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EQUIPE TÉCNICA
FLUXO EDITORIAL Edneire Franciscon Jacob
Política Educacional
Brasileira
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Eduem
Maringá
2010
Coleção Formação de Professores - EAD
ISBN 978-85-7628-244-0
CAPÍTULO 5
Políticas públicas para o Ensino Superior a distância: a
qualidade dos cursos de graduação em questão > 93
Maria Luisa Furlan Costa
CAPÍTULO 6
Educação do campo: política
para a concretização das diretrizes > 101
Irizelda Martins de Souza e Silva / Maria Aparecida Cecílio / Kiyomi Hirose
CAPÍTULO 7
A educação de pessoas com deficiência
Elis Milena Veiga Moreira de Azevedo / Nerli Nonato Ribeiro Mori
>109
CAPÍTULO 8
Políticas educacionais para populações indígenas
Lúcia Gouvêa Buratto / MARIA SIMONE JACOMINI / Rosângela Célia Faustino
>123
5
POLÍTICA CAPÍTULO 9
EDUCACIONAL
Ações afirmativas e as cotas
> 137
BRASILEIRA
para negros no ensino Superior
Walter Lúcio de Alencar Praxedes
CAPÍTULO 10
Educação ambiental: referenciais
para a prática política e científica > 149
Luzia Marta Bellini
CAPÍTULO 11
Políticas públicas de educação de
jovens e adultos no Brasil pós-1988 > 157
Edinéia Fátima Navarro Chilante / Amélia Kimiko Noma
CAPÍTULO 12
O Estatuto da Criança e do
Adolescente: do direito à educação > 173
Eliana Silvestre
CAPÍTULO 13
Políticas públicas para educação e saúde
Aparecida Meire Calegari-Falco / José Ricardo Penteado Falco
> 183
CAPÍTULO 14
Classes criativas e educação no século XXI
Daniel Clark Orey
> 195
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S obre os autores
ADÃO APARECIDO MOLINA
Graduado em Letras (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutor em Educação (UEM). Profes-
Educação (UEM).
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POLÍTICA ELIANE SILVESTRE
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Advogada da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, membro da equipe do Programa Multidis-
(UEM), graduada em Educação Física (UFMA), especialista em Educação Infantil (UEM). Mes-
em Educação (Unimep).
ringá (UEM). Graduado em Ciências Biológicas (Unesp/Rio Claro). Mestre em Biologia Celular
KIYOMI HIROSE
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Graduada em Ciências Biológicas (USP). Mestre em Educação (UFScar). Dou-
Educação (Unesp/Marília).
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MARIA LUISA FURLAN COSTA Sobre os autores
Maringá (UEM). Graduada em História (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em Edu-
cação (Unesp/Araraquara).
(bolsista produtividade).
em Educação (Uninove).
Graduado em Ciências Sociais (USP). Mestre em Educação (USP). Doutor em Educação (USP).
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A presentação da Coleção
A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em
2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do
Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material
didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de
Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda
edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos
deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para
esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido
pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado
Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi-
dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado
para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O
que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura,
da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a
formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse
processo.
Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti-
tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta
coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante
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POLÍTICA específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento
EDUCACIONAL
BRASILEIRA desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos
e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu-
desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma
modificação significativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a
Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES)
conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li-
beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para
aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de
pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação
Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa
contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como
de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino
superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB.
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P refácio
EDUCAR A VONTADE: LIÇÕES DE DANTE E SWIFT
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POLÍTICA das contendas e é o resultado objetivo, na forma de projetos, programas e leis, do jogo
EDUCACIONAL
BRASILEIRA entre as forças que se antagonizam em seu interior. De acordo com Bourdieu:
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Versões escritas das leituras e das disputas, redigidas pelo mestre ou com base Prefácio
em anotações de ouvintes, circulavam profusamente. As universidades procura-
vam facilitar o acesso de seus membros ao livro. Porém, até o século XV, havia
bibliotecas apenas nos grandes colégios (1996, p. 36).
Talvez o mais inquietante seja o fato de os graus parecerem ter sido cada vez
mais fáceis de serem obtidos, a julgar-se pelas taxas de êxito crescente que se
percebe. De 1600 a 1800, as taxas de êxito passam, em Oxford (bacharelado
em Artes) de 35% para 58%; em Franeker (Países Baixos) de 6% para 71%. Po-
rém, sobretudo a partir do século XVII, pelo menos, a fraude nos exames e o
não respeito aos estatutos [...] tomaram uma tal dimensão que nos levam a
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POLÍTICA um questionamento sobre sua significação social. O absenteísmo professoral,
EDUCACIONAL associado à falta de assiduidade dos alunos, esvaziavam aulas e disputas. Assim,
BRASILEIRA
muitos apresentavam-se para os exames sem ter realizado os estudos exigidos
[...]. Pequenas universidades provincianas [...] especializaram-se vergonhosa-
mente na venda de graus a preços de liquidação e sem exame sério. A fraude
revestia-se de múltiplas formas; teses redigidas por autores profissionais, envio
de um substituto em lugar do verdadeiro candidato, inscrições prévias feitas
por correspondência’ (1996 p. 60).
Dessa forma, esperamos que esta obra coletiva possa servir aos alunos de gradua-
ção para sua verdadeira e honesta formação. Sem maior détour, este livro é composto
por quatorze capítulos. O primeiro capítulo, de Adão Aparecido Molina e Ângela Mara
de Barros Lara, discute sobre a infância no contexto das políticas educacionais e das
políticas neoliberais da década de 1990. O segundo capítulo, de Marta Lúcia Croce,
trata das políticas públicas para o Ensino Fundamental. Em seguida, o terceiro capítu-
lo, de Lucia Vitorina Bogo e Amélia Kimiko Noma, discute as políticas para o Ensino
Médio no Brasil após a promulgação da Constituição de 1988. O quarto capítulo, de
Mário Luiz Neves de Azevedo e Afrânio Mendes Catani, analisa as políticas públicas
para a educação superior no Brasil, desde o governo Fernando Henrique Cardoso até
o momento da publicação, pelo Ministério da Educação, da terceira versão do projeto
de reforma universitária da gestão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (agosto de
2005). O capítulo cinco, de Maria Luisa Furlan Costa, reporta-se às políticas públicas
para o ensino a distância em nível superior. As autoras do sexto capítulo, Irizelda Mar-
tins de Souza e Silva, Maria Aparecida Cecílio e Kiyomi Hirose, examinam as políticas
para a educação do campo. Elis Milena Veiga Moreira de Azevedo e Nerli Nonato Ri-
beiro Mori fazem, no sétimo capítulo, um exame da história do atendimento educacio-
nal das pessoas com deficiência. Lúcia Gouvêa Buratto, Maria Simone Jacomini e Ro-
sangela Célia Faustino, autoras do oitavo capítulo, investigam a respeito das Políticas
educacionais para populações indígenas. O capítulo número nove, de Walter Lúcio de
Alencar Praxedes, problematiza a questão das políticas públicas relativas à igualdade
racial e às cotas para negros no ensino superior. O décimo capítulo, desenvolvido por
Luzia Marta Bellini, tem por objeto a educação ambiental. O décimo primeiro capítulo,
de Edinéia F. N. Chilante e Amélia Kimiko Noma, ocupa-se das políticas públicas para
a educação de jovens e adultos no Brasil a partir de 1988. O capítulo doze, de Eliana
Silvestre, relativo ao Estatuto da Criança e do Adolescente, celebra os vinte anos de
existência do diploma legal e insere-se especialmente nesta coletânea em virtude de
sua importância como política pública de educação e, ao mesmo tempo, de proteção
das crianças e dos adolescentes. O capítulo treze, de Aparecida Meire Calegari-Falco
e José Ricardo Penteado Falco, discorrem a respeito da interface entre as políticas
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públicas para educação e saúde. Por derradeiro, Daniel C. Orey, com base em sua con- Prefácio
Ânimo! Não é cedendo ao ócio nem refestelando-se sobre plumas que se obtém
êxito. Aquele que à inatividade se entregar deixará de si sobre a terra memória
igual ao traço que o fumo risca no ar e a espuma traça na onda. Vence a fadiga
e o torpor, recobra o ânimo, que das vitórias sobre os perigos, a primeira é a
da vontade sobre o corpo. Pensa que devemos subir muito mais alto e que foi
pouco o haver saído desse abismo. Se o que disse te aproveita, demonstra-o
(2003, p. 101).
1 Esse raciocínio dantesco, no bom sentido do termo, é uma homenagem àqueles que não
sucumbiram aos óbices e souberam ganhar forças para implantar essa novidade (a educação a
distância) na UEM, recordemos aqui do núcleo irradiador/executor da EAD na UEM formado
pelas professoras Maria Luisa Furlan Costa, Jane Fadel, Ruth Izumi Setoguti Rosane Gomes
Carpanese e José Carlos Gomes. Façamos aqui, também, a justa homenagem a todos os que,
mesmo sem o registro dos nomes em virtude do espaço e para não ser injustos pelo esquecimen-
to, participaram (professores, servidores e dirigentes) da experiência de formar 1.146 estudantes
em nível de graduação, os quais, agora diplomados, em seus domicílios, distantes da sede da
UEM, com seus talentos e esforços estão educando, em suas legítimas funções escolares, muitos
cidadãos brasileiros.
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POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Referências
CHARLE, C.; VERGER, J. História das universidades. São Paulo: Edunesp, 1996.
Anotações
18
A presentação do livro
1 Registre-se aqui meu agradecimento especial a profa. Aparecida Meire Calegari-Falco que cordialmen-
te auxiliou-me nos trabalhos para a 2ª. edição desse livro.
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POLÍTICA Ainda não alcançamos, no século XXI, a materialização desse sonho de Gramsci no
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Brasil. Infelizmente, nosso país apresenta grandes desigualdades sociais, que, no setor
educacional, revelam-se pela oferta da melhor escola para uma pequena parcela da po-
pulação e uma ‘educação possível’, uma escola de simples frequência, para a grande
maioria.
Ao avançarmos na leitura deste livro, perceberemos que muito há de se fazer no Brasil
para alcançarmos a plena democratização e o desenvolvimento em todos os âmbitos. No
momento de redação dessa apresentação (2ª. Edição), nosso país volta a ter déficit na
balança de pagamentos, próximo de 24 bilhões de dólares, no final de 2009; projeta-se,
para 2010, um déficit de 40 bilhões de dólares. Somente a balança comercial no setor de
tecnologia alcançou um déficit de 55 bilhões de dólares em 2009. Dessa maneira, com o
país sofrendo uma espécie de ‘primarização da economia’, tem sido o setor agropecuário
o principal financiador das importações de produtos mais avançados em tecnologia e do
pagamento de serviços, lucros e royalties para as matrizes de empresas multinacionais .
Sabemos que a educação não pode ser considerada uma panaceia; entretanto, ne-
nhum país conseguiu alcançar o desenvolvimento sem alocar decididamente grandes
somas para o financiamento da educação em todos os níveis e sem possuir um sistema
nacional de educação com qualidade para todos. Esperamos que, em futuro próximo,
talvez já na 3ª. edição deste livro, possamos notar avanços significativos na educação bra-
sileira e, quem sabe, comemorar a universalização da educação com qualidade, de modo
que a excelência alcance indistintamente a todos.
Podem contribuir, para isso, por exemplo, a implantação de um Sistema Nacional
Articulado de Educação, a ser garantido em novo PNE, um aumento do percentual do
orçamento da União, dos Estados e dos Municípios para a educação e o fim da DRU
(Desvinculação de Recursos da União) para o setor educacional, conforme lei aprovada
em outubro de 2009 pelo Congresso Nacional que permitirá, gradativamente até 2011,
recompor 20% o orçamento do MEC.
Não é ocioso lembrar, também, que no ano de 2010, ocorre a CONAE (Conferência
Nacional de Educação), que tem como um de seus objetivos a promoção de um sistema
nacional de educação a ser contemplado no novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Possivelmente se confirme que o Estado não pode abrir mão de maior regulação educa-
cional e que se inaugura, para o século XXI, tempos de pós-neoliberalismo, com a aberta
defesa de uma educação nacional, pública, gratuita e de qualidade para todos.
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1 As políticas públicas
recentes para a
infância no Brasil
Do mesmo modo que a educação, a infância não pode ser compreendida fora de
um contexto socioeconômico e político. Por isso, quando se fala em infância, não é
possível se referir à criança em si sem se considerar o tempo, o lugar e a estrutura
social em que ela está inserida. Portanto, neste capítulo discutimos a infância no con-
texto das políticas educacionais e das políticas neoliberais da década de 1990, cujo
período representa um avanço na legislação no que tange à proteção e à garantia de
direitos para a educação infantil brasileira.
O nosso objetivo é mostrar como as políticas neoliberais, através dos organismos
multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), in-
fluenciaram as políticas educacionais por meio das propostas de financiamento e do
modelo de educação infantil desejado para esse período. Dessa forma, evidenciam-se
as contradições dessas políticas de atendimento que transformam as perspectivas dos
direitos das crianças, garantidos pela legislação, em perspectivas de necessidades.
Kramer (1996) afirma que no final dos anos 70 do século XX, nos então chamados
países de Terceiro Mundo, dentre eles o Brasil, as crianças pobres representavam o
fracasso na escola, escola essa que seguia modelos educativos já ultrapassados. Surgi-
ram, assim, novas preocupações com as teorias educacionais e com a pedagogia. ‘O
intenso debate político-educacional que se desencadeou a partir daí foi fundamental
na consolidação de um firme marco teórico e de clara visão política em defesa de uma
infância considerada na sua dimensão de cidadã de direitos’ (p. 17).
Hoje, falar em educação infantil no Brasil significa, necessariamente, retomar a
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº. 9394/1996 (BRASIL, 1996a). Por
intermédio desses documentos, podemos obter uma visão clara dos direitos adquiri-
dos pela criança, considerada cidadã e sujeito de direitos, e dos caminhos tomados
pelas políticas públicas destinadas à infância de nosso país. A Constituição Brasileira
de 1988, no capítulo III – Seção I – Da Educação, estabelece:
21
POLÍTICA Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
EDUCACIONAL promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno
BRASILEIRA
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 208. Item IV. Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a 6
anos de idade (BRASIL, 1988).
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Da mesma maneira, a LDB nº 9.394/96, retomando os direitos garantidos pela As políticas públicas
recentes para a
Constituição no Título III – do direito à educação e do dever de educar – Artigo 4º infância no Brasil
Vale destacar que a LDB nº foi construída tendo por base a Constituição de
1988 que reconheceu como direito da criança pequena o acesso à educação
infantil – em creche e pré-escolas. Essa lei colocou a criança no lugar de sujeito
de direitos em vez de tratá-la, como ocorria nas leis anteriores a esta, como
objeto de tutela. Nesta mesma direção, a LDB nº também, pela primeira vez na
história das legislações brasileiras, proclamou a educação infantil como direito
das crianças de 0 a 6 anos e dever do Estado. Ou seja, todas as famílias que op-
tarem por partilhar com o Estado a educação e o cuidado de seus filhos deverão
ser contempladas com vagas em creches e pré-escolas públicas.
23
POLÍTICA típica das políticas neoliberais em não prover os recursos necessários para o cumpri-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA mento de acordos, transformando, assim, a perspectiva de direitos da legislação em
perspectiva de necessidades.
Com as mudanças introduzidas na legislação a partir da Constituição de 1988 e
com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996 (LDB nº 9394/96), após
uma longa luta pela requalificação das creches e pré-escolas, o Ministério da Educação
lançou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Esse documento
aparece no contexto das reformas educacionais em andamento na segunda metade da
década de 90 do século XX como mais uma ação do governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Nas palavras de Cerisara (2002, p. 338):
[...] seis documentos referentes aos eixos de trabalhos orientados para a cons-
trução das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabe-
lecem com os objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais,
Linguagem Oral e Escrita, Natureza e sociedade e Matemática (BRASIL2, 1998b).
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e instituições. Com isso, a expressão no singular – referencial – significa, de fato, As políticas públicas
a concretização de uma proposta que se torna hegemônica, como se fosse única. recentes para a
infância no Brasil
Cerisara (2002, p. 338) alega que ‘em fevereiro de 1998 a versão preliminar do docu-
mento foi encaminhada a 700 profissionais ligados à área da educação infantil para que
em um mês fosse devolvido ao MEC um parecer sobre essa versão’. Para a autora, em
outubro de 1998 a versão final do RCNEI foi divulgada sem atender às solicitações dos
pareceristas para que as discussões relativas ao documento fossem estendidas por mais
tempo. O MEC, não atentando para essas solicitações, porque tinha grande interesse
em divulgar esse documento, acabou lançando o Referencial antes mesmo que as Dire-
trizes Curriculares Nacionais fossem aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.
O parecer da ANPEd3 (ASSOCIAÇÃO, 1998) sobre o Referencial sugere, dentre ou-
tras modificações, uma revisão na linguagem utilizada no documento no sentido de
que houvesse maior clareza nos encaminhamentos dados aos conteúdos nele apresen-
tados, para que os profissionais da área possam ter acesso a essas informações de uma
maneira mais adequada e coerente com o seu nível de compreensão e conhecimento.
Dentre outras falhas apresentadas no documento, apontadas pelos pareceristas da
ANPEd, estão as fontes bibliográficas utilizadas na elaboração do Referencial e elen-
cadas juntas nas referências, como se faz nos trabalhos acadêmicos. Segundo eles, as
obras e os materiais utilizados deveriam estar separados por temas, o que seria conve-
niente para um documento de caráter pedagógico, pois facilitaria a compreensão no
momento de sua utilização. Na visão da ANPEd (ASSOCIAÇÃO, 1998, p. 92),
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POLÍTICA Além dos aspectos abordados acima, considerados irrelevantes pelo parecer da
EDUCACIONAL
BRASILEIRA ANPEd, existem também outros problemas no Referencial, que são discutidos pelos
pareceristas. Sobre a concepção de desenvolvimento infantil, o parecer alerta que o
Referencial, além de não apresentar, em alguns momentos do texto, linguagem clara e
objetiva, contempla uma abordagem psicológica e cognitivista em seu conteúdo, sem,
no entanto, considerar outras situações importantes na realidade da criança como, por
exemplo, os aspectos naturais, culturais, sociais, históricos e políticos.
Em relação à concepção de currículo adotada no Referencial, existem discrepân-
cias, na opinião dos comentaristas, que identificaram uma proximidade com a propos-
ta do sistema educacional espanhol4 e, em alguns momentos, características de uma
visão tradicional de ensino. Ambas oscilam no documento. A própria concepção de
avaliação, conforme o parecer, estaria calcada no modelo tradicional de escola. Isso
estaria em desacordo com o proposto na LDB nº 9.394/96, no qual a avaliação propõe
o ‘acompanhamento e registro do desenvolvimento infantil, sem o objetivo de promo-
ção para o ensino fundamental’ (Artigo 31).
No que se refere ao conteúdo dos volumes II e III da versão preliminar do Referen-
cial, o parecer faz menção à proposta de trabalho com a linguagem e indica falhas no
sentido de que a ‘língua escrita’ vem antes da ‘língua oral’, em um período em que a
criança está aprendendo a se comunicar através da linguagem falada.
Cerisara (2002) considera que o primeiro volume do Referencial, denominado
‘Introdução’, apresenta um texto bem elaborado e ilustrado com bonitas fotografias,
revelando a diversidade cultural da infância brasileira, porém essa diversidade nem
sempre é considerada nos conteúdos propostos pelo Referencial. Para a autora, o volu-
me I do documento procurou contemplar as indicações feitas pelo parecer da ANPEd,
dando mais ênfase à criança na Educação Infantil e não às concepções de educação
que aproximam a creche e a pré-escola do Ensino Fundamental. Isso demonstra um
ponto positivo da equipe do MEC ao acatar as indicações do parecer no sentido de
melhorar esse volume do documento.
Não obstante, acerca dos volumes II e III, a autora argumenta que estão organiza-
dos em uma estrutura comum, cujos conteúdos e orientações didáticas caracterizam
uma aproximação com o que é trabalhado no Ensino Fundamental. Dessa forma, as
especificidades das crianças pequenas acabam se perdendo e a educação infantil fica
26
submetida à versão de escola de Ensino Fundamental, aprisionando o desenvolvimen- As políticas públicas
recentes para a
to natural das crianças. Assim, a concepção de educação infantil apresentada no Refe- infância no Brasil
rencial fica distante daquelas constantes nos documentos da COEDI5 de 1994 a 1998,
consideradas um avanço nas Políticas Nacionais de Educação Infantil. Nesse contexto,
o Referencial pode ser visto apenas como um material de apoio aos profissionais que
devem refletir sobre o trabalho a ser desenvolvido nas instituições de educação infantil.
Nascimento (2003) expõe que, no final de 1998, o Conselho Nacional de Educação
(CNE) estabeleceu as ‘Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil’, des-
fazendo, inclusive, a dicotomia entre o cuidar e o educar, tão presente nas discussões
relativas ao papel da educação infantil no desenvolvimento da criança, criando um
novo paradigma na concepção de educação e infância.
O Referencial Curricular não possui caráter obrigatório ou mandatório. Por isso
não deve ser considerado como recurso único a ser utilizado nas instituições de Edu-
cação Infantil. Como orientação nacional para esse nível de formação, existem as ‘Di-
retrizes Curriculares Nacionais’6, que apresentam as diretrizes obrigatórias7 a serem
seguidas na Educação Infantil:
27
POLÍTICA Rosemberg (2002, p. 27-28) assinala que ‘as políticas de educação infantil contem-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA porâneas nos países subdesenvolvidos têm sido fortemente influenciadas por modelos
ditos ‘não formais’ a baixo investimento público, propugnados por organismos mul-
tilaterais’. Na concepção desta autora, as influências sobre os projetos da educação
infantil brasileira, na atualidade, provêm do Banco Mundial.
A autora considera que a Educação Infantil é integrada às políticas sociais e é um
subsetor das políticas educacionais e de assistência aos trabalhadores. Para ela, as po-
líticas sociais são uma intervenção do Poder Público com o objetivo de ordenar a
sociedade entre as necessidades e os interesses que surgem em seus diferentes seg-
mentos. Nesse contexto de âmbito nacional participam, juntamente com o governo,
os organismos multilaterais.
A autora explica que na administração federal do governo Fernando Henrique Car-
doso (a partir de 1995) foram incorporadas nas políticas econômicas regras do FMI, e
nas políticas educacionais regras do Banco Mundial. Nas políticas educacionais, segun-
do ela, houve uma priorização de investimentos públicos para o Ensino Fundamental,
enquanto que na Educação Infantil houve a implementação de programas de baixos
investimentos para as crianças pequenas pobres.
Rossetti-Ferreira e Ramon e Silva (2002, p. 90) salientam que os programas desen-
volvidos pelas políticas públicas para a infância ‘procuram situar-se numa perspectiva
de direitos enquanto o discurso e os documentos do Banco Mundial, em regra, os
atrelam mais a uma perspectiva de necessidades’. Na visão destas autoras, as políticas
são justificadas como auxílio aos necessitados com o objetivo de evitar consequências
antissociais. Assim, esses programas de intervenção social guardam o conceito, histo-
ricamente construído, da necessidade de livrar a sociedade dos efeitos causados pela
pobreza e de evitar a marginalização.
Em 16 de fevereiro de 2000, o Ministério da Educação, por intermédio do Con-
selho Nacional de Educação, estabeleceu as ‘Diretrizes operacionais para a educação
Infantil’ (BRASIL, 2000, p. 1-2) no intuito de sanar a grande quantidade de dúvidas
geradas pelos artigos da LDB/96 relativas à educação infantil e a sua especificidade,
que determinam os seguintes aspectos normativos:
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e o apoio de todos os segmentos da sociedade, com os Ministérios da Educação, da As políticas públicas
recentes para a
Saúde, da Previdência Social, da Justiça e do Trabalho e, ainda, com as Secretarias, com infância no Brasil
8 ‘Os melhores resultados de uma política eficiente contra a pobreza são obtidos, justamente,
quando os assistidos alcançam um estado no qual são emancipados da ajuda e, para tanto, o
indivíduo deve ter direito à educação e ao aprendizado contínuo’ (DEMO, 2000* apud ROS-
SETTI-FERREIRA; RAMON; SILVA, 2002, p. 90). *DEMO, P. Educação pelo avesso: assis-
tência como direito e como problema. São Paulo: Cortez, 2000.
9 Professor, deputado federal (PT/SP) que encabeçou a apresentação do Projeto de Lei 4.155/98
– PNE da Sociedade Brasileira – à Câmara dos Deputados.
10 Organização Mundial do Comércio.
11 Fundo Monetário Internacional.
29
POLÍTICA O PNE é resultado de uma luta organizada por diferentes segmentos da sociedade
EDUCACIONAL
BRASILEIRA brasileira, principalmente pelos profissionais da educação, pelo Fórum Nacional em
defesa da Escola Pública, os quais lutaram desde o processo constituinte por um pro-
jeto educacional ‘voltado para assegurar ao povo brasileiro uma educação construtora
de cidadania, como direito de todos’ (BRASIL, 2001b, p. 11).
Todavia, de acordo com Ivan Valente, ao ser apresentado à Câmara dos Deputados,
no dia 10 de fevereiro de 1998, o PNE – Sociedade Civil12 obrigou o governo FHC a
apresentar ao Parlamento o seu Projeto (Projeto de Lei 4.173/98) no dia seguinte e
ambos tramitaram no Congresso. A proposta do governo, de acordo com o Deputado,
foi elaborada com o objetivo de garantir as políticas neoliberais do Banco Mundial que
determinam baixos investimentos para o setor da educação.
A apresentação de dois projetos para a educação brasileira, um da sociedade civil,
democrático e popular, e um do governo, neoliberal, materializava duas concepções
diferentes de escola e de política educacional. Enfim, após muita pressão da socieda-
de, a Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001, sancionou o PNE com algumas diferenças
do proposto no PNE – Sociedade Civil, contemplando, apenas, algumas medidas nele
contidas.
O Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001b, p. 52), na seção de Educação
Infantil, retomando os direitos garantidos à infância na Constituição Federal de 1998 e
na LDB nº 9.394/96, considera que a educação ‘deve estar presente desde o momento
em que a criança nasce como meio e condição de formação, desenvolvimento, integra-
ção social e realização pessoal’.
No PNE, a Educação Infantil também é considerada como primeira etapa da edu-
cação básica, estabelecendo as bases de formação do desenvolvimento pessoal e da
socialização das crianças. Nessa perspectiva, a Educação Infantil inicia a educação da
pessoa e suas diretrizes consideram que as primeiras experiências vividas na infância
marcam profundamente o indivíduo.
O PNE reforça, também, que a Educação Infantil não é obrigatória, mas que é um
direito da criança. Neste sentido, a possibilidade das crianças frequentarem um centro
de educação infantil de qualidade leva um número crescente de famílias a buscarem
vagas para seus filhos nessas instituições. Daí a responsabilidade em oferecer uma edu-
cação de qualidade que justifique essa procura, pois a qualidade na Educação Infantil é
fator fundamental para o desenvolvimento das crianças. Por isso os profissionais, para
trabalharem nessa educação, devem possuir uma formação acadêmica de qualificação
12 ‘O PNE - Sociedade Civil, como ficou conhecido, é uma das mais importantes produções
político-educacionais de nossa história’ (VALENTE, Ivan apud BRASIL, 2001b, p. 11).
30
específica em cursos superiores e, ao atuarem com as crianças, devem estar em constan- As políticas públicas
recentes para a
te harmonia com o trabalho pedagógico, o desenvolvimento e a aprendizagem delas. infância no Brasil
O PNE apresenta, ainda, outras considerações importantes acerca das práticas pe-
dagógicas no processo unitário de desenvolvimento da criança, apregoando que:
31
POLÍTICA A educação infantil, parte integrante da educação básica atribuída aos municí-
EDUCACIONAL pios, convive com algumas questões: o esvaziamento da concepção de direito
BRASILEIRA
conquistado e expresso na Constituição de 1988, a secundarização dentre as
prioridades municipais, a cobertura insuficiente e a premente necessidade de
construção coletiva de uma proposta pedagógica inserida no reordenamento
dos sistemas de educação dos municípios.
Embora o PNE garanta o direito das crianças pequenas a essa primeira etapa da
educação básica, o Brasil enfrenta, ainda, imensas dificuldades no sentido de garantir
a educação infantil, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. Com a des-
centralização do financiamento13 da educação infantil dos recursos estaduais e federais
e com a centralização dos recursos nos municípios, o grande desafio é cumprir os
propósitos estabelecidos para esse nível de educação. O PNE, através de seus objetivos
e metas para um período de cinco anos, estabelece um percentual crescente de aten-
dimento nas creches e pré-escolas para as crianças de 0 a 6 anos14.
Para que isso ocorra, são necessárias políticas educacionais capazes de promover o
acesso das crianças pequenas a uma educação infantil de qualidade por intermédio de
um número suficiente de vagas em todos os municípios.
O texto das Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2000, p. 6),
discorrendo acerca da gestão nas políticas municipais para a infância, faz a seguinte
observação:
A Lei 9.424/96 (Fundef )15 determina que, no mínimo, 25% dos valores referentes
aos impostos repassados pela União ao município deverão ser aplicados em favor da
manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental. Contudo, não estabelece ne-
32
nhum percentual que possa ser destinado à Educação Infantil que, também, encontra- As políticas públicas
recentes para a
-se sob a responsabilidade dos municípios. Dessa forma, a Educação Infantil, muitas infância no Brasil
Referências
33
POLÍTICA BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988.
CONVENÇÃO sobre os direitos da criança [S.l.: s.n.], 1989. Disponível em: <http://
www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf>. Acesso
em: 15 nov. 2016.
DEMO, P. Educação pelo avesso: assistência como direito e como problema. São
Paulo: Cortez, 2000.
35
POLÍTICA POLÍTICA Nacional de Educação Infantil. Brasília, DF, dez. 1994. Disponível em:
EDUCACIONAL
BRASILEIRA <biblioteca.claretiano.edu.br/phl8/capas/poli.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.
Proposta de Atividade
Anotações
36
2 O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
necessárias
Marta Lúcia Croce
INTRODUÇÃO
Aristóteles é considerado pelos educadores, estudiosos da filosofia e da ciência
política como o primeiro filósofo que relacionou o sentido de ‘política’ com o de ‘as-
sociação humana’, desde a concepção mais simples (família, grupos, clãs) até a mais
complexa (Estado, cidade). Para ele, a política se efetiva a partir da supremacia das
relações que se estabelecem entre os indivíduos e que são regidas pelo poder de uns
sobre os outros, no mundo natural.
Esse princípio aristotélico nos permite compreender as inter-relações humanas,
caracterizadas pelo sentido de autoridade, que se apresentam tanto na família quanto
nos demais agrupamentos sociais. Explica, também, os elementos estruturantes e as
bases de poder e troca que compõem o que conhecemos por ‘cidade’ e ‘ Estado’. São
relações que têm primazia sobre os indivíduos, já que ‘[...] o todo tem prioridade
sobre as partes [...]’ e ‘[...]o estado é ao mesmo tempo natural e precede o indivíduo’
(ARISTÓTELES, 2006).
Com as transformações ocorridas na trajetória do homem sobre a terra, ao longo
dos séculos, desde a antiguidade, o conceito de política sofreu um desgaste de cunho
filosófico e prático, moral e ético, nunca sequer sonhado pelos pensadores antigos.
Todas as primeiras noções de estado, democracia e relações de poder adquiriram ma-
quiagens diferentes a cada novo ciclo da humanidade. A história descreve essa traje-
tória e nos deixa cientes do poder do homem sobre o seu próprio destino a partir do
sistema político, que pode ser autoritário, autocrático, democrático.
Retomando Aristóteles (2006), e em conformidade com o que a história confirma,
podemos enunciar que o modo de organização da sociedade, as leis e normas que a
regem são determinações dadas pelos homens agindo de acordo com a sua natureza.
No que concerne ao nosso atual momento histórico, almeja-se um sistema democráti-
co, em nome do bem estar coletivo e da igualdade de direitos, para todos os cidadãos.
Na sociedade democrática, ainda nos valendo dos ensinamentos aristotélicos, é
imprescindível a participação de todos para a tomada de decisões que visem ao bem
37
POLÍTICA comum. Sem a participação dos indivíduos na formulação de leis e na vigilância e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA manutenção da ordem, em todos os setores da vida social, podemos nos deparar com
uma descaracterização do estado democrático, com o benefício de alguns em detri-
mento ao direito de outros. Logo, é a participação ativa do cidadão nas decisões do
Estado que garantirá o exercício da cidadania e a realização do bem comum, como
princípio de democracia.
A partir destas considerações e para que possamos diferenciar, ao longo do texto,
as políticas públicas implantadas pela União, chamaremos de ação do Estado tudo o
que se refere às normas, programas e projetos do governo federal. Trata-se, todavia, de
uma breve análise das políticas educacionais brasileiras a partir da legislação vigente e
das ações políticas que, revestidas de uma ideia democrática, implantam-se na esfera
ampla do Estado e no cotidiano dos indivíduos.
É importante lembrarmos que é em Aristóteles que encontramos as bases do direi-
to democrático e a premissa de que este somente se efetiva se houver ação do indiví-
duo nas decisões do Estado. Para que isso se torne verdade, tanto Aristóteles, na anti-
guidade clássica, quanto para os estudiosos contemporâneos e os cidadãos comuns,
a principal necessidade do homem é a liberdade. Sem ela os indivíduos deixam de
viver plenamente a democracia, e viver democraticamente significa usufruir de plena
liberdade. Indivíduos livres podem participar ativamente do processo de planejamen-
to e implementação das normas legais, que têm como função determinar e organizar
a sociedade humana.
Não nos caberá, neste capítulo, questionar ou refletir sobre o que se define e o
que se vive como democracia ou o ‘ser democrático’, mas queremos expor o que está
estabelecido nas leis do Estado para que cada um de nós possa usufruir da vida cidadã.
Ser cidadão é ser livre e ser livre perpassa pela plena convicção do que é ser livre e de
que a liberdade é uma prerrogativa da educação. Somente pela educação alcançamos
o status de seres humanos conscientes da nossa liberdade cidadã.
Vale ressaltar que Aristóteles e os autores contemporâneos, escolhidos para guiar-
-nos nas discussões contidas neste texto, podem nos fornecer a fundamentação neces-
sária ao entendimento do discurso e das ações políticas que determinam a organização
do Estado. Por conseguinte, nos auxiliam na compreensão do papel da educação esco-
lar e de sua função social, enquanto comunidade organizada institucionalmente livre
e democraticamente ativa.
De acordo com A Política de Aristóteles, os Estados devem se manter livres e ínte-
gros na sua forma de governo, o que se consegue combinando educação e Constituição.
O mais importante meio para a conservação dos Estados, mas também o mais
negligenciado, é fazer combinarem a educação dos cidadãos e a Constituição.
38
Com efeito, de que servem as melhores leis e os mais estimáveis decretos se não O Ensino Fundamental
se acostumar os súditos a viverem segundo a forma de seu governo? [...] Ora, no Brasil: considerações
necessárias
educar os súditos em consonância com o Estado, não é adular os grandes ou o
povo, nem empenhar-se em comprazê-los, mas acostumar os cidadãos a manter
sua oligarquia ou democracia (2006, p. 242).
Este excerto nos remete à defesa aristotélica de que leis gerais ou específicas visam
sempre ao bem comum e priorizam a garantia do bem estar do Homem e da sua quali-
dade de vida em comunidade. No entanto, ele também nos é de grande valia para que
possamos compreender que as formulações legais, imprescindíveis à manutenção do
Estado e da cidade, afetam, sobremaneira, a vida do cidadão e que ser cidadão é ter o
direito de participar e de interferir efetivamente nas ações políticas, garantindo, assim,
o estabelecimento e a manutenção do bem comum, da democracia.
Buscando ainda os clássicos, ao estudarmos Marx (apud REGO, 1991), passamos a
conceber uma outra noção de Estado, ‘[...] destituído da áurea de superioridade entre
os homens...] (p. 1). Em conformidade com Rego, (1991) essa noção se amplia com
Gramsci, proeminente intelectual italiano do final do século XIX início do XX, e do
qual transcreve as ideias de Estado a partir das forças sutis que permeiam as decisões
de poder:
[...] que desenvolve uma visão mais elaborada e complexa sobre a sociedade e o
Estado. Para ele o Estado é força e consenso. Ou seja, apesar de estar a serviço
de uma classe dominante ele não se mantém apenas pela força e pela coerção
legal; sua dominação é bem mais sutil e eficaz (REGO, 1991, p. 1).
39
POLÍTICA um número elevado de programas e projetos governamentais, que neste momento
EDUCACIONAL
BRASILEIRA estão em pleno vigor no Brasil. São documentos que citamos, na continuidade deste,
pois tratam-se das decisões que se sobressaem como política pública voltada para a
educação fundamental. Daremos ênfase para os planos, programas e metas do atual
governo federal, que serão desenvolvidos em parceria com estados e municípios.
Finalizamos este capítulo expondo os dados apresentados na contabilização das
matrículas iniciais no Ensino Fundamental, referentes aos anos de 2008 e de 2009. Uti-
lizando os dados fornecidos pelas escolas é possível, ao Estado, averiguar o número de
alunos que se matriculam e frequentam as escolas de Ensino Fundamental. Além disso,
vários mecanismos e instrumentos de avaliação coletam dados relativos ao funciona-
mento da escola e de como ocorre o resultado do processo de ensino e aprendizagem,
como é o caso da Prova Brasil
O conjunto de resultados obtidos nas avaliações nacionais formam o Ideb (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica), que permite conhecer o número de alunos
que frequentam a escola, os evadidos e os excluídos do processo por razões várias.
Para Saviani (2009), o Ideb acrescenta maior credibilidade aos ‘[...] pontos de estran-
gulamento[...]’ e auxilia na tomada de ‘[...] medidas para saná-los [...]’ (p. 43).
40
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e O Ensino Fundamental
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimen- no Brasil: considerações
necessárias
to da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho (BRASIL, 1988).
41
POLÍTICA implementação de políticas sociais e educacionais. Tenta-se incorporar essas políticas
EDUCACIONAL
BRASILEIRA às estratégias de reforma educacional com relativo êxito, considerando as dimensões
continentais e a diversidade cultural do país.
Pontos importantes devem se constituir em temática de estudos acadêmicos, para
que possamos partilhar democraticamente dos rumos traçados para a educação fun-
damental. Ressaltamos os seguintes aspectos, que podem ser objeto de reflexões por
parte dos educadores:
42
Um aspecto que merece atenção, quando o assunto trata de decisões e ações de O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
cunho político, é o entendimento do termo políticas públicas. Mesmo entre especia- necessárias
43
POLÍTICA Na estruturação do Ensino Fundamental, o que observamos são políticas que pre-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA veem captação de recursos humanos, materiais e financeiros, mediante programas es-
pecíficos. Fonseca (1992) realizou estudo minucioso acerca da interferência dos agen-
tes financiadores mundiais na educação e no planejamento e execução dos programas
de apoio social. Deixa explícito, em seus textos, os mecanismos de manipulação des-
ses agentes nas decisões políticas do Estado brasileiro, o que não passou em vão no
contexto da organização e mobilização da sociedade pela emancipação do poder do
Estado.
A resposta da sociedade civil veio a partir dos estudos, críticas e denúncias feitas
a esse tipo de soberania internacional. No dia 5 de outubro de 1999 foi lançada a
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, um movimento criado com o propósito
de efetivar os direitos educacionais garantidos pela Constituição Federal de 1988 e
firmados na LDBEN 9394/96, visando ao acesso dos indivíduos à escola pública de
Ensino Fundamental.
Essa Campanha se mantém até hoje e foi ampliada para interferir em toda a Educa-
ção Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Sua prerrogativa
é a garantia de que todo cidadão e toda cidadã tenha acesso a uma educação pública
de qualidade. No site da Ação Educativa (2010), encontramos a seguinte definição da
Campanha:
É uma rede social que articula mais de 200 entidades de todo o Brasil, incluin-
do sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais, universi-
dades, grupos estudantis, juvenis e comunitários e muitas outras pessoas que
acreditam que um país cidadão somente se faz com uma educação pública de
qualidade. É dirigida por um comitê diretivo nacional composto por dez entida-
des, do qual faz parte a Ação Educativa, e possui comitês regionais em vários lo-
cais do Brasil. É a articulação mais plural e ampla no campo da Educação Básica.
44
Desenvolvimento da Educação Básica) –, criado para substituir o FUNDEF (Fundo O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
de Desenvolvimento do Ensino Fundamental); ao PAR (Plano de Metas Compromisso necessárias
Todos Pela Educaçâo) –, que permite diagnosticar e definir ações articuladas entre
estados e municípios; o PDE - ESCOLA/MAIS EDUCAÇÃO –, um programa voltado ao
planejamento estratégico das escolas da rede pública, além de outros projetos que
preveem a capacitação docente em serviço, dentre outros.
Quando se trata de políticas públicas para a educação, variados tipos de programas
e projetos encontram-se implementados no país. O objetivo é ampliar e manter o
Ensino Fundamental e, sendo ele prioridade legal e política, é administrado de modo
diferenciado e recebe incentivos econômicos e sociais diversos.
Com o propósito de estabelecer condições para a permanência do aluno na escola,
o Artigo 32 da LBD 9. 394/96 garante aos estabelecimentos de Ensino Fundamental
a adoção do sistema de ciclos com a progressão continuada. Para Neubauer (2000),
trata-se de uma mudança significativa nas relações entre a escola, a aprendizagem e o
aluno.
Na proposta de progressão continuada, o Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries foi
o precussor do sistema de ciclos. Divididas em duas etapas, as séries iniciais passaram
a incorporar uma nova filosofia de aprendizagem. O aluno deixou de ser visto como
um repetente em potencial e passou a receber atenção e cuidados na superação de
suas dificuldades de aprendizagem.
Neubauer (2000, p. 36) opina:
De acordo com esta nova filosofia educacional torna-se, por exemplo, inadmis-
sível à escola, ao final de um ano escolar, ou melhor, de meros 10 meses, consi-
derar um aluno como inepto total porque não aprendeu o que era ‘idealmente’
esperado, num intervalo de tempo teoricamente ‘ideal’. Ela exige respeito aos
diferentes ritmos de aprendizagem, característica própria dos seres humanos.
45
POLÍTICA O Censo Escolar assume, assim, importantes dimensões políticas ao fornecer ele-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA mentos para o cálculo de indicadores importantes para os rumos da educação funda-
mental, como o IDEB e INEP. Em 2009, os dados parciais do Censo Escolar mostraram
que houve menos matrículas iniciais em relação a 2008, com milhares de vagas dispo-
níveis na escola pública brasileira, em 2009.
O quadro abaixo nos mostra os resultados obtidos pelos censos de 2008 e 2009,
referentes às matrículas iniciais no Ensino Fundamental. Para cada tipo de estabeleci-
mento de ensino foram coletados e analisados dados que servem de elementos neces-
sários para a reorganização ou manutenção das políticas públicas para a educação. Não
podemos nos esquecer de que as leis, decretos, programas e planos federais, descen-
tralizados para estados e municípios, visam ao acesso e à permanência do brasileiro
nas escolas públicas de 1ª a 9ª séries.
2008 2009 2008 2009 2009 2008 2009 2009 2008 2009 2009
A partir dos dados acima, é prudente nos reportarmos a uma pesquisa realizada
pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (NEPP/Unicamp), no ano de
1998, quando se chegou à conclusão de que ‘[...] é preciso fortalecer as capacidades
administrativas das escolas e das administrações municipais em simultâneo’. Após dez
anos da pesquisa, ainda constatamos uma enorme defasagem na procura pela escola
pública e os aspectos a serem observados no processo de descentralização e gestão do
ensino fundamental continuam os mesmos apontados pelo NEPP. São os político-so-
ciais, os legais, os administrativos e os pedagógicos.
Como estas, várias são as pesquisas que apontam para a emergência de ações polí-
ticas consistentes e duradouras para a educação escolar. Desde 1998, muita coisa mu-
dou no cenário nacional, com repercussão significativa para os estados e municípios.
Entretanto, foi-nos possível verificar que o acesso ao Ensino Fundamental público ain-
da é pequeno diante da demanda nacional.
46
As medidas legais de cunho político, advindas do poder do Estado, parecem con- O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
duzir a educação a novos patamares de qualidade, o que se tornaria uma forma de necessárias
resgate da escola pública. Por outro lado, são inúmeras as ações que se contrapõem,
favorecendo a duplicidade de entendimento do que realmente se deseja e faz o Estado
em prol da educação.
Gil (2009/2010), em artigo publicado na Revista Nova Escola/ Gestão Escolar n° 5
de dez.2009- jan. 2010, expõe que:
O Brasil buscou, por mais de 70 anos, ter um documento que balizasse as ações
em Educação nos estados em diversos níveis e modalidades. Após muitas ten-
tativas, conseguimos. Está em vigor, desde 2001, o Plano Nacional de Educação
(PNE), lei aprovada pelo Congresso Nacional que abrange ações até 2011 (Lei
nº 10.172/2001). Mesmo assim, o Ministério da Educação (MEC) lançou, em
2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com intervenções pre-
vistas até 2022. Dois planos educacionais vigorando no mesmo país (p. 12).
Ao instituir o PDE, o governo federal atribui à União, aos estados e municípios, atra-
vés do Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007 e outras determinações de cunho legal
que a ele se seguiram, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, descrito
em Saviani (2009) como sendo de grande importância no quadro das atuais políticas
públicas para a educação:
CONCLUSÃO
Quando direcionamos o olhar para a escola de Ensino Fundamental, algumas con-
siderações devem ser feitas a fim de que seja possível compreendermos as suas carac-
terísticas específicas e o seu funcionamento. Uma reflexão acerca das políticas que
47
POLÍTICA buscam promover uma educação para todos, com qualidade de ensino, pode repre-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA sentar um diferencial interessante na prática educativa.
Percebemos um consenso entre governantes e educadores quanto à necessidade da
implementação de políticas públicas que promovam maior igualdade entre os indiví-
duos. Também há concordância quanto ao fato de que a educação é um dos principais
meios para se chegar a uma sociedade mais justa, ou seja, para a garantia dos direitos
do cidadão.
Ao se ter como foco a projeção social da escola através da garantia na qualidade do
ensino e da aprendizagem, verificamos a importância das políticas para a educação e
as ações pedagógicas decorrentes das posturas políticas dos educadores. Uma escola
de boa qualidade deve possibilitar a apropriação do conhecimento socialmente rele-
vante, garantir a construção de valores universais e perpetuar as tradições culturais,
de modo que todos se sintam identificados, ao mesmo tempo que instrumentalizados
para compreender o mundo contemporâneo, co-participando da construção da or-
dem democrática.
Objetivando o bem estar comum e as realizações coletivas, as decisões políticas
para a educação podem se transformar em projetos bem estruturados. Evidenciá-los
no planejamento educacional do Estado é dever dos governantes, concretizá-los junto
à sociedade é a luta de todos os cidadãos. Um conhecimento maior dos fatores que in-
terferem no encaminhamento da educação escolar certamente acrescenta o diferencial
necessário à construção da cidadania, em uma visão democrática e justa
Depois das informações e considerações apresentadas neste capítulo, podemos in-
ferir que, no encaminhamento de ações transformadoras para a educação brasileira,
não bastam decisões políticas ou programas de auxílio à comunidade. Muito menos
precisamos de ações políticas impostas, desconectadas da participação real da socieda-
de. É necessário, mais do que tudo, o envolvimento de todos os cidadãos, educadores,
governantes e membros da comunidade escolar com o propósito real de modificar os
meios de implementação das políticas educacionais.
É preciso concordarmos com Freire (1998), quando sugere que se passe da cultura
da queixa para a cultura da transformação. Um desafio que se impõe à formação dos
profissionais de um modo geral, especialmente daqueles ligados à educação. Desafio,
porque costumamos reclamar, encontrar defeitos, criticar irrefletidamente os proble-
mas verificados na realidade. Conhecer para transformar constitui-se em um novo pa-
radigma cultural.
Além disso, o que nos é atribuído, enquanto cidadãos do estado democrático aris-
totélico, é a crítica própria de um homem livre, que questiona e constrói o hábito da
reflexão e da participação. O caminho para a construção de uma educação fundamental
48
de qualidade perpassa a lógica do tempo e nos encaminha a responsabilidades educa- O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
tivas e sociais coerentes e eficazes. necessárias
É num tempo como esse que nós, educadores e educadoras, nos vemos moral-
mente obrigados, mais do que nunca, a fazer perguntas cruciais e vitais sobre
nosso trabalho e nossas responsabilidades, a fim de respondê-las com propos-
tas e ações coerentes e eficazes (p. 104).
Referências
49
POLÍTICA BRASIL. Ministério da Educação. O que é o Plano Decenal para todos. Brasília, DF:
EDUCACIONAL
BRASILEIRA MEC/SEF, 1993.
GIL, Juca. Nossos planos. Revista Nova Escola: Gestão Escolar, São Paulo, Ano 1, n.
5, dez. 2009/ jan. 2010.
50
SAVIANI, Dermeval. PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação: análise crítica da O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
política do MEC. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. necessárias
Proposta de Atividade
1) Selecionar dois autores que tratem de políticas educacionais voltadas ao Ensino Funda-
mental no Brasil e separar os textos que permitam a você discorrer sobre As ações dos
governos federal, estadual e municipal, em prol da melhoria da qualidade no Ensino
Fundamental.
Anotações
51
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
52
3 O Ensino Médio
no Brasil: política
educacional pós-1988
Lúcia Vitorina Bogo / Amélia Kimiko Noma
53
POLÍTICA público subjetivo’ (implica que pode ser pleiteado no Judiciário) e que ‘O não-ofere-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente’ (BRASIL, 1989, p. 139, grifo nosso).
O que representaria instrumentos legais importantes para o cumprimento do es-
tabelecido na Lei Maior foi desregulamentado com a aprovação da Emenda Constitu-
cional nº 14, de 13 de setembro de 19961, que atribuiu nova redação ao Artigo 208 da
Constituição Federal, restringindo direitos antes assegurados, nos seguintes termos:
‘Art. 208 [...] ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressi-
va universalização do ensino médio gratuito’.
No que concerne à organização dos sistemas de ensino e financiamento da edu-
cação, o Artigo 3º da Emenda Constitucional promoveu alterações no Artigo 211 da
Constituição, nos termos da lei, determinando que :
Constatamos que a citada Emenda cumpre o seu objetivo primordial, o que, segun-
do Saviani (2000), ‘é o de redefinir o papel do MEC, que ocupava uma posição lateral
na questão relativa ao ensino fundamental, de modo a colocá-lo no centro da formu-
lação, avaliação e controle das políticas voltadas para esse nível de ensino’ (SAVIANI,
2000, p. 35). O autor acrescenta que as intencionalidades presentes na elaboração da
referida Emenda justificam-se mediante a preocupação com a alocação e administra-
ção dos recursos financeiros, destinados ao Ensino Fundamental, em âmbito nacional,
oriundos da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
mental e de Valorização do Magistério (Fundef ).
Os legisladores que elaboraram a Constituição Federal de 1988 delegaram para o
Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, a responsabilidade da articulação do
ensino em seus diversos níveis, de maneira a promover a ‘formação para o trabalho e a
promoção humanística, científica e tecnológica do País’ (BRASIL, 1989, p. 141). Porém
não responsabilizaram o Estado pela efetiva garantia do acesso e da permanência dos
54
jovens em instituições públicas e gratuitas, exatamente nos níveis e modalidades de O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
ensino que podem e devem dar conta desses objetivos. pós-1988
A Educação para Todos, coincidiu com, ou contribuiu para suscitar (ou ressusci-
tar), um importante movimento de expansão e reforma em torno da educação
básica, gerou múltiplas iniciativas e descobriu novos recursos humanos e finan-
ceiros tanto internacional como nacionalmente. Programas e projetos novos –
vários deles inovadores – vieram à luz nos últimos anos, em um clima geral que
favorece a inovação e a experimentação (TORRES, 2001, p. 25).
55
POLÍTICA A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 reforça, entre os prin-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cípios e fins da educação nacional, o disposto na Constituição Federal, determinando
que:
A educação, dever da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvi-
mento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifica-
ção para o trabalho (BRASIL, 1999a, p. 39).
56
acobertam os velhos interesses e vícios das elites conservadoras’, os quais são, histori- O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
camente, de caráter privatista. pós-1988
3 Aprovada a legislação que deu o suporte legal para as reformas educacionais realizadas na
década de 1990, o MEC, a partir de 1997, passou a articular a elaboração das Diretrizes Curri-
culares para os diferentes níveis e modalidades da Educação Nacional. As Diretrizes Curriculares
Nacionais foram elaboradas à luz das orientações das conferências mundiais sobre educação e
relatórios das organizações interessadas em promover uma educação de qualidade nos países da
América Latina. Em 1998, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio; em 1999, as Diretri-
zes Curriculares para a Educação Profissional de Nível Técnico e para a Educação Infantil; em
2000, as Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos, em 2001, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Especial, na Educação Básica. Também foram formu-
ladas as Diretrizes para os Cursos de Ensino Superior. Tratou-se, portanto, de um esforço con-
centrado, no sentido de reformar todo o sistema de ensino nacional. Decorrente das Diretrizes
Curriculares Nacionais, a equipe do MEC, responsabilizou-se, também pela organização dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a Educação Básica.
4 Utilizamos como referência a Resolução da CEB nº 03/98 e Parecer CEB/CNE nº 15/98
presente na edição dos ‘Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio’ publicada pelo Mi-
nistério da Educação em 1999, na qual se encontra, também, a LDB nº 9.394/96.
57
POLÍTICA Integrando o conjunto de medidas implementadas pelo MEC no final da década
EDUCACIONAL
BRASILEIRA de 1990, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNEM) foram apresentadas
como a nova proposta para o ensino, definindo como um de seus objetivos a supe-
ração da histórica dualidade entre formação geral e formação profissional, que se fez
presente na legislação brasileira até então. A opção por um ensino voltado para o de-
senvolvimento da capacidade de pesquisar, criar e analisar, entre outras, se fez median-
te a justificativa oficial de que ‘o volume de informações, produzido em decorrência
das novas tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para
a formação de cidadãos’ (BRASIL, 1999b, p. 15).
As DCNEM, a partir de um discurso convincente, apresentam a estética, a política
e a ética como os fundamentos da organização do Ensino Médio, os quais têm a tarefa
de promover a sensibilidade, a igualdade e a identidade5. Em uma primeira leitura, é
possível relacionar os fundamentos da reforma do Ensino Médio com a preocupação
em formar sujeitos capazes de estabelecer relações sociais mais humanas e justas, uma
vez que o texto reúne categorias que provocam impacto discursivo e que mascaram
seu caráter contraditório e ideológico. Todavia, a análise dos subsídios teóricos das Di-
retrizes permite a compreensão de que os processos de produção de identidade e da
subjetividade encontram-se condicionados pela intensa massificação produzida pela
sociedade do consumo e da informação, além da instabilidade dos papeis que o sujeito
precisa exercer no período de sua existência. A sensibilização estética, por sua vez,
contribui para tornar o indivíduo predisposto ao jogo midiático que seduz e convence
sobre necessidades muitas vezes inexistentes, satisfeitas pelos processos de consumo
compulsivo. A ética da identidade delineia o ethos individualista de uma sociedade di-
vidida em classes sociais, sobrepujando os interesses particulares sobre as necessidades
e interesses coletivos. A política da igualdade busca tornar iguais os diferentes, em uma
perspectiva de aceitação da diferença pautada em uma inclinação à tolerância; atitudes
que carregam as marcas das relações de poder presentes na sociedade capitalista.
As DCNEM ressaltam que ‘a formação básica a ser buscada no Ensino Médio reali-
zar-se-á mais pela constituição de competências, habilidades e disposições de con-
dutas do que pela quantidade de informação’. Estas incluem: ‘Aprender a aprender e a
pensar, a relacionar conhecimento com dados da experiência’ (BRASIL, 1999d, p. 87,
grifo nosso). Ao propor uma organização curricular enfatizam-se, entre outros objeti-
vos, os apresentados a seguir:
58
a) priorizar conhecimentos e competências de caráter geral que dêem conta O Ensino Médio no Brasil:
de preparar tanto para a inserção profissional, quanto para a continuidade dos política educacional
pós-1988
estudos;
b) os conteúdos devem servir de meio para a constituição de competências e
valores;
c) as estratégias de ensino utilizadas devem primar pelo uso do raciocínio e
de outras competências cognitivas superiores e menos pela memória (BRASIL,
1999d, p. 87).
Ao descrever as áreas que compõem o currículo para o Ensino Médio, destaca que
as propostas pedagógicas deverão estabelecer ‘os conteúdos a serem incluídos em
cada uma delas, tomando como referência as competências descritas’ (BRASIL, 1999d,
p. 107). Na sequência do texto, são apresentadas as competências e as habilidades que
compõem o objetivo do trabalho em cada uma das três áreas do conhecimento.
Ao referirem-se aos conhecimentos e competências, as diretrizes assinalam que
precisam garantir o acesso ‘aos significados verdadeiros sobre o mundo físico e social’
(BRASIL, 1999d, p. 79). O papel assumido pelas competências e conhecimentos é
expresso da seguinte forma:
59
POLÍTICA processos produtivos contemporâneos. A autora pontua que os processos de formação
EDUCACIONAL
BRASILEIRA humana não podem se restringir a essas exigências sob o risco de legitimarem as ‘cons-
truções curriculares centradas na prática, que subordinam os conceitos aos limites de sua
instrumentalidade ou das formulações espontâneas’ (RAMOS, 2002, p. 418). É, portanto,
a apreensão e construção dos conceitos científicos inscritos em práticas sociais concretas
que possibilitará ao sujeito a superação do saber fragmentado e reprodutivista, através da
apropriação dos fenômenos sociais, naturais e culturais em sua totalidade.
Encontramos, nas DCNEM, referência, de forma explícita, aos eixos norteadores
das políticas a serem efetivadas pelos órgãos estaduais, a fim de apoiar a implementa-
ção do currículo do Ensino Médio:
Nos últimos 10 anos, quase todos os países da América Latina iniciaram reformas
educacionais resultantes, em grande medida, de um processo de indução ex-
terna articulado com as políticas de organismos internacionais de empréstimos
para os países da região. A necessidade dessas reformas foi justificada mediante
a publicação de pesquisas que evidenciaram os logros e deficiências do sistema
educativo à luz dos condicionantes da reestruturação do setor produtivo e das
mudanças institucionais, que alteram a estrutura do Estado e das relações sociais
no âmbito de uma nova ordem mundial (ROSAR; KRAWCZYK, 2001, p. 34).
61
POLÍTICA O Plano Nacional reforça, entre os seus objetivos e metas, a criação de Conselhos
EDUCACIONAL
BRASILEIRA que incentivem a participação da comunidade na gestão, manutenção e melhoria das
condições de funcionamento das escolas e acrescenta como meta ‘assegurar a autono-
mia das escolas, tanto no que diz respeito ao projeto pedagógico como em termos de
gerência de recursos mínimos para a manutenção do cotidiano escolar’ (DIDONET,
2000, p. 83). Por conseguinte, o discurso continua articulado no sentido de desres-
ponsabilizar o Poder Público quanto ao financiamento da educação, convocando a
comunidade para assumir o ônus da manutenção das instalações e equipamentos. Re-
vela-se, desta forma, o que significa o grau de autonomia concedido a cada instituição
escolar, por parte do governo, reforçando as análises anteriores deste trabalho.
Em 20 de junho de 2007, foi sancionada a Lei 11.494/2007 que regulamentou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb)7 em substituição ao Fundef. A lei contempla, além
do Ensino Fundamental, a Educação Infantil e o Ensino Médio, incluindo a Educação
de Jovens e Adultos, ampliando as fontes de arrecadação. Contudo, o atendimento
do Ensino Médio, em termos de acesso aos recursos do financiamento público ainda
dar-se-á de forma gradativa, apesar de que esse pode ser considerado um sinal de
avanço rumo ao alcance das metas estabelecidas e do cumprimento da concepção de
educação básica que inclui o Ensino Médio como etapa constituinte, uma vez que é de
comum acordo que sem recursos não é possível alcançar ensino de qualidade.
A partir de 2004, no país, foi desencadeado um processo de discussão da Educação
Básica, que resultou em muitos documentos, políticas e programas emanados do Mi-
nistério da Educação, implicando em proposições de reorganização do Ensino Médio,
dentre elas o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educa-
ção Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)8.
As articulações realizadas para a efetivação da Conferência Nacional da Educação
Básica, em abril de 2008, em Brasília, foram precedidas de conferências municipais e
estaduais, no ano de 2007, por meio das quais foram discutidas questões emergen-
tes da Educação Básica, evidenciando a necessidade da ampliação do diálogo com
a Educação Superior e os limites que dificultam a realização de um Ensino Médio
que atenda à formação nessa etapa da escolarização com a qualidade necessária à
formação do trabalhador na perspectiva do trabalho, da cidadania, da tecnologia e da
cultura, ultrapassando os limites mercadológicos historicamente presentes nessa etapa
7 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11494>.
8 Informações disponíveis em: <http://portl.mec.gov.br/setec>.
62
da escolarização. Em 2009, houve novas conferências municipais e estaduais, com a O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
intencionalidade de discutir o documento base da Conferência Nacional de Educação, pós-1988
prevista para abril de 2010, em Brasília, quando, conforme propalado, serão delimi-
tadas as metas para o novo Plano Nacional de Educação a partir das deliberações dos
diferentes estados. Alertamos que é preciso acompanhar e avaliar com cuidado os seus
desdobramentos futuros.
Em fevereiro de 2009, o Ministério da Educação encaminhou ao Conselho Nacional
de Educação documento intitulado ‘Proposta de experiência curricular inovadora do
Ensino Médio’, sintetizando programa a serem implantados em regime de cooperação
com os sistemas estaduais de ensino, sob responsabilidade da Secretaria de Educação
Básica do MEC’ conforme Parecer CNE/CP nº 11/2009, aprovado em 30 de junho de
20099 (BRASIL, 2009a, p. 1). Nesse referido Parecer, consta que se trata de um progra-
ma de apoio para ‘promover inovações pedagógicas das escolas públicas (estaduais,
inclusive Colégios das Universidades Estaduais; e federais, Colégios de Aplicação das
Universidades Federais e Colégio Pedro II)’, com o objetivo de fomentar alterações
identificadas como necessárias na organização curricular do Ensino Médio (BRASIL,
2009a, p. 3). Tal proposta de Programa, em tramitação como Parecer CNE/CP nº 11/09,
prevê a ampliação da carga horária mínima do Ensino Médio, das atuais 2.400 ho-
ras para 3.000 horas, a ênfase na leitura, estímulo às atividades teórico-práticas em
laboratórios, estímulo às atividades culturais, necessidade de dedicação docente em
tempo integral, participação efetiva da comunidade na construção do Projeto Político
Pedagógico e organização curricular articulada com o Sistema Nacional de Avaliação
do Ensino Médio.
Em setembro de 2009, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica e da
Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica, lançou
a publicação intitulada ‘Programa: Ensino médio inovador. Documento orientador’
destinado às Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal (BRASIL, 2009b).
Nesse documento fica especificado a vinculação desse programa com o Plano de De-
senvolvimento da Educação (PDE)10 do Governo Lula. Compete aos educadores per-
manecerem atentos aos processos e movimentos que ocorrem diante de seus olhos;
9 Disponível em <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/parecer_minuta_cne.pdf>.
10 O PDE foi lançado pelo MEC em 24 de abril de 2007 em concomitância à promulgação
do Decreto n. 6.094, que dispõe sobre o ‘Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação’.
Engloba ações de todas as áreas de atuação do MEC, abrangendo níveis e modalidades de ensino
e medidas de apoio e de infraestrutura. Contempla o ensino médio, a ação ‘Biblioteca na Escola’
e pretende colocar obras literárias nas bibliotecas das escolas de nível médio e universalizar a
distribuição de livros didáticos das sete disciplinas que integram o currículo (SAVIANI, 2007).
63
POLÍTICA uma análise cuidadosa permitirá apreender avanços e limites das ações políticas e dos
EDUCACIONAL
BRASILEIRA programas anunciados e conduzidos pelo governo Lula.
Ao situar a reforma do Ensino Médio implementada, em 1990, no contexto mais
amplo das relações sociais, políticas e econômicas que regem a sociedade capitalista,
é possível percebermos que ela foi efetivada com amparo em um discurso envolvente
em que, aparentemente, identificamos a preocupação com a melhoria da qualidade do
ensino vigente, a ampliação na oferta de vagas e a denúncia sobre o caráter anacrônico
dessa etapa do processo de escolarização, ora em função da preparação profissional
voltada para setores do mundo do trabalho que se encontravam saturados de mão-de-
-obra ou que já não eram mais significativos, ora em função das deficiências curriculares
apresentadas quando de caráter propedêutico com fins de preparação para o ingresso
no Ensino Superior11. O Ensino Médio, seja propedêutico ou profissional, sempre assu-
miu um caráter estratégico em razão da população à qual se destina, que inclui jovens
em idade de ingresso no mercado de trabalho, e das demandas desse mercado. Ele é ‘a
linha divisória entre os poucos que irão para as universidades e a imensa maioria que
terá de ingressar logo no mercado de trabalho’ (RIBEIRO, 2002, p. 11).
Vale lembrar que até o momento, constata-se, na reforma do Ensino Médio, a pre-
servação dessa dualidade histórica do tipo de educação que mantém as diferenças
entre as classes sociais. O que significa dizer que duas tendências podem ser identifi-
cadas no conjunto das mudanças de organização do sistema nacional de educação: 1)
oferta de uma escolarização mínima para aqueles que executam ou que virão a efetuar
o trabalho simples; 2) oferta de uma escolarização de natureza científica e de natureza
especificamente tecnológica para os que realizam ou que virão a executar o trabalho
complexo de diferentes níveis (NEVES, 2000).
Não podemos nos esquecer de que, para além do que é propalado no discurso
oficial, as políticas públicas educacionais brasileiras resultam do embate entre as orien-
tações externas e os interesses internos, decorrentes do processo de acumulação capi-
talista, dos conflitos de classe e dos acordos feitos nas esferas de poder que perpassam
11 Não é objetivo deste texto a discussão sobre a relação entre a reforma do Ensino Médio com
a da Educação Profissional e o Ensino Técnico. Porém, faz-se necessário completar a análise com
a discussão da separação da Educação Profissional do Ensino Médio, que a partir do Decreto
nº 2.208/97, passou a integrar o Sistema Nacional de Educação Profissional em paralelo ao
Sistema Nacional de Educação (KUENZER, 2000). Em 23 de julho de 2004, o Decreto nº
2.208/97 foi revogado por meio do Decreto nº 5.154, que regulamenta o artigo 36 (§ 2º) e os
artigos 39 a 41 da LDB nº de 1996 e estabelece a articulação entre o ensino médio e a educação
profissional técnica de nível médio de forma integrada, concomitante e subsequente. Também
deve ser ressaltado o Decreto Federal n. 5.840/06, que instituiu, no âmbito federal, o Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).
64
as instituições do Estado e da sociedade como um todo. Atribuir às instituições inter- O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
nacionais a total responsabilidade pelos resultados que vêm sendo obtidos na reforma pós-1988
Referências
65
POLÍTICA BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Plano decenal de Educação para todos.
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Brasília, DF: MEC, 1993.
BUENO, Maria Sylvia Simões. Políticas atuais para o ensino médio. Campinas, SP:
Papirus, 2000.
KUENZER, Acácia Zeneida. O ensino médio agora é para a vida: entre o pretendido, o
dito e o feito. Educação & Sociedade, Campinas, SP, n. 70, p. 15-39, abr. 2000.
Vozes, 2000.
67
POLÍTICA TORRES. Rosa Maria. Educação para todos: a tarefa por fazer. Tradução de Daisy Vaz
EDUCACIONAL
BRASILEIRA de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2001.
Proposta de Atividade
Anotações
68
4 Políticas Públicas para
a Educação Superior no
Brasil: de FHC a Lula
Mário Luiz Neves de Azevedo / Afrânio Mendes Catani
INTRODUÇÃO
Tratar sobre a história recente é desses empreendimentos controversos, pois con-
forme a epígrafe, o que abordamos no presente capítulo refere-se ao que é mais próxi-
mo, no tempo e no espaço, a cada um que vive no campo universitário. Não é demais
advertir que este capítulo é uma análise das políticas públicas a respeito da educação
superior, como assinala Horácio, ‘de te fabula narratum’.
Dessa forma, metodologicamente, o presente trabalho parte do pressuposto de
que a universidade, ou melhor, o sistema de educação superior no Brasil constitui-se
e pode ser tratado como um campo social. O que significa afirmar que a universidade,
enquanto campo social, é um espaço estruturado de posições em que os atores sociais
travam relações, fazem alianças e lutam entre si, bem como se relacionam com atores
externos que, apesar da autonomia universitária, são capazes de interferir no arranjo
espacial desse mesmo campo. Conforme Bourdieu,
um dos grandes paradoxos dos campos científicos é que eles devem, em gran-
de parte, sua autonomia ao fato de que são financiados pelo Estado, logo co-
locados numa relação de dependência de um tipo particular, com respeito a
uma instância capaz de sustentar e de tornar possível uma produção que não
está submetida à sanção imediata do mercado [...]. Essa dependência na in-
dependência (ou o inverso) não é destituída de ambigüidade, uma vez que o
Estado que assegura as condições mínimas da autonomia também pode impor
constrangimentos geradores de heteronímia e de se fazer de expressão ou de
transmissor de pressões de forças econômicas [...] das quais supostamente li-
bera (2004, p. 55).
Neste sentido, devemos ter em conta que o meta-ator no campo universitário, aliás,
em todos os campos sociais em que se exigem políticas públicas é o Estado. Como
69
POLÍTICA meta-ator, o Estado, cujo conceito é por demais complexo, é o promotor, organizador
EDUCACIONAL
BRASILEIRA e executor das políticas públicas por excelência. O Estado é, portanto, o cadinho geral
no qual os diferentes atores sociais e os diversos tipos de capital (político, econômico,
simbólico, coercitivo) procuram se fazer representar ou estar presentes.
Assim, para compreendermos as políticas públicas, devemos ter a clareza de que
o Estado não é algo homogêneo; é, na realidade, um campo de contradições e lutas.
Em poucas palavras, o Estado é um meta-ator social e também pode ser compreendido
como um metacampo social, ocupado por atores sociais com interesses comuns e,
paradoxalmente, contraditórios. Em suma, o Estado opera políticas públicas que vão
influenciar vários campos sociais, os atores neles estruturados e ainda o conjunto da
população territorial a ele subordinado.
1 É possível postular que o segundo mandato do Governo Lula tenha se marcado por uma
maior regulação e que o mundo, a partir da crise de 2008, esteja menos propenso a adotar po-
líticas de corte liberal ortodoxo.
2 A inspiração dessa mudança na personalidade da universidade foi concebida a partir da matriz
de pensamento de Luiz Carlos Bresser Pereira, que se tornou Ministro da Administração e da
Reforma de Estado (MARE) no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Esse assunto
é pormenorizadamente tratado em SILVA JÚNIOR e SGUISSARDI (1999).
70
As universidades brasileiras, no sentido jurídico, não foram transformadas em or- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
ganizações. Porém, paradoxalmente, mesmo com a preservação (aparente) da autono- Brasil: de FHC a Lula
72
• definição de um modelo de financiamento universitário; Políticas Públicas para
a Educação Superior no
• regulação da transnacionalização (estrangeirização) das IES privadas (30% do Brasil: de FHC a Lula
capital);
• institucionalização da política de cotas para estudantes de escolas públicas, ne-
gros e índios;
• criação, nas universidades públicas e privadas, de um Conselho com a participa-
ção da comunidade, sindicatos, docentes e funcionários;
• controle na criação de novas universidades, devendo, para receber a denomi-
nação ‘universidade’, existir, no mínimo, doze cursos de graduação em pelo
menos três campos de saber, com avaliação positiva do MEC;
• submissão das universidades ao princípio da responsabilidade social, que signi-
fica um compromisso das IES com as demandas sociais locais/regionais;
• regulação das fundações de pesquisa;
• avaliação e credenciamento das IES com vistas a assegurar a qualidade.
73
POLÍTICA consenso em torno de políticas públicas de reforma, pois são o virtual (ideológico) e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA o real (situação crítica) do objeto estatal em reforma.
b) Os fundamentos estratégicos são constituídos pelos fundamentos de política
interna e de política externa. Denominam-se fundamentos estratégicos porque são
as bases de garantia de um possível cenário em que os atores sociais (internos ou
externos) influenciariam a conformação do campo social, apoiando as mudanças no
campo social e vislumbrando suas próprias disposições no espaço em disputa.
Fundamentos ideológicos
No mundo do capital, necessariamente, as políticas públicas recebem um reves-
timento ideológico. Em época de liberalismo mais ortodoxo, como nos governos de
Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, as políticas
públicas estavam mais comprometidas com a mercadorização das relações sociais, o
que pressupunha uma forte inculcação de valores individualistas e pró-privatistas. O
núcleo irradiador da ideologia, em grande medida, era uma fração social que cultiva-
va sentimentos antipúblicos e não-solidários. Esse grupo de difusão ideológica, com
base em referências internacionais, procurava estender ao conjunto da sociedade sua
maneira de pensar.
Todavia, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, a ideologia de mercado é mi-
tigada. A preocupação social, que acompanha governos eleitos com programas de
esquerda, está recebendo a atenção por políticas focalizadas. O ideológico, no Go-
verno Lula, centra-se na defesa da focalização das políticas públicas, descartando-se
as políticas universalizantes, que historicamente foram o forte dos governos de es-
querda. Por exemplo, sem fazer nenhum juízo de valor, as políticas de cotas (focali-
zantes) são as substitutas ‘ideais’ das políticas de massificação da educação superior
(universalizantes).
Notemos que as análises a respeito de políticas públicas têm valorizado muito a
questão ideológica – entretanto esse é só um dos fundamentos das políticas públicas.
É importante na moldagem da política social, mas ideologia sem base material não se
sustenta. O ideológico tem maior poder de convencimento se realmente existe uma
crise no setor público em reforma.
Fundamentos críticos
Ao mencionarmos esse pressuposto, praticamente admitimos que o setor de
destino de uma política pública necessita de uma reforma. Supomos que o analista
(ou o construtor da política) deva fazer uma autocrítica, porque o seu compromisso
com a coisa pública, por vezes, o faz imaginar que não é necessário reconhecer os
74
verdadeiros problemas do serviço público, do atendimento dos cidadãos e de setores Políticas Públicas para
a Educação Superior no
que pertencem à esfera pública. Brasil: de FHC a Lula
PÚBLICA
MATRÍCULAS FEDERAL ESTAD. MUNIC. PRIVADA TOTAL
TOTAL
Participação
12,7% 9,7% 2,7% 25,1% 74,9% 100%
(% s/ total)
Noturno
25,9,% 43,5% 71,6% 37,7% 70,9% 62,6%
(% das matríc.)
Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2008.
75
POLÍTICA Verificamos, na Tabela 1, que existe ociosidade na infraestrutura pública universitá-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA ria no período noturno. As universidades públicas, segundo o INEP, oferecem 37,7%
de suas vagas em cursos noturnos. As IES federais têm 25,9% de suas matrículas à noi-
te; as estaduais possuem 43,5% nessa mesma categoria e as IES municipais (públicas,
porém pagas), mais procuradas pelos alunos trabalhadores, oferecem 70,9% de suas
vagas no período noturno.
Em geral, são as IES públicas estaduais (superior a 40%) e as municipais (pouco
mais de 70%) que apresentam maior oferta de vagas no turno noturno, o que pode
ser considerado como uma forma de democratizar o acesso. Isto é, ocupar o espa-
ço ocioso noturno nos campi públicos federais e estaduais (recordemos que as IES
municipais são pagas) com cursos de graduação seria a oportunidade de se oferecer
educação superior gratuita para alunos impossibilitados de frequentar cursos diurnos
ou integrais.
Entretanto, frisemos, isto poderia contrariar os interesses das IES privadas que têm
seu nicho de mercado, em grande parte (2/3 do total), no período noturno. Isto é, a
massificação encetada a partir dos anos 1990 teve um viés mercadorizante, via oferta
de Ensino Superior pago, e visou a atingir, majoritariamente, o trabalhador-estudante
(ou o estudante-trabalhador) que, em tempos de flexibilidade no mundo do trabalho
e de neoliberalismo, buscou, compulsoriamente, sua formação em nível superior na
iniciativa privada.
Em 2008, de 3.806.091 alunos que estavam matriculados nas IES privadas, 62,6%
estudavam no período noturno. Multipliquemos esse número por mensalidades e che-
garemos a cifras mais que milionárias. Assim, é de se compreender o intuito do MEC
que, a partir de 2003, tem apontado a necessidade de oferecer maior quantidade de
vagas à noite nas IES públicas. Dessa forma, pode-se tentar iniciar a correção dessa
regressiva distorção.
Em resumo, os fundamentos ideológicos e fundamentos críticos, aqui chama-
dos de fundamentos prévios, são a cara e a coroa de uma mesma moeda. O ideoló-
gico, mesmo sendo a falsificação da realidade, funciona como um revestimento dis-
cursivo de um concreto em crise. Qualquer tipo de proposição de reforma somente
encontra eco onde há problemas reais para serem resolvidos e onde há um discurso
ideológico apropriado para o convencimento da opinião pública.
76
forças em construção. Cabe aqui observar que os atores sociais estão em luta constante Políticas Públicas para
a Educação Superior no
por espaços e a implementação de novas políticas apresenta-se como um momento de Brasil: de FHC a Lula
77
POLÍTICA abranger toda a educação superior, o que seria uma oportunidade de se aprovar um
EDUCACIONAL
BRASILEIRA marco regulatório que contemple o conjunto das instituições de educação superior
no Brasil. Esse vaticínio é confirmado em Nota de apoio das entidades das áreas
educacional e científica à reforma universitária, de 17 janeiro 2005, assinada pelas
seguintes entidades: Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC),
Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), Associação Brasileira dos
Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM), Associação Brasileira de
Ciência (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN)
tem se manifestado em oposição ao anteprojeto de reforma universitária desde sua pri-
meira versão. Segundo o documento ‘Agenda para a Educação Superior: uma proposta
do ANDES-SN para o Brasil de hoje’, ‘embora historicamente o ANDES-SN reivindique
uma profunda reforma universitária, tal como fizeram os reformadores de Córdoba,
é forçoso reconhecer que o debate está colonizado pela agenda da modernização, tal
como estabelecida pelo Banco Mundial [...]. A agenda do ANDES-SN trabalha com pre-
missas muito distintas das praticadas pelo governo federal’ (SINDICATO, 2005, p. 1).
Algumas entidades científicas nacionais também se manifestaram de modo reticen-
te ao teor do anteprojeto de reforma universitária do MEC. A nota pública ‘Sobre o
anteprojeto de Lei de Educação Superior’ (versão preliminar), de março de 2005, as-
sinada por representantes da ANPEd, do Conselho Regional da SBPC de São Paulo, do
Conselho Federal de Serviço Social, da Sociedade Brasileira de Biofísica, do Centro de
Estudos Educação e Sociedade (Unicamp), do ANDES-SN, da Adusp, do Instituto Paulo
Freire e da Associação dos Geógrafos do Brasil.
Outras entidades sindicais e associativas, como a Confederação Nacional dos Tra-
balhadores em Educação (CNTE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Es-
tabelecimentos de Ensino (CONTEE), a Federação dos Servidores em Universidades
Brasileiras (FASUBRA), o Fórum de Professores das IFES / oposição sindical cutista
(PROIFES) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), divulgaram uma nota, no dia 28
de março de 2005, tentando expressar um consenso de aprovação em torno da primei-
ra versão do anteprojeto de Lei de Reforma Universitária:
Contraditoriamente, constatamos que o anteprojeto de reforma universitária não
agrada totalmente aos representantes das entidades, porém o documento procura
sintetizar um consenso em torno da necessidade de se aperfeiçoar a proposta: ‘Acre-
ditamos, portanto, que é vital avançar, de forma coletiva e plural, no desenho de uma
Reforma da Educação Superior [...] para o fortalecimento do setor público [...]. Afir-
mamos [...] nossa disposição de contribuir para a ampliação e o aprofundamento do
debate sobre a Reforma’ (ASSOCIAÇÃO, 2005c).
78
Alguns segmentos de trabalhadores nas universidades, representados por entida- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
des sindicais como a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), a Confederação Brasil: de FHC a Lula
79
POLÍTICA censuram o anteprojeto do MEC. As entidades privadas reunidas nesse Fórum assim
EDUCACIONAL
BRASILEIRA expressam:
Cabe destacar que o Fórum não sugere uma simples correção de pontos do
Anteprojeto preliminar, por entender que o mesmo não satisfaz o que o Bra-
sil precisa para criar as âncoras de sustentação de um sistema coerente com
os atuais desafios da educação brasileira. (p. 2). [...] O Fórum entende que
o eixo intervencionista que caracteriza o anteprojeto, não se coaduna com a
atual realidade social brasileira, que é a de fortalecer todos os agentes públi-
cos e privados que procuram por suas iniciativas, dar mais oportunidades à
população, para vencer as barreiras de acesso ao conhecimento e à formação
profissional e cidadã. (p. 3). O Fórum entende que, mais do que controlar o
capital estrangeiro no ensino superior, deve-se dar maior atenção à criação de
programas de apoio e financiamento do intercâmbio de professores e alunos e
buscar a simplificação dos procedimentos de registro de títulos e diplomas e de
acreditação de programas e instituições (FÓRUM, 2005, p. 17).
80
Lula e sócio do grupo Pitágoras, com 50% de participação junto com o grupo norte- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
-americano Apollo, que mantém nos EUA a Universidade Phoenix (Arizona), tem se Brasil: de FHC a Lula
81
POLÍTICA Especificamente a respeito da educação superior no Brasil, o Banco Mundial publi-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cou o Relatório 19392-BR – Brazil: Higher Education Sector Study, em 30 de junho de
2000. A seção 3 tem o sugestivo título de Strategies and Recommendations for Higher
Education in Brazil.
Coerentemente com a história de condicionalidades (im)postas pelo Banco Mun-
dial e com a análise contida no relatório, precedente às recomendações, o documento
do Banco contém um box, sugerindo para o Chile (mas também poderíamos ler ‘no
Brasil’), uma segunda geração de reforma:
6 ‘After almost two decades of reform, Chilean higher education scores high relative to Latin
America in efficiency, coverage, overall quality of Teaching, research productivity, institutional
diversification, and evaluation. However, despite successes in many areas, some difficulties re-
main. The second generation of reform initiatives endeavor to correct problems raised by the
previous reform. Proposed remedial measures include: strengthening public funding for the
improvement of teaching, research, and training of researchers, via competitive mechanisms
and contracts; complementing the current institutional accreditation system with a national
program evaluation scheme; and improving the capacity of public agencies to coordinate the
higher education system’ (WORLDBANK, 2000, p. 15).
82
do INEP (p. 17). Ademais, o documento do Banco Mundial se referencia no HEFCE Políticas Públicas para
a Educação Superior no
(Higher Education Funding Council for England) como exemplo de financiamento Brasil: de FHC a Lula
7 The HEFCE is the largest single source of income for the higher education sector. After
Council grants, tuition fees are usually the only other major source of funding (p. 37).
8 Academic autonomy should be enhanced under a more decentralized system of resource
management (p. 38).
83
POLÍTICA
EDUCACIONAL RELATÓRIO DO POLÍTICAS UNIVERSITÁRIAS
BRASILEIRA BANCO MUNDIAL DO GOVERNO LULA
Melhoria no acesso (improving access) por intermé- Incentivo à educação a distância (Ex. UAB-Universida-
dio da diversificação da oferta de cursos noturnos, da de Aberta do Brasil), PROUNI, cotas, ensino noturno,
educação a distância e do fornecimento de crédito aos criação dos IFETs, maior oferta de vagas nas univer-
estudantes pobres (p. 46). sidades públicas e interiorização da educação supe-
rior. Durante o Governo Lula, até o momento, foram
criadas 12 novas universidades federais e houve um
aumento da oferta de próximo de 1.400.000 vagas na
esfera privada.
Melhoria da relevância (improving relevance) através Os termos ao lado (Relatório do Banco) aparecem de
de maior flexibilidade curricular e do atendimento da maneira semelhante nos documentos oficiais. Além
demanda de empregadores (mercado de trabalho), disso, o anteprojeto de reforma propõe os conselhos
das necessidades locais/regionais e das necessidades comunitários.
do consumidor – estudante (p. 47)
Melhoria da eficiência (improving efficiency) por Criação de um fundo para a educação superior, vincu-
intermédio do mecanismo de aliar a expansão do lação de verbas do MEC para as IFES, maior autono-
sistema à diminuição de recursos, pela possibilidade mia universitária e a instituição do PDI (Plano de De-
de dispor do seu patrimônio, pela maior autonomia senvolvimento Institucional). Novo modelo curricular
das universidades, pela criação de fundos e pelo com a Universidade Nova e REUNI (LIMA; AZEVEDO;
acompanhamento e prestação de contas (accounta- CATANI, 2007)
bility), tendo por base um plano de desenvolvimento
estratégico de cinco anos que, por sua vez, deve ser
fundamentado nos objetivos nacionais traçados pelo
governo federal (p. 48).
Devemos estar atentos às soluções sugeridas pelo Banco, porque, apesar de muitas
propostas coincidirem com o anseio do movimento de democratização da educação
superior, muitas vezes nessas recomendações podem estar embutidos venenos que
piorariam a situação do setor público. Em vez de solidariedade e estímulo ao bem
comum e social, o Banco Mundial pode estar, como um ‘cavalo de Troia’, sugerindo a
inserção no campo universitário de maior dose de competição e de um processo de
mercadorização mais intenso.
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS Políticas Públicas para
a Educação Superior no
Pelas características da reforma proposta e das recomendações do Banco Mundial, Brasil: de FHC a Lula
constatamos que o Brasil está executando uma segunda geração de reforma univer-
sitária. Para o Banco, essa segunda onda deveria, primordialmente, corrigir os erros
da primeira (dos tempos de FHC). Além disso, buscaria: a) incrementar o acesso à
educação superior por meio de maior oferta de cursos noturnos, incentivo à educação
a distância e ao FIES (‘crédito educativo’); b) melhorar a qualidade do ensino por
intermédio da avaliação e da acreditação; c) estimular o reconhecimento da relevân-
cia social e econômica; d) fornecer maior eficiência ao sistema de educação superior
(‘fazer mais com menos’). Tais objetivos, na interpretação contida no anteprojeto de
reforma universitária do MEC, constarão no Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) que cada IES deverá propor, submeter ao MEC e, em seguida, adotar.
A reforma da educação superior, como uma política pública para um setor estra-
tégico, implicará mudanças e deslocamentos espaciais dos atores sociais no campo
universitário, o que significa, também, transformações no relacionamento do campo
acadêmico com atores sociais estranhos à vida orgânica da universidade. Ademais,
nota-se que as políticas públicas são formuladas por think tanks (reservatórios de
pensamento), a exemplo do NUPES na era FHC, e se baseiam em dois fundamen-
tos: os fundamentos prévios (formados pelos fundamentos ideológicos e críticos) e
os fundamentos estratégicos (formados pelos fundamentos de política interna e de
política externa). Com relação à reforma universitária proposta pelo Governo Lula
(inconclusa), ainda estão abertas todas as possibilidades de mudanças, pois a quarta
versão, PL 7200/2006, está no Congresso Nacional para continuidade do debate. Ade-
mais, no segundo mandato de Lula, de maneira muito mais inclusiva e, a despeito das
recomendações do Banco Mundial, foram criadas 12 novas universidades federais (até
dezembro de 2009) e 100 novos campi em todo o País, gerando uma maior oferta de
vagas públicas9.
9 A expansão de vagas em IES federais tem se apoiado no Programa de Apoio a Planos de Rees-
truturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que tem por objetivo ‘criar condi-
ções para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo
melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades
federais’ (BRASIL, 2007, Art. 1º). Análise mais detida a respeito pode ser encontrada em LIMA;
AZEVEDO e CATANI. O processo de Bolonha, A avaliação da Educação superior e algumas
considerações sobre a universidade nova. Avaliação, Campinas, SP; Sorocaba, SP, v. 13, n. 1, p.
7-36, mar. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/aval/v13n1/a02v13n1.pdf>. Acesso
em: 14 nov. 2016.
85
POLÍTICA Evolução de Matrículas (2002-2008). Modalidade Presencial
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Referências
87
POLÍTICA AZEVEDO, Mário L. N.; CATANI, Afrânio M. Universidade e neoliberalismo: o Banco
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Mundial e a reforma universitária na Argentina (1989-1999). Londrina: Práxis, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa.
Campinas, SP: Papirus, 1996.
88
CATANI, A. M.; OLIVEIRA, J. F. Educação superior no Brasil: reestruturação e Políticas Públicas para
a Educação Superior no
metamorfose das universidades públicas. Petrópolis, RJ: Vozes. 2002. Brasil: de FHC a Lula
CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. In: REUNIÃO ANUAL
DA ANPED, 26, 2003, Poços de Caldas, MG. Conferência de abertura. Poços de
Caldas, MG: Anped, 2003. Mimeografado.
GOIS, Antônio; TAKAHASHI, Fábio. Reitores das instituições federais afirmam que
previsão de gastos para 2006 inviabiliza abertura de vagas. Folha de S. Paulo, São
Paulo, 23 ago. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/
ff2308200516.htm>. Acesso em: 15 nov. 2016.
SILVA JUNIOR, João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. Novas faces da Educação
superior no Brasil: reforma do Estado e mudança na produção. São Francisco:
Edusf, 1999.
90
STEVENS, Robert. University to UNI: the politics of higher education in England Políticas Públicas para
a Educação Superior no
since 1944. Londres: Politico’s, 2004. Brasil: de FHC a Lula
Atividades
1) Tendo por base o conteúdo e os conceitos operados no presente capítulo, elabore uma
análise sobre as perspectivas para a Educação Superior no Brasil.
Anotações
91
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
92
5 Políticas públicas para
o Ensino Superior a
distância: a qualidade
dos cursos de
graduação em questão
Maria Luisa Furlan Costa
O ponto de partida para uma reflexão sobre as políticas públicas para o ensino
superior a distância no Brasil é, sem dúvida nenhuma, a atual Lei de Diretrizes e Bási-
cas da Educação Nacional (LDB)1 – Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 2001), que deu início ao
processo de reconhecimento da Educação a Distância (EAD) como uma modalidade
educativa e, consequentemente, passou a exigir uma definição de políticas e estraté-
gias para sua implementação e consolidação nas mais diversas Instituições de Ensino
Superior (IES) do País.
Além de reconhecer oficialmente a EAD, a Lei n. 9.394/96 aponta para a possibilida-
de de se utilizar essa modalidade de ensino para a formação de professores em exercí-
cio, com o intuito de atender a uma determinação de suas disposições transitórias que,
ao instituir a Década da Educação, preconiza que somente serão admitidos professores
habilitados em nível superior ou formados em serviço. Para viabilizar essa formação, a
própria lei determina que cada município e, supletivamente, o Estado e a União, deve-
rão realizar programas de capacitação para todos os professores em serviço, utilizando
também, para isto, os recursos da educação a distância.
O Plano Nacional de Educação, sancionado pela Lei n. 10.172 (BRASIL, 2001), re-
força a importância da EAD nas políticas de educação e estabelece diretrizes, objetivos
e metas para sua implementação. O referido documento dá ênfase à política de EAD
para a formação de professores, propondo o aumento da oferta de cursos em nível
superior a distância e o apoio financeiro à pesquisa sobre essa modalidade de ensino.
1
Para maior compreensão deste capítulo, recomendamos a leitura do livro Introdução à Edu-
cação a Distância da Coleção Formação de Professores-EAD (n. 34).
93
POLÍTICA A partir do reconhecimento da EAD, observamos um crescimento significativo na
EDUCACIONAL
BRASILEIRA oferta de cursos superiores em uma modalidade distinta do ensino presencial, ten-
do em vista o grande número de instituições que solicitou credenciamento junto ao
Ministério da Educação (MEC), atendendo às disposições da legislação educacional
vigente que estabelece, no Artigo 80 da Lei n. 9.394/96, que ‘a educação a distância,
organizada com abertura e regimes especiais, será oferecida por instituições especifi-
camente credenciadas pela União’.
Dados divulgados mais recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-
sas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) indicam o crescimento do número de institui-
ções credenciadas para a oferta de cursos superiores a distância tomando como base
os dados do Censo da Educação Superior de 2006.
O número de IES que passou a oferecer graduação a distância saltou de 07 (sete)
no ano 2000 para 77 (setenta e sete) em 2006, sendo que o crescimento gradativo
pode ser observado na Tabela 1.
Os números divulgados pelo INEP revelam que no ano de 2000 existiam somente
10 (dez) cursos ofertados a distância e, ainda, mostram um crescimento mais acelera-
do no período de 2003 a 2006, quando passamos de 52 (cinquenta e dois) para 349
(trezentos e quarenta nove) cursos. Esse aumento representa um acréscimo de 571%,
conforme procuramos ilustrar com os números presentes na Figura 1.
94
Políticas públicas para
o Ensino Superior a
distância: a qualidade
dos cursos de graduação
em questão
95
POLÍTICA No que se refere à legislação, é importante ressaltar aqui que o Artigo 80 da Lei
EDUCACIONAL
BRASILEIRA n. 9.394/96 foi regulamentado posteriormente pelos Decretos n. 2.494 e n. 2.561, de
1998, ambos revogados pelo Decreto N. 5.622, em vigência desde sua publicação em
20 de dezembro de 2005.
No Decreto n. 5.622 ficou estabelecida a política de garantia de qualidade no que
tange aos aspectos ligados à modalidade de educação a distância, notadamente ao
credenciamento institucional, supervisão, acompanhamento e avaliação, que devem
estar em sintonia com padrões de qualidade enunciados pelo Ministério da Educação.
Entre os tópicos mais relevantes do referido documento, ressaltamos o estabeleci-
mento de preponderância da avaliação presencial dos estudantes em relação às ava-
liações feitas a distância, mecanismos para coibir abusos, como a oferta desmesurada
do número de vagas na educação superior, desvinculada da previsão de condições
adequadas e, ainda, a institucionalização de documento oficial com Referenciais de
Qualidade para a educação a distância.
Contudo, o documento que expressa com maior exatidão a preocupação dos ór-
gãos governamentais com a qualidade dos cursos ofertados a distância não tem, por
incrível que possa parecer, força de lei, pois trata-se de um texto redigido somente
para dar subsídios aos atos legais do Poder Público no que se referem aos processos
de regulação, supervisão e avaliação da modalidade a distância.
Elaborado a partir de uma discussão com especialistas do setor, com as universi-
dades e com a sociedade, os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a
Distânciaˈ (BRASIL, 2007) têm como objetivo principal garantir a qualidade nos pro-
cessos de educação a distância e, ao mesmo tempo, busca impedir a precarização da
educação superior e a oferta indiscriminada de cursos que não atendam às diretrizes
estabelecidas para essa modalidade de ensino.
Os referenciais têm sido utilizados para orientar as IES na implementação de cursos
de graduação a distância, e no documento está explícito que devido à complexidade
e à necessidade de uma abordagem sistêmica, os parâmetros de qualidade para os
cursos na modalidade a distância devem compreender categorias que envolvem, fun-
damentalmente, aspectos pedagógicos, recursos humanos e infraestrutura. Para dar
conta dessas dimensões, devem estar presentes no projeto político pedagógico os se-
guintes itens:
96
• Equipe multidisciplinar; Políticas públicas para
o Ensino Superior a
• Infraestrutura de apoio; distância: a qualidade
dos cursos de graduação
• Gestão Acadêmico-Administrativa; em questão
• Sustentabilidade financeira.
A definição desses dez itens tem como pressuposto básico que a qualidade de um
curso de graduação, independentemente da modalidade em que o mesmo será oferta-
do, tem como ponto de partida o desenho do projeto pedagógico.
De fato, não temos a intenção de estabelecer, aqui, parâmetros de comparação en-
tre os cursos de graduação ofertados na modalidade a distância com aqueles ofertados
presencialmente, porque partimos do princípio que é preciso buscar a integração com
as políticas, as diretrizes e os padrões de qualidade definidos para o ensino superior
como todo.
Neste sentido, concordamos com Fragale Filho (2003), que ao discutir princípios
de qualidade para os cursos a distância reforça que é importante que um diploma
de ensino superior recebido por um curso a distância tenha o mesmo valor que um
realizado de forma presencial. Em seu entendimento, ‘um curso de graduação deve
oferecer aos alunos referenciais teórico-práticos que colaborem na aquisição de com-
petências cognitivas, habilidades e atitudes (2003, p. 121), bem como deve promover
o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho.
Não obstante, diante das críticas que comumente são feitas de forma indiscrimina-
da aos cursos ofertados na modalidade a distância, não podemos ignorar o desenvolvi-
mento de pesquisas que procuram mostrar as potencialidades da EAD para democra-
tizar o acesso ao ensino superior, com a mesma qualidade que se busca para os cursos
de graduação ofertados na modalidade presencial.
Um estudo sobre a qualidade dos cursos de graduação a distância, realizado em
2007 por Dilvo Ristoff, então diretor do Departamento de Estatísticas e Avaliação da
Educação Superior (DEAES) do INEP, intitulado A Trajetória dos Cursos de Gradua-
ção a Distância, demonstra que a qualidade do ensino não está diretamente relacio-
nada com a modalidade na qual o curso é ofertado, tendo em vista uma comparação
estabelecida entre o desempenho dos alunos matriculados em cursos presenciais e a
distância.
O estudo de Ristoff compara os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes (Enade/2006) em 13 (treze) áreas do conhecimento, demonstrando que os
estudantes dos cursos superiores a distância se saíram melhor em sete delas, conforme
podemos verificar na Tabela 2.
97
POLÍTICA Tabela 2 – Comparação entre o desempenho
EDUCACIONAL
BRASILEIRA de alunos presenciais e de EAD no ENADE.
Os dados da pesquisa foram utilizados, aqui, somente para demonstrar que o de-
sempenho dos alunos dos cursos a distância indicam que é possível democratizar o
acesso sem perder de vista a qualidade do ensino de graduação.
Como apontamos anteriormente, não temos a intenção de estabelecer parâmetros
de comparação entre as duas modalidades de ensino, mas sim chamar atenção para o
fato de que não podemos, diante do resultado das pesquisas desenvolvidas pelo INEP,
aceitar passivamente as críticas ideológicas e sem fundamento teórico.
De fato, os resultados dessa pesquisa podem ser considerados incipientes, mas têm
provocado no interior das IES discussões que começam a se pautar em argumentos
mais elaborados e menos ideológicos.
A nosso ver, não podemos dispensar, sob hipótese nenhuma, um olhar crítico para
as atividades de ensino, pesquisa e extensão que se desenvolvem nas mais diversas
regiões do Brasil, mas no que se refere ao ensino de graduação consideramos de fun-
damental importância que esse olhar mais aguçado tenha como foco tanto os cursos a
distância quanto os cursos presenciais.
98
Políticas públicas para
o Ensino Superior a
distância: a qualidade
Referências dos cursos de graduação
em questão
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei 9394/96. Brasília, DF: MEC, 1996.
99
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Proposta de Atividade
Anotações
100
6 Educação do campo:
política para
concretização das
diretrizes
101
POLÍTICA para a homogeneidade, que é própria do urbano. Ao tratar o rural como se fosse um
EDUCACIONAL
BRASILEIRA gueto, definiram-se os territórios do saber permeados de estratégias de manutenção
da separação campo/cidade, a exemplo da criação e manutenção do transporte esco-
lar sob a gestão descentralizada, exercida por prefeituras. Essa dinâmica nacional das
políticas educacionais são traçadas a partir do início da década de 1990 e referendadas
legalmente com a promulgação da Lei Federal nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), que abriu
espaço para a compreensão da Educação do Campo em sua especificidade, preconi-
zando que:
Art. 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de en-
sino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.
O avanço legal observado nesse artigo, no tocante aos parâmetros para definição
de políticas públicas, institui uma nova forma de organizar a política de atendimento
escolar no país, não se satisfazendo mais com meras adaptações do urbano para o
rural, tendo na especificidade e na diversidade sociocultural o direito à diferença e à
igualdade e a meta para os planos estaduais de educação para elaboração de diretrizes
curriculares e ao mesmo tempo, flexibilizando a permanência da criança na escola, o
que poder verter em questões sociais para amplo debate como, por exemplo, a saída
das crianças da escola nos tempos de colheita para o trabalho. Cinco anos e meio após
a aprovação da LDB nº o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Ope-
racionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, instituídas na Resolução CNE/
CEB nº 1, 3 de abril de 2002 (Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação
Básica), seguindo o Parecer e voto da relatora conselheira Edla de Araújo Lira Soares,
que manifestava ‘[...] em primeiro lugar, a identificação de um modo próprio de vida
social e utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem perder de vista
o nacional’ (Parecer 36/2001 do CNE/CEB, apud BRASIL, 2002b, p. 29). Essa diretriz
expressava a compreensão histórica da condição de vida do camponês no Brasil que
motivara, a partir dos anos de 1990, os movimentos sociais organizados na luta por
educação no campo com o pressuposto de que percebiam na práxis que a categoria
rural era insuficiente para categorizar a Educação do Campo. Antecede, então, a essa
diretriz, a mobilização de forma articulada dos movimentos sociais do campo na luta
pela construção das políticas públicas para a Educação do Campo. No ano de 2005,
o Ministério de Educação (MEC) organizou seminários em 23 Estados da Federação,
102
com o objetivo de discutir a Educação do Campo. O Estado do Paraná se antecipou Educação do campo:
política para
à organização nacional promovendo, de 9 a 11 de março de 2004, no Centro de Ca- concretização das
diretrizes
pacitação de Faxinal do Céu, no município de Pinhão/PR, o I Seminário Estadual da
Educação do Campo com o tema: Construindo Políticas Públicas.
O II Seminário de Educação no Campo do Paraná, 7 a 9 de abril de 2005, realizado
em parceria (SEED/PR e MEC), objetivou diálogos com entidades e movimentos sociais
no planejamento e implementação de políticas e diretrizes em nível estadual e federal.
Esse seminário contou com a representatividade de autoridades federais e estaduais
(CEE/PR, SEED/PR, ANCA, SECAD/MEC, INCRA/PR, Unioeste, Emater, Deputado Esta-
dual/PR), dos movimentos sociais e universidades comprometidas com a Educação do
Campo, entre as quais a Universidade Estadual de Maringá.
O Seminário constituiu-se como marco histórico na formulação de políticas esta-
duais no Paraná e contou com o posicionamento de Arnaldo Vicente, do Conselho
Estadual de Educação, na defesa das Escolas Itinerantes. Foi relator do Processo nº
1344/03, aprovado em 8/12/2003, conforme o Parecer nº 1012/03, relativo ao pedido
de autorização para funcionamento da escola itinerante na área rural. Sua análise com-
preendeu a contraposição aos trabalhos educativos desenvolvidos nos acampamentos,
como proteção do direito à educação para todos os brasileiros. Defendeu a mística no
processo educacional vivida nos movimentos sociais do campo, resguardando o direito
à subjetividade da formação na prática do ensino como compromisso com a educação.
A defesa da Escola Itinerante realizada pelo conselheiro foi relatada como desafio de
um modo progressista de fazer a escola do campo. A relevância desse processo é coroa
política na elaboração das diretrizes da educação do campo no Estado do Paraná.
Maria Izabel Grein (apud SEMINÁRIOS, 2005), representante do Setor de Educação
da Associação Nacional das Cooperativas Agrícolas dos Assentados (ANCA), ao fazer
uso da palavra após Vicente, afirmou que a construção da escola itinerante é uma
forma de proteção ao direito à educação e encerrou sua fala de modo marcante no Se-
minário com a leitura do poema ‘Morte e Vida Severina’, de João Cabral de Melo Neto1,
publicado nas Diretrizes Nacionais para a Educação no Campo, ressaltando ainda que
a proteção a esse direito social é uma conquista dos movimentos sociais do campo que
emerge de outros tempos históricos.
1 Esta cova em que estás,/ com palmos medida,/ É a conta menor que tiraste em vida,/ É de
bom tamanho,/ nem largo nem fundo,/ é a parte que te cabe,/ deste latifúndio./ Não é cova
grande,/ é cova medida,/ é a terra que querias/ver dividida./ É uma cova grande/para teu pouco
defunto,/ Mas estarás mais ancho/ que estavas no mundo/ É uma cova grande/ para teu defunto
parco,/ Porém mais que no mundo/ te sentirás largo./ É uma cova grande/ para tua carne pou-
ca,/ Mas à terra dada/ não se abre a boca..
103
POLÍTICA Com o poema, Grein resgatou na história do Brasil um passado que tende a se
EDUCACIONAL
BRASILEIRA perpetuar. Evidenciou a subordinação do campo à cidade, contextualizando a história
de luta dos movimentos sociais pelo direito à educação. Referiu-se à I Conferência Na-
cional por uma Educação Básica no Campo, proposta no encontro de 1997 e realizada
em 1988, a partir da qual o MEC assinou com os movimentos sociais e universidades
o compromisso de desenvolver, nos estados brasileiros, encontros preparativos para
a II Conferência e para a definição das políticas estaduais para a Educação do Campo.
Os Movimentos Sociais do Campo do Estado do Paraná realizaram o I Encontro
de Educação do Campo (1999) com a participação da Associação Projeto de Educação
do Assalariado Rural Temporário (APEART), Comissão Pastoral da Terra, Associação de
Estudos, Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR), Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e outros. O objetivo principal foi a preparação dos delegados
para a II Conferência Nacional, que resultou no compromisso de articulação nos esta-
dos, de espaços para debater a educação realizada no campo e as formas de implemen-
tação de políticas públicas nacionais e estaduais.
Nos debates resultantes desse processo de organização a nucleação de escolas pú-
blicas na periferia das cidades e não no campo foi constatada e tornou-se meta a ser
atingida com a primeira ação de reestruturação da educação rural. A ocorrência dessa
forma de nucleação é efetiva na Região Noroeste do Estado do Paraná de acordo com
os relatos de secretários de educação municipais e representantes de pais participan-
tes do debate em 2005.
Essa estratégia de nucleação das escolas rurais, para os movimentos sociais do cam-
po, tem o significado de negação do direito a educação aos trabalhadores do campo,
sob o argumento de que, para se trabalhar no campo, não há necessidade de escola-
ridade, ancorado na ideia do trabalho rudimentar e sem avanço tecnológico. A esse
conceito coaduna-se a ideia do Jeca, do caipira, do trabalhador braçal. O preconceito
foi a primeira barreira identificada a ser transposta para o campo do debate acadêmico
e político. O discurso político que permeava os movimentos era de defesa do ‘Campo
como espaço de vida do cidadão que tem direito de ser completo no campo’.
Constatamos durante o Seminário paranaense de 2003 que os eventos/encontros
que desenham as ações políticas sobre o território brasileiro envolvendo a população
camponesa tiveram como mérito recolocar, sob outras bases, o rural e a educação que
a ele se vincula, a exemplo da formulação das diretrizes nacionais para a educação
básica no campo, que, como reconhece Grein (apud SEMINÁRIOS, 2005), oferece a
possibilidade de garantir o direito de ter educação onde o indivíduo se encontre, seja
na cidade, no campo, no hospital, seja no cárcere.
104
O II Encontro Estadual de 2000 (realizado concomitantemente com a II Conferên- Educação do campo:
política para
cia Estadual por uma Educação do Campo, de 2 a 5 de novembro de 2000), em Porto concretização das
diretrizes
Barreiro, reuniu 450 educadores de 64 municípios representando 14 organizações
governamentais e não-governamentais dos movimentos sociais, sindicatos rurais e
universidades (conferir a Carta de Porto Barreiro, caderno nº 2, da Articulação Pa-
ranaense: ‘Por uma Educação do Campo’). O compromisso desse evento marcou a
iniciativa dos participantes de dar continuidade aos projetos de Educação no Campo.
Decidiram trabalhar na realização de proposições para a II Conferência Nacional.
Foram definidos encaminhamentos de parcerias para os cursos de Ensino Médio (Es-
colas Técnicas), curso de Pedagogia junto à Universidade Federal do Paraná, Univer-
sidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Cascavel, Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária,
Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural e de atendimento às famílias
em situação de itinerância nos acampamentos, garantindo a educação básica a quem
de direito.
Rumo às decisões dos encontros, a II Conferência Nacional por uma Educação do
Campo (CNEC), realizada em Luziânia/GO, de 2 a 6 de agosto de 2004, reuniu 1.100
participantes representando Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações
Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação, das Universidades,
Organizações Não Governamentais e de Centros Familiares de Formação por Alter-
nância, de Secretarias Estaduais e Municipais de educação e outros órgãos de gestão
pública com atuação vinculada à educação e ao campo. Os participantes assinaram a
Declaração Final Por uma Política Pública de Educação do Campo, pontuando a articu-
lação campo/cidade na garantia do direito a educação.
Os compromissos selados e divulgados foram remetidos a uma agenda básica de
ações na defesa de ‘um tratamento específico da Educação do Campo’, considerando
como pauta de articulação entre campo e cidade ‘a importância da inclusão da popula-
ção do campo na política educacional brasileira’, para garantia de acesso e permanên-
cia e, da existência de ‘um projeto político pedagógico’ para o campo, contemplando
‘a diversidade dos processos produtivos e culturais, que são formadores dos sujeitos
humanos e sociais do campo’.
Trabalhando na elaboração de políticas públicas universais que garantam direitos
sociais e humanos, os participantes da plataforma nacional por uma educação básica
no campo definiram a pauta de ações articuladas entre campo e cidade como metas a
serem atingidas na implementação das diretrizes nacionais.
Vinte e duas ‘ações prioritárias’ formaram os eixos de trabalho na articulação na-
cional por uma educação Básica no Campo e por uma Política Nacional de Educação
105
POLÍTICA no Campo, compreendendo a articulação, coordenação da elaboração de uma política
EDUCACIONAL
BRASILEIRA pública ‘em parceria com o governo federal e movimentos sociais’.
No Estado do Paraná, dois Seminários foram realizados para a elaboração de Políti-
cas Públicas para a Educação do Campo. O II Seminário, de 7 a 9 de abril de 2005, foi
realizado como proposta de fortalecimento dos Movimentos Sociais na elaboração das
Políticas Estaduais e Municipais.
O investimento dos movimentos sociais do campo concentra-se na mobilização e
defesa, por meio dos eventos (Encontros, Seminários, Colóquios, Conferências, Sim-
pósios entre outros), da necessidade de elaboração de políticas públicas visando ao
respeito à Educação do Campo. Atuam ainda na defesa do ensino e da pesquisa, no
resgate das dimensões da educação e do trabalho comunitário, extensivo aos diferen-
tes grupos sociais organizados.
Segundo Antonio Munarin (apud SEMINÁRIOS, 2005), o Brasil enfrenta problemas
sérios na articulação da Educação do Campo. Escolas do campo são fechadas, há falta
de material didático para atender à especificidade, e os existentes são inadequados,
além de faltar professor formado. O autor salienta que, no Brasil, no ano de 2005,
9% dos professores do campo tinham formação superior e, no meio urbano, 38% não
possuem curso superior. Ressaltou também que não existia dotação financeira para a
Educação do Campo. Independentemente desse fato, o Estado do Paraná contava com
coordenação pedagógica para o campo na Secretaria de Educação Estadual, o que não
é realidade em todos os estados do país, confirmando as Declarações Nacionais, dos
anos de 1998 e 2004, publicadas nos cadernos ‘Por uma educação básica no campo’.
Os conteúdos e metodologias inadequados são constatações que comprovavam
a ausência da especificidade da educação do campo; falta de salário e existência de
sobrecarga de trabalho para os educadores. O MEC registrava que 50% das escolas do
Brasil estavam no campo, cada qual com uma sala e número mínimo de estudantes.
Observou que 67% das crianças do campo eram transportadas para as cidades e que
muitas prefeituras construíam escolas nas periferias das cidades para matricular alunos
do campo. Ainda conforme Munarin (apud SEMINÁRIOS, 2005), problemas como a
exclusão é corrente nesse processo. As consequências da migração campo/cidade acar-
retam a prostituição, o trabalho precoce e o abandono do campo, com a agravante da
população campesina ser taxada de ignorante ao chegar à cidade.
O processo de debate organizado revela a universalização dos direitos sociais como
base da relação de luta popular nas instâncias dos movimentos sociais, para fazer o Po-
der Público garantir a educação pública e gratuita como direito do cidadão camponês
e dever do Estado. Em resposta a esse posicionamento político dos Movimentos So-
ciais, o Estado, por meio do Ministério da Educação, começa a organizar a discussão, e
106
o Conselho Nacional de Educação passa a ser espaço de luta social, enquanto estrutu- Educação do campo:
política para
ra oficial. As primeiras diretrizes nacionais para Educação do Campo foram aprovadas, concretização das
diretrizes
porém não implementadas no âmbito nacional MEC, mesmo constituindo base legal.
Em 2004, a II Conferência Nacional tornou-se símbolo da possibilidade de articulação
de uma plataforma para trabalhar por um objetivo único: Educação do Campo. É o mar-
co do compromisso entre Poder Público e Movimentos Sociais do Campo e da cidade no
planejamento da educação nacional, considerando que a partir de 2000 as mobilizações
sociais em defesa da Educação do Campo conseguiram fazer-se ouvir oficialmente, reivin-
dicando a parceria do Estado na execução da tarefa de elaboração de políticas públicas,
articulando-se com os governos nas instâncias federal, estadual e municipal.
No ano de 2005, o MEC, em respeito à Constituição Federal de 1988 e à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, organizou a funcionalidade
dos sistemas do ensino para o atendimento das especificidades do campo, aprofun-
dando a compreensão dos eixos aprovados nas Conferências Nacionais: cultura, tra-
balho, clima. Foram criados diferentes fóruns de debates para uma ação coordenada
na execução das propostas de elaboração de políticas, implementação, divulgação e
normatização das diretrizes.
Em função dos encaminhamentos políticos definidos como compromisso da pla-
taforma nacional, no Paraná a discussão das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação do Campo trouxe para o II Seminário a Conselheira Nacional, relatora das
diretrizes, a professora Edla de Araújo Lyra Soares (apud SEMINÁRIOS, 2005), presen-
ça esclarecedora no desafio de justificar a proteção do direito à educação do camponês
em território nacional.
Para o ano de 2005, a meta da Coordenação da SEED/PR foi a formação de duzentos
educadores e educadores itinerantes, de participação na revisão do Plano Nacional
de Educação e implantação das diretrizes curriculares, respeitando os direitos dos
diferentes povos, considerando que o segundo eixo das diretrizes seria a cultura dos
povos do campo.
No ano de 2006, sinais da apropriação dos trabalhos resultantes dos eventos são fir-
mados na elaboração das Diretrizes Curriculares para Educação do Campo no Estado
do Paraná e assim apresentadas por Antenor Martins de Lima Filho:
107
POLÍTICA Considerando a diversidade populacional que transcende o conceito de cidade,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA registram-se nas diretrizes os dados que transportamos a seguir e que demonstram a
expressiva necessidade de elaboração de políticas de Estado para o Campo:
Em 2009, após quatro anos de articulação planejada entre Estado e Movimentos So-
ciais do Campo para elaboração das diretrizes, as ações políticas estaduais são objeto
de organização de novos espaços de debate, entre os quais destaca-se o Comitê Esta-
dual de Apoio à Educação do Campo e o V Simpósio de Educação do Campo realizado
de 05 a 08 de outubro de 2009, em Faxinal do Céu-PR.
Referências
108
PARANÁ. Escolas Itinerantes. Processo nº 344/03 – CEE e Parecer nº 1012 – CEE: Educação do campo:
política para
aprovado em 8/12/2003, relator Arnaldo Vicente. Curitiba: 2003. concretização das
diretrizes
Proposta de Atividade
1) Organize um seminário a respeito das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas
Escolas do Campo e pesquisa sobre educação no e do campo no Paraná, destacando as
escolas do campo de cada região do Estado por meio de fotos antigas e entrevistas com
camponeses.
Anotações
109
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
110
7 A educação de
pessoas com deficiência
111
POLÍTICA Com o surgimento e a propagação do cristianismo, as práticas de extermínio e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA abandono passam a ser alteradas em função dos novos valores morais e religiosos que
postulavam serem todos os homens iguais, independentemente de suas condições
sociais, físicas ou mentais.
Na nova sociedade que se estruturava, a feudal, o fortalecimento desses valores
preconizados pela Igreja como virtudes essenciais do bom cristão passam a suscitar
atitudes de tolerância e resignação das pessoas perante os doentes, loucos ou me-
nos afortunados, pois esses eram vistos tanto como manifestações da vontade divina,
quanto como decorrência do pecado dos pais. Sendo assim, cabia aos bons cristãos e à
Igreja cuidar dessa parcela da população, já que a caridade e a prática do bem levariam
à salvação.
Do século XVI ao século XVIII, além dos deficientes mentais, todos aqueles des-
providos das condições ideais eram internados em orfanatos, manicômios e outras
instituições.
Aquilo que hoje é chamado de Educação Especial apresenta seus precursores atra-
vés da educação da criança surda1. Antes disso, os indivíduos com essa limitação eram
atendidos em asilos, onde viviam à margem da sociedade, quando não perambulavam
como mendigos, dependendo da caridade pública para sobreviver.
Nessa época, na Espanha, as crianças surdas pertencentes à nobreza eram educadas
por preceptores. De acordo com Bueno (1993), é preciso:
[...] distinguir o que significava educar crianças surdas nessa época. Enquanto
que, para as crianças ouvintes, a educação se constituía no ensino da leitura, da
gramática, da matemática e das artes liberais, a educação de seus irmãos surdos
se configurava, basicamente, a técnicas de desmutização ou de substituição da
fala por gestos, que parece corresponder muito mais a recuperação da doença
(p. 58).
Já na história da vida dos cegos, a bibliografia refere-se a eles (século XVI e XVII)
como desassistidos e abandonados à própria sorte em asilos e instituições de abrigo
que em nada contribuíam para mudar sua condição de dependência e inferioridade.
Na França, os registros feitos por Belmont e Vérillon (1997) discorrem acerca do
início da ideia da possibilidade de educar pessoas deficientes:
1 Segundo Bueno: ‘É atribuída ao monge beneditino Pedro Ponce de Leon o papel de iniciador
da educação especial, através de seu trabalho com crianças surdas, iniciado em 1541, na Espa-
nha’ (1993, p. 8).
112
depois os trabalhos de Hauÿ com os cegos e de Itard com os deficientes men- A educação de
tais. Ao fim do século XIX, a batalha do médico Baurnevelle para obter as clas- pessoas com deficiência
ses especiais anexadas às escolas primárias, suscetíveis de acolher os ‘novos
retardados’, resulta na criação das classes de aperfeiçoamento (1909) (Gateaux
– Mennecier, 1989). Mas essas classes são sobretudo destinadas para os ‘anor-
mais da escola’, isto é, as crianças já escolarizadas mas estimadas ‘débeis’ (p.
16).
[...] a educação especial, desde o seu surgimento no final do século XVIII, aten-
de a dois interesses contraditórios: o de oferecer escolaridade a crianças anor-
mais, ao mesmo tempo em que serve de instrumento básico para a segregação
do indivíduo deficiente (p. 38).
113
POLÍTICA Para este autor, essas duas trajetórias – aparentemente contraditórias, mas não exclu-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA dentes – acabam por coexistirem simultaneamente em um momento histórico em que a
sociedade moderna, ao defender os princípios de igualdade e cidadania, não podia dis-
pensar ou deixar de garantir a essa categoria de indivíduos deficientes o direito à educação.
O que percebemos é que a criação das instituições especializadas para o atendi-
mento do indivíduo que não se enquadrava na ordem social vigente teve dois fins
específicos, pelo menos até a última década do século XIX: primeiro, tentar curar o
deficiente, e depois, como isso era impossível, ela serviu para afastá-lo do meio social
em que vivia, exercendo, assim, fundamentalmente, a segregação e a exclusão.
Há que considerarmos ainda que em seu surgimento e posterior evolução se des-
tacaram na constituição da Educação Especial dois modelos: o médico-pedagógico e
o psicopedagógico. O modelo médico-pedagógico corresponde ao período em que,
conforme enuncia Glat (1995):
Isto se deveu ao fato de ter sido a medicina uma das primeiras áreas do conhe-
cimento a se interessar pela questão da deficiência (em particular pela deficiência
mental), por aspectos como a sua etiologia, definições e classificações. Geralmente a
deficiência mental era diagnosticada como uma doença, um problema neurológico,
não específico e congênito.
Quanto ao segundo modelo, o psicopedagógico, este se difunde a partir do primei-
ro quarto do século XX por meio da psicometria, que foi criada com a finalidade de
obter dados sobre o desempenho e as habilidades das crianças, objetivando classificá-
-las quanto à capacidade de aprender e de progredir nas séries escolares.
O modelo médico pedagógico esteve subordinado à ação do médico não só na de-
terminação do diagnóstico, mas também na recomendação das práticas escolares; por
outro lado, o modelo psicopedagógico impregnou toda a educação, inclusive a brasi-
leira, nesse período (através dos laboratórios de psicologia experimental, das escolas,
de aperfeiçoamento dos professores, das reformas da educação, da literatura etc.).
114
1) As duas grandes guerras mundiais; A educação de
pessoas com deficiência
2) O fortalecimento do movimento dos direitos humanos;
3) O avanço científico.
Após as duas guerras mundiais (que tiveram um curto espaço de tempo entre elas),
o índice de soldados que retornavam mutilados era alto, contribuindo, consequente-
mente, para a elevação do número total de indivíduos debilitados e deficientes. Isso
acarretou escassez de mão-de-obra, provocando a necessidade de implementação de
uma série de programas sociais, tais como pontua Santos (1995):
115
POLÍTICA pessoas, independentemente do tipo de deficiência que elas possuíam. A filosofia em-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA pregada era a do confronto e da aprendizagem mútua. Isso significava que no convívio
diário (escola, repartição e comunidade em geral), os indivíduos ‘normais’ e os defi-
cientes estariam em confronto, ou seja, os indivíduos estariam convivendo mutuamen-
te e esse confronto geraria mudanças no modo como cada grupo percebe o outro.
O movimento de integração ocorreu gradualmente e de forma mais ou menos
assistencialista em outros países da Europa. Por um lado, há a Alemanha, a Bél-
gica, a França e a Holanda que acreditavam que a integração deveria ocorrer de
forma processual até se conseguir a integração da pessoa deficiente na sociedade
como um todo. Por outro lado, a Dinamarca e a Noruega partiram do princípio de
que a integração da pessoa deficiente deveria ser desencadeada desde o início da
escolarização.
Na França, por exemplo, aproximadamente no começo de 1970, começa a se ma-
nifestar uma preocupação de não marginalizar os deficientes, facilitando sua inserção
e permanência no meio escolar comum, proporcionando seu desenvolvimento nos
mesmos ambientes escolares que seus pares. Surge, então, o movimento em favor da
integração escolar, o qual foi sendo reconhecido pela Lei de 1975, que confia à escola
regular a missão de acolher os deficientes, porém permanecem as preocupações,
principalmente do setor especializado. De acordo com Belmont e Vérillon:
2 On redoute, notamment, que les jeunes handicapés intégrés à l’école ne soient privés des
soins spécifiques dont ils bénéficient dans les établissement hospitaliers ou médico – éducatifs
et que les développement de l’intégration n’ entraîne la disparition des établissements spécialisés
(1997, p. 16).
116
mental e, posteriormente, generalizou-se enquanto estratégia de ação e como busca A educação de
pessoas com deficiência
de um melhor conhecimento de outros grupos de pessoas com necessidades espe-
ciais. O objetivo primeiro dos integracionistas desses países estava em retirar essas
pessoas das escolas especializadas e inseri-las nas escolas regulares para que pudessem
conviver efetivamente com seus pares.
Desta forma, o objetivo era o de garantir uma efetiva qualidade de vida que abran-
gesse todas as pessoas, deficientes ou não, em um contexto social que lhes pudesse
oferecer as melhores condições possíveis para o desenvolvimento pleno de suas capa-
cidades e potencialidades. Nesse contexto, expõe Queiroz Perez-Ramos (1997), toma
corpo, na Suécia, na década de 1960 do século XX, a Teoria da Normalização.
Mais do que uma abordagem teórica, este enfoque constitui uma filosofia de
vida, segundo o qual as pessoas, com deficiência, têm oportunidade de viven-
ciar ritmos, hábitos e costumes comuns, sem que isso signifique sua transfor-
mação em indivíduos normais. Supõe facilitar-lhes experiências próprias de
período de vida em que se encontram, com envolvimento regular nos corres-
pondentes ambientes sócios familiares (p. 27).
117
POLÍTICA A integração escolar é um processo que consiste em educar crianças com necessi-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA dades especiais juntamente com crianças ‘normais’ na escola regular, podendo a crian-
ça deficiente permanecer em período integral na escola ou apenas parcial, e utilizando
o outro período para se beneficiar de locais especializados, de acordo com a sua ne-
cessidade. Para Carvalho (1998):
118
Caberá à escola encontrar respostas educativas para as necessidades específicas A educação de
de cada aluno, quaisquer que sejam elas. A inclusão não admite diversificação pessoas com deficiência
pela segregação. Busca soluções sem segregar os alunos em atendimentos espe-
cializados ou modalidades especiais de ensino. Tende para uma especialização
do ensino como um todo (p. 53).
119
POLÍTICA Não ficariam essas crianças deficientes fragilizadas diante de uma situação instável?
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Retomamos, então, a ideia de integração e inclusão. O conceito de integração está
diretamente associado à ideia da cascata, assim como a ideia da inclusão está direta-
mente associada à ideia do caleidoscópio. Alguns autores sugerem abandonar o termo
integração por considerarem que o termo pressupõe que cabe somente ao aluno de-
ficiente mudar de posição, isto é, sua entrada na corrente principal dependerá exclu-
sivamente dele.
Sob a perspectiva da inclusão, todos os alunos, deficientes ou não, devem frequen-
tar o ensino regular, na classe comum, a qual deve oferecer um serviço educacional
que atenda a todos. Todavia, não basta que estejam todos juntos, como enfatiza Car-
valho (1998):
120
Um destaque é a Resolução n. 4, de 2 de outubro de 2009, publicada no Diário Ofi- A educação de
pessoas com deficiência
cial da União em 5/10/2009, que institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento
Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.
Com base nessa resolução, fica estabelecido que o Atendimento Educacional espe-
cializado (AEE) deverá ser feito prioritariamente em Salas de Recursos Multifuncionais
(SRM), podendo também ser realizado em Centros de Atendimento Especializados
(CAEE).
O que são as SEM? São espaços localizados nas escolas de educação básica, nos
quais são realizados o AEE. Elas são constituídas por mobiliários, materiais didáticos,
recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos e de professores
com formação especializada.
O AEE, por sua vez, é um serviço da Educação Especial, de caráter complementar
ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. Ele é realizado pelos CAEE,
de acordo com as necessidades específicas dos alunos. Assim como a SRM, seu caráter
é complementar ao da sala de aula comum.
Deste modo, considerando as definições de SEM e AEE, um ponto importante para
o estabelecimento da atual política pública de inclusão é o aspecto financeiro. Os alu-
nos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/su-
perdotação serão contabilizados duplamente, desde que estejam na seguinte situação:
a) Matrícula na classe comum e na SRM da mesma escola pública
b) Matrícula na classe comum e na SRM de outra escola pública
c) Matrícula na classe comum e no CAEE público
d) Matrícula na classe comum e no CAEE privado sem fins lucrativos
À GUISA DE CONCLUSÃO...
O percurso histórico da educação de pessoas com deficiência indica avanços im-
portantes, especialmente em termos de legislação e de organização documental.
O momento atual é um misto de esperança e apreensão. A efetivação do que foi lon-
gamente sonhado e debatido certamente resultará em uma escola mais eficaz e com-
petente para ensinar a todos e a cada um, com suas singularidades e especificidades.
Não se trata de um processo tranquilo; como as demais mudanças, a inclusão en-
volve tensões e lutas geradas na produção da vida. Há aspectos ainda pouco conhe-
cidos sobre a aprendizagem em alguns quadros e síndromes. Mas é no caminhar que
formaremos esses conhecimentos. JUNTOS.
121
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Referências
122
GLAT, Rosana. A integração social dos portadores de deficiências: uma reflexão. A educação de
pessoas com deficiência
Rio de Janeiro: Sete Letras, 1995. v. 1.
WERNECK, Claudia. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio
de Janeiro: Ed. WYA, 1997.
Proposta de Atividade
Anotações
123
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
124
8 Políticas educacionais
para populações
indígenas
Lúcia Gouvêa Buratto / MARIA SIMONE JACOMINI / Rosângela Célia Faustino
125
POLÍTICA (2001, p. 13), não se buscava o convívio com a diversidade, mas sim uma homogenei-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA zação cultural, na qual os indígenas teriam que se integrar.
Entretanto, essa perspectiva vem se modificando e adquirindo um novo caráter,
principalmente nas últimas três décadas. Por meio de estudos interdisciplinares tem
sido dada maior visibilidade à complexidade das práticas sociais indígenas e da in-
terpretação/relação que essas populações têm do e com o mundo. Em decorrência
desse aspecto, a busca da reconfiguração de políticas públicas para a educação escolar
indígena tem se tornado bandeira de luta para diversos setores sociais. A esse respeito,
Aracy Lopes da Silva assinala:
126
constituição de 1988 assegurou o direito a diferença cultural, reconhecendo Políticas educacionais
suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições (2001, p. 95). para populações
indígenas
Desta forma, nos últimos anos vêm ocorrendo várias mudanças referentes a aspec-
tos legais e administrativos com relação à educação escolar indígena, por meio das
quais o direito a uma educação diferenciada, garantida pela Constituição de 1988, vem
sendo regulamentado.
Uma das principais mudanças foi a transferência da responsabilidade e coorde-
nação das escolas indígenas da Funai – Fundação Nacional do Índio – para o MEC
– Ministério da Educação –, ocorrida em 1991 pelo Decreto Presidencial nº 26/91. A
partir de então, cabe às Secretarias de Educação, estaduais e municipais a execução
das diretrizes propostas.
Em 1993, o MEC lança orientações para a educação indígena, através do documen-
to ‘Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena’ (BRASIL, 1994),
o qual foi elaborado com a participação de diversas entidades governamentais e não-
-governamentais e professores indígenas, com o objetivo de propiciar diretrizes gerais
para essa modalidade de educação. Em seu discurso, visa a desenvolver uma educação
específica, diferenciada, intercultural e bilíngue para os grupos étnicos, na qual pro-
fessores e comunidades indígenas são conclamados a assumir a gestão de suas escolas,
viabilizando assim a política da autonomia indígena, proposta em diferentes documen-
tos emanados dos organismos internacionais.
Em consonância com esses encaminhamentos, a LDB nº – Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação de 1996 – insere a educação escolar indígena no sistema público de
educação pela primeira vez, considerando dever do Estado a oferta de uma educação
intercultural e bilíngue de qualidade, para que esta contribua com a afirmação e re-
vitalização das identidades étnicas, prevendo que os currículos escolares apresentem
conteúdos culturais.
No Artigo 78, a LDB nº postula como dever da União o fomento à cultura e assis-
tência aos índios por meio de programas integrados de ensino e pesquisa, para a oferta
de educação escolar bilíngue e intercultural, cujo objetivo, segundo o documento, é
revitalizar as memórias dessas populações bem como reafirmar sua identidade, língua
e ciência, além de garantir acesso a conhecimentos tanto das sociedades indígenas
quanto não-indígenas.
No Artigo 79, A LDB nº preconiza programas elaborados com a participação das
comunidades indígenas, cujo objetivo é fortalecer suas práticas culturais e línguas ma-
ternas. Refere-se também à necessidade de formação de pessoal especializado para
trabalhar nessas comunidades, de elaboração de currículos e de material didático es-
pecífico e diferenciado.
127
POLÍTICA Em 1998, foi publicado outro documento, o Referencial Curricular Nacional para
EDUCACIONAL
BRASILEIRA as Escolas Indígenas (RCNEI), elaborado por uma equipe composta por especialistas,
técnicos e professores indígenas. O RCNEI apresenta orientações pedagógicas para
as várias disciplinas que compõem o currículo escolar, bem como sugestões de con-
teúdos e metodologias, buscando estabelecer princípios legais para uma educação
indígena específica. Assim como os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais – inclui
como parte dos conteúdos os chamados Temas Transversais.
Em 1999, o Parecer nº 14/99 do CEB/CNE aprova as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais da Educação Escolar Indígena, instituindo a categoria escola indígena e definindo
a esfera administrativa dessas escolas, a formação do professor, o currículo da escola e
sua flexibilização. Essas questões foram normatizadas pela Resolução nº 3/99 do CEB,
que responsabilizou os Estados pela oferta, execução e regulamentação da educação
escolar indígena, por meio do provimento de recursos humanos, financeiros, bem
como a promoção e formação inicial e continuada dos professores indígenas, além da
elaboração e publicação de material didático específico para essas escolas.
O Plano Nacional de Educação (PNE), (BRASIL, 2001) apresenta diretrizes e metas
educacionais buscando assegurar autonomia às escolas indígenas, por meio da parti-
cipação da comunidade na gestão e com o reconhecimento dos professores indígenas
enquanto uma categoria, através de programas contínuos de formação e abertura de
concursos específicos.
Há, ainda, em tramitação no Congresso Nacional, uma proposta de revisão do Es-
tatuto do Índio (Lei 6001/73), elaborado e aprovado no período da ditadura militar
brasileira, o qual se encontra obsoleto frente ao avanço da legislação para os indígenas.
O capítulo III da proposta do novo Estatuto refere-se à educação escolar indígena e
é composto de doze artigos que tratam de diversos direitos, como: oferta de educação
bilíngue, uso da língua materna e processos próprios de aprendizagem, currículo diferen-
ciado, formação de professores, obrigatoriedade de isonomia salarial entre professores
índios e não-índios, publicação de material didático específico e diferenciado para as es-
colas indígenas. Muitos desses direitos, embora já consagrados na Constituição de 1988 e
reafirmados na LDBEN 9394/96, ainda não foram implementados nas escolas indígenas.
Esses são, no âmbito nacional, alguns dos documentos que buscam normatizar
uma nova política de educação para populações indígenas no país. Apesar do discurso
de autonomia para essas populações, de respeito às diferenças culturais, de fortaleci-
mento das lutas e de preservação das tradições por meio da educação, é comum que
nas escolas indígenas ainda permaneçam conteúdos e práticas pedagógicas tradicio-
nais, pouco uso dos materiais bilíngues, bem como ausência de Projetos Temáticos
que contribuam com a ampliação do currículo e com a proposta de interculturalidade.
128
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA POPULAÇÕES INDÍGENAS NO Políticas educacionais
para populações
ESTADO DO PARANÁ indígenas
Embora o NEI/PR tenha ofertado diversos cursos para os professores índios e não-
-índios que atuavam nas escolas indígenas, o formato e a organização destes não fa-
voreceram mudanças administrativas e pedagógicas significativas nas escolas, pois os
índices de evasão e repetência continuavam elevados (BURATTO; MOTA, 2003).
129
POLÍTICA A educação escolar indígena no Estado do Paraná ficou relegada ao abandono, os
EDUCACIONAL
BRASILEIRA governantes municipais não assumiram as escolas, porque legalmente estavam deso-
brigados de tal responsabilidade. Em 1999, no segundo mandato, o governador Jaime
Lerner solicitou aos Núcleos Regionais de Educação (Ofício nº 279/99) a alteração da
vinculação administrativa das escolas indígenas, uma vez que, permanecendo no âmbi-
to federal, essas escolas seriam excluídas dos diversos programas de desenvolvimento
da educação fundamental. Nesse contexto, as escolas indígenas foram municipalizadas
sem que os municípios estivessem preparados para assumir esse compromisso.
Neste sentido, as escolas indígenas encontraram-se em desacordo com a legislação
nacional, o Parecer 14/99 e a Resolução 03/99, isto porque a grande maioria dos muni-
cípios que contava com Escolas Indígenas não possuía sistemas próprios de educação,
não podendo oferecer educação escolar indígena nos moldes previstos pelo Artigo nº
9 da Resolução 03/99. De acordo com os termos da lei:
Esgotado o prazo de três anos dado pela Resolução citada, o governador Jaime Ler-
ner, através da Deliberação nº 9/2002, do Conselho Estadual de Educação, prorrogou
para mais três anos o prazo para assumir tal responsabilidade.
Em 2002, Roberto Requião assume o governo do Estado e, a partir de julho de
2004, a Coordenação de Educação Escolar Indígena passou por uma reestruturação,
ficando vinculada ao Departamento de Ensino Fundamental. Buscando cumprir a Lei
nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que estabelece que os Estados e os Municípios,
em consonância com a política nacional, devem elaborar seus planos estaduais e muni-
cipais de Educação, cada Núcleo Regional de Educação do Estado do Paraná escolheu
um tema, de acordo com a sugestão da Superintendência de Educação (SUED).
Os Núcleos Regionais de Ivaiporã, Pato Branco e Laranjeiras do Sul escolheram o
tema da Educação Escolar Indígena por terem, em sua região de abrangência, escolas
que oferecem essa modalidade de educação e que necessitavam de reformulação e
adequação à nova legislação.
A construção coletiva do PEE – Plano Estadual de Educação – com representantes
das comunidades indígenas e universidades diagnosticou e sugeriu diversos encami-
nhamentos que foram considerados como uma conquista à melhoria da qualidade do
ensino nas escolas indígenas.
130
Esse processo contribuiu também com subsídios à Coordenação da Educação Es- Políticas educacionais
para populações
colar Indígena, que atualmente faz parte do Departamento da Diversidade, e vem pro- indígenas
movendo uma série de ações em relação à educação escolar indígena, tendo criado e
ampliado escolas, estadualizado-as, implementado o Ensino Fundamental completo,
e, em algumas comunidades, o Ensino Médio. Em 2006, foi ofertado o primeiro curso
de Magistério Indígena, modalidade normal-bilingue, tendo formado a primeira turma
no ano de 2009.
Dentre as políticas educacionais para populações indígenas empreendidas pelo
Estado do Paraná está a criação de vagas sobressalentes para os indígenas que aqui
habitam terem acesso às IES públicas paranaenses. Essas vagas são regulamentadas
pelas leis nº13134/2001 e 14995/2006 e o ingresso dos estudantes indígenas se dá por
meio de vestibular intercultural realizado pela CUIA – Comissão Universidade para os
Índios –, integrada por professores das IES e membros da SETI – Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
O sistema de vagas sobressalentes é diferente do sistema de cotas e o Paraná foi pio-
neiro nessa política. Segundo a Resolução Conjunta n.035/2001 (SETI/SEJU/EL/UEM/
UEPG/UNIOESTE/UNICENTRO), essas vagas excedem as ofertadas regularmente pelas
IES, sendo as mesmas preenchidas pelos primeiros colocados selecionados no vesti-
bular. Em 2004, a Universidade Federal do Paraná incorporou-se à CUIA, oferecendo,
desde então, cinco vagas anualmente.
No ano de 2009, em ação articulada entre SEED-PR, SETI-PR, CUIA e UEM – Univer-
sidade Estadual de Maringá, o Departamento da Diversidade promoveu o I Seminário
da Licenciatura Intercultural visando a discussões conjuntas com a participação de
lideranças nativas, estudantes e professores indígenas, para se pensar e encaminhar a
criação de licenciaturas interculturais no Estado.
A oferta de cursos de Licenciatura Intercultural, já existentes em outros estados,
visa a atender à demanda da atual política educacional da educação escolar indígena
para a oferta de ensino de maior qualidade nas Terras Indígenas, bem como da gestão
escolar pelos próprios professores indígenas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível perceber, pelo exposto, que a política da educação escolar indígena vem
se modificando e recebendo maior incremento. A ideia central que a orienta é a de
que as comunidades indígenas sejam agentes participativos na implementação dessa
política, e que, gradativamente, assumam a gestão das escolas.
No entanto, embora os discursos provenientes dos documentos oficiais sejam de
uma educação que valorize os conhecimentos indígenas, isto não se viabilizará se não
131
POLÍTICA houver pesquisas que subsidiem uma educação de qualidade, que possibilite a ampla
EDUCACIONAL
BRASILEIRA aprendizagem às crianças, jovens e adultos indígenas.
Toda essa política ainda não foi totalmente compreendida e assimilada pelos povos
indígenas. As mudanças ocorrem lentamente nas escolas. A formação ainda não foi
suficiente para uma efetiva mudança. Encontramos, em várias situações, professores
despreparados para propor e conduzir uma educação diferenciada entre essas popula-
ções, sendo muitas vezes agentes de discriminação dentro das comunidades indígenas.
Ivone Rocha, em sua dissertação de mestrado intitulada ‘Educação e Cultura: o en-
sino de língua portuguesa em uma comunidade bilíngue Kaingang’2, nos mostra quão
distante se encontra a prática de um ensino bilíngue tão propagado nos textos oficiais:
132
compreendidas e refletidas pelos indígenas e por aqueles que estudam a educação Políticas educacionais
para populações
escolar destinada a essas populações. indígenas
Referências
133
POLÍTICA FAUSTINO, Rosangela Célia. Política educacional nos anos de 1990: o
EDUCACIONAL
BRASILEIRA multiculturalismo e a interculturalidade na Educação escolar indígena. 2006.
329 f. Tese (Doutorado em Educação)- Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2006.
NAÇÕES UNIDAS. Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos
indígenas. Rio de Janeiro: Nações Unidas, 2008. Disponível em: <http://www.
un.org/esa/socdev/unpfii/documents/DRIPS_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.
134
SILVA, A. L. da. Educação para a tolerância e povos indígenas no Brasil. In: Políticas educacionais
para populações
GRUPIONI, L. D. B.; VIDAL, L. B.; FISCHMANN, R. (Org.). Povos indígenas e indígenas
Proposta de Atividade
1) Tomando por base o presente capítulo e pesquisando em outras fontes disponíveis nas
referências e na Internet, discuta com seus colegas e elabore um pequeno texto abordando
a importância da escola para as comunidades indígenas hoje.
Anotações
135
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
136
9 Ações afirmativas e
cotas para negros
no Ensino Superior
Walter Lúcio de Alencar Praxedes
137
POLÍTICA da sociedade brasileira contemporânea em relação à formação universitária necessária
EDUCACIONAL
BRASILEIRA para as carreiras burocráticas e científicas e para a participação cidadã. O Ensino Su-
perior deve proporcionar aos professores, pesquisadores e alunos o desenvolvimento
de um conjunto complexo de competências. Como exemplos de tais competências,
podemos sinteticamente citar:
a) Imaginação na busca de soluções para problemas novos e inesperados;
b) Capacidade de raciocinar logicamente sobre conteúdos simbólicos;
c) Capacidade de compreender e de desenvolver os conhecimentos científicos;
d) Entendimento do processo produtivo como um todo;
e) Capacidade de avaliar as tendências de mudanças na sociedade, na cultura, na
política, no mercado etc.;
f ) Precisão e adequação nas formas de comunicação escrita, oral e visual;
g) Capacidade de desempenhar múltiplos papéis profissionais e de adaptação rá-
pida às novas gerações de equipamentos e ferramentas;
h) Responsabilidade, compromisso e persistência na busca dos objetivos projetados;
1) Pensamento crítico e envolvimento ético na busca de soluções para os proble-
mas sociais, do meio ambiente e em defesa da democracia e dos direitos huma-
nos na vida pública (PAIVA, 1993, p. 316-319).
Com tal relevância política e cultural, não é aceitável que o Ensino Superior seja
prioritariamente acessível aos segmentos privilegiados e dominantes da sociedade bra-
sileira, sejam eles classes sociais, grupos étnicos, raciais ou de gênero. Entretanto, em
uma avaliação crítica do professor José Jorge Carvalho, depois de mais de um século
do final da escravidão em nosso país,
138
mulher negra da carreira docente no Ensino Superior brasileiro, demonstrando que Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
a probabilidade de um estudante brasileiro ser bem sucedido no sistema de ensino é Superior
139
POLÍTICA d) desenho, leitura e música incorporados ao lazer infantil;
EDUCACIONAL
BRASILEIRA e) seleção de programas educativos na televisão;
f) disciplina de estudo e concentração;
g) hábito de estudo autônomo;
h) expectativa de bom desempenho na escola;
i) valorização do sucesso escolar.
Embora as variáveis acima não utilizem como critério diferenciador o fator cor ou raça,
segundo os indicadores mais confiáveis divulgados oficialmente pelo IBGE, na Síntese
de Indicadores Sociais de 2003, e na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar de 1999,
os indivíduos que se autodeclaram como pretos e pardos e que são classificados como
negros representam 64% da população pobre, 69% da população indigente e 63,9% dos
trabalhadores com rendimento médio de até 2 salários mínimos, com as maiores taxas de
analfabetismo e menor tempo médio de escolarização (DURHAM, 2003).
Para levarmos em consideração apenas as taxas de analfabetismo entre os brasilei-
ros, comparando os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE
(PNAD) de 1992 e 1999,
140
se refletem em nosso sistema universitário de inúmeras maneiras, uma vez que o sim- Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
ples acesso à escola não assegura igualdade de resultados, porque muitos alunos ne- Superior
1 Bourdieu chama de capital social o ‘conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão li-
gados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interco-
nhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como
conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por
ligações permanentes e úteis’ (BOURDIEU, 1998, p. 67).
141
POLÍTICA Caso as políticas públicas do setor de educação e a ação educativa no interior de
EDUCACIONAL
BRASILEIRA escolas e universidades não levem em consideração essa situação de desigualdade
quanto à escolarização existente entre as famílias de negros e não-negros, continuarão
a contribuir para a reprodução da situação que condena a maior parcela dos jovens
negros à evasão escolar, à marginalização ou à realização das mesmas atividades profis-
sionais menos qualificadas e remuneradas de seus pais.
142
d) a destinação de recursos públicos para o custeio dos estudos dos estudantes Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
racialmente discriminados; Superior
143
POLÍTICA estado de São Paulo é o que possui mais universidades com ações afirmativas,
EDUCACIONAL são sete no total. E, no que diz respeito aos indígenas, já são 37 instituições que
BRASILEIRA
adotam ações afirmativas (a maioria sob a forma de reserva de vagas). O estado
do Paraná possui o maior número de instituições que aplicam essa forma de
inclusão, são 18 ao todo (FERREIRA, 2009).
Outras instituições, no entanto, cujos docentes e dirigentes muitas vezes estão cris-
talizados burocrática e ideologicamente contra uma medida de democratização do aces-
so que contraria o senso comum meritocrático e competitivo que predomina em nossas
universidades, adotam como estratégia de dissuasão o incentivo a um debate sem fim,
que com a desculpa de aprofundar as discussões esclarecedoras, protela a implemen-
tação de medidas de promoção da igualdade racial, repetindo o caminho seguro e in-
sensato que vem sendo adotado pelas elites no Brasil desde a abolição da escravatura.
CONCLUSÃO
Pensamos que só os otimistas incorrigíveis e os oportunistas políticos acreditam
que em médio prazo se alterarão as condições socioeconômicas e culturais da maioria
dos negros. Devemos, a esse respeito, recordar um argumento muito utilizado pelos
movimentos negros em favor das cotas: mesmo que os governos e a sociedade se dedi-
cassem efetivamente ao compromisso de acabar com as desigualdades sociais, econô-
micas e de acesso aos bens culturais decorrentes, em grande parte, do racismo contra
os negros, demoraríamos várias décadas para que os negros se tornassem portadores
daquelas características que favorecem um melhor desempenho no Ensino Superior.
Sem as cotas, o Ensino Superior continuará confirmando a tendência de barragem
racial para os negros em nosso país. Por isso, ao invés de termos um sistema universi-
tário público que seleciona e prepara elites através dos exames vestibulares e provas,
e que, com tal mecanismo, favorece aqueles alunos que chegam com as melhores
condições nos exames, nosso sistema universitário deveria estar comprometido com a
democracia e com o fim das desigualdades e hierarquias sociais fundadas nas práticas
discriminatórias. Alguns argumentam que não é esse o papel reservado para o Ensino
Superior. Cabe então perguntarmos: por que não podemos redefinir a missão do En-
sino Superior público em nosso país?
As cotas representam um instrumento a ser utilizado pela sociedade brasileira para
compensar as deficiências de aprendizagem constatadas entre os alunos negros e para
acelerar o fim da barragem racista que sofrem. Para tanto, o sistema universitário deve
continuar a formular e a desenvolver políticas institucionais de investimento de recur-
sos materiais e intelectuais que ataquem os problemas de formação decorrentes das
condições socioeconômicas, educacionais e culturais dos alunos negros.
144
Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
Superior
Referências
BOURDIEU, Pierre. Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Grandes
Cientistas Sociais).
CARVALHO, José Jorge de. Ações afirmativas para negros e índios no ensino superior:
as propostas dos NEABs. Revista Universidade e Sociedade, Brasília, DF, ano 12,
n. 29, mar. 2003.
145
POLÍTICA GONÇALVES e SILVA, Petronilha Beatriz. Diretrizes curriculares nacionais para a
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história cultura
afro-brasileira e africana. Brasília, DF: Ministério da Educação, Conselho Nacional
de Educação, 2004.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Ações afirmativas para a população negra nas
universidades brasileiras. In: SANTOS, Renato E. dos; LOBATO, Fátima (Org.). Ações
afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
TAKAHASHI, Fábio. Alunos com bens de luxo têm desempenho escolar melhor no
ENEM. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13 jul. 2004. Disponível em: <http://www1.
folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u15759.shtml>. Acesso em: 15 nov. 2016.
146
Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
Superior
Proposta de Atividade
1) Explique o que são políticas de ações afirmativas e faça um levantamento das opiniões das
pessoas com as quais convive para elaborar um quadro com duas colunas. Na primeira
coluna, relate os argumentos favoráveis à implementação de medidas de ações afirmativas
em favor da população negra, como as cotas no Ensino Superior, por exemplo. Na segunda
coluna, relate os argumentos contrários. Em seguida, com base na leitura deste capítulo,
elabore um comentário pessoal.
Anotações
147
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
148
10 Educação ambiental:
referenciais para
a prática política e
científica
Luzia Marta Bellini
149
POLÍTICA Assim, para todas as empreitadas nacionais, como a construção de usinas hidrelé-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA tricas, a transposição do Rio São Francisco, os estudos EIA/RIMA são exigidos. Aziz
Ab’Saber, geógrafo que se dedica também aos estudos das áreas sob impactos, em de-
bate publicado pela Folha de São Paulo de 20 de fevereiro de 2005, teceu argumentos
contrários à transposição do Rio São Francisco, indicando que sua transposição para o
nordeste seco, onde temos a caatinga e rios intermitentes, sazonários e exoreicos (que
chegam ao mar), abrange um espaço de 750.000 Km, enquanto o projeto atingiria a
área menor, que já apresenta dois projetos lineares nas bacias do rio Jaguaribe, no
Ceará, e nos rios Piranhas/Açu, no Rio Grande do Norte. Para Ab´Saber, dizer que a
transposição do Rio São Francisco resolverá problemas do espaço total do ecossistema
semiárido é uma distorção.
No âmbito dos municípios, esses estudos também devem ser feitos, pois a longa
tradição de depredação dos mananciais de água das cidades pelo setor com interes-
ses imobiliários destruiu ecossistemas imprescindíveis às cidades. Entramos no século
XXI sem água potável suficiente na cidade de São Paulo, no estado do Rio de Janeiro
e mesmo em pequenas cidades o potencial de córregos foi desgastado pela poluição,
assoreamento e destruição da mata ciliar.
Após 1988, e com as Conferências do Rio ou ECO 92, muitos avanços na legisla-
ção ocorreram, entre eles a construção de processos decisórios para o Novo Código
Florestal, o qual tem sido atacado pelos interesses dos madeireiros, pecuaristas, que
avançam em ecossistemas importantes e frágeis, como os ecossistemas do Norte do
Brasil. A morte da irmã Doroty no Pará, em 2004, por fazendeiros, mostra ao Brasil
que os problemas ambientais são problemas sociais. Outros conflitos mostram que,
no país, o Código Florestal é mais do que necessário para diminuir não somente o
desaparecimento da diversidade vegetal como para conter a gula contra o patrimônio
cultural e social que são as nossas florestas.
Para quem se interessa pela legislação Brasileira do Meio Ambiente, um percurso
interessante é a Constituição de 1988, a Lei 9.605/98, que dispõe sobre os crimes e
infrações ambientais, as resoluções do CONAMA, que regulamentam sobre as estações
ecológicas, as áreas de proteção ambiental, sobre os relatórios de impacto ambiental,
o licenciamento ambiental, a reciclagem de materiais como pilhas, baterias e outros,
sobre as águas, os prazos de licenciamento, entre outras resoluções. Há, ainda, as leis
que dispõem sobre a criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental; há
os decretos que dispõem sobre as reservas ecológicas, reservas para corte e explora-
ção de vegetais, que aprovam o regulamento das florestas nacionais, sobre as reservas
particulares, sobre a criação do Programa Nacional de Florestas e há os regulamentos
que estabelecem diretrizes para o desmatamento de áreas, sobre a criação de jardins
botânicos.
150
Temos o Fundo Nacional do Meio Ambiente; as leis de ação civil pública e ação Educação ambiental:
referenciais para a
popular, ambas de 1985. Temos também a Lei 8.974/95, Lei de Engenharia Genéti- prática política e científica
151
POLÍTICA uma instituição somente, a escola. Todas as instituições, escolas, empresas, públicas e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA privadas, entidades de classes podem realizar programas de educação ambiental para
atender diversos segmentos da sociedade e com instrumentos metodológicos, tecno-
logias diferentes.
Na escola, a Educação Ambiental pode ser realizada nos diferentes graus de ensino
como prática de extensão. Nessa perspectiva, a Educação Ambiental deve ser uma área
para as ações sociais e ambientais locais que nos remete para ações mais globais. Para
efetivar a ação de educação para o ambiente, são necessários instrumentos científicos
da geografia, biologia, sociologia, entre outros conhecimentos científicos para que
os participantes possam fazer intervenção e mudança ambiental e porque não dizer,
social. São pequenas mudanças que vão criando experiências de intervenção.
152
para as metodologias que aplicaremos nos trabalhos ambientais. Como área nova, há Educação ambiental:
referenciais para a
muitos problemas para enfrentar. O principal são as dificuldades com os modelos prática política e científica
153
POLÍTICA ecólogo: ‘A ecologia vai bem, obrigado! É uma disciplina que tem alcançado des-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA taque nas ciências. Terei emprego por muito tempo’. Então, temos uma boa e
uma má notícia aos educadores ambientais: a má é que precisamos das ciências,
de seus modelos para a explicação dos problemas ambientais e isso requer mui-
to esforço e não vale trabalharmos com frases de efeito (slogans) para adesão
de outros para o nosso projeto ambiental. Temos que estudar muito, enfrentar
as fontes metodológicas para efetivar projetos de fato científicos. A boa notícia é
que muitos de nós estamos de fato com vontade de enfrentar essas dificuldades
iniciais de formular nossos modelos de forma mais rigorosa e aderir às causas
da Educação Ambiental.
Referências
AB’SABER, Aziz. Transposição do Rio São Francisco (debate). Folha de São Paulo,
São Paulo, 20 fev. 2005.
154
Educação ambiental:
referenciais para a
prática política e científica
Proposta de Atividade
Anotações
155
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações
156
11 Políticas públicas
de educação de
jovens e adultos no
Brasil pós-1988
157
POLÍTICA Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para aqueles que não tiveram
EDUCACIONAL
BRASILEIRA acesso ao mesmo na idade apropriada. No final da década de 1980, criou-se, interna-
mente, uma expectativa de ampliação da educação de jovens e de adultos no Brasil,
já que, institucionalmente, com a nova Constituição, criaram-se condições legais para
isso. Com o clima nacional favorável a ações de EJA, e internacionalmente com a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em 1990, em Jomtien,
na Tailândia, a alfabetização e a educação dos adultos passaram a ser tratadas como
parte integrante da Educação Básica. A expectativa era de que, nos anos 1990, fossem
viabilizadas ações, em termos de investimento público, voltadas para a educação dos
jovens e de adultos no Brasil para o atendimento à demanda existente para essa mo-
dalidade de ensino.
Nos Artigos 205 a 213 da Constituição Federal de 1988 estão assegurados os di-
reitos educativos dos brasileiros. O Artigo 205 estabelece as diretrizes a partir das
quais são estruturados todos os níveis e modalidades de ensino. O direito à educação
é estendido inclusive para os que a ela não tiveram acesso em idade apropriada.
Embora o Artigo 208 estabeleça a obrigatoriedade e a gratuidade do Ensino Funda-
mental, a Emenda Constitucional 14/96 suprime a obrigatoriedade do Poder Público
em oferecer serviços educacionais àqueles que não tiveram acesso à escola em idade
apropriada, mantendo somente sua gratuidade. A mesma emenda, ao tratar da uni-
versalização do Ensino Médio gratuito aos jovens e aos adultos, acrescentou ao Artigo
208 o termo progressivo, desobrigando, com isso, o Poder Público da imediata uni-
versalização dessa modalidade da educação. A redação do Artigo 208, modificada pela
Emenda 14/96, pressupõe a educação básica para todos, porém, restringe a definição
de ‘básico’ ao Ensino Fundamental dos seis aos quatorze anos.
Outra questão importante, referente à Constituição Federal de 1988, é o uso do ter-
mo ‘idade própria’ (Artigo 208), deixando entender, em primeiro lugar, que existe uma
idade apropriada para aprender e, em segundo lugar, tornando a educação de jovens e
de adultos política compensatória, com o objetivo de repor a escolaridade não realizada
na infância e adolescência, consideradas idades apropriadas (DI PIERRO, 2000).
A preparação para o trabalho merece também destaque pelo fato de a população
atendida pela EJA, em sua maioria, ser constituída por aqueles que estão inseridos no
mercado de trabalho ou nele buscam inserir-se. Ressaltamos, na política educacional
para EJA, a continuidade do pensamento utilitarista que sempre marcou sua posição
na agenda das reformas educativas da América Latina, ou seja, a ‘prioridade à esfera
econômica da vida societária ordenadora dos meios e fins da educação’ (DI PIERRO,
2000, p. 26). Esse caráter utilitarista das ações e concepções de governantes e do
pessoal responsável por definir os rumos da educação nacional tem direcionado uma
158
política pública baseada no oferecimento de uma EJA restrita à qualificação para o tra- Políticas públicas
de educação de
balho. Seguindo o princípio de que a EJA deve restringir-se às necessidades da esfera jovens e adultos no Brasil
pós-1988
da produção, o direito universal à educação básica pública e gratuita em qualquer
idade foi substituído por políticas de focalização de programas dirigidos ‘a subgru-
pos etários, socioculturais, áreas geográficas e segmentos profissionais considerados
prioritários’ (DI PIERRO, 2000, p. 27).
A Lei no 9.424, de 24 de dezembro de 1996 operacionalizou a distribuição de
responsabilidades e recursos entre os estados e seus municípios, criou o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Magistério (Fundef ) e deixou a EJA de fora dos
cálculos do Fundo, com o veto do presidente Fernando Henrique Cardoso à inclusão
da EJA nos cálculos para repasse de verbas. Com as restrições à inclusão dos alunos
da EJA nos cálculos do Fundo, muitos estados e municípios se viram impossibilitados
de oferecer educação continuada à população jovem e adulta, impedindo a propala-
da universalização do Ensino Fundamental.
Em 19 de dezembro de 2006, instituído pela Emenda Constitucional nº 53, o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb) substituiu o Fundef, que só previa recursos
para o Ensino Fundamental. O Fundeb foi regulamentado pela Medida Provisória nº
339/2006, posteriormente convertida na Lei nº 11.494/2007. O Fundeb trouxe como
novidade o financiamento da EJA em sua forma presencial; no entanto, a medida Pro-
visória 339/2006, em seu Artigo 11, estabelece que os recursos investidos na EJA não
pode ultrapassar, em cada Estado e no Distrito Federal, o percentual máximo de dez
por cento dos recursos do Fundo. Reconhecemos o avanço na inclusão da EJA nos
cálculos do Fundeb; no entanto, as matrículas de EJA recebem um percentual menor
que as de alunos do Ensino Fundamental.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 prevê a organi-
zação do sistema educacional brasileiro em dois níveis: a Educação Básica – formada
pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio – e o Ensino Superior. A
mesma LDB nº apresenta as seguintes modalidades de educação: educação de jovens
e de adultos, educação profissional, educação especial, educação indígena e educa-
ção a distância. A educação de jovens e de adultos, tratada na lei como modalidade
integrante da Educação Básica, destina-se ao atendimento de alunos que não tiveram,
na idade própria, acesso ou continuidade de estudo no Ensino Fundamental e Médio.
A denominação ‘Educação de Jovens e Adultos’ substitui o que, na Lei nº 5.692/71 era
chamado de ‘Ensino Supletivo’.
Na LDB nº – 1996, a educação de jovens e de adultos é objeto dos Artigos 37
e 38. Nesses artigos, explicita-se que competem aos sistemas de ensino assegurar
159
POLÍTICA gratuitamente oportunidades educacionais, de maneira adequada àqueles que não con-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cluíram seus estudos em idade apropriada, por meio dos cursos e exames supletivos.
Observamos que a LDB nº 9.394/96, ao tratar de cursos e exames, ainda utiliza o ad-
jetivo supletivo. Todavia, este deve ser aplicado para designar a modalidade de exames.
A novidade mais expressiva trazida pela LDB nº 9.394/96 é o rebaixamento da idade
mínima para os exames supletivos de 18 para 15 e de 21 para 18, nas etapas de Ensino
Fundamental e Médio, respectivamente. Quando se tratar de cursos, com avaliação no
processo, os alunos matriculados só poderão concluir os correspondentes estudos
quando atingirem a idade considerada para cada nível de estudo. O rebaixamento da
idade mínima os exames supletivos deixou em aberto a possibilidade de adolescentes
frequentarem os cursos de EJA, contribuindo para a complexidade do trabalho com
os jovens e adultos. Ainda muitos Estados utilizaram a EJA como forma de correção
do fluxo do sistema escolar gerando severas críticas a essa modalidade da educação.
Quanto à estrutura dos cursos de EJA, a LDB nº 9.394/96 define somente que
essa modalidade deverá seguir a base nacional comum dos componentes curriculares
do Ensino Fundamental e Médio. Sendo assim, a previsão de carga horária, para os
cursos, é de competência dos entes federativos, por meio de regulamentação dos
respectivos conselhos estaduais de educação.
Os exames supletivos de que trata o Artigo 38 da LDB nº 9.394/96, segundo o
Parecer CNE/CEB 11/2000, não podem ser considerados como um fim da EJA; eles
existem por constituem-se em um direito a ser requisitado pelo cidadão. O inciso 2º
do Artigo 38 da LDB nº prevê que conhecimentos adquiridos de maneira informal
sejam aproveitados e certificados pela EJA por meio de exames. Observamos aqui a
propalada flexibilidade dessa modalidade da Educação Básica.
A Lei no 9.394/96, segundo Arelaro e Krupa (2002), não trouxe melhorias signi-
ficativas à EJA, pois nela apenas dois artigos abordam essa modalidade de ensino.
Também Rummert (2002) chama a atenção para o conteúdo marcadamente flexível
da LDB nº de 1996, evidenciando a lógica pela qual as políticas de EJA estão pautadas:
a relação custo/benefício. Di Pierro (2000, p. 113-114) propala que essa LDB, em sua
redação final, frustrou muitos que trabalhavam com a EJA devido às ‘[...] lacunas,
incoerências, estreiteza conceitual, falta de inventividade e funcionalidade aos in-
teresses privados no ensino’. A autora aponta como incoerência ou ambiguidade a
retomada do adjetivo supletivo, relegando essa modalidade a um subsistema paralelo
ao formal, como já existia na LDB nº 5.692/71. Acrescenta que a flexibilidade dessa
modalidade de ensino permite sua utilização como forma de aceleração de estudos,
admitindo o acesso a ela por meio de avaliações de conhecimentos adquiridos de
maneira informal.
160
Como resposta às questões levantadas acerca das incoerências e ambiguidades Políticas públicas
de educação de
da legislação de EJA produzida nos anos 1990, a Câmara de Educação Básica, desde jovens e adultos no Brasil
pós-1988
2004, passou a realizar audiências públicas para debater sobre a duração dos cursos,
a idade mínima para ingresso na EJA, a certificação nos exames e o desenvolvimento
do EJA por meio da Educação a Distância. Tais debates culminaram com a aprovação
pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação do Parecer CNE/
CEB nº 23/2008, aprovado em 8 de outubro de 2008, que institui as Diretrizes Ope-
racionais para a Educação de Jovens e Adultos no que se refere à duração dos cursos,
idade mínima para ingresso, certificação nos exames e ao desenvolvimento do EJA
por meio da Educação a Distância (EAD).
De acordo com o citado parecer, os sistemas de ensino têm prazo até 2013 para
desenvolver programas que garantam a permanência dos jovens de 15 a 17 anos na
escola regular. As ações de EJA em integração com a educação a distância poderão ser
desenvolvidas excetuando-se o primeiro segmento do Ensino Fundamental em razão
de suas características próprias. A duração mínima dos cursos de EJA, pela mediação
da EAD, deverá respeitar o total de 1.600 (mil e seiscentas) horas no 2º segmento do
Ensino Fundamental e de 1.200 (mil e duzentas) horas no Ensino Médio, para ambos
a idade mínima para ingresso é de 18 anos completos.
É importante observarmos o fato de que, a partir de meados dos anos 1990, as
ações do governo federal, na educação de jovens e adultos, caracterizaram-se por
intervenções focalizadas e de caráter compensatório, dentre as quais se destacam: o
Programa Alfabetização Solidária (PAS); o Programa Nacional de Educação na Refor-
ma Agrária (Pronera); o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor); o
Programa Recomeço e, atualmente o Programa Brasil Alfabetizado (DI PIERRO; GRA-
CIANO, 2003). O Programa Brasil Alfabetizado, a partir de 2006, passou a destinar
71% dos seus recursos para as redes estaduais e municipais de ensino, indicando
claramente uma redução da atuação da sociedade civil nesse campo educativo.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), por intermédio da Câmara de Educação
Básica (CEB), expediu a Resolução CNE/CEB nº 1, de 05 de julho de 2000, a qual, ao
tomar como referência o Parecer CNE/CEB nº 11/2000, homologado pelo Ministro
da Educação em 07 de julho de 2000, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a EJA (BRASIL, 2002b). A Resolução CNE/CEB nº 1/2000 apresenta 25 artigos
que normatizam, em âmbito nacional, a educação de pessoas jovens e adultas em
todas as suas modalidades. A função do documento é estabelecer diretrizes nacionais
e devem, obrigatoriamente, ser observadas na oferta da EJA, nas etapas fundamental
e média, em instituições que integrem a organização da educação nacional, conside-
rando o caráter próprio dessa modalidade de educação (Artigo 1º).
161
POLÍTICA O Artigo 2º da referida Resolução submete a organização da EJA aos termos dos
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Artigos 4º e 5º da LDB-1996, que tratam do direito à educação, dos Artigos 37 e 38,
que versam especificamente sobre a EJA, e do Artigo 87, que trata da Educação profis-
sional em nível técnico, quando essa se tornar viável.
A Resolução CNE/CEB nº 1/2000, no seu Artigo 5º, estabelece que os componen-
tes curriculares e o modelo pedagógico da EJA devem respeitar as Diretrizes Nacio-
nais Curriculares para o Ensino Fundamental (CEB 4/98), as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (CEB 15/98) e as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Profissional de Nível Técnico (CEB 16/99). Utilizar-se dos componen-
tes curriculares do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional não
deve descaracterizar a EJA, pois, a fim de assegurar a identidade própria da educação
para jovens e adultos, prevê que se faça uma adaptação dos programas seguindo os
critérios de equidade, diferença e proporcionalidade.
Dada à flexibilidade atribuída à EJA em seus principais documentos normativos,
essa modalidade da Educação Básica tem sido ofertada pelos entes federativos sob
diferentes formas. A questão principal que verificamos é a concepção da EJA apenas
como alfabetização e o uso das etapas fundamental e média como formas de correção
do fluxo do sistema escolar, o que caracteriza a suplência como a principal função da
EJA no Brasil.
O Parecer CNE/CEB nº 11/2000, relatado por Carlos Roberto Jamil Cury, trata
das Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação de Jovens e de Adultos. O
texto completo consta de duas partes: I - Relatório e voto do relator; II - a Decisão
da Câmara. O referido Parecer atende à Lei nº 9.394/96, na qual consta que a EJA de-
veria também receber um tratamento diferenciado, ao passar a ser uma modalidade
da Educação Básica, nas etapas fundamental e média, e possuir uma especificidade
própria (BRASIL, 2002b).
O referido Parecer se dirige aos sistemas de ensino e seus respectivos estabele-
cimentos que se ocupam da EJA, nas formas presencial e semipresencial de cursos,
que tenham como objeto a certificação de conclusão de etapas da Educação Básica.
Para esses estabelecimentos, as Diretrizes Curriculares são obrigatórias. As mesmas
Diretrizes, diferentemente, são somente referenciais pedagógicos às iniciativas da so-
ciedade civil que desenvolverem programas de educação que não visem à certificação
oficial de conclusão de estudos das etapas da educação básica (BRASIL, 2002b). Tra-
ta-se da flexibilização da EJA a que nos referimos anteriormente.
Ao estabelecer os conceitos e funções da EJA, o relator do Parecer nº 11/2000
aponta para a existência, no Brasil, de uma dualidade, e caracteriza a separação en-
tre os alfabetizados/analfabetos letrados/iletrados, como se constituíssem um ‘novo
162
divisor entre cidadãos’ (BRASIL, 2002b, p. 28). Explica também que, apesar dos esfor- Políticas públicas
de educação de
ços e dos reconhecidos avanços na tarefa de levar a escolarização básica às crianças, jovens e adultos no Brasil
pós-1988
o Brasil possui um grande contingente de analfabetos. Nesse documento, fica estabe-
lecido que cabe, então, à EJA cumprir as funções de: a) reparação, ou seja, a inclusão
social e a reparação de uma dívida histórica para com a classe trabalhadora; b) equali-
zação, a qual se articula com os interesses daqueles que tiveram sua trajetória escolar
interrompida e apresenta-se como possibilidade de um novo ponto de partida para a
igualdade de oportunidades; c) qualificação, essa função relaciona-se com a tarefa de
levar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida. De acordo com o Pare-
cer CNE/CEB nº 11/2000, a qualificação é a função permanente e o próprio sentido
da EJA. Sua oferta é regular enquanto modalidade de exercício da função reparadora,
sendo oferecida na forma de cursos e de exames supletivos, meios pelo qual o poder
público viabilizará aos jovens e aos adultos o acesso à escola.
Quanto à forma de organização do atendimento à população jovem e adulta,
o Parecer reforça o reconhecimento da EJA (BRASIL, 2002b) como modalidade da
Educação Básica e direito público subjetivo na etapa do Ensino Fundamental, como
reconhecido na Constituição 1988. Embora a legislação não preveja a frequência e
a duração dos cursos de EJA, ela prevê que a ‘oferta dessa modalidade é obrigatória
pelos poderes públicos, na medida em que os jovens e os adultos queiram fazer uso
do seu direito público subjetivo’ (BRASIL, 2002b, p. 72).
Outra questão esclarecida pelo Parecer é o acolhimento do caráter flexível da LDB
nº 1996 em seu Artigo 24, que permite ao aluno o ingresso no Ensino Médio sem ter
passado pelo Ensino Fundamental, mesmo reconhecendo seu caráter obrigatório e
imprescindível na faixa etária dos sete aos quatorze anos.
Quanto aos exames supletivos, o Parecer ressalta que devem ‘[...] primar pela
qualidade, pelo rigor e pela adequação’ (BRASIL, 2002b, p. 82-83). É importante que
sejam organizados sob o primado da lei, em instituições públicas ou privadas especi-
ficamente credenciadas e avaliadas para esse fim.
Outro ponto importante, ressaltado no referido documento, conforme consta no
Parecer CNE/CEB nº 11/2000, é a visão da existência de múltiplas agências que ofer-
tam a EJA, ‘[...] sendo no âmbito público, seja no privado, nos quais se mesclam cur-
sos presenciais com avaliação no processo, cursos à distância’ ou, ainda, cursos livres
mantidos pela iniciativa civil (BRASIL, 2002b, p. 94). Nessa multiplicidade de atores
envolvidos na EJA, à União cabe o papel de articular as várias ações nesse campo edu-
cativo, a fim de que essas sejam contínuas e integradas.
Sobre a questão curricular, o Parecer aponta ser perigosa a elaboração de diretri-
zes curriculares específicas para a EJA, por isso poder se configurar como uma nova
163
POLÍTICA dualidade. Seguir os referenciais curriculares para o Ensino Fundamental e Médio,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA expresso nos Pareceres CEB nº 04/98 e nº 15/98 e as respectivas resoluções CEB nº
02/98 e nº 3/98, não significa uma ‘[...] reprodução descontextualizada face ao caráter
específico da EJA. Os princípios da contextualização e do reconhecimento de iden-
tidades pessoais e das diversidades coletivas constituem-se em diretrizes nacionais
dos conteúdos curriculares’ (BRASIL, 2002b, p. 122). Neste sentido, requer-se levar
em consideração, na organização do trabalho escolar de EJA, os seguintes aspectos:
a) flexibilizar o horário de atendimento, especialmente no noturno; b) flexibilizar o
currículo de forma a aproveitar as experiências diversas dos discentes; c) combinar
momentos presenciais e não-presenciais; d) distinguir as duas faixas etárias consigna-
das nessa modalidade (jovem e adulto) considerando as expectativas e experiências
de cada um; e) dar destaque à inserção profissional de modo a ser capaz de se adaptar
com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores
(BRASIL, 2002b, p. 123-125).
A contradição existente nessas orientações está no fato de o Parecer apontar para a
necessidade de pensar especificamente a EJA, e ao final do documento o Relator con-
cluir ser perigoso o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais específicas
para essa modalidade de ensino. Desconsiderando toda a situação precária do aten-
dimento a essa modalidade da educação, devida principalmente à impossibilidade
de usar recursos como os do Fundef, ou ainda, à inexistência no Brasil de cursos de
formação de professores especificamente para EJA, o Parecer remete às escolas e aos
professores a tarefa de ressituar os componentes curriculares do Ensino Fundamental
e Médio para jovens e adultos.
Em janeiro de 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado como lei,
conforme a Constituição de 1988 o determinou, para assegurar-lhe maior força e
garantia de execução. A Lei nº 10.172/2001, Plano Nacional de Educação (PNE), não
estabelece penalidades, mas é, na verdade, definida como uma lei de compromisso.
Na primeira parte do PNE, estabelecem-se objetivos e prioridades de atendimen-
to, princípios sob os quais se organizará cada nível de ensino. Alegando ‘recursos
financeiros limitados’ (BRASIL, 2001a, p. 35), o PNE elege prioridades de atendi-
mento, sendo a primeira a garantia do Ensino Fundamental obrigatório de oito anos
a todas as crianças de sete a quatorze anos. A segunda se ocupa da oferta do Ensino
Fundamental a jovens e adultos, apontando a alfabetização como ponto de partida.
A terceira prioridade corresponde à extensão de forma gradual do acesso ao Ensino
Médio aos jovens e adultos.
No capítulo reservado a EJA, o diagnóstico apresentado (BRASIL, 2001a) aponta
para a existência de 16 milhões de analfabetos no Brasil, apesar do progresso com
164
relação à universalização da educação. Para concretizar o direito público subjetivo da Políticas públicas
de educação de
Educação Fundamental ao jovem e ao adulto, no PNE é apontada a necessidade de jovens e adultos no Brasil
pós-1988
conceder incentivos financeiros como bolsas de estudos, a exemplo de experiências
exitosas neste sentido, o que denota o caráter supletivo dado a essa modalidade de
ensino, não se constituindo em uma política pública que atenda a toda a população
existente nessa área. Além disso, o PNE indica como ação a se concretizar na oferta da
EJA a diversificação dos programas com participação solidária de toda a comunidade,
envolvendo as organizações da sociedade civil diretamente nessa área e transferindo
para a sociedade a responsabilidade do atendimento à população jovem e adulta.
Destacamos ainda a ideia de ampliação gradativa da oferta do ciclo completo das
oito séries do Ensino Fundamental aos jovens e aos adultos, e a contribuição da so-
ciedade civil no trabalho de erradicação do analfabetismo, pois, segundo o PNE, só o
financiamento público é insuficiente para garantir o fim do analfabetismo. Conforme
o PNE, as metas estabelecidas, em um total de 26, são consideradas importantes para
a construção da cidadania, requerendo ‘[...] um esforço nacional, com responsabi-
lidade partilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal, os Municípios e a
sociedade organizada’ (BRASIL, 2001a, p. 75).
Os objetivos previstos no PNE para a EJA concentram-se na necessidade de prio-
rizar ações de alfabetização, associar o Ensino Fundamental de jovens e de adultos
à educação profissional e facilitar parcerias entre o governo e a sociedade civil, de
modo a que se alcance em cinco anos a oferta das quatro primeiras séries iniciais
pelo menos a 50% da população, com 15 anos ou mais, que não tenham concluído a
primeira etapa do Ensino Fundamental, além de dobrar em cinco anos e quadruplicar
em dez a oferta do Ensino Médio (BRASIL, 2001a).
O PNE, ao priorizar a alfabetização e incentivar a participação da sociedade civil
nas ações de EJA, tem colaborado para operacionalizar as diretrizes de flexibilização,
focalização e parceria, que são orientações das agências internacionais e dos grandes
eventos educacionais da última década do século XX. Apesar de as metas estabele-
cidas pelo PNE serem abrangentes, propõem uma ação focalizada em determinadas
regiões do país, com ênfase nos programas de alfabetização. A última meta estabeleci-
da no PNE, para a EJA, prevê que essa modalidade de ensino seja incluída, a partir da
aprovação do Plano, nas formas de financiamento da Educação Básica, fato que nunca
chegou a ocorrer, visto que os alunos matriculados na EJA, com o veto do presidente
Fernando Henrique Cardoso, foram retirados dos cálculos para o repasse de verbas
do Fundef.
O único objetivo estabelecido pelo PNE quanto ao financiamento a todas as mo-
dalidades de ensino, aí incluindo a EJA, de forma a suprir as necessidades dos estados
165
POLÍTICA e dos municípios para atendimento nessa área também foi vetado. Sendo assim, as
EDUCACIONAL
BRASILEIRA metas para o financiamento da EJA, segundo o que consta no PNE, continuam a se
pautar pela diretriz da focalização dos recursos para atendimento às áreas emergen-
ciais, como forma de aliviar a pobreza nessas regiões.
Constatamos também que o PNE prioriza o processo de alfabetização sem con-
siderar a necessidade de uma educação continuada aos jovens e aos adultos. Esses
programas contam, ou contaram, com a participação de empresas, sindicatos, federa-
ções, caracterizando uma intensa mobilização da sociedade civil na oferta de EJA, sob
regime de parceria. Os programas federais de EJA, implementados na última década
do século XX e início do século XXI, seguem as orientações do Parecer CNE/CEB nº
11/2000 documento orientador das ações de EJA, da Resolução CNE/CEB 1/2000 e
do Plano Nacional de Educação, documentos que normatizam essa modalidade da
educação básica.
O Programa Alfabetização Solidária (PAS), iniciativa do Governo Federal idealizado
pelo MEC em 1996 e implementado pelo Programa Comunidade Solidária, inicialmen-
te presidido pela então primeira-dama Ruth Cardoso, desenvolveu ações de combate
à pobreza com base em três programas: Alfabetização Solidária, Capacitação Solidária
e Universidade Solidária. Embora tenha sido concebido em divulgação e publicidade
do governo pelos meios de comunicação como forma de universalização do acesso à
alfabetização, o PAS ‘[...] não se propôs e nem demonstrou capacidade de modificar
a posição subalterna atribuída à educação de jovens e adultos na política federal de
ensino básico’ (DI PIERRO, 2000, 241). Esse programa padece das mesmas limitações
que caracterizaram as campanhas de alfabetização realizadas até hoje no Brasil, pois
não garante a continuidade de estudos, recorrendo a alfabetizadores leigos, ‘muitos
dos quais com reduzida escolaridade’. Além disso, permite a mobilização de setores da
sociedade que ‘não têm raízes no contexto sociocultural em que se propõe intervir’,
concretamente não ‘incidem sobre os fatores socioeconômicos e culturais que geram
e reproduzem o analfabetismo’ (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 38).
Com o propósito de dar continuidade de estudos aos egressos do PAS, os muni-
cípios esbarraram nas restrições do Fundef quanto aos investimentos em EJA, o que
levou o MEC a buscar outras parcerias, como a estabelecida com o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) por meio do Plano Nacional de Qualificação do Trabalha-
dor (Planfor)1 que teve início em 1995. Foi implementado com recursos do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) com o objetivo de ‘[...] reduzir o desemprego e
1 O Planfor foi substituído pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ) por meio da Resolução
no 333 de 10 de julho de 2003 (BRASIL, 2003b).
166
o subemprego da População Economicamente Ativa (PEA); combater a pobreza e a Políticas públicas
de educação de
desigualdade social; elevar a produtividade, a qualidade e a competitividade do setor jovens e adultos no Brasil
pós-1988
produtivo’ (BRASIL, 2004, p. 1).
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado em 1998,
é definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário como :
167
POLÍTICA Outro programa do Governo Federal iniciado sob o Governo Lula, em 2003, foi o
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Programa Brasil Alfabetizado. Tal Programa foi reformulado no contexto do Programa
de Desenvolvimento da Educação (PDE)2, ‘[...] prevendo que no mínimo 70% dos
alfabetizadores sejam constituídos por professores da rede pública, que trabalhariam
num turno distinto daquele em que realiza sua atividade regular como docente’ (SA-
VIANI, 2007, p. 1236).
Em 2003, foi criada a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo
(SEEA), que tem como meta principal erradicar o analfabetismo nos quatro anos de
mandato do atual governo. Para atingir esse objetivo, foi lançado o Programa Brasil
Alfabetizado, que, por meio do MEC, fará o repasse financeiro a órgãos públicos esta-
duais e municipais, instituições de ensino superior e organizações sem fins lucrativos
que desenvolvam ações de alfabetização. Os projetos deverão apresentar carga horá-
ria de alfabetização entre 240 horas/aula e 320 horas/aula, equivalente a 6 a 8 meses
de duração do curso, com carga horária semanal mínima de 10 horas/aula.
Como medida política expressiva relacionada às ações de EJA implementadas pelo
governo federal salientamos a aprovação do Decreto Federal nº 5.478/05. A partir
desse decreto o MEC, sob a coordenação da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (SETEC), criou o Programa de Integração da Educação Profissional ao
Ensino Médio na Modalidade de Educação e Jovens e Adultos (PROEJA). Em junho de
2006, o Decreto nº 5.478/05 foi revogado pelo Decreto Federal nº 5.840/06, que insti-
tuiu, em âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).
Por meio desse ensino profissionalizante em nível técnico pode ser concluído
de forma integrada ou concomitante ao Ensino Fundamental, ao Ensino Médio com
objetivo de atender a população em situação provocada pelo processo de exclusão
social, desemprego, baixa escolaridade e falta de profissionalização. O Proeja está
vinculado ao Programa Brasil Profissionalizado, criado em 2007, com o objetivo de
modernização e expansão das redes públicas de Ensino Médio integrados à educação
profissional, que é um dos focos do PDE.
Outro importante campo de atuação da EJA, com maior visibilidade no início do
século XXI, é a educação prisional. A educação em presídios, casas de detenção ou de
custódia, de acordo com a Lei de Execuções Penal (LEP) – Lei nº 7.210 de 11 de julho
168
de 1984, além de direito passa a ser obrigatoriedade para o Estado. No entanto, a LEP Políticas públicas
de educação de
ou a LDB de 1996 não deixam claro como deve ser assegurado esse direito, ficando a jovens e adultos no Brasil
pós-1988
cargo dos Estados, a organização da educação em contexto de privação de liberdade,
que tem implementado ações por meio de projetos educacionais de Educação de Jo-
vens e Adultos para a população carcerária, propostos e desenvolvidos pelos Estados,
diretamente ou em parceria com organizações não-governamentais.
De acordo com Graciano e Schilling (2008), há restrições históricas para a efetiva-
ção do direito à educação nas instituições penais. Apesar do reconhecimento legal, a
EJA ofertada nos presídios brasileiros está muito longe de ser a adequada. A educação
escolar no sistema penitenciário no Brasil até o momento carece de estatuto próprio.
Diante da ausência de uma política nacional, os entes federativos têm implementado,
nos espaços prisionais, ações de Educação de Jovens e Adultos (EJA) mediante a or-
ganização de projetos e programas de escolarização de jovens e adultos, na forma de
cursos com avaliação no processo ou na preparação para exames de suplência.
A EJA, na década de 1990, ocupou posição marginal na agenda das reformas edu-
cacionais do período; tal fato, para Di Pierro (2001, p. 323), explica-se no contexto
mais geral das reformas educacionais no Brasil no final do século XX. Para a autora,
essas reformas tiveram como diretrizes premissas econômicas e políticas, cujo ob-
jetivo foi dotar os ‘[...] sistemas educativos de maior eficácia com o menor impacto
possível nos gastos do setor público’, e com isso ‘[...] cooperar com as metas de
estabilidade monetária, controle inflacionário e equilíbrio fiscal’. Essa reforma teve a
assessoria do Banco Mundial, que atribui ao ensino primário maior taxa de retorno
econômico individual e social, o que explica a focalização do gasto público no ensino
fundamental dos sete aos quatorze anos, em detrimento da Educação Infantil, Ensi-
no Médio e modalidades de ensino como Educação de Jovens e Adultos e Educação
Especial.
O que podemos observar é que não há carência de legislação sobre a EJA. Disso
depreendemos que o problema não está nas leis, mas sim na política educacional
adotada pelos governos do Brasil nos últimos anos.
A legislação educacional produzida no Brasil pós-Constituição de 1988 prevê que
haja flexibilidade no atendimento aos jovens e adultos e aos portadores de necessi-
dades especiais. A implicação disso é que o Ensino Fundamental público e gratuito
continua sendo dever do Estado e direito do cidadão, porém, na última década, a
participação da iniciativa privada foi muito incentivada, o que significa que o Estado
deixou de ser o único responsável pela sua oferta e financiamento.
A funcionalidade da EJA, contrariando as promessas de reparação, equalização e
qualificação (SOARES, 2002), permanece restrita a uma ação supletiva do Estado que,
169
POLÍTICA para essa modalidade da educação, não destinou recursos financeiros suficientes e,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA além disso, transferiu para a sociedade civil parte da tarefa de escolarização dos jo-
vens e dos adultos. Tal fato contribui para criar a ilusão de que está havendo a demo-
cratização do poder público e, ainda, permite ao governo desobrigar-se da imediata
universalização da educação básica em todas as suas etapas.
Referências
170
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário: MDA. Instituto Nacional de Políticas públicas
de educação de
Colonização e Reforma Agrária. Manual de operações: Pronera. Brasília, DF, 2001b. jovens e adultos no Brasil
pós-1988
171
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Proposta de Atividade
Anotações
172
12 O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
direito à Educação
Eliana Silvestre
1 O Código de 1927 constituiu o primeiro Código que sistematizou as leis esparsas, voltadas ao
atendimento infanto-juvenil (MORELLI, 2002).
173
POLÍTICA passa a ser buscada. Entre outros, um resultado significativo dessa mobilização foi a
EDUCACIONAL
BRASILEIRA concretização do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (1985), uma mo-
bilização social desenvolvida por várias representações profissionais, principalmente
por educadores sociais e meninos de/e na rua2 para reivindicar vez e voz na defesa seus
direitos (protagonismo infanto-juvenil)3.
Outra manifestação importante, segundo Costa (2001), foi a efetivação do Fórum
Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Fórum Nacional DCA). Após vários encontros, congressos,
assembleias, seminários, reuniões, jornadas em todo o país, os participantes criaram
espaços para os encaminhamentos para os fóruns regionais (DCA), e foram criadas
comissões de trabalho para debater os direitos fundamentais da infância.
Os direitos fundamentais estão intimamente ligados ao tema dos direitos humanos,
que são universais. Direitos humanos, para Soares (2002), são aqueles direitos básicos
para que todo ser humano viva com dignidade; é o reconhecimento da dignidade hu-
mana, de seus direitos iguais e inalienáveis e a observância desses direitos e liberdade.
Esses direitos representam conquistas históricas no campo da saúde, da educação, da
profissionalização, da segurança, do esporte, cultura e lazer, da convivência familiar e
comunitária, da participação etc. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente,
direitos conquistados pelo movimento social em favor da infância, foram estabelecidos
na Constituição e reafirmados pelo Estatuto ao considerar a criança e o adolescente
como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento – sujeito de direitos – com
prioridade absoluta na formulação de políticas públicas. Nessa concepção, a criança e o
adolescente passam a ter vez e voz, ressalvadas as restrições legais a sua condição pecu-
liar de desenvolvimento.
A proteção integral reconhece na criança e adolescente sujeitos de direitos, cida-
dãos, devendo ser tratados com respeito e dignidade, situação que lhes confere uma
série de direitos. O direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (ECA, Arts.
2 Meninos de rua: aqueles que exercem suas atividades principais nas ruas e não possuem víncu-
los familiares ou comunitários, permanecendo nas ruas ou praças das cidades. Meninos nas ruas:
aqueles que exercem suas atividades principais nas ruas (trabalho, refeições etc.) e retornam para
suas casas para dormir (MINAYO, 1993).
3 Segundo Costa (2009), a palavra protagonismo vem do grego: ‘Proto quer dizer o primeiro,
o principal. Agon significa luta. Protagonista quer dizer o lutador principal’. No campo da
educação ‘o cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na
vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla. [...] A participação se torna genuína
quando se desenvolve num ambiente democrático’. Disponível em: <http://smeduquedecaxias.
rj.gov.br/nead/Biblioteca/Forma%C3%A7%C3%A3o%20Continuada/Artigos%20Diversos/
costa-protagonismo.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.
174
53 a 59), objeto dessa discussão, está disposto no Título II, Capítulo IV do Estatuto O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
(BRASIL, 1997). direito à Educação
175
POLÍTICA A lei considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente
EDUCACIONAL
BRASILEIRA aquela entre doze e dezoito anos de idade (ECA, Artigo 2º) e o tratamento a ser apli-
cado quando cometerem atos infracionais deverá, assim, ser diferenciado4. A criança
estará submetida às medidas de proteção previstas no Artigo 101 do ECA,
176
pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e sua O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
qualificação para o trabalho’. direito à Educação
6 A alteração da faixa etária das crianças na Educação Infantil e Fundamental é uma decisão da
política da educação, no entanto, não houve alteração até o momento no Estatuto referente ao
direito da educação (Art. 54, inciso IV).
177
POLÍTICA punições disciplinares injustificadas, trabalho infantil, entre outros)7. No caso de não
EDUCACIONAL
BRASILEIRA serem tomadas as devidas providências pelo Conselho Tutelar, podem ser acionados o
Ministério Público e o Judiciário para os encaminhamentos cabíveis.
Os pais ou responsáveis têm não só a obrigação de matricular seus filhos na rede
regular de ensino (Artigo 55, ECA); (BRASIL, 1997), como também o dever de zelar
pela frequência à escola. No caso do não-cumprimento dos direitos das crianças e ado-
lescentes, podem também ser responsabilizados, inclusive criminalmente, pelas suas
omissões injustificadas. Assim, a comunicação obrigatória aos órgãos competentes ob-
jetiva possibilitar a intervenção de órgão externo na tentativa da inclusão de todas as
crianças na rede escolar. Não se permite nenhuma forma de expulsão de alunos do
sistema escolar, tampouco a exclusão do adolescente considerado autor de ato infra-
cional, em consonância com Pereira (2004) e Silvestre (2002).
A escola faz parte do Sistema de Garantia de Direitos que é articulador de poderes
e sistemas operacionais de políticas públicas e o Estatuto estabelece a sua articulação
jurídico-institucional-pedagógica para a consecução da proteção integral do sujeito na
sua integralidade. O Estatuto ainda determina, no parágrafo único do Artigo 53, que
‘é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como
participar da definição das propostas educacionais’. É fundamental a participação da
família no desenvolvimento desse processo, além do que no processo educacional de-
verão ser respeitados ‘os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto
social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e acesso
às fontes de cultura’ (Artigo 58, ECA); (BRASIL, 1997).
As mudanças ocorridas foram no sentido da efetiva participação da criança e do
adolescente em todo o processo pedagógico, o que implica no reconhecimento da
concepção de sujeito de direitos que deve, por sua vez, estar pautada na metodologia
da proposta pedagógica. O que é ser sujeito de direitos em termos pedagógicos? De
acordo com Costa, a história da educação, ao longo do século XX, ‘é a história da pas-
sagem do paradigma do educando como objeto passivo da intervenção do educador
para a condição de sujeito’ (COSTA, 2001, p. 83), entendendo ser a criança e o adoles-
cente participantes ativos do processo educativo.
O direito à educação (ECA, Arts. 53 a 59) consiste em:
• igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
7 É importante ressaltar que o Conselho Tutelar é um órgão público estatal que tem por função
a aplicação de medidas de proteção às crianças e adolescentes com direitos violados. Portanto,
não é um órgão de punição. Por isso a sua função articulada com a área da educação é consi-
derada importante porque este tem o poder de requisitar serviços e ações para restituir direitos
violados.
178
• todos têm acesso a ingressar na escola, sem distinção de qualquer natureza, não O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
podendo ser dificultada a permanência de quem teve acesso; direito à Educação
179
POLÍTICA O que veda a lei é a prática de atos de violência, de crueldade e de opressão. O
EDUCACIONAL
BRASILEIRA que veda a lei é a exposição da criança e do adolescente a situações de vexame e cons-
trangimento. Dignidade e respeito a sua condição peculiar de desenvolvimento devem
estar presentes não só no ambiente escolar como na família, na comunidade e também
na formulação das políticas públicas quando se estabelece a integração efetiva das
políticas públicas (econômica, social, cultural e de direitos) desenvolvidas em trabalho
rede de proteção integral, e na concepção da integralidade do sujeito, que se constitui,
hoje, em nosso entender, um dos grandes desafios para a sociedade brasileira.
Em um Estado democrático participativo, as políticas públicas devem estar vin-
culadas aos conteúdos básicos da democracia, envolvendo a igualdade de todos os
cidadãos perante a lei, o respeito pela natureza humana das pessoas sem nenhuma
distinção e o respeito às diferenças, buscando o fim das desigualdades. Percebemos
que as práticas desenvolvidas pelos fóruns e conferências, pelas organizações da so-
ciedade civil, por movimentos sociais, têm demonstrado um ‘saber-fazer’ diferenciado,
tanto do ponto de vista da criatividade e inovação metodológica quanto do aumento
da participação de crianças, adolescentes e jovens na compreensão de seus direitos.
No entanto, temos um grande desafio, que é romper com a fragmentação das políticas
públicas histórica e culturalmente construídas no país que impedem ou dificultam
a proteção integral de crianças e adolescentes no respeito aos direitos humanos da
pessoa em condição peculiar de desenvolvimento considerando o seu histórico, e essa
problemática deve ser enfrentada pelas escolas em uma concepção diferenciada da
que observamos no contexto atual.
Referências
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Pedagogia e justiça. In: MÉNDEZ, Emílio Garcia;
BELOFF Mary (Org.). Infância, lei e democracia na América Latina. Blumenau:
Edifurb, 2001. p. 79-90.
180
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: o que é e como O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
praticá-lo. Disponível em: <http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/Biblioteca/ direito à Educação
Forma%C3%A7%C3%A3o%20Continuada/Artigos%20Diversos/costa-protagonismo.
pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.
MÉNDEZ, Emílio Garcia. Infância, lei e democracia: uma questão de justiça. In:
MÉNDEZ Emílio Garcia; BELOFF Mary (Org.). Infância, lei e democracia na
América Latina. Blumenau: Edifurb, 2001. p. 21-45.
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R. (Org.). Crianças e adolescentes: a arte de sobreviver. Maringá: Eduem, 2002. p.
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PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Educação, direito e cidadania. In: Igualdade:
Revista Trimestral, Curitiba, v. 3, n. 9, p. 9-24, out./dez. 1995.
181
POLÍTICA SOARES, Maria Vitória de M. Benevides. Os direitos e os direitos da criança e do
EDUCACIONAL
BRASILEIRA adolescente no Brasil. In: SEMINÁRIO MULTIDISCIPLINAR: 10 Anos do Estatuto da
Criança e do Adolescente: conquista e limites, 2002., São Paulo. Anais... São Paulo:
Feusp, 2002. p. 25-41.
Proposta de Atividade
Anotações
182
13 Políticas públicas para
educação e saúde
183
POLÍTICA qual, ratificada pelo senso comum, que conferiu a ela o poder imaginário de realizar
EDUCACIONAL
BRASILEIRA a ascensão do indivíduo, apesar das demais condições sociais, que atuam sobre ele,
ou do conjunto total das relações que estão postas, entrarem em conflito direto para
a consecução desse fim.
Neste sentido, as transformações se tornam cada vez mais necessárias na educação,
visto que definem novos parâmetros de qualificação e participação do trabalhador
no processo produtivo, criando novas funções, bem como provocando a extinção de
outras. Se as novas exigências agem diretamente na redefinição do perfil trabalhador,
ou seja, do profissional necessário para essa nova situação do mercado, deve necessa-
riamente redefinir os programas de formação profissional, especialmente na formação
do professor. Afinal, atualmente, a velha, porém ainda não superada escola, com sua
centralização e excessiva regulamentação já não é mais adequada para o novo princí-
pio educativo, cujo mercado de trabalho se abre a novas perspectivas, exigindo um
profissional dinâmico e completo.
Nas questões referentes à formação do professor, podemos identificar claramente
que o novo paradigma produtivo tende a valorizar e/ou exigir um trabalhador com
formação mais completa e flexível, inclusive para atuar em novas funções. Destacamos
especialmente dois campos que, aparentemente distintos, a Educação e a Saúde, são
inter-relacionados, uma vez que são complementares. Para os propósitos deste traba-
lho realçaremos dois eixos que se relacionam com a temática anunciada, quais sejam:
O enfoque da Saúde e Educação a partir das relações com o meio ambiente;
O enfoque da Educação e Saúde a partir da premissa do direito de continuidade da
criança hospitalizada;
Para tanto, pontuaremos sobre a existência de Políticas Públicas relacionadas à qua-
lidade de vida dos cidadãos que nem sempre se efetivam na prática, já que há uma
enorme distância entre o que se proclama e as ações realmente efetivadas.
No entanto, para esclarecer o termo Políticas Públicas, elegemos, dentre tantas que
a literatura aponta, a definição de Höfling (2001, p. 31), que assim enuncia:
Políticas públicas são aqui entendidas como o ‘Estado em ação’ [...] é o Esta-
do implantando um projeto de governo, através de programas, de ações vol-
tadas para setores específicos da sociedade [...] políticas sociais se referem a
ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Esta-
do, voltados em princípio, para redistribuição dos benefícios sociais visando
a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
sócio-econômico.
Para esta autora, as políticas sociais são usualmente entendidas como as de edu-
cação, saúde, previdência, saneamento, habitação, meio ambiente, etc. Dentre elas,
assinalamos a questão relacionada ao Meio Ambiente. A qualidade de vida vem atrelada
184
a sua conservação, mas não somente sob essa perspectiva ecológica, somam-se a isso Políticas públicas para
educação e saúde
as questões sociais, culturais e econômicas que estão diretamente relacionadas à pro-
dução do homem e de como este produz sua vida.
Busca-se o equilíbrio da sustentabilidade que tanto vem se falando atualmente,
uma vez que pressupõe olhar criticamente as relações que são estabelecidas de for-
ma tradicional e arcaica de relação HOMEM - NATUREZA. Dessa forma, repensar um
modelo que possa modificar tal concepção passa necessariamente pela formação de
cidadãos que, em grande medida, estão nas escolas. E a educação escolar é a via, por
excelência, pela qual podemos discutir e forjar novos paradigmas na área da Educação
Ambiental, superando a simples transmissão de conhecimentos sobre Ecologia e Meio
Ambiente, mas envolvendo diretamente o aluno no conhecimento, análise e propostas
de soluções de problemas diretamente ligados a sua vida cotidiana e, a partir daí, supe-
rar o regionalismo, buscando uma visão mais integrada e globalizante.
É importante destacar que há um apelo para que os países possam efetivar políticas
públicas que atendam ao movimento desencadeado mundialmente e contribuir para
a formação do espírito de responsabilidade e solidariedade, e fugir da propagação
oportunista que vem rondando a temática é um dos principais objetivos da Educação
Ambiental, uma vez que se constitui em uma temática emergencial frente à degradação
do meio ambiente que se construiu no último século, como podemos constatar:
Vale destacar que a saúde pública e o Meio ambiente estão intimamente associados.
O ar, a água e os alimentos contaminados pela ação humana são causadores de diver-
sas doenças humanas. A preservação ambiental ligada à saúde é abordada há bastante
tempo, e não está associada apenas à qualidade do ar, da água, e dos alimentos con-
sumidos. A destruição de ambientes naturais força a migração de agentes patogênicos
para as áreas urbanas, trazendo novas doenças aos humanos. A destruição ambiental
também impossibilita o conhecimento de espécies com ‘medicamentos naturais’ codi-
ficados nos genomas dessas espécies.
185
POLÍTICA Todos os seres vivos foram, são e serão (caso não sejam extintos) selecionados
EDUCACIONAL
BRASILEIRA contras as adversidades da vida. Parte dessas adversidades se deve à contaminação por
agentes patogênicos (vírus, bactérias, fungos, agentes causadores de tumores, etc.).
Nesse contexto, várias espécies já foram naturalmente selecionadas para o combate
desses agentes, e possuem em seu material genético o código para a produção de ‘me-
dicamentos naturais’ (agentes antivirais, antibacterianos, antitumorais, etc.). Preservar
o meio ambiente e esse banco genético para conhecimento e utilização pelos humanos
torna-se imprescindível. Podemos observar nas palavras de Santos essa preocupação:
[...] não sendo possível prevenir e proteger a saúde individual e coletiva sem
cuidar do meio ambiente. Saúde pressupõe um meio ambiente saudável, assim,
não se pode falar em danos ao meio ambiente sem pensar em danos à saúde
individual e coletiva. É fato incontroverso que a degradação do meio ambiente
corresponde a graves danos à saúde individual e coletiva (2005, p. 135).
186
adoecimento. Trata-se do trabalho pedagógico em ambientes clínicos que, em diversas Políticas públicas para
educação e saúde
situações, já possui seu reconhecimento enquanto fator positivo e necessário para o
restabelecimento da criança doente e hospitalizada (CALEGARI, 2003).
Os programas destinados ao Atendimento Pedagógico à Criança Hospitalizada, na
visão de Simancas e Lorente (1990), têm por objetivo contribuir para a melhora geral
do doente, sendo destinado prioritariamente à clientela infantil. Na medida em que a
hospitalização infantil impõe limitações e problemas como os de ordem afetiva, cogni-
tiva, social e motora, tendem a ser aliviados.
A intervenção pedagógica em ambientes hospitalares pode ser imprescindível no
caso da criança, haja vista que sua formação ainda não está completa. O desenvolvi-
mento de suas capacidades potenciais pode depender de uma intervenção pedagógica
positiva, de modo a evitar que ela não venha sofrer sequelas no futuro.
Vale ressaltar que o atendimento pedagógico hospitalar, em conformidade com
Ceccim e Carvalho (1997), tem como finalidade primeira contribuir para a melhora
geral do ser humano à medida que as atividades pedagógicas oferecem ao indivíduo
a oportunidade de interação, passando de mero espectador em seu leito hospitalar.
É importante esclarecermos que o trabalho pedagógico hospitalar contém uma
margem de autonomia, embora deva estar subordinado ao contexto hospitalar, a fim
de não criar adversidades no processo de tratamento do paciente, ao invés de contri-
buir de forma geral para sua melhora. Devemos, portanto, considerar as limitações
que cada doença impõe em sua especificidade. O trabalho pedagógico em ambiente
hospitalar trata-se do mais recente campo de atuação docente, tendo por objetivo
atender primeiramente à situação em que se encontra a criança ou mesmo o enfermo
adulto. A esse respeito assim se manifestam Simancas e Lorente (1990, p. 73):
Essa atuação pedagógica deve aproveitar qualquer experiência, por mais dolorosa
que possa ser, para enriquecer e transformar sofrimento em aprendizagem. Ainda na
acepção de Simancas e Lorente (1990), ela se dá sob três enfoques:
a) Enfoque Formativo: ajuda o aperfeiçoamento integral da pessoa, ainda que em
situação específica, possibilitando a ocupação desse tempo de hospitalização
com tarefas úteis e formativas, que além do relaxamento psíquico, colaborem
em muitos casos no processo de desenvolvimento humano;
b) Enfoque Instrutivo ou Educativo: destaca a necessidade de não interromper
ou prejudicar, na medida do possível, o processo educativo desenvolvido em
187
POLÍTICA ambiente escolar e a aplicação de atividades de ensino/aprendizagem que facili-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA tem a reintegração posterior no ambiente escolar;
c) Enfoque Psicopedagógico: ação que visa a proporcionar uma eficaz adaptação
às condições em que a criança se encontra e também para diminuir os possí-
veis conflitos psíquicos que possam aparecer. Cabe esclarecer que enquanto o
objetivo principal da intervenção médica é o restabelecimento da saúde física
e psíquica, o objetivo da intervenção psicopedagógica é a aquisição de certas
aprendizagens diretas ou indiretamente relacionadas com a manutenção e cui-
dado da saúde psíquica e da prevenção. Ou seja, a pretensão da atuação peda-
gógica é, antes de tudo, ajudar a criança, ou adulto, enfermo hospitalizado para
que, mesmo vivendo um período difícil, consiga continuar se desenvolvendo
em todos os aspectos, com a maior normalidade possível. Para que esse objetivo
ação se concretize, três áreas de atividades fazem parte do campo específico da
atuação da Pedagogia Hospitalar, como expõem Simancas e Lorente (1990):
• Área de atividade Escolar: de maneira geral, a grande maioria das crianças
hospitalizadas encontra-se em idade escolar e por isso mesmo a ação peda-
gógica pretende diminuir o prejuízo causado por essa interrupção, de certa
maneira brusca e inesperada, evitando que a criança se desinteresse pelas
atividades escolares;
• Área de atividade Recreativa: tal como a atividade escolar, a atividade recrea-
tiva supõe um fim educativo. Constitui-se de atividades que se propõem
ao entretenimento em seu sentido mais profundo, proporcionando alegria,
distração, relaxamento das tensões, e fomentando o convívio amável e amis-
toso entre as crianças hospitalizadas;
• Área de atividade de Orientação: essa área de atuação foge de toda e qual-
quer organização. Consiste, principalmente, em fazer companhia. Falar, es-
cutar, sorrir, olhar, acariciar, estabelecer uma relação afetuosa e amável com
o enfermo. São aqueles momentos em que se precisa estar presente sem fa-
zer aparentemente nada. Saber calar com serenidade, delicadeza e intuição.
189
POLÍTICA tanto a educação não é elemento exclusivo da escola como a saúde não é elemento
EDUCACIONAL
BRASILEIRA exclusivo do hospital. Nesse âmbito, onde existir vida a educação não pode se privar
de dar sua contribuição.
Para ilustrarmos tal questão, apresentaremos abaixo, por ordem cronológica, tex-
tos chancelados legalmente pelo Ministério da Justiça que amparam a pessoa hospita-
lizada, enfocando a criança e o atendimento pedagógico no contexto hospitalar.
A Declaração dos Direitos do Doente e do Médico (apud CAVALCANTI, 1997, p. 5)
preconiza, em seu Artigo 11º, que ‘ O doente tem direito [...] a todos os meios cultu-
rais que podem ajudá-lo a recuperar sua saúde física e moral’.
Ao comentar esse artigo, Cavalcanti (1997, p. 6) argumenta que:
191
POLÍTICA 20- Direito a ter uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados
EDUCACIONAL todos os recursos terapêuticos disponíveis.
BRASILEIRA
Chamamos a atenção para o item 9, pois vemos nessa lei principalmente o amparo
legal do atendimento, ao menos recreativo, quando a criança se encontra hospitaliza-
da. A lei é clara e objetiva quanto a esse direito do doente.
A integralidade da assistência é, sem dúvida, um dos princípios que regem, moral e
legalmente, as ações e serviços de saúde (Lei Orgânica da Saúde, 1990). Essa atenção
integral é entendida como a articulação e a integração simultâneas das ações e servi-
ços, sejam eles preventivos ou curativos, individuais ou coletivos, no que se refere à
complexidade do Sistema de Saúde (CECCIM; CARVALHO, 1997).
Como podemos perceber, não é pela omissão de textos legais que não se realizam
ações educativas nos hospitais. A criança doente tem direitos legalmente reconheci-
dos, mas que não vêm sendo aplicados. Existe uma distância entre o que se fala e as
efetivas ações empreendidas.
Referências
192
BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Declaração de Políticas públicas para
educação e saúde
Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, DF:
Imprensa Oficial, 1995.
CECCIM, Ricardo Burg. Criança internada em hospital segue estudo. In: BRASIL:
Ministério da Educação e do Desporto. Acorda, Brasil: Banco de ações educacionais.
Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto; Universidade de Brasília, 1998.
193
POLÍTICA HÖFLING, Eloísa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos CEDES,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Campinas, SP, ano xxi, n. 55, nov. 2001.
Proposta de Atividade
1) Eleja uma das políticas públicas relacionadas à Educação e Saúde (Meio Ambiente ou Peda-
gogia Hospitalar), tratados neste capítulo e discorra sobre sua viabilização em sua região,
destacando os benefícios que tais políticas implementadas proporcionam para as pessoas
envolvidas.
Anotações
194
14 Classes criativas
e educação no
1
século XXI
Daniel Clark Orey
A teoria das trocas2 é uma ciência vasta e complexa. Assim, para balizar essa afir-
mação e a presente exposição, estamos nos baseando no trabalho de Richard Florida3,
em que ele analisa os diversos aspectos que envolvem as classes criativas e como essas
constatações se evidenciam no contexto brasileiro. Dessa forma, o que gostaríamos de
compartilhar com o leitor é uma breve reflexão de como o Brasil pode aproveitar essa
oportunidade bem como refletir sobre o trabalho pedagógico que pode ser realizado
com essa diversidade no ambiente de ensino-aprendizagem.
Um modelo pedagógico predominante é o domínio da capacidade de ler e escrever
(literacy) que, de um modo criativo e completo, integra a tecnologia, estimulando, dessa
forma, o surgimento de pensadores críticos e transformadores. Esse aspecto curricular é
vital se quisermos, simultaneamente, interagir, participar, transformar, e, de fato, sobrevi-
ver na emergência das necessidades de uma sociedade globalizada do século XXI.
1 Este texto foi baseado na conferência proferida pelo autor deste artigo na Universidade Esta-
dual de Maringá, em 30 de junho de 2005, promovida pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPE), Mestrado em Educação para Ciência e o Ensino de Matemática (PCM) e
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH). O texto original, em inglês, foi traduzido
por Mário Luiz Neves de Azevedo, que agradece à Thaís Helena Veiga Moreira, pós-doutoranda
na Universidade de Maryland (EUA), e a Milton Rosa, professor na escola Encina High School,
Sacramento (EUA), por suas valiosas sugestões.
2 O pressuposto básico da Teoria das Trocas é que a interação social entre indivíduos ou mem-
bros de comunidades pode ser caracterizada como uma tentativa de maximizar as recompensas
e reduzir os custos (BLAU, 1955), que podem ser materiais e não-materiais. Assim, a interação
social é mantida porque, independentemente das razões consideradas, as pessoas entendem que
tais interações são compensadoras. Blau (1955) afirma que o dinheiro, a aceitação social, a
estima, o respeito, a aprovação social, os conselhos e os serviços são recursos que podem ser
socialmente trocados. De acordo com esta perspectiva, o lucro que uma pessoa tem com uma
troca social é equivalente à diferença entre as recompensas menos os custos. A maior proposição
da Teoria das Trocas é que a interação entre duas ou mais pessoas terá continuidade e será posi-
tivamente avaliada se esses indivíduos lucrarem com essa interação.
3 Richard Florida é Diretor do Martin Prosperity Institute e Professor de Business and Crea-
tivity na Rotman School of Management, University of Toronto. A pesquisa de Florida pro-
videncia uma introspecção social original que está baseada em fatores sociais, econômicos e
demográficos, que norteiam a economia mundial do século 21.
195
POLÍTICA AS CLASSES CRIATIVAS
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Recentemente, Florida (2005, 2008) esboçou um modelo para a compreensão e o
entendimento da criatividade, que foi desenvolvido quando ele passou a observar que,
demograficamente, certas comunidades, nos Estados Unidos, eram altamente criativas.
Em seus últimos trabalhos, Florida expandiu sua pesquisa para compreender o que tem
acontecido nos EUA desde o ataque ao World Trade Center (Torres Gêmeas) em Nova
York.
A partir desse marco da história recente, o 11 de Setembro, os Estados Unidos toma-
ram uma atitude de fechar suas fronteiras, dificultando a obtenção de vistos para estu-
dantes que desejam estudar naquele país. No entanto, Florida (2005) argumenta que
esse é, precisamente, um caminho errado que foi tomado pelas autoridades estaduni-
denses, pois a imigração e o intercâmbio cultural são os combustíveis que alimentam a
criatividade e a invenção, através do dinamismo cultural. Nessa perspectiva, outro fator
educacional importante é facilitar o acesso e melhorar o processo de integração das mi-
norias na educação superior.
Florida (2008) descreve três variáveis que são importantes para que uma determinada
comunidade possa atingir um nível dinâmico e criativo. Em seu estudo, Florida (2005)
fez uma classificação (ranking) tomando por base três variáveis: tecnologia, talento e to-
lerância em áreas metropolitanas, tais como São Francisco, Seattle, Minneapolis e Austin,
que foram consideradas como algumas das mais criativas e dinâmicas cidades nos Esta-
dos Unidos. Nesse estudo, as áreas metropolitanas melhores posicionadas caracteriza-
ram-se pela oferta de boas escolas, acesso universal à tecnologia, acentuado dinamismo
cultural e um ambiente urbano com projetos de renovação que facilita a melhoria de
outros fatores urbanos.
Florida (2005) determinou três variáveis para o dinamismo criativo: a tecnologia, o
talento e a tolerância.
Tecnologia
Talento Tolerância
196
Classes criativas
e educação no
As comunidades dinâmicas e criativas são lugares que atraem pessoas e trazem opor- século XXI
197
POLÍTICA também precisam aprender a fazer a distinção entre os ‘bons’ e os ‘maus’ filmes, entre os
EDUCACIONAL
BRASILEIRA ‘bons’ e os ‘maus’ programas de televisão, entre os ‘bons’ e os ‘maus’ software, etc. Acre-
ditamos que os profissionais de marketing (‘marqueteiros’) conhecem isto, porque eles
consomem inúmeras horas de pesquisa com os consumidores antes de introduzir novos
produtos no mercado. Imaginemos o que poderia acontecer se dedicássemos mais tem-
po para compreender e entender as perspectivas que os alunos trazem para as escolas?
Esperamos que em um futuro próximo os alunos possam compreender o que acon-
tece com eles quando, por exemplo, assistem a comerciais de televisão. Esperamos
também que os alunos se tornem usuários críticos e capazes distinguir sobre o melhor
tipo de tecnologia que eles poderão utilizar para a resolução de problemas diversos. Em
nosso ponto de vista, é importante que os alunos aprendam a dominar o uso variado da
tecnologia, da mesma forma como eles discutem o que é um bom vídeo-game ou um
bom filme. Atualmente, a maioria deles já domina e controla os vídeos-game. Certamente
o que se considera como bom é algo subjetivo e os educadores brasileiros podem desen-
volver um guia apropriado, tanto informal (como se faz com os jogos de computador) ou
formalmente, como os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), para que os alunos,
através de atividades pedagógicas significativas, possam distinguir entre o que é bom e
o que é mal.
Talento: Como podemos estimular a criação de boas formas de aprendizagem, sejam
elas baseadas em vídeos-game, em programas de televisão, nas artes plásticas ou em fil-
mes? Devemos avaliar bem o que recebemos no Brasil antes de aceitarmos sem ressalvas
o que é enviado pela mídia estrangeira. A absorção passiva dessa informação mesclará a
cultura local e o conhecimento adquirido por essa mídia sem uma análise crítica da mes-
ma, influenciando de um modo negativo a cultural local. Por exemplo, ao enviarmos pes-
soas para estudar e viver em países estrangeiros, no retorno elas deveriam compartilhar
o que observaram e aprenderam. Assim, orientar essas pessoas a observarem padrões e
procurarem por informações em diferentes lugares e culturas é um importante aspecto
do desenvolvimento do processo criativo das pessoas.
Uma análise aprofundada a respeito das técnicas de marketing poderá revelar duas
nuances: se somos todos manipulados pela mídia, como podemos ensinar os alunos
a serem consumidores críticos? Como estabelecemos anteriormente, a expressão bom,
utilizada neste capítulo, é subjetiva e precisa ser explicada de acordo com os padrões
brasileiros e não através daqueles importados da Europa e da América do Norte.
Se considerarmos exclusivamente as fontes externas para determinar o que devemos
apreciar, ver e ouvir, estaremos pondo em risco a compreensão e o entendimento do que
é realmente bom e do que é genuinamente brasileiro. Arriscaremos a jogar fora o talento
das pessoas, pois esse pode ser considerado como um objeto que não é marketable, já
198
que estará reduzido ao mundo do marketing. Desse modo, não podemos desconsiderar Classes criativas
e educação no
as ideias e os procedimentos adotados pelas comunidades locais para as soluções dos século XXI
próprios problemas. Isto, também, significa que os governos, em todos os níveis, devem
parar de cortar os fundos para a educação, inclusive para a educação superior, e devem
criar políticas públicas que permitam o acesso da população à educação em todos os
níveis, principalmente dos grupos minoritários.
Tolerância: Novamente, nesse contexto, bom é algo subjetivo e precisa ser definido
em termos brasileiros. Mas o terceiro ‘T’ refere-se a ‘quem’ terá a oportunidade de viajar,
estudar, criar os bons vídeos-game, os bons filmes, as boas escolas, etc. Isto confirma a
necessidade de haver discussões relativas à questão da universalização do acesso à tec-
nologia. A implantação de LAN houses somente em áreas privilegiadas merece ser ampla-
mente discutida. A diversidade está associada a algo bom e a padronização simplificada
não pode ser considerada saudável ou interessante.
A relação de graduados em uma comunidade deve representar as três variáveis: tec-
nologia, tolerância e talento. As taxas (razão percentual) de diplomados no Ensino Médio
e daqueles que passam no vestibular devem corresponder às taxas (percentuais) demo-
gráficas da comunidade. O acesso à educação em seus mais altos níveis não pode ficar
restrito aos alunos afortunados de uma elite, que conseguiram frequentar escolas de
qualidade, que possuem recursos, credenciando os alunos a uma escolarização completa
e de boa qualidade. A graduação começa na pré-escola, com o suporte e o encorajamento
dos pais e professores.
DUAS COMPANHIAS
O que debatemos anteriormente pode ser mais bem explicado com uma metáfora,
emprestada do mundo dos negócios. Existem duas companhias que produzem o mesmo
produto, cada uma tem uma grande mesa, como na maioria das grandes empresas ou
universidades. Esse tipo de mesa tem certo número de cadeiras a sua volta, e as pessoas
que lá se sentam são encarregadas da direção da companhia. Cada empresa é adminis-
trada por uma diretoria.
O primeiro grupo
A mesa está cheia, os diretores vestem-se de maneira parecida, vivem na mesma vizi-
nhança e são membros da mesma classe social, todos estudaram na mesma universidade,
falam a mesma linguagem, frequentam a mesma igreja, praticam os mesmos esportes no
mesmo clube, são do mesmo sexo e quase da mesma idade. Eles são organizados e os
negócios são realizados, porém algo está faltando. Eles frequentemente chamam con-
sultores externos para ajudá-los e quando eles recebem o relatório, normalmente eles
199
POLÍTICA retomam a mesma rotina. Eles não mudam o modo de pensar, novas ideias podem ser
EDUCACIONAL
BRASILEIRA interessantes, mas não são prontamente aceitas ou implementadas e não são vistas com
bons olhos. Eles sempre fizeram as coisas dessa maneira e os clientes e alunos aprendem
a aceitar as coisas como elas são, sem questionamentos e sem uma análise crítica dos
dados apresentados.
O segundo grupo
Novamente a mesa está cheia, contudo, ao se examinar mais detalhadamente, perce-
be-se que os diretores vestem-se diferentemente, vivem em bairros diversos, eles estu-
daram, em geral, em universidades concorrentes, falam uma língua em comum e talvez
a metade da diretoria seja bilíngue e fluente em mais de um idioma. Há homens e mu-
lheres com idades diferentes. Eles frequentam diferentes igrejas, sinagogas, mesquitas,
centros religiosos ou não-religiosos. Eles praticam diferentes esportes em clubes sociais
diversos, muitos deles não pertencem a nenhum clube e muitos têm hobbies e praticam
a filantropia. Como os integrantes da diretoria do primeiro grupo, eles são organizados
e os negócios são realizados; no entanto, são executados de maneiras diferentes. Algo
é muito diferente, os debates são temperados com humor e sinergia, o segundo grupo
aprecia a diversidade e a estimula. Eles contratam consultores externos para ajudá-los,
mas por diferentes razões isso resulta em novas ideias para resolver novos problemas.
Quando eles recebem os relatórios dos consultores, raramente retomam ao seu rotineiro
modus operandi. Eles implementam as novidades e as sugestões de mudança. As novas e
interessantes ideias são debatidas e ajustadas para o modelo da companhia. Algumas são
imediatamente aceitas e implementadas e outras são arquivadas para que posteriormen-
te possam receber outra apreciação, através da discussão do grupo. Eles têm feito esses
encaminhamentos por muito tempo e os clientes e os trabalhadores aprendem a aceitar
as novidades com vistas no futuro. Os empregados gostam do que fazem e mesmo os
trabalhadores do mais baixo escalão são respeitados e encorajados a submeterem suas
ideias para a melhoria da empresa e progresso de todos os funcionários.
Utilizamos essa metáfora do mundo dos negócios porque julgamos que melhor do
que rejeitar de maneira rasa o capitalismo, precisamos entender o que está sendo feito,
de modo a compreendermos o sentido das coisas. As escolas que implementaram esse
segundo modelo são lugares onde os alunos e os professores têm prazer e satisfação de
frequentar.
As escolas que realmente se esforçam para a convivência, em um mesmo ambiente, de
alunos diferentes, para que eles aprendam a se conhecer, para que eles saibam de onde
eles vêm e para onde vão, para que eles auxiliem o desenvolvimento da comunidade na
qual eles estão inseridos. Uma comunidade com alunos assim escolarizados obterá mais
200
sucesso. Dessa maneira, incrementando a diversidade, tornando nossos alunos mais se- Classes criativas
e educação no
guros para conviver e trabalhar com outros alunos que são diferentes e que são equitati- século XXI
CONCLUSÃO
Gostaríamos de sugerir aos professores, pais e alunos, que se engajem ativamente na
elaboração de pesquisas sobre as comunidades locais. Assim, devem realizar visitas sem o
objetivo de converter, mas para compreender as diferentes religiões e culturas, através da
utilização dos recursos locais, tais como os parques e os museus para pesquisar, entender
e compreender a comunidade em que vivem.
Eles também devem pesquisar fontes externas, entrevistar os turistas sobre como eles
veem o Brasil e comparar os resultados com as entrevistas com turistas brasileiros. Eles
também devem promover encontros, entrevistas e reuniões com estudantes e líderes
comunitários como anciãos, padres, pastores, políticos, professores, médicos etc. Essas
são sugestões que qualquer comunidade ou escola pode adotar e compartilhar, sem ne-
nhuma necessidade de comprometer os fundos públicos.
Temos plena confiança em uma metodologia pedagógica que se baseia na utilização
do que existe para ensinar a ler, a pensar e a viver neste dinâmico novo século. Um
modelo de literacy, que é a capacidade de ler e escrever, que promova o talento, que
integre todos ao mundo da tecnologia e que desenvolva nos alunos o pensamento crítico
é vital se quisermos, simultaneamente, interagir, participar, liderar e, de fato, sobreviver
na sociedade moderna. Não temos dúvida de que o Brasil continuará a ser bem sucedido
se continuar a fomentar os três ‘T’, pois se aproximará, gradativamente, da interseção das
três áreas propostas pela Figura 1, atingindo, dessa forma, o seu pleno potencial.
Para nós, é uma grande honra poder contribuir um pouco para esse grande despertar.
Referências
201
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EDUCACIONAL
BRASILEIRA community and everyday life. New York, NY: Basic Books, 2002.
FLORIDA, R. The flight of the creative class: the new global competition for talent.
New York, NY: Harper Collins, 2005.
FLORIDA, R. Who’s Your City? New York, NY: Basic Books, 2008.
Proposta de Atividades
1) Faça uma reflexão, sobre o que está faltando para que sua comunidade alcance o desenvol-
vimento pleno da sociedade.
2) Agrupe-se com alunos que morem em uma mesma comunidade, em um mesmo bairro, em
uma mesma cidade, ou que pertença a algum tipo de sociedade.
a) Faça um diagrama de Venn como o proposto na Figura 1. Complete cada círculo do
diagrama com atividades e exemplos de tecnologia, talento e tolerância, que são en-
contrados em sua comunidade.
b) O seu diagrama tem mais elementos em uma área do que em outra? Quais áreas pos-
suem mais elementos? Quais áreas possuem menos elementos? Em sua opinião, por-
que isso acontece?
c) Elabore um plano para a sua comunidade, no qual você criará um equilíbrio entre as
três áreas.
d) Em uma escala de 1 (ruim) a 10 (ótimo), dê uma pontuação para a sua comunidade,
nas três áreas: tecnologia, tolerância e talento. Encontre a média de sua comunidade.
e) Cada grupo deverá apresentar os resultados para os demais grupos.
3) Dê uma nota a sua cidade, ao seu estado e ao Brasil, nas três áreas propostas. Tire a média
e compare o resultado de seu grupo com o resultado de outros grupos.
Anotações
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