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ERESPONDEREMOS “Muitos nao puderam quando deviam poder porque ndo quiseram quando podiam” “Onde estava Deus?” O Evangelho de Judas (complemento) Relativismo: Que €? “Gelado, mas rico” (VEJA) Curas milagrosas: como entender? O efeito “placebo” Mentir 6 pecado? Grande negécio, grande fraude Bebidas alcodlicas e festas de Igreja Que ha no além? O dia 06/06/06 e catastrof PERGUNTE E RESPONDEREMOS SETEMBRO 2006 Publicagdo Mensal N°531 ——S——————— SUMARIO Dirotor Responsavel Muitos néo puderam quando deviam pod Estévéo Bettencourt OSB porque néo quisoram quando podiam 305 Autor @ Redator de toda a matéria Publigada neste poriédico Administragao e Distribul Apécrife: Edigges Lumen oa © Evangelho do Judas (complamento) ..... 390 Masteiro de S40 Bento do Rio de Janeiro. Na vida moderna: Rua Dom Gerardo, 40 - 5° andar-salaS01 Retativismo: quo 6? ~ 994 Tel: (OXX21) 2206-8263 e Medicina e Tecnolog (OXX21) 2206-8327 “Galado, mas tee” (VEJA) .. Fax (OXX21) 2263-4420 Uma linguagem mais eloqiient Curas milagrosas: como - 409 0 Poder da Sugestao: Rua Dom Gerardo, 40 - sala 501 O ofelto “Placebo' 416 Centro Ha quem hesite: CEP 20090-030 — Rio de Janeiro - RI —- Mentir 6 pocado?. we 418 Ainda “O Cédigo Da Grande nogéclo, grande fraude.. Em prol da vida: Bebidas alcodlicas o festas de Igraja Que ha no além?.. Fatidico? O dia 06/06/06 o catastrofes COM APROVACAO ECLESIASTICA NOPROXIMO NUMERO: “Os maus nao sao bons porque os bons ndo sdéo melhores’. — “Madalena, o ultimo teduto do Cristianismo” (Juan Arias). —Metodistas aderem a declaragao Catélico-Luterana. ~ Vida em outros planetas? - Futebol e cidade-sexo. - Alma humana: matéria que tomou consciéncia de si? - Bebés estragalhados e vendidos. — Doengas e interesses econdmicos. ~ Inseminacao artificial: problemas, — Aborto e causa com duplo efeito. ~ A Renova¢ao Carismatica Catdlica depende do Protestantismo? — "A Igreja Catélica & tica? * (Pe. Pio Milpacher). PARA RENOVAGAO OU NOVA ASSINATURA (12 NUMEROS) ..... R$ 50,00, NUMERO AVULSO.. RS 5,00. $$ raerrmrmrnnneeeeeceeeee FO © pagamento poderd ser a sua escolha: Depésito em qualquer agéncia do BANCO BRADESCO, agéncia 2579-8, C/C 840-0 em nome do Mostsiro de Sto Bento/RJ, CNPJ 33.439,082/0001-60, enviando em seguida Por carta, e-mail ou fax comprovante do depésito, para nosso controle. Cartéo de Crédito: VISA e MASTERCARD (favor informar n*, validade do cartio e cédigo de seguranga), 3. Boleta Bancéria (favor entrar em contato mencionande a op¢éio). Obs.: Gorrespondéncia para: Edigdes Lumen Christi Rua Dom Gerardo, 40 - sala 801 ww.lumenchristl.com.br e-mail: lumen.christi@osb.org.br x Centro CEP 20090-030 — Rio de Janeiro — RU e-mail: lumen.christi@osb.org.br “MUITOS NAO PUDERAM QUANDO DEVIAM PODER, PORQUE NAO QUISERAM QUANDO PODIAM” (Anénimo) Tal 6 a expressdo de uma dura realidade; ... a realidade de haver perdi- do um grande valor por negligéncia propria. A situagao assim configurada nao érara e sugere algumas reflexdes: Transitoriedade... As boas oportunidades se apresentam e ndo vol- tam; caso néo sejam aproveitadas, ficam para sempre perdidas. Consciente disto, exortava o Apdstolo os seus leitores a que néo se deixassem dominar pelos valores passageiros deste mundo, pois so insuficientes para preen- cher 0 vazio do coragdo humano: “Passa a figura deste mundo (1Cor 7, 31), pois o homem foi feito para o Infinito ou Absoluto, que as criaturas transitorias velam e revelam: “N&o contemplamos as coisas que se véem, mas as que nao se véem, pois o que se vé, 6 transitério, mas o que nao se vé, € etemo” (2Cor 4, 18). Vigilancia... Se tal é a condig&o do homem sobre a Terra, importa viver cada momento de maneira consciente, como quem dirige sabiamente a sua vida, e ndio como quem é jogueteado como peteca pelo embate das ondas. A natureza humana tende a se cansar de vigiar e a se entregar a superficialida- de de vida. Muitos esquecem o por qué e o para qué existem e vivem unica- mente para o momento presente, correndo o risco de despertar tarde de- mais, quando ja nao houver solucao. Kairés... Este vocdbulo grego designao tempo nao apenas como quan- tidade (chrénos, ou mais dias, mais meses e anos), mas como qualidade; é 0 tempo oportuno, que tem por prego o sangue de Nosso Senhor Jesus Cris- to. O tempo todo do cristao é Kairés, pois cada minuto tem sua repercussao na eternidade; é um tijolinho que constréi a mansdo etema do homem vian- dante. Verdade é que o tempo pode parecer as vezes longo e enfadonho: dai a procura de passa-tempos para “matar o tempo”. A quem assim procede 6 conveniente lembrar que até as horas de inércia obrigatéria, marcadas pelo siléncio e 0 tédio podem ser altamente fecundas, pois o cristéo as pode pre- encher com a oragao silenciosa. Com efeito; orar nao requer fazer discursos para Deus, mas estar na presenga dele em atitude de adoragao, que muito fala ao Senhor pois professa a inefabilidade de Deus. “Tibi silentium laus. Para Tio siléncio é louvor’, diziam os antigos. A fim de evitar a grande frustragdo final, recomenda-se a formula: "Vi- ver cada dia como se fosse 0 Primeiro, o Ultimo e o Unico"; isto é: com o entusiasmo beneficamente sonhador do primeiro dia, com a experiéncia lici- da do ultimo dia e com a sofreguidao santamente ciosa do Ultimo dia. “Quereis cantar louvores a Deus? Sede vos mesmos 0 canto que ides cantar, Vés sereis o seu maior louvor, se viverdes santamente” (S. Agostinho, sermao 34, 6). EB. PERGUNTE E RESPONDEREMOS Ano XLVII — N° 531 Setembro de 2006 O Papa em Auschwitz: “ONDE ESTAVA DEUS?” Em sintese: O Papa Bento XVI esteve no campo de concentragéo nazista de Auschwitz (Polénia), onde proferlu um discurso que deixou muitos leitores perplexos. Com efeito; fazendo eco a quantos outrora 0 disseram, interrogou: “Onde estava Deus naqueles dias?”. Eis, porém, que néo deixou a pergunta sem resposta, pois, logo a seguir, acrescen- tou que Deus néo estava ausente, mas que "n&o podemos perscrutar os designios de Deus... e nos enganamos quando queremos converter-nos em juizes de Deus e da histéria’. Estas palavras evidenciam que o Papa nao quis acusar Deus de omissao, mas atribuiu a perplexidade ac nosso limitado modo de entender os designics de Deus mais sébio do que nés. Aos 21/05/05 esteve o Papa Bento XVI no campo de concentragado hazista de Auschwitz (Polénia), onde proferiu discurso que causou estra- nheza ao ptiblico. Abaixo vao reproduzidos e comentados os trechos con- trovertidos desse discurso. 1.0 Problema Eis as palavras que suscitaram mal-entendidos: “Em um lugar como este faitam as palavras; no fundo, sé ha espago para um aténito siléncio, um siléncio que 6 um grito interior para Deus: por que te calaste? Por que quiseste tolerar tudo isso? .. Onde estava Deus nesses dias? Por que se calou?” Com tais palavras quis Bento XVI acusar Deus de omissd0? Como péde Ele permitir as atrocidades do campo de concentragao? E de notar 386 “ONDE ESTAVA DEUS?" 3 que somente em Auschwitz foram exterminados mais de 1,5 milh&o de pessoas (judeus, poloneses, catolicos, ciganos...). Aresposta a tais interrogagées foi proferida pelo proprio Papa e se torna patente a quem leia com atengao o discurso, evitando pingar frases isoladas. Sim; vejamos. 2. O pano de fundo Antes do mais, convém observar que nao fci Bento XVI quem for- jou as indagagdes aparentemente blasfemas, mas foram os préprios pri- sioneiros de Auschwitz que as formularam. Veja-se a propdsito PR 449/ 1999, pp. 435. Em poucas palavras... © Holocausto (Shoah) abalou profundamente a consciéncia judia pela tragédia verificada nos campos de concentragdo de Auschwitz, Dachau, Treblinka... Os judeus formularam perguntas angustiadas: “Onde estava Deus em Auschwitz?", “Como péde permitir que o seu povo fosse exterminado, sem que Ele mesmo interviesse?”, “Por que Deus ficou em siléncio quando tantas criangas judias eram torturadas e mortas de ma- neiras téo cruéis?”. A estas perguntas alguns judeus tentaram responder apresentan- do um “novo conceito de Deus apés Auschwitz”. Assim Hans Jonas, numa conferéncia na Universidade de Tibingen (Alemanha) em 1984, afirmou que Deus quis, enquanto durar a historia dos homens, “despojar-se do poder de envolver-se no curso fisico das coisas deste mundo” (H. Jonas, “Le concept de Dieu aprés Auschwitz. Une voix juive” Paris, Payot- Rivages, 1994, pp. 34s). O mesmo autor continua: “Em Auschwitz Deus ficou mudo. N&o interveio, néo porque no o quisesse, mas porque nao estava em condigées de intervir. Outorgando ao homem a liberdade, Deus renunciou & sua onipoténcia” (p. 34). Reconhecendo a autonomia do ho- mem, Deus se tera retirado do mundo e da historia da humanidade, re- nunciando a sua onipoténcia. Outros pensadores judeus foram mais adiante. Em 1944 J. Katzenelson escreveu: "E bom que Deus nao exista, mesmo que seja incémodo sermos privados de Deus”. R. L. Rubinstein perguntou: “Como podem os judeus crer num Deus todo-poderoso e benévolo depois de Auschwitz?”. Para E. Wiesel, “Deus foi infiel As suas promessas; por isto é impossivel continuar a crer; mas também 6 impossivel nao mais crer” (cf. M. Giuliani, Auschwitz nel pensiero ebraico. Brescia, Morcelliana 1998). Fora do campo de concentragao, o mesmo clamor se fez ouvir di- ante do siléncio de Deus. 387 4 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 Assim em 1947 um jovem autor alemdo, W. Borchert, escreveu um drama intitulado “Fora, diante da porta”, em que imagina um didlogo en- tre 0 ex-combatente Berkmann e Deus: “Mas dize-me: quando 6 que és bom, 6 bom Deus? Foste bom quando permitiste fosse vitima da explosdo de uma bom- ba meu filho, que mal completara um ano, o meu filhinho? Ent&o foste bom quando deixaste que o matassem?... N&o, 6 verdade; Tu apenas o permitiste. Mas nao ouviste quando ele gritava e quando explodiam as bombas? Entao onde estavas, 6 bom Deus, quando as bombas explodiam? Ou foste bom quando cafram mortos onze homens da minha patru- iha? Onze homens ao menos, bom Deus. E certo que os onze homens clamaram forte na solidéo do bosque, mas no esiavas 1a; realmente nao estavas la, bom Deus. Foste bom em Stalingrado, bom Deus, foste bom 14? Como? Sim? Mas ent&o quando é que foste bom, Deus, quando? Quando alguma vez te ocupaste conosco, 6 Deus? (transcrito do artigo de L. Pozzoli “La perdita del Padre nella letteratura del 900” em “Rivista del Clero italiano” 80, 1999, n° 4, p. 279). 3. A resposta de Bento XVI O Papa repete semelhantes indagacées propositalmente para Ihes dar resposta. E qual seria essa resposta? - Ela compreende trés afirmacgées: 1) “Nosso grito dirigido a Deus tem que ser, ao mesmo tempo, um grito que penetre em nosso proprio coragao para que desperte em nos a presenga escondida de Deus”. Isto quer dizer: Deus parecia, mas nao estava ausente. Ele estava e esta nos coragées dos fiéis e da a cada um a graga de desvendar essa presenca. Ele acompanhava os acontecimentos do campo de concentra- ¢40, embora n&o de maneira sensivel. Por definiga&io, Deus nado pode ser omisso, falho, alheio as suas criaturas; caso fosse tal, ndo seria Deus. Ou Ele é a suma perfeicao ou nao é. Nao é a fé apenas que o afirma: 6a propria razéo humana que o sustenta; Deus néo pode ser injusto. 2) Acontece, porém, que pelo fato mesmo de ser Deus infinitamen- te perfeito, Ele nao pode ser abarcado pelo intelecto humano na totalida- 388 “ONDE ESTAVA DEUS?” 5 de do ser divino. Ele seré sempre insondavel ao homem, que devera adorar silenciosamente os designios da Providéncia Divina, Sao pala- vras de Bento XVI na continuacado do seu discurso: “Nao podemos perscrutar o segredo de Deus, s6 fragmentos, 6 nos enganamos, quando queremos converter-nos em juizes de Deus e da historia”. Engana-se, pois, aquele que quer ser juiz de Deus; é 0 homem que erra, configurando Deus como um Grande Homem, que deveria seguir as categorias da sabedoria humana. O escandalo decorrente do nao entendimento da sabia conduta divina é mencionado e dissipado na parabola de Mt 20, 1-16: 0 patrao paga aos operdrios que trabalharam apenas algumas horas o salario correspondente a um dia inteiro. Perante a reclamagao que Ihe é feita, responde: “A quem trabalhou o dia inteiro, pago o salario justo, como foi combinado, sem lesar os seus direitos. Aquem trabalhou menos de uma jornada, pago o que Ihe toca, e dou gratuitamente o resto; tiro do meu bolso sem prejudicar quem quer que seja”. Esta resposta contida na pa- rabola de Mt 20, 1-16 se aplica a todos os casos paralelos: o homem se escandaliza a respeito de Deus nao porque Este seja menos justo do que acriatura, mas porque Ele ultrapassa, por sua sabedoria, os parametros do bom senso humano e assim desconcerta. O mistério de Deus consis- te em que Ele é mais sdbio e nao menos sabio do que o homem. 3) Mais precisamente ainda: Deus fez o homem livre — 0 que é notavel prerrogativa: ele pode escolher livremente o seu tipo de vida. A liberdade, porém, 6 arma de dois gumes, podendo optar tanto pelo bem como pelo mal. Deus néo teleguia essa liberdade, mas deixa-a agir sem empecilhos. Dai os males que ocorrem na historia da humanidade; so muitas vezes conseqiiéncia do mau uso da liberdade. Diz, porém, S. Agostinho: “Deus nunca permitira os males que Ele nao deseja, mas permite ao homem realizar, se nao tivesse como tirar dos males do homem bens ainda maiores”. Assim ocorreu com o primeiro pecado: ele ocasionou a vinda do 2° Ado, que nos deu muito maior riqueza espiritual do que a que perdemos pelo primeiro Adao. Nem sempre nos é dado ver os bens que Deus tira dos males dos homens; é certo, porém, que s4o reais, as vezes, porem, rejeitados, vistas as limitagdes da criatura. So estas algumas das reflexdes que a visita do Papa a Auschwitz sugere. Possam ser uteis a quem delas tomar conhecimento! 389 Apocrifo: O EVANGELHO DE JUDAS (complemento)' Em sintese: O Evangetho de Judas, recentemente publicado em inglés, 6 um texto de origem gnéstica. Pretende reabititar Judas como sendo o discipuio que melhor conheceu Jesus; entregou-o aos adversé- fios para que, morrendo, fosse libertado do seu corpo, tido como matéria ma e cdrcere do verdadeiro homem que essa matéria envolvia. - Ora o pensamento gnéstico, que deu origem a esse escrito, nao é cristéo; 0 dualismo (a matéria 6 ma, o espirito 6 bom) néo se compatibiliza com a mensagem biblica, que vé na matéria uma criatura boa de um Deus bom. Alias nao foi Judas quem escreveu tal Evangelho, visto que o texto origi- nal grego deve datar de 150 aproximadamente. Atribui-se a origem de tal texto a uma seita gnéstica dita “dos cainitas”, seita que tendia a exaltar os personagens delituosos que a Biblia apresenta: Caim, a serpente, os sodomitas, Coré... Assim entendido, o Evangelho de Judas nao altera as classicas concepgées relativas a origem do Cristianismo. tae Em abril de 2006 a imprensa noticiou a publicagdo de um apécrifo intitulado “O Evangelho de Judas”, que apresenta Judas como 0 discipu- lo mais chegado a Jesus, que ele nao traiu, mas, ao contrario, com quem colaborou. Propagou-se entao a idéia de que tal manuscrito poderia alte- rar as classicas concepgées sobre a origem do Cristianismo, idéia que em breve foi dissipada pela consideragao mais atenta do que é esse documento. As paginas subseqiientes apresentarao tal “Evangelho”. 1. A Descoberta —m 1945 um lavrador encontrou uma caixa de pedra escondida numa caverna na localidade de Nag Hammadi, ao sul do Cairo (Egito). Essa caixa continha quatro cédices que, além do Evangelho de Judas, apresentavam o Primeiro Apocalipse de Tiago, a Epistola de Pedro a Filipe, 0 Livro de Alégenes, algumas cartas do Novo Testamento em lin- gua copta (0 idioma dos antigos egipcios), 0 livro do Exodo em grego e “Tratado Matematico” (em grego também). Quanto ao Evangelho de Judas, esta escrito em copta e datado do século III ou do inicio do IV. Traduz o original grego, que deve ter sido redigido em meados do século Il, pois ' Ver PR 528/2006, pp. 282-285. 390 O EVANGELHO DE JUDAS (complemento) z Santo Ireneu (t 202) ja o conhecia. O texto esta mal conservado, apre- sentando lacunas, que dificultam a leitura. A colegdo dos quatro cédices foi vendida no Cairo a exploradores. Foi roubada por ladrdes gregos e recuperada posteriormente. Depois de varias peripécias, o Evangelho de Judas foi adquirido pela Fundago Mecenas de Basiléia (Suiga). Median- te um contrato com a National Geographic Society, foi entregue a uma equipe de especialisias, que 0 estudaram e ocasionaram a sua publica- Gao em tradugao inglesa aos 5 de abril de 2006. Do inglés o texto foi traduzido para o francés e 0 alemao. Examinemos agora 2. O contetido do Evangelho de Judas O texto reflete bem as grandes linhas do pensamento gnostico: é a gnose (conhecimento) trazida por um mensageiro do céu que salva 0 homem, Este se acha na terra envolvido na matéria do seu corpo, que é ma; a gnose revelada o liberta do corpo e Ihe permite voltar ao reino celeste, espiritual, onde tudo é bom. Dentro desta perspectiva o livro se abre com as palavras': “Eis o relato secreto da revelagao que Jesus fez em conversa com Judas Iscariotes, durante a semana, trés dias antes de ele celebrar a Pascoa”. Trata-se de ‘mistérios que est&o para além do mundo’. Em seguida mostra-se a cena dos discipulos de Jesus envolvidos com a preparagéo da Pascoa. Jesus ri quando os vé, embora eles a es- tejam preparando de modo correto. Ele explica: ri porque é daquela ma- neira que o Deus deles é louvada. Os discipulos retrucam, dizendo que Jesus € 0 ‘filho do nosso Deus’, mas Jesus afirma que nenhum deles o conhece realmente. Eles se enfurecem e Jesus chama a atengao para a imperfeigao que demonstram. Nenhum dos discipulos ousava entao ficar diante de Jesus, exceto Judas, que afirma: ‘Eu sei quem tu és e de onde tu vens. Tu vens do imortal dominio de Barbelo. E eu ndo sou digno de pronunciar o nome daquele que te enviou’. Jesus percebe que Judas entendeu quem ele era e por isso 0 toma a parte e the ensina os mistérios do Reino. Anuncia-lhe também que ele sera maldito por todas as geragées. Em seguida, os discipulos tém uma visdo: ao redor de um grande altar, encontram-se doze sacerdotes. Uma grande multidao espera junto ao altar e possivelmente oferece dons sacrificais aos sacerdotes (0 texto ‘0 texto que se segue até o proximo subtitulo 6 da autoria da Prof? Maria de Lourdes Corréa Lima. 391 8 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 5341/2006 esta em parte corrompido). Os sacerdotes sao pecadores: assassinam seus prdprios filhos, suas esposas; fala-se de homossexualismo e as- sassinatos e de uma 'multidao de pecados e atos de impiedade’. Jesus interpreta a visdo: 'sdo vocés' os sacerdotes. Neste contexto é dito: ‘Vede! Deus recebeu seu sacrificio pelas maos de um sacerdote’. Fala-se ainda de anjos e de estrelas. A pergunta de Judas: ‘que frutos dara esta geragao?’, Jesus res- ponde: ‘As almas de toda gera¢do humana morrer&o. Quando este povo, entretanto, tiver completado o tempo do Reino e 0 espirito os deixar, seus corpos morrerao, mas suas almas viverao e serao tomadas’. Judas tem entao uma visao: primeiramente, os doze discipulos o apedrejam e perseguem; em seguida vé uma casa e seu interior. Jesus the diz que ‘nenhum mortal é digno de entrar na casa que ele viu, porque este lugar é reservado para o santo. Nela néo dominam nem o so! nema lua, nem o dia, mas o santo habitara la para sempre, no dominio etemo, com os santos anjos’. Jesus repete que revelou a Judas os ‘mistérios do Reino’ e diz que Judas é 0 13° espirito. Reafirma que ele seré maldito por todas as geragées, mas que, no entanto, reinara sobre elas. Jesus repe- te que ensinou a Judas coisas que ninguém conhece. E algo muito gran- de e sem limites: ‘que nenhum olho de um anjo vii nenhum pensamento do coragaéo compreendeu e que jamais foi nomeado por nenhum nome’. A partir deste momento, por um longo trecho, é explicada a origem do bem e do mal. Um primeiro anjo, luminoso e divino, chamado Adamas, saiu de uma nuvem luminosa e criou miriades de anjos. Da nuvem surgi- ram também outros anjos, Nebro (nome que significa ‘rebelde') e Saklas, que criou Addo e Eva ‘a sua semelhanga e imagem’, mas que nao deve receber deles sacrificios. Continua 0 didlogo entre Jesus e Judas acerca do destino da humanidade (0 texto est corrompido). Saklas tera um tem- po, mas depois sua soberania terminara. Os que sao batizados e ofere- cem sacrificios a Saklas sao impios. Neste ponto, Jesus acrescenta: ‘Mas tu [Judas] sobrepujaras a todos. Porque tu sacrificaras 0 ho- mem que me veste. Teu chifre ja foi elevado, Tua ira se inflamou, Tua estrela brithou limpidamente’. O texto termina com o relato da traigao de Judas, Os sumo-sacer- dotes murmuram porque Jesus entrou numa sala e esta rezando. Alguns escribas 0 observam, mas néo o capturaram porque tém medo do povo, 392 © EVANGELHO DE JUDAS (Complemento) 9 que o considera um profeta. Aproximando-se de Judas, perguntam-lhe por que ali estava e se era discipulo de Jesus. Judas respondeu as per- guntas feitas, recebeu uma soma pecuniaria e Ihes entregou Jesus”. 3. Avaliando... O Evangelho de Judas, escrito mais de um século apés a partida de Jesus, enquadra Jesus dentro do esquema gnéstico, que nao é o do Cristianismo biblico, como se pode depreender da exposig¢ao seguinte: A gnose professa 0 dualismo, ou seja, a oposi¢do entre a matéria, que é tida como ma, e o espirito, considerado bom. Por conseguinte afir- ma que o mundo material nao procede de um Deus bom, mas vem de um Principio mau e 6 governado pelo poder das trevas. O homem é um ser espiritual que decaiu do mundo espiritual e teve que descer ao mundo material, revestindo um corpo como escravo da matéria. A centelha de luz que nele esta, deve ser emancipada da matéria e de tudo que é ma- terial - 0 que significa: deve renascer, voltar a ser 0 que era antes. A salvagao assim concebida ocorre mediante o conhecimento (gnose) da revelagao do esquema gnéstico, que permite ao homem tomar conscién- cia do que ele é, da sua origem e da finalidade da vida. Ora o Evangelho de Judas insere Jesus nesse quadro: Judas é louvado por Jesus porque Ihe presta grande servigo entregando Jesus aos adversarios que o levariam a morte, porque deste modo contribuiu para libertar Jesus da matéria ou provocar sua partida deste mundo ma- terial; por isto diz Jesus a Judas em tom elogioso: “Tu sacrificaras o homem que me veste”. Em conseqdéncia fica evidente que tal apécrifo nao oferece a his- toria do passado, mas é uma reconstrugao da figura de Jesus e do seu relacionamento com Judas, reconstrugao efetuada tardiamente segundo um esquema filoséfico-religioso preconcebido. Alias tem-se a impressdo de que o texto cai em contradigao consigo mesmo; com efeito, Jesus, tevestido de matéria como se fosse um ente decaido, esse Jesus é que faz o relato secreto da revelagao a Judas em conversa ocorrida trés dias antes de celebrar a Pascoa. Como entender? O dualismo gnéstico aparece em diversas passagens do apécrifo, mencionando figuras luminosas opostas a outras, responsaveis pela cri- agdo e 0 governo do mundo material. Destas consideragées se percebe que o Evangelho de Judas nao interfere na classica nogdo da origem do Cristianismo. E um documento que serve para se compreender melhor o embate das idéias dos primei- ros tempos do Cristianismo, mas nao implica retoque de quanto até hoje os Evangelhos canénicos transmitiram. 393 Na vida moderna: RELATIVISMO: QUE E? Em sintese: O relativismo 6 uma corrente que nega toda verdade absoluta e perene assim como toda ética absoluta, ficando a critério de cada individuo definir a sua verdade e o seu bem. Opée-se-the o fundamentalismo, que afirma peremptoriamente a existéncia de algumas verdades e algumas normas fundamentais... O individuo se torna o pa- dréo ou a medida de todas as coisas. Tal atitude esta baseada em fatores diversos, entre os quais o historicismo: com efeito a histéria mostra que tudo evolui e se tomam obsoletas coisas que em tempos passados eram plenamente vélidas. A igreja rejeita o relativismo, mas também ndo aceita 0 fundamentalismo: ao lado de verdades e normas perenes, existem ou- tras, de cardter contingente e mutavel. Ao crist&o toca o dever de teste- munhar ao mundo de hoje que a profissao de fé e a Moral catdlicas nada tém de obscurantista e de recusa dos auténticos valores da civilizagéo contemporanea. No fim do século passado manifestou-se com certa pujanga o fe- némeno do relativismo. Segundo esta corrente, 0 intelecto humano nao pode alcangar a verdade como tal, mas apenas aspectos enquadrados dentro do subjetivismo de quem os professa. Essa relativizagdo da Ver- dade e da Etica tem conseqtiéncias de vasto alcance na vida moderna, de mado que Ihe dedicaremos as paginas subsequientes. Trataremos de apresentar as notas tipicas do relativismo, suas causas e a atitude que cabe ao cristéo assumir diante do problema. 1. Relativismo: em que consiste? O relativismo € a recusa de qualquer proposigao filosdfica ou ética de valor universal e absoluto. Tudo o que se diga ou faga é relativo ao lugar, a época e demais circunstancias nas quais o homem se encontra. No setor da filosofia nao se poderia falar de verdade ou erro-falsidade, como na area da Moral néo se poderia apregoar o bem a realizar eo mal a evitar. O homem (individuo) seria a medida de todas as coisas, como ja dizia 0 fildsofo grego Protagoras. Em conseqiléncia o comportamento do homem ignora a lei natural, que 6 a lei de Deus incutida a todo ser huma- no desde que ele dispde do uso da razéo; da mesma forma a sociedade s6 conhece ¢ respeita as leis que os seus governantes Ihe propdem sem questionar a consonancia dessas leis (ditas “positivas”) com a lei do Cria- 394 RELATIVISMO: QUE E? “1 dor; por conseguinte, se as leis dos governantes legalizam o aborto, a clonagem, o anti-sel mo..., a populagdo Ihes obedece, nao levando em conta que, antes da palavra do legislador humano, existe a do Legis- lador Divino, que 6 a mesma para todos os homens. Os comentadores dessa situagdo chegam a falar de uma “ditadura do relativismo”, contra a qual nado ha como apelar para uma instancia ulterior, mais elevada ou mais profunda. A essa ditadura aludia o entéo Cardeal Joseph Ratzinger aos 18 de abril de 2005 na homilia da Missa preparatoria do conclave: Baseando-se em Ef 4, 14 ("nao vos deixeis sacudir por qualquer vento de doutrina”), advertia o pregador: “Quantos ventos de doutrina viemos a conhecer nestes Ultimos decénios, quantas correntes ideolégi- cas, quantas modalidades de pensar...! O pequeno barco do pensamen- to de nao poucos crist&os foi freqdentemente agitado por essas ondas, fangado de um extremo para o outro: do marxismo ao liberalismo ou mesmo libertinismo, do coletivismo ao individualismo radical, do ateismo aum vago misticismo religioso, do agnosticismo ao sincretismo... Todos os dias nascem novas seitas e se realiza o que diz Sdo Paulo sobre a falsidade dos homens, sobre a astticia que tende a atrair para o erro (Ef 4, 14). O ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, 6 muitas vezes rotulado como fundamentalismo. Entrementes o relativismo ou o deixar- se levar para ca e para la por qualquer vento de doutrina aparece como orientagao Unica a altura dos tempos atuais. Constitui-se assim uma dita- dura do relativismo, que nada reconhece de definitivo e deixa como ulti- mo critério o proprio eu e suas veleidades”. Assim é posta de lado a metafisica, de acordo com a adverténcia de Ludwig Wittgenstein: “E preciso nao falar daquilo que a mente do ho- mem ndo atinge”. Examinemos sumariamente algumas modalidades do relativismo: 41.1. Relativismo filosofico Nao se pode pretender chegar a uma verdade objetiva, pois a mente humana ndo conhece a realidade como ela 6, mas como 0 sujeito a con- segue enquadrar dentro dos seus parametros de pensamento. A verdade portanto n&o 6 aquilo que a filosofia classica ensina (conformagao do intelecto com a realidade em si), mas, ao contrario, é a conformacao da realidade com o intelecto. A verdade assim é algo de subjetivo, pessoal, em vez de ser objetiva e universal, para todos os homens. Ja que nao ha um intelecto s6 para todos os homens, mas cada qual tem seu intelecto, diverso do intelecto do préximo ou mesmo oposto a este, em conseqién- cia ha muitas verdades. Cada um tem a sua propria verdade. 395 12 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 1.2, Relativismo ético Nao existem normas morais validas para todos os homens; os va- lores éticos variam de acordo com as fases da histéria e das culturas; ha normas e opiniées subjetivas, que o individuo formula para si mesmo, fazendo uso da sua liberdade, que é refreada apenas pelos limites que os direitos alheios Ihe opdem. O relativismo assim descrito conhece um Unico absoluto, a saber: 9 ser humano ou, mais precisamente, a liberdade de cada ser humano, Essa liberdade é indiscutivel. Pergunta-se agora: 2, Quais as causas do fenémeno telativista? Apontaremos cinco causas: 2.1. Filosofia imanentista Imanéncia op6e-se a Transcendéncia. Significa a negagéo de todo valor que esteja além do alcance da experiéncia humana. Ora 0 relativismo contemporaneo é ateu; vé na religido e na Moral catélicas um obstaculo eum adversario, pois Deus parece escravizar 0 homem e a Moral catdli- ca parece destinada a tornar o homem infeliz ou cerceado. Como pade o ser humano levar Deus em conta, j4 que todo tipo de conhecimento nao € sen&o uma “representacao” mental e subjetiva? 2.2. O historicismo O historicismo ensina que “tudo € histérico” ou provisério e varia- vel; © que ontem era importante, hoje delxa de ser tal. Ora a verdade é conhecida e vivida na historia, sujeita a continuas mudangas; ela é “filha do seu tempo”. Tudo o que é verdadeiro e bom ¢ tal unicamente para o seu tempo, e n&o de modo universal, para todos os tempos e todos os homens. Nenhuma cultura tem o direito de se julgar melhor do que as Outras; todos os modos de pensar e viver tem o mesmo direito. 2.3. O continuo e insaciavel progresso Apesar de todas as dificuldades e hesitagGes por que passa a ciéncia, ha quem julgue que ela traré ao homem as almejadas respos- tas; proporcionara um crescente bem-estar, porque desvinculada de qual- quer ligagao religiosa ou moral. Tenha-se em vista a teoria da evolugao, que deu inicio a nova concepgao da humanidade,... a época das luzes, que sucedeu ao “obscurantismo” medieval... os regimes democraticos, que tomam o lugar do ancien régime ou da monarquia absoluta dos reis... 396 RELATIVISMO: QUE E? 13 2.4. O ceticismo O ceticismo ensina que nao ha verdades objetivas e normas mo- rais sempre validas e que, mesmo que as houvesse, o homem nao seria capaz de as apreender. Na época moderna, 0 ceticismo desponta com René Descartes (t 1650), que propée a “diivida metédica” e vai domi- nando o pensamento posterior sob formas diversas: agnosticismo, empirismo, positivismo de Augusto Comte, fideismo, “o pensamento fra- co” (como dizem). O relativismo é marcado também pelo ceticismo. A verdade é prag- matica, pratica: sao verdadeiras e validas as teorias que levam a resulta- dos concretos satisfatérios; se determinada concepgao resolve (ao me- nos aparentemente) um problema concreto, é tida como veridica e ponto de referéncia para o comportamento humano. 2.5. O utilitarismo Associado ao ceticismo, 0 utilitarismo sé aceita o que pode ajudar a viver em certo bem-estar aqui e agora. Tal bem-estar é geralmente hedonista, ou seja, avesso ao sacrificio, & renuncia, ao incémodo e tem por programa: “Maximizar 0 prazer e minimizar a dor’. Exposto sumariamente o que seja o relativismo, resta perguntar: 3. Como diante dele se situa a Igreja? Responderemos em duas etapas 3.1. A Igreja nao é fundamentalista O fundamentalismo é uma atitude que teve origem no ambiente protestante dos Estados Unidos na segunda metade do século XIX: ape- ga-se ferrenhamente a certas proposi¢ées da Biblia e nao permite que sejam estudadas a luz das pesquisas lingilisticas e arqueolégicas mo- dernas, pois a ciéncia poria em perigo a fé. Portanto professa a criagao do mundo em seis dias de 24 horas; Moisés seria 0 autor do Pentateuco tal como chegou até nds; o livro de Daniel tera sido escrito por inteiro nos tempos de Nabucodonosor (século VI a.C.)...O mundo moderno é domi- nado por Satanas, que Jesus derrotara definitivamente quando vier (e talvez venha em breve) a julgar os homens, Fundamentalista 6, por exemplo, a atitude do Isla, que propde: 1) o Cordo 6 livro divinamente inspirado e deve ser entendido ao pé da letra; 2) 0 Isla deve reger as leis do Estado, pois todos devem conformar- se aos preceitos de Ala. 397 14 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 O fundamentalismo, alias, também penetrou em outras correntes religiosas, como 0 Judaismo e o préprio Cristianismo (em alguns de seus setores). Ha também 0 fundamentalismo leigo, nao religioso, principalmente no campo da politica, quando se procura impor a sociedade o fanatismo de um chefe “carismatico” e tiranico. Pois bem; a Igreja nao é fundamentalista. Ela aceita e promove os estudos biblicos voltados para a lingilistica, a arqueologia, a paleon- tologia... Professa que a Biblia é inspirada por Deus, que utilizou formas de pensamento antigo e oriental para se revelar. A Igreja reconhece que, fora dela, existem valores suscitados pelo proprio Deus ou, como diziam os Padres da Igreja, existem “sementes do Verbo” (logoi spermatikdi); cf. Declaragao Nostra Aetate n° 2 do Concilio do Vaticano II. Professa outrossim a liberdade religiosa ou o direito que todo ser humano iem de estudar livremente a questao religiosa e viver de acordo com suas con- clus6es sem ser coagido a abragar algum Credo que violente a sua cons- ciéncia, nem adotar o ateismo; ver Declaragao Dignitatis Humanae do Concilio: “2. Este Concitio Vaticano declara que a pessoa humana tem direi- to a liberdade religiosa. Consiste tal liberdade em que todos os homens devem ser imunes de coa¢do, tanto por parte de pessoas particulares, quanto de grupos sociais e de qualquer poder humano, de tal modo que, em matéria religiosa [in re religiosa}, ninguém seja obrigado a agir contra a propria consciéncia, nem seja impedido de agir de acordo com ela, em particular e em ptiblico, nem so ou associado a outros, dentro dos devi- dos limites. Declara, além disso, que o direito 4 liberdade religiosa esté real- mente fundado na propria dignidade da pessoa humana, tal como 6 co- nhecida tanto pela palavra revelada de Deus como pela propria razao. Este direito da pessoa humana a liberdade religiosa deve ser de tal forma reconhecido no ordenamento juridico da sociedade que se transforme em direito civil’, Para evitar mal-entendidos, seja dito: 0 Concilio apregoa a liberda- de para pesquisar o problema religioso. Essa Pesquisa, porém, é obriga- toria, pois se trata de dar sentido a vida; se Deus existe, o rumo é um; se nao existe, o rumo é outro. Ninguém esté autorizado a fugir dessa per- gunta: Deus existe? ...Mas pesquise sem sofrer coagao. Ha portanto um meio-termo entre o fanatismo cego fundamenta- lista e 0 relativismo. Quem néo é relativista, ndo 6 necessariamente fanatico. 308 RELATIVISMO: QUE E? 15 3.2. A lgreja professa a Verdade Absoluta Ainteligéncia humana foi feita para a Verdade e nao para a penum- bra das semi-verdades ou do erro. O homem aspira naturalmente a Ver- dade: esta aspiragao congénita ndo pode ser frustrada num mundo em que as demandas tém sua resposta; com efeito — para o olho, ha a luz para a qual ele foi feito. — para o ouvido, ha o som. — para os pulmées, ha o ar. — para o estémago, ha 0 alimento. Nao haveria entéo resposta para as aspiragGes mais elevadas do ser humano a Verdade e ao Bem? A Igreja sabe que a Palavra de Deus revela com veracidade quem é Deus e qual o seu plano de salvagao. Fora das verdades da fé, julga que o homem, pesquisando através de altos e baixos, pode chegar ao conhecimento da Verdade Absoluta. O fato, porém, de professar a Verdade Absoluta nao deve tornar o fiel catélico cego e fanatico. Sim; muitos seres humanos podem estar professando o erro, julgando que o erro é a verdade; estéo de boa fé numa fé (ou religiao) errénea. Deus nao Ihes pedira contas daquilo que Ele no thes revelou, mas ha de julg4-los de acordo com os ditames da sua consciéncia que, sincera e candidamente, os impelia ao erro. Eo que ensina o Coneilio do Vaticano || em Lumen Gentium n° 16. “O Salvador quer que todos os homens sejam salvos. Aqueles por- tanto que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e sua Igreja, mas de coragdo sincero buscam a Deus e se esforgam, com o auxilio da graga, por cumprirem com obras a sua vontade conhecida pela voz da conscién- cia, também esses podem alcangar a salvagao eterna. A Divina Provi- déncia nado recusa os meios necessdrios para a salvagao aqueles que, sem culpa, ainda nao chegaram ao conhecimento explicito de Deus, mas procuram com a graga divina viver retamente”. Ha um s6 Deus para todos os homens; Ele distribui suas luzes sobre todo individuo como the apraz e nao pede mais do que a justa resposta da criatura a Palavra que o Senhor Ihe comunica. Ao proclamar a verdade absoluta, a Igreja nao ignora a influéncia, as vezes prejudicial, das culturas na formulagdo dos juizos religiosos e éticos de cada individuo, mas os catélicos créem que esses possiveis obstaculos e desvios podem ser corrigidos pela insisténcia de quem pro- cura sinGeramente. 399 Mediuina e tecnologia: “GELADO, MAS RICO” (VEJA) Em sintese: Vai tomando vulto crescente 0 nimero de pacientes que desejam ser congelados, caso cheguem ao estado de coma, na ex- pectativa de ser descongelados logo que a ciéncia médica descubra 0 tratamento adequado para thes restituir a satide. Alguns esto mesmo fazendo depositos de elevadas quantias de dinheiro que pretendem utili- Zar quando tiverem recuperado a satide apds a hibernagdo. Do ponto de visto moral, nada ha a censurar no caso, desce que ninguém seja coagido ao congelamento. Seja ele solicitado pelo pacien- te, que deve ser informado a respeito dos riscos que tal processo acarre- ta: 0 organismo pode néo resistir 4 baixa temperatura; caso resista, e venha a ser descongelado, seré cercado de um ambiente novo, desco- nhecido ao enfermo — 0 que the tornaré a vida mais dificil e estranha. Como quer que seja, a crioterapia néo ressuscita mortos, mas estanca um processo de deterioragao; o principio vital ou a alma humana espiritual permanece no corpo congelado, que fem vida latente na expectativa de reanimagao eventual e recuperagao da satide. - Tal. avan¢o da medicina nada tem de imoral; 6 necessério, porém, que os homens nao percam a consciéneia de que sdo mortais e, cedo ou tarde, morreréo e darao contas ao Criador do desempenho de sua conduta durante os anos passados neste mundo. Arevista VEJA, edigao de 1° de fevereiro 2005, p. 64 apresenta uma noticia que despertou o interesse de muitos leitores: eis por que sera comentada nestas paginas. GELADO, MAS RICO Além de congelarem o corpo, muitos investem para ser miliondrios numa segunda vida Riqueza nao se leva para o tiémulo? Bem, hé um grupo de americanos e europeus com planos de voltar da morte e usufruir o dinheiro que vao deixar de heranga para si proprios. Explica-se: eles tam contrato com empresas especializadas para que seus corpos sejam congelados em nitrogénio liquido o mais rapido pessivel depois da morte. O objetivo 400 “GELADO, MAS RICO” 7 é conserva-los até que a ciéncia encontre a cura da doenga que causou a morte e, obviamente, descubra como reviver os mortos, Ha pelo menos 1000 pessoas 4 espera do momento de ser congeladas, Uma dtizia delas, todas miliondrias, tomou 0 cuidado adicional de criar fundos de investimentos cujos beneficiarios serao elas préprias, numa segunda vida. “A questdo 6 que, além de voltar a viver, elas querem ter dinheiro para gastar’, diz Robert Ettinger, diretor do Cryonics Institute, empresa que vende pacotes de congelamentos post mortem. QUE DIZER? Nas paginas subseqiientes examinaremos mais de perto e as ques- tées que o caso suscita. 1. Hibernagao ou congelamento: que é? Por “hibernagdo" entende-se “a maneira de passar 0 inverno”. Tra- ta-se da faculdade que certos seres vivos tém, de se adaptar as condi- g6es de clima de inverno rigoroso, com sua baixa temperatura, diminui- go da duragao dos dias. Aadaptagao, no caso, consiste em reduzir as manifestagées vitais, ou seja, reduzir o gasto de energia. Os vegetais, os animais invertebrados e os vertebrados obtém este resultado mediante taticas diversas quando coagidos pelo clima. O homem tem procurado fazer o mesmo em favor da propria hu- manidade, a partir da primeira metade deste século: os cientistas tentam submeter certos individuos a baixas temperaturas a fim de mais facil- mente atender a satide dos mesmos: desacelerar a circulagdo do san- gue, reduzir 0 consumo de oxigénio em ambiente de baixa temperatura permitem intervengées ciruirgicas sem sangramento, como se dird adiante. Atatica de hibernagao ou congelamento, para o homem, foi conce- bida por Robert C. W. Ettinger, cientista norte-americano, professor de Fisica, Astronomia e Matematica na Universidade de Wayne. Ettinger, numa tese muito categérica intitulada “A imortalidade esta a vista!”, asse- verava que desde ja o homem pode ressuscitar ou reviver fisicamente apés a morte. Chegava a apregoar a fundagdo da “Sociedade dos futu- ros Imortais”, reconhecendo todavia que seria necessario um verdadeiro exército de vigias especializados para guardar os timulos, ou melhor, os “dormitérios-geladeiras" (com dizia o préprio Ettinger) desses aparentes cadaveres. Ao mesmo tempo, perguntava se o nosso planeta poderia dar abrigo e alimentagdo a tantos milh6bes de homens “ressuscitados”, pois ja hoje em dia o problema da alimentagao é grave, e tende a se agravar cada vez mais, dado o extraordinario aumento da populagéo mundial. 404 18 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 55 2006 Ettinger, porém, ainda se consolava, lembrando que os processos de hibernagdo, dispendiosos como seriam, nao estariam ao alcance de to- dos os homens; a congelagao de um corpo humano sairia, sim, por 4 milhdes de antigos francos franceses. Verdade é que uma grande Companhia que explorava a industria do frio, foi interpelada sobre as possibilidades de sua colaboragao nesse terreno; respondeu estar, sim, interessada pelo problema e disposta a examinar com atengao qualquer proposta concreta que Ihe fosse feita. O método imaginado por Ettinger para obter a imortalizagdo do in- dividuo (como composto de corpo e alma, ndéo apenas como alma) era em si muito simples: ensinava que, no momento da morte de uma pes- soa, se deveria congelar o seu cadaver em temperatura préxima do zero absoluto (273° abaixo do zero comum). Nessa temperatura, julga-se que a mateéria ja nao é capaz de atividade; fica por completo paralisada, de modo a ndo poder sofrer deterioragao ou destruigao alguma. Tal efeito se poderia alcangar mergulhando o organismo em hélio liquido, cuja tempe- ratura é de — 269°. Feita isto, esse mesmo organismo seria posto em um “dormitorio-geladeira”, E os médicos aguardariam... - Que aguardariam? — Duas coisas... que a medicina estivesse em condigdes de pro- gresso tal que j4 pudesse curar a doenga do corpo congelado, e que pudesse descongelar o organismo convenientemente, de modo a lhe aplicar o remédio descoberto. Acongelagao, porém, (observam os cientistas) exigiria que os tra- balhos a ser executados no momento do desenlace do doente se efetu- assem com toda a rapidez possivel. Com efeito, a imobilizagao do cora- Go (que caracteriza a morte) acarreta a asfixia progressiva dos tecidos do organismo; ao cabo de 5 ou 6 minutos, as células do cértice cerebral (que sao as primeiras atingidas) sucumbem de modo tal que doravante ja nao é possivel conseguir a reanimagdo do corpo; faz-se mister, por con- seguinte, aproveitar os 5 ou 6 minutos que decorrem entre a paralisagao do coragdo e a consegiiente asfixia das células cerebrais. Eis as idéias e os planos de Ettinger e de seus colaboradores. 2. O Histérico do procedimento As técnicas de hibernagao ou de congelagao dos organismos se devem principalmente aos estudos do sabio francés Henri Laborit. Este pesquisador verificou que, baixando de 37° para 30° a temperatura de um corpo vivo, o processo de asfixia das células do cérebro se torna mais lento; em vez de durar 5 ou 6 minutos apenas, j4 dura 15 minutos: 402 “GELADO, MAS RICO" 19 este intervalo ja fornece ao médico maior margem para intervir no orga- nismo, efetuando ai alguma operagao ciruirgica que Ihe possa ser bené- fica. Acontece, porém, que, quando a temperatura do organismo baixaa 25°, os tecidos geralmente se destroem de maneira fatal. Por conseguin- te, a arte dos médicos em tal setor de trabalho devera consistir em con- gelar 0 organismo segundo ritmo tao lento e suave que a progressiva diminuigdo de temperatura se torne como que algo de natural. Conscientes disto, os sabios tém realizado experiéncias com ani- mais irracionais, a fim de averiguar as suas reag6es e as possiveis apli- cagées a hibernagao do homem. J& em 1780 0 jesuita italiano Pe. Spallanzani conseguiu conservar em vida animais que vivem em musgo, os Rotiferos e os Tardigrados, congelando-os 4 temperatura de — 19°. Em conseqiéncia, tais pequenos animais foram chamados “ressuscitantes”. No ano de 1950, o cientista francés Becquerel colocou esses mesmos seres em ambiente de tempe- ratura préxima ao zero absoluto; depois aqueceu-os de novo e reidratou- 08, verificando que voltavam a viver como outrora. A experiéncia foi cer- tamente digna de nota, mas nao permite conjeturar o que se daria com 0 homem, pois Rotiferos e Tardigrados sao seres elementares, capazes de se desidratar sem perder a vida. Em animais de sangue quente, a reagdo seria diferente. Nao se pode desidratar um corpo humano sem lhe tirar a vida; e, caso alguém queira congelar um organismo humano sem o res- secar previamente, verifica que a agua dos tecidos se transforma em gelo e assim destréi os préprios tecidos. Outras experiéncias tém sido efetuadas. Assim em 1946 Jean Rostand comunicava 4 Academia das Ciénci- as da Franga que pudera conservar vivo 0 esperma de ra durante 20 dias, em vez das poucas horas habituais, recorrendo, para isto, a uma solugao de glicerina. Em 1949 um grupo de cientistas ingleses dirigido pelo Prof. Parkes demonstrou que a glicerina permite conservar espermas de aves e ma- miferos a — 70° durante varias semanas. —m 1953 os americanos Bunget e Sherman, usando do mesmo método, conservaram esperma humano durante mais de um més a tem- peratura de — 79°; depois, reaqueceram-no e com ele praticaram a inseminagéo artificial em trés mulheres, que tiveram filhos normais. Em 1956, o iugoslavo Giaja e seu discipulo Andjus congelaram alguns ratos & temperatura de — 6°, conseguindo reanimé-los posterior- mente. Verificaram entéo que esses ratos eram mais robustos e resisten- tes do que os seus semelhantes n@o congelados. Em particular, o seu 403 20 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 coragao era mais forte. O metabolismo vital do organismo ndo se inter- fompera, mas apenas diminuira notoriamente a velocidade do seu ritmo. A maior parte da 4gua contida nesses corpos nao se reduzira ao estado de cristais nocivos aos tecidos. Em 1958, 0 sbio francés Louis Rey foi mais longe ainda. Conge- lou um coragao de embriao de galinha, mergulhando-o em azoto liquido & temperatura de — 196°. Nesse caso houve vitrificago, isto é, o coragao se tornou duro como uma pedra; mas, depois de haver sido aquecido em banho Iiquido conservado ao calor de 37°, tal coragao recomecou a bater. Enfim no més de margo de 1963 0 bidlogo russo Lesinalozinski mergulhou vinte larvas da borboleta de milho em hélio liqiiefeito e reduzi- do a temperatura de - 269°. A seguir, averiguou que treze dessas larvas voltaram a manifestar a vida de outrora. 3. A tatica hoje Em suma, tal 6 0 procedimento a ser observado para congelar al- guém: “E fundamental que o processo de crionizagéo seja feito o mais rpido possivel em relagdo ao ultimo suspiro... O corpo 6 transferido envolto em pedras de gelo comuns. Uma vez na mesa de operacgdo, todo o sangue do paciente é retirado Para evitar a coagulacao e a expansdo das células (se o sangue congelasse, se ex- pandiria e destruiria todas as células). Em seu lugar 6 injetado glicerol (um alcool) misturado com heparina (anticoagulante), vitaminas e fortifi- cantes para os tecidos. Outras duas substancias sao aplicadas: uma para © corpo néo tremer durante a operagao e outra Para o morto nao abrir os olhos. Isso 6 apenas uma garantia para ndo assustar a equipe médica. Uma maquina de respiragdo artificial ¢ acionada para que as substancias circulem. Todo esse processo sucede sob uma temperatura nao inferior a 4° C. Terminada a fase da cperagao, o paciente é colocado em uma caixa de madeira e aluminio e fica coberto por gelo seco por trés dias. Ao final dos trés dias, 0 corpo atinge 74°C negativos. O proximo passo consiste em envolver o Paciente em um saco de dormir tradicional e deita-lo sobre um caixdo de aluminio. Um guindaste levanta o caixéo e coloca-o de cabega para baixo em uma capsula de aluminio, onde outros trés pacientes J dividem 0 mesmo cilindro. Tam- Pa-se tudo e o nitrogénio liquido encarrega-se de abaixar a temperatura até os 196°C abaixo de zero necessarios. Detalhe: a pessoa é colocada de cabega para baixo, pois, se algum acidente acontecer, 0 nitrogénio ira evaporar de cima para baixo, mantendo assim 0 cérebro, parte mais im- Portante do ser humano, mais tempo protegido. Uma vez deniro do cilin- 404 “GELAUY, iMAS RICO" 21 dro de ago, o paciente podera resistir por mais de mil anos. Quando for retirado para a futura reanimagao, o corpo estara exatamente como no dia em que entrou. Os cabelos, as unhas e as fisionomias das pessoas estarao perfeitos. A Unica diferenga sera a coloragdo da pessoa, que sera mais branca por causa da auséncia de sangue. Quatro fundagées ameri- canas dedicam-se a criogenia - a técnica de resfriamento usada para manter congelados os corpos. A mais famosa delas ¢ a Alcor Life Extension Foundation, com sede na cidade de Phoenix, no Arizona... O processo todo funciona assim: uma pessoa assina um contrato com a Alcor permitindo que, apés a constatagdo de sua morte clinica e cerebral, seu corpo possa ficar congelado sob a responsabilidade da fun- dagao. Depois disso, o futuro congelado recebe uma pulseira com seus dados, numero de sécio e instrugdes basicas para caso de morte. Paga US$ 324 pela manuteng&o anual deste direito. Estudantes tém 50% de desconto. Os US$ 120 mil necessarios para cobrir as despesas de con- gelamento e manutengao do corpo normalmente sao pagos por apdlices de seguro de vida, cujo beneficiario indicado é a propria fundagao... ‘Quem esta aqui é porque quer ver o futuro com os préprios olhos. Nossos pacientes nao viveram o suficiente e querem dar uma esticadinha’, diz Brian Shock, administrador da Alcor. Dos 31 pacientes ... que estéo armazenados na Alcor, o mais velho hibernou aos 99 anos e 0 mais jo- vem, aos 23. O mais antigo é 0 psiquiatra James H. Bedford, criador da fundag&o e o primeiro homem a ser congelado. Obcecado pela criogenia, o dr. Bedford seguiu passo a passo os mandamentos de Robert Ettinger, inventor da técnica... Antes de morrer de cancer aos 73 anos, em 1967, 0 psiquiatra teve longas conversas com Ettinger para preparar sua passa- gem para o futuro. Com todas as informagées, dicas e dinheiro levantado (US$ 200 mil), 0 processo de congelamento foi executado pelo proprio Ettinger e sua equipe. A familia, ainda chorosa com o passamento do patriarca, manteve-o congelado por quinze anos em sua casa”. 4. E a consciéncia ética? Responderemos em duas etapas: 4.1. Ressurreigao de morto? 1, Mediante o congelamento, nao se pretende ressuscitar um de- funto. Mais precisamente, eis 0 que tal processamento supée e intenciona: Amedicina distingue morte clinica e morte real. A morte clinica é a que 0 médico declara, quando verifica que o coragao do paciente ja nao pulsa e a respiragao cessou. Todavia nado se sepulta alguém que esteja clinicamente morto senéo 12 ou mesmo 24 405 22 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 horas depois de ocorrido 0 dbito: na verdade, é extremamente imprové- vel que, com a Ultima pulsagdo do coragao, o organismo se modifique de tal modo que ja nao possa ser vivificado pelo seu principio vital, ou seja, pela alma humana; este deve ai permanecer latente por mais algumas horas apds 0 Obito clinico, até dar-se a morte real. Alias, a experiéncia mesma ensina que pessoas clinicamente mortas recuperaram suas fun- g6es vitais. Com efeito, em 1970, por exemplo, na Inglaterra, registrou-se o caso de uma jovem iraniana que em Brighton ingeriu pesada dose de barbituricos. Foi transportada para o hospital, onde o médico de servico nela averiguou todos os sinais de morte clinica. Todavia na camara mortuaria a jovem comegou a se agitar; estava apenas em coma profun- do. Foram-lhe entao aplicados os processos de reanimagao, mediante 0s quais a paciente se recuperou e, sadia, deixou o hospital cinco sema- nas mais tarde. Donde se vé que a cessagao das pulsagées cardiacas e da respi- tagao nao indica a morte real do individuo. 2. Mais precisamente, no tocante ao coma, convém notar o seguin- te: 0 coma é um estado caracterizado pela perda (total ou parcial) da consciéncia e a cessagdo mais ou menos total das fungdes de sensibili- dade e motricidade. Distinguem-se seis graus de coma, segundo a res- pectiva profundidade e gravidade. Desses seis, sejam mencionados ao menos quatro graus: 0 coma leve ou de vigia, o coma de gravidade mé- dia, 0 profundo e o ultrapassado. No coma profundo ainda ha sintomas de que o cérebro esteja vivo, pols 0 sistema vegetativo ainda se manifesta espontaneamente. Somen- te no coma ultrapassado (que j4 nao é propriamente coma) é que 0 cére- bro ja nao funciona e a vida vegetativa central esta extinta. O eletroence- falograma se conserva constantemente liso. O colapso do organismo é total. Nessas circunstancias, os peritos j4 tentaram de todos os modos restabelecer as fung6es cerebrais, mas em vao. Ja nao ha Trecuperagao. Conelui-se, pois, que, entre o estado de morte clinica (declarada por haverem cessado respiragdo e pulsagées cardiacas) e o de coma ultrapassado irrecuperavel, ha uma gama assaz variada de estados do organismo suscetiveis de reativagao e recuperacao para a plena vida. 3. Conscientes disto, os médicos, desde que verifiquem a morte clinica de alguém, podem supor que o principio vital (ou a alma) desse paciente perdure no respectivo organismo até que se dé tal destruicao dos érgaos e tecidos que ja nao possa mais subsistir ai um principio de vida (ou a alma humana). 406 “GELADO, MAS RICO" 23 Interessa, pois, aos médicos deter o processo de deterioragao do organismo em virtude do qual se dara a morte real. Ora, para deter tal processo, nao ha (segundo dizem muitos) recurso mais indicado do que 0 congelamento. Este paralisa as atividades todas do organismo (inclusi- ve a deterioragéo); conseqiientemente, conserva-se presente na pessoa em coma a respectiva alma. Pode-se entaéo esperar que, em época futu- fa, 0 organismo esteja em condigdes de ser descongelado e receber medicamentos ou tratamentos novos, que a medicina esteja para desco- brir. Caso tal medicagdo seja aplicada com éxito e o paciente recupere a vida plena, nao se dara a ressurreigéo de um morto, mas apenas a reativagdo de um organismo inerte." Fica naturalmente a duvida: sera que a baixa temperatura, parali- sando as fungdes do organismo, nao constitui um clima violento ou artifi- cial demais para a vida humana? Sera que o organismo do homem pode subsistir a 79° Celsius abaixo de zero ou a temperaturas ainda mais bai- xas? Sera que os corpos até hoje congelados ainda estao vivos? - Quem julgar poder responder afirmativamente, ndo terd duvida em admitir que o congelamento ou a crioterapia é aceitavel do ponto de vista medicinal. Todavia pée-se agora uma diivida de consciéncia: 4.2. Sera licito congelar? Aresposta abrange dois aspectos: 4.2.1. Congelamento do organismo e plano de Deus A pratica do congelamento se enquadra tranqiilamente dentro do programa geral da medicina, que é “preservar a vida humana e defendé- la contra as ameagas da morte”. Nao ha duvida, trata-se de recurso novo da medicina e, por isto, raro e dispendioso; além do mais, os seus resul- tados s&o incertos e fortemente hipotéticos, podendo mesmo ser nulos. Em conseqiiéncia, nenhum paciente tem a obrigagdo de pedir tal trata- mento, nem médico algum tem o dever de aplicar tal processo. E certo que 0 congelamento em vista de uma reativagao posterior n&o derroga aos designios do Criador. O homem deve morrer tanto se- gundo as leis naturais da biolagia (os érgdos se desgastam pelo uso e perdem sua vitalidade) como segundo as proposigées da fé (a morte 6 o salario do pecado, diz Sao Paulo em Rm 6, 23). Seria utopica e va a Pretensdo de livrar da morte 0 composto “corpo e alma” que peregrina sobre a terra; cedo ou tarde, este deve ceder 4 decomposic¢ao para ser ‘ Note-se bem: a palavra precisa, no caso, é realmente reativacao, isto 6, volta as atividades; ndo reanimagao (0 que poderia significar volta da anima, alma, ao corpo). 407 24 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 restaurado sob forma gloriosa, em configuragao a Cristo ressuscitado (apenas a alma humana, e ndo 0 composto “corpo e alma’, é, por sua natureza, imortal). Ademais 0 sabio cristo tem consciéncia de que as conquistas po- sitivas da medicina em nada derrogam ao poder e & soberania de Deus. E por gracga e dom do Criador que o homem consegue progredir nos setores da ciéncia e da técnica; tais avancos tém levado muitos cientis- tas a reconhecer ainda mais evidentemente a sabedoria e a grandeza de Deus no mundo criado. E, pois, para desejar que a ciéncia continue a desenvolver-se, contanto que respeite sempre as leis de Deus e a digni- dade do ser humano (imagem e semelhanga do Criador). Tenham-se em vista as palavras do Concilio do Vaticano II: “Bem longe de julgar que as obras produzidas pelo talento e a ener- gia dos homens se op6em ao poder de Deus, e de considerar a criatura racional em competi¢ao com o Criador, os cristéos estéo antes convictos de que as vitérias do género humano so um sinal da magnitude de Deus e fruto de seu inefaével designio” (Const. Gaudium et Spes n° 34c). 4.2.2. E a deontologia médica? Dois topicos vém ao caso: 1) Visto que o congelamento ainda é recurso extraordinario € incer- to, nao deve ser aplicado a um paciente adulto sem 0 consentimento deste — consentimento dado previamente em estado de lucidez mental. Muitas pessoas, embora nao tentem o suicidio, aspiram a terminar seus dias na terra e repousar-se da fadiga cotidiana. A fé cristé reconhece a legitimidade de tal atitude. E licito a alguém desejar a morte para si mes- mo, contanto que ndo o faga por covardia, mas, sim, para unir-se a Deus mais plenamente; tenham-se em vista as palavras de Sdo Paulo: “Para mim, a vida é Cristo, e morrer é lucro... Sinto-me coagido por esta alternativa: de um lado, 0 desejo de partir e estar com Cristo, o que 6 muito melhor. Mas, de outro lado, por vossa causa, 6 mais necessario permanecer na carne” (FI 1, 21.23). Note-se também que o paciente congelado esta sujeito a voltar 4 vida publica dentro de decénios, quando as circunstancias ambientais e a Civilizagdo serao muito diversas das atuais. Podera readaptar-se ao ambiente? Sentir-se-4 4 vontade, sem poder contar com o apaio dos fa- miliares e amigos que 0 acompanharam anteriormente? — Tal sorte nao deve ser imposta a pessoa alguma. Sabe-se que sdo rejeitadas pelacons- ciéncia moral as experiéncias in anima nobili (no ser humano) cujo re- sultado seja incerto, 408 “GELADO, MAS RICO” 25 Ao se tratar de criangas pequenas, a responsabilidade do proces- so pode ser compartilhada pelos genitores e pelos médicos; julgarao em consciéncia se o congelamento podera ser benéfico ao pequenino. 2) A congelagao de paciente supde a morte clinica devidamente averiguada; somente depois desta pode ser empreendida. Como se en- tende, nao seria licito a um médico antecipar-se a morte clinica para pro- vocar o congelamento do individuo, pois tal processo extingue a consci- éncia psicolégica e moral do enfermo, sem garantia de recuperagao da mesma, Em suma, 0 novo processo de defesa da vida humana ainda esta envolto em numerosas interrogagées, apresentando tragos de fantastico. N&o deve ser desprezado nem condenado, porque se baseia em premis- sas aceitaveis, tem sua légica e nao recorre a meios ilicitos; pode-se talvez tornar fator de progresso da ciéncia. Contudo requer-se sobrieda- de e uso de raciocinio quando se pensa em aplicar concretamente tal tipo de tratamento e prever os seus efeitos; que o bom senso eo realis- mo prevalegam sempre sobre a fantasia e a imaginagdo mirabolantes! “A lingua do sabio adorna o conhecimento, mas a boca dos tolos derrama a estulticia” (Prov 15, 2). O QUE VOCE POSSUI?? Um rico resolve presentear um pobre por seu aniversario. Prepara uma bandeja cheia de lixos e, na presenga de todos, manda entregar 0 presente. Recebido com alegria pelo aniversariante. O mesmo gentilmente agradece e pede que Ihe aguarde um instante, para poder retribuir a gen- tileza. Joga fora o lixo, lava a bandeja, enche-a de flores, e devolve-a com um cartao, onde diz: “Cada um da o que possui”. Assim, nao se entristega com a ignorancia das pessoas, nao perca a serenidade. A raiva faz mal @ satide, o rancor estraga o figado ca magoa envenena 0 coragdo. Domine as reagées emotivas. Nao jogue lenha no fogo de seu aborrecimento. 409 Uma linguagem mais eloqiiente: CURAS MILAGROSAS: COMO ENTENDER? Em sintese: O artigo considera as objegdes que se levantam con- tra a possibilidade de haver milagres. O milagre 6 compativel com a Sa- bedoria Divina e nao anula as leis da Fisica, Quanto as curas milagrosas, cinco condigées sao formuladas para que se possa identificar o milagre, que, de resto, 6 sempre associado a interesses religiosos; 6 um sinal ou um linguajar eloqdente, e néo um show da Onipoténcia Divina. O vocabulo “milagre” vem do latim miraculum e significa um fato que surpreende, suscita admiracao e reveréncla. Com outras palavras: é um acontecimento maravilhoso que sé Deus pode realizar, superando as leis da natureza. Em nossos dias tal conceito é escarnecido por uns, enquanto outros anunciam milagres todas as semanas, quase “por enco- menda”. Dai a conveniéncia de examinarmos, a seguir, as objegdes que so formuladas contra o milagre e de definir com Precisdo 0 que se en- tende por “cura milagrosa’”. 1, O Nao ao milagre A problematica é suscitada tanto por parte da Filosofia como por parte das ciéncias naturais. Consideraremos de imediato a voz dos filé- sofos, 1.1. Fala a Filosofia a) Deus é imutavel Se Ele fizesse milagres, estaria mudando os seus designios con- cebidos desde toda a eternidade. Em resposta diga-se: Deus sera sempre imutavel. Desde toda a eternidade num so ato Ele concebeu as leis do universo e as excegdes que Ele haveria de ocasionar. O milagre implica mudanga nas criaturas, @ ndo em Deus. Nao se confunda a vontade de mudanga com a mudanga de vontade. Com outras palavras: Deus é todo-poderoso, e pode fazer tudo © que nao seja ilégico. Criou 0 mundo e o homem livremente e é 0 Senhor das leis que regem as criaturas. Por isto Ele pode, em casos previstos por sua infinita sabedoria, Suspender ou modificar a aplicagao dessas leis, realizando 0 que chamamos “milagre”. 410 CURAS MILAGROSAS: COMO ENTENDER? 27 b) E impossivel que Deus tenha de se corrigir Ora o milagre parece ser um retoque ou um corretivo imposto & obra da criagao. Respondemos: Deus nao tem de se corrigir, porque Ele criou tudo com sabedoria a fim de fazer as criaturas racionais participar da sua bem- aventuranga. Ha, porém, situagGes em que se faz oportuna uma palavra de Deus mais significativa, que é o milagre: este vem a ser um sinal de particular benevoléncia, propiciando a cura de doenga grave, a solugao rapida de um problema angustiante, a dissipagdo de alguma duvida. O milagre ndo é uma quebra do curso da Providéncia Divina, mas é um sorriso especial do Criador ou um ornamento que mais pde em relevo a solicitude da Providéncia Divina. 1.2. Falam as ciéncias naturais a) Ha cientistas que afirmam a absoluta estabilidade das leis natu- rais; por conseguinte, negam a possibilidade de uma derroga¢ao ou de um milagre. Respondendo em linguagem filoséfica, dizemos que os cientistas falam de estabilidade fisica, nao de estabilidade metafisica — 0 que quer dizer: as leis naturais sao estaveis, quando agem em seu curso normal; todavia esta rigidez nao exclui uma possivel intervengao do autor dessas leis ou do Criador. O cientista trabalha no plano das experiéncias sensi- veis, ao passo que a Metafisica chega ao Transcendente e pode admitir a excegdo ou o milagre; pois o Legislador tem o direito de intervir na aplicag&o de suas leis. b) Ha também quem diga que as leis da natureza estao intimamen- te conectadas entre si, de modo que suspender uma dessas leis implica suspender todas as demais. Respondemos que o milagre ndo significa a suspensdo de algu- ma lei da natureza, mas sim a suspensdo da aplicagdo de uma determi- nada lei. Modifica-se o efeito, nao a lei, esta guarda a sua plena vigéncia @ sua conex4o com as demais leis do universo. c) Na natureza nada se perde, nada se cria. Portanto nao se pode admitir multiplicagaéo de paes, nem restauragdo ou criagdo de tecidos novos num organismo. Resposta: tal principio 6 valido para o homem e os agentes natu- rais. Ninguém é capaz de produzir algo a partir do nada como tambem n&o ha quem possa reduzir ao nada aquilo que existe; o homem apenas transforma. Reconhegamos, porém, que ha um agente superior, que ti- at 28 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006, rou do nada o universo e que pode de novo tirar algo a partir do nada, se © julga oportuno. De resto, nem todo milagre implica o surto de alguma nova criatura. d) Ha também quem defenda a indeterminagdo das leis da nature- 2a, de modo que nao haveria efeitos extraordinarios, mas a propria natu- reza oscilaria na produgao dos seus efeitos. Em resposta: a afirmagao acima se refere ao nosso mado de ver 0s fenédmenos: o cientista néo pode acompanhar e calcular a trajetoria das minimas particulas que compdem o atomo. E de notar que se fala de indeterminismo quase somente no campo da Fisica atémica e nuclear, onde escapam a percep¢ao do observador a posigao, a velocidade e a diregéo dos respectivos corpusculos. Por conseguinte a indeterminagdo € subjetiva ou esta do lado do sujeito que observa, e ndo objetiva ou nao do lado do objeto observado. Na verdade, toda causa tem seu efeito; este deve ter uma causa adequada que lhe corresponda com exatidao. Estas ponderagdes permitem concluir que o milagre 6 Ppossivel des- de que se admita a Transcendéncia ou a existéncia de um Ser Superior, que, como autor das leis da natureza, pode dispor delas sem se contradi- Zer, Mas apenas ultrapassando as virtualidades da natureza num gesto de magnanimidade ou de maior ternura para com a sua criatura. Com isso n&o se quer dizer que todo fendmeno apregoado como milagre seja, de fato, milagre; a imaginagao popular é propensa a ver milagre onde n&o aparecem imediatamente as causas naturais de determinado fené- meno; toca ao estudioso distinguir verdadeiros e falsos milagres. Preci- samente esta distingao sera proposta sob 0 titulo seguinte. 2. Curas milagrosas: critérios E necessario distinguir “milagre” e “grande graga obtida pela prece”. Para que se possa falar de cura milagrosa ou cura devida a espe- cial intervengdo de Deus, requer-se o preenchimento de cinco condigées: 1) haja, como pano de fundo, uma doenga grave Persistente, com modificagéo, perda ou excessiva produgao de tecidos organicos. Pano. de fundo este atestado por médicos em diagnéstico nitido e com previ- Sao de perda do individuo paciente ou, ao menos, do érgdo afetado. 2) Cura de toda lesao organica em tempo tao breve que se pode Considerar instantaneo. 3) Ineficiéncia de todos os tratamentos anteriormente aplicados ao Ppaciente. 412 CURAS MILAGROSAS: COMO ENTENDER? 29 4) Auséncia da gradual recuperagdo de fungées organicas perdi- das, como se da nos casos de imediata marcha normal de um paralitico ou recuperagao plena e imediata da visdo em pessoa cega. Esta implicada ai também a auséncia do periodo normal e necessario para a reabsorgdo de um edema, de um derramamento de pleura, para a destruigao de massa anormal... Nao se exclui, porém, o gradativo aumento de peso e melhora Progressiva do estado geral de sade. 5) Cura duradoura, e nao efeito efémero. Cura que, além de total, seja persistente através de sucessivos controles realizados periodica- mente. Em Lourdes, por exemplo, o Bureau des Constatations Médicales convida a pessoa tida como curada a voltar um ano mais tarde, trazendo consigo todos os laudos médicos e toda a documentacao relativa a sua doenga grave. Se a pessoa em pauta o aceita, é submetida, um ano mais tarde em Lourdes, a um exame rigoroso efetuado por um colegiado de médicos. Se 0 seu laudo é unanime atestando o carater inexplicavel da cura aos olhos da medicina contemporanea, 0 caso é levado a uma co- miss&o de tedlogos que examinam o contexto em que se deu a cura: tera sido esta a resposta de Deus a uma prece humilde, sem charlatanismo ou cobi¢a comercial lucrativa? Desde que se verifique a honestidade do paci- ente e dos agentes que contomam o caso, a Igreja proclama o milagre. Foi dito acima: “... inexplicdvel aos olhos da medicina contempora- nea”, Esta claro que, se a medicina pode prever tratamento e cura de tal moléstia num futuro proximo, ja nao se pode falar de inexplicabilidade da cura, Ademais: 0 milagre 6 um semeion ou um sinal de Deus aos ho- mens num contexto aqui e agora bem definido; se, para esses homens, a cura é totalmente inexplicavel por vias naturais, pode-se dizer que Deus quis responder a esses homens aqui e agora, manifestando sua onipo- téncia e magnanimidade. E necessario também distinguir doengas funcionais e doengas or- ganicas. As doencas funcionais sao as que dependem de um bloqueio ou de uma disfungao do organismo: asma, tlcera estomacal, eczema...; estas sao curaveis pelo desbloqueio do organismo mediante a sugestao incutida por um curandeiro ou médium. As doencas organicas sao as que afetam algum érg&o nos termos atras indicados; somente em relagdo a tais moléstias é que se pode falar de milagre. E aluzdestas observacées que se devem considerar as ditas “cu- ras” obtidas em templos protestantes neopentecostais e em terreiros de teligi6es afro-brasileiras. Em muitos casos ha curas de doengas funcio- nais pelo desbloqueio do sistema nervoso e pela sugestdo. Tenha-se em vista ainda a eficacia dos placebo: sao remédios falsos ou indcuos que, aplicados com grande alarde e propaganda, obtém efeitos maravilhosos, 413 30 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 porque predispdem o paciente a um estado de nimo otimista e confian- te, que o desbloqueia. Nao se trata ai de milagre. Ver a propdsito 0 artigo seguinte deste fasciculo. Como dito, Deus pode conceder grandes gragas ou curas maravi- thosas, que ndo sao milagres no sentido estrito da palavra, porque nao preenchem as condigées atras enumeradas. 3. Casos significativos Quando se trata de Beatificagdo e Canonizagao de um(a) servo(a) de Deus, a Igreja espera, para cada uma dessas instancias, um milagre. Este é tido como autenticagao da santidade de tal pessoa, autenticagao que confirma da parte de Deus os resultados favoraveis obtidos por in- vestigagées anteriores. Os casos aduzidos para tais efeitos sao exami- nados por médicos e peritos. No Vaticano (Congregagao para as Causas dos Santos) se depois de criterioso exame sao reconhecidos como inexplicaveis, podem ser prociamados como milagres. Vejam-se alguns exemplos em PR 446/1999, p. 290; 441/1999, p. 72; 391/1994, p. 562; 443/1999, p. 167; 503/2004, p. 238. Sobre Lourdes de modo particular, extraimos do livro “Milagres e Testemunhos Eucaristicos" da Sra. Graga Pierotti o seguinte trecho. Curado na Bengao do Santissimo Sacramento Gabriel Gargam foi ferido gravemente em um acidente ferroviario que the causou paralisia total dos membros inferiores seguida de gan- grena. Em 1900 ele participou de uma peregrinagdo a Lourdes e, apés a béng&o do Santissimo Sacramento, levantou-se e acompanhou a procis- s&0 caminhando sozinho. A Igreja néo reconheceu esse milagre. O se- nhor Gargam poderia retornar ao seu trabalho, mas n&o o fez. Preferiu dar testemunho de sua cura e fazer apologia dos milagres acontecidos em Lourdes. Curada apés a comunhao Em 1948, Giovanna Frétel di Rennes foi a Lourdes em peregrina- Gao. Tinha uma peritonite tuberculosa. Havia sido operada 7 vezes e ha- via 3 meses permanecia na cama, quase imével, com muitas dores e alimentando-se mal. Sem se dar conta de estar em Lourdes, a doente foi levada a gruta e a piscina, mas nao obteve melhora. No dia 8 de outubro foi levada ao altar de santa Bernadette para assistir 4 missa. No momen- to da comunhdo, o sacerdote hesitou em dar-Ihe a Eucaristia devido aos seus vomitos. Resolveu, porém, dar-lhe uma pequena particula da héstia consagrada. A senhora Frétel tomou, entéo, consciéncia de estar em Lourdes e se alimentou com uma xicara de café com leite. Posteriormen- 4ai4 CURAS MILAGROSAS: COMO ENTENDER? 3 te foi de novo conduzida a gruta e com a ajuda de alguém, que nado podia ver, sentou-se na maca e, sentindo uma mao sobre o seu ventre, se deu conta de que havia voltado ao normal e sentiu fome. No dia seguinte se levantou, vestiu-se sozinha e retornou a Rennes. A cura da senhora Giovanna Frétel foi declarada milagrosa pelo cardeal Loques, apés as investigagdes necessérias. Algumas curas no momento da procissao do Santissimo Sacramento £m outubro de 1953, Maria Luiza Bigot, hemiplégica, surda e cega, melhorou de seu estado de paralisia durante uma peregrinagao a Lourdes. Em 1954, retornou a Lourdes e, ao fim da procissdo do Santissimo Sa- cramento, recuperou totalmente a audigao. Ao retornar para sua casa, de trem, recuperou a visdo. Em 1956 foi reconhecido o milagre. Bibliografia: Dr. A. Olivieri e Don Bernardo Billet, !/ y a fil encore des miracles 4 Lourdes? Hediz. Lethielleux, Parigi, 1979. (Continuagao da p. 432) fortalece o desejo de converséo. (citagao, nao literal da mensagem de Nossa Senhora a Elisabet Kindelmann, da Hungria em 1° de Agosto de 1962, pg. 36 do livreto com “imprimatur” da Igreja. Seguem outras men- sagens desta confidente de Maria. A realidade do dia 6/6/06 desmentiu a “profecia”, como alias tem ocorrido em outros casos. O numero 686 é mencionado em Ap 13, 18 para designar de ma- neira velada 0 perseguidor da Igreja. isto se explica pelo fato de que em hebraico e em grego as letras tém valor numérico, de modo que as letras de um nome somadas umas com as outras dao o valor numérico desse nome. Os comentadores tém-se aplicado a procurar qual seria 0 nome correspondente a 666. Entre as muitas respostas dadas, a mais verossi- mil é a que afirma tratar-se de KAISAR NERON (escrito em caracteres hebraicos), ou seja, CEGAR NERO. Note-se que 0 nome correspondente a 666 sé pode ser procurado em idiomas que Sao Jodo e seus leitores conheciam (0 hebraico ¢ 0 grego) e somente dentro do cenario do século | da nossa era, quando foi escrito o Apocalipse. Os imediatos leitores de S40 Jodo ndo saberiam identificar um personagem de época posterior nem entenderiam um nome latino ou de lingua mais recente. O“Imprimatur’ significa apenas que nao ha heresia no texto em pauta. Eis o que em raciocinio sereno se pode dizer sobre o assunto. 415 Poder da sugestao: O EFEITO “PLACEBO” Distinga-se do milagre 0 efeito “Placebo” (agradarei, em latim). O “placebo” 6 um remédio aparente apenas, como um pouco de Agua colorida por um ingrediente indcuo, incapaz de fazer bem ou mal. Todavia € ministrado ao paciente como sendo o mais recente e eficaz produto da industria farmacéutica. O paciente é assim sugestionado e ingere o aparente remédio. Por efeito da sugestao, passa a se acalmar confiante, dorme melhor, alimenta-se melhor, sente o Animo muito espe- rangoso. Em conseqiiéncia o organismo reage melhor a moléstia e se encaminha para a cura. Todo o efeito 6 de mera sugestao. Aconfirmagao destes dizeres se encontra na seguinte mensagem que PR recebeu via internet: A mente humana grava e executa tudo que the é enviado. Através de palavras, pensamentos ou atos, seus ou de terceiros, sejam positivos ou negativos. Basta que vocé os aceite. Essa agéo sempre aconteceré, independente se traga ou nao resultados positivos para vocé. Um cientista de Phoenix Arizona queria provar essa teoria. Preci- Sava de um voluntario que chegasse as titimas conseqiiéncias. Conse- guiu um em uma penitenciaria. Era um condenado a morte, que seria executado em uma cadeira elétrica. O cientista Ihe propés 0 seguinte: Ele participaria de uma experiéncia cientifica, na qual seria feito um pequeno corte em seu pulso, o suficiente para gotejar o seu sangue até a ultima gota. Ele teria uma chance de sobreviver, caso o sangue coagu- lasse. Se isso acontecesse, ele ganharia a liberdade, caso contrario, ele iia falecer peta perda do sangue, porém, teria uma morte sem sofrimento e sem dor. O condenado aceitou, pois isso era preferivel a morrer na cadeira elétrica, e ainda terla a chance de sobreviver. O condenado foi colocado em uma cama alta, dessas de hospital e amarraram seu corpo para que ndo se movesse. Fizeram um pequeno corte em seu pulso. Abaixo do pulso, foi colocada uma pequena vasilha de aluminio. Foi dito a ele que ouviria o gotejar de seu sangue na vasilha. O corte foi superficial e néo atingiu nenhuma veia ou artéria, mas foi suficiente para que ele sentisse 0 pulso sendo cortado. Sem que ele 416 O EFEITO “PLACEBO” 33 soubesse, debaixo de sua cama havia um frasco de soro com uma pe- quena valvula. Ao cortarem seu pulso, abriram a valvula do frasco para que ele acreditasse que era 0 sangue dele que estava pingando na vasi- Jha de aluminio. Na verdade, era o soro do frasco que gotejava. De 10 em 10 minu- fos, o cientista, sem que o condenado visse, fechava um pouco a valvula do frasco e o gotejamento diminuia. O condenado acreditava que era seu sangue que estava diminuindo. Com o passar do tempo, foi perdendo a cor e ficando cada vez mais palido. Quando o cientista fechou a valvula... teve uma parada cardiaca e morreu. Sem ter perdido uma gota de sangue. O cientista conseguiu provar que a mente humana cumpre ao pé da letra tudo que the 6 enviado e aceite pela pessoa, seja positive ou negativo e que sua agéo envolve todo o organismo, quer seja na parte psiquica, quer seja na parte organica. Essa pesquisa é um alerta para filtrarmos 0 que enviamos para nossa mente, pois ela no distingue 0 real da fantasia, o certo do errado, simplesmente grava e executa o que Ihe é enviado. ‘Quem pensa que vai fracassar, jé fracassou antes mesmo de ten- tar’. Somos 0 que pensamos e acreditamos ser. Hé duas maneiras extre- mistas de se viver a vida: Uma é acreditar que nao existe milagre. A outra é acreditar que todas as coisas s&o milagres. “Reflita no que vocé esta fazendo com vocé mesmo”. Comentario de Santo Tomas de Aquino @ Ave-Maria. Tradugado de Omayr José de Moraes Junior. ~ Ed. Eunute, Sao Paulo (SP) 2006, 79 pp. O autor é eximio Jatinista, que vem traduzindo para o portugués obras de Sao Tomas de Aquino. A Ave-Maria, em sua primeira parte, consta de textos tirados do Evangelho; a segunda parte é um acréscimo datado do século XVI, que Sao Tomas nao conheceu no século XIII. A obra 6 um bom nuirimento para a vida de orag&o, pois aprofunda o significado de cada sentenga da primeira parte da Ave-Maria. Parabéns ao tradutor, que acompanha 0 texto de S. Tomas com Introdugdes e Notas. Enderego da editora: Rua Antonio Roser 9, 05794-230 Sao Paulo (SP). 417 Ha quem hesite: MENTIR E PECADO? Em sintese: A S. Escritura é peremptéria ao repudiar a mentira tanto no Antigo como no Novo Testamento. Nos primeiros séculos do Cristianismo houve hesitagdo a respeito por causa das “mentiras dos Patriarcas” e por influéncia da Filosofia grega, que, com raras excegées, admitia @ mentira para salvar alguém de uma situag&o embaragosa. A partir de S. Agostinho (t 430), porém, tomou-se un&nime a condenagao da mentira na Teologia catéfica. Hé casos todavia em que a verdade deve ser guardada sob sigilo; isto nao justifica dizer o contrario da verdade, mas propicia o recurso a uma locugao que o bom entendedor compreen- deré como recusa de resposta; tal recurso chama-se “restrigao mental em sentido amplo”. N&o raro a mentira parece ser a tinica solugao para que alguém Possa sair de uma situagao embaragosa. Todavia tal solugdo desperia a hesitagao de muitos fiéis. Eis por que passamos a considerar mais deti- damente o assunto. 1. Fundamentagao biblica 1.1. Antigo Testamento A Lei de Moisés 6 explicitamente contraria 4 mentira, como se depreende do Decalogo em Ex 20, 16 e Dt 5, 20: “Nao levantaras falso testemunho”. Vejam-se ainda os textos seguintes: Ex 23, 7: “Da falsa acusagdo te afastaras”. Pr 30, 8: “Afasta de mim a falsidade e a mentira’. Eclo 7, 12: “Nao maquines a mentira contra teu irmao nem fagas algo semelhante contra um amigo”. Eclo 4, 25: “No contradigas a verdade”. Pr 6, 16: “Seis coisas detesta o Senhor: ... olhos altives, lingua mentirosa...”. 1.2. Novo Testamento Jesus é também peremptério ao condenar a mentira, visto que "Sa- tands € 0 pai da mentira” (Jo 8, 44). M18 MENTIR E PECADO? 35 Apalavra do cristao seja “Sim, sim! Néo, nao!” (Mt 5, 37). Em Cl 3, 9 S40 Paulo considera a mentira como vestigio da velha criatura ndo remida: “No mintais uns aos outros porque vos despojastes da velha criatura com suas praticas”. Em Ef 4, 25 a mentira é tida como incompativel com a pertenga ao Corpo de Cristo: “Abandonai a mentira, e dizei a verdade cada um ao seu proximo, porque somos membros uns dos outros”. Em At5, 3 Sado Pedro considera a mentira como ofensa ao Espirito Santo: “Ananias, por que encheu Satands o teu coragdo para mentires ao Espirito Santo, retendo parte do prego do terreno?”. _ Amentira exclui da Jerusalém celeste 0 mentiroso: Ap 21, 8.27; 22, 15. €m 1Tm 1, 10 Sao Paulo inclui a mentira ao catalogo das faltas graves. Levanta-se, porém, a pergunta: 4.3. E as mentiras das figuras importantes do Antigo Testa- mento? Sem dtvida, a Escritura registra a mentira de personagens bibli- cos, que Deus parece abencoar. Que dizer? Antes do mais, notaremos que nem tudo o que é atribuido aos gran- des vultos do Antigo Testamento é santo e exemplo de vida para 0 leitor. Ha numerosos casos de fraqueza humana, que Deus permite aconte- gam, a fim de manifestar que Ele se serve “do que nao é para confundir aquilo que 6” (1Cor 1, 28); Deus escolhe como instrumentos de sua Pro- vidéncia as criaturas mais frageis para que ninguém se gloria de suas faganhas. Assim sejam entendidos os casos seguintes: Segundo Gn 12, 10-20 Abrado no Egito manda a sua esposa Sara que se apresente como irmé dele a fim de que ndo o agridam caso os egipcios queiram raptar Sara, bela mulher. A mentira é reconhecida pe- los egipcios, que censuram Abraao por causa disto. Em Gn 20, 2-7 deu-se algo de semelhante. Conforme Gn 26, 1-4 Isaque procede de maneira semelhante. Nes- ses trés casos a mentira é tida como comportamento indigno. Em Gn 27, 18-27 Jacé mente a seu pai Isaque e recebe a béngao que tocava a seu irmao Esati; ai ha falsidade planejada, que a Providén- cia Divina utiliza para demonstrar que ndo é a santidade dos homens que 419 36 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 lhes merece 0 beneplacito divino, pois Deus se serve do que, humana- mente falando, é inepto para realizar maravilhas. Deus nao aprova a mentira, mas faz do mentiroso o herdeiro da béng&o dada a Abrado, por- que Ele quer dissipar toda pretensao humana de se engrandecer por suas préprias forgas. Em Ex 1, 15-20 as parteiras do Egito dao ao Faraé uma resposta evasiva que parece nao corresponder a verdade. Em Jt 10, 1-13, 10 Judite mente a Holofernes com grande aparato. — Note-se que isto acontece em periodo de guerra, quando os beligeran- tes tém a obrigagao de se acautelar contra espides e invasores estran- geiros. Judite fez um papel traigoeiro, que em tempo de guerra é comum realizar; no caso a culpa estava do lado de Holofemes que se apaixonou pela mulher estrangeira em vez de desconfiar dela, ... dela que o atacava como a mulher pode atacar durante uma guerra. Vejamos agora 2. Um pouco de histéria Nos quatro primeiros séculos os cristéios hesitaram a respeito da liceidade da mentira. Dois fatores explicam essa inseguranga: - a Filosofia grega, que, com excegéo de Aristoteles e poucos ou- tros nomes, aceitava a mentira em certas circunstancias; — os Patriarcas biblicos, que mentiam, mas nem por isto deixavam de ser abengoados por Deus. Mostraram-se hesitantes Clemente de Alexandria, Origenes, §. Hilario, S. Joo Criséstomo, Cassiano... Diziam em poucas palavras: se 0 preceito de ndo matar admite excegées a fim de preservar o bem comum, como nao as admitiria, em vista da mesma finalidade, o de “nao mentir’? ‘S, Agostinho (+ 430) pds termo as hesitagdes no século V. Define a mentira nos seguintes termos: “Mente aquele que, pensando de determi- nado modo, exprime algo diferente por palavras ou sinais". Ora isto é pecaminoso, mesmo que nao haja intengdo de prejudicar o préximo. A luz deste principio, o santo doutor procurou explicar as mentiras dos Pa- triarcas; afirmava, por exemplo, que o procedimento de Jacé em Gn 27, 18-27 n&o foi mentira, mas foi mistério, ou seja, imagem do que se deu na histéria da salvacao: Jacé representa os pagaos, que herdaram a bén- 40 dos judeus (Esa), embora os judeus (Esau) fossem os primeiros destinatarios. Até Sao Jerdnimo (¢ 420 aproximadamente) se tera deixa- do persuadir por Agostinho, por mais independente que quisesse ser. 420 MENTIR E PECADO? 37 Apos S. Agostinho a tradigéo cristé é unanime ao condenar qual- quer tipo de mentira; a palavra foi dada ao homem para transmitir a ver- dade e nao a falsidade, como Jé argumentava Aristoteles (¢ 322 a.C.). No século XVI Lutero tentou restaurar a tese antiga: “uma boa e solida mentira para o bem comum e para a Igreja inteira, uma mentira em caso de necessidade, uma mentira Util, uma mentira para prestar servico nao seria contraria a Deus”. Calvino (+ 1564), neste particular, manteve-se fiel 4 classica doutrina. Foi-se propagando entre os protestantes a distingdo entre = mentira, sonegagao da verdade a qual os outros tém direito, e — locugao falsa (falsiloquium), locugao que esconde a verdade Nos casos em que o proximo nao tem direito a verdade. Esta distingao foi reformulada pela Teologia catdlica de modo a se tornar aceitavel, como se vera adiante ao falarmos de “restrigaéo mental em sentido estrito e restrigao mental em sentido amplo”. Em época moderna alguns tedlogos pretenderam defender a legi- timidade da mentira propriamente dita ou como afirmagao do contrario da verdade. Tal posi¢ao nao fez escola, de modo que a sentenga catdlica a este propésito é a de 3. S. Tomas de Aquino Escreve S. Tomas: “A mentira 6 um ato vicioso oposto a virtude da veracidade, pelo qual alguém enuncia voluntariamente uma proposi¢éo que ele sabe ou acredita ser falsa” (Suma Teoldgica II/II qu, 110. art. 1). Nao é essencial a intengdo de prejudicar o préximo; o essencial é dizer algo de falso ou exprimir algo diferente daquilo que o individuo pensa. Assim toda mentira é rejeitada, mesmo aquela que ocorra por brincadei- fa ou por ironia. A auséncia de mentira ou a sinceridade é condigéo indispensavel para que os homens se unam em sociedade. Esta exige partilha de con- ceitos e sentimentos isenta de qualquer falsidade ou fingimento. A gravidade do pecado da mentira depende da matéria sobre a qual versa. Sem diivida, falando de modo geral, devemos notar que a obrigagdo de dizer a verdade 6 grave, pois sem este dever os homens destroem o seu convivio em comunidade. Tal lesao pode ser leve como também mortifera ou mortal. O individuo que mentiu, tem obrigagao de reparar os danos materi- ais ou espirituais que eventualmente hajam sido produzidos pela menti- 421 38 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 ta. Nao se deve esquecer que mesmo a mentira jocosa ou por brincadei- ta pode causar traumatismos, magoando ou humilhando o préximo, As criangas de menos de cinco anos de idade ndo mentem propri- amente, pois vivem num mundo imaginoso. Todavia os educadores hao de acompanha-las para que se adaptem 4 realidade em que estao inseridas. Sejam incitadas a usar de franqueza e sinceridade. Quanto aos psicopatas, podem pecar pela mentira quando Ittcidos e na medida da lucidez de que gozem. Faz-se necessario agora abordar especial as- Pecto da tematica em foco que é 0 segredo. 4. O segredo e a restrigdo mental O segredo faz parte integrante da vida humana. Com efeito, todo individuo tem direito a sua privacidade; nao deve ser desnudado em pu- blico quanto ao seu estado de satide, 4 sua vida intima de solteiro ou casado, aos seus projetos para o futuro... Quem nado Quarda reserva so- bre sua pessoa e seus afazeres, arrisca-se a vé-los prejudicados. A violagao de um segredo é chamada “indiscrigaio". Que acontece ent&o quando a alguém é colocada uma pergunta a qual esse alguém nao poderia responder sem ferir a privacidade do préximo? Tal pergunta seria: “Vocé sabe de que moléstia estara sofrendo N.N.? O casal AB esta em crise? Qual é 0 salario de nosso amigo? Como esta a sua conta bancaria? Apessoa assim interrogada nao devera dizer a verdade, mas tam- bém no podera mentir, dizendo o contrario da verdade. Se deixar de responder, atigaré a curiosidade do interrogante, que mais pressdo exer- cera para obter uma resposta. Resta entdo a possibilidade de utilizar uma locugao que é resposta, mas ndo revela a verdade. Como exemplo de tal locugao, pode-se citar o “N&o sei”, “Nao vi", “N&o fui informado"... Estas s&o expressdes convencionais que o bom entendedor nao toma ao pé da letra, mas entende como recusa de esclarecimento. Ainda se podem aduzir como exemplos: “Esta em reunido”, “Nao esta", “Nao se encontra”... 6 qualquer outra locugdo que possa ser entendida como delicada recusa de conversa. Tal modo de falar é dito “restrigdo mental em sentido amplo”. Dis- tingue-se da restrigéo mental em sentido estrito pelo fato ce que esta ultima nao deixa margem ao entendedor para que suspeite da sonega- ao da verdade; como exemplo de restri¢ao mental em sentido estrito e, Pportanto, condenavel, aponta-se o seguinte: a Policia, posta a procura de determinado “réu”, inocente, encontra um padre e pergunta-ihe se viu o “criminoso” passar; o padre entao coloca a mao direita dentro da manga esquerda de sua batina e, agitando-a discretamente, responde: “Por aqui (= Por dentro da manga) nao Passou”, Ora tal resposta é insuficiente para 422 MENTIR & PECADO? 39 que 0 interrogante possa desconfiar de algum artificio; é uma resposta enganadora, que por conseguinte é condenavel; vem a ser uma modali- dade de mentira. 7 Arestrigéo mental em sentido amplo é licita, mas é preciso evitar que se torne freqiiente, pois a finalidade da palavra é unir os homens mediante a comunicagao da verdade, Jesus mesmo praticou-a, quando disse aos Apéstolos; “Quanto a data e a hora do dia do juizo, ninguém as conhece, nem os anjos nem o Filho, mas somente o Pai” (Mc 13, 32). Na medida em que era o Enviado do Pai e o Mestre dos homens, Jesus “ignorava’ a data do fim dos tempos; no a ignorava, porém, como Deus. Eis outros exemplas de restri¢ao mental ampla e licita: —A dona de casa pergunta a um convidado: “Gostou de tal ou tal prato?” Ele diré certamente: “Gostei”, mas a senhora que perguntou de- vera entender que em hipdtese nenhuma o amigo bem educado poderia dizer que no gostou. — O esposo que tenha sido uma vez infiel 4 sua esposa, podera responder a quem o assedia com perguntas: “Nao sou um adultero (habi- tual)” ou “Como vocés me podem colocar esta pergunta?”. = Quem é citado em juizo para dar um testemunho que fira a sua consciéncia bem formada, podera dizer: “N&o sei”. Nao é licito recorrer a restrigao mental ampla ou a uma linguagem de duplo sentido nos seguintes casos: — quando se trata de formar um contrato; - quando alguém tem 0 encargo de orientar o proximo acerca do caminho que este devera seguir, quer no plano fisico, quer no plano moral; - quando alguém é legalmente interrogado por um juiz; — quando alguém esta na obrigacao de confessar a sua fé. Em conclusao diremos: a vida do cristao ha de ser profundamente marcada pelo amor a Verdade, que ele jamais renegara mediante uma mentira, pois Satanas 6 0 pai da mentira (Jo 8, 44). APENDICE Merecem atengao ainda os dois seguintes pontos: 41) Uma hipdtese Em suas obras’ S. Agostinho propée o sequinte caso (assaz irreal, mas apto a provocar a reflexao): ‘Cf. De mendacio, ¢. IV. 423 40 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 5314/2006 Duas estradas se cruzam, sendo uma delas infestada por assal- tantes e a outra tranquila. Um guarda se encontra na encruzilhada e vé gue um grupo de viajantes (conhecidos seus) se aproxima; chegando Perto, perguntam-Ihe qual é a estrada tranqiila. O guarda sabe que tais viajantes desconfiam dele, pois geralmente fazem o contrario do que ele indica. Que resposta daré esse homem? - Se indicar a estrada tranqiila, dizendo a verdade, sequirao pela estrada infestada e sofrerao perigo de vida. Se indicar a estrada infestada, os interpelantes tomarao a estrada tranqiila, mas o guarda mentira, O santo Doutor hesita sobre a solucdo do caso e deixa-o em aberto. Que diremos hoje? — Jé que o guarda sabe que farao 0 contrario do indicado, aponte a estrada infestada. Isto ndo sera rnentira propria- mente dita, mas a resposta adequada (salvando a vida dos viajantes) expressa em termos inadequados. S. Agostinho julgava que a resposta do guarda ndo era mentira, porque ele incluia no conceito de mentira a intengao de enganar o préximo — intengao que faltava ao guarda. Os moralistas contemporaneos nado entendem seja necesséria tal intengdo Para que se configure uma mentira. 2) Formulas de cortesia Na correspondéneia social é costume empregar certas formulas de alta cortesia, como “Ilustrissimo(a) Senhor(a)”, “dedicado”, “devotado”, “humilde servidor”... Muitas vezes também se usam expressdes de felici- tagGes e de agrado ao(a) destinatario(a)... Que dizer? Nos séculos XVIII e XIX houve autores que condenaram tais locu- g6es; assim, por exemplo, Schopenhauer, A maioria, porém, as reconhe- ceu como legitimas, pois sao formulas convencionais que o bom entendedor nao toma ao pé da letra. A Moral catolica nao os condena Porque n4o enganam o sabio leitor. Historia da Igreja Catélica, por Josef Lenzenweger e sua equipe, Tradugdo de Frederico Stein. Ed. Loyola, Sao Paulo 2006, 383 pp. Eis um compéndio de Historia da Igreja assaz sucinto, mas completo. Supde um prévio conhecimento da matéria Por parte do leitor e recorda o essencial de cada acontecimento. Os autores ‘Procuram nao julgar, mas ape- nas expor os fatos. Seria desejével que fossem mais explicitos no tocante a alguns quadros da histéria mais importantes. A obra tem valor como com- péndio da matéria abordada. A neutralidade dos autores se exprime nos seguintes termos: “A histéria da Igreja transcende a tarefa de estar a servigo de um objetivo apologético... Tampouco se trata de avaliar determinados acontecimentos histéricos como sendo obra de Deus ou 'julgamento divino” 424 (p. 3). Ainda 0 “Cédigo Da Vinci": GRANDE NEGOCIO, GRANDE FRAUDE O Sr. Arcebispo de Pamplona e Bispo de Tudela (Espanha), Mons. Femando Sebastian Aguilar publicou aos 20 de maio 2006 uma Carta Pastoral sobre “O Cédigo Da Vinci", que vai, a seguir, transcrita em tradu- go portuguesa. Grande Negocio, Grande Fraude O titulo pode parecer demasiado duro, mas creio que é plenamen- te exato. Em primeira instancia, saiu o livro com seus quarenta milhées de exemplares vendidos. Agora é 0 filme, com nao sabemos quantos espectadores. Por tras de tudo isso ha um produto literariamente modes- to (modestito, em espanhol) e cientificamente nulo, apoiado em grande montagem propagandista. Falo do Cédigo Da Vinci, como se pode per- ceber. Fica por explicar 0 porqué de tal éxito. Grande parte desse éxito se deve ao langamento, que, sem duvida, foi multimilionario. Todavia ha ra- zées mais profundas. Dan Brown utiliza a forga que tem a pessoa de Jesus Cristo na consciéncia de milhGes de pessoas, até mesmo fora das fronteiras da Igreja, e aproveila essa forga em favor de sua obra e de seu negocio. Constréi uma novela meio-policial, meio de ficgao, com aparén- cia de trabalho de investigacao historica. Ao longo do seu escrito Dan Brown acusa a Igreja de ter manipula- do a historia de Jesus em pro! dos seus prdprios interesses, quando na verdade 6 D, Brown quem faz exatamente isto. Se tal obra se tivesse apresentado como obra de literatura de ficgao a respeito de Jesus, pode- riamos discutir 0 bom gosto do autor ao fazer estéria com um persona- gem que, para os cristdos, é sagrado, mas ndo poderiamos denunciar 0 escrito como sendo falso nem como fraude. Eis, porém, que o autor apre- senta sua obra como fruto de longos e profundos estudos histéricos, atri- buindo as suas afirmagdes um valor cientifico e histérico que elas nao tém sob nenhum aspecto. Existem no livro dados histéricos inegaveis, mas, com eles, ha muitas outras coisas que sé0 meras fabulas, compon- do um conjunto do estilo dos livros de cavalaria. Os personagens que 0 livro apresenta e a descrigdo de instituigdes que ele manipula ou sao totalmente ficticios ou sao descritos de maneira 425 42 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 que ndo corresponde a realidade. A tese central da novela afirma que o Cristianismo é falso porque 6 a criagéio de homens sem escripulos, que inventaram os dogmas cristéos fundamentais no século IV para dominar as molas do Império Romano. O autor assegura ter narrado a verdadeira historia de Jesus como personagem que nao manifestava a pretensdo de ser divino; tera morrido como as demais criaturas humanas apés ter tido varios filhos; destes filhos procedem linhagens misteriosas e truculentas, que so mera invengao do autor, Para apoiar sua tese, serve-se de um método muito simples. Nega a validade das fontes histéricas do Cristianismo, ignorando todos os es- tudos efetuados sobre a historicidade dos Evangelhos, ignorando tam- bém a anilise critica do texto dos Evangelhos, a fidelidade na conserva- Gao dos textos originais, etc. Concede, porém, fidelidade e valor historico a escritos muito mais tardios, que comprovadamente carecem de rigor histérico, inspirados por doutrinas de grupos dissidentes e heréticos. E completa Dan Brown seu produto incorporando outras afirmagées truculentas que sao meras lendas medievais e, as vezes, ficg&o que alte- ra a historia real e cede a sentencas arbitrarias. Os dizeres de Dan Brown sobre Maria Madalena, os contlitos desta mulher com Pedro, os filhos de Jesus, a luta da Igreja contra estes e a pretensdo, do Opus Dei, de exterminar os ultimos descendentes de Je- sus, vém a ser uma mescla de tépicos, que aproveita a morbosidade dos mitos do momento e ndo tem o minimo valor histérico. Como dizer que Constantino inventou a Divindade de Jesus, quando nos séculos I, |! e II! morreram tantos martires por professarem a Divindade de Jesus e espe- rarem a ressurreigao? Muitas pessoas nos perguntam o que nds, cristaos, podemos pen- Sar a respeito de tudo isso. Eis como 0 vejo: 1) Nés, cristéos, nao nos devemos assustar com tais fatos, Nada de sério nos dizem, nao afirmam coisa alguma que possa questionar as bases historicas do Cristianismo cientificamente estabelecidas, Ndo ha razdo para perder a tranqlilidade nem para sentir alguma curiosidade. A obra de Dan Brown, considerada como tal, néo merece ser levada a sé- rio. Sua forga esta na propaganda, no frenesi que ela desperta e na fra- queza de muitas consciéncias. Quem deseja conhecer Jesus mais pro- fundamente, nada tem de melhor a fazer do que ler os Evangelhos. 2) Também nao nos devemos deixar levar pelo frenesi doentio da Propaganda. Quem quer ler o romance ou assistir ao filme, faga-o, mas n&o seja crédulo, n&o se deixe conquistar infantilmente pelo clima doen- tio da apresentagao; faga uso de certa distancia critica. Aqueles que as- sistem ao filme ou Iéem o romance com deleite, terao de reconhecer que 426 GRANDE NEGOCIO, GRANDE FRAUDE 43 nao tém uma fé esclarecida ou, se é que a tém, ndo possuem boa dose de sabedoria... O europeu que deseje emancipar-se das suas origens crists, sentir-se-4 aliviado por tal género de literatura que procura desprestigiar os fundamentos histéricos e cientificos e a validade religio- sa e humana da tradigdo crista. A verdade é que esse estilo de literatura carece de seriedade e nao consegue abolir as pilastras histéricas e cien- tificas de nossa fé. Digo isto sem esquecer que a fé religiosa é algo mais do que a certeza que podem produzir os dados histéricos e os argumen- tos filoséficos. 3) Para aqueles que no tém alguma responsabilidade especial, como é a dos criticos e educadores, a melhor atitude é o desinteresse. Nao vale a pena. Os dizeres de Dan Brown nada trazem de sério ou de bem fundamentado, nem no plano da historia nem no da arte. Terao os leitores notado que, nos Ultimos tempos, de trés em trés ou de quatro em quatro meses aparece uma obra que “tenta corroer os alicerces da Igreja Catdlica’? Nao obstante, continuamos a existir. A lgre- ja esta edificada sobre a rocha firme que é Cristo, de modo que o poderio do inferno ndo pode prevalecer sobre ela. Deus tira dos males bens e escreve direito por linhas tortas. O de- ploravel livro “O Cédigo Da Vinci” despertou a curiosidade de muitos é nos oferece excelente ocasigo para explicar aos cristaos e aos nao cris- tdos as verdadeiras origens histéricas do Cristianismo, as fontes e os documentos que nos levam a conhecer Jesus, sua vida e sua mensa- gem; somos incitados a expor como se desenvolveram os primeiros anos da vida da Igreja e a expansdo da fé cristé no mundo outrora conhecido. Esta é agora nossa missdo. Podemos animar nossos amigos para que leiam algum livro ou procurem na internet uma informagao séria e fide- digna sobre a pessoa de Jesus, sobre Deus Pai, do qual Jesus veio dar testemunho para nos iluminar e salvar. Somos levados a tomar conscién- cia mais profunda da natureza e da missao desta humilde Igreja, consti- tuida por santos e pecadores; foi ela que nos conservou fielmente a me- moria de Jesus, da sua mensagem e do seu testemunho. Ela nos. ajuda a viver como pessoas livres, filhos de Deus e cidad&os do céu. Por tudo isto damos muitas gragas a Deus. Pamplona 20 de maio de 2006 + Fernando Sebastian Aguilar arcebispo de Pamplona e Bispo de Tutela COMENTANDO BREVEMENTE Merece especial ateng&o a observagao do Sr. Arcebispo que apon- 427 44 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006 ta como uma das causas do éxito de “O Cédigo Da Vinci” o poder de atragao da pessoa de Jesus Cristo, cara a milhdes de criaturas humanas, Tal pessoa é manipulada nao somente por Dan Brown, mas também por outros escritores e pela imprensa de modo a mover a opiniao publica e Provocar o comércio de livros e filmes, altamente lucrativo para quem o exerce. Alias na sexta-feira santa 14 de abril de 2006, na basilica de Sao Pedro em Roma, estando presente o Papa Bento XVI, 0 pregador oficial da Curia Pontificia, Pe. Raniero Cantalamessa dizia muito acertadamen- te que Jesus em nossos dias continua a ser vendido no por trinta dinhei- ros, como fez Judas, mas por milhdes de délares, que alguns escritores recolhem deturpando a figura de Jesus Cristo. Sera que, para nao pou- ? S. 0 eiro vale mais do Ve Pequenas historias, grandes lig6es, por Dom Fernando lorio Rodrigues — Ed. Paulinas, Sao Paulo, 2006 (3? edigdo), 163 pp. 0 livro vem a ser uma pedagogia dos bons costumes redigida de maneira suave e convincente. Aproveita fatos ou contos dos antepassa- dos @ deles faz parébolas para estruturar a conduta do leitor. O estiloeo vocabulario séo de um membro da Academia Alagoana de Letras; o autor 6, sim, Bispo de Palmeira dos Indios (AL), onde qualificou dois mit evangelizadores para o inicio do século XX. O livro é altamente reco- mendavel, 0 que se pode depreender do fato de Ja estar na terceira edi- £80, Em Busca do Sentido da Vida, por Olivier Clément. Tradugéo do inmo Michel de Taizé - Ed. Cidade Nova, Séo Paulo, 2006, 104 pp. O autor 6 um leigo francés, tedlogo ortodoxo, professor do Instituto Saint-Serge de Paris. Apresenta reflexces a ‘partir da experiéncia de Taizé, Na verdade, Taizé 6 uma comunidade fundada em 1940 pelo Irmaéo Roger Schutz (1915-2005), protestante muito ligado ao Catolicismo e ac Santo Padre; té convivem catdlicos, protestantes e ortodoxos orando em co- mum (sem ceder ao relativismo) e trabathando para se sustentar. Assim desejam serum sinal de reconciliagdo para a sociedade contemporanea. O livro pée em relevo o aspecto comunitario e fraterno da vida religiosa. 428 E editado pelos focolarinos de S&o Paulo. Em prol da vida: BEBIDAS ALCOOLICAS E FESTAS DE IGREJA Em sintese: Como bispo de Joinville, D. Orlando Brandes conde- na o uso de bebidas alcoélicas nas festas de igreja. Firma sua posigao sobre doze itens que manifestam a inconveniéncia de fomentar o alcoo- lismo. Como bispo de Joinville (SC), D. Orlando Brandes (hoje Arcebispo de Londrina, PR) escreveu uma Carta aos seus diocesanos pela qual condena o uso de bebidas alcodlicas nas festas de igreja. O texto chegou a PR via internet. Dado 0 alto valor desse documento, transcrevemo-lo a seguir. O USO DE BEBIDAS ALCOOLICAS NAS FESTAS DE IGREJA © alcoolismo 6 uma doenga. E a primeira e a mais consumida de todas as drogas. E alarmante o indice de jovens, mulheres e adultos dependentes do alcool. Mortes no transito, violéncia familiar, infidelidade conjugal e doengas derivantes do lcool, sfo conseqiléncias negativas do habito ou da dependéncia de bebidas alcodlicas. Grande parte do setor de ortopedia dos hospitais, 6 ocupada por acidentados alcoolizados. Os gastos ptiblicos sao astronémicos, poderiam ser evitados se hou- vesse mais conscientizagao. As escolas e estadios proibiram 0 uso de alcool em suas festas. A CNBB promoveu e apoiou a Pastoral da Sobriedade e coordenou a Cam- panha da Fraternidade “Vida Sim, Drogas Nao”. No texto-base esta dito pela CNBB: “A pior das drogas é 0 alcoolismo". N&o podemos em nossas festas lucrar com dinheiro da pior das drogas e com festas mundanas, que levam o nome de “festa de Igreja". Depois de trés anos de conscientizacao, através de reunides, as- sembléias pastorais, conselhos de pastoral e o aval do clero, a Assem- biéia Diocesana de Pastoral votou unanimemente em favor das festas sem 4léool. Doze razdes foram elencadas em carta enviada as comuni- dades para aprofundamento da questo. Eis os doze pontos: 4. O alcoolismo é uma doenga. Nés somos pela defesa da vida, da satide e da boa convivéncia humana. O quinto mandamento da lei de Deus manda: “Nao mataras”. O alcool mata o alcodlatra e muitas vezes 429 46 PERGUNTE E RESPONDEREMOS 531/2006. ele mata os irmaos em casa, nas festas, no transito e nas brigas. 2. O alcoolismo ja esta atingindo a juventude, as mulheres e tam- bém pessoas da Igreja. Ndo podemos continuar dando mau exemplo em nossas Igrejas e colaborar com o prejuizo das pessoas. 3. Temos na CNBB e nas Dioceses a Pastoral da Sobriedade. Na diocese de Joinville, temos a Pastoral Antialcodlica. Permitir bebidas nas Nossas festas é um contra-testemunho e uma contradigéo com estas Pas- torais. 4, N&o somos contra as festas. Pelo contrario; o que queremos é que nossas festas sejam verdadeiramente religiosas, sadias, agradaveis, num espirito de familia e de boa convivéncia. Nos lugares onde foram tiradas as bebidas alcodlicas, as festas melhoraram em tudo. 5. Para tirar as bebidas alcodlicas, é preciso implantar bem 0 dizimo nas comunidades. Onde o Dizimo é bem organizado, melhorou em muito 0 lado econémico da comunidade e pode-se entéo abolir as bebidas al- codlicas das festas sem prejuizo financeiro. O segredo esté na boa im- plantagdo da Pastoral do Dizimo. 6. As festas com bebidas alcodlicas, mais a contratagdo de musi- Cos, cantores e conjuntos musicals, acabam sendo muito disperdiosas. E a maior parte do lucro nao fica na comunidade. Nao podemos mais continuar apoiando coisas do mundo, nas festas religiosas. “Detesto vos- sas festas, tornaram-se uma carga que néo suporto mais” (Is 1, 14). 7. O povo e a comunidade, aprovam a abolicao das bebidas alcos- licas em nossas festas. Quem ainda quer fazer festa com bebidas alcoo- licas sao as liderangas mais antigas, que nao conhecem as novas expe- riéncias, de festas sem alcool. Algumas vezes pessoas da Igreja também ndo estéo ainda bem convencidas no assunto. Geralmente quem bebe, So pessoas que nao freqiientam a comunidade. Elas aparecem nas fes- tas, depois. ndo participam da comunidade. 8. As Paréquias e comunidades que ja tiraram as bebidas alcooli- cas de suas festas, comegaram primeiro conscientizando a comunidade, € paralelamente implantaram a Pastoral do Dizimo. Algumas fizeram uma vatagdo, ou melhor, um plebiscito, Tudo deu certo. O Povo esta feliz, e as finangas aumentaram, sem as bebidas alcodlicas nas festas. 9. Tirando as bebidas alcodlicas, estamos dando bom exemplo para outras religides, colaborando com a satide publica, sendo coerentes com nossa fé e nossas Pastorais. 10. Apés alguns anos de conscientizagao, a Assembléia Diocesana de Pastoral, em 2005 votou pela abolicao de bebidas alcodlicas em fes- 430 BEBIDAS ALCOOLICAS E FESTAS DE IGREJA 47 tas de Igreja. Padres ¢ liderangas, devem dar oportunidade de conscien- tizagao da comunidade sobre este assunto. 11, “N&o vos embriagueis, mas enchei-vos do Espirito” (Ef 5, 18).A experiéncia tem mostrado que suco de uva e outras bebidas substituem as bebidas alcodlicas. Para maior clareza, decidimos que, se alguém aluga saldes da lgreja para casamentos e@ outros encontros, considera- mos que tais festas nao sao promog&o da Igreja e por isso 0 uso de bebidas alcodlicas é da responsabilidade dos encarregados da festa. 12. Percebemos também que nas comunidades onde o Paroco assume a responsabilidade de tirar as bebidas alcodlicas, 0 povo aceita eas liderangas se rendem. Onde o Padre fica neutro ou é contra, é quase impossivel a mudanga do habito. ne . Estévao Bettencourt 0.S.B. QUE HA NO ALEM? Afé catélica conhece varias maneiras de responder a esta pergun- ta. Entre elas pode-se destacar a sequinte imagem: No consultério localizado perto da residéncia do médico, um ho- mem bastante doente falou, em desespero: —Doutor, tenho medo de morrer! Diga-me, 0 que ha do outro lado? Calmamente 0 médico disse: - Eu n&o sei! ~Vocé ndo sabe? — E fala com esta tranqiiilidade? Neste momento, ouviram o ruido de arranhées e ganidos do outro. lado da porta fechada. Quando 0 médico abriu a porta, um cachorro entrou e pulou sobre ele, alegremente. Virando-se para o paciente, o médico disse: = Notou 0 meu cachorro? Ele nunca esteve nesta sala; nao sabia 0 que havia aqui, apenas sabia que seu dono estava aqui... No entanto, quando a porta se abriu, ele entrou sem medo. — Nao sei quase nada do que ha depois da vida. Mas sei de uma coisa: EU SEI QUE MEU SENHOR, ESTA LA! E ISSO E SUFICIENTE! Dom Orlando Brandes Bispo Diocesano Fatidico? O DIA 06/06/06 E CATASTROFES A respeito do dia 06/06/06 (666), sexto dia do sexto més do sexto ano do século XXI, circularam profecias sinistras, que a propria historia de tal dia desmentiu. O fato merece ser registrado, pois ajuda a guardar sobriedade e reservas frente a previsées de calamidades que sao frequentemente propagadas, apavorando pessoas mais sensiveis. Eis as previsées que pela internet foram divulgadas a respeito do “fatidico” dia: VAMOS CEGAR SATANAS! Satands programou, para o dia 6/6/06 (0 666) uma grande agaéo mundial, comprovativa de sua forga, incluindo uma manifestagao (parci- al, por enquanto) do maytreia ou anticristo. Esté incluida toda sorte de homicidios, invasGes de igrejas e as mais horriveis Profanagées do Santissimo Sacramento. Teriamos, como profetizou o Papa Pio XI (agora, parciaimente) “cal- cados aos pés os direitos divinos e humanos, os templos destruidos, os religiosos e as virgens consagradas a Deus expulsos de suas casas, atirados em masmorras (medonhas prisées), vitimas da fome e de violén- cia aviltantes, as criangas arrancades ao seio materno da Igreja, impelidas a renegar e a blasfemar Jesus Cristo e induzidas aos piores excessos de luxdiria, todo 0 povo cristéo ameagado, oprimido, em risco perpétuo de apostatar da fé, ou pagar sua fidelidade com a morte mais atroz — fatos estes dolorosos e lancinantes (jé ocorridos em paises comunistas) que parecem, desde ja, prenunciar e anunciar ‘o principio das dores’ que ha de causar 0 ‘homem do pecado, a erguer-se contra tudo o que é Deus e religio’.” (da Enciclica do Papa sobre o Coragao de Jesus — a parte final 6 citagao de 2Ts 2, 4). Contudo, teremos (cf. msg divulgada de Sao Miguel) a oportunida- de impar de transformar este dia terrivel em libertacao total do mal, ce- gando satands, que se afastaré “tateando como um cego”, “deixando de dominar as almas”. Ficando ele impotente, os espiritos malignos ficarao parados, pois jé néo recebem suas ordens, Milhdes de almas se libertam do dominio do mal, fazem bons propésitos e em milhdes de almas se (Continua na p. 415) 432 Grande queima de estoque das Edicoes Lumen Christi As Edigdes Lumen Christi estao numa grande promogao oferecendo, a partir deste més, a baixos precos, varios titulos a seus clientes & amigos. Aproveite! ~~ Mosteiro de Sio Bento, 1980, B3-1550- R$ 10,00. Grande Album com 18 belas fotos preto € branco (em folhas soltas). Os textos, em portugués e inglés, sio de Dom Marcos Barbosa, OSB eas fotos de Hugo Leal. — Dom Matens Rocha, OSB, Igreja do Mosteiro de Sio Bento do Rio de Janeiro, Fotos de Humberto de Moraes Franceschi ¢ Nelson Rivera Monteiro (edigdes em espanhol, francés, inglés, alemao), 1990, 120 pp, R¥0,60- RF 30,00. Livro de arte publicado por ocasifo do IV centendrio do Mostciro, com edigbes em varios idiomas, I resumo da obra bem maior, O Mosteiro de S40 Bento do Rio de Janciro, também sempre dispontvel. — Bento em quadros ¢ quadrinhos, 26 laminas em policromia, 21 x 28cm, RETO - R$ 1,00. "Tipo album, éuma io Bento em quadrinhos, escrita (em forma de quadras) cdesenhada por di sas monjas beneditinas, da Abadia de Santa Maria, em Sio Paulo, Irs. Bernadette Bernini ¢ Rafaela Pecego. O livro tem apresentagio de Alceu Amoroso Lima. — Vidae milagres de Sao Bento — Desenhos a bico de pena de Ménica Barbosa segundo anarrativa de Sio Gregério Magno, 1980, 52 pp, 20,50 x 27, 50cm. Teps,00 - Rs 1,00. Os desenhos procuram traduzir para imagens a narragio sintética da vida de Sio Bento. — DomAgostinho Roberts, Vida mondstica, elementos basicos, 1980, 192 pp RETO -R§ 5,00. {A finalidade do livro 6 ajudar a pessoa que quer abracar a vida mondstica a entrar em cheio no significado de tal ato. Destina-se, portanto, especialmente a candidatos, postulantes ¢ novigos de mostciros beneditinos ou cistercicnses. O autor é monge trapista. = Dom Joaquim de Luna, Os monges beneditinos do Brasil — Esboco histérico, 1947, 164 pp, RE900— RS 5,00. Livro antigo, publicado em 1947, no estando, portanto, atualizado, Contudo é obra ainda valida, nfo tendo similar mais recente. Temos aqui a histéria dos beneditinos no Brasil desde sua chegada no século XVI, até meados do século XX. O autor foi monge do Mosteiro deS. Bento do Rio de Saneiro. {Continua na +" capa)

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