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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO URBANO:


A CONSTITUIÇÃO ESPACIAL DE JUIZ DE FORA
NO FINAL DO SÉCULO XIX

YURI AMARAL BARBOSA1

Resumo
O presente trabalho pretende discutir o papel do Estado, mais especificamente da esfera municipal,
enquanto gestora ativa no planejamento e na constituição do espaço urbano no final do século XIX. A
transição do Império para a República no Brasil trouxe consigo mudanças constitucionais
extremamente relevantes, entre elas, está a autonomia conferida ao município, que, a partir deste
ponto, apodera-se com maior afinco da responsabilidade sobre as transformações do cotidiano
citadino. Os municípios começam, então, a se mobilizar formulando as primeiras políticas públicas
que visam nortear o desenvolvimento urbano. Tendo a cidade de Juiz de Fora como pano de fundo,
pretendemos analisar como se sucedeu a formulação e aplicação do primeiro “plano diretor” da
cidade, o Plano Howyan, em 1892.

Palavras-chave: Geografia Histórica; Políticas Públicas; Esfera Municipal; Juiz de Fora.

Abstract
This paper discusses the role of the State, specifically the municipal level while managing active in
planning and setting up of urban space in the late nineteenth century. The transition from Empire to
Republic in Brazil brought extremely relevant constitutional changes, among them is the autonomy
given to the municipality, which, from this point, seizes with greater determination of responsibility for
the transformation of the urban daily life. Municipalities begin then to mobilize formulating the first
public policies to guide urban development. Having the city of Juiz de Fora as a backdrop, we intend
to analyze how was the formulation and implementation of the first "master plan" of the city, the
Howyan Plan, in 1892.

Key Words: Historical geography; Public Policy; Municipal Level; Juiz de Fora.

1 – Introdução
É muito comum entre pesquisadores de geografia histórica ter o urbano
enquanto objeto de estudo. Ao propor investigar os processos ocorridos no passado
espacial das cidades, deparamo-nos, quase que de imediato, com um problema que,
muitas vezes, não nos ocorre a priori. Enquanto geógrafos de formação, alcançamos
certo sucesso na compreensão das estruturas e dos processos que regem o
desenvolvimento sócio espacial. O que não nos damos conta é o fato de que, na
1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
E-mail de contato: yuritm@hotmail.com.

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maior parte das vezes, aplicamos nossas categorias de análise somente no tempo
presente, na sociedade atual que já nos está dada e que nos habituamos a
interpretar ordinariamente. De certo que é possível, como propõe Abreu (2000,
p.18), transferir nossas categorias de análise através do tempo para interpretar o
passado, contudo, o “ambiente” com o qual nos deparamos ao transporta-las nos é
completamente estranho. É um país estrangeiro, na representação de David
Lowenthal2.
Portanto, a pesquisa em geografia histórica demanda uma análise que vai
além do objeto em si. Pressupõe uma assimilação apurada de todo o contexto
político, econômico e cultural do período no qual o objeto está inscrito, que, no mais
das vezes, é deveras distinto do que se apresenta nos tempos hodiernos. Tal
particularidade impõe aos geógrafos que se debruçam sobre o passado das cidades
uma dupla tarefa. Primeiro, compreender, através da pesquisa histórica, sobre quais
alicerces se estruturava o espaço urbano. Isso implica em entender desde como
funcionava a hierarquia e as ações de cada esfera governamental sobre a cidade,
até mesmo perscrutar acerca da superestrutura que permeava o comportamento
social do período. Segundo, munido deste conhecimento prévio, estabelecer as
respostas pretendidas no problema de pesquisa, no objeto central da investigação.
Entre as ferramentas conceituais que apoderam os geógrafos de uma análise
refinada do espaço está a discriminação dos agentes sociais que atuam,
independentes ou em conjunto, na configuração urbana. Sob diferentes
perspectivas, vários autores já se empenharam em enumerar estes atores partícipes
do processo urbano. Em Justiça Social e a Cidade (1980), buscando identificar os
grupos que operam no mercado de solo urbano, Harvey elenca (i) os usuários de
moradia, (ii) os corretores de imóveis, (iii) os proprietários, (iv) os incorporadores, (v)
as instituições financeiras, e (vi) as instituições governamentais. Mais adiante,
preocupado com a realidade brasileira, Roberto Lobato Corrêa redige O Espaço
Urbano (1989), onde destaca as ações e estratégias de cinco grupos na organização
espacial das cidades: (i) os proprietários dos meios de produção, (ii) os proprietários

2
Sobre tal representação, ver: LOWENTHAL, D. Como conhecemos o passado. Proj. História, nº17,
nov., São Paulo, 1998.

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fundiários, (iii) os promotores imobiliários, (iv) o Estado, e (v) os grupos sociais


excluídos.
É, contudo, necessário mencionar que a maior parte dos autores que
empenharam-se em pensar essa cidade enquanto o palco, sobre o qual os atores
disputam o poder e, neste embate dialético, se reproduzem e produzem espaço, o
fizeram tendo o nosso mundo contemporâneo como referência. Ou seja, pensaram
este processo na segunda metade do século XX, sob a égide de um intenso
processo de integração econômica e cultural. Algo sem precedentes na história da
humanidade. Por conseguinte, seus elaborados arcabouços conceituais produzem
distorções quando se almeja aplica-los sobre arranjos espaciais pretéritos, fazendo-
se necessário adotar lentes específicas para se ter uma visão acurada quando o
objetivo do trabalho é dar foco ao passado.
Ao analisar a conformação urbana de várias cidades brasileiras no período
colonial, Pedro de Almeida Vasconcelos (1997) busca sanar esta assincronia entre
os modelos contemporâneos de configuração urbana e seu objeto, as cidades
coloniais. Neste sentido, seu trabalho elencou e descreveu as ações dos agentes
modeladores das cidades durante o período colonial, revelando uma miríade de
atores sociais que, se não desapareceram na história (apesar de sua memória e seu
legado permanecer presente em nossa sociedade), atualmente participam de uma
forma completamente distinta da configuração urbana. São eles: (i) a Igreja, (ii) as
ordens leigas, (iii) o Estado, (iv) os agentes econômicos e (v) a população e os
movimentos sociais.
Embora a lógica capitalista de uso e ocupação do solo seja secular, essa
comparação demonstra que seus agentes e suas estratégias de poder sobre o
espaço urbano foi se modificando (e refinando) ao longo dos séculos. Mudaram-se
não somente os atores, mas também os papéis que cada um desempenha nesta
complexa obra que é a cidade. Tomemos o Estado3 como exemplo. Suas atribuições
mudaram sobremaneira entre aquelas descritas por Vasconcelos (1997), voltadas
para a conformação e proteção de um território colonial ultramarino, daquelas
desenvolvidas por Corrêa (1989), referente à uma nação soberana, cuja autonomia

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Ao nos referirmos ao Estado aqui, aludimos precisamente à esfera municipal, por ser aquela que
está ligada de forma mais estreita com o processo de urbanização.

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é legitimada no cenário mundial. Entre estes dois modelos existe um ponto de


inflexão extremamente relevante, ponto a partir do qual passa a germinar as
primeiras políticas públicas municipais, conformando um novo período no processo
urbano. Nos referimos, precisamente, à transição do período Imperial para a
República, período do qual nos ocuparemos nesta comunicação, tendo como pano
de fundo a cidade de Juiz de Fora, fundada no ano de 1850, na Zona da Mata de
Minas Gerais.

2 – O ponto de inflexão: a transição do Império para a República

A primeira década republicana busca sanar um problema de longa data da


administração pública brasileira: a questão da autonomia municipal. Ou seja, a
possibilidade conferida aos municípios de gerirem seus próprios territórios com suas
próprias rendas, assegurados pela Constituição – questão negligenciada em todo o
período imperial.
O desprestígio da esfera municipal fica patente desde a Constituição da
Mandioca4, a primeira do país, promulgada em 1824. Em todo seu conteúdo, o único
ponto em que menciona o município é com o intuito de caracterizar a composição
das câmaras, detalhando que, posteriormente, seria decretada uma Lei
Regulamentar para especificar suas funções (BRAZIL, 1824). A referida Lei, de 1º de
outubro de 1828, almejava dar forma às câmaras municipais, definir suas
atribuições, e seu processo eleitoral, neste sentido, decreta em seu artigo nº 24 que
“as Camaras são corporações meramente administrativas, e não exercerão
jurisdicção alguma contenciosa” (BRAZIL, 1828). Em outras palavras, observamos
que as câmaras não gozavam de influência política, nem, tampouco, de soberania
na gestão de seus interesses.
Segundo Meirelles (1985, p.5), as elites provinciais desconfiavam da
capacidade administrativa dos municípios, outrossim, receavam que suas câmaras
se transformassem em um reduto de efervescência e aspiração política de camadas

4
Tal denominação é oriunda do caráter censitário do pleito, composto apenas por aqueles cidadãos
que possuíssem uma renda anual equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca, limitando,
assim, o voto às elites agrárias do país.

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desprestigiadas da população (LEAL, 1976, p.74). Sujeitas ao Império e às suas


respectivas províncias, as casas legislativas ficaram reduzidas ao imobilismo
administrativo, econômico e político, ceifando sua autonomia.
No contrapasso, suas responsabilidades administrativas eram inúmeras: tinha
que “cuidar do centro urbano, estradas, pontes, prisões, matadouros, abastecimento,
iluminação, água, esgotos, saneamento, [...] inspeção de escolas primárias,
assistência a menores, hospitais, cemitérios, sossego público, polícia de costumes”,
etc. (LEAL, 1976, p.75).
Com o advento da República, a Constituição modificou-se significativamente:
apesar de reservar apenas o artigo nº68 para se referir à esfera municipal, o tópico
consagrou sua autonomia, embora ficasse ainda sujeito à Constituição específica do
estado. Neste artigo, observa-se que “os Estados organizar-se-ão de forma que
fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu
peculiar interesse” (BRAZIL, 1891, grifo nosso).
Na interpretação do jurista Hely Meirelles, tal legislação afirmou o princípio da
autonomia e discriminou as atribuições municipais, contudo, tais determinações
ficaram limitadas à tinta no papel, de modo que “durante os 40 anos em que vigorou
a Constituição de 1891, não houve autonomia municipal no Brasil” (1985, p.7). Nesta
perspectiva, os municípios ficaram sujeitos aos ditames dos estados, e, amiúde, dos
grandes latifundiários locais, conduzindo o país à expressão mais aguda do
coronelismo5. À asserção de Meirelles, faz-se mister um contraponto: a despeito da
forte presença do coronelismo no Brasil reforçar o fato de a Constituição ter ficado
“apenas no papel”, o que percebemos é que a Constituição específica do estado de

5
Conceituando este período, Leal afirma que o habitat destes “coronéis” eram os municípios
predominantemente rurais, do interior, cujo isolamento constituía-se apanágio de primeira ordem.
Neste sentido, as atividades comerciais e industriais eram inversamente proporcionais à vigência da
prática política do coronelismo no Brasil (1976, p.251 et seq.). Leal faz ainda uma interessante
análise sobre a fonte de poder destes “coronéis”: para o autor, não deve-se reduzir este episódio de
nossa história à simples afirmação anormal de poder privado, ao contrário, o coronelismo pressupõe
certa decadência deste poder. “Este sistema político é dominado por uma relação de compromisso
entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido”, compromisso este que exprime certa
debilidade de ambas as partes. Se por um lado a Constituição Republicana institucionalizava os
poderes dos estados para conter a insubmissão da esfera privada, por outro, este poder paralelo
fortalece-se na medida em que a abolição e o sufrágio, estendido à todos que pudessem assinar seus
nomes, conferem o poder de voto aos trabalhadores rurais: massa de manobra na mão dos grandes
latifundiários (LEAL, 1986, p.251).

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Minas Gerais garantia, ao menos em teoria, a autonomia dos órgãos públicos


municipais espelhada numa descentralização administrativa.
No artigo nº 75 da referida Constituição, observamos tal cenário explicitado
através de seus incisos (MINAS GERAES, 1907, p.141-142):

II. A administração municipal, inteiramente livre e independente, em tudo quanto


respeita ao seu peculiar interesse, será exercida em cada município por um
conselho eleito pelo povo, com a denominação de Camara Municipal.
IV. O orçamento municipal, que será anuo e votado em época prefixada [...], a
creação de empregos municipeas, a instrução primaria e profissional, a
desapropriação por necessidade ou utilidade [são] objetos de livre deliberação das
camaras municipaes, sem dependência de approvação de qualquer outro poder,
guardadas as restrições feitas nesta Constituição.
VI. O governo do Estado não poderá intervir em negócios peculiares do município,
senão no caso de perturbação da ordem pública.

Salientamos ainda o artigo nº 76, onde fica declarado que “é da exclusiva


competência das municipalidades decretar e arrecadar os impostos sobre immoveis
rurais e urbanos e de industrias e profissões” (MINAS GERAES, 1907, p. 144), fato
que facultava aos municípios a criação suas próprias fontes de renda. Deste modo,
acreditamos que, ao menos nos centros mais urbanizados do estado, gozava-se de
certa autonomia, seja ela política, administrativa ou financeira.
Comunga deste posicionamento a obra publicada por Barbosa (2013, p.77),
ao afirmar que as novas atribuições dos municípios e o acréscimo às receitas dos
mesmos, estribados na descentralização administrativa outorgada pela Constituição
de 1891, propiciou não só maior autonomia aos órgão públicos municipais, como
fomentou o surgimento de uma nova figura, um novo agente na cidade: o político
profissional. O autor endossa esta interpretação afirmando ainda que “a organização
dos municípios aprofundava ainda mais a tendência de descentralização, ao tornar o
distrito a base da organização administrativa estadual” (2013, p.38).

3 – As políticas públicas em Juiz de Fora

É, portanto, através da Constituição estadual de 1891 que será possível


consolidar neste cenário o papel da esfera pública. A partir da estatização dos
instrumentos de intervenção, a municipalidade apodera-se da responsabilidade

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sobre a transformação do cotidiano citadino, passando a ser legitimamente o órgão


fomentador das infraestruturas indispensáveis para o desenvolvimento urbano.
Neste sentido Miranda afirma que, “salvo em circunstâncias muito peculiares e
passageiras, não é possível falar, antes de 1892, em formulação de políticas
públicas” (1990, p.103). 1892, pois, somente em março deste ano tomava posse a
primeira câmara eleita após a proclamação da República, contando quinze
vereadores eleitos pelo povo, sendo um, Francisco Bernardino, ocupante da cadeira
de presidente da câmara, o primeiro agente executivo do município.
Atendendo aos anseios republicanos, as medidas implantadas a partir deste
momento gestavam a esfera municipal, que assumia, doravante, maior
protagonismo no processo de desenvolvimento urbano. Consequentemente, eram
planejadas vultuosas obras para este primeiro mandato (BARBOSA, 2013, p.89),
sobretudo aquelas ligadas ao saneamento urbano, prioridade de sua campanha. A
situação endógena, por sua vez, era propícia: (i) – Havia uma demanda real da
população por melhorias em infraestrutura, seu número, afinal, havia alavancado de
6.456 habitantes em 1854 (SOUZA, 1998, p.41) para 22.586 em 1890 (BRAZIL,
1898, p.55), e constantes reclamações eram registradas nos jornais acerca das
condições sanitárias do município, como a existência de regiões pantanosas, e
frequentes inundações do rio que corta a cidade, o Paraibuna. (ii) – Atrelado à essa
demanda, havia um desinteresse da esfera privada por investimentos desse cariz,
visto que eram necessários vultuosos recursos cujo retorno não se dava diretamente
em lucro, mas em qualidade de vida para a população. (iii) – A nova Constituição
alavancara a arrecadação municipal de modo que, no orçamento de 1893 havia
dobrada a receita em relação ao ano anterior, possibilitando, deste modo alavancar
uma possível arrecadação extraordinária6. (iv) – A Sociedade de Medicina e Cirurgia
de Juiz de Fora é outro fator que irá pressionar a demanda por obras públicas na
cidade desde sua fundação, em 1889. Os critérios de ação da sociedade,

6
Sobre estes empréstimos, a Constituição Estadual de 1891 reservava o artigo nº 79 para tratar
sobre os créditos adquiridos pelas câmara. Em parágrafo único, enuncia que “não serão contrahidos
novos empréstimos, quando o encargo dos existentes consumirem a quarta parte da renda municipal”
(MINAS GERAIS, 1907, p.145).

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respaldado na teoria miasmática7, eram baseados na transformação e normatização


dos espaços. Neste sentido, “atuou para organizar e tornar salubre o espaço público
e privado no município visando impedir a propagação das doenças” (BARROSO,
2008, p.61).
Esta miríade de fatores coadunar-se-ia num projeto de saneamento e
expansão de Juiz de Fora que entrou para a história como o Plano Howyan, muitas
vezes referido na historiografia local como o primeiro “plano diretor” da cidade.
Enquanto agente executivo municipal, Francisco Bernardino convidou o
engenheiro francês Gregório Howyan 8 para assumir o cargo de diretor de obras
municipais. Episódio que ganhou reconhecimento da imprensa, que afirmou ser uma
decisão acertada, já que o engenheiro “gosa de elevada reputação pelos seus
variados conhecimentos scientíficos e pelos importantes trabalhos que já tem
executado em diversas cidades” (O PHAROL, 12 ago. 1892). Desde então passa, o
engenheiro, a sugerir melhorias na estrutura urbana, como no abastecimento
d’água, na construção de estradas, na indicação de técnicos especializados em
saneamento e na autoria de um projeto de saneamento e expansão da cidade
(OLIVEIRA, 1966, p.164). Suas pretensões eram grandes, segundo a câmara,
através da execução deste projeto seria “conseguido o saneamento completo desta
cidade, tornando-a ao mesmo tempo, pelo embelezamento como pela salubridade,
sem rival na América do Sul” (O PHAROL, 8 ago. 1894).
A reforma urbana aparecia de forma impetuosa na senda da nova
administração republicana, e, por conseguinte, na autonomia conferida ao município
pelas constituições federal e estadual. A ambição centrava-se na transformação da
cidade de Juiz de Fora seguindo o modelo dos grandes centros urbanos europeus

7
Segundo esta teoria, o ambiente era determinante no processo de dispersão das doenças. Desta
forma, as enfermidades eram provenientes dos solos e da atmosfera insalubres, que, ao entrar em
contato com os habitantes dessas localidades, provocavam todo tipo de moléstias.
8
O engenheiro era formado pela École des Ponts et Chaussées de France, e, em 1891 fora
convidado para integrar a comissão de técnicos que iria escolher o local da nova capital do Estado de
Minas Gerais. Passando por Juiz de Fora naquele ano, afeiçoou-se tanto à cidade que resolveu, por
conta própria, elaborar um plano revolucionário de abastecimento de água e esgoto. Era, amiúde,
visto pelos morros da cidade com seus auxiliares aferindo com instrumentos de engenharia e
anotando em cadernetas as características morfológicas da cidade. Francisco Bernardino, na época
membro do Conselho de Intendência, impressionara-se com o arrojo do trabalho apresentado, assim,
quando eleito e de posse do poder executivo do município, convidou o mesmo para tal cargo
(OLIVEIRA, 1966, p.162).

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(BARBOSA, 2013, p.95). O projeto do engenheiro francês guardava fortes traços de


monumentalidade, não era, portanto, exequível no período de um mandato, ao
contrário, exigiria todo um esforço e planejamento a longo prazo. Howyan, então,
discrimina as ações previstas em seu trabalho elencando-os na ordem prioritária de
execução: “É preciso, primeiramente, tirar a umidade das ruas e para isso, fazer
canais de cintura que deverão recolher a parte mais agressiva das águas”
(HOWYAN, 2004, p.151), preocupado com a salubridade da cidade, Howyan
enfatiza o fato de que, embora as águas do rio invada superficialmente as ruas da
cidade, ela acaba propiciando a eliminação de focos de miasmas ao limpar as
tubulações subterrâneas de esgoto. Posteriormente,

é indispensável baixar levemente o leito do rio e elevar a parte baixa da cidade


cujo terreno insalubre é composto, em grande parte, de matérias orgânicas,
encontrando-se enlameado, sem oferecer a solidez necessária que permita
edificar construções firmes. É necessário desvencilhar-se da vegetação que o
obstrui, desinfeta-lo com uma certa camada de cal, e executar, nesse local,
trabalhos de aterro e, só então será possível construir boas habitações
(HOWYAN, 2004, pp.151-153).

Em seguida, é a vez da retificação do rio e a drenagem dos pântanos, o


engenheiro planejava uma derivação do rio Paraibuna, para, com isso, amenizar a
sinuosidade de seu canal no trecho urbano, aumentando a velocidade de
escoamento das águas e evitando, consequentemente, o transbordo de sua calha. O
projeto previa, ainda, a criação de uma Polícia Sanitária, com o intuito de fiscalizar
as condições de higiene do município, sobretudo das habitações. Por fim, o autor
comenta de forma mais breve acerca da construção de uma rede completa de
esgotos e de uma rede de distribuição d’água para a cidade, que goza de
“abundante recurso hídrico potável de fácil captação e de módica execução”
(HOWYAN, 2004, p.153). Sem dúvida alguma seu projeto era, senão ambicioso,
pelo menos vultoso para a jovem “Princesa de Minas”, transparecendo o desejo do
engenheiro de dotar Juiz de Fora com todo o aparato das grandes cidades
europeias, tendo como modelo Paris, recém-reformada pelo Barão de Haussmann9.

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Sobre a reforma de Paris no século XIX, recomendamos fortemente a obra de David Harvey, ainda
sem tradução no Brasil: Paris, capital of modernity (2003).

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Na prática, o Plano Howyan esbarrou numa série de empecilhos para


consubstanciar a totalidade de seu projeto. Alguns de ordem prática, como a demora
na compra e importação de matérias-primas essenciais, como o cimento, que vinha
da França, e a contratação de mão-de-obra especializada, como indicam os
anúncios dos periódicos da época. Outros de ordem financeira, já que as obras
foram financiadas pela venda de títulos da dívida pública municipal, e somente cerca
da metade das apólices foram vendidas, não alçando, portanto, o total da verba
necessária para a execução do plano. Um erro aritmético do engenheiro, que
superdimensionava a obra, também fez parte do pacote de problemas que o plano
apresentou, tornando-o passível à variadas críticas nos jornais locais. Decorrente
deste, veio, em tom mais agudo, críticas que colocavam em xeque a competência do
presidente da câmara, Francisco Bernardino. Comandada, sobretudo, pelo diretor
Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora, João Penido, as críticas, na
realidade, refletiam dissensões maiores, inerentes ao jogo político da época, que
envolvia “tanto monarquistas e republicanos como frações da elite local contrárias a
grupos no poder a nível municipal e estadual” (MIRANDA, 1990, p.185). Esses
variados problemas acabaram por prejudicar a imagem do político na cidade, que
acabou sendo derrotado nas eleições posteriores, e o Plano Howyan,
consequentemente, foi suspenso.

4 – Considerações Finais

Não obstante, o plano de saneamento e expansão da cidade de Juiz de Fora


é um marco em sua história. Reflete precisamente o momento em que o papel do
município cambia, passando de um agente que realiza intervenções pontuais,
esporádicas, no espaço urbano, para um gestor ativo de seu processo, responsável
pelo seu planejamento e desenvolvimento. Destacamos que esta mudança foi
possível somente por meio das condições políticas do período, que garantiu
autonomia política, administrativa e financeira dos municípios, que passaram a
formular suas primeiras políticas públicas. A pesquisa geográfica que pretende se
debruçar sobre estas formas pretéritas de organização espacial deve buscar dar
conta dessas particularidades inerentes a cada região ou mesmo a cada núcleo

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urbano, demandando um esforço considerável para percorrer os caminhos, muitas


vezes tortuosos, do passado.

5 – Referências Bibliográficas

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