atribuir o epíteto de racista a seus emissores —
são ideológica ou simbólica.
Racismo é uma ideologia, uma estrutura e 3. Baptista (2002) assinala que, ainda assim, os livros didáticos cons-
um processo pelo qual grupos específicos, tituem o veículo mais estudado no Brasil em pesquisas sobre discursos
racistas. Das 223 pesquisas que localizou tratando de discursos racistas,
com base em características biológicas e no período 1987-1998, 19% analisavam livros didáticos.
culturais verdadeiras ou atribuídas, são per- 4. A primeira versão do artigo havia contemplado, também, discursos
racistas contra indígenas. Porém, por razões de extensão do texto e de
cebidos como uma raça ou grupo étnico coerência com o enfoque deste dossiê, eliminamos as referências aos
inerentemente diferente e inferior. Tais dife- povos indígenas. Sinteticamente, vale destacar quatro aspectos: a biblio-
renças são, em seguida, utilizadas como grafia mais recente tem tratado mais dos indígenas que dos negros (Silva,
2002); há mais pesquisadores e ativistas brancos entre seus autores do
fundamentos lógicos para excluírem os que indígenas; compartilham traços comuns, porém a representação de
membros desses grupos do acesso a recur- indígenas mantém a figura do “bom selvagem”, o que não ocorre com a do
negro; o combate ao racismo dá mais ênfase à educação dos povos indí-
sos materiais e não materiais. Com efeito, o genas, como a produção de livros em línguas indígenas.
racismo sempre envolve conflito de grupos 5. Preferimos usar o termo mito, ao invés de ideologia, pois reservamos
este último à conceituação do racismo, sendo o mito da democracia racial
a respeito de recursos culturais e materiais. apenas um modo de operação da ideologia racista. Para uma revisão do
E opera por meio de regras, práticas e per- debate sobre os termos, referir-se a Guimarães (1999, 2002).
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de mestrado e tese de doutorado, Ana Célia Sil- Quando privilegiam o conteúdo, as
va (1988, 2001c) destaca o fato de que os pro- pesquisas focalizam a caracterização do perso-
fessores entrevistados não apreenderam indícios nagem negro (ou indígena), o contexto físico,
de discriminação racial nos livros, o que a levou institucional e político em que se este se move,
a perguntar, em pesquisa específica (Silva, 2001a, suas relações interpessoais (Pinto, 1982; Silva,
2001b), se “dadas as condições necessárias para 1987). Por vezes, o recorte é temático, in-
uma reflexão, os professores de ensino fundamen- cidindo diretamente sobre expressões de racis-
tal poderiam identificar e corrigir estereótipos em mo (Moreira Leite, 1950; Silva, 2000), associ-
relação ao negro nos livros que utilizaram em sua ando-as ou não a outros temas: amor à Pátria
prática pedagógica” (p. 15). Acrescentaríamos, (Moreira Leite, 1950), trabalho (Faria, 1984),
ainda, ao rol de Silva (2002) a dissertação de exploração capitalista (Deiró, 1979).
Rachel de Oliveira (1992), que destacou a impor- Silva (2002) identificou três núcleos de
tância da mediação do professor no uso do pesquisadores que vêm estudando o racismo
material didático. Analisando relatórios de ativida- em livros didáticos de modo sistemático: Ana
des executadas em escolas públicas estaduais do Célia Silva (1988, 2000, 2001a, 2001c), pesqui-
estado de São Paulo, a partir de material didáti- sadora da UEB e militante do Movimento Ne-
co que visava o combate ao racismo, Oliveira gro Unificado (MNU); o Departamento de Pes-
(1992) pôde captar, em certas escolas, um uso quisas Educacionais da Fundação Carlos Cha-
contrário à proposta de intervenção, como a hu- gas, que elaborou pesquisas, dissertações,
milhação de crianças negras, colocando-as para vídeos e guia de orientação para professores
representar o papel de escravo. Em perspectiva (Pinto, 1982, 1987b, 1992, 1999; Negrão,
semelhante, Lopes (2002) analisa a construção 1987, 1988; Negrão; Pinto, 1990; Rosemberg,
discursiva de raça em sala de aula, quando a 1985); e o grupo da Faculdade de Educação
professora e os alunos interpretaram o texto lido (FE) da USP voltado para a análise do livro
Respeito às diferenças. A análise elucida as com- didático no contexto do ensino de história fo-
plexas possibilidades que estão em jogo na nego- calizando, direta ou indiretamente, a represen-
ciação de formas distintas de interpretação, ofe- tação de indígenas e negros (Carmo, 1991;
recendo elementos para se captar a “hegemonia Bittencourt, 1997; Melo, 1997; Adriane Silva,
discursiva” exercida pela professora. 2000; Oliveira, 2000). As pesquisas desse últi-
Os enquadres teóricos, metodológicos, mo grupo estão relacionadas com os estudos
conceituais e o arsenal de procedimentos têm da historiografia cultural francesa, particular-
variado bastante, guardando uma certa aproxi- mente com os trabalhos de Roger Chartier so-
mação com enfoques privilegiados, na época, bre a história do livro, Alain Choppin sobre a
pela sociologia da educação (teorias repro- história dos manuais escolares e de André
dutivistas), estudos de relações raciais no Brasil Chervel sobre a história das disciplinas escola-
(como veremos adiante), análise de conteúdo ou res (Bittencourt,1993, 1997; Melo, 1997; Adriane
de discurso. Silva, 2000; Oliveira, 2000).
A análise de discurso (enquanto teoria e Em seu conjunto, a produção é relati-
método) apresenta-se mais recentemente nessa vamente frágil, teórica e metodologicamente,
produção brasileira (Carmo, 1991; Chinelatto, fragmentada e inconstante. Isto é, os textos
1996; Barros, 2000; Oliveira, 2001, 2002). Tais nem sempre explicitam se dialogam com a pro-
pesquisas apontam a multiplicidade de discursos dução ou a recepção, qual o modelo societário
(com quebras, incongruências e contradições subjacente a suas inferências e qual o alcan-
internas) e de estratégias discursivas que contri- ce das interpretações. São poucos os autores
buem para situar o negro (e o indígena) em ou grupos de pesquisa que se mantêm traba-
determinado(s) espaço(s) social(is). lhando sobre o tema por um período relativa-
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Cardoso), que desenvolveram, inicialmente, afi- posta mais ampla de alteração curricular (Sil-
nidades em torno de um projeto encomendado va, 1987; Triumpho, 1987).
pela Unesco que visava entender as relações Destacam-se, também, outros grupos
raciais no Brasil. Apoiados em um referencial formados por uma nova geração de pesqui-
marxista ou weberiano, tais estudiosos identifi- sadores (brancos e negros) que procuram apre-
caram “preconceito de cor” no Brasil (Skidmore, ender e compreender o racismo brasileiro. É a
1991) convivendo com a experiência de que “o esse grupo de contestadores do mito da demo-
brasileiro tem preconceito de ter preconceitos”. cracia racial que se somam algumas das pesqui-
Porém, na perspectiva teórica de Fernandes, as sas sobre discriminações, preconceitos, estereóti-
desigualdades raciais atuais da sociedade brasi- pos raciais contra negros nos livros didáticos e
leira seriam resquícios do passado escravista, paradidáticos, como os de Rosemberg e colabo-
superáveis a partir da integração de negros na radoras (1980), Pinto (1981), Negrão (1988), Piza
sociedade de classes, quando restaria, então, a (1995), Bazilli (1999) e Silva (em andamento).
igual condição de exploração do proletariado Negrão (1988) apreendeu três momentos
branco e negro. na produção de pesquisas sobre racismo nos livros
É nessa época (anos 50) que se iniciam didáticos: um primeiro momento que se caracte-
os primeiros estudos sobre “preconceitos e es- rizou pela busca da apreensão de “explicitação de
tereótipos” raciais em livros didáticos no Brasil, preconceito” nos livros didáticos; um segundo,
como veremos mais adiante, contribuindo para que se distinguiu pelo desvelamento de preconcei-
problematizar o mito da democracia racial. tos, estereótipos e discriminações implícitos, o que
Para Skidmore (1991, p. 10), o regime foi possível graças ao questionamento do mito da
militar e a decorrente expulsão de Fernandes democracia racial e à ênfase decorrente dos novos
e Ianni da Universidade de São Paulo inter- estudos sobre relações raciais na busca de desi-
romperam esse fluxo de pesquisas. Skidmore gualdades raciais, agora apoiados em novas técni-
(1991) destaca, também, no cerceamento das cas de análise de conteúdo; e um terceiro momen-
investigações sobre relações raciais no Brasil, to que se demarcou por estudos que permitiram a
a própria postura das esquerdas: apreensão de discriminações na própria constitui-
ção desse gênero literário, isto é, apreendeu-se que
É interessante que grande parte da esquerda, a literatura didática (e paradidática) tem sido cri-
embora em oposição ferrenha ao regime ada visando ao aluno branco. Ou seja, ela não
militar, também encarava a raça como ques- apresentaria apenas uma imagem deteriorada do
tão estritamente secundária. Qualquer coisa negro, mas teria como pressuposto a interlocução
que pudesse parecer discriminação racial era, de um leitor branco.
nessa visão, decorrente da estratificação so- Os estudos sobre preconceito racial e
cial. (Skidmore, 1991, p. 10) livros didáticos e paradidáticos no Brasil inicia-
ram-se na década de 1950 com a pesquisa de
Vozes contrárias ao mito da democra- Dante Moreira Leite (1950): “Preconceito racial
cia racial vêm sendo, desde então, emitidas e patriotismo em seis livros didáticos primários
pelas diversas manifestações de ativistas ne- brasileiros”. Se, de um lado, nesse estudo, o autor
gros que têm elegido a educação como uma não captou a explicitação de preconceito racial,
das áreas privilegiadas de atuação (Oliveira, de outro, encontrou indícios de tratamento
1992; Pinto, 1992). Em seu ativismo contem- discriminatório contra negros e que foram con-
porâneo, durante e após o processo de aber- firmados por pesquisas posteriores:
tura política, o movimento negro vem se inte-
ressando e denunciando o racismo no livro a não representação de personagens ne-
didático, visando, especialmente, a uma pro- gros na sociedade descrita nos livros; a re-
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Quadro 1. Referências sobre estereótipos e preconceitos na literatura didática brasileira na década de 1950.
Dante Moreira Leite “Preconceito racial e patriotismo Chegou-se às seguintes formas assumidas de preconceito: carac-
(1950) em seis livros didáticos primários terização de personagens negros em situação social inferior; supe-
brasileiros.” rioridade da raça branca em beleza e inteligência; postura de
desprezo e/ou piedade em relação aos negros e combate do pre-
conceito por exemplos da História do Brasil.
Programa de Atividades “Projeto de análise do conteúdo de Avaliação do impacto desse material sobre as crianças leitoras. Como
do CBPE e UNESCO livros didáticos e de manuais utilizados resultado desse projeto dois artigos foram publicados por Bazzanella e
por professores e alunos.” Hollanda, em 1957.
(1956 e 1957)
Bazzanella (1957) “Valores e estereótipos em livros de Análise de dez livros de leitura destinados à 4a série primária, em busca
leitura.” de estereótipos e valores explícitos. Os resultados: incidência mínima
de preconceito explícito (duas vezes). A partir de observações, detec-
tou-se que a figura do negro estava associada a funções subalternas,
escravidão e à figura do contador de histórias.
Hollanda (1957) “A pesquisa de estereótipos e valores Análise de 20 manuais do antigo curso ginasial (quatro de História
nos compêndios de História destina- Moderna e Contemporânea; seis de História da América e dez de
dos ao curso secundário brasileiro.” História do Brasil). Os resultados: cinco manuais referiam-se à escravi-
dão como algo condenável; quatro aos maus-tratos durante o tráfico,
sendo a figura dos donos de escravos positiva (não referido os maus-
tratos por eles dispensados). A maioria dos manuais justificava a
escravidão como uma necessidade econômica.
Fonte: Negrão (1988).
Quadro 2. Algumas características detectadas pelos estudos sobre representações das categorias étnico-raciais em livros didáticos brasileiros.
§ Importância de personagens. Branco como representante da espécie, muito mais freqüente nas ilustrações, representado em quase
a totalidade de posições de destaque e ilustrações de capas (Pinto, 1987; Silva, 1987, 1988a, 1988b); negro menos freqüente nas
ilustrações, prioritariamente identificado pela etnia, ao passo que o branco por nome próprio e atributos familiares (Pinto, 1987; Silva
1988a). Estudo posterior de Silva (2000, 2001a) aponta maior índice de representação de negros no centro ou em posições de destaque
e aumento proporcional de número de personagens, mantendo a sub-representação de negros. Personagens negros aparecem
menos freqüentemente em contexto familiar (Pinto, 1987; Silva, 1987, 1988a, 2000, 2001a). Quando apresentada, a família é
invariavelmente pobre (Triumpho, 1987). Os papéis familiares são omitidos ou menos numerosos (Silva, 1988).
§ Personagens negros desempenham um número limitado de atividades profissionais, em geral as de menor prestígio e poder
(Pinto, 1987; Silva, 1987, 1988a, 2000, 2001a). Relata a diversificação de papéis e funções profissionais dos negros, e a
representação dos mesmos com poder aquisitivo.
§ Crianças negras representadas em situações consideradas negativas, raramente em contexto escolar ou desempenhando
atividades de lazer (Silva, 1988a, 2000, 2001a) afirma a humanização no tratamento, com menções positivas à criança negra; a
utilização de nome próprio para tal criança; a presença em práticas de atividades de lazer e em situação escolar.
§ Tratamento estético das ilustrações apresenta o negro com traços grotescos e estereotipados (Pinto, 1987; Silva, 1987, 1988a).
Silva (2000, 2001a) relata a representação positiva de características fenotípicas.
§ Apresentação dos negros e mestiços prevalentemente como personagens sem possibilidade de atuação na narrativa, em posição
coadjuvante ou como objeto da ação do outro, em contraponto com os personagens brancos, com maiores possibilidades de
atuação e autonomia (Pinto, 1987, Chinellato, 1996).
§ Contexto sociocultural do negro omitido nos livros analisados, nos quais prevaleceram os valores da cultura européia (Triumpho,
1987; Silva, 1988a, 2000, 2001a; Chinellato, 1996; Oliveira, 2000). A complexidade das culturas africanas não foi abordada (Pinto,
1999).
§ Livros didáticos mantiveram a população negra confinada a determinadas temáticas que reafirmam o lugar social ao qual ela está
limitada (Oliveira, 2000).
Fonte: Negrão (1988).
A depreciação se associa a uma natura- contra os negros, como Banzo, tronco e senzala,
lização e universalização da condição de ser publicado em 1996, pela editora Habra, de
branco: sua pertença racial não necessita ser autoria de Elsi Nascimento e Elzita Melo Quin-
explicitada (Pinto, 1981; Silva, 2001c). Os princi- ta, com ilustrações de negreiros e que foi proi-
pais indicadores são os transcritos no Quadro 2: bido de circular nas escolas públicas do Distrito
sub-representação de negros (e indígenas) no Federal (O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11 mar.
texto e ilustrações; atribuição de papel subsidiá- 2003, p. A12).14
rio, na construção literária, pictórica e no contexto O notável é que tais componentes racis-
social, aos personagens negros, adultos e crian- tas podem conviver com a exortação de valores
ças, levando a sua associação sistemática à posi- igualitaristas e lições de combate ao racismo. A
ção de subalternidade; sub-representação de alu- busca de uma integração entre essas duas ten-
nos e professores negros. Além disso, no texto e dências (propostas de combate ao preconceito e
nas ilustrações, ocorre, por vezes, associação da exortação igualitarista associada à discriminação
negritude à animalidade (Pinto, 1981; Silva, 1988; racial) provocou interpretação de Rosemberg
Chinellato, 1996). (1985) sobre a literatura infanto-juvenil conside-
Silva (2000, 2001c), analisando uma rada, no Brasil, como literatura paradidática.
amostra de livros didáticos de Língua Portu-
guesa para as séries iniciais do ensino funda- Se bondade, fraternidade, honestidade, res-
mental, identifica em um grupo de livros que peito mútuo, controle dos impulsos primá-
“apresentavam maior freqüência de representa- rios constituem princípios judiciosamente
ções positivas do negro” (5 títulos) algumas externados [pela literatura infanto-juvenil],
tendências novas: humanização no tratamento, discriminação, opressão, negação e violen-
com menções positivas à criança negra; utiliza- tação, constituem princípios-guia na cria-
ção de nome próprio para referir-se à criança ção de personagens. Se, de um lado, a caça
negra; ausência de associação entre animais ao índio é explicitamente condenada, a nar-
negros e negros; maior destaque nas ilustra- rativa apresenta, por outro, um personagem
ções; diversificação de contextos sociais, fami- índio próximo à animalidade. Se a crítica ao
liares e profissionais na representação de ne-
gros; valoração positiva de traços físicos. 14. Reativando o violento repertório racista de associar negros a ani-
A despeito desses sinais de mudanças, mais, o livro foi denunciado por um pai ao senador Paulo Paim que levou
ainda é possível encontrar livros didáticos que a denúncia ao governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz, que proibiu
seu uso pela escola pública, mandou recolher os exemplares e recomen-
veiculam imagens violentamente discriminatórias dou às escolas particulares que não o adotassem.
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preconceito racial é objeto de longo dis- abrangência do estudo “guardam uma maior
curso, o negro é tratado como objeto. proximidade com linhas historiográficas mais
(Rosemberg, 1985, p. 77) tradicionais” (p. 78), que, em geral, não apre-
sentavam o negro como sujeito histórico, mas
Ou seja, para Rosemberg (1985), a litera- como dependente de ação de outros. Nos livros
tura infanto-juvenil estabelece uma relação entre de edição mais recente, com a utilização de
desiguais — o adulto que narra ou ensina à cri- outras perspectivas historiográficas, ocorreu a
ança uma sociedade adulta branca idealizada — diminuição dessa tendência. Por exemplo, so-
e uma relação entre iguais, quando o autor, ilus- bre a abolição, tais livros vão além da simples
trador, crítico, editor e bibliotecário criam para um apresentação da Princesa Isabel e de outros
público, que se representa como sendo formado abolicionistas. Mas, no geral, ainda mantêm
por crianças e adolescentes brancos, a visão bran- uma homogeneidade na representação do ne-
ca dominante sobre a raça negra. gro. São muitas ilustrações que apresentam o
negro escravo, vinculando-o à passagem da-
É esta dualidade igual-desigual que explica quela condição à de marginal contemporâneo,
o fato de, num mesmo texto, discursos pouco trabalhando a diversidade de sua condi-
igualitários coexistirem com representações ção. As ilustrações, em sua maior parte, mantêm
discriminatórias de personagens. O precon- o modelo de “imagens canônicas” (Saliba,
ceito veiculado pela literatura se justifica 1998, apud Oliveira, 2000, p. 1.067): “A maio-
na medida em que tais obras são produzi- ria das ilustrações, assim como ocorre com os
das para educar a criança branca. (Negrão, textos, é sobre trabalho escravo (...)”. “Outra
1987, p. 86) imagem símbolo da representação do negro
nos livros didáticos relaciona-se ao seu cativei-
Isto é, o adulto branco das elites bra- ro. As imagens do século XIX, produzidas por
sileiras. Debret e Rugendas, são presenças obrigatórias
Quanto aos antigos livros de Estudos nos livros didáticos” (p. 106 e p. 107).
Sociais e aos antigos e atuais livros de História, Escutando cinco professores de Histó-
as pesquisas evidenciam como tendência pre- ria, militantes do movimento negro, Oliveira
dominante a perspectiva eurocêntrica, a ênfa- (2000) informa:
se na representação do negro associado à es-
cravidão, a omissão a práticas de resistência No entender dos entrevistados o livro didático
negra, o tratamento de negros como objeto. estaria, em síntese, prejudicando a população
Oliveira (2000), analisando livros de negra. Em primeiro lugar, por veicular uma
História publicados entre 1978 e 1998, apre- organização de conteúdo que não permite ao
senta como temas recorrentes: “trabalho negro negro ter visibilidade enquanto sujeito do pro-
e resistência, formação do povo brasileiro, cesso histórico. Em segundo, o livro didático
eurocentrismo e cultura dos povos africanos” mantém a população negra confinada a deter-
(p. 50). O autor relata que mesmo em obras que minadas temáticas que reafirmam o lugar so-
anunciam, em suas apresentações, a tentativa cial ao qual ela está limitada. Por último, foi
de romper com os paradigmas da chamada criticado o fato dos livros estarem substituindo
“história tradicional”, a narrativa “eurocêntrica” o mito da democracia racial, pelo mito da mes-
acaba sendo prevalente. Ao discutir a apresen- tiçagem que anularia a construção de uma
tação, pelos livros didáticos, do processo de identidade negra. (p. 127)
escravidão, apresenta dados sobre uma modi-
ficação na forma de abordagem dos conteúdos. Pinto (1999) também nota modifica-
Os livros de primeira década do período de ções em livros de História destinados à forma-
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Desde o manifesto de lançamento do rio da Justiça (Secretaria de Estado dos Direi-
MNU, em 1979, passando pelos conselhos esta- tos Humanos) foram realizados seminários re-
duais e municipais e pelas organizações não-go- gionais preparatórios (Sabóia, 2001), Relatório
vernamentais negras contemporâneas,17 até o do Comitê Nacional (Brasil: Ministério da Jus-
documento entregue a Fernando Henrique Car- tiça, 2001), entre outros.
doso (em 1995, durante a Marcha Zumbi con- Todos esses documentos fazem refe-
tra o Racismo, pela Cidadania e a Vida), o com- rência explícita ao combate ao preconceito,
bate ao racismo no livro didático esteve presente discriminação ou estereótipos raciais em livros
na pauta de propostas e reivindicações do mo- didáticos, especialmente no que se refere aos
vimento negro (D’Adesky, 2001; Guimarães, relativos aos negros. Por exemplo: o Progra-
2002), do mesmo modo que o combate ao se- ma Nacional de Direitos Humanos (Brasil. Mi-
xismo nos livros didáticos, no contexto da crí- nistério da Justiça, 2002, proposta 214) pro-
tica à “educação diferenciada”, foi constitutivo põe “Apoiar o processo de revisão dos livros
da agenda do movimento feminista brasileiro didáticos de modo a resgatar a história e a
(Rosemberg, 2002). contribuição dos afrodescendentes para a
Assim, pesquisas, seminários, encon- constituição da identidade nacional” (p. 42);
tros, publicações, oficinas, vídeos foram e con- o Relatório do Comitê Nacional para a Prepa-
tinuam sendo realizados sobre educação e raça, ração da Participação Brasileira na III Confe-
tratando sempre, entre os temas, do racismo e rência Mundial das Nações Unidas contra o
seu combate nos livros didáticos e da modifi- Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
cação do currículo escolar visando à inclusão da Intolerância Correlata (Brasil. Ministério da
História da África. Justiça, 2001, p. 26) destaca, entre as medi-
Três elementos significativos devem ser das governamentais, “a revisão dos conteúdos
destacados como forças impulsionadoras dessas dos livros didáticos visando a eliminar a
ações: a movimentação social pela nova Cons- veiculação de estereótipos e a introdução do
tituição (1988), a comemoração do Centenário tema da diversidade nos Parâmetros Curricu-
da Abolição e, mais recentemente, a III Confe- lares Nacionais”. Os relatórios preliminar (NEV,
rência Mundial das Nações Unidas contra o 2001) e do Comitê Nacional (Brasil. Ministério
Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Into- da Justiça, 2001) apresentam um bom sumá-
lerância Correlata, realizada em Durban, em 2001. rio sobre as ações governamentais e legislativas
Como sói acontecer, grandes eventos estimulam referentes à questão. Entre essas ações desta-
a realização de outros eventos, produção de cam-se a avaliação dos livros didáticos pelo
textos e ganham a mídia numa bola de neve. Nas Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e
últimas décadas, na esfera governamental, mui- a legislação a partir da Constituição Federal de
tos dos impulsos a ações visando ao combate do 1988.
racismo decorreram, também, da adoção, em
1996, do Programa Nacional de Direitos Huma- O Programa Nacional do Livro
nos (PNDH), que tem contemplado capítulos ou Didático
tópicos sobre educação, negros e indígenas,
entre outros. Guy de Hollanda (1957) identifica como
Essa base de sustentação foi imprescin- uma das primeiras ações do governo federal
dível para respaldar a intensa mobilização na brasileiro que pode ser entendida como de
preparação brasileira e sua participação na III
Conferência Mundial das Nações Unidas contra
17. Como Fala Preta, Casa Dandara, Geledés, Centro de Articulação de
o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Populações Marginalizadas, Núcleo de Estudos do Negro ou Centro de
Intolerância Correlata. Sob a égide do Ministé- Estudos de Relações de Trabalho e Desigualdade.
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quer outra forma de discriminação; fazer Além disso, Beisiegel (s/d), que analisou
doutrinação religiosa, desrespeitando o ca- os pareceres emitidos pela comissão sobre os
ráter leigo do ensino público. Qualquer des- livros excluídos ou não recomendados, mostrou
respeito a esses critérios é discriminatório e, que, em sua maioria absoluta, os pareceres ex-
portanto, socialmente nocivo. 20 cluíram os livros por motivos outros que não o
critério de veicular “preconceitos”. O problema
Os livros avaliados pelo PNLD rece- decorre da forma de avaliação, orientada pela
bem uma classificação: *** recomendados busca de explicitação de preconceitos enten-
com distinção, ** recomendados, * recomen- didos como expressão direta de hostilidade ou
dados com ressalvas e não recomendados/ex- depreciação racial. Como vimos, raramente o
cluídos. Os livros recomendados são incluídos discurso racista se apresenta dessa forma, e
no Guia de Livros Didáticos (impresso e pela mesmo determinados textos que reafirmam pos-
Internet), para os professores selecionarem. O tura anti-racista podem veicular mensagens ra-
volume de títulos avaliados é alto, notando- cistas, o que só pode ser apreendido por
se um aumento gradativo na proporção de conceituação e metodologia pertinentes. Faltou
livros recomendados. Assim, foram avaliados: à avaliação a integração do refinamento teóri-
569 títulos para as quatro primeiras séries do co, conceitual e metodológico que vem orien-
ensino fundamental, pelo PNLD de 2001, dos tando pesquisas sobre relações raciais no Bra-
quais 54,41% foram recomendados (pelo sil. Faltou, também, atentar aos resultados das
PNLD de 1997, apenas 22,53% haviam sido pesquisas, que desde 1950, vêm mostrando a
recomendados); 414 títulos para as 5 a a 8 a falácia de buscar-se explicitações de preconcei-
séries do ensino fundamental, pelo PNLD de to ou manifestações de racismo à maneira do
2002, dos quais 62,50% foram recomendados século XIX.
(pelo PNLD de 1999, haviam sido recomenda- Para a mesma pesquisa, Beisiegel (s/d)
dos apenas 49,77%) (Fonte: Brasil. MEC, entrevistou editores de livros didáticos que ma-
2002, p. 298). nifestaram concordância com o critério do PNLD
Se a inclusão, nos critérios de avaliação de exclusão de livros que veiculem preconceitos,
dos livros didáticos, do critério “preconceitos” descrevendo iniciativas das próprias editoras
pode ser considerada um avanço — pois, pelo para eliminar nos textos expressões e tratamen-
menos, problematiza o mito da democracia ra- tos preconceituosos. Segundo Beisiegel, o resul-
cial e alerta os responsáveis pela produção de tado mais significativo foi o tratamento mais cui-
livros didáticos sobre aspectos críticos —, en- dadoso das ilustrações, mas, como se evidenci-
contramos, na bibliografia, algumas restrições ara nas avaliações da comissão, as modificações
sobre seu impacto. pecaram por ficar restritas a expressões grotes-
Uma primeira restrição vem de pesquisas cas de racismo.
realizadas pelo próprio MEC/PNLD sobre a esco- Beisiegel (s/d, p. 31) afirma que “os mo-
lha dos professores. “Pelo estudo, as escolhas de- vimentos podem exigir que as equipes do PNLD
monstram, predominantemente, um padrão de
preferência pelos livros situados nas categorias 20. Não encontramos explicação ou análise sobre a modificação dos
termos usados (o IBGE manteve a denominação cor/raça no Censo 2000
menos valorizadas pela avaliação (...)” (Brasil. e nas pesquisas domiciliares subseqüentes) nem tampouco sobre a com-
MEC, 2002, p. 314), o que levou o MEC a con- posição racial do grupo ou comissão que vem orientando tais decisões.
siderar a necessidade de ações sistemáticas para Além disso, o caput passou a ser construção da cidadania e da ética para
o convívio social. Tais modificações necessitariam ser debatidas, para
orientar professores no uso de livros didáticos. entender-se seu significado, que permite uma interpretação de restrição
Portanto, recomendação não significa uso, como de sentido: poderíamos entender as últimas formulações como derivadas
de uma proposta de conviver com a diversidade cultural e não com a pro-
não-recomendação/exclusão não indica “não- posta mais ampla e incisiva de combate à desigualdade racial, e portanto,
uso” do livro em sala de aula pelo professor. ao racismo.
Quadro 3. Leis Orgânicas Municipais e Constituição Estadual que se referem ao combate ao racismo em livros didáticos.
Município Referencial
Salvador Capítulo II. Art. 183 §6º. É vedada a adoção de livro didático que dissemine qualquer forma de discrimi-
nação ou preconceito.
Goiânia Capítulo III. Seção I. Art. 236. O ensino será administrado com base nos seguintes princípios (...)
VIII — educação igualitária, eliminando estereótipos sexíferos, racistas e sociais da sala de aula, livros e
manuais destinados à população infanto-juvenil.
São Luiz do Maranhão Capítulo III. Seção I. É proibida toda e qualquer manifestação preconceituosa ou discriminatória de qualquer
natureza nas escolas públicas municipais e nas conveniadas com o município.
Belo Horizonte Capítulo v. Art. 163. §4º. É vedada a adoção de livro didático que determine qualquer forma de discriminação
ou preconceito.
Rio de Janeiro Capítulo IV. Art. 321, VIII — educação igualitária, eliminando estereótipos sexistas, racistas e sociais das aulas,
cursos, livros didáticos ou de leitura complementar e manuais escolares.
São Paulo Capítulo I. Art. 203, II — é dever do município garantir: educação igualitária, desenvolvendo o espírito crítico em
relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais das aulas, cursos, livros didáticos, manuais escolares e literatura.
Constituição do Estado de Goiás. Cap. III. Seção I. Art.156, VIII — garantia de educação não diferenciada, através da preparação
de seus agentes educacionais e da eliminação, no conteúdo do material didático, de todas as alusões discriminatórias à mulher,
ao negro e ao índio.
Fonte: Leis Orgânicas Municipais e Constituição do Estado de Goiás (apud Silvia Jr, 1998).
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igualdade na educação, artigos ou incisos es- gro nas áreas social, econômica e política
pecíficos sobre o racismo em livros didáticos pertinentes à História do Brasil.
em sete Leis Orgânicas Municipais (Quadro 3). §2º Os conteúdos referentes à História e Cul-
Trata-se de prescrição legal aparente- tura Afro-Brasileira serão ministrados no âm-
mente fácil de ser aprovada, mas dificilmente bito de todo o currículo escolar, em especial
aplicada, diante dos parcos resultados notados nas áreas de Educação Artística e de Litera-
em termos de mudanças. Da forma como tem tura e História Brasileiras.
sido enunciada, não implica uso de recursos, §3º (VETADO)
sendo, possivelmente, de fácil negociação, atuan- “Art. 79-A (VETADO)”
do como um carimbo, a baixo custo e investi- “Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o
mento governamental, de ação anti-racista. dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da
A Lei de Diretrizes e Bases da Educa- Consciência Negra’.”
ção Nacional (LDB) de 20 de dezembro de Art. 2º Esta Lei entre em vigor na data de
1986 estipula que “O ensino da História do sua publicação.
Brasil levará em conta as contribuições das Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182º da Inde-
diferentes culturas para a formação do povo pendência e 115º da República.
brasileiro, especialmente das matrizes indíge-
na, africana e européia” (Capítulo II, Seção I, Se esta lei reconhece antiga reivindica-
Art. 26, § 4º). Mais recentemente, o presidente ção do movimento negro, ela instiga uma certa
Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº apreensão no que diz respeito a sua aplicação e
10.639 de 9 de janeiro de 2003 que estabe- suas conseqüências para a produção do livro
lece a obrigatoriedade do ensino da história e didático. A apreensão decorre da inadequação
cultura afro-brasileira, no ensino fundamental. na formação de professores quanto à matéria e
na reduzida retaguarda de material didático de
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber qualidade para uso de alunos e professores,
que o Congresso nacional decreta e eu san- como evidenciou, também, o reduzido e inci-
ciono a seguinte lei: piente acervo de pesquisas disponíveis no Bra-
Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de setembro de sil sobre o negro e a África em livros de Histó-
1996, passa a vigorar acrescida dos seguin- ria. Se é verdade que alguns municípios (como
tes arts. 26-A, 79-A e 79-B: Vitória e Salvador) vêm atuando no sentido de
“Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino implementar adequadamente a lei, teme-se que,
fundamental e médio, oficiais e particulares, para suprir esse novo mercado editorial que se
torna-se obrigatório o ensino sobre História abre, possamos ter uma nova enxurrada de li-
e Cultura Afro-Brasileira. vros que se comprazam em representar a África
§1o O conteúdo programático a que se refe- do tempo da colonização do Brasil, que fortale-
re o caput deste artigo incluirá o estudo de çam o trio feijoada, futebol e samba, ou que
História da África e dos Africanos, a luta dos mantenham o debate sobre relações raciais no
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e Brasil focalizado exclusivamente nos negros, re-
o negro na formação da sociedade nacio- tardando, ainda mais, o questionamento da
nal, resgatando a contribuição do povo ne- construção da identidade racial branca.
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Recebido em 21.05.03
Aprovado em 18.06.03
Fúlvia Rosemberg, Chirley Bazilli e Paulo Vinícius Baptista integram o Negri (Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e
Idade) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP, coordenado pela primeira. Efetuam
pesquisas sobre expressões do racismo em livros didáticos e paradidáticos, bem como sobre as relações raciais e educação.