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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Departamento de Antropologia
HS102 - Laboratório Etnográfico I / 2º Semestre de 2019
Professor: João Francisco Kleba Lisboa

“A onça nos ataca mas é nossa irmã”: Uma resenha sobre as concepções de Ecologia,
Trabalho e Comunidade no filme Terra Vermelha.

Clara Possebom Pinto

Antes de entrar no tema do enredo do filme Terra Vermelha, com direção de Marco
Bechis, e sua relação com a discussão etnográfica, cabe mencionar uma afinidade anterior, a da
ficção com as ciências sociais, em especial, a antropologia. O fazer etnográfico assim como
qualquer narrativa ficcional procura novas combinações de diferentes realidades, recriando
formas de se comunicar e como Cristina Maria da Silva no âmbito da literatura coloca:

Ora, se a antropologia literária de Iser observa que para exercer um acesso ao mundo
pela via literária não basta imitar a realidade do mundo visto e representado, mas
decompor suas estruturas de organização, faz também sentido para a antropologia que
seu olhar precisa decompor as estruturas diante de si para delinear conhecimentos e
entendimentos acerca de uma determinada realidade. (DA SILVA, p.9, 2015).

O decompor de estruturas presente na literatura se dá pela ficção, na antropologia pela


etnografia. Ambas envolvem de muita criatividade para contar cada um dos eventos e
desencadeamentos da história. A história para a etnografia é o trabalho de campo, e a forma
com que se conta é a hora da escrita. A escrita etnográfica também envolve ficção, pois utiliza
de técnicas e envolvimento descritivo que não configuram algo inventivo e irreal mas são quase
as mesmas usadas na escrita de obras de ficção. Esse processo de escolher como relatar o
vivenciado em campo pode ser até definido como um segundo campo, segundo Strathern, essa
relação entre dois campos é complexa e é onde “a compreensão de que nenhum deles jamais
estará em conformidade com o outro, é uma experiência antropológica comum”
(STRATHERN, p.346, 2014). E no fim, tanto um filme quanto uma obra literária podem
produzir desconstruções de estruturas como uma etnografia. Um filme etnográfico envolve um
método etnográfico, já um filme de ficção etnográfica baseia-se de uma narrativa não real, mas
que gera muitas reflexões semelhantes a do trabalho do antropólogo. Não procuro defender que
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é possível substituir o trabalho do mesmo. Etnografias precisam ser escritas, lidas e repensadas,
mas não precisamos descartar outras formas de se apresentar dinâmicas sociais e discuti-las.
Talvez a abertura, por parte da antropologia vinda das academias para aceitar esses diferentes
conteúdos mostra uma oportunidade de se conectar à uma camada mais ampla da sociedade,
apresentando temas da antropologia que são, verdadeiramente, de interesse público. Procuro
apresentar aqui, as concepções e assimetrias sociais evidenciadas no filme Terra Vermelha, uma
coprodução italiana e brasileira, lançado em 2008. O enredo gira em torno de um grupo
indígena, Guarani-Kaiowá, que invade as terras de “Seu Moreira”, no Mato Grosso do Sul, com
a premissa de se aproximar de seus ancestrais, enterrados ali. Antes, durante e depois da invasão
diversas categorias e estruturas da sociedade são demonstradas nas filmagens. Vou focar minha
análise em diálogos presentes no longa-metragem acerca de trabalho, noção de comunidade,
ancestralidade e por fim, ecologia. De forma sutil o filme faz uma crítica aos padrões
capitalistas de manejo e cuidado com a natureza, envolvendo o espectador desde o início, todo
o enredo se desenrola facilmente, em vários momentos a história se confunde com uma
realidade muito presente nos estados brasileiros.
O filme se inicia com a prática da esposa de Seu Moreira de pagar para que os índios se
pintem e se mostrem para turistas, como se fossem estátuas em um museu. A cena que chama
atenção é a de volta pra aldeia, os índios sobem na caçamba de uma camionete e colocam suas
roupas, calçados e tentam limpar um pouco da tinta, mostrando que o índio que atrai o turista é
o que reproduz os estereótipos do século XVI, que anda pelado, pintado e com penas coloridas
na cabeça. O equívoco que surge a partir da reprodução dos estereótipos é que parece que aceitar
o índio de roupas, chinelos, televisão e outros elementos da cultura dita ocidental e globalizada,
se torna mais difícil para os brancos. Para os mesmos, o índio ou tem que se “reintegrar” em
sociedade, como declarações de 2019 do atual presidente do país1, ou deve permanecer como
quando os portugueses invadiram o Brasil, servindo de enfeite e atração turística. Ainda sobre
as declarações de Bolsonaro e a relação com o filme de Marco Bechis, “Nós queremos por
acaso manter o índio preso na reserva como um homem pré-histórico?” é uma afirmação
extremamente diferente das realidades das reservas indígenas. Onde, pode se dizer, não há
problema algum na integração em sociedade por parte dos índios, exceto por constantes ataques
de fazendeiros e garimpeiros às reservas e falta de investimentos em políticas públicas que

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. 'Quem manda sou eu', diz Bolsonaro sobre criação de novas terras indígenas. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/quem-manda-sou-eu-diz-bolsonaro-sobre-criacao-de-novas-terras-
indigenas.shtml Acesso em: 26 set. 2019.
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levem educação e saúde aos índios. Remanejar as comunidades indígenas para centros urbanos,
como o presidente insinua em suas falas, é um profundo desconhecimento do que a terra
significa para essas comunidades, bem como sua noção de comunidade e trabalho, que
permanecem vivas não importando o uso dos elementos “ocidentais” que chegam.
A invasão da terra de Seu Moreira, em Terra Vermelha, é precedida por incêndios na
reserva e comentários dos indígenas sobre a vontade de ir embora dali. Nádio, o líder da invasão,
vai até a mercearia próxima da reserva, vende sua carroça para pagar sua dívida e comprar
mantimentos. No caminho para a reserva, Nádio pede ao dono que o deixe na propriedade de
Seu Moreira. Nessa cena, o dono do mercado se sente extremamente desconfortável de deixar
o grupo de indígenas nas terras de Seu Moreira, ele repete várias vezes que ali não era o lugar
deles, mas não foi ouvido. Ao escolher onde as barracas seriam construídas, o líder procura o
local onde os ancestrais do grupo haviam sido enterrados. Outra passagem do filme que mostra
a ancestralidade presente na comunidade é durante o treinamento de um rapaz para tornar-se
xamã, nas cenas a importância da paciência, oração, sacrifício e honestidade para o “posto” de
xamã ficam evidentes. Durante uma refeição em grupo, uma carne bovina roubada de Seu
Moreira é servida e o rapaz é proibido por seu treinador de comê-la. Com sabedoria, o treinador
diz: “A onça nos ataca mas é nossa irmã. A cobra nos ataca, mas também é nossa irmã. Essa
vaca está na nossa terra, é nossa inimiga.” Pouco depois, o jovem cospe a carne.
A frase do xamã experiente é um exemplo de saberes ecológicos muito presentes em
comunidades latino-americanas. A vaca é inimiga porquê é criada de forma desenfreada na
fazenda de agropecuária, onde o lucro e a ostentação de riqueza são visualmente presentes na
arquitetura da casa de seu Moreira, seus móveis, piscinas e nas camionetes da família de
somente três pessoas. Não se alimentar daquela vaca é não se alimentar de um sistema de
exploração da terra visando unicamente o dinheiro.
Boaventura Santos, em “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes”, defende que a colonização trouxe inúmeras divisões entre os povos.
Divisões muito mais que geográficas, que dizem respeito à um quadro de dominação e violência
entre colonizador e colonizado que permanece presente até hoje. O ideal capitalista de
acumulação de riquezas, além de tratar a natureza como um “recurso natural” disponível de ser
explorado a qualquer momento, produz uma exclusão de outros modos de vida e entendimento
do mundo. O foco do autor é em relação a produções de conhecimento que não se encaixam no
lado “ocidental” do mapa:
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[...]a linha visível que separa a ciência de seus “outros” modernos está assente na linha
abissal invisível que separa, de um lado, ciência, filosofia e teologia e, de outro,
conhecimentos tornados incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem
nem aos critérios científicos de verdade nem aos critérios dos conhecimentos
reconhecidos como alternativos, da filosofia e da teologia. (SANTOS, p. 79, 2007)

O modo de vida dos Guarani-Kaiowá evidenciado no longa-metragem, tensiona o tempo


todo os valores da sociedade capitalista e colonizadora. O trabalho para os indígenas diz muito
sobre a comunidade, tem a função de proporcionar comida e uma vida digna para todos do
grupo. O dinheiro perde o sentido da atividade do trabalho porque produz um mediador. Ao
receber o salário, a pessoa deve comprar de outro alguém a comida. Na concepção de trabalho
dos Guarani-Kaiowá o mediador não existe. A comida já vêm da terra e o trabalho, por sua vez,
é plantar e colher, respeitando o tempo de recuperação da horta. O filme enfatiza as dificuldades
dos indígenas com o sistema imposto desde a colonização, mostrando que mesmo não
querendo, muitos deles tem de se submeter a trabalhos precários como o corte de cana para
conseguir a sobrevivência da comunidade. O pagamento destes trabalhos são gastos em
mantimentos para todos e quando um jovem usa o dinheiro para comprar um tênis, Nádio fica
profundamente ofendido e o expulsa da comunidade. O jovem acaba cometendo suicídio, algo
também comum entre as comunidades indígenas do Brasil2.
Procurei descrever como certas estruturas sociais são refletidas no filme Terra Vermelha
e dialogar o apresentado no enredo com discussões presentes na Antropologia, mostrando as
relativizações que cada cenas produz, envolvendo o modo de vida dos Guarani-Kaiowá e dos
brancos que estão constantemente em tensão. Tensão esta, que segundo Boaventura Santos
possa ser amenizada quando uma ecologia de saberes for defendida. A ecologia de saberes se
baseia em um reconhecimento, por parte da sociedade capitalista, de várias formas de
conhecimento diferentes das impostas pela ciência moderna. É a aceitação de que a ciência e o
saber indígena não interferem um ao outro, mas possam ser complementares em prol de
interações sustentáveis com o meio ambiente. A ecologia de saberes “se funda no
reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos (sendo um deles a ciência
moderna), [...] se baseia na ideia de que o conhecimento é interconhecimento” (SANTOS, p.79,
2007).

2
. Suicídio indígena bate recordes. Mais do que opção, morte voluntária é consequência de uma existência em
conflito, uma vida de quase-nada. Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/suicidio-indigena-bate-
recordes-morte-voluntaria-e-consequencia-de-uma-existencia-em-conflito. Acesso em: 26 de set. 2019.
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Referências:

Filme: Terra Vermelha. Paris Filmes, 2008.

DA SILVA, Cristina Maria. Antropologias do Sensível: Etnografia e Ficção como artes de


Fazer Pesquisa. Universidade Federal do Ceará, 2015. Disponível em:
<www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/21246/1/2015_eve_cmsilva.pdf> . Acesso em: 26 set.
2019.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 79, p. 71-94, Nov. 2007

STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2014

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