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UNIDOS SOMOS UM

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UNIDOS SOMOS UM

EQUIPE DE TRADUÇÃO:

JOHN DC
SAULO FERRAZ
MARCOS ZIMMER
FELLIPE FERNANDES
TANNY POND
CEMAR MELO
DAVID SOUZA

REVISÃO:
DOUGLAS WALLACE

SÉTIMO LIVRO DA SÉRIE OS LEGADOS DE LORIEN

Título original: United as One

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UNIDOS SOMOS UM

O sétimo e último livro da série #1 do New York Times best-seller Eu


sou o Número Quatro - Unidos somos Um – está repleta de ação e
chega a uma conclusão surpreendente, de tirar o fôlego, e totalmente
satisfatória. A Garde não começou esta guerra, mas eles vão fazer de
tudo para acabar com isso de uma vez por todas. . . .

Os Mogadorians invadiram a Terra. Suas naves de guerra pairam sobre


nossas cidades mais populosas, e nenhum país corre o risco atacá-las.
A Garde é tudo o que se interpõem no caminho, mas eles vão precisar
de seu próprio exército para ganhar esta luta.

Eles uniram-se com os militares dos EUA, mas isso pode não ser o
suficiente. A Garde precisa de reforços, e eles encontraram isso no
lugar mais inesperado. Adolescentes de todo o mundo, como o melhor
amigo de John Smith, Sam, desenvolveram Legados. Então, John e os
outros devem chegar a eles antes do Mogs, porque se eles não
chegarem, o seu inimigos usará estes adolescentes talentosos para o
próprio plano sinistro deles.

Mas depois de tudo que os Mogadorians tiraram de John - sua casa,


sua família, seus amigos, e a pessoa que ele mais ama – talvez ele não
possa querer colocar mais vidas em perigo. Ele não tem mais nada a
perder, e ele acaba de descobr que lhe foi dado um incrível Legado
novo. Agora ele pode se transformar na arma definitiva. Então ele vai
arriscar sua vida para salvar o mundo, ou ele irá perceber que o poder
dos números irá salvar todos nós?

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UNIDOS SOMOS UM

ELES
nos caçaram pelos nossos Legados.

ELES
também estão atrás de você agora.

ELES
sabem que você tem poderes.

NÓS
devemos usá-los da maneira certa.

NÓS
Podemos salvar esse planeta se

NÓS
lutarmos como um.

NÓS
precisamos da sua ajuda.

ELES COMEÇARAM ESTA GUERRA.

NÓS VAMOS TERMINÁ-LA.

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UNIDOS SOMOS UM

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UNIDOS SOMOS UM

PRÓLOGO .............................. 08
CAPÍTULO UM .......................... 17
CAPÍTULO DOIS ........................ 27
CAPÍTULO TRÊS ........................ 38
CAPÍTULO QUATRO ...................... 46
CAPÍTULO CINCO ....................... 55
CAPÍTULO SEIS ........................ 64
CAPÍTULO SETE ........................ 74
CAPÍTULO OITO ........................ 83
CAPÍTULO NOVE ........................ 99
CAPÍTULO DEZ ......................... 112
CAPÍTULO ONZE ........................ 125
CAPÍTULO DOZE ........................ 133
CAPÍTULO TREZE ....................... 145
CAPÍTULO CATORZE ..................... 157
CAPÍTULO QUINZE ...................... 172

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UNIDOS SOMOS UM

CAPÍTULO DEZESSEIS ................... 184


CAPÍTULO DEZESSETE ................... 194
CAPÍTULO DEZOITO ..................... 210
CAPÍTULO DEZENOVE .................... 221
CAPÍTULO VINTE ....................... 233
CAPÍTULO VINTE E UM .................. 241
CAPÍTULO VINTE E DOIS ................ 256
CAPÍTULO VINTE E TRÊS ................ 263
CAPÍTULO VINTE E QUATRO .............. 278
CAPÍTULO VINTE E CINCO ............... 291
CAPÍTULO VINTE E SEIS ................ 304
CAPÍTULO VINTE E SETE ................ 314
CAPÍTULO VINTE E OITO ................ 329
CAPÍTULO VINTE E NOVE ................ 338
CAPÍTULO TRINTA ...................... 350
EPÍLOGO: UM ANO DEPOIS ............... 358

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a garota está parada em um precipício rochoso,


seus dedos dos pés encurvados na borda. Um abismo escuro se abre
a sua frente, e algumas pedrinhas se descocam abaixo de seus pés e
caem na escuridão, desaparecendo no fundo, bem no fundo das
sombras. Alguma coisa costumava estar lá, uma torre ou um templo
– a garota não consegue lembrar exatamente o que era. Ela olha para
baixo, no buraco sem fundo que está a sua frente, e, de alguma forma,
ela sabe que esse lugar já foi importante. Um lugar seguro.
Um Santuário.

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Ela quer dar um passo para trás da borda íngreme. É perigoso, ficar
oscilando aqui na borda do nada. Mesmo assim ela se encontra
incapaz de se mover. Seus pés estão presos no chão. Ela sente o chão
rochoso mudando e desintegrando abaixo dela. O abismo está se
espalhando. Logo, a borda em que ela se equilibra vai desaparecer e
ela irá cair, sendo engolida pela escuridão.
Isso seria ruim?
A cabeça da garota dói. É uma dor distante, quase como se
estivesse acontecendo com outra pessoa. É uma dor latejante que
começa em sua testa, passa por suas têmporas e desce para a
mandíbula. Ela imagina sua cabeça como um ovo que começou a
rachar, os trincos se espalhando pela superfície da casca. Ela esfrega
suas mãos sobre seu rosto e tenta focar.
Ela se lembra vagamente de ter sido jogada no chão rochoso. De
novo e de novo, segurada pelo tornozelo por uma força muito
poderosa para ser resistida, sua cabeça se chocando e fazendo
barulhos nas pedras imperdoáveis. Porém, parece que isso ocorreu
com outra pessoa, e não com ela. A memória, assim como a dor,
parece estar tão distante.
Na escuridão, há paz. Ela não terá que lembrar das batidas ou da
dor seguinte ou do que ela perdeu quando esse abismo sem fundo foi
explodido terra abaixo. Ela será capaz de ir, de uma vez por todas, se
ela apenas deslizar pelo resto da borda e cair.
Alguma coisa a puxa para trás. Uma consciência, profundamente
dentro dela, de que ela não deveria fugir da dor. Ela deveria lutar
contra ela. Ela precisa continuar lutando.
Há um lampejo de azul cobalto na escuridão abaixo dela, uma
solitária brasa de luz. Seu coração se acelera com a visão. Isso a faz
lembrar o motivo pelo qual ela lutou e protegeu e porque ela está tão

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machucada. A luz começa apenas como um pontinho, como se ela


estivesse olhando para o céu noturno e sua única estrela solitária.
Logo ela se expande e começa a subir, um cometa vindo em sua
direção. Ela balança na borda do abismo.
E então ele está flutuando na frente dela, incandescente da mesma
forma como ela o havia visto pela última vez. Seu cabelo preto
encaracolado numa bagunça perfeita, seus olhos verde-esmeralda
fixos nos dela – ele é exatamente como ela se lembrava dele. Ele sorri
para ela, aquele sorriso despreocupado, e estica uma das mãos.
— Está tudo bem, Marina – ele diz. — Você não precisa mais lutar.
Os músculos dela relaxam ao som da voz dele. A escuridão que se
estende abaixo não parece mais tão ameaçadora. Ela deixa um dos
pés pairar sobre o abismo. A dor dentro dela parece ainda mais
distante agora. Muito distante.
— Tudo bem – ele diz. — Venha para casa comigo.
Ela quase pega a mão dele. Entretanto, algo está errado. Ela olha
além dos olhos dele, do seu sorriso, e vê a cicatriz dele. Uma cicatriz
roxa e grossa que circula quase todo o seu pescoço. Ela puxa sua mão
de volta e quase tropeça sobre a borda.
— Isso não é real! – ela grita, encontrando sua voz. Ela mantém seus
dois pés firmes no chão rochoso e se afasta da escuridão.
Ela observa enquanto o sorriso do garoto de cabelos escuros
encaracolados hesita, se transformando em algo cruel e mal, numa
expressão que ela nunca viu no seu rosto de verdade.
— Se não é real, por que você não consegue acordar? – ele
pergunta.
Ela não sabe. Ela está presa aqui, na borda, nesse lugar – com o
garoto de cabelos escuros – que ela já amou uma vez, mas que agora
não é realmente ele. É o homem que a prendeu aqui, que bateu ela

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com tanta força contra o chão e que destruiu esse lugar que ela
amava. E agora ele está profanando as memórias dela. Ela fixa seu
olhar no dele.
— Oh, eu vou acordar, seu bastardo. E vou ir atrás de você.
Seus olhos lampejam, e ele tenta formar uma expressão de
surpresa; mas ela pode dizer que ele está com raiva. Seu truque
perverso não funcionou.
— Teria sido em paz, sua tolinha. Você poderia ter simplesmente se
atirado na escuridão. Eu estava lhe oferecendo misericórdia.
Ele começa a retroceder abismo adentro, deixando-a sozinha
naquele lugar. As palavras dele flutuam de volta para ela. “— Agora
tudo o que restou para você é mais dor”.
— Então assim será – ela diz.

O garoto caolho está sentado contra as paredes de sua cela de


travesseiros. Ele se abraça – não por sua escolha; seus braços estão
presos numa camisa de força. Seu único olho olha diretamente para
as paredes brancas, tudo acolchoado e fofo. A porta não tem
maçaneta, não há como escapar. Seu nariz coça, e ele enterra seu
rosto nos seus ombros para coçá-lo.
Quando ele olha para cima, há uma sombra na parede. Alguém está
parado atrás dele. O garoto caolho se encolhe quando as duas mãos
poderosas pousam em seus ombros e os apertam gentilmente. A voz
profunda está diretamente aos seus ouvidos.
— Eu poderia perdoá-lo – o visitante diz. — Suas falhas, sua
insubordinação. Foi, de certa forma, minha culpa. Para começo de
conversa, eu não deveria ter enviado você para viver com aquelas

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pessoas. Ter pedido para você se infiltrar neles. É natural que você
desenvolvesse certa... simpatia.
— Amado Líder – diz o garoto caolho, com um tom de zombaria na
voz. Ele faz um esforço dentro da camisa de força. — Você veio me
salvar.
— Está certo – o homem diz com uma voz parecida com a de um
pai orgulhoso, ignorando o tom sarcástico do garoto. — Poderia ser
como era antes. Como eu sempre te prometi. Poderíamos reinar
juntos. Olhe para o que eles fizeram com você, como eles tratam você.
Alguém com seus poderes, e você os deixou trancá-lo como se fosse
algum tipo de animal...
— Eu caí no sono, né? – o garoto caolho pergunta. — Isso é um
sonho.
— Sim. Mas nossa reconciliação, ela sim será real, meu garoto – as
mãos poderosas caem de seus ombros e começam a desatar a camisa
de força. — Há apenas uma coisa que quero em troca. Uma
demonstração de sua lealdade. Simplesmente quero que me diga
onde eu posso encontrá-los. Onde posso encontrá-lo. Meu povo –
nosso povo – estará lá antes mesmo de você acordar. Eles irão libertá-
lo e reconstituir sua honra.
O garoto caolho não escuta com vontade a proposta do homem.
Ele sente a camisa de força se alargar enquanto as fivelas são
desatadas. Ele se concentra e se lembra que isso é um sonho.
— Você me jogou como se eu fosse lixo – ele diz. — Por que eu? Por
que agora?
— Eu percebi que o que fiz foi um erro – o homem diz através de
seus dentes. É a primeira vez que o garoto caolho ouve o homem se
desculpar. — Você é minha mão direita. Você é forte.

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O garoto caolho grunhe. Ele sabe que isso é uma mentira. O


homem veio porque ele acha que o garoto é fraco. Ele manipula.
Explora as fraquezas.
Mas isso é apenas um sonho. O sonho do garoto caolho. O que
significa que ele manda.
— O que você diz? – o homem pergunta, sua respiração quente
atingindo a orelha do garoto caolho. — Para onde eles o levaram?
— Eu não sei – o garoto responde honestamente. Ele não sabe onde
essa cela especial está localizada. Os outros garantiram que ele não
visse. — Como se... como foi que você chamou? Reconciliação? Eu
tenho uma contraoferta, velho.
Ele imagina sua arma favorita, a lâmina afiada que anexa ao seu
pulso, e simplesmente assim ela passa a existir. Ele a tira, a ponta
mortal rasgando a camisa de força, e se vira para atingir diretamente
o coração do homem.
Mas o homem já se foi. O garoto caolho grunhe amargamente,
desapontado pelo lapso de satisfação. Ele demora um momento até
esticar os braços. Quando ele acordar, ele estará nesse mesmo local,
com exceção de que suas mãos estarão presas novamente. Ele não se
importa com a cela especial. Ele está confortável, e não há ninguém
para incomodá-lo. Ele poderia ficar aqui por mais algum tempo, pelo
menos. Fazer alguma coisa. Entender a si mesmo.
Quando ele estiver pronto, o garoto caolho irá se libertar.

O garoto anda através de um campo de futebol no começo do inverno.


A grama, frágil e marrom, se quebra abaixo dele. Tanto a sua esquerda
quanto a sua direita, as arquibancadas de metal estão vazias por

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completo. O ar tem o cheiro de fogo, e uma rajada de vento sopra


cinzas contra as bochechas do garoto.
Ele olha para o contador de pontos acima. As lâmpadas laranjas
lampejam e apagam, como se a eletricidade estivesse vindo e indo.
Além do contador de pontos, o garoto pode ver uma escola, ou
pelo menos o que sobrou dela. O telhado desmoronou, explodido por
um míssil. Todas as janelas foram estilhaçadas. Há algumas carteiras
da escola no campo à frente dele, destorcidas por qualquer que tenha
sido a força que destruiu a escola, assim como as partes de plástico
que caem no chão.
Ele pode ver, no horizonte, pairando sobre a cidade. A nave de
guerra. Como um escaravelho gigante feito de metal cinza,
perambulando pelo céu.
O garoto não sente nada além de abandono. Ele tem algumas
memórias boas nesse local, nessa escola, nessa cidade. Ele foi feliz
aqui por um tempo, antes de tudo se tornar um inferno. Não importa
o que acontecer com esse lugar agora.
Ele olha para baixo e percebe que está segurando uma página
rasgada de um anuário escolar em suas mãos. A foto dela. Cabelos
louros lisos, bochechas perfeitas, aqueles olhos azuis. Um sorriso que
te convida para ouvir alguma piada. Seu estômago embrulha ao vê-la,
ao lembrar do que aconteceu.
— Não precisa ser dessa forma.
O garoto se vira ao ouvir a segunda voz – melódica e calma,
totalmente descolada do cenário em que ele está. Um homem anda
através do campo de futebol em sua direção. O homem está vestido
arrogantemente, num blazer marrom sobre um sweater, calças cor de
caqui e mocassins. Ele poderia ser um professor de matemática,
exceto que há algo próprio de reis em sua postura.

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— Quem é você? – o garoto pergunta alarmado.


O homem para há alguns metros de distância. Ele levanta sua mão
como se não quisesse nenhum problema. — Aquela nave lá atrás é
minha – o homem diz calmamente.
O garoto cerra os punhos. O homem não parece o monstro que ele
vislumbrou no México, mas aqui, no sonho, ele sabe que é verdade.
Então ele segue em frente. Quantas vezes ele correu através desse
campo, com jogadores rivais como alvo? A emoção de correr pela
grama morta enche o espírito do garoto. Ele atinge o soco no homem,
com força, no queixo.
O homem cai no chão e se mantém lá, de costas para ele. O garoto
se inclina sobre ele, um dos punhos ainda cerrados, o outro segurando
a foto dela.
Ele não sabe o que fazer agora. Ele esperava mais luta.
— Eu mereci isso – o homem diz, olhando para o garoto com seus
olhos cheios de água. — Eu sei o que aconteceu com sua amiga, e eu...
e eu sinto muito mesmo.
O garoto dá um passo para trás. — Você... você matou ela! – ele
diz. — E você sente muito?
— Essa nunca foi minha intenção! – o homem diz suplicante. — Não
fui eu que a coloquei no caminho da destruição. Mas mesmo assim,
sinto muito por ela ter sido machucada.
— Morta – o garoto sussurra. — Não machucada. Morta.
— O que você considera morto e o que eu considero morto... são
coisas totalmente diferentes.
Agora o garoto está ouvindo. — O que isso significa?
— Toda essa feiura e dor apenas acontecem se continuarmos
lutando. Não é o meu jeito. Não é o que eu quero – o homem

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UNIDOS SOMOS UM

continua: — Você já parou para considerar o que eu quero? De que


talvez não seja ruim?
O homem não tentou se levantar. O garoto se sente no controle.
Ele gosta disso. E é então que ele nota como a grama está mudando.
Está voltando à vida, um tom verde-esmeralda se espalhando a partir
do homem. De fato, parece para o garoto que até o sol está
começando a brilhar com mais intensidade.
— Eu quero que nossas vidas – todas as nossas vidas – melhorem.
Eu quero que nós cresçamos além desses mal-entendidos – o homem
diz. — Eu sou estudante, em primeiro lugar. Passei minha vida
estudando os milagres do universo. Com certeza, eles disseram a você
sobre mim. Mentiras, na maior parte, mas é verdade que eu vivi por
séculos. O que é a morte para um homem como eu? Uma mera
inconveniência temporária.
Sem perceber, o garoto começou a acariciar nervosamente o
pedaço de papel que ele está segurando entre as mãos. Seu polegar
desliza através do rosto da garota. O homem sorri e assente para o
pedaço de papel.
— Por que... eu deveria confiar em você? – o garoto consegue
perguntar atrevidamente.
— Se pararmos de lutar, se me ouvir por um momento, você verá –
ele parece tão sincero. — Teremos paz. E você a terá de volta.
— Tê-la de volta? – o garoto pergunta, petrificado, uma ponta de
esperança crescendo em seu peito.
— Eu posso recuperá-la – o homem diz. — O mesmo poder que
trouxe sua amiga Ella de volta a vida, agora é meu. Eu não quero mais
lutar, meu jovem amigo. Deixe-me trazê-la de volta. Deixe-me mostrar
a todos que eu mudei.

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O garoto olha de relance para a foto em sua mão e percebe que ela
mudou. Está se movendo. A garota loira bate contra a foto como se
estivesse batendo num vidro, como se estivesse presa lá dentro. O
garoto pode ler os lábios dela. Ela está implorando por ajuda.
O homem estica sua mão. Ele quer que o garoto o ajude a levantar.
— O que você diz? Vamos acabar com isso juntos?

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a sala me lembra os tipos de lugares que henri


e eu costumávamos frequentar no passado. Velhos motéis de beira de
estrada que os donos não os melhoraram desde os anos setenta. As
panelas são feitas de madeira, e o carpete é felpudo, de cor verde-oliva,
a cama abaixo de mim é dura e tem mofo. Uma escrivaninha descansa
contra uma das paredes, as gavetas cheias com uma mistura de roupas
de diferentes tipos e tamanhos, todas genéricas e documentadas. A sala
não tem uma TV, mas tem um rádio com um relógio que usa aqueles
papéis antigos de números que giram, cada minuto pontuado por um
som seco.
4:33
4:34

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UNIDOS SOMOS UM

4:35
Eu me sento aqui no Patience Creek Bed & Breakfast e escuto o tempo
passar.
Na parede oposta da minha cama, há um quadro que parece uma
janela. Não há janelas de verdade, pelo quarto estar localizado bem
abaixo no subsolo, então eu suponho que os designers fizeram o melhor
que puderam. A cena na minha janela falsa é ensolarada e cheia de luz,
com gramas altas esverdeadas sendo assopradas pelo vento e a silhueta
indistinta de uma mulher bem longe segurando um chapéu na sua
cabeça.
Eu não sei porque eles fizeram a sala desse jeito. Talvez tenha sido
para transmitir uma sensação de normalidade. Se esse for o caso, não
está funcionando. Em vez disso, a sala parece ampliar cada sentimento
ruim que você poderia criar por estar hospedado num motel sujo e
sozinho – solidão, desespero, fracasso.
Eu tenho cada um desses sentimentos de sobra.
Aqui uma coisa que essa sala tem que os outros motéis da
interestadual não tem. O quadro da parede? Ele desliza para o lado, e
atrás dele há um conjunto de monitores que mostram as câmeras de
segurança de todo o redor de Patience Creek Bed & Breakfast. Há uma
câmera apontada para a porta de entrada da cabine pitoresca que está
posicionada acima desse subsolo, outra que está apontada para a grama
e solo perfeito mantidas com uma exatidão que têm as dimensões
necessárias para o pouso de um avião, e dúzias de outras que vigiam a
propriedade e o que há abaixo dela. Esse lugar foi construído por pessoas
paranoicas que estavam planejando uma invasão, um cenário de fim do
mundo.
Eles esperavam os russos, não os Mogadorianos. Mas mesmo assim,
acho que a valeu a pena ter pago pela paranoia.
No subsolo inimaginável desse lugar localizado a mais ou menos
cinquenta quilômetros de Detroit, perto do Lago Erie, há quatro níveis

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UNIDOS SOMOS UM

subterrâneos tão secretos que eles foram praticamente esquecidos. A


instalação Patience Creek foi originariamente construída pela CIA
durante a Guerra Fria para ser um local para eles fugirem de um inverno
nuclear. Caiu para o desuso nos últimos vinte e cinco anos, e, de acordo
com nossas fontes do governo americano, todos que sabiam dela estão
mortos ou aposentados, o que significa que ninguém ligou sua
existência ao ProMog. Para nossa sorte um general chamado Clarence
Lawson voltou da aposentadoria quando as naves de guerra apareceram
e o relembraram que esse lugar ainda estava aqui embaixo.
O presidente dos Estados Unidos e os membros que sobraram de sua
equipe não estão aqui; eles estão sendo mantidos em algum lugar
seguro, provavelmente algo móvel, cujo localização não está sendo
revelada nem para nós, alienígenas aliados. Alguém deve ter decidido
que não seria seguro para o presidente estar entre nós, então estamos
aqui com o General Lawson. Na nossa conversa, o presidente me disse
que ele queria que trabalhássemos juntos, que nós tínhamos todo o
suporte dele contra Setrákus Ra.
Ele disse muitas coisas, na verdade. Os detalhes estão vagos em
minha memória. Eu estava em choque quando nos falamos e não estava
prestando realmente atenção. Ele pareceu gentil. Que seja.
Eu só quero acabar com isso.
Eu estive acordado desde então – bem, não tenho certeza desde
quando. Eu sei que eu deveria tentar dormir, mas todas as vezes que
fecho meus olhos eu vejo o rosto de Sarah. Eu vejo seu rosto naquele
primeiro dia de aula na Paradise High, metade escondido atrás de uma
câmera fotográfica e então o sorriso depois dela ter tirado minha foto.
E então minha imaginação muda, e eu vejo o mesmo rosto maravilhoso
pálido e cheio de sangue, sem vida, da forma que deve estar agora. Eu
não posso aguentar. Quando eu abro meus olhos há uma dor terrível em
minhas entranhas, e eu sinto que tenho que desviar da dor.

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UNIDOS SOMOS UM

Em vez disso, eu fico acordado. É isso que tem acontecido nas últimas
horas, sozinho nesse lugar estranho, tentando descobrir quando eu irei
conseguir dormir da mesma forma que, bem... que os mortos.
Prática. É a única esperança que eu tenho.
Eu sento na cama e olho para meu reflexo no espelho que está
pendurado na escrivaninha. Meu cabelo está crescendo, e há olheiras
abaixo dos meus olhos. Essas coisas não importam agora. Eu olho
fixamente para meu reflexo...
E então eu desapareço.
Reapareço. Respiro fundo.
E fico invisível de novo. Dessa vez eu consigo ficar mais tempo. Pelo
maior tempo que posso. Eu olho para o espaço vazio no espelho onde
meu corpo deve estar e escuto o relógio marcar os minutos.
Com o Ximic, eu devo ser capaz de copiar qualquer Legado que eu
encontrar. Basta que eu aprenda como controlá-lo, o que não é fácil,
mesmo quando o Legado vem com naturalidade. O Legado de cura de
Marina, a invisibilidade de Seis, a petrificação de Daniela – essas são as
habilidades que eu aprendi até agora. Eu vou aprender mais, o tanto que
eu puder. Eu vou treinar esses novos Legados até eles virem com
naturalidade para mim assim como meu Lúmen. E então eu vou repetir
o processo.
Todo esse poder, e um único objetivo.
A destruição de cada Mogadoriano existente na Terra. Incluindo e
especialmente Setrákus Ra, se ele ainda estiver vivo. Seis acha que ela
pode ter matado ele no México, mas eu não vou acreditar até os Mogs se
renderem ou até eu ver o corpo. Uma pequena parte de mim até espera
que ele ainda esteja por aí para que eu seja aquele que irá matar o
bastardo.
Um final feliz? Isso é o que está do lado de fora da janela. Eu fui
estúpido em acreditar nisso.

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UNIDOS SOMOS UM

Pittacus Lore, o último, aquele cujo corpo encontramos escondido no


bunker de Malcolm Goode, ele tinha o Ximic também, mas ele não fez o
suficiente. Ele não conseguiu parar a invasão Mogadorianos de Lorien.
Quando ele teve a chance de matar Setrákus Ra todos aqueles séculos
atrás, ele também não conseguiu.
A história não vai se repetir.
Eu ouço passos no corredor que param de frente para minha porta.
Mesmo com eles falando suavemente, e mesmo eu estando ouvindo
através de uma porta reforçada de metal, com os meus sentidos
aguçados, eu ainda posso entender cada palavra que Daniela e Sam
dizem.
— Talvez devêssemos deixá-lo descansar – Daniela diz. Eu não estou
acostumado a ouvi-la em um tom tão suave. Normalmente, Daniela
mistura um tom grosso e cheio de gírias. Há apenas alguns dias atrás,
ela deixou sua antiga vida completamente para trás e se juntou à nossa
guerra. Embora ela não tivesse muita escolha considerando que os Mogs
destruíram sua antiga vida.
Outro humano que se juntou à nós.
— Você não o conhece. Duvido que ele esteja dormindo ali dentro –
Sam responde, sua voz rouca.
Sentado nesse quarto, refletindo no passado e nos danos que eu
causei, eu comecei a me perguntar: como a vida de Sam seria diferente
se eu e Henri tivéssemos escolhido Cleveland ou Arkon ou outro lugar
qualquer em vez de Paradise? Será que ele teria desenvolvido Legados?
Eu estaria pior, talvez morto, sem ele. Tenho certeza disso.
Contudo, Sarah também estaria viva se nunca tivéssemos nos
conhecido.
— Uh, tudo bem, eu não estou falando dele ter uma boa noite de sono.
O cara é um super-herói alienígena; por tudo que sei ele dorme três
horas por noite pendurado de cabeça para baixo no teto – Daniela
responde Sam.

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UNIDOS SOMOS UM

— Ele dorme da mesma forma que nós.


— Que seja. O que quero dizer é que ele precisa de espaço, entende?
Para pensar nas loucuras dele. E ele virá até nós quando ele estiver
pronto. Quando ele...
— Não. Ele gostaria de saber – Sam diz, e então ele bate suavemente
na minha porta.
Estou fora da cama rapidamente e em um lampejo estou abrindo a
porta. Sam está certo sobre mim, claro. O que quer que esteja
acontecendo, eu quero saber. Quero me distrair.
Sam pisca quando a porta se abre e olha através de mim. — John?
Me leva um segundo para perceber que ainda estou invisível. Quando
eu apareço do nada na frente deles, Daniela tropeça para trás. — Deus
me livre, cara.
Sam mal levanta a sobrancelha. Seus olhos estão vermelhos. Ele
parece muito cansado para ficar surpreso.
— Me desculpe – eu digo. — Estava treinando minha invisibilidade.
— Os outros estão a dez muitos daqui – Sam me diz. — Sabia que iria
querer estar lá quando eles pousassem.
Eu assinto e fecho minha porta atrás de mim.
A ilusão de um motel desaparece assim que estou fora do quarto. O
corredor adiante, mais parecido com um túnel, está pintado com um
branco sério e está iluminado com luzes de halogênio. Me lembra a
instalação no subsolo de Ashwood Estates, com exceção de que esse
lugar foi construído por seres humanos.
— Tenho um vídeo cassete no me quarto – Daniela diz, tentando
puxar assunto enquanto nós três andamos por um dos vários corredores
idênticos desse complexo labiríntico. Quando nem eu ou Sam responde
imediatamente, ela continua. — Vocês têm também? Loucura, não é?
Eu não vejo um vídeo cassete há anos.
Sam olha para mim antes de responder. — Eu encontrei um Game Boy
embaixo do meu colchão.

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UNIDOS SOMOS UM

— Droga! Quer trocar?


— Não tem baterias.
— Deixa para lá.
Eu posso ouvir o zumbido distante de geradores, o som de
ferramentas de homens que trabalham. A única desvantagem de
Patience Creek ser tão secreto é que a maioria dos sistemas dele não pode
ser considerado moderno. Por motivos de segurança o General Lawson
decidiu que eles deveriam deixar apenas o essencial aqui. Com tudo
acontecendo, não temos tempo suficiente para contratar pessoas para
atualizarem. Ainda assim, deve ter quase cem engenheiros trabalhando
no local para tentar melhorá-lo. Quando chegamos na noite passada, eu
vi que o pai de Sam, Malcolm, já estava aqui, ajudando uma equipe de
eletricistas instalarem alguns dos aparelhos Mogadorianos recuperados
de Ashwood Estates. Por enquanto, tudo o que eles acham é que
Malcolm é um lunático por extraterrestres.
A conversa de Sam e Daniela não continuou, e eu rapidamente
percebo que é por minha causa. Estou em silêncio, olhos fixados no
caminho, e eu tenho quase certeza que minha expressão é neutra. Eles
não sabem mais como falar comigo.
— John, eu— Sam coloca uma das mãos em meu ombro, e eu posso
dizer que ele quer falar algo sobre Sarah. Eu sei que o que aconteceu com
Sarah o machucou também. Eles cresceram juntos. Mas eu não quero
conversar agora. Eu não quero ter tempo para chorar pelos mortos até
que isso acabe.
Eu forço u sorriso. — Eles te deram alguma fita para aquele vídeo
cassete? – eu pergunto a Daniela, mudando de assunto.
— WrestleMania III – ela responde, e faz uma careta.
— Aí sabe, eu vou passar lá para pegar emprestado mais tarde, Danny
– Nove diz, emergindo de um dos vários corredores com um sorriso.
De todos nós, Nove é o que parece mais descansado. Faz apenas um
dia desde que ele e Cinco quase se mataram por toda Nova Iorque. Eu

24
UNIDOS SOMOS UM

curei a maior parte dos ferimentos lá, e sua própria regeneração sobre-
humana aparentemente cuidou do resto. Ele dá um tapinha forte nas
minhas costas e na do Sam e se junta conosco seguindo pelo corredor.
Claro, Nove age como se não tivesse nada de errado, e, honestamente,
eu prefiro desse jeito.
Enquanto andamos, eu olho de relance pelo corredor que Nove veio.
Há quatro soldados fortemente armados lá, de guarda.
— Todos foram enquadrados? – pergunto a Nove.
— Sim, Johnny – Nove responde. — Eles têm várias celas de prisão
especiais aqui, incluindo a almofadada. Com o Gordinho aprisionado
com algumas almofadas e preso numa camisa de forças, ele não vai a
lugar algum.
— Ótimo – Sam diz.
Eu assinto em concordância. Cinco é um psicopata completo e merece
estar preso. Mas se eu for brutalmente prático sobre ganhar esta guerra,
eu não tenho certeza por quanto mais tempo nós poderemos pagar para
mantê-lo preso na gaiola.
Nós viramos em um corredor, e o elevador entra em visão. Acima, as
luzes de halogênio zunem alto, e eu percebo que Sam está coçando a
ponta de seu nariz.
— Cara, como eu sinto falta da sua cobertura, Nove – Sam diz. — Foi
o único esconderijo que tivemos com luzes normais.
— É, eu sinto falta também – Nove responde, uma nota de nostalgia
em sua voz.
— Esse lugar já está me dando uma séria enxaqueca. Deveriam ter me
dado alguns controles junto com aquele vídeo cassete.
Há um estalo de energia acima de nós, e uma das lâmpadas se apaga.
A iluminação do corredor de repente fica mais tolerável. Todos, com
exceção de mim param para observar.
— Bem, isso foi estranhamente cronometrado – diz Daniela.
— Bem melhor, não acha? – Sam diz com um suspiro.

25
UNIDOS SOMOS UM

Eu aperto o botão para chamar o elevador. Os outros se juntam atrás


de mim.
— Então... eles... hum... eles estão a trazendo de volta para cá? – Nove
pergunta, sua voz mais baixa, sendo mais delicado o possível.
— Sim – eu consigo dizer, pensando na nave lórica que agora está
pousando sobre Patience Creek, trazendo nossos amigos e aliados, e o
amor perdido de minha vida.
— Isso é bom – Nove diz, então tosse em suas mãos. — Quero dizer,
não é bom. Mas nós podemos, você sabe, dizer adeus.
— Nós entendemos, Nove – Sam diz gentilmente. — Ele sabe o que
você quer dizer.
Eu assinto, despreparado para dizer qualquer outra coisa. A porta do
elevador se abre na nossa frente, e então, as palavras começam a sair.
Essa é a última vez – eu digo, não me virando para encarar os outros.
As palavras parecem gelo na minha boca. — Estou farto de dizer adeus
para as pessoas que amamos. Estou cheio disso. Farto de despedidas. A
partir de hoje, vamos matar até ganharmos.

26
UNIDOS SOMOS UM

pedaços de metal retorcido rangem acima de nós.


Aglomerados de poeira e cinzas se chocam contra meu rosto, o
vento zune pelo que parece ser cem quilômetros por hora, e eu dou
tudo o que tenho nisso. Tiros de canhões cauterizam minha perna.
Eu ignoro. Um suporte irregular de um escumador Mogadoriano
explodido se choca contra os destroços que estão perto de mim.
Apenas alguns centímetros a mais e eu teria sido empalada.
Eu ignoro isso também. Eu vou morrer aqui, se isso for preciso.
Do outro lado de uma cratera onde o Santuário costumava estar,
Setrákus Ra cambaleia na subida da rampa de sua nave de guerra.
Eu não posso deixar ele voltar abordo da Anúbis. Eu aumento a força
da minha telecinese, e eu não me importo com as possíveis
consequências. Eu jogo toda porcaria que vejo contra ele, e ele
revida. Eu sinto o poder dele lutar versus o meu como duas ondas

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UNIDOS SOMOS UM

invisíveis se chocando, arremessando pedaços de metal, terra e


pedras.
— Morra, morra, morra...
Sarah está perto de mim. Ela grita alguma coisa no meu ouvido
que eu não consigo entender por conta do barulho da batalha. Ela
agarra meu ombro e começa a me chacoalhar.
— Morra, morra, morra...
— Seis!
Eu suspiro e acordo. Não é Sarah quem chacoalha meus ombros.
É Lexa, nosso piloto, sentada atrás dos controles. Através do para-
brisas, eu mal consigo ver o campo tranquilo passando zunindo
abaixo de nós. No brilho do painel de controle, eu consigo ver um
olhar preocupado no rosto de Lexa.
— O que foi? – eu pergunto, ainda tonta enquanto eu gentilmente
afasto a mão dela.
— Você falava enquanto dormia – Lexa responde, e volta a olhar
para frente, nossa trajetória mapeada na tela em sua frente.
Meus pés estão no painel, meus joelhos encolhidos quase
encostando no peito. Meus dedos do pé estão paraestésicos. Eu
coloco meus pés no chão e me endireito na cadeira, então meus
olhos encontram a escuridão lá fora. Assim que eu observo, o campo
abaixo é substituído pelas águas azuis do rio Erie.
— Qual a distância que estamos das coordenadas que Malcolm
nos mandou? – pergunto a Lexa.
— Perto – ela responde. — Mais ou menos a dez minutos.
— E você tem certeza que os despistamos?
— Tenho certeza, Seis. Eu escapei do último escumador no Texas.
A Anúbis foi despistada antes disso. Me pareceu que a nave não quis
continuar a perseguição.
Eu esfrego minhas mãos sobre minhas bochechas e sobre meus
cabelos emaranhados e pegajosos. A Anúbis parou de nos

28
UNIDOS SOMOS UM

perseguir. Por que? Por que eles tiveram que correr com Setrákus
Ra para outro lugar? Por que ele estava morrendo? Ou talvez já
estivesse morto?
Eu sei que eu o machuquei. Eu vi o pedaço de metal encravado
no peito daquele bastardo. Quase ninguém sobrevivera àquele
ferimento. Mas é de Setrákus Ra que estou falando. Não há como
dizer a velocidade em que ele se regenera ou qual tecnologia ele tem
à sua disposição para curá-lo. Embora eu tenha atingido o coração
dele. Eu vi. Eu sei que eu o acertei.
— Ele tem que estar morto – eu digo baixinho. — Ele tem que
estar.
Eu desfivelo o cinto do banco de passageiro e me levanto. Lexa
agarra meu antebraço antes de eu sair.
— Seis, você fez o que tinha que ser feito – ela diz com firmeza.
— O que você achou que fosse melhor. Não importa o que
aconteça, se Setrákus Ra está vivo ou morto...
— Se ele estiver vivo, então Sarah morreu em vão – eu respondo.
— Não em vão – Lexa diz. — Ela te tirou de lá. Ela te salvou.
— Ela deveria ter salva a si mesma.
— Ela não pensava assim. Ela— olhe, eu mal conhecia a garota.
Mas me pareceu que ela sabia o que estava em jogo. Ela sabia que
estávamos em guerra. E em guerra há sacrifícios. Casualidades.
— Fácil para nós dizermos. Estamos vivas – eu mordo meus lábios
e me solto de Lexa. — Você acha – droga, Lexa. Você acha que esse
tipo de conversa fria vai tornar as coisas mais fáceis para os outros?
Pro John?
— Alguma vez as coisas foram fáceis para qualquer um de vocês?
– Lexa pergunta, olhando para mim. — Por que começaria a ser fácil
agora? Esse é o fim, Seis. De um jeito ou de outro, estamos
chegando a um fim. Você faz o que tem que ser feito, e você se sente
mal por isso depois.

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UNIDOS SOMOS UM

Eu saio da cabine com as palavras de Lexa latejando nos meus


ouvidos. Eu quero sentir raiva. Quem é ela para me dizer como devo
agir? Os Mogs não estavam caçando ela. Ela se escondeu por anos
sem nem tentar fazer contato conosco. Ela apenas se revelou agora
porque ela percebeu o quão desesperadora nossa situação se
tornou, que agora é tudo ou nada. Me dizendo como devo me
sentir.
A coisa é que ela está certa. Ela está certa porque, de uma forma
ou de outra, eu não mudaria o que fiz. Eu tentaria acertar Setrákus
Ra novamente, mesmo sabendo o que aconteceria com Sarah.
Porque potencialmente, bilhões de vidas estão em jogo.
Eu tive que fazer o que fiz.
Na cabine principal, alguém usou nossas paredes touch screen
para fazer com que camas surgissem do chão. São as mesmas camas
que dormimos durante todo o tempo de viagem até a Terra todos
aqueles anos atrás. Eu cravei meu número em uma delas.
O corpo de Sarah está exatamente nessa, porque o universo tem
um senso de humor doente.
Mark está sentado ao lado da cama de Sarah, com o queixo sobre
o peito dela, dormindo. Ele está ofegante, e está coberto de sangue
seco, como a maioria de nós. Ele não saiu de perto do corpo de Sarah
desde que tudo acabou. Francamente, estou feliz por ele ter
dormido. Eu não iria aguentar mais aqueles olhares acusatórios que
ele está exibindo. Eu sei que ele está com raiva e em luto, mas eu mal
posso esperar para sair dessa nave e me afastar dele.
Bernie Kosar está deitado no chão perto de Mark. Ele me observa
saindo da cabine e me sentando em silêncio. O beagle se aproxima
e focinha minha perna, chorando baixinho. Eu me abaixo para coçar
atrás das orelhas dele.
— Obrigado, garoto – eu sussurro, e BK choraminga novamente.

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UNIDOS SOMOS UM

Eu vou mais adiante. Ella está coberta em uma das camas, seu
rosto virado para o lado da parede. Meu olhar se fixa nela por alguns
instantes, o que é suficiente para ter certeza de que ela ainda está
respirando. Ella foi a primeira pessoa que eu vi morrer ontem, com
exceção de que de alguma forma ela conseguiu voltar à vida.
Quando ela se jogou ontem naquele pilar de energia lórica no
Santuário, ela quebrou o feitiço que Setrákus Ra tinha posto nela.
Aparentemente, há efeitos colaterais após tomar um banho de
energia lórica e quase morrer. Ella retornou para nós como... bem,
eu não tenho certeza.
Bem no fundo da nave, eu encontro Adam sentado nos pés de
uma das camas. Olhando para os círculos escuros abaixo de seus
olhos e para sua pele incrivelmente pálida, eu tenho certeza de que
ele não dormiu sequer um minuto. Em vez disso, ele tem mantido
seus olhos em Marina. Ela está enrolada na mesma cama que Adam
está sentado, os olhos dela fechados, seu rosto horrivelmente
machucado, sangue seco ainda jazendo em suas narinas. Setrákus
Ra bateu ela no chão reiteradas vezes, e ela não voltou à consciência
desde então. Ela está aguentando firme, e tenho esperanças de que
John será capaz de curá-la.
Adam consegue expressar um sorriso fraco enquanto me sento
na frente dele. Mais um de nossos amigos feridos está coberto nos
braços dele. Areal quase foi morto no Santuário. Embora ele ainda
esteja muito fraco, Areal recuperou alguns de seus movimentos e
pelo menos conseguiu mudar sua forma para um tipo de lobo. Não
daquele tipo feroz, mas quase.
— Ei, doutor – eu digo para Adam, mantendo o meu tom de voz
baixo.
Ele grunhe. — Você ficaria surpresa sobre como é baixo o
treinamento médico que os Mogadorianos recebem. Não é uma
prioridade já que a maioria dos nossos soldados são descartáveis –

31
UNIDOS SOMOS UM

Adam vira sua cabeça para observar Marina. — O pulso dela está
forte, pelo menos. Isso eu posso dizer.
Eu assinto. Isso é exatamente o que eu queria ouvir. Eu estico meu
braço no espaço vago entre nós e acaricio o focinho de Areal. Uma
de suas patas traseiras começam a se mexer em resposta, embora eu
não tenha certeza se é por diversão ou se é um reflexo.
— Ele parece um pouco melhor – eu digo a Adam.
— Sim, ele estará uivando para a lua logo, logo – Adam responde,
olhando para mim. — E você? Como se sente?
— Como uma merda.
— Me desculpe por não poder ter feito mais – Adam diz. Quando
a batalha no Santuário acabou, foram Adam e Mark que carregaram
o corpo de Marina para dentro da nave de Lexa antes de Setrákus
Ra terminar o que começou. Foi depois disso que eu e Sarah tivemos
que lutar contra ele sozinhas.
— Você fez o suficiente. Você salvou Marina. Trouxe ela de volta.
Eu...
Meu olhar se volta para Sarah involuntariamente. Adam pigarreia
para ter minha atenção de volta. Seus olhos travam nos meus,
abertos e vigilantes.
— Não foi sua culpa – ele diz com firmeza.
— Ouvir isso não torna as coisas mais fáceis.
— Ainda é necessário dizer – agora foi Adam que se virou para
quebrar o contato visual. Ele olha para o corpo de Ella e franze. —
Eu espero que você tenha matado ele, Seis. A coisa é que,
conhecendo você, se você soubesse das consequências, você teria
parado.
Eu não interrompo Adam, embora o que ele esteja dizendo sobre
mim talvez não seja totalmente verdade. É estranho sentir esperança
por eu ter matado Setrákus Ra ao mesmo tempo em que sinto culpa

32
UNIDOS SOMOS UM

pelo que aconteceu com Sarah, e tudo isso piora com o sentimento
de medo de que eu não tenha conseguido nada. Estou horrível.
— Isso é uma das coisas pelo qual eu tenho respeito por vocês –
Adam continua. — A maioria da Garde meio que constrói força e
compaixão dentro de você. É o oposto do meu povo. Eu... eu teria
continuado não me importando com o que aconteceu.
No Santuário, Adam teve uma chance de matar Setrákus Ra. Isso
foi antes de Ella quebrar o feitiço que prendia sua vida à de seu
tataravô. Mesmo sabendo que iria matar Ella também, Adam foi em
direção da jugular de Setrákus Ra.
— Seu povo - Adam continua depois de um momento, — vocês
consideram as consequências, vocês choram suas perdas, vocês
tentam fazer o que é certo. Eu invejo isso. A habilidade de saber o
que é certo sem – sem ter que lutar contra sua natureza.
— Você é mais parecido conosco do que pensa – eu digo a ele.
— Eu gostaria de pensar assim – ele responde. — Mas algumas
vezes eu não sei.
— Todos nós temos arrependimentos – eu digo. — Não importa
a natureza. O que importa é continuar e melhorar.
Adam abre sua boca para responder, mas nenhuma palavra sai.
Ele está olhando além de mim. Um brilho azul fraco emana por cima
de meus ombros.
Eu me viro para ver Ella sentada em sua cama. Ela ainda está com
a energia lórica, seus olhos castanhos completamente substituídos
por orbes de cobalto azul. Quando ela fala, sua voz é um eco, como
era quando Legado estava falando através dela.
— Você não tem que sentir culpa – ela diz a Adam. — Eu sabia o
que você iria fazer assim que saí da Anúbis. Eu estava torcendo por
você.
Adam encara Ella. — Eu não – eu não sabia o que eu iria fazer
quando você saiu da Anúbis.

33
UNIDOS SOMOS UM

— Ah, você sabia sim.


Adam desvia o olhar, claramente inconfortável sobre o olhar de
Ella. Se ele está aliviado pelo que Ella disse, ele não expressa.
— E Seis – ela se vira para mim agora. — Assim que deixou esse
mundo, Sarah pensou sobre muitas coisas. A maioria sobre John e a
família dela. Mas ela também pensou sobre você, e como ela estava
orgulhosa por você ter ficado aqui para tomar conta do John e dos
outros.
— Você estava na cabeça dela quando ela morreu? – eu pergunto
a Ella, ainda tentando entender os seus Legados expandidos.
Ela coça a ponta de seu nariz e fecha seus olhos, o que deixa a sala
uma pouco mais escura. — Ainda estou me acostumando com o que
consigo fazer. E difícil algumas vezes... me desligar.
— Isso era tudo sobre o que ela pensou?
A pergunta vem de Mark. Eu não tenho certeza por quanto tempo
ele esteve acordado e ouvindo nossa conversa. Ele olha para Ella
com uma esperança desesperadora, e eu percebo que seu lábio
superior está tremendo. Ella olha para ele friamente, e eu me
pergunto se algum fio de emoção da parte dela foi queimado em seu
encontro com Legado.
— O que exatamente você quer me perguntar, Mark? – Ella diz
calmamente.
— Eu... nada. Não é importante – Mark responde, olhando para o
chão.
— Você estava na mente dela também, Mark – Ella diz.
Mark engole seco enquanto ouve isso e então assente, tentando
não mostrar emoções. Estudando Ella, eu não tenho certeza se ela
está falando a verdade ou apenas está tentando fazer Mark se sentir
melhor. Seus olhos enérgicos são ilegíveis.
— Chegamos – Lexa anuncia pelo sistema de comunicação
interno. — Vou pousar agora.

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UNIDOS SOMOS UM

Lexa pousa a nave num campo aberto perto de uma cabine


pequena. Olhando o lugar pela janela, é difícil acreditar que aqui seja
o local que o governo está planejando um contra-ataque aos
Mogadorianos. Acho que esse é o objetivo. Com o sol prestes a
nascer sobre o Rio Erie, lampejos rosa de luz jazem sobre a superfície
da água. É uma cena tranquila e pareceria totalmente como um retiro
de yoga se não fosse a presença de soldados armados e seus
Humvees camuflados nas árvores.
Há dois grupos esperando por nós do lado de fora da cabine, e,
mesmo em meu estado crítico, é fácil de ler a situação me baseando
na distância das facções. O primeiro grupo é nosso povo – John,
Sam, Nove, Malcolm, e uma garota que eu reconheço do sonho
telepático de Ella e cujo nome eu não me lembro. Atrás deles,
separados por mais ou menos trinta metros, há um contingente de
militares que observam nossa nave com interesse. Me parece que
embora os militares estejam trabalhando com a Garde, eles ainda
mantêm um olho em nós. Juntos, mas afastados.
No grupo dos soldados, eu reconheço a Agente Walker.
Enquanto eu observo, ela nervosamente apaga um cigarro e começa
a responder uma pergunta de um dos velhos homens que estão
perto dela. Ele claramente está no comando. O cara tem cabelos
grisalhos e uma pele bronzeada, como se tivessem retirado ele das
aulas de golfe. Ele parece como um daqueles cidadãos jovens que
ainda correm maratonas, com uma postura rígida e cheio de
músculos. Ele usa roupas militares cobertas por um monte de
medalhas estúpidas. Ele está rodeado por soldados armados com
rifles – para nossa proteção, tenho certeza. Dois caras de sua
comitiva estão de pé ao seu lado; eles são gêmeos se não estiver
enganada, e parecem ter minha idade, muito jovens para serem
sodados alistados, embora eles estejam usando o uniforme azul de
cadetes.

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UNIDOS SOMOS UM

Eu observo isso durante os poucos segundos que Lexa usa para


estender a rampa de saída e desligar a nave. Observar nosso arredor
é uma boa distração, uma forma de evitar olhar para John. Seu rosto
é uma máscara, seu olhar é gelado, e eu ainda não descobri o que
diabos eu vou dizer a ele.
Nosso grupo de batalhas devastado lentamente desce a rampa.
Eu ouço múrmuros dos nossos observadores militares e não posso
evitar os olhares adulantes nos rostos de nossos amigos. Estamos
cobertos de sangue e sujeira, derrotados, exaustos. Ademais, Ella
está emanando aquele brilho da energia lórica. Estamos horríveis.
Malcolm está com uma maca, e ele a empurra através do gramado
até Adam, quem está carregando Marina nos braços. Me leva um
segundo para perceber que Mark não desce da nave; ele ficou com
o corpo de Sarah.
Antes que eu possa impedi-lo, Sam me envolve em um abraço.
Apenas quando seus braços estão ao meu redor que eu percebo o
quanto ele está tremendo.
— Você está bem agora – ele sussurra em meu ouvido.
Eu me seguro, tentando não desmoronar, embora isso seja o que
mais quero no momento, e cair nos braços de Sam. Eu olho na
direção de John, mas ele já está parado sobre Marina, suas mãos
brilhando suavemente enquanto ele segura a cabeça dela. Ele está
com um olhar de extrema concentração enquanto ele a cura, e
demora tanto que eu começo a segurar minha respiração,
preocupada se o dano feito por Setrákus Ra é muito grande. Depois
de um longo momento em que todos permaneceram em um silêncio
total, John dá um passo para trás com um suspiro exausto. Marina se
mexe um pouco na maca, porém não acorda.
— Ela está...? – Adam começa a perguntar.
— Foi ruim, mas ela ficará bem – John responde, sua voz
completamente neutra. — Ela precisa apenas descansar.

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UNIDOS SOMOS UM

Com isso, John dá um passo para longe do grupo e segue em


direção da rampa da nave.
— John, espere um pouco – eu me ouço dizer, embora eu não
tenha ideia do que irei dizer em seguida.
Ele pausa e olha sobre seus ombros para mim, embora ele não me
olhe nos olhos.
— Me desculpe por não termos conseguido – por eu não ter
conseguido protegê-la – eu o digo, minha voz trêmula, e, embora eu
esteja horrorizada por ouvir, há também um pouco de desespero. —
Eu juro que eu o matei, John. Eu acertei o coração daquele monstro.
John assente, e eu posso ver uma veia em seu pescoço latejar,
como se ele estivesse tentando se controlar.
— Não vamos nos culpar pelos atos de nossos inimigos – John
responde para mim, e as palavras parecem estar prontas, praticadas,
como se ele soubesse que essa conversa aconteceria. Sem mais
palavras, ele sobe a rampa e desaparece dentro da nave de Lexa.
Um silêncio sombrio segue. Os militares voltam para a cabine, que
deve ter muitos níveis no subsolo para acomodar todos eles, e Nove
começa a liderar nosso grupo para dentro, atrás deles. Eu olho a
procura de John, Sam ao meu lado.
— Me desculpe, Seis, mas você não conseguiu.
É Ella. Ela está parada ao meu lado, olhando para mim com
aqueles olhos vazios, com exceção da energia lórica. Eu devo
parecer fraca novamente, porque Sam me envolve em seus braços,
me segurando.
— Não consegui o quê?
— Matá-lo – Ella responde. — Você o machucou gravemente,
mas... eu ainda posso senti-lo. Setrákus Ra está vivo.

37
UNIDOS SOMOS UM

assim que estou abordo da nave, bernie kosar para


na minha frente. Seu rabo cai para entre suas pernas, e ele estica as
patinhas da frente, arqueando sua coluna, sua cabeça para baixo. É como
se ele estivesse fazendo uma reverência para mim, ou esperado que eu o
bata com um jornal enrolado. Bem lá do fundo, ele deixa escapar um
uivo baixo e fúnebre.
Me leva um segundo para perceber o motivo dele estar agindo assim.
Lá em Chicago, a última vez que vi Sarah, eu enviei BK com ela. Eu disse
para BK mantê-la a salvo.
Por Deus, BK, não é sua culpa, eu digo para ele telepaticamente. Eu me
abaixo, coloco meu braço ao redor de seu pescoço peludo e o abraço com
força. BK baba em todo o meu rosto com suas lambidas e depois uiva.
Lágrimas se formam no canto dos meus olhos, as primeiras que
apareceram desde que eu ouvi a voz de Sarah desaparecer no meu
telefone.

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UNIDOS SOMOS UM

As lágrimas não são para mim. Primeiro, Seis, e agora, BK – a culpa


que eles estão sentindo, me quebra. Sarah também era amiga deles,
também. Eles estão sentindo esta perda da mesma forma que eu, e as
coisas pioram por eles pensarem que estão me magoando, que eu vou
culpá-los. Eu deveria ter falado com Seis, deveria ter lhe dito algo a mais,
mas eu simplesmente não consegui encontrar as palavras. Eu deveria ter
dito a ela que há apenas duas pessoas que eu considero responsáveis
pelo o que aconteceu com Sarah.
Setrákus Ra.
E eu.
Eu nunca fui bom em expressar esse tipo de sentimento, de falar
sobre mim mesmo, de meus medos e fraquezas. Na verdade, há uma
única pessoa com quem eu sempre me senti à vontade para conversar
sobre esses assuntos.
Sarah.
Eu me levanto, caminho para dentro da nave e a vejo. Na pouca
iluminação da nave, deitada numa cama, com um lençol a cobrindo até
o queixo – parece que ela está dormindo. Seu cabelo loiro está espalhado
no travesseiro abaixo dela. Sua pele está pálida, tão pálida, as cores
drenadas de seus lábios. Eu começo a andar com a impressão de que
estou num sonho.
Mark James está aqui, também, sentado perto da cama de Sarah. Ele
se levanta enquanto eu me aproximo, e eu estou pouco atento pelo olhar
assassino que ele carrega no rosto. Por um segundo, eu penso que ele
entrará no meu caminho. Olhando para mim ele deve ter pensado
melhor, porque ele dá um passo para o lado rapidamente. A raiva em
seus olhos é substituída por curiosidade, como se eu fosse um animal
estranho.
Ou pelo fato de eu ser um extraterrestre, capaz de fazer coisas que ele
possivelmente não consegue compreender.

39
UNIDOS SOMOS UM

Ele não diz nada quando eu me ajoelho perto de Sarah. Eu retiro o


lençol de cima do corpo dela, e ele cola no lado dela onde o sangue de
seus ferimentos secou. Ela está toda machucada.
Eu sinto que deveria chorar. Ou gritar. Mas tudo o que consigo sentir
realmente é o vazio.
E então eu sinto minhas mãos se esticarem, sozinhas, agindo numa
combinação de instinto e desespero. Eu pressiono seus machucados, sua
pele fria abaixo de meus dedos, deixando minha energia de cura fluir
para dentro dela. Quando Sarah e Ella foram atingidas por tiros de
canhões na Base de Dulce, eu consegui curá-las. Elas estavam quase
morrendo, e eu as puxei de volta. Talvez... talvez ainda haja esperança
agora.
Minhas mãos esquentam. Elas brilham. A pele pálida de Sarah de
repente está tingida de rosa, e meu coração acelera um pouco.
É um truque da luz. Meu Legado não está funcionando. Não sobrou
nenhuma faísca de vida dentro de Sarah para ser reacendida.
Eu deixo o Legado se dissipar. Agora que eu vi os ferimentos de Sarah
em primeira mão, as visões horríveis que me aterrorizaram durante as
horas que eu esperei se foram. Elas se tornaram reais. Com minhas mãos
trêmulas, eu cubro o corpo de Sarah com o lençol.
Os detalhes mórbidos não são os que chamam minha atenção. Não
são eles que irão ficar comigo. É o rosto dela – tingido de azul na luz
fraca. Ela não parece que está sentido dor; não há nenhuma marca de
expressão em seu rosto e seus olhos estão fechados. Os lábios de Sarah
estão eternizados num sorriso quase curioso. Eu me inclino e
gentilmente beijo esse sorriso, não ficando surpreso pelos gélidos lábios.
E então eu abaixo minha cabeça, descansando em seu peito.
Provavelmente parece que estou procurando por algum batimento
cardíaco, mas eu estou apenas me despedindo.

40
UNIDOS SOMOS UM

Eu não choro. Ela não iria querer que eu fizesse isso. Mas a insônia
que eu estava sentindo antes, desapareceu agora. Eu sinto como se eu
finalmente pudesse descansar, bem aqui, com Sarah.
— Então é isso?
Mark. Eu havia esquecido completamente que ele estava aqui comigo.
Eu levanto minha cabeça e me viro lentamente, sem me levantar. A
cabeça de Mark está inclinada; ele está me encarando, seus punhos
cerrando e voltando ao normal.
— O quê? – eu pergunto, surpreso pelo tom cansado de minha voz.
— Eu disse, então é isso? – ele repete, as palavras mais fortes agora.
— Isso é tudo o que você vai fazer?
— Não há mais nada que eu possa fazer, Mark – eu respondo com um
suspiro. — Ela se foi.
— Você não pode trazer de volta os mortos?
— Não. Eu não sou um deus.
Mark balança a cabeça como se ele esperasse essa resposta e mesmo
assim fica desapontado. — Merda – ele diz para si mesmo, e então me
olha diretamente nos olhos. — Para que droga você serve então?
Eu não vou fazer isso com ele. Não aqui. Não vou. Eu me levanto
devagar, olho uma última vez para Sarah e ando em silêncio em direção
da rampa da nave.
Mark entra no meu caminho.
— Eu te fiz uma pergunta – ele diz.
Por um momento, seu tom de voz me lembra os velhos tempos em
Paradise High. Eu sei que esse não é o mesmo idiota que atormentava a
mim e ao Sam – agora e possuí um olhar selvagem, cabelos rebeldes e
roupas imundas que iriam envergonhar o antigo Mark James. Mas ele
ainda mantém aquele tom de voz de macho-alfa. Faz com que ele pareça
ser mais alto do que realmente é.
— Mark – eu digo com advertência.
— Você não pode simplesmente sair assim – ele responde.

41
UNIDOS SOMOS UM

— Saia do meu caminho.


Ele me empurra. O contato me surpreende e faz com que eu tropece
alguns passos para trás. Eu o encaro.
— Você está com raiva; está em luto... – eu digo para Mark, mantendo
minha voz baixa o suficiente para não começar a gritar com ele. Como
se eu não estivesse sentindo a mesma coisa. Como se eu não quisesse
socar uma parede. —Mas isso – nós? Brigar por nenhum motivo? Isso
não vai acontecer.
— Oh, me poupe de sua rotina, John – Mark diz. —Eu estava lá
quando ela morreu. Eu. Não você. Ela passou os últimos momentos dela
na droga do telefone com você, dizendo coisas fofas. Você. O cara que
causou a morte dela.
Me dói ouvir Mark dizer o que eu já estava pensando.
— Estávamos apaixonados – eu o digo.
Mark revira os olhos para mim. — Talvez. Talvez você realmente
estivesse. Mas – vamos lá. Um garoto novo misterioso chega na cidade,
e oh, ele possuí superpoderes. E oh, ele está tentando salvar o mundo.
Qual garota não iria ficar boba por essa droga, hein? Merda, olha para
mim, parado aqui. Olhe para o idiota do Sam Goode. Todos nós fomos
sugados para seu vórtex de sofrimento.
— Ela não caiu em besteira alguma. Eu não a enganei – minhas
palavras estão mais fortes agora. Ele está começando a me irritar. —
Estávamos apaixonados antes – antes dela mesmo saber sobre mim e
sobre o que eu sou.
— Mas você sabia! – Mark grita, dando um passo em minha direção.
— Você sempre soube o que significava estar perto de você e você – você
continuou com ela mesmo assim! Por todas aquelas cidades que você
viajou antes de Paradise, quantas – quantas outras garotas morreram?
Eu balanço minha cabeça, perdendo a linha de pensamento de Mark
e do que ele está tentando provar. — Não houveram-

42
UNIDOS SOMOS UM

— Exatamente! Você ficou na sua porque sabia que estar perto de você
era assinar uma sentença de morte. Até Sarah. Você não conseguiu
deixá-la sozinha. Você ficou egoísta, ou solitário, ou qualquer coisa, e
você – você a matou. Ela estaria viva e feliz se você tivesse se mudado
proutra cidade, John. Sim, toda essa invasão ainda estaria acontecendo,
mas eu tenho a impressão de que as naves de guerra Mogadorianos
estariam bem longe de Paradise. Sem você, sem essa droga toda, ela pelo
menos teria uma chance.
Eu não sei como responder. Parte do que Mark está dizendo é
verdade, mas ignora a maioria das coisas que eu e Sarah
compartilhamos. Talvez fosse egoísmo de minha parte se envolver com
ela, com exceção de que toda vez que eu a afastei ela voltou. Ela tomou
suas próprias decisões. Ela foi forte e me tornou mais forte. E ela foi a
primeira pessoa na Terra que me fez sentir como se eu tivesse a chance
de ter uma vida normal, como se existisse algo a mais do que uma fuga
e uma luta sem fim. Sarah me deu esperança. Mas eu não tenho palavras
para explicar isso a Mark, e eu não quero. Eu não preciso me defender.
— Você está certo – eu digo friamente, esperando que isso seja o
suficiente para acabarmos.
— Eu estou – eu estou certo? – Mark pergunta incredulamente,
arregalando os olhos. — Você acha que isso é o que eu quero ouvir?
Eu suspiro. — Mark, a verdade é que, eu não me importo com o que
você quer. Eu nunca me importei.
Ele me dá um soco. Eu vejo o movimento vindo de longe, mas eu não
me incomodo em me defender. É um soco que acerta meu estômago e
faz com que eu perca o fôlego. Não é a primeira vez que Mark me dá um
soco, e ele é forte – talvez um pouco mais do que eu me lembre. Mas eu
levei vários tiros nos últimos meses, mais fortes do que Mark possa
imaginar, e esse eu mal sinto.
Quando eu não reajo ao primeiro soco, Mark tenta um segundo.
Porém, ele não está com vontade. Ele levanta o braço em direção à

43
UNIDOS SOMOS UM

minha cabeça mas parece desistir no último momento, e seu punho


simplesmente acerta me queixo. A força de seu próprio soco leva Mark
para o lado, onde ele tropeça em uma das camas vazias, caindo sentando
numa posição estranha.
Ele fica lá, olhando para o chão, e solta longos suspiros. Eu posso dizer
que ele está tentando não chorar.
— Você se sente melhor? – eu pergunto, esfregando meu rosto.
— Não – ele responde. — Não me sinto melhor.
— E quando acabarmos com essa guerra e destruirmos cada Mog que
entrar no nosso caminho? Você vai se sentir melhor então?
Mark olha para mim, e o que eu vejo em seu rosto me surpreende. É
pena. Eu percebo que o que eu acabei de dizer não é realmente uma
pergunta para ele. É uma pergunta para mim. Eu estou com um pouco
de medo de encontrar a resposta.
— Isso não irá trazê-la de volta – ele diz.
Eu não respondo. Eu dou uma última olhada em Sarah e sigo em
direção da saída da nave. No vão da porta, eu paro e me viro.
— Você faria algo por mim? – eu o pergunto, minha voz baixa.
Mark está com seu polegar sobre o dedo indicador. — O quê?
— Eu vou pedir para nossos amigos militares um veículo emprestado.
Estamos a apenas algumas horas de Paradise. Você...? – minha voz
some, e eu seguro um dos metais gelados da porta. — Você a levaria para
casa?
Mark bufa. Quando ele fala, a amargura em seu tom de voz volta. —
Claro, John. Sei que você está ocupado, então eu farei a parte difícil para
você. Devo dizer para a mãe dela que você mandou lembranças?
Eu fecho meus olhos, respiro fundo e suspiro.
— Obrigado, Mark – eu digo sem sentir nada, e então eu saio,
deixando ele e o corpo de Sarah para trás. Eu desço a rampa da nave e
atravesso o gramado, seguindo em direção da cabine que atualmente
esconde a melhor esperança para a sobrevivência da humanidade. O sol

44
UNIDOS SOMOS UM

está nascendo, um feixe de luz alaranjado no horizonte, atingindo a água


azul do lago. Eu penso no rosto pálido de Sarah, em seus lábios frios, e
então me lembro de como o sol filtraria seu cabelo loiro e ela se viraria
para mim num momento como esse e seguraria minha mão, cruzando
nossos dedos da forma que ela fazia, e nós aproveitaríamos a cena
juntos.
Eu afasto essas memórias. Enterro elas profundamente. Eu entro na
cabine com um propósito, apenas um.
Eu costumava pensar que poderia haver mais para mim além de fugir
e lutar.
Agora tudo o que sobrou é matar.

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UNIDOS SOMOS UM

quando acordo, me leva um momento para perceber


onde diabos eu estou. Alguns quadros ruins de motel me encaram
das paredes com acabamento de madeira. Estou toda coberta por
um lençol amarrotado. Devo ter me mexido loucamente durante a
noite. Porém, me parece que dormi apenas por algumas horas.
O Patience Creek Bed & Breakfast. Um antigo esconderijo espião
dos tempos da Guerra Fria. Sam me inundou com os detalhes
enquanto ele me carregava até aqui. Eu estava tão exausta e
cansada, que estou bastante surpresa por ter absorvido tudo o que
ele me tinha me dito.
Sam.
Ele está perto de mim. No outro lado da cama. Já acordado e se
levantando, seus pés no chão, de costas para mim. Ele não percebeu
ainda que eu estou me mexendo. Sam se espreguiça e boceja. Ele
tirou sua camisa para dormir, e eu o observo alcançar a camisa cinza

46
UNIDOS SOMOS UM

desgastada que está pendurada nas costas de uma cadeira e a vejo


flutuar em direção dele com sua telecinese.
Eu sorrio. É difícil acreditar que esse é o mesmo garoto que corria
confuso nos corredores de Paradise High quase se matando na noite
em que nos conhecemos. Isso não faz muito tempo, mas tanta coisa
mudou desde então. Sam ainda é magrelo, embora há agora uma
camada desconexa de músculos nele. E também há as cicatrizes,
frescas e rosadas em seus pulsos e antebraços, resultados das
torturas que ele sofreu nas mãos de Setrákus Ra.
Eu coloco minha mão nas costas de Sam e desço seguindo a linha
de sua coluna. Ele pula, perde a concentração, e sua camisa cai no
chão.
— Bom dia – eu digo, baixinho. — É manhã, né?
— Quase meio-dia – Sam responde enquanto ele se vira para olhar
para mim com um sorriso. Seus olhos me observam por um
momento, mas então ele percebe e desvia o olhar timidamente.
Me ocorre então que não estou usando nenhuma roupa.
Agora eu me lembro do que aconteceu. Depois de Ella me dar a
notícia de que eu não matei Setrákus Ra, eu quase desmoronei.
Assim que Sam me trouxe para seu quarto, ele me encorajou a tomar
um banho, e eu tomei, lavando a poeira do que costumava ser o
Santuário junto com o sangue seco de Sarah. Eu me lembro
claramente da forma que a sujeira se juntou ao redor de meus dedos
dos pés e foram embora ralo abaixo. Eu inalei o vapor e pressionei
minha testa contra a parede de azulejos, deixando minha pele
enrugada e avermelhada por causa do calor.
E então, em algum momento, eu me enterrei na cama. Sam tentou
ficar acordado, eu acho, mas ele não conseguiu. Ele não havia me
deixado nada limpo para eu me vestir, então...
— Eu deixei algumas roupas em cima da mesa – Sam diz
cautelosamente.

47
UNIDOS SOMOS UM

— Oh, eu acho que você deixou – eu digo alto. Uma túnica


folgada e florida e um jeans que perigosamente pareciam bocas de
sino me esperam do outro lado do quarto. Eu acho que estamos
pegando qualquer roupa disponível no esconderijo. Pelo menos elas
estão limpas.
— Eu, hum, bem, você praticamente desmaiou de sono aqui... –
Sam continua estranhamente. — Eu não queria te acordar. Me
desculpe se – hum – de qualquer forma, nós podemos arranjar um
quarto só para você...
— Está tudo bem Sam, relaxe – eu respondo enquanto me
levanto, não sendo realmente modesta. Eu me aproximo
timidamente dele, coloco um dos meus braços ao redor do ombro
dele e o outro em seu peito, abraçando-o com força. Sua pele é
quente contra a minha.
— Depois do que aconteceu, eu pensei que você iria... eu não sei.
Tentar me afastar novamente – Sam diz baixinho, meio distraído,
provavelmente por eu estar beijando-o na nuca.
— Nem pensar – eu respondo.
— Que bom – ele murmura.
Tudo bem, então talvez esse não seja o momento apropriado. Eu
ainda tenho muitas coisas na minha mente e na minha consciência,
mas se eu aprendi alguma coisa com o John e com a Sarah foi que
você tem que abraçar esses momentos, não correr deles. Você
nunca sabe quando pode ser sua última chance.
É claro, somos interrompidos mais ou menos dois minutos depois
com uma batida na porta. Sam pula da cama como se ele fosse pego
fazendo coisas erradas, coloca sua camisa e vai até a porta. Ele olha
para mim, e eu sorrio, me cobrindo até o queixo com o lençol.
Sam abre a porta de uma vez. Estou surpresa por ver os dois
jovens gêmeos que eu havia notado quando nos aterrissamos,

48
UNIDOS SOMOS UM

aqueles que estavam com o General Lawson que Sam me disse estar
no comando.
Um deles apenas encara Sam, parecendo uma estátua. O outro
parece mais amigável, mas ainda assim economiza nas palavras,
enquanto anuncia: — Haverá uma reunião.
— Tudo bem – Sam responde. — Nós sairemos em um minuto.
Os gêmeos levantam uma sobrancelha em uníssono quando Sam
usa a palavra “nós”. Ele fecha a porta na cara deles.
— Acho que estamos dentro – ele diz.
— De volta para a guerra – eu respondo com um sorriso doce-
amargo.
Enquanto eu começo a me vestir, eu gesticulo minha cabeça na
direção da porta. Há muito sobre nossa situação que eu ainda não
sei. Melhor ter respostas para minhas perguntas antes de irmos para
essa reunião militar.
— Qual é a dos gêmeos?
— Caleb e Christian – Sam diz os nomes e dá de ombros. — Eles
são do tiro de guerra. Eles são LANTs.
— Eles são o quê?
Sam sorri. — Eles são LANTs. Não sei porque pensei que você iria
saber o significado das novas siglas que o governo inventou.
Significa Legados Afligidos a Nativos Terráqueos.
— Afligidos? – eu pauso para pensar. — Essa palavra soa como se
fosse algo ruim.
— É, eles usam “melhorado” em vez de “afligidos” quando vocês
Garde estão por perto, mas meu pai viu um dos e-mails internos –
Sam dá de ombros se desculpando, como se ele fosse o embaixador
representando toda a humanidade. — Eu acho que as pessoas no
comando não têm ainda tanta certeza se o desenvolvimento de
Legados em um bando de seres humanos adolescentes é uma coisa
boa. Eles estão preocupados com um possível efeito colateral.

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UNIDOS SOMOS UM

— É, um desses efeitos colaterais é que isso torna tudo mais difícil


para os Mogs atirarem na sua cara.
— Qual é, eu sei disso – Sam responde. — Pro homem médio,
certo? É muita coisa para se pensar. Quero dizer, temos duas
espécies de forma de vida inteligente para tomarmos conta, e isso
vem antes de sabermos como vocês nos mutaram.
Eu levanto uma sobrancelha.
— Nos mutado de uma forma boa – Sam completa.
— Então, o que os gêmeos fazem? – eu pergunto.
Sam dá de ombros. — Apenas telecinese, pelo que sei.
Já estou trocada, mas ainda tenho mais perguntas. Eu paro na
entrada da porta com minhas mãos no meu quadril.
— Então... sobre o Lawson. Qual é a dele?
— Ele era o presidente da Joint Chiefs na década de noventa, eu
acho. Aposentado.
Eu olho para Sam sem entender.
— Presidente da Joint Chiefs é, tipo, a posição militar de maior
hierarquia na América. Reporta diretamente ao presidente e tudo
mais – Sam esfrega sua nuca. — Eu não sabia o que era também, e
olha que eu nasci nesse planeta.
— Ok, então o que aconteceu com o presidente atual?
— Ele fazia parte do ProMog. Eles trouxeram Lawson de volta
porque ele estava aposentado fazia tanto tempo que ninguém se
incomodou em ir tentar corrompê-lo.
— Falando no ProMog, eu vi a Agente Walker andando por aqui
também, ontem à noite – eu digo, um pouco baixo. — Você confia
nela? Você confia nesse tal de Lawson?
— A Walker é confiável. Ela lutou do nosso lado em Nova Iorque.
Quanto ao Lawson...

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UNIDOS SOMOS UM

Sam dá de ombros. — Eu não sei. É difícil para mim confiar em


qualquer tipo de organização depois do ProMog, mas eles têm que
ser loucos para se virarem contra nós agora...
Enquanto Sam fala, uma velha TV que está sob uma escrivaninha
perto da parede de repente ganha vida com uma explosão de
estática. Nós dois viramos na direção dela.
— Que diabos? – eu pergunto.
Sam esfrega sua têmpora. — Esse velho lugar é muito estranho.
Essa TV provavelmente está cheia de aranhas.
— Ou câmeras escondidas.
Sam sorri para mim. — Eu espero que não. De qualquer forma,
eu não acho que eles estão organizados o suficiente para estar nos
espionando.
Sam vai até a TV e aperta o botão para desligá-la. Nada acontece.
— Vê? Está quebrada – ele diz, antes de dar uma batida na lateral
dela. — Vamos lá!
Quando ele fala, todos os eletrônicos da sala – a TV, o abajur, o
telefone antigo – todos eles ganham vida por um segundo. Um
pouco de estática da TV, uma fagulha de luz do abajur, um toque do
telefone. Sam não percebe. Ele está muito ocupado desconectando
a TV, que finalmente desliga.
— Tá vendo? Loucura. Esse lugar é uma droga.
Eu o encaro. — Sam, não é afiação. É você.
— O que sou eu?
— Você acabou de fazer isso com os eletrônicos – eu o digo. —
Eu acho que você está desenvolvendo um novo Legado.
As sobrancelhas de Sam se levantam, e ele olha para suas mãos.
— O que? Mas já?
— É, eles aparecem bem rápido depois que a telecinese se
desenvolve – eu respondo. — Você lembra daquele garoto naquele
sonho compartilhado de Ella? O Alemão.

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UNIDOS SOMOS UM

— Bertrand – Sam diz, se lembrando do nome dele. — Daniela


desenvolveu mais um também. Eu acho que não esperava que
aconteceria comigo tão rápido. Ainda estou me acostumando a ser
telecinético.
Eu não sei quem é Daniela, mas eu assinto de qualquer forma. —
A Entidade sabia que o mundo precisa de proteção rapidamente.
— Huh – Sam diz, ponderando. — Então, deve ter algo a ver com
os eletrônicos.
Ele se vira para a TV e impulsiona suas palmas na direção dela. Ele
consegue emitir um som telecinético que desliga a TV, derrubando-
a no chão.
— Opa.
— Bem, você dominou a telecinese, pelo menos.
Sam se vira para mim. — Se você estiver certa, como eu o faço
funcionar?
Antes que eu possa dizer a Sam que não tenho ideia, somos
interrompidos por outra batina na porta. Um segundo depois, a voz
abafada de um dos gêmeos nos alcança.
— Uh, o que quer que vocês estejam fazendo aí, poderia esperar?
O General Lawson nos disse que se não reuníssemos o pessoal logo,
seria o nosso fim.
Eu troco um olhar com Sam. — Nós falamos disso mais tarde – eu
digo.
Ele assente, e nós abrimos a porta para nos juntarmos aos dois
cadetes militares. Enquanto seguimos pelo corredor, Sam encara
cada luz acima de nós como se fossem inimigos que precisam ser
derrotados.

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UNIDOS SOMOS UM

sem muita conversa, os gêmeos nos levam através


de corredores sinuosos do subnível. Logo estamos do lado de fora
da sala de conferência, e Malcolm chega ao mesmo tempo, vindo de
um corredor diferente e acena para nós. Os gêmeos entram
correndo, provavelmente com medo de estarem atrasados,
enquanto os Goode e eu hesitamos do lado de fora.
Malcolm coloca gentilmente uma das mãos em meu ombro. —
Como você está, Seis?
Eu consigo sorrir. — Estou me apoiando ali – eu olho para Sam, e
o sorriso não parece tão forçado agora. — Seu filho está me
ajudando a segurar as pontas.

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UNIDOS SOMOS UM

Sam fica vermelho e se vira rapidamente. Malcolm dá umas


batidinhas nas costas dele.
— Bom, bom – ele diz. — Em tempos como esse, precisamos nos
apoiar.
— Como está Marina? – eu pergunto a Malcolm. Na última vez
que a vi, ele estava levando ela para dentro do complexo numa
maca.
— Os médicos dizem que os batimentos cardíacos dela estão
fortes, e ela acordou há alguns momentos para comer – Malcolm
responde. — John a curou, sim, mas quando o dano é severo como
aquele, não adianta apressarmos. Ela precisa repousar.
— Seis estava perguntando sobre o Lawson – Sam diz para seu
pai, aumentando sua voz. Ele olha para mim. — Meu pai estava com
o pessoal de Walker em Ashwood até todos eles evacuarem. Então
você estava... onde mesmo?
— Na Base Liberdade. Eu conheci o presidente – Malcolm diz com
um sorriso orgulhoso. — Ele me disse que era um grande fã dos
meus textos sobre comunicação intergaláctica.
— O presidente, ele está aqui agora? – eu pergunto.
— Não, eu deixei a Base Liberdade com muita pressa para me
juntar a vocês, mas ouvi que eles iriam continuar mudando Jackson
de lugar. Jeito mais seguro.
— Em fuga – eu digo. — É. Já fiz isso.
— Um fato interessante que eu percebi... – Malcolm abaixa seu
tom de voz, embora não haja ninguém a mais aqui. — A filha do
presidente, Melanie, ela é igual vocês.
Minhas sobrancelhas levantam. — Fala sério! Quando ela vai se
juntar à nós?
O sorriso de Malcolm se estreita. — Eu não acho que isso vai
acontecer. Mas pelo menos significa que temos o presidente do
nosso lado.

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UNIDOS SOMOS UM

— E Lawson fala diretamente com ele... – Sam traz seu pai de volta
para o assunto sobre o qual estávamos conversando.
— Ah, certo. Bom, ele é um cara imprevisível – Malcolm diz
pensativo. — Parece um atirador certeiro, embora do tipo piedoso.
Um dos antigos, como eles dizem. Pelo menos, todos queremos a
mesma coisa.
— Sim, Mogs mortos – eu respondo, e gesticulo em direção da
sala de conferência. — Vamos ver o que ele tem a dizer.
Na hora que entramos, a maioria do pessoal do nosso grupo já
está sentado em volta de uma longa mesa oval. John está sentado
em um dos cantos, um pouco inquieto. Lexa está sentada ao lado
dele, ambos no meio de uma conversa apressada. Lexa segura
alguma coisa para John inspecionar, e eu reconheço como um dos
dispositivos de camuflagem que resgatamos no México. Essa é
nossa chave para atravessar os escudos que cercam cada nave de
guerra Mogadorianos.
O olhar de John se fixa na minha direção enquanto eu entro, e eu
praticamente congelo. Ele assente para mim, e assim que eu assinto
de volta ele imediatamente volta para sua conversa com Lexa. Eu
acho que estamos focados na tarefa e deixamos o luto para depois.
Ótimo.
Nove está sentado do outro lado de John, e Ella está perto dele.
Seus olhos não pararam de brilhar, o que está atraindo o olhar de
vários militares que estão na sala. Assim que nos sentamos, Nove se
inclina para Ella.
— Então, brilhinho, agora isso é uma coisa permanente ou você
pode pará-la?
Eu estudo Ella esperando uma reação. Estou feliz por ver um
pequeno sorriso envergonhado aparecer em seu rosto. A garota
costumava ter uma queda pelo Nove, e a reclamação dele sobre o
brilho perpétuo parece atingi-la. Então ainda há um pedacinho da

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UNIDOS SOMOS UM

velha Ella viva. Antes de responder Nove, Ella se concentra, e a


energia de cobalto que está em seus olhos diminui um pouco.
— Melhorou? – ela pergunta a ele.
— Apenas me lembre de carregar um óculos de sol quando você
estiver por perto – Nove responde.
Ella sorri, dessa vez com mais facilidade, e se inclina na direção de
Nove.
— Seis – Sam me cutuca. — Essa é Daniela. Nós a conhecemos
em Nova Iorque.
Do outro lado da mesa em minha direção há uma garota sentada
com cabelos trançados que eu notei pela primeira vez na reunião
que aconteceu no sonho de Ella, e então novamente ontem à noite.
Ela acena timidamente, parecendo mais do que um pouco
desconfortável por estar sentada nessa sala.
— Bom conhecer você – eu digo. — Sam disse que você já
desenvolveu mais um Legado além da telecinese.
— Eu atiro raios pelos olhos que aparentemente transformam as
coisas em pedras – Daniela diz. Ela balança a cabeça, suas tranças
acompanham. — Eu teria mudado meu corte de cabelo, pelo menos,
se eu soubesse que seu povo iria me dar um Legado tão estúpido.
— Eu saquei – Nove diz, apontando para ela. — Por causa da
Medusa.
— É, bobão - Daniela diz, revirando os olhos. — Você sacou.
— Eu gosto dela – eu digo para Sam.
Embora ninguém nos forçou a escolher assentos opostos na
mesa, há uma linha clara de divisão entre nós e os militares que são
pelo menos três para um. Todos eles estão no fim da mesa, onde
Lawson senta na ponta. A mais próxima da nossa parte da mesa é
Walker, uma humana, e ambos assentos dos lados dela estão vazios.
Ela encara anotações que estão sobre a mesa, nenhum dos outros
militares fazendo algum esforço para conversar com ela.

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UNIDOS SOMOS UM

Os gêmeos estão sentados um pouco mais atrás, cada um de um


lado de Lawson. Eles parecem guarda-costas. Droga, me ocorre que
a maioria das pessoas nessa sala estão armadas e protegeriam um
cara como Lawson antes de nós. Além dos oficiais sentados na mesa,
há um bando de soldados espalhados pela sala encostados nas
paredes, seus rifles apontados para baixo, mas ainda assim bem
carregados e prontos para uso. Eu tenho quase certeza que
cuidaríamos disso, armas e tudo, mas isso não significa que eu não
esteja um pouco preocupada por estar cercada por todo esse poder
de fogo.
Na parede atrás de Lawson há uma tela touch-screen gigante que
mostra um mapa do mundo. Há zonas assinaladas com assinaturas
vermelhas brilhantes: Nova Iorque, Los Angeles, Londres e mais
umas vinte. Deve ser onde estão as naves de Setrákus Ra. Depois,
apenas nos Estados Unidos, há vários pontos verdes, bem menores
do que as naves, porém mais numerosos. Assim que olho mais de
perto, eu percebo que todos esses pontos formam círculos ao redor
dos pontos Mogadorianos. Essas devem ser as celas de que Caleb
estava falando, pequenas, porém organizadas e prontas para
rebater.
Quando eu olho para baixo da tela, eu pego Lawson me
estudando. Ele me observou enquanto eu tentava entender seu
mapa. Ele me dá um pequeno aceno antes de mudar sua atenção
para o resto da sala.
— Acho que estão prontos para começarmos – Lawson anuncia,
seu tom de voz casual, porém carregado com um sotaque sulista.
Todas as conversas paralelas imediatamente se silenciam.
Eu olho em volta. Mark e Adam ainda não apareceram. Eu abro
minha boca para dizer algo, mas o discurso de Lawson já começou.
— Para aqueles que ainda não me conhecem, meu nome é
General Clarence Lawson – o General claramente direciona isso para

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UNIDOS SOMOS UM

nosso grupo, desde que não há dúvidas de que seu pessoal o


conhece bem. — Autoridade máxima foi garantida a mim pelo
presidente para coordenar a responsabilidade do país com relação à
invasão Mogadorianos.
Lawson pausa e espera por uma resposta. Nenhum de nós se
pronuncia. Pessoalmente, eu não tenho certeza do que ele espera
de nós. Nossa própria apresentação? Eu olho para a mesa e vejo
John olhando diretamente para o General, esperando que ele
continue.
Lawson cruza seus braços e pigarreia. — Me digam se eu for
rápido demais para vocês – ele diz com um sorriso seco. — Eu não
sou um homem que gasta palavras, e eu frequentemente não
direciono estratégias para adolescentes civis, sejam eles
extraterrestres ou não.
— Você não vai ser rápido demais para nós – John diz, mantendo
seu olhar fixo.
Lawson assente uma vez e então olha para os humanos sem
poderes que estão na sala. — E para o resto de vocês, mantenham
em mente que esses jovens já mataram mais alienígenas hostis do
que todos os soldados do nosso serviço juntos. Respeitem isso e
respeitem a presença deles.
Eu não sei o que dizer sobre esse cara. Em um minuto ele está nos
zombando por sermos jovens e depois está nos vangloriando para
seu povo. Talvez ele seja apenas um daqueles caras que tentam
manter todos firmes através da negatividade.
Lawson pega um tablet e aperta um botão. Um cronômetro
aparece na tela atrás dele, em vermelho e em negativo.
— Estamos a aproximadamente dez horas da proposta de morte
ou redenção incondicional de Setrákus Ra, o que inclui uma
demanda de entregar todos os chamados de “Garde renegados” ou
chamados também de LANTs. Para nosso conhecimento, apenas

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UNIDOS SOMOS UM

Moscou concordou com esse ultimato. O governo russo começou a


prender dezenas de jovens noite passada. Nossos agentes relataram
que a maioria deles não chegaram nem a manifestar qualquer tipo
de Legado e que são manifestantes contra o governo e que a
administração viu como uma oportunidade de se livrar deles
enquanto ao mesmo tempo de acalmar os inimigos.
— Alguma coisa terá de ser feito a respeito disso – John interfere.
Sua voz é calma, porém autoritária.
— Concordo. Embora abusos humanitários por outros governos
terão de ser tratados em segundo plano – Lawson responde. —
Francamente, deveríamos nos considerar sortudos de que apenas os
russos reverenciaram aos inimigos. Temos sido capazes de nos
comunicar com a maioria dos aliados internacionais e encorajá-los a
evacuar as cidades ameaçadas pelas naves de guerra enquanto
secretamente organizamos forças de contra-ataque até
conseguirmos atravessar os escudos Mogadorianos. Entretanto, se
Setrákus Ra cumprir com suas promessas de ataque – e elas são dos
níveis idênticos aos de Nova Iorque e Beijing – eu não tenho tanta
certeza se esses países vão conseguir aguentar. Acho que todos
podemos concordar de que estamos trabalhando contra o tempo.
Não é se Setrákus Ra cumprir suas promessas, mas sim quando.
À menção de Nova Iorque, Daniela pigarreia alto. John olha para
ela, e então de volta para Lawson.
— Qual é a situação de Nova Iorque? – ele pergunta.
— A mesma – Lawson responde. — Tropas Mogadorianos estão
em Manhattan, com nossas forças trabalhando na triagem e na
evacuação nos bairros mais afastados. Também não é uma
prioridade nesse momento, a menos que a nave de guerra retorne.
Daniela não mostra reação quanto as novidades. Com a avaliação
de Lawson, seus lábios caem e ela começa a tamborilar com os dedos
na mesa, como se ela precisasse descarregar alguma coisa. Eu me

59
UNIDOS SOMOS UM

pergunto se ela perdeu a família em Nova Iorque ou se eles ainda


estão presos lá.
— Vocês estão rastreando a Anúbis? – John pergunta.
— Estamos. Depois de atacar seu povo no México, a nave
Mogadorianos não voltou para Nova Iorque. Nosso rastreamento
mostra que ela está em West Virginia sobre uma montanha no
Parque Estadual Hawks Nest. Alguns agentes ProMog que
interrogamos indicaram que esse lugar é—
— Sim, sim – interrompe Nove, claramente tediado. — Muitos de
nós tivemos a chance incrível de ficarmos presos naquele lugar uma
vez ou outra. A maior base deles.
Quando Nove acaba seu comentário, Lawson observa o silêncio
que seguiu. Atrás dele, os gêmeos se arrepiam com a interrupção.
Lawson encara Nove como se ele fosse um cadete rebelde, mas
Nove nem percebe. Ele volta a fazer rabiscos em um papel do
exército americano.
— Estamos cientes dessa base – John diz diplomaticamente. Ou
talvez sem emoção. — Nós nos infiltramos lá uma vez antes, mas
nunca tivemos recursos para atacarmos apropriadamente até agora.
Lawson assente e parece prestes a responder. Antes que ele
consiga, eu me inclino para observar Ella. Talvez ela saiba porque a
nave está estacionada em West Virginia e porque ele ainda não
cumpriu nenhuma de suas promessas.
— Ella, porque Setrákus Ra estacionou a Anúbis lá? O que... o que
ele está esperando?
Todos os olhares se voltam para Ella, embora a maioria dos
militares parecem estar desconfortáveis por estarem colhendo
informações importantes de uma adolescente com olhos
incandescentes. Ella parece igualmente desconfortável com toda a
atenção voltada para ela, e ela emite uma faísca inofensiva de
energia Lórica quando ela abre a boca para responder.

60
UNIDOS SOMOS UM

— Você quer...? – ela hesita. — Você quer que eu faça contato


com ele?
— Eita, pera aí – eu digo.
— Você pode fazer sem que ele perceba? – John pergunta. —
Sem se colocar em perigo?
— Acho que sim. Se eu for rápida – Ella diz, e antes de qualquer
um de nós protestarmos, ela fecha os olhos. O brilho que emana da
sua pele se intensifica mais uma vez.
Todos na sala ficam em silêncio, observando Ella cautelosamente.
Parece um pouco com uma sessão espírita.
— Ela é uma telepata – Sam explica, olhando para as expressões
diversas.
Com um suspiro, Ella abre os olhos. A maioria das pessoas dá um
pulo, incluindo eu. Eu não pude evitar. Ella está um pouco
assustadora.
— Você está bem? – John pergunta.
Ella assente, respirando fundo. — Ele quase me sentiu – ela diz,
uma nota de orgulho em seu tom de voz. — A mente dele está
ocupada. Ele foi ferido gravemente – ao dizer isso, Ella olha para
mim, e meu estômago se embrulha. — Seus aliados nascidos
naturalmente o colocaram nos tanques para acelerar o processo de
cura.
— Eles usam tanques para criarem seus soldados – John começa
a explicar para Lawson.
— Nós já sabemos sobre os tanques – ele diz, acabando com esse
assunto. — Você tem alguma ideia de quando ele terá terminado
com... o que quer que ele esteja fazendo? Quando os ataques vão
voltar?
Ella balança a cabeça. — Os ferimentos dele foram quase fatais –
ela diz. — Eles teriam matado alguém sem não os melhoramentos
dele.

61
UNIDOS SOMOS UM

Eu sinto um pouco de orgulho ao ouvir isso. Orgulho e uma dor


massiva de perda de oportunidade. Se eu tivesse batido nele com
um pouco mais de força.
— Estamos falando de horas? Dias? Semanas? – Lawson persiste.
— Eu não tenho certeza. Mais do que horas, eu diria, mas dias...
provavelmente não – Ella ergue cabeça, se lembrando de outro
detalhe que claramente a incomoda. — Há também outros lá
embaixo com ele.
— Nos tanques? – John pergunta.
— Sim – Ella responde.
Nove faz uma careta. — Tipo, eles estão flutuando na gosma
juntos? Cara, isso é nojento.
— Os tanques funcionam diferentes do que antes, agora que eles
estão energizados com o que... o que ele roubou de nós – Ella
continua. — Enquanto ele se cura, Setrákus Ra está trabalhando
também. Ele está – eu não sei exatamente. Esses outros que estão
com ele, ele os está transformando em algo novo.
Eu não gosto nada disso. Julgando pelas expressões ao redor da
mesa, ninguém está. Eu me lembro daquela visão do passado de
Setrákus Ra que todos nós compartilhamos – como ele era obcecado
em querer garantir que todas as pessoas desenvolvessem Legados.
Isso deve ser no que ele está trabalhando lá embaixo.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, Lawson se adianta,
erguendo a cabeça. — O que Setrákus Ra roubou de vocês?
Primeiramente Ella olha para mim, e depois para John, como se
ela estivesse pedindo permissão para contar a Lawson que Setrákus
Ra minou um monte de energia Lórica do chão do México. Eu não
sei os quão honestos devemos ser com essas pessoas; meu instinto
é que não devemos ser muito. Eu tenho certeza de que todo mundo
do nosso lado da mesa percebeu o que aquele monstro está
planejando, mas não parece sábio compartilhar essa informação com

62
UNIDOS SOMOS UM

os militares. Não precisamos aterrorizá-los além do necessário. Ou


dá-los qualquer ideia sobre o que é possível quando você
horrivelmente explorar um recurso.
Fico aliviada quando John subitamente mexe a cabeça
negativamente em resposta à Ella.
Ella se vira apara Lawson. — Algo precioso para nosso povo – ela
diz.
Lawson parece perceber que há mais história do que isso, mas ele
não pressiona. Em vez disso, ele gesticula para um dos militares que
estão parados perto da porta. O homem sai imediatamente para
pegar algo para seu chefe. Eu tenho uma má impressão. Sinais
misteriosos são sempre um mau sinal.
— Então, tudo bem. Se estivermos prontos para discutirmos
oportunidades de contra-ataque— Lawson começa.
— Já era hora – murmura Nove.
— ...deveríamos ter todos os nossos recursos de inteligência
disponíveis – Lawson termina.
Nesse momento, o militar que Lawson mandou buscar alguma
coisa retorna. Ele entra com dois guardas, ambos armados com rifles
de combate carregados. Eles não tiram os olhos do prisioneiro que
está entre eles, com as mãos e os pés algemados, e parecendo morto
de exaustão.
É o Adam.

63
UNIDOS SOMOS UM

por alguns minutos, eu realmente pensei que


essa reunião poderia acabar sem problemas e que eu poderia
rapidamente voltar para meus próprios planos para derrotar Setrákus
Ra. Acho que subestimei a profundeza da estupidez do governo.
Seis é a primeira a se levantar quando eles trazem Adam para dentro
da sala, suas algemas retinindo juntas. Ela se levantou tão rápido que a
cadeira caiu. Alguns dos soldados armados nos cantos da sala erguem
ansiosamente suas armas num segundo. Quando ela se levanta, Sam e
Nove também.
— Que merda é essa? – Seis grita para Lawson enquanto aponta para
Adam.
— Está tudo bem, Seis – Adam diz num tom cansado, seus olhos fixos
nos guardas armados. — Eu estou bem.

64
UNIDOS SOMOS UM

Nove se vira para olhar para os soldados com um sorrisinho. Ele


assente para um dos caras que está com o dedo bem próximo do gatilho
do seu rifle.
— Ele está conosco, velhote – Seis resmunga para Lawson, ignorando
a tentativa de Adam de acalmar a situação. — Ele é nosso amigo.
Lawson nem se moveu de sua cadeira. De fato, ele parece
impressionado com toda a situação. Eu me pergunto se isso tem dedo
dele para tentar nos provocar de propósito, tentando ver até que ponto
ele pode nos pressionar, se perguntando qual tipo de aliados seremos.
— Seu amigo – Lawson responde com calma, — é um membro de uma
raça alienígena hostil que está empenhada na subjugação deste planeta.
Você o trouxe aqui – para a porta da melhor esperança de resistência da
humanidade – e esperou, o quê? Que o deixaríamos andar por aí
livremente?
— Exatamente isso – Nove diz.
Assim que ela entrou na sala, eu notei a forma com que Seis observou
o poder de fogo dos militares. Eu reconheço aquele olhar. Ela estava
imaginando nossas chances num combate. Embora eu não esperasse
que as coisas chegassem a esse ponto, eu tenho que admitir que eu fiz
minha própria observação. É um instinto de sobrevivência que
provavelmente nunca vamos deixar de usar.
Julgando pelos olhares apreensivos na maioria das expressões dos
soldados, eles também calcularam. Eles não conhecem Seis e alguns dos
outros, mas eu tenho certeza de que eles viram vídeos ou ouviram
rumores sobre o que eu fiz em Nova Iorque.
Eles sabem que não podem vencer.
Eu penso em Sarah. Eu sei que ela diria para eu me acalmar, e ela
estaria certa. Eu não quero machucar ninguém. Precisamos trabalhar
com essas pessoas se vamos salvar este planeta. Eu sei disso. Mas eles
também precisam saber do que somos capazes, especialmente o General

65
UNIDOS SOMOS UM

Lawson. Ele precisa saber que não somos a chave dele nessa guerra
contra Setrákus Ra.
Ele é a nossa.
Eu me levanto bem devagar para que ninguém se assuste. Enquanto
isso, eu olho ao redor e uso minha telecinese para ejetar o cartucho de
cada arma de fogo da sala. Os olhos dos soldados se arregalam quando
os cartuchos de suas armas caem no chão.
Todos estão me observando agora. Ótimo. Eu dou a volta na mesa e
me aproximo dos dois guardas que estão segurando os braços de Adam.
— Se afastem – eu digo.
Eles obedecem.
Adam olha para mim, e eu o vejo balançar a cabeça, como se ele não
quisesse que eu fizesse uma cena. Mas eu preciso.
Eu acendo meu Lúmen, minhas mãos brancas em segundos. Eu me
aproximo de Adam e cuidadosamente derreto as correntes para libertar
as mãos dele.
Depois, eu me viro para olhar para os outros. Todos os militares estão
com a mesma expressão, algo entre medo e raiva. Alguns do meu povo –
como Daniela e Sam – parecem nervosos. Outros, como Nove e Seis,
olham para mim com encorajamento diabólico. Agente Walker,
supreendentemente, esconde um sorriso de felicidade entre as mãos.
Eu foco em Lawson. A expressão dele permanece completamente
neutra e normal.
— Você simplesmente poderia ter pedido as chaves – ele me diz.
— Não respondemos a você – eu respondo, colocando minhas mãos
agora normais nos ombros de Adam. — Você não tem que tomar
decisões por nós. Você compreende, senhor?
— Eu entendo, e não irá ocorrer novamente – Lawson responde sem
mudar a expressão. Sua calma chega a ser preocupante. — Você precisa
entender, tivemos que ter certeza de que seu... seu amigo aqui estivesse
no andar.

66
UNIDOS SOMOS UM

— E você precisa entender que só vamos ir atrás de Setrákus Ra assim


que meu povo estiver bom o suficiente – eu digo.
E assim que eu estiver forte o suficiente, eu quase acrescento. Assim
que eu tiver aprendido mais Legados para formarem o maior arsenal
possível.
— Nós vamos matá-lo e soterrá-lo na própria montanha dele – eu
continuo. — Como isso se encaixa nos seus planos de contra-ataque?
— Soa incrivelmente ótimo – Lawson diz, e gesticula para que eu
retorne para minha cadeira. Eu cutuco Adam e o deixo sentar-se na
minha cadeira em vez de mim.
Com a situação relativamente acalmada, Seis e os outros se sentam.
Os soldados ao nosso redor não se mexem para pegar os cartuchos do
chão. Enquanto todos estão se ajeitando novamente, Seis se inclina
sobre a mesa até Adam.
— Você está bem?
Ele assente rapidamente, querendo acabar com tudo isso logo,
embora com os braceletes das algemas ainda em seus pulsos. — Tudo o
que eles me fizeram foram perguntas, Seis. Nada de mais.
Eu cruzo minhas mãos e olho para Lawson. — Então, o que mais há
para discutirmos?
Lawson pigarreia, ainda calmo. — Enquanto apoiamos seu homicídio
do líder Mogadoriano com todo o coração, temos alguns problemas que
precisam ser resolvidos. Assim como algumas outras dúvidas e
preocupações.
— Problemas? – eu repito. — Dúvidas e preocupações.
— Por exemplo – Lawson continua, — eu estou ciente de que você
usou recentemente algum tipo de percepção extra-sensorial para se
comunicar com o que acreditamos ser os outros TNAL ao redor do
mundo.
Eu pisco ao ouvir isso. Ele está falando sobre o encontro telepático
para o qual Ella nos arrastou. Por um segundo, perco o equilíbrio, não

67
UNIDOS SOMOS UM

tendo muita certeza de como Lawson poderia estar ciente disto. Então
eu olho por cima dos ombros dele para os dois gêmeos com expressões
rígidas – Christian e Caleb – que estiveram rodeando Lawson
constantemente desde que chegamos aqui. Eles desenvolveram
Legados, então com certeza eles estavam na sala quando eu conheci
todos os novos humanos com poderes. Eles devem ter reportado os
detalhes para Lawson. Se não forem eles, então talvez foi a filha do
presidente.
— O que tem isso? – eu pergunto.
— Bem, John, estes são centenas de inimputáveis que você está
recrutando ao redor do mundo. Há preocupações sobre a segurança
dessas crianças.
Eu lanço um olhar significativo para os gêmeos que seguem Lawson
antes de responder, esperando que ele aprecie a ironia.
— Não haverá lugar seguro neste planeta logo – eu digo a Lawson. —
Eles precisam do treinamento que apenas nós podemos dar a eles.
— Eu entendo isso – Lawson responde. — Mas você entende que isso
deixa algumas pessoas nervosas, não entende? Você construir um
exército das nossas crianças?
Eu mexo minha cabeça em descrença e espero que minha expressão
mostre o quão ridículo eu acho essa burocracia sem sentido. Quase me
faz lembrar dos meus dias de fuga.
— Não estamos construindo nada – eu digo, e então olho para os
gêmeos. — Vocês dois. Eu mandei vocês virem aqui? Eu forcei os outros?
Os gêmeos parecem ter sido pegos de surpresa por ter sido dirigidos
diretamente. Eles trocam olhares, e então olham para Lawson, pedindo
permissão.
— Podem falar – ele diz.
— Não. Você não fez nada disso – Caleb responde imediatamente, seu
irmão petrificado. Caleb aponta para Nove. — Mas aquele ali nos
chamou de bundões.

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UNIDOS SOMOS UM

Nove dá de ombros. Eu olho para Lawson.


— Satisfeito?
— Por enquanto – ele responde. — Pelo menos nos avise se você for
fazer algo assim novamente.
Eu suspiro. — Você disse alguma coisa sobre preocupações?
Lawson gesticula para o mapa que está atrás dele, aquele que mostra
as posições de duas dúzias de naves de guerra Mogadorianos.
— Como eu disse, todos estão com você para decapitarmos essa
serpente. Droga, eu enviarei o reforço que você precisar para West
Virginia como se tivéssemos o luxo de poupar – Lawson começa. — Mas
agora os inimigos acham que falhamos. Quando atacarmos, o que
acontecerá com todas essas cidades? Todos estão no modo evacuação
agora, mas não é fácil mover milhões de pessoas. Um ataque à Setrákus
Ra poderá começar guerras em todas as fronteiras.
Lexa se pronuncia. — Sendo a única sobrevivente velha o suficiente
para realmente lembrar de como ocorreu a invasão Mogadorianos do
nosso planeta, deixe-me dizer-lhe que, as táticas deles mudaram. Eles
devastaram nosso planeta em horas...
— Animador – Lawson responde.
— Eles querem ocupar a Terra, não bombardeá-la até ela ficar
inabitável – Lexa continua. — Saber disse não nos dá alguma vantagem?
— Poderia Setrákus Ra estar blefando? – Lawson pergunta.
— É verdade que meu povo quer ocupar – Adam diz com uma
expressão pensativa. — Pensando em probabilidades, a frota não
aguenta outra viagem intergaláctica. Eles precisam ficar aqui. Mas se
você acha que isso de alguma forma limita o desejo deles de destruir pelo
menos uma dúzia de cidades, você está subestimando-os.
— Então estamos de volta à contagem regressiva para o fim dos
tempos – Lawson responde. — Assim que você atacar Ra, temos que
presumir que a contagem regressiva para e que a destruição começa.

69
UNIDOS SOMOS UM

— O que aconteceria quando ele se recuperasse e percebesse que seu


ultimato se esgotou enquanto ele estava lambendo seus ferimentos? –
Seis interfere. — Ele atacaria depois, de qualquer forma.
— Exatamente – Lawson assente. — Os ataques são inevitáveis de
qualquer forma. Isso não significa que queremos adiantá-los. Queremos
estar preparados ao máximo que pudermos. Conseguir colocar a salvo o
máximo de civis possível. Usar cada minuto desse atraso que você nos
deu.
— Você quer que a gente espere – eu digo, rangendo os dentes.
Embora eu precise de mais tempo para aprender novos Legados, estou
ansioso pela luta. Agora mesmo, é para isso que eu vivo. Ficar sentando
nessa reunião já foi difícil o suficiente. — Por quanto tempo?
— Não é fácil coordenar uma série de ataques internacionais contra a
tecnologia superior do oponente – Lawson diz. — Nós recebemos os
dispositivos de camuflagem que seu grupo recuperou no México, e
nossos cientistas estão tentando reverter o mecanismo deles.
O pessoal de Lawson provavelmente passou mais tempo com esses
dispositivos de camuflagem do que eu. Lexa – quem eu conheci
pessoalmente apenas essa manhã – trouxe a tecnologia Mogadorianos
primeiro para mim. Eles não parecem tão impressionantes. Caixas
pretas sólidas com alguns interruptores e fios, mais ou menos do
tamanho de um livro convencional, mas eles são a chave para a chance
dos exércitos humanos. Entregamos a maioria deles para Lawson
algumas horas antes dessa reunião. Ficamos com o que já está instalado
na nave de Lexa, e eu estou com um também.
— Eu posso ajudar com isso – Adam diz para Lawson. — Eu conheço
muito bem a tecnologia.
— Eu aprecio isso, sr. Mog – Lawson responde. — Mesmo se
conseguirmos abrir os dispositivos e começarmos a trabalhar neles,
ainda teremos que entregar essa tecnologia para nossos aliados ao redor
do mundo. Agora que sabemos como eles parecem, outros países,

70
UNIDOS SOMOS UM

particularmente a Índia, tiveram algum sucesso em derrubar os


Escumadores durante o conflito. Presumindo que conseguiremos
atravessar os escudos, ainda estamos discutindo se iremos tentar
invadir as naves ou confiar na balística dos mísseis.
— Nenhuma aproximação será fácil – Adam diz.
— Vocês não podem simplesmente usar bombas nucleares? – Nove
pergunta.
Os olhos de Lawson se estreitam. — Estamos evacuando as cidades
que estão em risco, jovem rapaz, mas ainda há pessoas lá embaixo.
Armas nucleares estão fora de cogitação aqui na América. Eu não posso
dizer o mesmo pelos outros países...
— Não é uma boa ideia explodir aquelas naves gigantes no céu acima
das cidades – Daniela sussurra.
Lawson levanta uma das mãos. — Um problema de cada vez.
Independentemente de qual escolha fizermos, os dispositivos de
camuflagem continuam sendo nosso maior obstáculo. Estamos
trabalhando com uma quantidade incrivelmente pequena já que
precisamos de um por nave ou um por míssil. E então há o outro
pequeno problema, que é distribuí-los para os nosso aliados – Lawson
pausa. — Quanto tempo irá demorar para termos o suficiente em mãos
para planejar um ataque às naves?
— Todas elas? – eu pergunto. — De uma vez?
— É assim que as operações ocorrem, John. Nós atacamos todas de
uma vez para maximizar nossa única vantagem... o elemento da
surpresa. Se deixarmos eles saberem que podemos penetrar nos escudos
cedo demais, os parâmetros mudam. Eles podem começar com os
ataques. Nesse momento, eles têm o cano da arma em nossos pescoços;
eles acham que desistimos, que estamos fora da luta. Eles ainda não
sabem que temos uma faca por baixo da manga. Mas precisamos daquela
tecnologia. E estamos trabalhando contra o relógio. A menos que você

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UNIDOS SOMOS UM

saiba quanto tempo Setrákus Ra irá permanecer nos tanques? – ele


pergunta, olhando para Ella.
Ella balança a cabeça.
— Então você entende o quão precária é nossa situação – Lawson
conclui. — Temos que dar um único tiro certeiro, e precisa ser o mais
rápido possível.
Eu tento absorver todas essas informações. Lawson não pinta um
quadro detalhado. Talvez eu não esteja pensando da forma correta para
ajudar a coordenar um contra-ataque internacional. Com sorte, eu
tenho ajuda.
Seis olha para Ella por cima da mesa. — Agora há pedras de Loralite
crescendo através da Terra, certo?
— Sim – Ella diz. — Posso senti-las.
Seis estala seus dedos. — É isso. Vamos usá-las para entregar os
dispositivos de camuflagem ao redor do mundo.
Lawson olha para mim. — Essas são as pedras que você mencionou
pros LANTs em seu... ah... encontro psicótico, né?
Eu assinto.
— Hmm – Lawson dá uma olhada parao mapa por cima do ombro. —
Assim que soubemos delas, nós encorajamos nossos aliados
internacionais a encontrar o máximo que eles conseguissem.
Eu inclino minha cabeça. — Vocês fizeram isso?
— Fizemos, John, claro que sim. Dito isso, alguns líderes riram de
mim quando eu pedi para eles desviarem recursos para guardarmos
algumas pedras mágicas. Sem mencionar que conhecemos apenas uma
fração dos lugares onde a Loralite cresce.
— Quantos Garde-Humanos foram interceptados? – eu pergunto,
minha voz fria.
— Poucos – Lawson responde. — Para a própria proteção deles. A
maioria deles ainda está sobre o mar. Presumindo que sobreviveremos

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UNIDOS SOMOS UM

pelos próximos dias, talvez poderemos discutir como você irá treiná-los.
Com uma supervisão apropriada, claro.
Eu não gosto disso. Parece que estamos abrindo brechas muito fácil,
dando as localizações das Loralites para Lawson, sem falar dos Garde-
Humanos que ele parece estar muito interessado. Ainda assim, qual
escolha temos? Praticamente falando, usar as pedras e Loralite é a nossa
única forma de realizarmos um contra-ataque rápido.
— Nós iremos ajudá-lo a localizar o restante das Loralites – eu digo.
— Assim que estivermos prontos para usarmos os dispositivos de
camuflagem.
Lawson sorri à minha admissão relutante, mas continua
rapidamente. — Um problema resolvido. Mas falta o problema de
quantidade.
— Se não conseguirmos fazer isso rápido o suficiente, nós iremos
conseguir mais para você – eu digo, o começo de um plano se formando
em minha cabeça.
Nove expressa um sorriso maldoso. — Talvez devêssemos ir para um
lugar onde sabemos que haverá muitas delas.
— E onde é isso? – Lawson pergunta.
— Em uma das naves de guerra – eu respondo.
— Eu não acabei de explicar que— Lawson começa, frustrado. Ele se
controla rapidamente. — Se atacarmos eles – qualquer ataque – nós
arriscamos provocar um ataque a uma de nossas cidades.
— E se pudéssemos entrar e sair de uma das naves deles sem se quer
que eles notassem? – eu digo isso à Lawson, mas é para Seis que eu estou
olhando. Ele sorri para mim. Eu sorrio de volta. — E se pudéssemos
trazer para você um monte de dispositivos de camuflagem antes mesmo
dos Mogs notarem que eles sumiram?
— Isso... – Lawson esfrega uma das mãos sobre seu queixo,
considerando. — Isso seria ótimo.

73
UNIDOS SOMOS UM

aqui está a lista do que fazer.


Se infiltrar na nave de guerra Mogadorianos.
Furtar cada dispositivo de camuflagem que eles tiverem sem que eles
percebam.
Armar os governos ao redor do mundo para um grande contra-
ataque.
Enquanto isso, aprender cada Legado que eu conseguir agarrar com
minha mente.
Matar Setrákus Ra.
Não necessariamente nessa ordem. Especialmente o “aprender cada
Legado”. Porque se eu vou me infiltrar em uma das naves de guerra dos
Mogs do jeito que estou planejando, há um Legado em particular que eu
preciso aprender primeiro.
Eu preciso aprender a voar.
A reunião acaba depois que eu prometo ao general Lawson que
teremos um plano pronto para atacar secretamente a nave
Mogadorianos no fim do dia. Por sorte, Ella estava certa e Setrákus Ra

74
UNIDOS SOMOS UM

estará fora da ação por algum tempo. Nem é meio dia ainda, e eu me
sinto como se já tivéssemos desperdiçado a maior parte do dia.
Enquanto todos correm pelos corredores de Patience Creek para
fazerem suas partes, eu puxo Adam para um canto. Ele parece pálido
como o habitual, com a diferença de algumas olheiras em seu rosto.
Todos que estavam naquela reunião pareciam ter um pouco disso. A
invasão está tirando o sono de muita gente.
— Você está bem? – eu pergunto a ele. — O que eles fizeram com
você?
Adam me encara, mexendo a cabeça. — Estou bem, John. Não foi
nada. Eu que deveria estar perguntando se você está bem.
Eu imaginei que isso aconteceria. Todos que conheciam Sarah – de
Sam à Walker – todos eles continuam me olhando como se eu fosse
desmoronar no próximo segundo. Eu odeio isso. Eu não quero ser
abraçado. Eu quero lutar. Eu esperava que pelo menos, quando eu
chegasse no Adam, de que eu tivesse um pouco de simpatia. Nunca
pensei que estaria ansioso para aprender alguma lógica Mogadorianos.
— Estou levando – eu digo a ele, e estou surpreso pelo tom da minha
voz.
— Entendi – Adam responde, obviamente entendendo o que eu quis
dizer. Ele levanta suas mãos para me mostrar seus pulsos onde as
algemas ainda estão atadas a ele. — Você se importa em tirar isso dos
meus pulsos?
— Sim, claro, havia me esquecido delas.
— Foi mais para passar uma mensagem para aquele tal de Lawson do
que para me tirar delas – Adam diz. — Eu saquei.
— Bem – eu respondo com um sorriso – você pareceu inconfortável.
— Todos aqueles soldados também – Adam ri. — Foi um ótimo
movimento. Você mostrou força.

75
UNIDOS SOMOS UM

Eu acendo meu Lúmen de novo, desta vez focando e limitando ele ao


meu dedo indicador. Com cuidado para não queimar Adam, eu derreto
o mecanismo de tranca das correntes até elas caírem abertas.
— Que tipo de perguntas eles te fizeram? – eu pergunto enquanto
Adam esfrega seus pulsos.
— Como eu disse, não foi tão ruim. Eles queriam saber esquemas de
armas e das naves. Eles queriam saber sobre a estrutura do governo
Mogadoriano e do exército deles, o que é fácil porque eles são
basicamente a mesma coisa. Eles queriam saber o que iria acontecer com
a sociedade Mogadorianos se Setrákus Ra fosse morto – Adam dá de
ombros. — Eu os teria dito todas essas coisas mesmo se eles não
tivessem me algemado e me deixado acordado a noite toda.
— Huh – eu digo, pensando por um momento. De fato, havia uma
pergunta dentre elas que eu nunca pensei em perguntar a mim mesmo.
— O que vai acontecer quando matarmos Setrákus Ra?
Adam sorri para mim, apreciando a convicção em meu tom de voz.
Então ele passa uma das mãos em seu cabelo, parecendo pensativo.
— Bem, eu não me lembro de nenhum momento em que não houve
um... “Amado Líder”. Eu não tenho nenhum conceito de como nosso
mundo era antes. Droga, eu duvido que meus pais se lembrariam.
Setrákus Ra reescreveu nossos livros de história, então, de acordo com
ele, não éramos nada mais do que animais selvagens antes dele aparecer
e “nos melhorar”.
— Eu acho que são tantas perguntas que eles desistiram e seguiram
ele – eu respondo.
— Sem minar a Terra igual eles fizeram com Lorien, a tropa não tem
combustível suficiente para ir a lugar algum – Adam pausa. — Dentro
de uma linha do tempo extensa, entretanto... eles podem ir embora.
— O que você quer dizer?
— De todas as coisas naquele chamado Grande Livro dele, Setrákus
Ra nunca realmente arrumou o problema de fertilização que os nascidos

76
UNIDOS SOMOS UM

naturalmente vivenciam. Ele pode criar um número sem fim de soldados


nascidos artificialmente. Não muda o fato de que a taxa de nascimento
é totalmente estagnante.
— Então os nascidos naturalmente vão ser extintos lentamente – eu
digo, tentando manter minha voz calma considerando a companhia,
mas realmente não sentindo nada pela extinção dos Mogadorianos. —
E os nascidos artificialmente?
— Até onde eu sei, a receita para criá-los morreria com Setrákus Ra –
Adam vê meu sorriso e levanta uma das mãos. — Você precisa entender
algumas coisas sobre meu povo, John. Primeiro, a grande maioria do
povo comprou aquele papo distorcido de Ra sobre o Progresso
Mogadoriano, e todos eles acreditam que Setrákus Ra é imortal. Isso é a
única coisa que os mantém controlados durante todos esses séculos.
Quando você matar ele, você mata junto todos os nascidos
artificialmente e talvez irá conseguir com que alguns Mogs como eu
abaixem suas armas—
— Você acha que poderia haver mais como você? – eu pergunto,
interrompendo. Eu sempre pensei que Adam fosse único e considerei
que isso foi por ele ter visto a luz junto com a Número Um.
Ele desvia o olhar. — Eu... não sei. Eu encontrei outros que
pensavam... talvez... eu não tenho nem certeza se eles estarão vivos
nesse momento – Adam pausa. — O que quero dizer é que, mesmo sem
Setrákus Ra, você ainda terá uma raça desnorteada e armada que
acreditam que a violência é o certo. Como eu imagino isso? Primeiro, os
nascidos naturalmente vão decidir quem é o mais forte explodindo uns
aos outros com a Terra sendo o campo de batalha deles. Então quem
quer que sobreviva irá tentar continuar de onde Setrákus Ra parou. Há
vários generais, como meu pai, que pensariam que eles são os próximos
na linha.

77
UNIDOS SOMOS UM

— Eles não irão ter sucesso – eu digo. De verdade, eu estou pensando


na ideia dos Mogs explodindo uns aos outros. Se pudéssemos adiantar
essa parte do processo...
— A longo prazo, não. Isso levaria anos de conflito, John. Aqui na
Terra.
— A humanidade seria afetada radicalmente – eu digo, considerando
os efeitos de uma guerra civil Mogadorianos. A perda de vidas seria
como o cenário de Nova Iorque novamente. A menos que os Mogs
lutassem nas cidades que já foram evacuadas...
— Enfim, primeiro precisamos de fato matar Setrákus Ra, certo? –
Adam diz, dando tapinhas em minhas costas. — Não vamos ir à frente
de nós mesmos.
— Eu vou jogar tudo o que tenho nele – eu digo.
— E nós iremos ajudar, também, você sabe. Você tem seus amigos
com você.
Eu assinto. — Claro. Com certeza. Sei disso.
Adam começa a seguir em direção do elevador e gesticula para que eu
siga. — Você tem mais alguns minutos? Há outra coisa que eu gostaria
de te mostrar.
Eu levanto minha sobrancelha e o sigo. Os militares que vêm e vão
pelos corredores iluminados olham para nós dois com atenção. Eu me
pergunto qual de nós eles têm mais medo.
Eu fiz uma pequena excursão de exploração no complexo de Patience
Creek quando eu cheguei pela primeira vez, me familiarizando com as
áreas importantes – os quartos oficiais onde estamos ficando, os
quartéis, as celas, a academia, a garagem – e encobrindo lugares onde os
militares estão fazendo o trabalho deles. Eu não sei o que Adam pode ter
descoberto em seu breve tempo como prisioneiro que eu ainda não
tenha visto. Então novamente, um lugar construído para espiões deve
ter vários lugares secretos.

78
UNIDOS SOMOS UM

— Depois deles me interrogarem, eles me trouxeram aqui embaixo –


Adam explica enquanto pegamos o elevador e descemos dois andares.
— Eu acho que eles não tiveram esperança desse projeto funcionar de
fato, então eles o tiraram do caminho.
O andar no qual descemos parece com um de armazenamento. Eu
passei por ele rapidamente durante minha pequena excursão. Metade
das luzes do corredor precisam ser trocadas. Adam me leva em algumas
salas completamente cheias com caixas de rações empoeiradas e caixas
de Tang, além de um espaço de armazenamento desordenado com
cadeiras de praia dos anos setenta, e uma rede de vôlei comida por
traças. Finalmente, viramos em um corredor, e Adam abre uma porta
que nos leva a uma sala cheia de estantes com livros. Uma biblioteca. De
relance, eu percebo que a maioria das lombadas amareladas falam sobre
tópicos que um espião pode achar útil em um momento pós-apocalítico:
volumes sobre jardinagem, conserto de equipamentos eletrônicos e
tratamento médico.
Eu hesito. A pequena sala está cheia com sons guturais e ásperos de
vozes Mogadorianos gritando umas com as outras.
Em uma mesa no meio da sala, há uma grande peça de um
equipamento que parece vagamente familiar. As vozes Mogadorianos
emanam de lá. É mais ou menos do tamanho do painel de um carro e
está coberta com botões estranhos e medidores. Parece que alguém
recentemente ateou fogo na coisa e depois a jogou do terraço de um
prédio. Está ligada a uma bagunça de fios e baterias, aparentemente
sugando muita energia.
Então cai a ficha. Eu estou olhando para o painel de controle de um
dos Escumadores Mogadorianos, que foi arrancado do resto da nave. O
painel está ligado, graças à bagunça de fios, e isso significa que a
comunicação está ativa.
Sentado em frente ao painel dessecado há um cara com pele oliva que
eu diria que está por volta dos trinta. Seu cabelo preto é curto, e suas

79
UNIDOS SOMOS UM

bochechas estão pálidas, provavelmente por dias de trabalho sem


descanso. Eu acho que já o vi antes, embora eu não consiga lembrar onde
nem quando.
— Adam, você voltou – o homem diz, assentindo com cansaço. —
Esteve bem quieto.
Eu me viro para Adam e arqueio uma das sobrancelhas.
— Esse é o Agente Noto – Adam me diz. — Antigamente do ProMog.
É da onde eu o conheço. Ele fazia parte do grupo que Walker trouxe
para Ashwood Estates depois deles se voltarem contra os Mogs.
— Eu estava preocupado que você não voltaria quando os soldados te
levaram mais cedo – Noto diz.
Adam sorri para mim. — Está vendo? Eu te disse que minha detenção
não foi tão ruim. Eu fiz um amigo. Eu estive ajudando Noto com suas
habilidades no idioma Mogadoriano.
— Você fala o idioma deles? – eu pergunto, observado o homem.
— Eu era a ponte de ligação com Mogs durante os meus dias de
ProMog - explica Noto. — Peguei algumas frases aqui e alí. Eu posso
entender, desde que eles falam devagar o suficiente e ao nível de um
iniciante.
Eu entro mais para dentro do quarto, olhando pros cadernos aberos
sobre a mesa. Eles estão cheios de símbolos que eu reconheço como
letras Mogadorianos, cada um deles representado por uma tradução
fonética.
— Estamos monitorando a comunicação entre as naves de guerra
Mogadorianos – diz Adam. — Eu criptografei este aparelho para que eles
não tenham ideia de que estamos ouvindo.
— Com a segurança que você baixou aqui, poderíamos transmitir de
volta para eles, e eles ainda não seriam capazes de nos encontrar – Noto
diz com admiração.
Agora eu percebo porque Adam parece tão exausto. Não foi apenas o
interrogatório que o manteve acordado a noite inteira. Ele está sentado

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UNIDOS SOMOS UM

aqui ouvindo estas transmissões Mogadorianos, sabendo que ele é o


único que pode traduzi-las.
— Quanto tempo leva para ensinar o básico do idioma Mogadoriano?
– pergunto a Adam, olhando para Noto.
Noto recita uma série de ruídos ásperos. — Não é tão difícil.
Adam ri. — Seu sotaque está ficando melhor, mas você acabou de
dizer que gostaria de ter um estômago cheio de sangussugas.
Noto faz uma cara. — Eu pensei que eu estava pedindo um pouco de
café.
— Eu ajudei Noto fazer uma lista de palavras-chave prouvir - Adam
me diz.. — "Amado Líder", sinais de chamada naves de guerra, “Garde”
– a qualquer momento que ele ouvir essas palavras, ele tem certeza de
que deve sinalizar a transmissão.
— Eu estou gravando tudo em caso de eu precisar ouvir de novo – diz
Noto. — O que sempre acontece.
— Isso é bom. Vai ser realmente útil para saber o que os Mogs estão
dizendo uns aos outros - eu lhes digo, colocando uma mão no ombro de
Adam. — Não se queime, por favor. Nós vamos precisar de você.
Adam concorda. — Eu sei. Eu vou tomar cuidado.
Eu me despeço do Aente Noto, e então, levo Adam pro corredor, onde
podemos falar em particular.
— Então, a partir do que você já ouviu até agora, o que os Mogs estão
dizendo? – pergunto.
— Eles estão pirando sobre Setrákus Ra - ele responde. — Bem, estão
pirando ao máximo que os nascidos naturalmente podem pirar. Há
muita preocupação sobre por que ele não ordenou o ataque ou fez
qualquer anúncio para a frota, mas eles definitivamente não vão
questioná-lo porque isso é mais do que traição. Na maior parte, eles
estão dizendo... “Esta é a nave de guerra Delta, aguardando ordens,
pedindo a orientação do Amado Líder”.
— Mas isso só lhe diz que eles estão em pânico?

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UNIDOS SOMOS UM

— Mogs não saem por aí pedindo ordens, John. Eles fazem o que lhes
mandam. Eles falam quando falam com eles. Eles não incitam seu Líder.
— E não houve resposta da Anúbis ou da base de West Virginia?
— Nada - Adam confirma. — Silêncio total no rádio.
— Hmm.
O plano que eu tenho formulado é um pouco louco, muito perigoso,
e, você sabe, isso não me incomoda quase tanto como ele provavelmente
deveria. Eu penso sobre tudo o que Adam me contou a respeito da
cultura Mogadorianos, e em particular, sobre a probabilidade da
sociedade deles acabarem em uma guerra civil, assim que Setrákus Ra
estiver morto. Se eles matarem uns aos outros, tornariam as coisas
muito mais fáceis pro resto de nós. E se houvessealgo que poderíamos
fazer para acelerar esse processo? Tornar os Mogs uns contra os outros
antes mesmo de Setrákus Ra for transformado em cinzas? Um pouco de
guerra psicológica.
Antes que eu possa dar que qualquer continuidade nesse
pensamento, Noto põe a cabeça para fora da sala e gesticula para Adam
entrar. — De repente, começou toda essa conversa - diz ele.
Adam e eu corremos de volta para a sala. Eu abaixo minha cabeça
prouvir a transmissão, mas tudo soa como latidos de raiva para mim.
Embora o Mogadoriano que está transmitindo com certeza está
animado.
Observando os olhos de Adam lentamente se estreitarem, eu posso
dizer isto não é uma boa notícia. Depois de alguns segundos, ele vira
para mim. — John, devemos buscar os outros - diz ele. — Alguém
cometeu um erro terrível.

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UNIDOS SOMOS UM

nunca poste nada na internet. é a regra #1.


Com certeza, todos nós quebramos a Regra #1 em algum
momento e acabamos caçados por Mogadorianos como
consequência. Porque às vezes o desespero supera o desejo de não
ser estúpido.
Acontece. Sem julgamento.
Mas cara, é estupidez postar coisas na internet.
O vídeo, obviamente filmado por algum celular, começa com uma
corrida estrondosa através da água. Uma cachoeira gigante que eu
instantaneamente reconheço como sendo as Cataratas do Niágara
aparece na tela. Quem quer que esteja filmando isto está em pé
sobre a parte gramada, acima da queda das águas da cachoeira.
— Ei! É muito alto—!
A câmera fica trêmula, pois quem quer que esteja segurando-a
salta para longe da cachoeira. Nestes poucos segundos durante o
salto, eu sou capaz de observar alguns detalhes: uma menina loira

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UNIDOS SOMOS UM

que parece um pacote de seis cervejas importadas está perto da


borda do penhasco ao lado de uma protrusão irregular de pedra azul
de outro mundo.
Loralite. Um novo crescimento, assim como Ella disse que
haveria.
Antes que eu possa examinar a pedra mais de perto, a câmera se
estabiliza e está virada de uma forma que podemos ver o rosto
sarapintado de um adolescente sujo. Ele é magro, com um moicano
esbranquiçado. Ele usa um colete jeans rasgado, coberto de
retalhos, e enquanto eu não posso ver seus pés, quase posso
garantir que ele está usando chuteiras. Claro, eu o reconheço a partir
do sonho telepático que Ella compartilhou conosco. Ele é um dos
garotos que pareciam mais ansiosos para aceitar o convite de John à
ação.
Mesmo que ele tenha se afastado para longe da borda, o garoto
ainda tem que gritar para ser ouvido sobre a cachoeira.
— Olá, John Smith e super-amigos! Você está por aí? Nigel Rally
aqui. Nós nos conhecemos no.… uh... naquela coisa. Encontrei sua
pedra maneira, e, você sabe, tem sido bem engraçado se teleportar
ao redor do mundo e tudo mais, mas quando você está vai vir nos
pegar?
Não me surpreende que estes Garde internacionais estejam
perdidos e confusos. John disse-lhes para virem nos ajudar, e Ella
explicou que eles poderiam usar as pedras Loralite para se
teletransportarem ao redor do globo, simplesmente imaginando um
local. Mas Setrákus Ra caiu no nosso encontro antes que
pudéssemos dar-lhes qualquer ideia concreta de como nos
encontrar, o que não é exatamente uma tarefa fácil, considerando
que estamos escondidos.
— Eu acabei trombando com outros enquanto passeava, hein? -
Nigel continua, e vira a câmera para deslocar seu entorno. —

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UNIDOS SOMOS UM

Acenem para John Smith, o protetor do mundo e o irmão mais velho


ausente que aparentemente se esqueceu de nos buscar.
Atrás Nigel, a loira da qual tive um vislumbre antes, acena. Ao lado
dela, há um menino atarracado com cabelo castanho espetado, que
acena sem jeito. Eu o reconheço imediatamente como sendo o
alemão do encontro, Bertrand, o apicultor que pode controlar
insetos. Além deles, de pé um pouco longe dos outros, há uma
menina asiática, com um olhar frágil e que olha fixamente para a
câmera antes de exibir um sinal de paz.
— Aqueles são Fleur e Bertrand - Nigel narra — e ali. . . bem, eu
acho que ela chama a si mesma de Ran. Ela não fala nadinha de
inglês, não desde que o seu pássaro mega-psíquico com os olhos
brilhantes parou de traduzir.
Nigel vira a câmera de volta para si mesmo.
— Então, olha, estamos em nas Catarata do Niágara, se você ainda
não percebeu isso. Decorei o máximo de pontos que estavam
marcados no mapa que você nos mostrou durante cinco segundos
mais malucos que pude, mas eu nunca fui para os Estados Unidos,
então eu tive de pular através da Europa por algum tempo até que
eu conheci o velho Bertrand - Nigel solta um suspiro. — Muitos
lugares estranhos em seu mapa, John Smith. Novo México? Que
diabos aquilo parece, hein? Estúpido, eu aposto. Bertrand esteve
aqui uma vez em férias em família, então... Nigel abaixa a voz. — Se
você me lê, Capitão John, estamos à espera de uma picape. Se não,
bem, eu acho vamos começar a caminhar em direção à nave de
guerra alienígena mais próxima e esperar o melhor banho de
sangue, eh? Saúde.
E com isso, o clipe YouTube termina. Está anexado na seção de
comentários do vídeo que Sarah fez, apresentando John para o
mundo, e já tem uma tonelada de likes e opiniões. Nigel postou seu
vídeo cerca de três horas atrás. Eu, John, Adam, Nove, Ella, Sam e

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UNIDOS SOMOS UM

Daniela estamos todos reunidos em torno de um celular que Daniela


roubou de um dos soldados.
Estamos todos no quarto de John. Antes de começarmos o vídeo,
eu não podia evita fazer algumas observações sobre os detalhes
sombrios do quarto de John. A cama não foi usada, e há marcas de
queimaduras em todo o papel de parede em estilo kitsch, como se
ele tivesse socado a parede com seu Lúmen aceso. Ninguém
comenta sobre isso, embora Sam levanta uma sobrancelha quando
me pega olhando.
— Pontos para Fleur - Nove diz assim que o vídeo termina.
Eu o cutuco nas costelas, e Daniela faz uma cara. — Você é
desagradável.
— Estou sozinho - Nove responde.
— Este vídeo foi postado três horas atrás - Adam explica,
ignorando Nove. — Eu estive monitoramento as transmissões
Mogadorianos, e parece que eles acabaram de ver o vídeo também.
As naves de guerra mais próximas das Cataratas do Niágara estão
em Toronto e em Chicago. Eles estarão enviando Escumadores.
— Publicando na web - Nove diz, estalando a língua. — Erro de
principiante.
— Todos aqui fomos principiantes - eu digo. — Então, os
Mogadorianos têm uma vantagem sobre nós. Vamos pegar alguns
jatos e ir lá fora.
— Queremos manter isso em segredo, e é por isso que estamos
nos escondendo aqui dentro - John responde. — É melhor se
fizermos isso por conta própria sem o pessoal de Lawson ficar
sabendo.
Dou John um olhar interrogativo.
— Eu não tenho certeza de quais são as intenções dele com a
Garde humana - John elabora. — Até decidirmos se ele é confiável,
eu quero que o nosso povo seja quem irá trazê-los. Eu não quero

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UNIDOS SOMOS UM

deixar que Lawson decida que está pronto para lutar e que precisam
de sua "proteção".
— Eita, com que tipo de intenções você está preocupado? -
pergunta Daniela.
— Eu não sei - John diz com um suspiro. — Um alistamento
compilado em uma organização militar secreta? Quem sabe?
— Você aprende a não confiar em pessoas com poder quando
você já passou por o que nós passamos - diz Daniela.
Ela balança a cabeça. — Boa perspectiva geral.
— Eu já me comuniquei com Lexa telepaticamente - Ella diz, com
os olhos ainda acendendo com a energia Lórica. — Ela está
preparando nossa nave.
— Ótimo - Nove diz, e bate palmas. — Vamos salvar alguns
noobs.
— Eu preciso que você fique aqui comigo - John diz a Nove, e
imediatamente o rosto de Nove mostra uma expressão de desgosto.
— Ah, tá zuando? - Nove responde. — Para que diabos?
— Você acha que eu não preferia estar lá fora lutando? - John
pergunta, em tom resignado. — Nós temos coisas para fazer se nós
vamos nos esgueirar para dentro da nave de guerra. Preciso de sua
ajuda com isso. Seis pode lidar com as Cataratas do Niágara.
— Você sabe que sim - eu sorrio para John, sentindo-me tão
ansiosa quanto Nove para voltar lá fora e lutar. Eu olho em volta para
os outros. — O resto de vocês está comigo?
— Eu preciso ficar aqui e monitorar as comunicações
Mogadorianos. Eles não sabem que estamos ouvindo, por isso, eu
vou ser capaz de dizer-lhe qual será sua situação - diz Adam. — Eu
também tenho que me encontrar com Malcolm e alguns dos outros
engenheiros para discutirmos sobre como replicar os dispositivos de
camuflagem.
— Eu estou com você - Sam diz para mim.

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UNIDOS SOMOS UM

— Eu também, se isso é legal - responde Daniela.


— E eu - diz Ella.
Isso faz com que todos olhem para ela. Eu acabei de ver Ella
morrer. Eu não estou totalmente certa de que ela está pronta pro
combate. Ela deve pegar ter percebido isso - provavelmente porque
ela pode ler nossas mentes. Ella coloca as mãos nos quadris.
— Se os Mogs chegarem lá primeiro e esses outros Garde tiverem
que fugir, eu posso controlá-los telepaticamente - diz ela, uma nota
de desafio em sua voz, que ainda está ressonante como se fosse a
de Legado. — Eu vou ficar bem.
— Bom o suficiente para mim - eu digo.
— Eu também - John acrescenta. — Leve os Chimærae com
vocês.
— Nós vamos levar dois - eu digo. — Não vou deixar vocês sem
apoio aqui no caso de alguma outra coisa acontecer.
John concorda. — Apenas tenha certeza de que você está
levando poder de fogo suficiente para derrubar o que quer que os
Mogs enviem.
— Oh, não se preocupe - digo a ele. — Nós vamos fazer mais do
que apenas derrubá-los.

Quinze minutos depois estamos na garagem subterrânea de


Patience Creek. Como o restante desse esconderijo empoeirado, a
garagem não é tão sofisticada como outros lugares militarizados que
vimos, particularmente os que foram incrementados com tecnologia
Mogadorianos, como Dulce e Ashwood. Ainda assim, a garagem é
enorme com um teto alto, com espaço suficiente para armazenar um
comboio de Humvees armados e alguns tanques. Eu espero que o

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UNIDOS SOMOS UM

teto abobado irá se abrir e uma rampa irá aparecer para uma saída,
mas os velhos espiões que construíram esse lugar não pensaram
dessa maneira. Em vez disso, há um grande túnel cavado em uma
das paredes, quase sem iluminação e nada sofisticado, apenas
pequenas seções de madeira serrada cheia de sujeira. O túnel é
largo o suficiente para que um dos tanques passe, e ele leva a uma
caverna de aparência inocente a alguns quilômetros de Patience
Creek. Se o pequeno hotel que esconde tudo isso é no meio do
nada, então a saída da caverna é para o oeste do nada. Basicamente,
você nunca nos pegaria.
Lexa voou nossa nave através do túnel noite passada. Ela
conseguiu, embora tenha sido um pouco apertado. Ela já está com a
rampa estendida e com o nariz da nave apontado para a saída
quando entramos na garagem.
No nosso caminho até aqui, pegamos dois dos Chimærae que
estavam no pequeno laboratório do Malcolm Goode. Ouvindo os
outros falando dele, a maioria dos militares pensam que Malcolm é
algum tipo de gênio excêntrico. Talvez ele seja, de alguma forma. O
bando de animais aleatórios que ele cuida como animais de
estimação não fizeram nada para dissuadir os colegas desta noção.
Embora Walker e sua equipe saibam dos Chimærae desde o nosso
ataque à Ashwood Estates, ainda tentamos manter a existência deles
em segredo. Você nunca saberá quando um desses loucos do
governo irá procurar uma oportunidade para fazer experimentos em
animais extraterrestres vivos.
Nós pegamos Regal, que prefere estar em forma de falcão, e
Bandit, que anda por aí como um guaxinim. Os outros Chimærae
ficaram com o pai de Sam, observando enquanto ele trabalha nos
mais variados testes sobre o aparelho de camuflagem Mogadoriano,
tentando descobrir como copiar aquela frequência. Adam está com
ele, dando sugestões sobre em quais aparelhos terráqueos seriam

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UNIDOS SOMOS UM

ideias parar combinar com aquele sinal. Até agora eles não tiveram
sorte, tampouco o time de engenheiros militares que estão
trabalhando na sala ao lado da deles.
Na garagem, Lexa desce a rampa para nos encontrar.
— Prontos para irmos? – eu pergunto.
— Acabei de finalizar o diagnóstico – Lexa responde. — Nós a
forçamos bastante fugindo do Novo México, e ela levou alguns tiros
da Anúbis. Mesmo assim, a velha garota está pronta para voar
novamente.
Daniela balança a cabeça e encara a nave. — Estou prestes a
andar num OVNI – ela diz.
— Sim, você está – Sam responde. Ele olha para mim com um
sorriso gentil, e então leva Daniela e os Chimærae a bordo.
Assim como eu, Ella não segue eles imediatamente. Ela suspira
fundo, olha para mim com seus olhos brilhantes e então começa a
subir a rampa. Eu hesito até Lexa me cutucar no cotovelo.
— Está tudo bem – ela diz baixinho. — Eu... eu limpei tudo.
Eu assinto. — Tantas lembranças ruins nessa nave.
— Eu sei – Lexa diz. — Depois que tudo isso acabar, você pode
me ajudar a destruí-la.
Eu sorrio ao pensar nisso, tanto na destruição da nave quanto ao
fim da guerra. Eu subo a rampa, seguindo Lexa.
No topo, eu pauso para dar uma olhada no resto da garagem. Há
alguns soldados por aqui, garantindo que os veículos estejam
funcionando em ordem. Eu sei que eles nos viram. Alguns deles
estão até nos observando. Mesmo assim, nenhum deles mostrou
algum sinal de tentar nos impedir.
Perto do elevador, eu noto Christian e Caleb. Eles não estavam
aqui quando chegamos. Alguém deve ter reportado nossa presença,
e os dois desceram aqui para observar. Ambos me encaram, sem

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UNIDOS SOMOS UM

expressões nos rostos. Eu sorrio e aceno, embora eles me assustem


um pouco. Entretanto, eles não me cumprimentam de volta.
Então Lawson sabe que alguma coisa está rolando e que nós
estamos saindo da base. Bem. Isso é um problema para o John
resolver.
Dentro da nave, a área de passageiros está sem lugares. Usando
os controles do ecrã que cobre as paredes, Lexa estende alguns
assentos do chão, e todos se ajeitam em um lugar. Abaixo do chão,
os colchões estão fora de vista – incluindo o que Sarah Hart respirou
pela última vez. De repente sinto minha boca seca. Eu odeio estar
de volta aqui.
Eu sento no lugar do copiloto ao lado de Lexa enquanto ela liga a
nave. Sam aparece atrás de mim e se inclina, sua mão nas costas do
meu assento.
— Você está bem? – ele pergunta baixinho.
— Estou sim – eu digo rapidamente.
Sam olha por cima dos ombros como se estivesse tentando
imaginar a cena que ocorreu ontem nessa nave. Ele balança a
cabeça.
— Ainda não caiu minha ficha – ele diz. — Eu continuo esperando
que ela apenas, eu não sei, apareça em algum lugar. Viva...
Quando Sam fica sem palavras, eu me viro para Lexa.
— Os Mogs estão com uma vantagem sobre nós – eu a digo. —
Precisamos chegar às Cataratas do Niágara o mais rápido possível.
— Ah, não se preocupe – ela responde enquanto ela lentamente
liga os motores. — Vamos ir rápido. Lexa olha para Sam. — É melhor
você ir se sentar.
Eu coloco minha mão sobre a do Sam. — Vamos focar nas pessoas
que ainda podemos salvar, tudo bem?

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UNIDOS SOMOS UM

Sam dá uma última olhada em mim antes de voltar para a área de


passageiros e colocar seu sinto de segurança. Assim que ela ouve o
clique do sinto, Lexa empurra para frente a alavanca aceleradora.
— Aqui vamos nós!
A nave zune à frente através do túnel. Além do zunido do ar, a
nossa saída é completamente silenciosa, os motores rugindo
calmamente enquanto ganhamos velocidade. Não deve haver mais
de um metro de distância entre as paredes e nós. Há alguns
momentos dos quais eu juro que ouço a nave se chocar contra o
túnel. Lexa foca diretamente à frente, fazendo as curvas como se ela
tivesse feito isso umas cem vezes.
— Droga, droga, droga—, eu ouço Daniela murmurar atrás de
mim.
Nós fazemos uma curva, e então vejo o céu, primeiramente como
um ponto branco que fica cada vez maior enquanto seguimos
adiante. E então, com uma saída que parece quase física, estamos a
céu aberto, ganhando altitude, sobrevoando primeiramente uma
estrada suja e então o Lago Erie. Eu não posso evitar soltar um
suspiro de alívio assim que deixamos o túnel claustrofóbico para
trás.
— Rápido o suficiente para você? – Lexa pergunta com um
sorrisinho.
— Sim! – Daniela grita lá de trás.
— Você poderia ter esperado até termos chegado aqui para
acelerar de verdade – eu digo, embora não posso evitar sorrir de
volta para Lexa.
— Onde estaria a diversão nisso? – ela responde.
Mesmo com Lexa nos levanto a toda velocidade, estamos ainda a
mais ou menos uma hora das Cataratas do Niágara. Assim que está
claro que o caminho que escolhemos está seguro, eu solto o sinto e
vou verificar os outros.

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UNIDOS SOMOS UM

Assim como a viagem de volta do México, Ella está abraçada com


os próprios braços ao redor de seus joelhos e seus olhos estão
fechados. Interessantemente, os Chimaerae parecem ser atraídos
por ela, pois ambos estão encolhidos aos seus lados. Eu me
pergunto se isso é por conta da energia Lórica que flui através dela
ou se é porque ela apenas parece estar precisando de um pouco de
conforto.
Do outro lado do corredor, Daniela observa Ella como se ela
estivesse tentando entendê-la. Ela olha para mim enquanto eu me
aproximo e gesticula na direção da pequena garota.
— Qual é a dela? – ela pergunta cautelosamente.
— Ela—
Ella abre um olho e interrompe. — Eu morri ontem. Por um
tempinho.
— Ah – Daniela responde.
— E então eu me conectei com uma entidade que ainda está me
habitando, mais ou menos.
— Ah sim, normal.
— Eu estou me acostumando – Ella admite, e então fecha seus
olhos novamente.
Daniela arregala os olhos para mim como se perguntasse se tudo
aquilo era verdade. Eu dou de ombros, e Daniela suspira, movendo-
se devagar em seu assento.
— Cara, eu deveria ter ficado em Nova Iorque. Tínhamos
alienígenas lá, tínhamos sim. Mas eles não eram alienígenas zumbis.
— Não sou um zumbi – Ella diz abrindo seus olhos.
Perto de Daniela, Sam tirou de seu bolso um vídeo game de mão
bem antigo.
— Ligue – ele sussurra insistentemente para o vídeo game. —
Ligue.

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UNIDOS SOMOS UM

Ele olha para cima quando percebe que Daniela e eu o estamos


observando.
— O que? – ele diz.
Eu inclino minha cabeça para o lado. — Por que você trouxe isso?
— Isso é dos anos oitenta; você não pode se comunicar com isso,
cara – acrescenta Daniela.
Eu aponto para o aparelho. — Há um botão “liga” na lateral.
— Pensei que você tinha dito que não havia baterias, de qualquer
jeito.
Sam parece frustrado enquanto eu e ela o inundamos com
perguntas e comentários. Ele suspira fundo. — Eu encontrei
algumas – Sam responde distraidamente para Daniela, olhando para
mim. — E eu não o trouxe para, tipo, passar o tempo antes de
salvarmos algumas pessoas. Eu o trouxe para recriar o que
aconteceu antes. No nosso quarto?
Daniela levanta a sobrancelha. — Oh, o que aconteceu no seu
quarto?
— Sam fez as luzes piscarem – eu respondo.
— Ele fez? – Daniela diz, sorrindo para Sam enquanto ele fica
vermelho.
— Literalmente – ele diz. — Eu acho – bem, Seis acha – que eu
talvez esteja desenvolvendo um outro Legado. Como se talvez eu
pudesse controlar os eletrônicos ou coisa do tipo.
Daniela cruza os braços. — Cara, isso é bem melhor que olhos
petrificantes.
Eu sento perto de Sam, deixando-o entre mim e Daniela, e então
me inclino para a frente para olhar para a outra garota.
— Como você soube que estava desenvolvendo um novo
Legado? – eu pergunto, curiosa para saber se é diferente com os
humanos.

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UNIDOS SOMOS UM

— Eu senti que minha cabeça explodiria se eu não... eu não sei. O


libertasse? – Daniela responde. — Minha adrenalina estava a mil.
Tudo aconteceu muito rápido.
— Isso faz sentido - eu digo. — Acontece bastante. Eles tendem
a aparecerem quando você realmente precisa deles. Seus instintos
assumem. Depois disso, você aprender a controlá-los.
Daniela presta atenção, então se inclina para trás e começa a
massagear sSas têmporas. Ela olha fixamente para a parede em
frente de nós. — Sim, eu posso senti-lo em mim agora. Eu poderia
fazer novamente se eu quisesse sem sentir tanto dor.
— Por favor, não transforme a nave em pedra, enquanto nós
estamos voando dentro dela - Sam diz, e depois olha para mim. —
Minhas telecinese veio quando John estava prestes a ser atacado por
um Píken. Seria bom se eu pudesse usar este novo Legado, sem a
coisa toda de situações que desafiam a morte. Quer dizer, se os
Legados se manifestam quando nós realmente precisamos deles, eu
diria que agora, considerando a situação em todo o planeta, nós
realmente precisamos eles.
— Então, continue tentando - eu digo, gesticula do para Sam olhar
para seu Game Boy antigo. — Talvez temte imaginar que algo
horrível está prestes a acontecer.
Ele franze a testa. — Não deve ser difícil. Sam volta a falar
insistentemente pro seu vídeo game. Nada acontece. A cada poucos
minutos, ele fecha os olhos e range os dentes, como se ele estivesse
tentando criar uma situação interiro de pânico e
terror. Gotas de suor escorrem em sua testa. Ainda assim, ele não
consegue fazer com que o vídeo game funcione. Eu inclino minha
cabeça para trás, fechando os olhos e ouvindo o seu mantra. — Liga,
liga, liga...
— Estamos chegando em cerca de dez minutos - Lexa diz a partir
da cabine, um curto período de tempo depois. Abro os olhos e olho

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UNIDOS SOMOS UM

para a cabine. O assento de co-piloto está agora ocupado por Regal,


o falcão empoleirado no espaldar da cadeira, com os olhos sempre
em frente enquanto nós voamos rapidamente através das nuvens.
Ella é ainda está descansando os olhos ou meditando, eu não tenho
certeza. Enquanto isso, Bandit anda para frente e para trás no
corredor em frente de nós, esperando ansiosamente para
pousarmos. Daniela observa os passos do guaxinim, parecendo um
pouco nervosa na medida que nos aproximamos do que poderá ser
uma batalha. Ocorre-me que isto é tudo ainda extraordinariamente
novo para ela. Ela nem sequer tem seus Legados por mais de uma
semana e agora ela tem que se acostumar com a encarar situações
perigosas ao lado de animais alienígenas que mudam de forma.
— Não se preocupe. Podemos lidar com isso - eu me inclino sobre
Sam para lhe dizer, mesmo eu não tendod nenhuma ideia
do que vamos enfrentar assim que chegarmos às Cataratas do
Niágara.
— Estou bem - Daniela me tranquiliza.
Viro-me para Sam para dizer alguma coisa, mas me interrimpo
quando eu noto o olhar de concentração profundo na expressão
dele. Suas sobrancelhas estão amassadas, e ele está olhando pro
Game Boy inerte, como se ele fosse seu pior inimigo.
— Ativar - diz ele com os dentes cerrados.
Eu dou um pulo de verdade quando o video game portátil ganha
vida. Sam quase derruba a coisa enquanto ele se vira para sorrir para
mim.
— Você viu isso? - ele exclama.
— Nuh-uh - Daniela responde, inclinando-se. —Seu dedo estava
no botão.
— Não estava!

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UNIDOS SOMOS UM

— Você conseguiu, Sam! – eu digo, apertando sua perna. Estou


muito feliz por ele, o meu próprio sorriso é quase do mesmo
tamanho que o dele.
Ella abre os olhos para assistir a cena, um pequeno sorriso em seu
rosto. — Parabéns, Sam.
— Se sente diferente? - pergunto. —Você se lembra de como
você fez isso?
— É difícil de explicar - Sam diz, olhando pro vídeo game quase
como se ele ainda não acreditasse no que aconteceu. — Tentei
imaginar o circuito. No início, era apenas, tipo, uma imagem na
minha cabeça. Eu não sei como é o interior de um Game Boy ou
como ele funciona. Mas então, eu não sei, a imagem começou a ficar
cada vez mais clara. Como um plano estava se formando em minha
mente. No começo era tudo bobagem, mas gradualmente se
transformou em algo... Eu não sei. Algo lógico? Como eu estava
aprendendo sobre a máquina. Ou a máquina estava me dizendo
como ela funciona. Isso faz sentido?
— Não - Daniela responde imediatamente.
— Parece um pouco semelhante à forma como eu uso a minha
telepatia - diz Ella.
Eu dou de ombros para Sam. — Tudo funciona. Você acha que
você poderia fazê-lo de novo?
— Eu acho que sim - Sam diz, e mais uma vez se concentra no
vídeo game. Desta vez, ele levanta a voz como se ele estivesse
repreendendo um animal de estimação por mal comportamento. —
Desligue.
O Game Boy piscan, desligado.
— Massa - diz Daniela. — Você realmente está fazendo isso.
Em vez de felicitar Sam, eu inclino minha cabeça pro lado. Algo
não está certo. O vento fora da nave de repente está muito mais
forte. Leva-me um momento para perceber o motivo.

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UNIDOS SOMOS UM

— Nós estamos caindo - observa Ella.


Os motores da nave pararam de zumbir.
— Gente! - a voz de Lexa vem da cabine, com um leve tom de
pânico. — Eu estou com algum tipo de mal-funcionamento aqui!
Meus sistemas simplesmente morreram!
A partir da cabine, eu ouço Lexa batendo em alavancas e botões,
xingando quando eles não fazem nada para trazerem seus sistemas
de volta. Pressentindo problemas, Bandit se esconde debaixo de um
assento e coloca suas patas sobre sua cabeça. Nós estamos
deslizando agora, e um rápido olhar para fora da janela me mostra
que estamos perdendo altitude rapidamente. Um campo de golfe
passa zunindo por baixo de nós, uma pequena cidade e um rio.
Daniela e eu olhamos para Sam em uníssono. Seus olhos estão
arregalados. Ele engole em seco.
— Oops.

98
UNIDOS SOMOS UM

— você tem certeza de que deveria estar fazendo


isso? - Nove me pergunta.
— Nós não temos opção.
Nós dois andamos por um dos corredores não mapeados de Patience
Creek. Enquanto a presença militar tem a maioria desses corredores
zunindo com atividade a medida que eles conseguem sua execução
operacional, essa parte da instalação tem sido deixada de lado. Estamos
em uma pequena seção que foi construída para manter prisioneiros e,
no momento, temos apenas um desses.
— Todos esses novos Garde pipocando pelo mundo, você pensaria que
um deles teria o legado de voo - Nove diz.
— Talvez um deles tenha - respondo. — Mas não temos tempo para
encontrá-lo.

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UNIDOS SOMOS UM

— Tudo bem, tudo bem - Nove finalmente concorda, balançando sua


cabeça. — Apenas deixe-o sabendo, para registrar, que sou contra isso.
— Tá, eu entendi. Você enfiou uma placa de trânsito no peito dele há
apenas alguns dias.
— Ah, essa é uma boa lembrança.
— Suas intenções foram claras.
— Vou matá-lo se ele tentar qualquer coisa.
Olho para Nove. — Eu sei. Por que você acha que eu fiz você vir
comigo?
Nove e eu paramos de falar quando alcançamos a sala acolchoada
onde estão mantendo Cinco preso. A porta reforçada é de aço e tem
apenas uma pequena abertura e abre como uma roda como as que você
encontra num cofre de banco ou em um submarino. Há dois guardas
parados na frente, fuzileiros navais de aparência mau humorada
portando rifles automáticos que não teriam utilidade nenhuma se Cinco
tentasse escapar. Ambos parecem surpresos em nos ver.
— Preciso dele - digo para os guardas, gesticulando em direção a porta
trancada.
Eles trocam um olhar. — Ele é um prisioneiro - um deles diz.
— Eu sei. Ele é nosso prisioneiro - eu respondo.
— Nós definitivamente não estamos planejando deixar ele fugir -
Nove acrescenta.
Um dos guardas dá um passo para o lado e murmura alguma coisa no
walkie-talkie. Eu deixo ele terminar. Pode fazer parecer que eu respeito
a autoridade de Lawson.
O guarda volta, encolhe os ombros e produz um barulho de chaves.
— O general gostaria que você fosse vê-lo em... outro momento - o
guarda me diz enquanto destranca o mecanismo que segura o volante
de três pinos no lugar.
— Oooh, você está numa enrascada - Nove diz.

100
UNIDOS SOMOS UM

— Você pode dizer que vou estar com ele assim que terminarmos aqui
-respondo ao fuzileiro.
Imagino que Lawson foi informado que Seis e os outros deixaram a
base sem notificá-lo. Não tive a intenção de desperdiçar meu tempo
explicando nossos movimentos ao general. Se ele quer uma atualização,
ele pode vir me encontrar. Eu tenho coisas para fazer. Claro que não digo
isso para os guardas.
A roda range quando o soldado a gira; a porta se abre e os dois guardas
se afastam com pressa.
— Me perguntava quando viria me visitar.
Cinco senta-se de pernas cruzadas no chão de sua cela acolchoada e
sorri para mim e para Nove. Seus braços estão seguros em uma camisa
de força, suas pernas em um par de calças de pijama largas e de pés
descalços. O chão sob ele é como uma grande almofada. Não há nada na
sala que Cinco possa tocar que o permita ativar sua Externa. No pior dos
casos, ele pode transformar sua pele em algodão.
Eu não supervisei o encarceramento de Cinco. Eu realmente não
estava num estado emocional para me preocupar com ele, então Nove e
Sam arranjaram esta instalação. Olhando para a sala acolchoada, você
pensaria que foi projetada especificamente para manter Cinco. Para
nossa sorte os espiões que construíram o lugar originalmente estavam
preparados para qualquer possibilidade, incluindo um dos deles
perdendo a cabeça num cenário pós-apocalíptico.
O rosto de Cinco continua ferido e inchado onde Nove o acertou logo
depois de nossa batalha na Ilha da Liberdade. Ao prendê-lo aqui em
baixo, Sam e Nove tiraram até o tapa olho que ele mantinha no rosto.
Uma órbita vazia me encarando.
— Preciso de sua ajuda - digo. As palavras deixam um sabor amargo
em minha boca.
Cinco gira a cabeça um pouco para o lado, assim seu olho bom foca
em mim. — Você salvou a minha vida, John. Eu sei que você nunca vai

101
UNIDOS SOMOS UM

confiar em mim. Não depois de tudo o que aconteceu. Mas estou a sua
disposição.
Ao meu lado, Nove grunhe. — Eu quero vomitar.
Cinco se vira para Nove. — Você sabe, eu aceitei a responsabilidade
de meus atos, Nove. Eu sei que o que eu fiz foi . . . equivocado. Mas
quando você vai aceitar as suas?
— As minhas?
— Sempre esquecendo de fechar a droga da sua boca sagrada - Cinco
rosna. — Se você calasse a boca ao menos uma vez por alguns
instantes...
— Então minhas piadas te transformaram no traidor psicótico que
você é? - Nove responde. Percebo que os punhos dele estão cerrados. Ele
olha para mim. — Essa é uma ideia estúpida, John.
Balanço minha cabeça. — Olha, quando tudo isso acabar, se vocês
dois quiserem se trancar numa gaiola de metal e acabar um com o outro
de uma vez por todas, estará tudo bem para mim. Mas agora, não
podemos perder mais tempo.
Nove faz uma cara feia e fica em silêncio. Cinco continua me
encarando como se pudesse ver através de mim. Depois de um segundo
ele estala a língua.
— Que diferença um dia faz - Cinco diz. Então ele se dirige a Nove
como seu eu nem mesmo estivesse na sala. — Ontem ele estava fazendo
de tudo para evitar que matássemos um ao outro, lembra? O Garoto
Protetor. Agora está todo mudado - ele lança um sorriso para mim que
parece quase orgulhoso. — Eu vejo o olhar em seus olhos, John. Você
não estava pronto antes, mas agora está.
— Pronto para quê? – pergunto, indignado comigo mesmo por ter
mordido a isca com tanta facilidade.
— Para a guerra - Cinco responde. — Preparado para fazer o que for
necessário para ganhar. Talvez preparado para fazer algo mais do que o

102
UNIDOS SOMOS UM

necessário, hmm? - ele olha para Nove novamente. — Você vê isso


também, não é? Ele é como nós agora. Sedento por sangue.
Nove não responde imediatamente. Ele está com um olhar incerto em
seu rosto; e, eu percebo, apesar de seu ódio por Cinco, o que acabou de
ser dito sobre mim o laçou como uma corda. Como eu poderia não ter
mudado depois do que houve? Se estou sedento de sangue, se estou
disposto a fazer qualquer coisa para acabar com Setrákus Ra, bem, não
estou envergonhado por isso.
Ignoro tudo isso e o olho para Cinco, em seu único olho. — Preciso
que me ensine a voar - digo.
Cinco se concentra por um momento e então flutua sobre o chão
almofadado. Com as pernas cruzadas e a cabeça raspada, pairando a um
metro de altura, ele parece uma versão distorcida de um monge.
— É isso que você quer? - ele pergunta.
Estudo a forma que ele flutua. — Não é o suficiente.
Ele franze as sobrancelhas. — Você tem o Legado de imitação como
Pittacus Lore, certo? Eu vi o que você fez em Nova Iorque com a garota
nova e seus olhos de pedra. Você apenas teve que observar o Legado
dela. Então, observe.
Não foi tão simples como Cinco pensa. Primeiro de tudo, eu estava
desesperado. Isso sempre parece ajudar a dominar um Legado. Eu
também podia sentir a estrutura do poder quando eu tentei curar
Daniela da dor de cabeça. Meu Ximic acertou diretamente em seu
Legado de petrificação, e eu podia sentir como ele funcionava. Eu acho
que esse foi o motivo de eu poder copiar o Legado de cura de Marina sem
nem mesmo saber o que estava fazendo, e porque eu fui capaz de recriar
o Legado de invisibilidade da Seis sem muitos problemas. Eu senti esses
Legados antes, foram usados em mim, toquei no poder. Observar Cinco
flutuar como um Buda psicopata não chega a ser o bastante.

103
UNIDOS SOMOS UM

— Com Daniela, foi no calor do momento. Além disso, eu pude sentir


como o Legado funcionava - explico a Cinco. — Observar você não vai
me ajudar em nada.
— Eu voei com você antes - Cinco me lembra. — De volta àquele dia
em que nos conhecemos. Não se lembra de como foi?
— Provavelmente como ser carregado por aí por um gordinho filho da
mãe – Nove diz, não ajudando em nada.
Ignorando Nove, fecho meus olhos e tento recriar a sensação de voar
com Cinco. A sensação de não ter peso, minhas pernas pendendo, a ideia
que ele talvez pudesse me soltar a qualquer segundo...
Olho para meus pés, mas não estou surpreso de encontrá-los ainda
no chão.
— Eu me lembro de como é ser carregado - digo. — Isso é muito
diferente de estar na verdade me impelindo para o ar.
Cinco adquire um olhar pensativo. Quase nostálgico. Não é algo que
eu já tenha visto antes em sua expressão normalmente cheia de ódio.
— Voar é muito parecido com a telecinese - Cinco diz depois de um
momento. — Quase como quando você visualiza um objeto e quer que
ele se mova pelo ar. Como você imagina estar fazendo e então acontece.
Vocês já fizeram essa porcaria milhões de vezes como eu, certo?
Nove e eu murmuramos em concordância.
— Bem, imagine que está fazendo isso com seu próprio corpo - Cinco
continua. Ele se sacode contra sua camisa de força e franze as
sobrancelhas. Ele estava tentando abrir os braços e esqueceu que eles
estavam presos ao peito.
— Estique seus braços e imagine cordas debaixo deles, puxando-os para
cima.
— Como uma marionete - Nove diz.
— Como um ator em um show - Cinco responde, com um olhar
ameaçador. — Ascendendo sobre o palco. Gracioso.
— Mais para estúpido – Nove diz.

104
UNIDOS SOMOS UM

— Tente isto, John - Cinco diz gentilmente. — Estique seus braços.


Imagine que está seguro atado aos fios. Imagine que sua telecinese pode
manipular esses fios e então pare de imaginar e faça.
Mesmo que eu não esteja completamente confortável recebendo
treinamento de Cinco, ainda estico meus braços para o lado. Concentro
e tento imaginar cordas enroladas em mim, me conectando ao teto,
como Cinco disse. Puxo essas cordas com minha telecinese. Visualizo
meus pés deixando o solo, meu corpo sem peso no ar.
E então acontece. Alguma coisa clica, e sinto meus tênis perder
contato com o chão. Alguns centímetros no máximo, mas ainda assim
—acontece.
— Calma agora - Cinco diz, sua voz é um sussurro. — Isso foi bom.
Foque em manter seu corpo ereto. Continue puxando a si mesmo com
suas cordas.
Mesmo que Cinco tenha dito isso, não posso evitar uma olhada pro
chão e checar meu progresso. Há quase um metro de espaço vazio abaixo
onde meus pés estão pendendo, e ver isso é quase completamente
desorientador. Meu instinto é de balançar os braços como se tivesse
perdendo o equilíbrio. De repente, me inclino para frente, ainda
flutuando, mas agora na horizontal, olhando para o chão.
— Foco! - Cinco diz. — Lembre-se das cordas!
O aviso não ajuda. Eu me lembro das cordas imaginárias, mas ao invés
de puxá-las gentilmente para trás, eu dou um puxão mental cheio de
frustração. Subo como um foguete, sinto minha espinha bater com força
no teto e então caio de cara. Para minha sorte o chão da sala de Cinco é
acolchoada.
Atrás de mim, ouço Nove sufocar o riso. Me ergo sobre minhas mãos
e joelhos e olho para ele.
— Você podia ter me pegado.
Nove sorri e me imita balançando os braços procurando por
equilíbrio. — Ah cara, isso foi muito bom. Eu não estava pensando.

105
UNIDOS SOMOS UM

Me coloco de pé novamente. Cinco continua flutuando sem esforço a


minha frente. Ao menos ele não acha meu fracasso hilário como Nove.
— Já é um começo - ele diz, e encolhe os ombros em sua camisa de
força. — Eu não recomendo praticar em lugares que tenha teto, a
propósito. Eu aprendi a maior parte disso sobre a água, assim não
machucava tanto quando eu caia.
— Quanto tempo? - pergunto. — Quanto tempo leva para eu
dominar?
Cinco bufa. — Não é como atirar bolas de fogos, John. É mais como
aprender a andar novamente. Leva meses.
Balanço minha cabeça. — Não tenho meses. Preciso voar até uma das
naves de guerra o mais cedo possível.
Cinco levanta uma sobrancelha. — Bem, agora isso soa interessante.
— Você não está convidado - Nove diz rapidamente.
Cinco suspira. — Se está determinado a fazer isso sozinho, há outra
técnica de treinamento que podemos tentar.
— Qual?
Eu mal fiz a pergunta quando Cinco me atinge no estômago com seu
ombro. Perco o ar imediatamente. Ele é como uma bola de canhão. Ele
não tem braços para me apertar, então toda a força mantém minha
barriga pressionada firmemente no ombro de Cinco. Nós nos movemos
desajeitadamente direto para fora de sua cela, passando por Nove, que
não reage rápido o suficente. Os fuzileiros do lado de fora gritam de
surpresa.
Deixamos nossa guarda baixa por um segundo e isso é o que acontece.
Quão estúpidos podemos ser?
Cinco me bate contra a parede oposta à sua cela, no alto, assim o topo
de minha cabeça raspa pelo teto. Ouço gritos dos soldados, ouço suas
armas serem carregadas
— Não! Nove grita. — Vocês vão acertar o John!

106
UNIDOS SOMOS UM

Cinco voa para longe de mim, e começo a escorregar parede abaixo.


Mas ele não está me deixando ir; ele está apenas ficando em uma posição
melhor. Enquanto caio, suas pernas envolvem meu peito. Um de meus
braços está preso a um dos meus lados em sua chave de perna. Contorço
o outro tentando libertá-lo.
Ativo meu Lúmen em minha mão livre e agarro a perna de Cinco,
tentando me libertar. Queimo a frente de sua calça de pijama, ouço a
pele de sua perna crepitar e então — Whoosh!
Toda a pele de Cinco se tornou fogo, seu Legado entrando em ação.
Mesmo que eu seja imune a queimaduras, eu recuo, surpreso. A camisa
de força queima sobre seu corpo, pedaços em chamas caem no chão do
corredor sob nós. Agora ele não precisa de suas pernas para me agarrar.
Ele me alcança e agarra minha garganta com sua mão coberta de chamas.
— Obrigado pelo fogo, John, você é previsível, canalha arrogante!
Ele voa para o alto, com força, e me esmaga contra o teto. Então,
imediatamente para baixo, me arrastando contra o chão. Nove salta em
nossa direção, e Cinco me balança como um escudo humano. Ouço Nove
grunhir quando minhas pernas acertam o lado de sua cabeça. Então
estou subindo novamente, Cinco voa comigo pelo corredor em alta
velocidade.
— Aquela primeira vez que voamos? Deus, como eu queria largar
você! Você não faz nem ideia. Hora de compensar isso!
Estou enjoado. Estamos batendo contra as portas, em celas vazias,
em novos corredores onde gritos de pânico nos atinge. Cinco usa cada
oportunidade de me espremer contra uma parede, teto ou chão. É difícil
dizer as vezes contra qual superfície minhas costelas estão estalando,
isso é desorientador. Tenho lampejos de Nove correndo logo atrás de
nós e percebo que ele está correndo pelas paredes, usando seu Legado
de antigravidade para não atingir nenhum espectador. Cinco deve tê-lo
visto também, porque ele se vira e então vai na direção de Nove como
um meteoro. Nove tem que mergulhar para fora do caminho para evitar

107
UNIDOS SOMOS UM

ser esmagado ou queimado, e, antes que ele possa se recuperar, Cinco


dispara comigo por uma esquina.
Estou por conta própria.
Agradecido por ser a prova de fogo, não estou preocupado com a pele,
literalmente em chamas de Cinco. É a maneira com que ele está
esmagando minha traqueia que me preocupa. Toda vez que Cinco me
arrasta contra uma nova superfície, seu aperto afrouxa um pouco, e isso
me dá uma chance de respirar. Com a forma que ele me acerta pelo
caminho, é uma luta constante para continuar conseguindo oxigênio.
— Amado Líder tem me visitado em sonhos! - Cinco grita em meu
rosto. O buraco de seu olho arrancado está completamente preenchido
de fogo. — Ele disse que me perdoaria se eu dissesse a ele onde
encontrar você. E disse que faria melhor e mataria você eu mesmo!
Um rosnado de ódio escapa de minha garganta arfante. Chega!
Coloco meus dois punhos entre os braços de Cinco num esforço de
quebrar seu aperto. Ele grunhe, mas não larga meu pescoço.
Continuamos na parede, e então no teto, eu sempre amortecendo o
golpe para Cinco.
Inclino minha cabeça para trás, tendo certeza de que meus olhos
estão mirando diretamente em Cinco, e solto a visão de pedra de
Daniela.
Ele é muito rápido. Assim que o feixe deixa meus olhos, Cinco usa
uma de suas mãos para evitar que meu raio acerte seu rosto inteiro. Ao
menos isso é uma mão a menos ao redor do meu pescoço. Cinco solta
uma pequena e arrepiante gargalhada quando sua mão se transforma
em pedra, então esmaga este novo apêndice inerte contra meu rosto. Ele
mantém a pressão, cobrindo meus olhos para que assim não possa
dispara mais uma vez com a visão de pedra.
Entretanto, é uma abertura. Eu consigo respirar agora com apenas
uma das mãos de Cinco apertando minha garganta. Não apenas isso,
mas eu consegui ganhar uma alavancagem. Agarro ele ao redor do

108
UNIDOS SOMOS UM

pescoço e giro, nos girando, assim ele receberá o golpe da próxima


queda. Batemos em alguma coisa — isso tem que ser o chão, embora eu
não possa ver — e eu imediatamente tenho certeza de que mantenho
Cinco preso. Estou no comando agora, todo o meu peso contra Cinco,
pressionando ele contra o chão de novo e de novo.
Sua mão de pedra sai da frente dos meus olhos, e posso ver o a
expressão de dor em seu rosto. As chamas cobrindo seu corpo vão se
extinguindo, deixando para trás uma frágil pele normal. Continuo
esmagando ele. Agora é Cinco arqueja para respirar.
— John... John... olhe para baixo! - ele diz entre arquejos.
Outro truque, provavelmente. Mas tem alguma coisa na forma que
Cinco diz isso, toda a malícia se foi do tom de sua voz.
Dou uma olhada para baixo e vejo o chão, quatro metros e meio
abaixo. Eu não estou batendo Cinco contra o chão; estou pressionando
ele contra o teto.
Estou voando. Com controle completo.
— Você disse... você disse calor do momento - Cinco crocita. — Pensei
que um pouco de motivação talvez... talvez ajudaria você a aprender.
Faça... faça por instinto.
Não sei o que dizer. Deixo um suspiro profundo sair por meus dentes
e minha fúria dissipa, enquanto continuo segurando Cinco contra o
teto. Devagar — no controle agora — flutuo nos dois até o solo. Olho
ao redor. Estamos num corredor na base da seção de enfermaria. Está
tudo menos deserto aqui. Há distancia, ouço sons de passos correndo
por um corredor próximo. Provavelmente Nove e os soldados tentando
nos alcançar.
— Tinha formas melhores de fazer isso - digo, me virando para Cinco.
Ignoro o fato dele estar completamente pelado, suas roupas queimaram
completamente quando sua pele se tornou fogo.
— Não posso discutir com resultados - Cinco responde, curvado. Ele
segura a mão que foi transformada em pedra na frente do rosto. Posso

109
UNIDOS SOMOS UM

dizer que pela maneira que seus músculos do braço flexionam, que ele
está tentando mover seus dedos, mas não consegue. — Isso é estranho.
Cinco transforma seu corpo inteiro em pedra para combinar com a
mão. Quando ele volta ao normal, a mão de pedra continua a mesma.
Ele franze.
— Merda. É permanente?
— Não sei - digo a ele. — Posso tentar curar isso.
— Por favor, faça - ele diz, e estende a mão.
Pego a mão de Cinco e deixo meu Legado de cura se despejar nela. O
esforço é maior do que o normal; meu Legado tem que trabalhar pela
pedra fria e encontrar algum tecido vivo para recriar. Eventualmente, a
pedra começa a esfarelar, revelando uma pele lisa por baixo.
— Talvez deixa apenas o mindinho - Cinco diz de repente, como se
tivesse tido uma ideia. — Eu não preciso do meu mindinho.
Faço uma cara estranha. Ele quer que eu deixe o mindinho, assim ele
sempre será capaz de transformar seu corpo em pedra. Balanço minha
cabeça.
— Não vai acontecer.
— Qual é, John - ele diz, e sorri para mim. Há sangue em seus dentes.
— Não confia em mim?
Em resposta, curo sua mão completamente. Não solto seu braço por
enquanto.
— Quando estávamos lutando, você disse que Setrákus Ra apareceu
em um sonho. Estava apenas tentando me irritar?
— Não, aquilo aconteceu - Cinco congela. — Eu não aceitei a oferta
dele, a propósito. Estou cansando de acreditar no que aquele velho
bastardo diz.
Antes que eu possa deixar Cinco se afastar, Nove vira a esquina numa
arrancada completa. Com minha audição ampliada, posso ouvir outra
dúzia de passos em disparada alguns segundos atrás dele. Consigo até
mesmo ouvir os clicks que denunciam armas automáticas. Eu

110
UNIDOS SOMOS UM

imediatamente levanto as mãos na direção de Nove e me coloco entre


ele e Cinco. Depois da façanha de cinco, não quero que a situação saia do
controle.
— Eu estou bem! - grito. — Foi apenas um mal entendido!
Nove derrapa até parar, seus punhos cerrados. Ele incha as bochechas
com o esforço, então levanta uma sobrancelha, olhando para mim.
Atrás de mim, Cinco geme em surpresa.
— Uh, John... - Cinco chama.
Me viro e encontro Cinco ainda deitado como uma estátua. Ele mal
consegue respirar. Uma estalactite de gelo paira no ar bem na frente de
seu rosto. A ponta brilha no corridor bem iluminado, no formato de uma
adaga. O caco de gelo está a um fio de distância do olho remanescente
de Cinco.
Marina está a alguns metros atrás de Cinco, longe o bastante para que
ele não pudesse alcançá-la e agarrá-la. Seu cabelo negro está um
emaranhado de um lado do rosto. Sua expressão parece a de quem
acabou de acordar, exceto pelos olhos — estes estão abertos e
brilhantes, focados em Cinco.
— Marina, calma... - começo a dizer. Ela não me ouve.
— O que eu te disse, Cinco? - Marina pergunta, sua voz está fria. — O
que eu disse que aconteceria se voltasse a ver você?

111
UNIDOS SOMOS UM

— nós deveríamos estar salvando o mundo de um


ataque de alienígenas malditos e em vez disso, nós vamos morrer em
um acidente aéreo! - Daniela geme, seu rosto pressionado contra a
janela mais próxima. — Que bagunça!
— Nós não vamos morrer! – Lexa fala da cabine do piloto. — Eu
posso aterrissar sem usar nenhum poder, só não vai ser algo muito
agradável.
Desagradável parece ser algo muito modesto. Olho rápido pela
janela e vejo que ainda estamos muito alto, as árvores absurdamente
pontudas abaixo de nós. Lexa nos faz deslizar em lentos movimentos
circulares, na tentativa de tornar agradável a aterrissagem o máximo
possível. Sem controle, a nave se agita de um lado para o outro a
cada rajada de vento, e eu consigo perceber Lexa pressionando os

112
UNIDOS SOMOS UM

comandos cada vez que isso acontece, para evitar que o bico da
nave vá direto ao chão. Até agora, ela tem sido capaz de nos manter
relativamente estável. Mas assim que a gente atingir aquelas
árvores, no entanto, nós vamos ficar loucamente desestabilizados.
Sam fica parado no meio do corredor. Parece ter entrado em
pânico. Eu não posso culpá-lo, já que essa descida abrupta é
praticamente culpa dele.
— Essa porra de nave é amaldiçoada. – murmuro para mim
mesma.
— FUNCIONA! – Sam grita pela vigésima vez. — Nave! Eu
ordeno que você volte a funcionar!
— Não está adiantando. Os sistemas continuam inoperantes, e eu
estou totalmente bloqueada. – Lexa responde da cabine. — Talvez
se você tentar pedir de uma forma mais gentil.
Sam pigarreia e sua voz sobe uma oitava. — Nave? Por favor,
ligue de novo?
Nada acontece.
— PORRA, LIGUE!
Eu pego Sam pelos ombros e faço ele olhar para mim.
— Você está apenas berrando agora, e sabe disso, certo? Você
precisa ter foco. Pare de surtar e use seu Legado.
— Eu não sei como, Seis. Gritar é o que honestamente funcionou
para mim até agora.
— Você fez isso antes com o vídeo game. Apenas, sei lá. Tenta
visualizar?
— Eu estou deixando a gente morrer – Sam geme.
— Eu tenho visto poucos futuros em que isso realmente acontece,
Sam. – Ella interrompe. Ela continua calmamente sentada em sua
cadeira. Sam a encara.
— Viu? Ela viu poucos futuros com essa possibilidade – eu digo a
Sam.

113
UNIDOS SOMOS UM

Sam engole em seco. — Não ajuda.


De repente, a nave dá uma guinada para a direita. Lexa xinga e
bate contra os comandos de direção, tentando desesperadamente
conseguir algum controle. Definitivamente, nós estamos numa
velocidade cada vez maior em direção ao chão.
— Seis, talvez você possa me ajudar com esse vento a nosso favor
– Lexa fala olhando para trás.
— Boa ideia – eu respondo. E começo a me afastar de Sam. Seus
olhos se arregalam imediatamente, como se eu tivesse o
abandonando. Eu o seguro pelos ombros, apertando-os. — Relaxe.
Você pode corrigir isso. Eu só vou segurar um pouco a queda para
que você possa ter mais tempo.
Eu vou para a janela mais próxima e me concentro no clima lá fora.
Está um céu azul e sem nuvens. Eu foco no vento – está soprando
muito forte a essa altitude, mas não forte o suficiente para não me
deixar controlar. Ao invés de atingir a lateral da nave, eu comando
as direções do vento, forçando com que ele venha por baixo,
amortecendo-nos. Combinado com a navegação cuidadosa de Lexa,
logo estaremos girando suavemente como uma folha sendo levada
por uma brisa.
Eu desacelerei nossa queda. Essa nave provavelmente continua
pesando meia tonelada. Eu não serei capaz de nos manter planando
por aí para sempre, não sem qualquer ajuda que seja dos motores. É
só uma questão de tempo. Eu tenho certeza de que Sam sabe como.
Ele mantém para si, tentando diferentes tons de vozes, comandando
os motores para que comecem a funcionar. A nave não o ouve, no
entanto.
Na minha visão periférica, percebi que Ella saiu da cadeira em que
estava. Pequenas manchas de energia azul são disparadas dos
cantos dos seus olhos. Ela segura o Bandit debaixo do braço; o
guaxinim estava ficando inconsciente desde que começou o

114
UNIDOS SOMOS UM

acidente. Assim que Ella o pegou, ele se acalmou imediatamente.


Eu na verdade, não sei qual era a preocupação dele – ao contrário
de nós, ele pode criar asas e voar.
Ella estuda Sam por um momento, analisando-o como se tivesse
chegado a uma conclusão.
— Da outra vez, você disse que imaginou o funcionamento
interno do videogame e que aquilo ajudou, certo? – ela pergunta.
— Eu disse que me veio à cabeça, eventualmente – Sam responde
e leva ambas as mãos à cabeça. — Eu não sei como aconteceu.
— Tudo bem – Ella responde. — Me dê um segundo.
Sam pisca os olhos a observando, enquanto engole em seco. Ele
fica olhando Ella andar casualmente até a cabine do piloto. Eu meio
que a observo também, ainda dando a maior parte da minha atenção
para o acolchoar do vento.
— Essa coisa deve ter paraquedas, certo? – Daniela me pergunta.
— Não se preocupe – eu respondo, observando ela. — Eu acho
que achamos um jeito.
Daniela me olha como se eu estivesse enlouquecido. Ela não está
acostumada com toda essa coisa de viver-por-um-triz.
— Você sabe como essa nave funciona, certo? – Ella pergunta a
Lexa, quase que grudada a ela. — Você poderia, digamos, imaginar
o motor?
— O quê? Sim eu acho – Lexa responde, embora esteja mais
focada em nos conduzir em direção a um trecho de terra plano que
acabou de avistar no horizonte. Não será espaçoso o suficiente para
um pouso maravilhoso, mas ao menos, não seremos arremessados
em meio as árvores.
— Você poderia fazer isso agora? – Ella pergunta pacientemente.
— Só... visualize o motor, ou o sistema de energia, ou... sei lá... o
que quer que você ache que o Sam estragou.

115
UNIDOS SOMOS UM

— Eu estou meio que ocupada com... – Lexa responde


rispidamente, então pensa melhor sobre isso. Ela confere por
garantia que os controles estejam apontados na direção certa antes
de se inclinar para trás por um segundo e fechar os olhos.
— Tá bem. Eu estou imagi.. - Lexa para imediatamente, como se
tivesse sentido um calafrio.
— Obrigada. Entendi – Ella diz.
Lexa reabre os olhos. Ela pressiona a ponta do próprio nariz por
um momento sem conseguir falar nada tentando retomar seus
sentidos por completo.
— Isso foi estranho – ela murmura.
— Sam, vou mandar essa imagem para você – Ella diz, olhando
para ele diretamente da cabine de controle.
— Me mandar isso como? – ele responde, apesar da resposta ser
bem óbvia. Telepaticamente. A cabeça de Sam vai imediatamente
para trás, como se tivesse recebido uma pancada bem na cara, ele
arqueia as sobrancelhas e diz: — Ah, beleza. Acho que acabei de
receber aqui.
— Tente seu Legado agora! – Ella sugere. Ela se inclina pela
entrada da cabine e acaricia a pele do Bandit. Ela parece estar tão
confiante, eu acabo ficando um pouco desatenta com o controle do
vento e a nave se inclina de repente para a esquerda. Daniela é a
única que percebe, ela solta um discreto gemido de desespero.
Todo mundo está focado em Sam.
Seus olhos estão vidrados, e ele olha especificamente pro nada.
Como se houvesse algo flutuando ali que só ele pode ver. Seus
lábios se movem rapidamente, silenciosamente, como se ele tivesse
sussurrando uma contagem rápida de um a mil.
— Nave, ligue e se estabilize. Devolva o controle ao piloto – ele
diz, confiante.

116
UNIDOS SOMOS UM

Imediatamente, ouvimos barulhos de funcionamento sob nossos


pés. O motor da nave volta a funcionar, e os sinais de que a cabine
do piloto voltou ao normal é algo satisfatoriamente agradável. Nós
estabilizamos e começamos a ganhar atitude.
— Tudo bem! – Lexa grita. — Crise evitada.
Dou um pulo de onde eu estava e abraço o Sam muito forte.
— Você conseguiu!
Sam sorri surpreso para mim, como se não tivesse acreditando no
que acabou de fazer.
— Eu consegui! – ele repete.
— Você não nos matou, oba! – Daniela fala ironicamente.
— Eu senti como se eu tivesse sobrecarregado ou algo assim. –
Sam diz, com o olhar em direção a Ella. — Como se eu tivesse
conectado a máquina. Controlar todo o seu funcionamento...
Ella dá de ombros. — Só arranquei o que estava na mente da Lexa
e joguei na sua. Só isso.
— Então, é como se você tivesse que primeiro conhecer a
máquina, antes de conseguir exercer controle sobre ela – eu digo,
apenas pensando alto.
— Mas com o vídeo game, eu apenas sentei com ele, me
concentrei e a fiação veio até mim – Sam fala. — E desligar a nave,
foi totalmente acidental. Como se eu não fosse capaz de fazê-lo.
— Você também falou engraçado dessa última vez, como se fosse
um robô – Daniela diz.
— Falei? – Sam pergunta, e levanta uma sobrancelha para mim.
— Exatamente – eu respondo. — Parece que ainda temos que
trabalhar em descobrir como exatamente funciona esse Legado.
— Cara, eu preciso de um Cêpan! – Sam diz, pressionando a parte
de trás do pescoço.

117
UNIDOS SOMOS UM

Lexa pigarreia. — Fiquem espertos, todos. Nós estamos nos


aproximando das Cataratas do Niágara, e eu já avistei dois - não,
agora três Escumadores.
Todos na parte de trás ficam em silêncio e sérios. O barulho
estrondoso das Cataratas do Niágara se torna visível logo abaixo de
nós assim que Lexa faz uma rápida passagem sobre elas. Como
esperado, as cataratas estão sem um turista sequer. Com o mundo
em guerra, ninguém reserva tempo na agenda para passear.
Percebo um brilho de azul-cobalto em uma das montanhas
cobertas de grama ao lado das cataratas. Lá está um novo pedaço de
Loralite, a que a nossa nova Garde se teletransportou.
E estacionada ao redor dela? Os três Escumadores que Lexa
avistou.
— Estão vendo? – Lexa pergunta.
— Sim. – eu respondo. — Embora não esteja vendo nenhum
movimento.
— Um momento. Deixa eu melhorar a imagem.
Ouço Lexa dar alguns comandos no controle. Um momento
depois, a vista da janela turva se expande. Agora estamos vendo
com zoom a pedra de Loralite e as naves em torno dela. A câmera,
que deve ser localizada na parte de baixo da nave que estamos, sem
esforço, nos dá uma imagem muito mais clara da pedra mesmo da
altura que nos encontramos.
— Uau! – Daniela diz. — Legal!
Agora eu posso observar mais detalhes sobre os três
Escumadores. Apenas um deles, na verdade, parece estar intacto,
com a rampa estendida e a porta da cabine aberta. O segundo
Escumador está soltando uma nuvem de fumaça preta do motor,
como se algo estivesse explodido recentemente nele. E o terceiro
está derrubado ao lado, com a metade dentro do rio que desagua
nas cataratas. Ainda está como se estivesse balançando, a qualquer

118
UNIDOS SOMOS UM

momento será derrubado e levado pela correnteza. Parece que os


Mogadorianos têm mais do que aparenta para negociar. Mesmo
assim, eu não vejo qualquer sinal de vida e isso me deixa nervosa.
— Como você quer brincar? – Lexa pergunta.
Eu penso sobre a pergunta dela por um segundo.
— Nos leve a que está aberta. Nossa abordagem não foi
exatamente sutil. Qualquer um que tenha um olho que seja, já deve
ter nos visto.
— Você acha que os Mogs já estariam atirando na gente agora. –
Sam diz, franzindo a testa para a tela enquanto Lexa aterrissa.
— Poder ser uma emboscada – eu digo.
— Ou eles deveriam ter mais naves. Talvez a gente tenha chegado
muito tarde. Eles podem ter pegado essas crianças e colocado de
volta na nave de guerra deles – Daniela fala, sem esperança.
— Vamos esperar que não – eu respondo.
Lexa nos leva para baixo o mais perto possível da pedra de
Loralite, próximo ao Escumador intacto. Agora que nós já estamos
em solo firme, ela faz com que a visão da janela volte ao normal. Ella
encara para a pedra brilhante, aparentemente hipnotizada.
— Nós precisamos ajudar o governo a manter a segurança desses
lugares – ela diz depois de um momento. — Se os Mogs os
encontrarem primeiro, a nova Garde pode acabar se
teletransportando diretamente para as mãos deles.
— Você poderia entrar em contato com eles novamente? – eu
pergunto. — Se eles estiverem vindo para a luta, talvez a gente
possa dizer a todos eles para se teletransportar para cá.
Ella balança a cabeça. — Meu alcance não está mais tão forte –
ela diz.
— A gente poderia postar algo no YouTube. – Sam diz sem
rodeios.

119
UNIDOS SOMOS UM

— YouTube não. Jamais – eu respondo. — Nós só podemos


confiar que Lawson e o pessoal dele vão fazer o que é certo por
conta própria.
— Fico muito feliz por estar com vocês, galera, e não detida –
Daniela diz.
Lexa nos coloca em um ângulo para que nossa rampa se abra em
direção as cataratas. Isso significa que nenhuma ameaça será capaz
de vir por trás de nós, e que nós poderemos usar a nave como
proteção caso isso seja realmente uma armadilha.
Qualquer Mog que pense em nos atacar terá que vir do pequeno
espaço verde da floresta que está ao norte. Aquela parte da floresta
é meio inundada pelo rio agitado que desagua nas cataratas, então a
gente mantêm uma certa vantagem se ficarmos na parte mais sólida
da montanha.
— Prontos? – Lexa pergunta.
Afirmo que sim com a cabeça, e ela abre a rampa. Ninguém atira.
Se bem que eu não tenho certeza se eu ouviria qualquer tiro com
todo o barulho das cachoeiras, de qualquer maneira.
— Adam deveria estar no rádio comunicador – eu digo para Lexa.
— Chame-o, diga a ele que nós chegamos e veja se ele conseguiu
rastrear alguma conversa entre os Mogs. Caso contrário, deixe a
nave pronta para voar. Pode ser necessário que a gente saia com
muita pressa daqui.
— Entendido – responde Lexa.
Eu estendo meu braço, e Regal imediatamente pousa no meu
antebraço, cuidadosamente para não me machucar com suas garras.
— Faça o reconhecimento – eu falo para o Chimaera, e ele se
afasta em direção ao céu azul. Eu começo a descer a rampa logo após
seu voo, acenando para Daniela. — Vamos lá. Venha na frente
comigo! Qualquer inimigo que apareça, não pense duas vezes para
transformá-lo em pedra.

120
UNIDOS SOMOS UM

Daniela sorri, mas posso dizer que ela está nervosa.


— Vamos fazer isso!
Comigo e Daniela formando a linha de frente, os demais seguiram
nossos passos rampa a baixo. Olha rapidamente para o lado, ao notar
um movimento, mas é apenas Sam retirando uma pedra do rio com
telecinese.
Ele dá de ombros para mim. — Se por acaso eu precisar espancar
alguém. – diz calmamente.
Daniela olha fixamente, analisando como traçaremos nosso
caminho pela frente da nossa nave até nos aproximarmos do
Escumador que está soltando fumaça. Bandit rola ao nosso lado a
medida que avançamos bem devagar para frente. O guaxinim tem
ficado cada vez maior desde que desembarcamos, orgulhoso,
mostrando alguma coisa com as garras. Ele as coloca em uma sujeira,
pronto para retira-las no primeiro sinal de perigo.
Suas garras chutam uma substância cinzenta que eu reconheço
imediatamente.
São cinzas Mogadorianos. São recentes, considerando que o
vento ainda não as espalhou por completo. E ali, ao lado das cinzas,
as armas deixadas para trás de alguns nascidos artificialmente
mortos. Definitivamente houve uma luta aqui, e os Mogs foram as
vítimas.
— Os novatos fizeram algum estrago por aqui – eu digo.
— Você está zoando! – Sam responde olhando para o Escumador
em chamas.
Analisando melhor, parece que uma granada explodiu bem na
cabine do piloto. Alguma coisa explodiu, disso não restam dúvidas,
só não sabemos realmente o que causou a explosão.
Olho para trás e vejo Ella se afastando do nosso grupo que está
basicamente grudado um no outro. Ela está indo para a pedra de
Loralite, o que a deixaria totalmente vulnerável.

121
UNIDOS SOMOS UM

— Ella, não se afaste – eu sussurro.


Ela acena para mim, sem tirar os olhos da pedra.
— Eu ficarei bem, Seis.
Sam e eu nos entreolhamos.
— Acho que você perde toda a ousadia quando pode prever o
futuro – ele diz.
— Ou quando você já morreu uma vez – eu respondo.
Confiando que Ella pode cuidar de si mesma, eu levo os outros
cautelosamente em direção a floresta. Nós passamos pelo
Escumador que pousou em segurança, nos aproximando do rio e do
que está quase sendo levado pela água. Daniela segura no meu
braço.
— Você ouviu isso?
A princípio, eu não ouço nada além da água. Mas então, eu ouço
um zumbido extremamente alto e incessante. Analiso o Escumador
no rio. Ele parece obscuro, estranho de alguma forma...
Insetos. Mesmo estando meio submerso na água, a nave
Mogadorianos está coberta por uma nuvem de insetos. Deve haver
milhares deles, abelhas, mosquitos, moscas e sabe-se lá mais o quê,
entrando e saindo das aberturas do motor, rastejando sob o casco
blindado.
Eles só se afastam quando a água do rio respinga neles.
— O apicultor no trabalho. – Sam diz.
— Tem que ser – eu concordo, conduzindo-nos para frente. Eu
estou me sentindo muito mais confiante sobre essa missão. Na
verdade, isto não está parecendo uma missão de resgate.
De cima, soando mais alto que o bater das ondas e o zumbido dos
insetos, vem um grito estridente. O choro de um falcão. Regal nos
envia um alerta.
— QUE MERDA É AQUILO? - Daniela berra, apontando para o
céu.

122
UNIDOS SOMOS UM

De cima das árvores, um objeto brilhante está sendo arremessado


em nós. Ele flutua pelo ar em um movimento circular impossível –
está sendo guiado através de telecinese, sem dúvidas. Se eu tivesse
que adivinhar, eu diria que alguém estaria jogando uma pinha em
nossa direção. Tirando o fato de que eu nunca vi nenhuma pinha
pulsar ondas de energia vermelha como esta. E tão intensamente.
Uma visão do Escumador em chamas me vem à mente de
repente.
— Atinja aquilo! – eu digo para Daniela.
Eu não tive que me preocupar, ela já estava fazendo isso. Uma
energia cinza sai dos olhos de Daniela – a força que ela faz parece
estar fazendo-a sentir dor, e ela engasga quando isso acontece. Sua
pontaria é certeira, e logo, a pinha brilhante não passa de um pedaço
de pedra cruzando o céu.
Sem querer arriscar, uso a minha telecinese para derrubar a pedra
o mais rápido possível. Ela cai a cerca de vinte metros a nossa frente
e explode imediatamente, a energia vermelha da pinha é tão forte
que destrói a carcaça de pedra feita por Daniela. Alguns pequenos
pedaços da pedra chegaram até a nos atingir, mas foi totalmente
inofensivo. Eu não sei como seria essa explosão se Daniela não a
tivesse abafado.
— Ali! – Sam grita, apontando para a entrada da floresta.
Também a vejo. A menina japonesa do vídeo com aspecto frágil.
Ela fica onde as árvores mais finas começam, na beirada do rio. Com
a água cobrindo as pernas até o joelho. Deve ter se escondido antes
e saiu do esconderijo quando nos aproximamos. Há um corte
embaixo da sobrancelha e sangue escorrendo na lateral do seu
rosto. Ela rasteja os pés, e nos braços dela, eu posso ver
queimaduras causadas por armas Mogadorianos. Ela nos encara,
insegura.

123
UNIDOS SOMOS UM

Em seguida, ela se abaixa e pega pedras no rio. Nas mãos dela,


todas as pedras começam a brilhar.
— Não faça isso! – eu grito enquanto ela move os braços se
preparando para arremessar as pedras em nós.
— Calma, Ran! Calma! – grita uma segunda voz. É do garoto
britânico com estilo punk que filmou o vídeo que nos trouxe aqui.
Nigel, acho que esse era o nome dele. Ele se arremessa para fora da
floresta, correndo pela água rasa, e agarra Ran ao redor da cintura.
Ran cessa seu ataque quando Nigel a agarra, levantando-a. As
pedras deslizam das mãos dela e caem na água. Alguns batimentos
cardíacos depois, a água é jorrada para cima, com a explosão de
onde as pedras foram detonadas.
— Ela faz granadas – Sam fala. — Isso deve ser útil.
— Isso é foda! Por que eu não fiquei com esse Legado? – Daniela
reclama, esfregando a cabeça.
Segurando a Ran com apenas um dos braços agora, Nigel acena
para nós. Os outros dois – Bertrand e Fleur – cuidadosamente saem
do meio das árvores. Ambos segurando armas Mogadorianos. Eu
sinto uma sensação estranha de nostalgia olhando para aquele
grupo desorganizado. Era assim que a gente parecia depois de
sobreviver aos nossos primeiros confrontos?
— Boa tarde, aliados alienígenas! – Nigel grita animado, vindo em
direção a gente, guiando os outros. — Porra, vocês demoraram
muito!

124
UNIDOS SOMOS UM

— marina, eu preciso que se acalme.


Provavelmente uma péssima escolha de palavras. Percebo
imediatamente.
— Não diga para eu me acalmar, John - ela responde com raiva. —
Acordei. Não sei onde estou. E esse... esse bastardo é a primeira coisa
que eu vejo?
O gelo afiado ainda flutua letalmente a alguns centímetros do olho
bom de Cinco. Eu poderia tentar usar meus poderes para tirá-lo dali, mas
é cinquenta por cento de chance desarmá-la e cinquenta por cento de eu
acidentalmente empurrar contra o rosto de Cinco no processo. Cinco
deve saber disso também. Ele mal se move, tão congelado quanto a arma

125
UNIDOS SOMOS UM

de Marina, suas mãos espalmadas para cima para mostrar que está
desarmado. Desarmado e totalmente pelado, na verdade.
— Você está segura - digo a Marina.
— Me desculpe, mas não é o que parece - Marina responde.
Olho por cima de meu ombro. Atrás de mim, ao fim do corredor, há
uma dúzia de soldados armados. As armas deles não estão apontadas.
Não acho que eles sabem o que fazer nesta cena, mas ainda assim não
são uma visão de boas-vindas. Nove está de pé a alguns passos à frente
deles, seus braços cruzados e sua boca fechada. Eu não deveria esperar
que ele defendesse Cinco. Na verdade, é impressionante que o fato dele
não estar torcendo para Marina.
— Estamos numa base militar secreta fora de Detroit - explico para
Marina, mantendo meu tom neutro. — Você foi ferida na batalha com
Setrákus Ra. Eu curei você, e você esteve descansando.
— Então Setrákus Ra ainda está vivo.
— Sim - respondo. — Embora Seis tenha machucado muito ele. Ele
não se curou daquele ataque ainda. Ganhamos tempo, não muito, mas o
suficiente para planejar nosso próximo passo...
— E quanto a esse aí? - o pingente de gelo balança em frente ao rosto
de Cinco para enfatizar. Cinco recua, o pingente de gelo mergulha
perigosamente em resposta e ele fica rígido de novo.
— Capturamos Cinco em Nova Iorque. Ele é nosso prisioneiro.
— Ele não parece com um prisioneiro.
— Ele estava me ajudando com uma coisa. Ele está voltando para a
cela agora. Certo, Cinco?
O olho de Cinco se move brevemente em minha direção. Ele engole
seco e cuidadosamente assente com a cabeça. — Sim - ele diz
calmamente.
Marina zomba quando ele fala. Ela volta seu olhar para mim, e
consigo ver isso, uma mistura de raiva e confusão surge quando ela vê
Cinco, ela quer confiar em mim.

126
UNIDOS SOMOS UM

— Por favor, Marina - digo. — Sei o que estou fazendo.


Devagar, ela começa a baixar o pingente. Assim que se afasta do rosto
dele, Cinco circula o gelo e me coloca entre ele e Marina. Ele olha para
ela, uma mistura de medo e vergonha em seu rosto, então se apressa pro
fim do corredor na direção de Nove e os soldados.
— De todos os horrores da guerra que vi, este é o pior deles - Nove
observa enquanto o Cinco nu se aproxima dele. Alguns dos soldados
riem. Balanço minha cabeça.... este é exatamente o tipo de comentário
que pode irritar Cinco.

Pro meu alívio, Cinco dá de ombros e não responde. A multidão de


soldados se abre para ele, olhando e murmurando. Cinco ignora todos
eles. Por agora, ele parece satisfeito por simplesmente voltar a sua cela
por vontade própria. Isso é bom. Talvez ele esteja aprendendo a escolher
suas batalhas.
— O show acabou, pessoal! - Nove grita, enxotando a multidão para
longe. Ele segue Cinco e no corredor, sua voz carregada como se ele
gritasse para um soldado. — Faça seu dever para a pátria e encontre
algumas calças para esse garoto!
Somos apenas Marina e eu agora. Ela flutua o pingente de gelo até ela
e o arranca do ar, quebrando a parte pontiaguda e pressiona o que
sobrou em sua testa. Ela olha para mim com um sorriso trêmulo.
— Sinto muito se eu reagi... mal. Acordando aqui e vendo ele, eu só...
estou tentando não ser tão... tão vingativa.
— Você reagiu como eu teria reagido - digo a Marina. Aceno para o
pedaço de gelo contra sua cabeça. — Como está se sentindo? A cabeça
ainda te incomoda?
— Apenas uma enxaqueca - ela responde. — Me lembro de Setrákus
Ra me esmagando contra o chão e então...

127
UNIDOS SOMOS UM

— Você estava num estado delicado - digo. — Te curei da melhor


forma que pude.
— Você salvou minha vida - Marina diz, tocando meu braço. — Eu
estava perto da morte. No precipício. Sei que isso é um fato.
Levanto uma sobrancelha para isso. Marina está certa; ela mal estava
se aguentando quando a nave de Lexa chegou aqui. A forma como ela
está dizendo isso, embora, posso dizer que há algo mais.
— Enquanto estive inconsciente, sonhei com Setrákus Ra. Ou, ele
invadiu meus sonhos. Ele tentou... - um olhar profundo de revolta cruza
o rosto de Marina. Ela estremece. O pedaço de gelo em sua mão se
quebra e expande, uma fresca geado cobre seus dedos. — Ele tomou a
aparência de Oito. Tentou me coagir a... a ir com ele.
Olho por cima do ombro na direção em que Cinco foi. Ele mencionou
um sonho com Setrákus Ra também. Eu acho que só por que ele precisa
de reabilitação psicológica não significa que ele não pode continuar
desandando conosco telepaticamente.
— Ele apareceu em sonho para Cinco também - conto a Marina. —
Pedindo a ele que nos traísse.
Marina arqueia uma sobrancelha. — E ele o fez?
— Ele jura que disse não - respondo. Eu acredito em Cinco quando ele
diz que não nos traiu, mas eu sei que isso é um esforço para Marina. —
De qualquer forma, trouxemos ele aqui vendado. Ele não poderia dizer
onde estamos mesmo se quisesse.
— Setrákus Ra deve ter vindo a mim porque eu estava vulnerável a e
até Cinco porquê... bem, a história deles... - Marina pausa, pensando
alto. — Alguém mais...?
— Não, eu vi todos esta manhã; eles teriam dito alguma coisa - conto
a Marina, porém alguma coisa me incomoda no fundo da mente.
— Então Cinco e eu somos os alvos fáceis - Marina diz, franzindo a
testa. — Isso é desanimador.

128
UNIDOS SOMOS UM

— Ele está desesperado - digo, porém não estou certo de que acredito
nisso inteiramente. — Ele não sabe onde estamos, mas nós sabemos que
ele está ferido, e sabemos onde encontrá-lo. Assim que resolvermos
algumas coisas para os militares, estamos indo para West Virginia, e
vamos terminar isso.
Marina me olha fixamente quando menciono os militares. Me ocorre
quanto ela perdeu no pequeno espaço de tempo em que esteve
inconsciente. Levo ela de volta a enfermaria. Não há muitas coisas aqui
dentro, com exceção de alguns leitos limitados por cortinas e
equipamento de monitoramento, o lugar está completamente vazio,
Marina foi a única paciente. Agora que estamos sozinhos, a informo
rapidamente. Conto a ela sobre a batalha em Nova Iorque, a conversa
com o presidente, a origem de Patience Creek e a nomeação do General
Lawson como comandante especial. Eu sei como soou — todo negócio,
como um comandante colocando seu soldado a par de tudo brevemente
— mas não consigo parar.
Marina ouve pacientemente, mas percebo seus olhos começarem a se
estreitar enquanto ele me estuda mais de perto.
— John - ela me interrompe quando eu pauso para me respirar. —
Onde estão os outros? Estão todos bem?
Olho para o chão. Me ocorre então o motivo pelo qual estou dando a
ela tantos detalhes. Obviamente, Marina tem o direito de saber como
está indo a guerra, mas é mais do que isso.
Ela não sabe.
Estou evitando contar a ela sobre Sarah.
Eu não deveria ter que fazer isso. Não deveria dar as notícias. Não
deveria nem mesmo dizer as palavras.
Marina me assiste com expectativa. Ela sabe que algo não está certo.
— Sarah, ela... - cubro meu rosto com as mãos. Não consigo olhar para
Marina quando digo isso, tenho que encarar o chão. — Ela não
conseguiu.

129
UNIDOS SOMOS UM

Marina cobre a boca com sua mão. — Não.


— Ela estava tentando ajudar a Seis, e Setrákus Ra... - balanço minha
cabeça, não querendo uma imagem disso. — Ela salvou Seis, mesmo
ferida, mas ela perdeu muito sangue...
Marina me agarra. Um de seus braços vai ao redor de meus ombros,
sua outra mão vai atrás de minha cabeça e me aperta com força. É apenas
quando eu sinto seus braços ao meu redor que eu percebo o quão tenso
eu tenho estado, tão rígido que eu mal consigo relaxar dentro do abraço.
Contanto, isso não para Marina. Solto um longo suspiro e estou
surpreso por ouvir a mim mesmo estremecer. Tudo tem sido tão caótico
— eu não percebi o quanto eu precisava de algo desse tipo. Por um
momento, descanso minha testa contra seu o ombro dela, e sinto algo
dentro de mim quebrar. Minha visão fica borrada, e retribuo o aperto de
Marina, provavelmente mais forte do que eu deveria, porém ela não diz
nada.
Percebo que minhas bochechas estão molhadas. Apressadamente, me
solto do abraço de Marina e limpo meu rosto.

— Deus, John, eu sinto muito. Estou tão... - Marina pausa e olha para
suas mãos, sobre o colo. — Se eu não tivesse sido... eu poderia ter feito
alguma coisa. Eu poderia ter salvado ela.
— Não - respondo. — Nem mesmo pense algo assim. Não é verdade,
e isso não leva a nenhum lugar bom.
Caímos num silêncio, sentados próximos um do outro em um leito de
enfermaria. Marina se inclina contra mim e segura minha mão. Ambos
olhamos para o chão.
Após de um momento, Marina começa a falar suavemente. — Depois
que Oito foi morto, eu estava com tanta raiva. Não foi apenas a forma
que aconteceu. Não foi só porque eu estava me apaixonando por ele.
Aquilo foi... todos perdemos alguém, antes, você sabe? Mas com Oito,
ele era — ele era a primeira pessoa com quem eu imaginei um futuro.

130
UNIDOS SOMOS UM

Isso faz sentido? Crescer em um monastério, com Adelina evitando meu


treinamento, negando a guerra — isso foi como saber que um desastre
estava vindo e não estávamos tomando precauções. Como a destruição
estava sempre a espera, apenas a algumas cicatrizes antes que eles
viessem atrás de mim. Eu rezei com as irmãs, ouvi elas falarem sobre o
paraíso como os humanos acreditam, mas eu nunca ousei imaginar a
mim naquele mundo. Nunca imaginei depois... depois de qualquer coisa.
Não até conhecer Oito. Eu podia imaginar o que talvez aconteceria a
seguir quando estava com ele. E o presente, aquilo melhorou, também.
Quando Cinco o matou, tudo foi levado embora. Eu senti... ainda sinto...
trapaceada, eu acho. Roubada.
Concordo com as palavras de Marina. — Eu conheci a Sarah logo
depois da terceira cicatriz. Marcado para morrer. Deveria ter sido o pior
momento da minha vida, mas de alguma forma, conhecendo ela, ela fez
ser o melhor. Meu Cêpan, Henri, ele pensava que eu estava maluco. Acho
que ele entendeu eventualmente. Ela me deu algo para eu lutar. Como o
que você falou, parecia como se eu finalmente houvesse algo a mais que
a sobreviver a causa da sobrevivência. E agora...
— E agora - Marina repete, sua voz sai triste e pensativa. — Agora o
que fazemos?
— Não sobrou nada a não ser terminar isso - digo, sentindo meus
músculos flexionarem com as palavras. Marina não perde seu aperto em
minha mão.
— No Santuário, antes de Setrákus Ra destruí-lo, a Entidade Lórica
me deixou falar com Oito - Marina diz. Eu dou a ela um olhar atordoado.
Eu não sabia que algo assim era possível. Ela sorri tristemente em
resposta. — Foi tão breve, apenas alguns segundos. Mas era ele mesmo,
John. Isso me deu fé de que talvez haja algo a mais. Não é apenas
escuridão e morte.

131
UNIDOS SOMOS UM

Me viro para longe dela. Eu sei que ela está tentando me dar
esperança. Eu apenas não estou pronto para isso ainda. A única coisa
que quero é vingança.
— Depois de tudo, eu sinto um senso de paz. Minha raiva se foi -
Marina ri duramente, como se tivesse se lembrado do que aconteceu há
alguns minutos atrás, como ela quase arrancou o olho remanescente de
Cinco. — Obviamente, não durou muito. Eu tentei — eu sempre tentei
— viver honrosamente, de forma certa, como os Anciãos iriam querer.
Em face de tudo que aconteceu, tentei me segurar. Ainda depois de tudo
isso, basta ver Cinco no corredor para trazer o pior em mim, para fazer
a raiva voltar.
— Talvez não seja seu pior eu - digo a Marina. — Talvez seja apenas
quem temos que ser no momento.
— E quem seremos depois, John?
— O depois não importa mais - digo a ela. — Já perdemos tanto. Se
não ganharmos, se não pararmos Setrákus Ra, então para que foi isso
tudo?
Percebo que a mão de Marina começa a emanar um frio doloroso. Ao
invés de afastar minha mão, deixo meu Lúmen se ativar. E emano meu
calor contra ela.
— Sem Sarah, não me importo com o que aconteça comigo - continuo.
— Só quero destruí-los, destruir Setrákus Ra, de uma vez por todas. Isso
é tudo que importa.
Marina concorda. Ela não me julga por estas palavras. Eu acho que ele
entende. Ela sabe o como é continuar em frente, continuar em
movimento para evitar se despedaçar.
— Eu só espero que tenha sobrado alguma coisa de quem éramos, algo
restante para nos reconstruir, quando isso tudo tiver acabado - Marina
diz calmamente.
— Eu também - admito.
— Bom - ela responde. — Agora, vamos começar.

132
UNIDOS SOMOS UM

lexa mantém o voo de volta das cataratas do


Niágara baixo e cauteloso. Nós não queremos ser identificados por
nenhum radar Mogadoriano caso eles decidam mandar mais naves
para sobrevoar esta área. Eu fico ao lado dela na cabine de controle,
deixando o campo de batalha da cachoeira cada vez mais para trás.
A voz do Adam vem clara e animada pelo comunicador.
— Eu tenho um monte de conversas da nave em Chicago. Eles
estão sentindo falta dos Escumadores que foram para as Cataratas
do Niágara. Eles estão mandando uma outra nave de Toronto ir lá
verificar. Você está ficando fora do alcance apenas dessa nave Mog
– Adam relata. — O Mogadoriano no comando é um nascido

133
UNIDOS SOMOS UM

naturalmente, e está preocupado que os Escumadores não tenham


chegado. Eu suponho que isto tenha algo a ver com vocês, certo?
Eu rio. — Com a gente não. Com os novatos.
— Ah. Bom para eles, então –Adam responde demonstrando
surpresa.
— Esmagar uma equipe de Mogs é como uma iniciação – eu digo
casualmente. Lexa ergue os olhos quando falo isso, franzindo as
sobrancelhas. Eu desvio o olhar.
— Provavelmente, ajudou o fato de que os nascidos
artificialmente tinham ordens para levá-los vivos – Adam comenta.
— Sério?
— Sim. Acho que o comandante queria fazer deles um presente
para Setrákus Ra.
Eu reviro os olhos. — Bem, ele ferrou tudo então.
— De qualquer forma... - Adam continua. — Este comandante
está agora solicitando permissão para desviar de sua posição em
Chicago, especialmente desde que as ordens de bombardeio não
têm sido dadas como prometidas. Ele quer formar um bloquei na
pedra de Loralite das Cataratas de Niágara no caso de mais Garde se
teleportarem através dela.
Faço uma careta. Essa era exatamente a preocupação de Ella.
— Eles não vão encontrar nada – eu falo para Adam. — Nós
cuidamos da pedra.
De volta às cataratas, enquanto Sam e Daniela ajudavam os
quatro novos Garde na nave, eu andei até onde Ella estava tendo
uma pequena conversa estranha com o pedaço de pedra azul-
cobalto. Ela estava com os braços ao redor da pedra de superfície
lisa, com a bochecha encostada nela. Ela pulsava com energia Lórica,
e por um momento eu fiquei preocupada que talvez ela estivesse
prestes a se teletransportar. Ou fazer algo ainda mais esquisito.

134
UNIDOS SOMOS UM

— Ella, você tá pronta para ir...? – eu perguntei com calma,


esperando não incomodar ela.
Ela não me respondeu de imediato. A pedra de Loralite cintilou
brilhantemente por um momento, de repente, ficou transparente
tornando visíveis algumas veias de energia elétrica. Então, um
momento depois, a pedra desapareceu, o azul-cobalto emergiu
parecendo estar irritado, como quando uma quantidade de pedras
começa a deslizar montanha abaixo. Ella se virou, franziu o cenho e
tirou o pó de suas mãos.
— Pronta – ela disse para mim.
Não me movi. Em vez disso, apontei para a pedra. — O que você
acabou de fazer?
— Eu a desativei – ela respondeu. — Não quero ninguém se
teleportando para cá se os Mogadorianos sabem sobre isso.
Eu olhei da pedra para Ella. — Você pode fazer isso? Controlar
elas?
— Eu não sabia até tentar – ela responde, seus olhos estão
irritados. — Desde o Santuário, desde que eu... caí dentro da
energia, eu me sinto conectada.
— Conectada a quê? Lorien?
— Isso, sim. E a Terra. Conectada a tudo. Mas é instável,
entretanto. O que quer que os Legados tenham feito comigo, não
acho que esses efeitos venham a durar.
Ella começa a andar em direção a nave. — Vamos lá. Eu preciso
ter uma conversa muito desagradável com o John.
Eu concordei como se eu tivesse entendido sobre o que ela estava
falando. Eu decidi que era do interesse de todos nós apenas deixar
Ella fazer o que tem que ser feito. Ela tem passado por maus
bocados, parece ter sido mais do que imaginei. Deixa ela com a
magia. Eu cuido do trabalho sujo.
— Seis, tá aí?

135
UNIDOS SOMOS UM

A voz impaciente do Adam surge no rádio. Eu perdi a noção do


tempo, pensando em Ella e em seu efeito sobre a Loralite. Do banco
por trás do controle, Lexa me lança um olhar e levanta a sobrancelha.
— Sim, desculpa. Estou aqui – eu respondo. — Qual a notícia
sobre os mogs? Eles vão usar aquela nave de guerra?
— Eles não sabem o que diabos eles estão fazendo. Com Setrákus
Ra fora da Comissão, eles estão todos gritando uns com os outros.
Alguns acham que o Setrákus Ra apreciaria a decisão do
Comandante de perseguir a Garde; outros acham que ele está louco
em questionar as ordens de seu Amado Líder para ficarem parados.
Você realmente bagunçou toda a operação deles, Seis.
Eu estaria mentindo se eu dissesse que não senti um pouco de
orgulho mim mesma ouvindo aquelas palavras do Adam. Ainda
assim, uma voz irritante bem no fundo da minha mente sabe que
aquilo não foi o suficiente.
Eventualmente, Setrákus Ra irá renascer e essa vantagem
temporária acabará.
— Toda a sua cadeia de comando está começando a desandar –
Adam continua, energizado. — Quer dizer, não há nenhuma página
no Grande Livro que fale para os Mogs o que fazer caso o seu imortal
Líder de repente desapareça. Eu e John achamos melhor que
deveríamos seriamente explorar isso antes que Setrákus Ra desperte
novamente e reassuma todo o controle.
— Vocês têm alguma ideia?
— Acho que sim – Adam faz uma pausa. — Embora, ela pode ser
um pouco perigosa.
— O que não é perigoso? – eu respondo.
Quando Adam desliga o rádio de comunicação, Lexa me olha no
mesmo instante. Percebo que ela tem algo que quer me falar, então
eu permaneço na cabine de comando.
— Aquelas crianças que nós pegamos... – ela diz calmamente.

136
UNIDOS SOMOS UM

— Sim?
— Você acha que elas parecem estar prontas para o que estar por
vir?
— Algum de nós estava realmente pronto quando entramos nessa
nave? – eu respondo.
Lexa me lança um olhar. Eu encaro de volta, e ela logo se volta
para a janela a sua frente, deixando o assunto para lá. Eu saio do seu
lado e cruzo a porta em direção a área de passageiro, me apoiando
de costas a porta atrás de mim e observo os nossos recém-chegados.
Tem Fleur, seu cabelo louro puxado para trás e molhado de suor
e água de rio. Eu entendo porque Nove estava ofegante como um
daqueles cães de desenho animado quando a viu no vídeo. Ela é
linda. Exceto que agora há marcas de queimadura em todo seu
braço, em seus ombros, no lado do pescoço – a pele está queimada,
com bolhas. Ela estremece quando Daniela, cuidadosamente
pressiona uma compressa gelada em seus ferimentos.
— Você vai ficar bem. – Daniela diz a ela. — John pode curar até
essas queimaduras. Ficará novinha outra vez!
Fleur acena com a cabeça, e até esse movimento parece causar
muito desconforto. Ela se esforça para responder a Daniela no
sotaque inglês. — Você... já aconteceu isso com você antes, não é?
Daniela sopra uma mecha de cabelo do rosto. — Na verdade, eu
tenho me saído muito bem em não ter levar tiros até agora. Embora
desde que a invasão começou, tenho feito toda essa merda de
vamos-defender-o-planeta. Então, eu ainda tenho tempo para isso.
— Ah – Fleur responde quase desapontada. — Eu pensei que
você era um deles. Ou que ao menos tivesse, hum... fazendo isso há
algum tempo.
Daniela sorri com isso, mas nega com a cabeça. É meio louco para
mim que ela esteja sendo vista como um membro veterano da
Garde. Ela sobreviveu a o ataque de Nova Iorque; o que não foi

137
UNIDOS SOMOS UM

pouca coisa. Não significa que ela não seja novata. Nós da Garde
original tivemos anos de treinamento para uma batalha como essa.
Essas crianças novas não tiveram esse luxo. Elas foram jogadas direto
nessa bagunça.
Daniela percebe que eu estou olhando ela. Ela deixa Fleur com a
compressa fria e anda até onde estou ficando ao meu lado na porta
da cabine.
— Tudo bem? – eu pergunto a ela.
— Eles vão sobreviver – ela responde. — Mas o garoto-inseto,
não quer me deixar olhar ele.
Ela está falando de Bertrand. Através da porta aberta, eu o vejo
deitando ao lado do compartimento médico. Ele lembra um urso de
pelúcia em pânico. Ele tem marcas de queimaduras, iguais as de
Fleur, mas a maioria delas estão em suas costas e em sua bunda.
— Por que não? - pergunto a Daniela.
— Ou ele não quer me deixar ver a bunda dele, ou ele está se
sentindo com vergonha por ter corrido dos mogs – ela responde.
— Ele só correu depois que usou os insetos dele para obstruir o
motor de um daqueles Escumadores e derrubá-lo – eu digo. — Ele
não tem nada do que se envergonhar. Porra, você sabe quantas
vezes eu saí correndo ou fiquei invisível quando eu era nova? Você
não pode lutar sempre.
Daniela ri. — Nova? – ela repete. — Você é o quê... dois anos
mais velha que ele? Sim, você é uma verdadeira senhora de idade,
Seis.
— É assim que me sinto – respondo sorrindo. Ela está certa. Esses
quatros, eles são um ou dois anos mais novos que eu, no máximo.
No entanto, eles me parecem apenas crianças. Que inferno, Ella
parece ser mais velha que esse bando. Embora, talvez eu esteja
confundindo dureza com idade.

138
UNIDOS SOMOS UM

Olho fixamente para Nigel. Ele era a essência da confiança


naquele vídeo do YouTube, claramente o líder desse grupo
desorganizado. E ainda tenta mostrar isso agora, os braços cruzados
por trás da cabeça, querendo parecer super casual sobre seu
primeiro passeio em uma nave espacial alienígena. Toda a sua roupa
punk-rock, agora suja de sangue e lama, parecendo uma criança
quando decide brincar de se fantasiar. Enquanto eu observo, ele
coloca uma das mãos dentro da jaqueta e tira um maço de cigarros
todo amassado. Ele pega com dificuldade um cigarro, parece ser o
último, e coloca-o entre os lábios. Quando tenta acender o isqueiro,
ele não consegue. Suas mãos estão tremendo muito.
— Você não pode fumar aqui – eu digo para ele. Isso não é
realmente verdade. Eles não têm nenhuma regra sobre fumar nessa
porra de nave, e se tivessem, eu não me importaria em quebrá-la.
Eu só quero dar a Nigel uma desculpa para parar de lutar contra o
isqueiro.
Nigel solta o cigarro, pisca o olho e me solta um sorriso. —
Esperava que vocês, extraterrestres, tivessem uma perspectiva mais
esclarecida sobre o câncer de pulmão, com os seus poderes de cura
e tudo mais – Nigel diz, ansiosamente estalando os dedos. — Então,
hmm, estamos indo para a próxima luta agora ou...?
— Pode ficar tranquilo – eu digo para ele. — Estamos indo para
um lugar seguro. Espero, que sem mais lutas por hoje.
— Eles nem deveriam estar lutando.
Uma voz na minha cabeça. Na última fileira de bancos para
passageiros, Ella observa por uma brecha entre os assentos. Seus
olhos atentos encontram os meus.
— O que você quer dizer? – pergunto telepaticamente,
lembrando do comentário de Lexa sobre eles estarem ou não
prontos.

139
UNIDOS SOMOS UM

— Eles têm sido corajosos, mas eles sentem tanto medo - Ella diz.
— Nós nascemos dentro dessa guerra, Seis. Até eu, tive anos para
me preparar para essa possibilidade. Eles tiveram horas. Nós
deveríamos estar protegendo eles, e não marchando com eles para
a batalha.
Como se tivesse palpitando sobre, Fleur começa a chorar
silenciosamente. Daniela vai até ela e gentilmente, acaricia suas
costas.
— Que outra escolha nós temos? – pergunto a Ella. — É agora ou
nunca. Vencer ou morrer.
— Quando tudo foi perdido em Lorien, os Anciãos nos enviaram
aqui para lutar em um outro dia - Ella responde. — Setrákus Ra não
quer destruir a Terra; ele quer colonizá-la. Se nós falharmos em parar
ele, estes novos Garde poderiam formar a base de uma nova
resistência.
— Isso é uma perspectiva sombria - eu digo.
— Quando você pode ver o futuro, você começa a ter planos para
todas as eventualidades.
Olhando ao redor da cabine, preciso admitir que Ella pode ter
razão. Algumas dessas crianças seriam passíveis, se trouxéssemos
eles ao ataque na base de Setrákus Ra. Nós gastaríamos metade do
tempo se certificando que eles não fossem mortos.
— Bem - Ella acrescenta, lendo minha mente. — Há uma exceção.
Ambos olhamos para Ran, sentada em sua cadeira com as mãos
nos joelhos, as palmas para cima, quase como se ela tivesse
meditando. Dos quatros, ela é a única que não parece totalmente
abalada. Ela estava pronta para nos explodir quando chegamos as
cataratas, e provavelmente ela teria feito se Nigel não a tivesse
detido. Ela tem o olhar de sobrevivente.
Ran percebe que estou observando ela e olha em minha direção.
De acordo com Nigel, ela mal fala inglês. Ela sustenta meu olhar por

140
UNIDOS SOMOS UM

um momento, acena com a cabeça uma vez e depois volta a olhar


fixamente para a parede.
— Qual é a dela? - pergunto a Ella.
— Ela já passou por uma grande perda e muita dor - Ella responde
enigmaticamente. — Ela é uma lutadora - Ella pausa. — Me
desculpa, Seis. Eu não deveria estar me metendo nas mentes deles,
e eu não deveria estar te falando todas essas coisas.
Eu cruzo os braços e fico pensando sobre esses novos quatros,
sobre a Garde humana surgindo ao redor de todo o mundo, sabendo
que Ella continua me ouvindo.
— Será que a Entidade colocou algum pensamento dentro desses
humanos que ganharam Legados? Foi pura sorte? Eles foram
selecionados por seu potencial? Será que a Entidade os colocou em
lugares onde sabia que precisaríamos deles?
— Você poderia fazer as mesmas perguntas sobre nós - Ella
responde.
— Isso não é uma resposta.
— Não é?
Dei para Ella um olhar irritante, mas seus olhos estavam fechados
agora. Ela está fora da minha cabeça.
Talvez é melhor não saber o quanto de nossas vidas é sorte e o
quanto é destino. Melhor só continuar seguindo adiante. Se a gente
puder mantê-los vivos por tempo suficiente, talvez essas crianças
irão um dia chegar a refletir sobre as mesmas questões existenciais
em seus caminhos para fazer algo heroico. Com muita esperança,
estarei viva e afastada em alguma ilha até lá.
Em uma ilha com Sam. Se há alguém nesse planeta que ganhou
Legados, é ele. Sem chances de isso ter sido coincidência. Tudo o
que ele e sua família tem feito para ajudar a Garde, a Entidade deve
ter reconhecido isso. Ele é a única parte de toda essa merda de
Legados cósmicos que faz sentido para mim.

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UNIDOS SOMOS UM

Eu observo Sam da porta da cabine do piloto enquanto ele está


com o olhar fixo para fora da janela, mordendo os lábios, perdidos
nos próprios pensamentos. Eu já vi aquele olhar antes, assim como
vi o que vem em seguida; suas sobrancelhas se erguem e ele se
encolhe como se tivesse recebido um banho de água fria. É como
Sam fica quando tem alguma ideia.
Ele sai rapidamente da sua poltrona e se dirige em minha direção,
corando um pouco quando percebe que eu estava observando ele
o tempo todo.
— Ei, posso verificar algo na cabine? – ele pergunta.
Eu levanto uma sobrancelha. — Você não está prestes a quase
derrubar a nave de novo, está?
— Isso tá fora dos meus planos.
Com uma rápida olhada para Ella, eu entro com Sam na cabine e
fecho a porta atrás de nós. Lexa nos olha como se tivesse acabado
de entrar uma multidão ali.
— Você ainda tem um daqueles dispositivos Mogadorianos de
camuflagem em algum lugar por aqui, não tem? – Sam pergunta.
Lexa concorda com a cabeça e aponta par um local abaixo do
painel de controle, onde um monte de fios foram arrancados do
console e ligados a uma estranha caixa preta.
Sam se inclina para dar uma olhada, então pega a caixa com as
mãos. Ele a examina.
— O que ele está fazendo? – Lexa pergunta. — É para eu começar
a ficar preocupada?
— Sam me assegurou que ele não vai fazer a gente bater.
— Ah, bom – ela responde.
Com Sam concentrado no dispositivo de camuflagem, eu sento
no braço da cadeira de Lexa. — Ei, me desculpe se eu fui grossa com
você mais cedo – eu digo. — Acho que você está certa. Algumas
dessas crianças provavelmente não estão prontas. Eles se saíram

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UNIDOS SOMOS UM

bem hoje, talvez tiveram um pouco de sorte, mas com exceção de


Ran e Daniela... – eu balanço minha cabeça.
— Você percebeu o que eu quis dizer - Lexa fala. — Admito, eu
não sou um Cêpan, mas eles precisam de treino antes de fazer
qualquer coisa.
— Nós não podemos esperar que todos eles possam lutar. Ainda
não. – eu concordo. — É quase uma crueldade ir contra o Setrákus
Ra nesse momento.
— Eu sempre pensei isso sobre sua Garde – Lexa responde. — E
você teve anos de treinamento para se preparar, graças ao
encantamento da proteção. Não há nada protegendo esses
humanos.
Sam levanta o olhar do dispositivo de camuflagem e nos encara.
— Eu faço ideia de qual nível vocês consideram que os outros
humanos estejam. Mas quando formos lutar contra Setrákus Ra, de
jeito nenhum que eu vou ficar de fora disso.
Eu decido que está na hora de mudar de assunto. — O que é que
você está fazendo aí embaixo mesmo?
Ele segura o dispositivo de camuflagem. — Eu pensei que, com
meu Legado, sei lá, talvez eu pudesse falar com essa coisa. Meu pai
e os cientistas tem tentado duplicar a frequência. Talvez eu possa
ajudar de alguma forma.
Se Sam tiver razão e puder usar o Legado dele para romper a
frequência de camuflagem, então ele tem exatamente o Legado de
que a gente precisa. Isso não pode ser apenas uma sorte boba,
certo? É o destino.
Eu sorrio para Sam. — Se você conseguir descobrir isso, Sam,
quando tudo acabar, eu vou garantir que eles construam uma
estátua sua.

143
UNIDOS SOMOS UM

Sam sorri de volta para mim e então começa a mexer novamente


no dispositivo. Eu olho por cima dos ombros para a cabine atrás de
nós, e considero novamente esses humanos que pegamos.
Sam, Daniela, esses outros...
Para mim, parece que estamos indo para a batalha final. Mas não
precisa ser assim para eles. Nós podemos apostar tudo o que temos
contra Setrákus Ra e ainda assim, a vitória não é garantida. Ou nós
poderíamos proteger alguns deles, deixá-los preparados para
arrumar a bagunça caso a gente falhe. Eu suspiro. Eu me pergunto
se foi assim que os Anciãos se sentiram antes de nos enviar para cá.
Não é uma coisa fácil decidir quanto será sacrificado.

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UNIDOS SOMOS UM

estou a caminho de me encontrar com o grupo que


está retornando das cataratas do Niágara quando esbarro na Agente
Walker. Não é muito surpreendente ver que ela prefere ocupar uma das
quitinetes antigas a uma sala de conferência subterrânea; o que me
surpreende é o que ela está carregando.
Uma bandeja de copos de isopor cheias de café recém coados.
Quando ela me vê, Walker desvia o olhar, embora o corredor esteja
vazio e estamos um cruzando o caminho do outro. É a primeira vez que
vejo Karen Walker envergonhada.

145
UNIDOS SOMOS UM

— Isto é o que eles têm feito você fazer? - pergunto, tentando evitar
qualquer traço de zombaria em minha voz. Velhos hábitos são difíceis
de deixar.
Walker faz uma careta. — Como os poderosos caíram, huh? Isto é o
que acontece quando Lawson e seu povo querem discutir alguma coisa
delicada. Sou mandada para entregar incumbências.
— Não entendi. Porque eles iriam querer excluir você?
Ela bufa com isso. — Eu era ProMog, John.
— Você era ProMog. Você é basicamente a única razão de estarmos
sendo capazes de ajudar essas pessoas.
— Uma vez traidor, sempre traidor, é o pensamento de Lawson -
Walker explica. — Eu não o culpo por ser cauteloso. Inferno, eu estaria
em uma cela de prisão, ou pior, se eu não tivesse ajudado a localizarem
você em Nova Iorque. Eles não confiam completamente em mim,
provavelmente nunca irão.
— Eu confio em você - digo, embora as palavras soem ocas. — Mais
do que no resto deles, de qualquer forma.
— Entendo, obrigada - ela diz, ignorando isto. — A única razão de eu
ainda estar aqui é porque Lawson pensa que talvez eu esteja apta para
lidar com você. Como ele pensa pequeno...
Eu rio com isso, e Walker finalmente se permite um pequeno sorriso.
Alguns minutos mais tarde, no hangar, reconheço a verdade das
palavras de Walker quando eu vejo o pequeno grupo de Seis saindo da
nave. Quatro novos Garde, dois deles machucados, todos olhando ao
redor da presença militar com os olhos abertos. Eles parecem que
cairiam de exaustão se eles não estivessem tão sobrecarregados e
aterrorizados.
Marina e Nove param perto de mim para cumprimentar os recém-
chegados. Seis e Ella parecem estar aliviadas e felizes por verem Marina
consciente. Marina lança a elas um rápido sorriso antes de correr
naquela direção, puxando imediatamente Fleur e Bertrand para o lado

146
UNIDOS SOMOS UM

para curar seus ferimentos. Se alguém pode deixar essas crianças a


vontade, esse alguém é a Marina.
Nove abre a boca para dizer alguma coisa. Estou esperando um dos
seus típicos comentários rudes para as crianças assustadas. Ele se coloca
na linha, e ao invés disso, se vira para mim.
— Era isto que você estava esperando quando chamou por guerreiros?
- Nove me pergunta calmamente.
Balanço minha cabeça, sem ter certeza do que eu estava pensando
exatamente quando sugeri que um bando de humanos despreparados se
levantasse e defendesse o planeta deles de um inimigo cruel com
histórico de destruir mundos inteiros.
Nove coloca uma mão em meu ombro. — Sozinhos como sempre,
irmão. Esqueça o exército; esqueça essas crianças. Vamos fazer
sozinhos. Como sempre fizemos.
— Eles precisam de nossa proteção - digo a Nove. — E mais
treinamento que pudermos dar a eles em vinte quatro horas.
Nove solta um pouco de ar do peito. — Deixe-me pensar sobre o
treinamento deles, Johnny. Sou bom nesse tipo de coisa.
— Venham - Sam diz aos humanos, agora que Marina já terminou de
curá-los. — Vamos levar vocês para dentro e mostrar o lugar. Sinto em
dizer, é como um Big Brother esquisito – é como parece. Mas é seguro.
Nove e eu assistimos enquanto Sam e Daniela conduzem os quatro
através do hangar na direção do elevador. Isso é bom. Eles
provavelmente vão achar mais fácil falar com outros humanos do que
achariam falando comigo; Sam e Daniela podem ser como conselheiros
de acampamento neste bizarro mundo novo que eles acabaram de
aterrissar. Noto os quatro estão me olhando de esguelha, especialmente
o garoto Britânico, Nigel, e eu forço o que espero que seja um sorriso de
boas-vindas. Ele desvia o olhar. Eu queria ter outro discurso para dar,
mas não tenho. Estou apenas sem palavras.
Seis anda na nossa direção, suas mãos dentro dos bolsos.

147
UNIDOS SOMOS UM

— Como foi?- pergunto a ela.


— Bem, eles derrubaram três Escumadores dos Mogadorianos antes
de chegarmos lá - ela diz. — Isso não é piada.
— Estou pressentindo um ‘mas’... - Nove diz.
— Eles não parecem prontos para isso - Seis concluí. — Quero dizer,
talvez se tivéssemos alguns meses ou até mesmo semanas para treiná-
los. No momento, é tudo poder cru.
— Qual o seu problema com poder cru? - Nove pergunta.
— Eu não estou dizendo que eles não são de ajuda, se você quer ver
desta maneira - Seis diz. — É só que... não sei. Posso dizer que alguns
deles não sobreviveriam. Sei que os Anciãos aceitavam essa coisa de
perder alguns poucos pela maioria. Não estou certa que eu aceite.
— Soldados morrem; é assim que funciona - Nove diz, olhando para o
elevador. As crianças novas se amontoando ali, e nós todos temos uma
visão da bunda de Bertrand, exposta de onde ele foi atingido por um tiro
de canhão. Nove suspira. — Mas aqueles com certeza não são soldados.
— Eu chamei todos eles para lutar - digo calmamente, olhando para o
chão. — Eu devia ter dito a eles para se focar na sobrevivência. Como
nós fizemos nos primeiros anos. Agora, ao invés disso, eu desenhei eles
dentro de uma batalha da qual eles podem não voltar.
— Quer dizer, apenas aqueles burros o bastante para ouvir você em
primeiro lugar - Nove completa com um encolher de ombros.
— A melhor chance de eles sobreviverem à longo prazo ainda é se
juntando à nós e recebendo treinamento - Seis interrompe. — O que
precisamos ter certeza é de que aquelas Loralites que você enviou para
eles estejam em segurança.
Nesse momento, Ella divaga sobre nós. Ela esteve parada na rampa
de saída da nave, olhando para cima, para o teto em domo do hangar. —
— Eu posso ajudar com isso - ela diz.
— Ella sabe onde as pedras estão - Seis me lembra.
Ella olha para mim. — Podemos conversar em particular, John?

148
UNIDOS SOMOS UM

De qualquer forma eu estava planejando em conversar com Ella


quando ela voltasse. Preciso que ela me ensine como mimetizar sua
telepatia — ser capaz de me comunicar com os outros será de extrema
importância para o que planejamos. Ainda, por alguma razão, tenho a
sensação real de mau agouro quando ela pede para conversar comigo.
— Claro, Ella. Agora?
— Em um momento. Preciso preparar uma coisa - ela diz, em seguida
vagueia para o elevador. Mecânicos trabalhando nos veículos no hangar
param o que estão fazendo para observar a trilha de energia Lórica que
brilha dos olhos dela, a forma com que a energia flutua no ar como
caudas de cometas e então dissipam para o nada.
— O que foi isso? - Nove pergunta devagar.
Lanço a Seis um olhar questionador.
— Seu palpite é tão bom quanto o meu, John - ela diz. — Eu acho que
a garota tem muita coisa na cabeça.

Eu devia ter perguntado a Ella onde exatamente ela queria que nos
encontrássemos. Gastei mais tempo que deveria vagando pelo
subterrâneo de Patience Creek enquanto procurava por ela. Em algum
ponto, eu passo pelo laboratório onde Sam e Malcolm estão fazendo
engenharia reversa no dispositivo de camuflagem Mogadoriano. Do
corredor, eu posso ouvir Sam dizendo repetidamente, “transmitidos a
essa frequência” - quase como um mantra. Seis mencionou que ele
estava desenvolvendo um Legado que permite que ele se comunique
com máquinas. Até agora, não parece que o dispositivo de camuflagem
está disposto a ouvir.
Enquanto ando, Bernie Kosar trota do laboratório dos Goodes, onde
ele esteve passando um tempo com as outras Chimærae. Paro para que
ele me alcance e eu coce atrás de suas orelhas.

149
UNIDOS SOMOS UM

Quer me ajudar a achar a Ella? - pergunto a ele, usando minha telepatia


animal.
BK balança sua calda e começa a me guiar pelos corredores, de volta
pelo caminho que eu vim. Ele parece animado por ter alguma coisa para
fazer, suas pequenas pernas de beagle bamboleando, a calda para trás.
Terminamos no elevador, e uma vez lá dentro, BK fica sobre suas patas
traseiras para que ele possa apertar o botão que leva para cima com seu
focinho.
O que eu faria sem você, BK?
As portas do elevador se abrem, e logo na minha frente está uma
parede de madeira. Eu a empurro com as duas mãos, e ela desliza
facilmente para frente, suas dobradiças são bem oleadas. Dou um paço
para o quarto de aparência retro, agora no nível superior de Patience
Creek, o nível acima do subsolo, a parte do complexo que parece
exatamente com um hotel abandonado porque, por todas as tentativas
e propostas, é realmente um. O quarto em que estou cheira a mofo, a
cama de casal parece que ninguém dorme ali há anos e poeira paira pelo
ar. Através da janela — uma janela de verdade com luz do sol de verdade,
não como uma daquelas simulações dos quartos subterrâneos — posso
ouvir pássaros chilrear ao longe no fim de tarde. Empurro a estante de
volta ao lugar para que o elevador volte a ficar oculto.
Com toda a ação e a instalação no subsolo, e considerando que o
veículo de entrada está a cerca de 3 quilômetros por túnel, ninguém
gasta muito tempo aqui em cima. Sei que Lawson tem alguns guardas
postados no solo, apenas em caso de necessidade, mas Patience Creek
sobreviveu por tanto tempo porque ninguém está interessado numa
cabana abandonada no meio do nada. Especialmente quando aliens
estão invadindo o planeta.
BK me guia até o exterior, fora do quarto e indo por um corredor de
paredes de madeira, deixando a uma trilha de pegadas no assoalho.

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UNIDOS SOMOS UM

Posso achar Ella sozinho agora; ela deixou sua própria trilha na poeira
acumulada, mas não me importo de ter BK comigo.
Encontramos Ella no que uma vez foi uma sala de estar adjacente ao
lado da recepção de Patience Creek. Eu olho para o espaço atrás da mesa
onde há uma cabeça de alce montada. Há uma câmera escondida ali. Me
lembro disso do escaneamento de segurança na noite passada. Me
pergunto se alguém está me assistindo agora. Imagino Lawson de olho
em mim e nos outros constantemente. É o que eu faria se nossos papeis
estivessem trocados. Ao menos ele não tem sido agressivo ou tentado
interferir no que estou fazendo.
As paredes da sala de estar estão repletas de estante de livros, cada
uma com volumes amarelos dos anos setenta ou de caixas de jogos de
tabuleiro. Toda a mobília está debaixo de lençóis, com exceção da mesa
de jantar central, que Ella descobriu. Ele ela tem um pesado atlas das
estantes e está no processo de marcá-lo com uma caneta azul quando
entro.
— Quase terminado - ela diz, sem olhar para mim. Ela vira a página
dedicada a costa ocidental da África e começa a fazer um grosso ponto
azul no Sul do continente.
BK senta perto de mim, sua cauda batendo no chão. Inclino minha
cabeça, tentado olhar o projeto de Ella.
— Você sabe que temos computadores lá em baixo - digo a ela,
sentindo a necessidade de quebrar o silêncio.
— Eu não queria arriscar colocar informações no sistema antes de
você ter a chance de olhar - Ella responde com normalidade. — E eu
tinha que transcrever antes que desapareça de minha memória.
Ela vira para a frente o atlas, onde um mapa mundi já está coberto
com seus pequenos pontos, e então, ela empurra o livro pela mesa em
minha direção, seus olhos brilhantes fixos em mim. — Pronto.
— O que é isto?
— Um mapa.

151
UNIDOS SOMOS UM

— Isso eu estou vendo - olho para baixo, onde as cinquenta estranhas


localizações estão riscadas no mapa mundi, e então observo as páginas
seguintes, onde encontro os mesmos pontos reproduzidos em mapas
mais detalhados com longitude e latitude.
— Seis provavelmente te contou, eu toquei numa pedra de Loralite
nas Cataratas do Niágara. Eu pude ver todos eles. As pedras, os novos
Garde. Era lindo, John. Como raízes crescendo pelo mundo inteiro. Eu
posso fazer isso por causa da minha fusão com Legado. Contudo, isso
não vai durar. Já estou sentindo minha conexão se desfazendo, meu
cérebro voltando ao normal. Eu vou sentir falta disso, mas não vou, você
entende? Faz com que eu me sinta conectada ao mundo, mas distante
das pessoas. De qualquer forma, estou divagando. Me desculpe.
Balanço minha cabeça na explosão da conversa de Ella, ainda
folheando o atlas. — Estão todas ativas? A Garde poderia usá-las para
se teleportar?
— Sim. Você deveria entregar para o Senhor Governo. Ele precisa
deixar esses lugares seguros. Os novos Garde podem acabar se
teleportando para o perigo - Ella pausa, ainda me estudando. — A
menos que você tenha uma ideia melhor.
Franzo a testa com a ideia de dar toda essa informação para Lawson.
Porém, que chance eu tenho? Não posso manter toda a Garde sozinho.
Preciso trazer termos junto disto. Preciso aceitar ajuda, mesmo se vier
de pessoas que não confio realmente.
Fecho o atlas e coloco minha mão sobre a capa. Atlas Mundial de 1986.
Passo meus dedos sobre o contorno da terra.
— Nós realmente mudamos esse lugar, não é?
— Este é o nosso legado - Ella responde. — Não será algo ruim, se
conseguirmos salvar isso.
— Isso é uma profecia? - pergunto. — Você viu o futuro?
Ella olha para longe. — Não. Estou fazendo um esforço para parar de
fazer isso.

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UNIDOS SOMOS UM

Minha reação imediata é pensar no valor estratégico que perderíamos


se Ella começasse a ignorar suas previsões. Me inclino para frente,
colocando ambas as mãos sobre a mesa entre nós.
— Porque você faria isto? - pergunto, mantendo minha voz neutra.
— Às vezes eu não tenho escolha; as visões vêm até mim - Ella explica,
escolhendo suas palavras cuidadosamente. — Essas são difíceis o
bastante para lidar. Mas quando eu procuro por alguma coisa, com todas
as variáveis, todos os futuros possíveis... só complica as coisas. Saber
que uma coisa vai acontecer, é inevitável as mudanças na forma como
agimos, o que muda são as possibilidades; que muda o futuro, que
consequentemente significa que não há motivos para olhar para frente.
Ou, pior ainda, às vezes você sabe o que está vindo e ainda assim é
impotente para fazer uma mudança. Nunca sabe qual desses cenários
você está preso, até que seja tarde demais.
Penso na conversa que Ella e eu tivemos no seu espaço mental.
Perguntei se ela havia visto uma versão do futuro em que venceríamos
os Mogs. Ela me contou que sim, mas que eu não gostaria do preço.
Presumi que ela queria dizer que eu morreria em batalha — eu não
estava inteiramente confortável como a ideia naquele momento, mas eu
aceitei o destino naquelas últimas horas.
Agora, não estou certo de que é o que ela quis dizer.
— Ella, você sabe o que houve no México? Sabe o que aconteceu a
Sarah?
— Sim - ela responde.
Minha boca fica seca.
— Você...
Paro. Não sei o que dizer. Meus punhos abrem e fecham. O calor sobe
pelos meus dedos, e percebo que estou perto de ativar meu Lúmen.
Respiro profundamente e começo a tremer, olhando para Ella.
O meu lado racional sabe que não há nada que possa ser feito agora.
Essa parte fria de mim, a parte que está no controle desde que Sarah

153
UNIDOS SOMOS UM

morreu, quer ficar na missão. Mas a outra parte de mim quer gritar com
uma fúria incoerente com a injustiça de tudo isso.
Ela podia ter me avisado! - penso. Ela podia ter me dito, e eu poderia ter
feito alguma coisa! Melhor ainda, ela podia ter alertado Sarah!
“Eu disse a eles para correrem” – A voz de Ella soa claramente na minha
cabeça. Ela deve estar lendo meus pensamentos. “Mesmo assim, eu sabia
que eles não iriam, tentei convencê-los. E, John, você queria toda a decisão
sobre suas costas? Será que você queria ter que escolher entre Sarah e vencer
a guerra?”
“Eu teria encontrado outra maneira” - respondo, rangendo meus dentes.
“Claro que teria”. A voz dela soa como um corte, mesmo em minha
mente. “Há infinitas maneiras! Talvez você tivesse salvado Sarah com o
custo de algo mais. Ou talvez você apenas teria apressado a morte dela no
caminho, como o que aconteceu com Oito e sua profecia. Esse é o meu ponto,
John. É por isso que prever o futuro não é algo bom. Você sabe, pensei que eu
teria que morrer para que nossos amigos sobreviverem a batalha no
Santuário. Eu me joguei na energia Lórica pensando que seria isso, mas... Eu
não vi todas as possibilidades. Isso vai deixar você maluco tentando passar
por todas aquelas possibilidades, todas aquelas segundas opções”.
Nossos olhos estão vidrados. A sala está completamente silenciosa.
Se alguém estiver nos assistindo na câmera de segurança, devem estar
pensando que estamos em uma épica batalha de encarar.
“Por que me contou isso?”
“Porque eu me sinto culpada, John. Pensei que você deveria saber. Porque
eu sabia que você iria pedir para copiar meu poder, a clarividência, e eu não
acho que você deva”.
— Tudo bem, Ella; por favor, apenas saia da minha cabeça.
Ella estreita seus olhos para mim.
— Você estava na minha cabeça - ela diz, ambos voltando a usar nossas
vozes. — Você começou isso.
— Eu comecei?

154
UNIDOS SOMOS UM

Ella assente e anda até a janela. Ela abraça a si mesma e olha para o
lago tranquilo.
— Não estou surpresa que tenha desenvolvido a telepatia - ela diz. —
Eu usei com vocês vezes o bastante. Além de que, se você consegue falar
com as Quimærae telepaticamente, não é um salto tão dramático para
uma pessoa.
Limpo minha garganta e tento deixar de lado a conversa que
estávamos tendo.
— Alguma dica?
— Foque seus pensamentos - ela diz com um dar de ombros, sem
olhar para mim. — Direcione-os e eles vão encontrar um alvo.
— E quando eu não posso ver a pessoa ou estamos separados por uma
longa distância? Como você faz isso?
— Você já... - Ella pausa, transformando seus pensamentos em
palavras. — Digamos que você está em casa e sabe que tem alguém no
outro quarto. Você meio que sabe, instintivamente, o quão alto você
precisa gritar para fazê-los te ouvir, certo?
— Acho que sim.
— Penso nisso dessa forma - Ella diz. — Quanto mais você conhece a
pessoa, mais familiar é a mente dela para você, seu alcance com eles será
maior. Você vai perceber quando praticar. As vezes parece mais natural
do que falar. Pelo menos para mim.
Não estou certo do que mais dizer. Consegui o que eu queria e mais
do que eu barganhei. Pego o atlas da mesa e o coloco debaixo do braço.
— Obrigado, Ella - digo, esperando que não soe tão frio, não estou
certo se eu poderia dar alguma coisa mais quente.
— De nada.
Olho para fora através da janela. O sol está começando a baixar no
céu, a luz se tornando um cinza pálido.
Quais Legados eu ainda preciso?

155
UNIDOS SOMOS UM

A Externa de Cinco e o Legado sísmico de Adam seriam bons, o


teleporte de Oito seria incrível. Se eu tivesse tempo, talvez eu pudesse
meditar quando usei as pedras de Loralite antes, tentar me lembrar a
sensação e descobrir uma maneira de reproduzir usando meu Ximic.
Se eu tivesse tempo. Já estamos ficando sem tempo. Vou em direção
ao elevador. De volta para as profundezas de Patience Creek.
Invisibilidade. Voo. Telepatia.
Estas são as ferramentas que eu tenho.
Elas são o bastante.
Bastante para derrubar uma nave de guerra.

156
UNIDOS SOMOS UM

a espera tem que ser a pior parte.


O sol se pôs, não que você seja capaz de perceber isso do nosso
último esconderijo subterrâneo. Patience Creek ainda vibra com as
atividades; soldados trabalhando na logística e treinamento contra
as táticas Mogs já observadas, pesquisadores se juntam a Sam e
Malcolm tentando decifrar o dispositivo de camuflagem, oficiais
coordenando com todo o esforço uma guerra em todo o mundo.

157
UNIDOS SOMOS UM

Adam ofereceu todo o conhecimento que ele tinha e agora está no


andar de baixo, ajudando a monitorar a comunicação entre os mogs.
No momento, nada disso me envolve.
— A cobertura do Nove era realmente a melhor – eu digo,
colocando meu cabelo para trás enquanto encaro uma parede
branca. — Eu não acho que eu apreciei as quão maravilhosas eram
aquelas janelas.
Marina ri baixinho. Ela senta do outro lado da mesa a minha
frente, em um dos pequenos salões de Patience Creek. Há metade
de um burrito de micro-ondas, agora frio, entre nós. As opções de
comida aqui são realmente precárias, e nenhuma de nós no
momento tem muito apetite.
Marina sorri para mim. — Você se lembra daquele jantar que
tivemos antes de ir para Flórida? Todos nós juntos?
— Sim. Logo antes de tudo ir para o inferno.
— Aquela noite foi legal – Marina diz sorrindo discretamente. —
Nós deveríamos, sei lá, ter tirado algumas fotos. Como pessoas
normais fariam.
O sorriso da Marina vai desaparecendo aos poucos. Eu posso
dizer que ela está pensando em Oito. Eu tento aliviar o clima. — Meu
Deus, eu me lembro de ter sido bem grosseira naquela cobertura por
ser do Nove e ele ficar andando sempre sem camisa como se ele
fosse algum playboy de merda. Sem mencionar agora, ele super
compensou, acertando em cheio em uma abandonada cidade
Mogadorianos de classe alta e nesse porão cheio.
Marina sorri novamente. Ela vem para o meu lado da mesa e
coloca as mãos nas minhas. Eu olho diretamente para ela, sinto-me
cansada e espremida – talvez seja por que eu esteja ficando fora do
peso e nostálgica.

158
UNIDOS SOMOS UM

— Seis – Marina diz calmamente. — Posso te falar uma coisa...?


Eu nunca fiz tantos amigos antes, enquanto eu estive no convento.
Era solitário.
— Okay?
— E então você veio – eu faço uma careta enquanto Marina fica
com olhos lacrimejando. — Você tem estado sempre ao meu lado
nos piores momentos, Seis. Você sempre me faz rir e está sempre
me apoiando. Algumas vezes, você literalmente, me carrega. Eu só
quero te dizer que você é sem dúvidas minha melhor amiga.
Eu sopro um cacho de cabelo da minha cara. — Ah, que droga,
Marina, não comece a falar assim. Isso é má sorte.
Marina ri alto. — Precisava ser dito.
— Certo. Não, não precisava – eu respondo apertando sua mão.
— Mas volta para você de qualquer maneira.
Alguém pigarreia, e nós duas nos viramos para a porta. John está
lá em pé, com um atlas de couro bem pesado, de páginas amarelas,
dobrado em seus braços. Há olheiras profundas em seus olhos, e
seus ombros estão caídos. Eu não sei exatamente como eu esperava
vê-lo depois de tudo que ele passou.
— Ei – ele diz.
— E aí? – eu respondo. — Por onde tem andado?
John parece nostálgico, sentando em uma cadeira livre na nossa
mesa. Alguma coisa o incomoda, e não o deixa relaxar. Nem por
poucos minutos.
— Trabalhando em umas coisas aí. – ele diz. — Estou indo ver
Lawson. Não me importaria ter algum apoio.
Eu troco um olhar com Marina e ambas levantamos. — Claro – eu
digo. — Você está indo para socializar ou...?
— Nós temos perdido muito tempo aqui. – John responde
rapidamente. — Nós precisamos começar a dar alguns passos.

159
UNIDOS SOMOS UM

Eu concordo com a cabeça, e nós três deixamos o lounge e


começamos a andar pelos corredores intermináveis.
— A gente deveria reunir os outros? - Marina pergunta.
— Eu não quero incomodar Sam e Malcolm enquanto eles estão
trabalhando – John responde. — Nove não é o mais diplomata, e
Adam provavelmente não seria bem-vindo nesse contexto.
— E Ella?
John cerra os lábios. — Ela não precisa estar aqui para isso.
Seu tom soa superior. — Vocês têm se falado? – eu pergunto.
— Sim.
— E?
— A gente pode deixar isso para lá, Seis?
Eu disparo o olhar para Marina. Ela sutilmente balança a cabeça,
como se dissesse para eu deixar o assunto morrer. Eu aceito seu
conselho, e andamos em silêncio.
Lawson criou seu escritório em uma parte do complexo
conhecido como centro nervoso. Passamos por salas cheias de
oficiais de comunicação coordenando com outros governos ao redor
do mundo. É barulhento; há cerca de uma dúzia de línguas sendo
faladas. Ao redor do mundo, as naves de guerra Mogadorianos
continuam em cessar fogo. Eles não têm nem se movido, exceto pela
Anúbis levando Setrákus Ra para West Virginia e a nave que
atraímos para as Cataratas do Niágara. Desde a urgência aqui, é claro
que os seres estão se aproveitando de cada segundo dessa calmaria
para se aproveitar. Os gêmeos, Caleb e Christian mantêm a guarda
diante de uma porta fechada no final do corredor. Marina ainda não
teve a chance de conhecer esses dois esquisitos ainda. Assim que
chegamos, ela dá um sorriso bem gentil e estende a mão para o
espaço vazio entre ela e quem eu acho que seja Christian.

160
UNIDOS SOMOS UM

— Oi, eu sou a Marina – ela diz. — Eu ouvi dizer que vocês


receberam Legados. Muito surpreendente que isso tenha
acontecido para vocês dois. Se vocês quiserem falar sobre isso...
Christian apenas a encara e não faz nenhum movimento para
segurar a mão dela, como se ele nem tivesse entendendo o que ela
está falando. Caleb rapidamente se apresenta. Ele segura na mão de
Marina de uma forma tão vaga, como se ela tivesse coberta por
germes.
— Ah, nós estamos bem. Obrigado – ele diz bruscamente e então
olha para John. — General Lawson te mandou vir horas atrás.
— Eu não tenho tido muito tempo livre – John responde. — Ele
está aí, ou o quê?
Caleb nos dá espaço, soltando um grunhido e um momento
depois, Christian faz o mesmo também mantendo o seu olhar frio o
tempo todo. A medida que seguimos John para o escritório do
Lawson, Marina olha para mim.
— Qual a deles? – ela sussurra.
— Não tenho ideia – eu respondo. — Acho que nem todo mundo
com Legados ficou tão charmoso como o Sam.
Marina sorri para mim. Ficamos mudas quando entramos no
escritório do Lawson. Tem uma decoração bastante comum, uma
mesa desgastada onde Lawson senta em uma cadeira com encosto
lombar, há outras cadeiras dobráveis posicionadas em frente a ela,
uma pequena mesa contra uma parede com uma cafeteira elétrica,
fazendo café instantâneo fresquinho.
O que realmente prende minha atenção, a razão pela qual eu
tenho certeza que Lawson se mudou para cá, é a quantidade de
monitores que cobrem a parede por trás de sua mesa. As telas
apresentam todos os tipos de coisas; algumas mostram imagens
granuladas de naves de guerra que devem vir direto das câmeras de
cidades ocupadas, outras estão em sintonia com as poucas redes de

161
UNIDOS SOMOS UM

notícias ainda com capacidade de transmissão, e outras estão


configuradas para exibir as imagens de segurança de Patience
Creek. Lawson se afasta desse conjunto de informações assim que
entramos. Ele se levanta, limpa as mãos na parte da frente do próprio
uniforme, e sorri de uma forma cômoda.
— Ah, olá! – ele diz, vindo em direção a nós três. Todos os nossos
olhares são de diferentes graus de confronto, então ele primeiro
aborda Marina. — Eu estou contente de te ver bem e por aqui,
senhorita.
— Obrigada – ela responde.
— Eu não ouvi nada além de coisas boas sobre você – Lawson
continua.
— O quê... O que você ouviu? – Marina levanta uma sobrancelha.
— Eu ouvi que você é uma espécie de curandeira, que, se você
me perguntar, eu diria que é um dos maiores poderes que o seu
povo pode desenvolver – ele abaixa sua voz conspiratória. — Eu
ouvi um dos meus meninos dizendo que você realmente detona
com um pingente de gelo.
Marina fica corada com esta referência sobre seu confronto com
Cinco. Antes que qualquer outra coisa seja dita, John interrompe.
— Você queria me ver.
Lawson assente e retoma seu lugar, fazendo sinal para que a
gente se sente nas cadeiras redobráveis a disposição bem na sua
frente. Todos nós continuamos de pé.
— Sim, eu queria falar com você – Lawson diz para John. — Eu
queria saber por que Seis e outros dos seus associados estavam
deixando a base. Agora que ela está de volta e trouxe alguns LANTs
com ela eu não me sinto muito preocupado.
— Você nunca precisou se preocupar – eu digo.
— Sim, bem, eu me preocupo – Lawson diz para mim, fingindo
estar numa vibe de avô-de-todo-um-povo. Ele retorna à atenção

162
UNIDOS SOMOS UM

para John. — Talvez a gente tenha começado com o pé esquerdo


anteriormente. Eu percebi que o seu grupo não está acostumado a
trabalhar com outros. E você deveria perceber que essa é uma
situação um tanto quanto estranha pro meu povo. Eu não quero que
você ache que eu estou traindo sua autonomia – eu duvido que eu
faria isso mesmo se eu quisesse. Mas nós estamos lutando para
atingir os mesmos objetivos aqui. Então, seria ideal se nós
soubéssemos o que o outro está fazendo.
— Eu concordo – John diz, embora isso soe mais como se ele
quisesse que o velho parasse de falar.
Lawson passa a mão sobre seu cabelo cinza, sua atenção se volta
para mim. — Por exemplo, sua operação nas Cataratas do Niágara
fez com que a nave de guerra que estava localizada em Toronto se
movesse direto para lá. É o primeiro movimento que vimos dos
inimigos desde que Setrákus Ra ficou em silêncio. Causou uma certa
agitação que poderia ter sido evitada se você tivesse sido
transparente comigo.
— Ninguém disparou nenhuma arma nuclear, eu acho, certo? –
eu pergunto. — Sem danos causados.
— Não, dessa vez, não – Lawson responde entre os dentes. — Os
canadenses tinham unidades estacionadas ao redor da nave que
agora precisam ser remanejadas para as cataratas, o que é um pé no
saco. Por outro lado, um grande centro populacional que não tinha
sido evacuado até agora, está fora da mira, por enquanto.
Entretanto, se isso tivesse acontecido em algum outro lugar no
mundo? Onde nossos aliados não fossem tão disciplinados? Poderia
ter criado algumas dificuldades.
— Isso não vai acontecer novamente - John diz, em acordo,
totalmente contrário ao que o tom de sua voz quer dizer. Ele coloca
o atlas que ele veio carregando sobre a mesa de Lawson. — Eu
tenho aqui marcações das localizações de cada pedra de Loralite.

163
UNIDOS SOMOS UM

Lawson sorri e coloca uma das mãos sobre o atlas. — Ah, baixa
tecnologia! Eu curto isso.
— Nós precisamos que esses locais estejam seguros antes mesmo
que os Mogs possam fareja-los - John continua. — Especialmente se
você quiser usá-los para transportar os dispositivos de camuflagem.
— Eu vou fazer com isso aconteça - Lawson bate de leve no atlas.
— E eu vou manter isso como uma base de conhecimento
fundamental. Sem vazar.
— Você pode ter mais Garde humanos teleportando, também - eu
digo. — Certifique-se que ninguém vai ferrar com eles. Mogs ou
humanos.
Lawson aperta o próprio queixo, totalmente barbeado, mesmo
em tempos como esses. — Você acha que nós estamos planejando
machucar esses jovens com Legados? - ele pergunta soando meio
ofendido.
Todos nós falamos ao mesmo tempo.
— Talvez não machucar... - Marina banca a diplomática.
— Recrutá-los - diz John.
— Explorá-los - eu jogo as verdades.
— Nós não queremos forçar ninguém a fazer o que não estão
preparados para fazer - Marina conclui.
Lawson nos encara por um momento. Ele olha para porta para ter
certeza que ela está fechada, provavelmente para garantir que os
gêmeos não ouçam o que ele está prestes a dizer.
— Olha, eu vou ser bem direto com vocês - ele diz. — Haverá
pessoas no nosso governo, inferno, não só aqui, mas por todo o
mundo, que verão esses novos jovens com poderes como... ativos.
Vocês viram o que aconteceu com o ProMog. Faça uma pequena
amostra de poderes extraterrestres na frente dessa gente e eles
venderão suas almas por isso, a invasão está condenada.
— E você não é uma dessas pessoas? - John pergunta.

164
UNIDOS SOMOS UM

— Não, filho, eu não sou - Lawson responde. — Eu sou um velho


que se sentia muito feliz jogando umas partidas de golfe há algumas
semanas atrás. Eu não estou interessado em benefício ou poder. Eu
estou interessado em manter esse mundo seguro. Eu acredito que a
sua gente possa ser uma força para o bem. Eu já vi de tudo um
pouco: a cura, o auto sacrifício. Eu também conheci aquele sujeito
de um olho só que você derrubou no porão. Nós não queremos mais
ninguém como ele, não é?
Eu olho na direção de Marina. — Não. Definitivamente não
queremos.
— Eu sou totalmente a favor de manter o mundo seguro.
Treinando sua gente, colocando-os em posições onde eles possam
usar seus dons em favor de um bem maior – John está prestes a falar
algo quando Lawson faz um gesto pedindo para não ser
interrompido ainda. — Isso tudo não passa de palavras vazias se a
gente não ganhar essa guerra, e considerando seu histórico de
experiências com organizações governamentais, eu pensaria que
vocês seriam uns tolos se vocês não desconfiassem de mim. Mas
quando tudo isso acabar, eu quero que você esteja por dentro de
tudo isso. Eu quero que você me fale o que é melhor para esse novo
pessoal, para o nosso planeta. E eu quero que você me ajude a fazer
tudo isso acontecer.
Nós três nos entreolhamos. Se Lawson está tentando nos enganar
de alguma forma, ele está conseguindo fazer isso muito bem. Mas a
julgar pela expressão distante do John, eu não tenho certeza se
todas as preocupações dele estão para serem extintas. Ou talvez,
como eu, ele está percebendo o quão inútil é discutir sobre um
futuro quando você está cara a cara com uma quase certeza de
morte.
Eu pigarreio e mudo de assunto. — Então, sobre os dispositivos
de camuflagem.

165
UNIDOS SOMOS UM

— Continuo sem progresso algum por parte do meu setor de


Pesquisas e Desenvolvimento na engenharia da nossa própria
versão – Lawson responde, aliviado por ter o foco voltado para a
missão.
— Está tudo bem – diz John. – Nós estamos prontos para roubar
alguns deles para vocês. Aquela nave de guerra que a Garde
humana atraiu para as Cataratas do Niágara é um alvo perfeito.
Isolados, distraídos, sobrecarregados.
— A ocasião estúpida do YouTube compensou – eu acrescento.
— Eu vou pegar uma pequena equipe comigo e seguir a bordo,
roubar os dispositivos – John continua. Estou preparado para fazer
isso o mais rápido possível.
Lawson concorda com a cabeça. — Excelente. Eu vou querer uma
equipe do meu pessoal lá nas proximidades, apenas no caso das
coisas não saírem com planejado e vocês precisarem de cobertura.
— Eu não tenho problema algum com isso, contanto que eles
tratem de não serem vistos – John responde.
Marina está quieta há algum tempo. Ela olha diretamente para um
dos novos canais, assistindo imagens de Londres. Milhares de
pessoas marcham através das ruas, evacuando com o máximo de
itens básicos que eles podem carregar, enquanto uma nave de
guerra aparece no fundo.
— O que está sendo feito para proteger as pessoas nas cidades
com as naves Mogs? – ela pergunta. — Os Mogadorianos vão
inevitavelmente pressionar o ataque deles...
— Quase todas as cidades estão com a evacuação em andamento
– Lawson responde. — Na última vez que verifiquei, a maioria delas
já estavam cerca de oitenta por cento relocadas. Esse dia extra
realmente nos deu um pouco mais de tem... - Lawson é
interrompido por alguém batendo na porta de uma forma muito
brusca. Antes que ele possa responder, um agente do FBI com uma

166
UNIDOS SOMOS UM

leve barba por fazer entra na sala, embora os gêmeos tentem


bloqueá-lo. Eu já o vi lá no subsolo, seu nome é Noto, Adam está
ensinando-o a falar de um jeito Mogadoriano.
— Me desculpe, senhor - ele diz para Lawson antes de focar sua
atenção em John. — Você deveria vir comigo para a nossa sala de
monitoramento. Tem alguma coisa acontecendo.
Isso não pode ser algo bom.
Nós três, Lawson, os gêmeos e o Noto corremos lá para baixo
onde Adam se encontra monitorando as transmissões
Mogadorianos. No caminho, Noto nos acompanha o mais rápido
que ele pode.
— Os capitães das naves de guerra Mog estavam indo para frente
e para trás como fizeram o dia todo, especialmente desde que um
deles desobedeceu às ordens e foi em direção às Cataratas do
Niágara - Noto explica rapidamente. — Mas agora, uma nova voz
apareceu e...
— Setrákus Ra? - eu pergunto.
— Não, uma voz feminina - Noto diz. — Ela vem fazendo
discursos, colocando cada um em seu lugar através de alguns sons.
Adam parece...
Ele parece com raiva, o que se torna óbvio assim que entramos na
sala. Adam senta na beira da cadeira dele, as mãos cruzadas com
força a sua frente, seus olhos negros encarando o console do
Escumador. Claro que eu reconheci a voz que fez Adam ficar
parecendo um assassino.
— Phiri Dun-Ra - eu digo.
— Quem? - John pergunta, se virando para mim assim como todos
ao redor do Adam.
— O mais desagradável dos seres, mesmo se referindo a um ser
Mogadoriano - Marina diz.

167
UNIDOS SOMOS UM

— Ela é a vaca que ficou responsável de invadir o Santuário - eu


digo a John. - Nós tivemos alguns atritos.
— Ela quase matou a mim e o Areal - Adam diz com a voz fria, sem
desviar os olhos do console, ouvindo cada palavra áspera da Phiri.
— A última vez que a vi, ela estava carregando Setrákus Ra para
dentro da Anúbis - eu digo.
O General Lawson pigarreia. — Filho, o que ela está falando?
Adam solta um suspiro profundo, deixando-o escapar entre os
dentes.
— Ela está instalando o medo entre os capitães nascido
naturalmente, censurando-os por terem duvidado de seu Líder. Ela
diz que o atraso no ataque é pura inconsequência, que com a
fraqueza dos humanos a vitória dos Mogs é sem sombra de dúvidas,
garantida.
Lawson fica rígido no mesmo instante.
— Ela mencionou que eu empalei o Amado Líder deles? – eu
pergunto.
— Claro que não - Adam resmunga. — Ela afirma que Setrákus Ra
tem estado muito ocupado concluindo o trabalho da vida dele, que
é a evolução da raça Mogadorianos. Ela diz que o que ele está
realizando não é nada menos do que um milagre e que os fiéis a ele
serão recompensados. E os que duvidam? Ela diz que não há nada
disponível para eles além de uma inacreditável dor.
—“Façam o que eu mando ou serão punidos”. Belo método -
Lawson murmura.
— Que tipo de milagre aquele monstro poderia fazer? - Marina
pergunta.
— Nós sabemos seu objetivo de vida - eu digo. — Vimos isso
naquela visão.

168
UNIDOS SOMOS UM

— A energia que ele roubou do Santuário - John diz calmamente.


— O processo que vimos na visão de Ella, transformando ela naquela
lama preta dele.
— Eu não sei o que diabos tudo isso significa - Lawson interrompe.
— Mas parece que nosso tempo está se esgotando.
Adam levanta uma das mãos enquanto Phiri Dun-Ra aumenta o
tom durante seu discurso. Sua boca se escancara como se ele não
tivesse acreditando no que acabou de ouvir.
— Ela afirma.... Ela afirma que graças a sabedoria do Amado Líder,
foram concedidos Legados à ela. - Adam diz. O som da risada de
Phiri Dun-Ra faz Adam parecer entrar desespero.
— Porra nenhuma - eu digo. — Mesmo supondo que seja
verdade, o que quer que eles tenham não são Legados.
— Nós vimos ele fazer isso - Marina diz, sua voz tem um pequeno
tom de pavor — As pessoas que trabalham com ele naquela
máquina... Ele deu a elas telecinese.
— Aquelas pessoas pareciam estar doentes. Monstruoso - essa
observação é feita por Caleb, suas primeiras palavras desde que
viemos aqui para baixo. Eu olho para ele, e ele está encarando para
a parte de trás das suas mãos, como se estivesse procurando
enxergar se há algo correndo por suas veias. Seu irmão, Christian,
enquanto isso, continua completamente em silêncio.
— Ele teve centenas de anos para aperfeiçoar seus experimentos
- John diz. — Ele só precisava ter mais acesso ao material puro.
— E nós abrimos o caminho para ele - eu digo, balançando a
cabeça.
Uma nova voz surge do rádio. Não exatamente uma voz, na
verdade é um grito. Um angustiado choro do que parece ser um
garoto sendo torturado. Todos na sala se calam totalmente enquanto
Phiri Dun-Ra retorna a falar sobre a gritaria, seu tom otimista e bem
falante.

169
UNIDOS SOMOS UM

— Mas que inferno é isso? - Lawson pregunta.


Adam se sente engasgado. — Ela disse que é um Garde que foi
capturado na Cidade do México. Um humano. Eles estão extraindo
seus Legados. Estão o matando.
— Desligue isso agora - Marina diz, quase a ponto de vomitar.
Adam primeiro olha para mim, e então para John. Ambos
acenamos com a cabeça. Esse tipo de coisa dispensa qualquer
resposta.
— Faça isso - John diz.
Adam dá um passo à frente, mas não desliga a transmissão. Em
vez disso, ele pega um microfone e abre um canal. Lawson vai em
direção ao Adam com o intuito de pará-lo, os gêmeos o segue; mas
John fica a sua frente e coloca a mão em seu peito, o impedindo.
— Eles podem captar nosso sinal? - Lawson sussurra com os olhos
bem arregalados.
— Não - John sussurra de volta. — Ele já cuidou disso. Somos
como fantasmas.
Lawson não parece completamente convencido. Ele dispara os
olhos em direção ao Noto. O agente acena rapidamente, afirmando
o que John disse.
De qualquer forma, já é tarde demais. Adam já começou a falar.
— Phiri Dun-Ra é uma mentirosa - Adam anuncia em inglês,
apesar de transmitir uma dureza em sua voz, utilizando aquele
sotaque gutural Mogadoriano. Ele deve estar falando em inglês pro
nosso benefício, dessa forma, Lawson saberá que ele não está dando
nenhuma informação secreta a eles. — O que ela está dizendo a
vocês é apenas para que ela aumente seus próprios poderes.
Os gritos cessam. Algumas vozes confusas respondem em
Mogadoriano. A voz de Phiri Dun-Ra se sobressai de todas as outras.
— É você, Adamus? - ela pergunta rindo. — Como você entrou
em nossas transmissões, garotinho?

170
UNIDOS SOMOS UM

Adam a ignora, aperta em “ON”. — Meu nome é Adamus Sutekh,


filho do General Andrakkus Sutekh. Enfrentei meu pai em um
combate individual e o derrotei. Eu orgulhosamente ergui sua
espada, tirando-a de sua mão sem vida. E a usei pro que ela foi
criada. Usei-a para matar um Lorieno. Um lorieno que se chama
Setrákus Ra.
Agora há uma gritaria. Insultos sendo gritados por uma dúzia de
vozes Mogadorianos. Eu não posso ajudar agora, mas sorrio do
pânico causado por tão poucas palavras.
Phiri Dun-Ra precisa gritar cada vez mais alto para ser ouvida.
— Está é uma invenção de um traidor nascido naturalmente! Um
traidor da nossa raça!
— Então deixe o Amado Líder me responder! - Adam dispara em
volta. — Talvez ele possa falar através do buraco que eu deixei em
seu peito! Phiri Dun-Ra sabe a verdade, irmãos e irmãs, e ela agora
procura nos guiar com as mesmas mentiras que Setrákus Ra usou
por centenas de anos. Não deixem isso acontecer!
— Isso é uma blasfêmia! - grita Phiri.
— Deixe-o responder, então - Adam grita novamente. — Deixe o
imortal Setrákus Ra responder, se ele ainda continua respirando.
Por um momento, todas as linhas ficam em silêncio, esperando
que algo aconteça.
Apenas silêncio vem de Phiri Dun-Ra.
— Você vai pagar - ela diz finalmente, sua voz cheia de ódio. —
Você vai pagar pela sua falta de fé.
Há um forte sinal sonoro, o som dele cortando a comunicação.
Imediatamente, dezenas de naves de guerra e seus capitães que
estavam ouvindo toda essa troca de gritos começam a atirar umas
nas outras.
Adam desliga seu microfone e se vira para nos encarar.
— Agora - ele diz, — nós os deixamos matarem uns aos outros.

171
UNIDOS SOMOS UM

sidney ficou na pior.

172
UNIDOS SOMOS UM

O capitão da nave de guerra de lá começou um bombardeamento de


escala total na cidade algumas horas depois de Adam interromper o
discurso de Phiri Dun-Ra. Esse capitão defende a destruição em honra
do Amado Líder, um impetuoso sacrifício pela morte de Setrákus Ra.
Adam explica que ele está se exibindo; o capitão quer parecer boa pinta
no caso do Setrákus Ra esteja vivo, e posiciona si mesmo como líder da
frota caso aquele esteja morto.
Imagens da casa da ópera em chamas, a ponte atrás dela
desmoronando, são as cenas exibidas nos noticiários remanescentes dos
canais de notícias. É difícil de assistir, sabendo que foi nossa mentira
sobre Setrákus Ra que causou tudo isso. Adam parece como se ele fosse
vomitar. Lawson mexe a cabeça, seu rosto inexpressivo.
— Ataques de guerra psicológicos tem seus custos – ele diz. Eu tenho
a impressão de que ele teria olhado diferente para essa situação se fosse
uma cidade americana queimando. — Se serve de consolação, minhas
fontes dizem que Sidney foi quase evacuada totalmente.
— Quase totalmente – Adam repete.
— Sim, quase – Lawson responde. — Danos colaterais nem sempre
podem ser evitados. É horrível, mas você aprende a viver com eles – ele
faz uma pausa pensativa. — Não esperaria alguma empatia de alguém
do seu povo.
Adam olha para o general. — Tudo bem.
Eu não digo nada. Eu apenas faço uma nota mental do nome do
Mogadoriano. Rezza El-Doth. Eu o adiciono na minha lista de Mogs que
eu vou matar.
Estamos o meio da noite. Nós três – eu, Adam e Lawson – somos os
únicos que restaram na sala de monitoramento horas depois de Adam
ter feio o discurso surpresa. Os outros foram descansar, algo que eu
provavelmente deveria estar fazendo, mas que não consigo. Em vez
disso, eu me jogo em uma poltrona enquanto ouço Adam descrever
roboticamente as várias transmissões que estão sendo transmitidas

173
UNIDOS SOMOS UM

pelos Mogadorianos. Perto de mim, Lawson mantém os olhos no


monitor do notebook, monitorando relatórios de todos os lugares do
mundo.
— Eu admiro a sua determinação para um golpe como esse – Lawson
continua. — Você deveria saber que haveria consequências. Você fez os
cálculos e chegou à conclusão de que os benefícios superariam os custos.
Claro, se não fosse a nosso favor, estaríamos tendo uma conversa
diferente, não é?
Eu olho para Lawson. Ele me encara, apreciando. Mais uma vez eu
fico em silêncio. Ele está certo. Assim que Adam me contou sobre a
dissenção junto aos Mogs na ausência de Setrákus Ra, eu sabia que
tínhamos que explorá-la. Adam concordou. Como Lawson disse, eu
sabia que poderia haver consequências.
Eu não me importei.
Sidney levou a pior, mas Adam disse que os efeitos foram melhores
em outras localizações.
Em Beijing, onde o exército chinês tem resistido conta os
Mogadorianos pesadamente e retrucando com alguns contra-ataques
imprudentes, os Mogs recolheram os Escumadores para dentro da nave.
O capitão declarou que ele queria ouvir de Setrákus Ra antes dele
desperdiçar mais de deus soldados nascidos artificialmente na
segurança da cidade. Nenhuma resposta veio de West Virginia, o que
significa mais tempo para os chineses.
Enquanto isso, o capitão da nave de guerra de Moscou se declarou o
novo Amado Líder. Eu acho que ele teve uma grande dor de cabeça após
ver a rapidez com que os russos acabaram com seu esforço. A declaração
não ficou boa com o capitão da nave de guerra parado em Berlin; ele
desviou sua nave na tentativa de assassinar os usurpadores.
As duas naves se encontraram sobre o Cazaquistão, e começaram a
explodir uma a outra. Por sorte, isso aconteceu sobre o Cazaque Steppe,
que é pouco popularizado. Por causa da falta de observação no local, os

174
UNIDOS SOMOS UM

relatórios sobre a área são superficiais. Não temos certeza se elas


destruíram uma a outra, lutaram até certo ponto, ou se uma delas foi
vitoriosa. O resultado não nos prejudicou, pelo menos.
E, talvez, o melhor de tudo é que a nave de guerra posicionada sobre
São Paulo simplesmente foi embora. Ela flutuou, para fora da atmosfera,
e aparentemente está orbitando a lua. A nave ficou completamente em
silêncio via rádio. Não faço ideia do que esteja acontecendo por lá.
O resto da frota Mogadorianos ignorou Adam, escolhendo acreditar
em Phiri Dun-Ra. Ainda assim, as falhas começaram a aparecer. Eles não
eram uma força imparável. Três naves de guerra fora do caminho, e nós
nunca saímos de Patience Creek. Ainda faltam vinte, mas estamos
progredindo.
Embora algo sobre essa vitória me parece oca. Não é satisfatória.
Minas mãos estão limpas demais.
Com Adam e eu perdidos em pensamentos silenciosos, Lawson
continua a refletir sobre nosso sucesso. — Uma estratégia arriscada –
ele diz, pensativo. — Vocês dois seriam bons generais.
— Eu pretendo lutar o restante da guerra nas linhas de frente – eu
digo, finalmente quebrando meu silêncio.
— Bem, isso é uma prerrogativa jovem – Lawson responde. Ele se
levanta e estrala suas costas. Nas horas seguintes após termos
interceptado a discussão Mogadorianos, as coisas se acalmaram. Sem
novos desenvolvimentos até agora, apenas os relatórios usuais. Acho
que nossa tarefa produziu todos os resultados desejados.
Lawson olha para mim. — Está tarde. Ou melhor, está bem cedo. Eu
vou dormir um pouco antes de montarmos esta operação. Você deveria
fazer o mesmo, John.
Eu dou o general uma saudação preguiçosa, e ele responde com um
sorriso fino. O velho acena com a cabeça bruscamente para Adam
e sai, deixando nós dois sozinhos. Adam se joga na frente do console, os
olhos turvos.

175
UNIDOS SOMOS UM

— Você está planejando dormir? – eu pergunto.


— Você está? - ele responde.
Nós nos instalamos.
Cruzo os braços e deixo o meu queixo descansar contra o meu peito.
De repente, ouço a voz de um Mogadoriano vindo de algum lugar, mas
Adam não se incomoda em traduzi-la, o que significa que não deve ser
importante. Vamos subir a bordo de uma dessas naves dentro de
algumas horas. Será o primeiro combate que eu enfrentarei desde que
comecei a coletar Legados, minha primeira chance de testar estes novos
poderes.
Minha primeira chance de fazer alguma vingança.
Eu realmente deveria dormir. É irresponsável da minha parte
continuar evitando. Mas na última vez que tentei, tudo o que eu
consegui ver foi o rosto dela...
Eu não posso continuar fazendo isso comigo mesmo.
Eu me levanto e estico meus braços sobre minha cabeça. Eles parecem
pesados. O ar parece estar úmido, como se eu estivesse nadando por ele.
Finalmente, o sentimento de exaustão que eu estive evitando desde que
cheguei aqui começar a tomar posse.
— Você vai me procurar se qualquer coisa acontecer, não vai? – eu
pergunto ao Adam.
Ele não responde. Ele continua com o rosto virado, olhando para os
monitores intensamente. As comunicações Mogadorianos ficaram em
silêncio. Por alguma razão, em vez de perguntar ao Adam que diabos
está acontecendo, eu não digo nada e apenas saio da sala.
E entro numa caverna.
Esse não é o Patience Creek.
Eu já estive aqui antes.
Estou em um corredor longo, mal iluminado. As paredes são de
pedras cor ferrugem, com barras de metal. O ar está quente e úmido,
cheirando como algo podre e vivo. Eu faço um giro de 360 graus

176
UNIDOS SOMOS UM

rapidamente e tento me orientar. Se eu descer o hall na direção onde ele


gentilmente leva, eu sei que eu vou alcançar a área de criação de píkens,
krauls e muitas outras criaturas modificadas. Se eu subir, na direção
onde a luz é mais forte, eu vou acabar chegando nas celas.
Aqui é West Virginia, montanha a dentro. O quartel dos
Mogadorianos.
Eu me sinto sendo puxado para a direção das celas, então eu começo
a andar lentamente nessa direção. Gritos abafados vindos lá de cima me
alcançam. Mesmo assim, eu continuo andando lentamente e relaxado.
Eu não sou estúpido. Isso é um sonho. E estou feliz por continuar
nele. Eu sei quem está esperando por mim lá em cima, e eu estou
orgulhoso. Eu quero olhá-lo nos olhos.
Eu chego na parte da caverna onde o espaço foi preenchido com celas
claustrofóbicas. Cada porta reforçada é equipada com um espaço de
vidro a prova de balas para espionagem de quem estiver dentro. As
poucas primeiras celas por quais passo estão vazias. Então eu chego
perto de uma onde uma garota de cabelos pretos pressiona seu rosto
contra o vidro. Seus olhos e sua boca foram fechados e costurados
permanentemente com arame.
É Seis.
Eu a encaro. Eu espero um momento.
Isso não é real. Ele está tentando me confundir, e isso não vai
funcionar.
Outra cena horrível me recepciona na próxima cela. Nove, de volta
para quando nos conhecemos, com exceção de que agora há um lençol
amarrado ao redor de seu pescoço, e ele oscila de uma viga. Eu não passo
muito tempo olhando para ele, porque eu não acredito na imagem por
nenhum segundo.
— Por que você não corta essa droga e apareça logo? – eu digo alto,
sabendo que ele pode me ouvir. — Isso está ficando chato.

177
UNIDOS SOMOS UM

Mais para cima, o grito fica cada vez mais alto. Eu me aproximo de
uma sala, que lembro que os Mogs separaram para interrogações. Há
uma janela para assistir tudo. No meio da câmara, um par de correntes
grossas está pendurada desde o teto.
Sam está preso nas correntes. Os gritos eram dele. Um ácido preto e
viscoso pinga através do metal e queima a pele dele, criando cicatrizes
em seus pulsos.
Setrákus Ra está de pé na frente de Sam, mas não da forma que estou
acostumado a vê-lo. Sua cabeça não está pálida e com veias negras, ele
não tem quatro metros de altura e ele não está com aquela cicatriz roxa
e grossa ao redor de seu pescoço. Esse Setrákus Ra é um homem jovem
adulto, como o cara que eu vi na visão da história de Lorien. Seu cabelo
preto está penteado para trás, seus músculos são fortes e ele parece
Lorieno.
Ele é do meu povo. Esse pensamento frita meus neurônios.
Ele age como se ele não tivesse me notado, embora eu saiba que isso
é mentira. Afinal de contas, ele me trouxe aqui. Eu fico parado do lado
de fora da sala de interrogação e o observo. Setrákus Ra anda para frente
e para trás, e toda vez que ele passa na frente das correntes,
momentaneamente as bloqueando de vista, a pessoa pendurada nesse
aparelho de tortura muda.
Sam se torna Seis, seus gritos ecoando na sala.
Depois é Adam.
Marina.
Nove.
Sarah.
Eu dou um soco no vidro que separa o corredor da sala de
interrogação. Ele se quebra facilmente e não me machuca. Eu flutuo pela
parede mais alta e pouso alguns metros longe de Setrákus Ra. Ele se vira
para me encarar, sorrindo como se tivéssemos acabado de trombar um
com o outro na rua.

178
UNIDOS SOMOS UM

— Olá, John.
Eu tento manter meu olhar fora do campo de visão de Sarah,
torturada, inconsciente, que está pendurada atrás dele.
Ela não é real. Ela não está aqui. Ela está em paz.
Eu finjo que estou olhando ao redor da sala e assobio através de meus
dentes.
— Sabe, no passado, esses sonhos costumavam me assustar.
— Sério?
— Agora eu sei que é apenas você se apresentando em desespero.
Setrákus Ra sorri indulgentemente, e cruza seus braços. — Você me
lembra tanto ele – ele diz. — Meu velho amigo Pittacus Lore.
— Eu não sou como ele.
— Não é?
— Ele teve misericórdia de você, e eu vou matá-lo.
Setrákus Ra começa a andar, fazendo com que Sarah fique entre nós.
Ele gentilmente empurra ele, e ela começa a balançar.
— Como minha bisneta está? – ele pergunta, puxando assunto.
Meus olhos travam em Sarah, e então voltam para ele.
— Muito melhor do que ela estava quando ficou presa com você.
— Ela vai voltar – ele responde com um sorriso. — Quando eu tiver
acabado com o resto de vocês, ela vai voltar para mim.
— Será que seu exército vai voltar também? – eu pergunto, inclinando
minha cabeça. — Enquanto você lambe suas feridas e se esconde em
meus sonhos, eles estão abandonando você.
A expressão dele escurece, e eu me sinto orgulhoso por ter ferido seu
ego. Ele se afasta de Sarah, e vem na minha direção.
— Os Mogadorianos sempre foram apenas um meio para um final
para mim, John. Uma espécie castrada de bestas que fizeram da sua
própria casa um lugar inabitável com seu amor estúpido por guerra e
poluição – ele cuspe no chão. — Os humanos vão ser objetos muito

179
UNIDOS SOMOS UM

melhores assim que eu os trazer de joelhos para os meus pés. Os outros


serão cinzas no vento.
— Foi por isso que você me trouxe aqui? – eu pergunto, encarando
esta versão mais jovem do meu inimigo mais odiado. — Para mostrar o
quão mau você é? Porque eu já entendi.
Setrákus Ra sorri, se aproxima, me estudando. Seus olhos não são a
tinta negra pura que eu vi antes. Eles são escuros, porém normais, não
foram mudados através dos anos de experimentos. A mente doentia por
trás deles é a mesma.
— Eu sou velho, John – ele intona. — Aquelas visões que minha
bisneta nos mostrou, para apresentar minha juventude novamente... eu
senti algo como nostalgia. Quando Pittacus Lore era meu amigo. Se ele
tivesse apenas me ouvido, se tivéssemos trabalhado juntos, nós
poderíamos ter poupado o universo de tantas mortes. Nós poderíamos
ter melhorado todas as formas de vida.
— Awn... você precisa de um amigo? É isso? A parte em que você me
oferece uma chance para se juntar às suas forças?
Setrákus Ra suspira. Estamos separados apenas por alguns passos
agora. Eu tenho que me lembrar de que isso não é real. De que não há
como eu alcançá-lo e destroçá-lo.
Embora é o que mais quero.
— Não, John. Quando eu permiti que você continuasse a viver em
Nova Iorque, eu prometi que eu deixaria você assistir esse mundo
queimar. Eu tenho a intenção de cumprir com minha palavra.
— Então o que foi?
— Como eu disse, você me lembra Pittacus – Setrákus Ra responde.
Ele se aproxima de Sarah, levanta uma das mãos pelo braço azulado dela
e segura a corrente que suporta o peso dela. — Eu tentei mostrar para
ele, assim como estou tentando mostrar para você agora. Eu quero que
você saiba o que está desperdiçando.

180
UNIDOS SOMOS UM

Setrákus Ra puxa a corrente com força. Impossivelmente, com uma


lógica existente apenas em pesadelos, a sala inteira se desmorona. Ela é
inundada com aquela gosma preta viscosa.
— Eu queria que você sentisse meu poder.
É como uma barragem se quebrando. Depois de alguns segundos, a
sala de interrogatório está completamente perdida para mim, e eu estou
inundado no líquido viscoso. É congelante e gosmento. Eu tento nadar
contra ele, mas rapidamente estou encoberto até a cabeça, ardendo
meus olhos, inundando meus pulmões.
Eu entro em pânico e me debato. Por um momento, eu esqueço de
que isso é apenas um sonho.
Há algo pesado dentro de mim agora, como se meus membros
estivessem cheios com aquela gosma. Minha pele formiga. Parece como
se mil boquinhas estivessem me roendo.
Mas eu posso respirar. Estou vivo. Isso me ajuda a manter a calma.
Eu posse ver, embora não haja nada ao meu redor com exceção da
escuridão sólida e impenetrável. Enquanto eu flutuo sobre o óleo
gosmento, eu olho para minhas mãos e acendo meu Lúmen. Funciona –
a luz brilha em uma aréola ao meu redor.
O efeito dura apenas alguns segundos. Em minhas mãos brilhantes,
eu posso ver veias de cor azul cobalto, com a energia lórica correndo
abaixo de minha pele. O lodo toca a ponta dos meus dedos
dolorosamente e começa a corroê-los.
— Não é bom?
Eu olho para cima. Setrákus Ra flutua na escuridão acima de mim. Ele
jogou fora toda aquela fantasia de Setrákus jovem e agora parece com o
que eu esperava: gigante. Ele está sem camisa – talvez todo nu, a gosma
por sorte encobre toda parte de baixo de seu corpo – sua pele
estranhamente pálida na escuridão, a cicatriz grossa e roxa reaparece ao
redor de seu pescoço. Seus olhos, escuros e vazios como um crânio,
olham para mim.

181
UNIDOS SOMOS UM

Há um ferimento aberto no peito dele. O rasgão está à esquerda do


coração dele. Deve ser onde Seis o acertou. Realmente ela quase o matou.
A substância não está curando o ferimento, está enchendo ele, trocando
o buraco fantasmagórico por pura obsidiana.
Outro corpo flutua na frente de Setrákus Ra. É uma mulher
Mogadorianos com cabelos negros amarrados para trás em várias
tranças. Eu percebo que ela tem cicatrizes nas mãos. Ela parece estar
inconsciente. Setrákus Ra gesticula com as mãos na direção dela, e toda
a substância viscosa que nos circunda se move ao comando dele,
entrando dentro da pele dela, reformulando-a.
Eu abro minha boca, e embora a gosma desça pela minha garganta,
eu ainda sou capaz de falar.
— Aqui é onde você está, não é? – eu digo. — Isso é real. Sua grande
ideia de progresso... é... esse banho de esgoto.
Setrákus Ra sorri para mim. — Você resiste. Mas aqui, John. Aqui eu
controlo o destino de todas as espécies. Aqui, eu crio Legados. Eu pego
o terreno e o transformo, de acordo com minha vontade.
Ele levante sua mão, dois dedos esticados na minha direção, e meu
braço se levante em resposta, completamente fora do meu controle.
Meu Lúmen brilha, as gavinhas se enrolando ao redor de minha mão.
Parece como se minha pele estivesse sendo descascada.
Uma bola de energia lórica é arrancada da minha mão. Meu Lúmen
diminui enquanto a energia flutua através da gosma. É lentamente
transformada, até Setrákus Ra guia-la para dentro da mulher
Mogadorianos. O corpo dela entra em convulsão por alguns momentos,
enviando ondas através da viscosidade.
Então um fogo a circunda. Ela vira sua cabeça e sorri para mim, seus
dentes afiados como os de um animal selvagem.
— Eu sou o criador agora, John – Setrákus Ra diz. — Venha. Veja por
si mesmo.

182
UNIDOS SOMOS UM

Minhas mãos tremem. Meu Lúmen não funciona. A escuridão me


cerca...
— John! John!
Meus olhos se abrem. Adam está me segurando pelos ombros, me
chacoalhando. Eu estou de volta à base subterrânea de Patience Creek,
não estou mais me afogando no lodo preto, não estou tendo meus
Legados roubados por um Mogadoriano.
— Você pegou no sono – Adam diz, seus olhos arregalados. — E
então... bem...
Eu olho para baixo. Minhas mãos, que estavam descansando nos
braços da cadeira, deixou marcas cinzas no pano. Meu Lúmen deve ter
acendido enquanto eu estava naquele pesadelo. O cheiro de tecido
queimado enche a sala.
— Desculpe... – eu digo, levantando e tremendo.
Adam hesita, esperando por uma explicação. — Você está bem? – ele
finalmente pergunta.
— Sim, estou – eu digo, lentamente saindo da sala.
Não haverá mais sono para mim. Não até isso acabar

183
UNIDOS SOMOS UM

— eu só preciso de um pouco mais de tempo com isso


- diz Sam. — Eu juro que eu posso fazê-lo funcionar. Quer dizer,
poderia já estar funcionando. Eu tenho nenhuma maneira de testá-
lo...
Está amanhecendo. Sam caminha na frente da nossa cama,
falando rápido. Eu noto uma pilha de latas de refrigerante amassadas

184
UNIDOS SOMOS UM

na mesa atrás dele, todos os seus logos muito antigos. Eu acho que
refrigerante vencidos ainda têm um monte de cafeína. Eu o observo
pacientemente, um pequeno sorriso nos lábios.
— Meu pai tentou me dar um curso intensivo de
eletromagnetismo - Sam continua. — Frequências, ultravioleta, uh,
a ionosfera. Você sabe o que é a ionosfera?
Eu balanço minha cabeça.
— Ok, nem eu. Quer dizer, eu não sabia até meu pai explicar, e
agora eu meio que sei. A ionosfera é parte da atmosfera. É como
campo de força da natureza. As ondas de rádio saltam fora dele. E
se você quer entender como um campo de força iria trabalhar fora
da ficção científica, você começaria por aí. Ou pelo menos você teria
até alienígenas invadirem à Terra e mudarem o nosso entendimento
de, bem, todos os tipos de merda...
— Você está ficando sem argumentos, Sam.
Eu já estava na cama na noite passada quando Sam entrou na sala.
Eu escutei sonolenta enquanto ele reclamava sobre como Malcolm
o fez ir para a cama - como se ele fosse uma criança novamente e
não tentar salvar o mundo. Ele se jogou na cama e se virou para mim
por um tempo. Eventualmente, ele foi trabalhar na pequena mesa do
quarto. Por trabalho eu quero dizer a insistência em sussurrar um
monte de frases sem sentido para uma variedade de dispositivos
portáteis – o Game Boy infame, uma série de telefones celulares,
tablets, um e-reader. A voz calma de Sam me fez voltar a dormir.
— Desculpa. Então, alguns dos engenheiros que trabalham no
dispositivo de camuflagem tentou entrar em mais detalhes
sobre campos de força - você sabia que os militares já tinham um
protótipo funcional? Ele mantém o material, mas você não pode ver
através dele, então você estaria protegido, mas cego. Enfim, acho
que eles finalmente começaram a se perceber que explicar tudo

185
UNIDOS SOMOS UM

aquilo era um desperdício de tempo desde que eu sou tecnicamente


um estudante abandonado.
— Eles o subestimam por sua conta e risco - eu digo com um
sorriso sonolento.
Sam segura o dispositivo de camuflagem Mogadoriano que ele
desinstalou da nossa nave em uma mão e um velho telefone na
outra, içando-os para cima e para baixo como se eles fossem uma
escala.
— Você está tirando sarro de mim?
— Não. Continue.
— Então, meu pai e a equipe de cientistas já descobriram as noções
básicas de como essa coisa funciona - Sam diz, segurando a caixa
preta que permite os Escumadores passarem ilesos pelo campo de
força das naves. — Ele emite uma frequência ultrassônica que, de
acordo com os caras lá embaixo, seriamos capazes de replicar
nenhum problema. O que os atrasa é o motivo de que a onda sonora
é, uh, engrossada alguma forma, para que ele possa enviar um
pacote de dados para a nave de guerra. Esse pacote de dados
identifica o Escumador como amigável. O problema é que está
escrito em um código que não entendemos, que não podemos nem
mesmo criar, em uma linguagem de programação que nenhuma das
nossas máquinas estão codificados para trabalhar.
— Sam - eu digo, interrompendo assim que ele respira. — Tenho
certeza que tudo isso é muito interessante, mas—
— Ha, não, não é - Sam responde com um sorriso tímido. Ele deixa
de lado o dispositivo de camuflagem para que ele possa
esfregar a parte de trás do seu pescoço. — Tudo bem... mudando
de assunto...
— Por favor.
— Todos esses caras lá embaixo, eles estão tentando copiar esse
pacote de dados. Mas isso é difícil, porque em primeiro lugar, eles

186
UNIDOS SOMOS UM

não têm a tecnologia Mog para trabalhar com isso, e em segundo,


eles ainda precisam aprender como usar mesmo se o fizessem.
Então eu estava pensando, por que não deixar que as máquinas
fazem o trabalho para nós?
— Tudo bem... - eu digo, acenando com a mão para acelerá-lo.
Sam segura o telefone . — Eu estive conversando com esse cara
aqui.
— Conversando com ele?
— Bem, falando para ele – ele não fala de volta. Não como você,
de qualquer maneira. - ele abre e fecha o telefone como uma
boca. — Eu tenho dito a isso apenas para copiar o sinal dispositivo
de camuflagem. A coisa toda. Som e dados. Quero dizer, nós não
precisamos de compreender como isso funciona, Seis; só
precisamos arrancá-la.
Eu dou uma olhada mais de perto no telefone celular. — Por que
você escolheu um celular de merda?
— O material mais antigo é mais fácil para mim trabalhar com
porque é menos complexo - diz ele com um encolher de ombros.
— Eles são melhores ouvintes.
— E você acha que funcionou? Que ouviu você?
— Eu não sei - diz Sam. — Eu posso dizer que ele está emitindo a
frequência, mas não posso dizer se ele copiou o pacote de dados,
também. A menos que...
— A menos que você o use para passar por um campo de força.
— Bingo - Sam diz, e me joga o telefone.
Eu o pego e o viro em minhas mãos. O plástico é quente ao toque,
e ele só tem cerca de 83% de bateria carregada.
— A bateria descarrega rápido quando está emitindo a
frequência, e ele está fazendo isso constantemente, sempre que eu
dou o comando - diz Sam. — E quando ele está desligado, o telefone

187
UNIDOS SOMOS UM

esquece o que eu disse a ele. Mesmo com essas limitações, eu acho


que poderia fazer a diferença.
Eu assinto com a cabeça, lembrando como Lawson planeja
coordenar um ataque em todo o mundo sobre as naves de guerra.
Assumindo que tudo corra bem esta manhã e que eles consigam
roubar os dispositivos de camuflagem a bordo da nave de guerra das
Cataratas do Niágara, o que isso significa? Algumas centenas de
dispositivos de camuflagem? Isso significa algumas centenas de
mísseis para os exércitos do mundo bombardearem essas naves de
guerra enormes. Quantas vezes é necessário atingi-las para derrubá-
las? Parece-me que eles querem atirar o máximo possível e um
pouco mais.
Eu olho para Sam. Ele está com todos os seus dispositivos ligados
em alguns fios de energia sobrecarregados. Ele também tem um
extintor de incêndio estacionado nas proximidades, apenas para o
caso.
Vendo para onde eu estou olhando, ele diz: — Se estiver
funcionando, eu já ensinei uma dúzia dessas coisas para falar em
código de dispositivo de camuflagem. Estou ficando muito bom
nisso - eu acho. Parece que está ficando mais fácil de qualquer
maneira. Porém, eu posso não estar fazendo nada e estar tendo,
tipo, um efeito colateral do Legado - Sam suspira, cansado e afasta
esse pensamento. — Eu vou usar o meu Legado em cada coisa
móvel que eu possa ter em minhas mãos até que seja verificada de
uma forma ou de outra - ele suspira. — Ou talvez eu só esteja
desperdiçado um dos últimos dias de minha vida falando com um
monte de telefones celulares como uma pessoa louca. Nada demais.
Eu salto para fora da cama e beijo Sam. — De jeito nenhum. Isso
vai funcionar.
Sam retorna meu sorriso, segurando minha mão. — Basta ter
cuidado hoje, tudo bem?

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UNIDOS SOMOS UM

— Quando eu não sou cuidadosa?

Lá em baixo, no Hangar, um grande espaço foi limpo, os Humvees


militares estacionados paralela e impossivelmente perto das
paredes. Eles estão dispostos ordenadamente, um ao lado do outro,
para que eles possam acelerar na para fora em um aviso prévio.
Posso dizer pela precisão do estacionamento ou que foi feito por
alguns motoristas realmente bons ou com telecinese.
A nova Garde — Nigel, Fleur, Bertrand, Ran, e Daniela — estão
todos alinhados neste espaço aberto. Eles parecem estar com sono,
nervosos e animados. Daniela acena para mim quando ela me vê
observando. Eu sorrio para ela.
Caleb e Christian estão distantes dos outros, mais perto do
punhado de fuzileiros navais espectadores do que de seus
companheiros Garde. Como de costume, Christian parece
completamente impassível. Caleb, por outro lado, parece mais
atento do que seu irmão.
— Então, a primeira lição. Vocês todos têm telecinese, certo?
Nove passeia na frente da linha de novos recrutas, esperando
suas respostas. Eu tremo quando vejo o que ele tem na mão. Uma
pistola semiautomática, provavelmente emprestada, ou talvez
roubada de um dos soldados da linha lateral. Nove a gira em torno
de seu dedo indicador como se ele fosse um vaqueiro em um filme
ocidental velho.
Os novos recrutas assentem em resposta. Exceto por Daniela,
eles parecem universalmente intimidados por Nove em modo

189
UNIDOS SOMOS UM

sargento. Eles têm razão de estar uma vez que, assim que
respondem, Nove aponta sua arma para eles.
— Legal. Então, quem quer tentar parar uma bala?
— Psh, vou transformar a sua bunda em pedra, se você apontar
essa coisa de novo para mim - diz Daniela.
Nove sorri e faz questão de apontar longe de Daniela. Se eu
realmente pensei que ele ia atirar em uma das novas crianças, eu
interviria. Ele não é tão estúpido, apesar de tudo. Eu não acho.
Nigel olha para baixo da linha de seu companheiro Garde.
Quando é claro que ninguém vai ser voluntário, Nigel dá dois passos
para a frente.
— Tudo bem, companheiro - diz ele, estendendo a mão em
tentativa com um movimento de "pare" enquanto Nove aponta a
arma para ele. — Eu vou tentar
Nove sorri. — Isso é corajoso da sua parte, John Lennon—
— John Lennon era um idiota.
— Tanto faz - Nove continua. — Aposto que ele tinha mais senso
comum do que o seu traseiro magro. Parar balas é uma merda
avançada que você definitivamente ainda não está pronto para fazer.
E de qualquer maneira, se você está lutando contra Mogadorianos,
que você pode esperar para estar, esses bastardos usam armas de
energia. Não é possível afastar a energia com telecinese. Então, qual
é a coisa mais inteligente, mais seguro e mais fácil de fazer?
— Desarmar o inimigo - Caleb responde
Nove aponta para ele com a mão livre. — Muito bom, gêmeo
número um. Ele olha de volta para Nigel. — Tente. Arranque a arma
da minha mão.
Nigel parece estar irritado por ter sido ministrado. Ao mesmo
tempo, ele faz um movimento para puxar a arma. Nove tropeça para
frente como se seu braço tivesse sido puxado, mas ele mantém o
controle sobre a arma.

190
UNIDOS SOMOS UM

— Isso é poder decente - diz Nove. — Mas você está puxando


meu braço inteiro. Concentre-se na própria arma. Seja preciso.
Alguém mais quer tentar? - Nove olha ao redor. Ele aperta os olhos
em Ran, a pequena menina japonesa que está olhando fixamente
para ele. — Ela não entende nada do que estou dizendo?
— Ela não fala muito - responde Fleur. — Mas achamos que ela
entende.
— Huh - diz Nove. Ele aponta a arma para Ran. Na segunda vez
que ele faz, ela chicoteia a mão para cima, e o cano da arma amassa
como o papel, além do mecanismo do gatilho prender o dedo de
Nove. Ele deixa a arma cair com um grito.
— Aí sabe - eu digo.
Nove me olha com uma expressão irritada, mas posso dizer que é
tudo show. Ele está tão impressionado como eu. Ele olha
de volta para o grupo e assente. — Essa é outra maneira de fazê-lo.
Há um pequeno tumulto no elevador quando John, Marina, e
Adam entram. Ella e Lexa seguem a alguns passos atrás, juntamente
com um trotante Bernie Kosar. Por último vem Areal, novamente na
forma de lobo, parecendo muito mais saudável do que quando eu vi
pela última vez. Todo mundo vem para perto de mim, exceto Lexa,
que vai para a nave e a liga.
É hora de ir.
Apanhando um olhar de John, Nove caminha pela linha de Garde-
Humana, distribuindo armas descarregadas. — Pratiquem uns com
os outros - diz ele. — Eu vou estar de volta mais tarde, e espero que
o seu quociente de cara mau aumentou, tipo, em dez vezes.
Daniela levanta uma sobrancelha, olhando de Nove para John e
para mim. — O que vocês estão fazendo? Nos deixando aqui?
John gesticula para irmos na direção da nave de Lexa, e todo o
nosso grupo — seres humanos e lorienos e um Mogadoriano

191
UNIDOS SOMOS UM

dissidente - nos reunimos na base da rampa. Até Caleb e Christian


se juntam ao improviso amontoado.
— Nós vamos fazer um ataque dissimulado em uma das naves de
guerra Mogadoriana - John diz, com a voz grave. Parece que ele não
dormiu nada. — Apenas eu, Seis e Adam vamos realmente embarcar
na nave. Os outros que vão junto serão estritamente reservas para o
caso de as coisas derem errado - ele olha para os humanos. — Vocês
deveriam ficar aqui, aprimorar suas competências. Nós não
precisamos de vocês agora. É um risco desnecessário.
Fleur e Bertrand se olham aliviados. Daniela balança a cabeça e
enfia um dedo no peito de John. — Eu salvei seu traseiro em Nova
Iorque - diz ela, apontando o dedo para os outros seres humanos. —
E agora o que? Eu estou sendo rebaixada para escanteio com esses
perdedores?
— Você nos prometeu ação - Nigel reclama em seguida.
John suspira. — Olha, nós temos feito isso há muito mais tempo
do que vocês. Foi estúpido da minha parte lhes pedir para
se lançarem para uma briga sem formação adequada. Agora, a
melhor coisa que vocês podem fazer para ajudar a Terra é ficar mais
forte. O tempo de vocês virá.
Nigel olha para baixo, para Bernie Kosar. — Você está levando
um beagle junto.
— Eles também têm um lobo - Bertrand ressalta. — Posso
perguntar por que você tem um lobo?
— Aquele pequeno cão faria você cagar na calcinha - Nove diz
para Nigel.
— LANTs não estão autorizados a irem para esta operação de
qualquer maneira," Caleb diz.
— Ah, cala boca, Capitão América - responde Nigel. — Eu estou
pronto para lutar.
— Ah, garoto - diz Nove. — Você não está.

192
UNIDOS SOMOS UM

— Olha, vou repetir o que John está querendo dizer - eu digo,


cruzando os braços. — Caso todos nós morrermos, o que não está
totalmente fora do reino da possibilidade, serão vocês que irão
salvar o mundo. Então, é melhor vocês não estarem lá.
— Massa, Seis - murmura Marina, sacudindo a cabeça.
Nove bate palmas. — Vamos fazer isso.
Deixamos a Garde-Humana para trás subimos a bordo da nave de
Lexa. Minutos depois, estamos sentados e subindo para fora do
túnel, fazendo o mesmo curso exato de ontem.
Assim que estamos no ar, John se levanta.
— Há uma coisa que eu não falei lá atrás - diz John. — Eu não
queria que os militares ouvissem.
Todo mundo olha com curiosidade para John. — Do que você
está falando? – pergunto.
— Nós não estamos indo só para roubar os dispositivos de
camuflagem - diz John. — Nós estamos indo roubar a nave de guerra
também.

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UNIDOS SOMOS UM

há um pelotão das operações especiais canadenses


acampados num pedaço de bosque a três milhas das Cataratas do
Niágara. São cerca de cinquenta, treinados para se moverem rápido, mas
também equipados com poderoso poder de fogo, incluindo mísseis
terrestres. A nave de guerra que viemos roubar não é visível de onde

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UNIDOS SOMOS UM

estão estacionados. Eles estão num ponto para ficar fora de vista, por
razões óbvias. Contudo, eles têm escoltas rondando as Cataratas do
Niágara, transmitindo imagens da nave que está pairando, de
Escumadores vasculhando a região selvagem ao redor, e de tropas de
nascidos naturalmente no solo inspecionando a pedra de Loralite
inativa.
Eles nos dão todo esse relatório assim que aterrissamos e não
interferem. Eu poderia me acostumar com a hospitalidade Canadense.
Se as coisas ocorrerem mal na nave, esse pequeno time de operações
especiais irá cobrir nossa retirada. Nossa sobrevivência, de acordo com
o comandante deles, é sua única prioridade. Eles foram informados de
nosso "valor estratégico".
Tudo graças ao General Lawson. Acho que as vezes não é tão ruim ter
o governo na sua retaguarda.
Na nave de Lexa, estacionada agora ao lado dos Humvees das
operações especiais, afivelo um colete improvisado em meu peito. O
dispositivo de camuflagem está ligado na parte da frente, conectado a
uma bateria costurada apressadamente na parte baixa das costas. Isto é
o que vai me colocar dentro da nave de guerra.
— Tem certeza de que não posso ir? - Nove me pergunta pela vigésima
vez.
— Só posso carregar dois - respondo. — Seis precisa vir no caso de eu
estragar tudo com nossa invisibilidade, e Adam é obviamente crucial
para—
— Pilotar sua nave de guerra roubada - Adam intervém com aceno de
cabeça. Olho para ele, o pego correndo a mão por seu cabelo negro. Ele
parece cético. De fato, a maioria dos meus amigos parece céticos desde
que eu revelei o plano de tomar a nave de guerra. Adam prossegue. —
Você sabe, só eu voei num simulador de voo dessa nave. Não é um
trabalho para uma pessoa só. Não se você quer armas online.

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UNIDOS SOMOS UM

— Tenho fé em você - respondo. — No pior dos cenários, vamos bater


a coisa nas cataratas. Uma a menos para se preocupar.
— Quantos Mogadorianos vão estar nessa nave? - Marina pergunta,
direcionando-a para Adam.
Ele me dá um olha de incerteza antes de responder. — Provavelmente
milhares - ele diz. — Para ter o controle da nave, vamos ter de fazer isso
depois de atravessar a ponte.
— E a ponte é onde? - pergunto a Adam.
— Assumindo que nós entremos pela deck de observação, ela vai estar
na extremidade oposta da nave.
— Milhares - Marina repete.
— Ao menos temos sorte que alguns estão patrulhando os arredores
- Adam completa, contudo ele soa apreensivo.
— É um exército - Marina diz, balançando sua cabeça. — Isso é
loucura, John. Roubar o dispositivo de camuflagem sob o nariz deles foi
uma coisa, mas levar isso adiante sozinhos...
— Não estaremos sozinhos.
Com o colete atado seguramente ao meu peito, abro um bolso de zíper
na frente. Imediatamente, Bernie Kosar encolhe se transformando num
camundongo. Com um olhar seu companheiro Chimaera, Areal faz o
mesmo. Deixamos o resto das Chimaerae em Patience Creek com
instruções de vigiar a Garde-Humana. Me agacho e pego ambas as
Chimaerae, e as deposito seguras em meu bolso. Marina levanta uma
sobrancelha para mim.
— Então vocês foram de milhares contra três para milhares contra
cinco - Marina responde. Ela pigarreia. — John, eu sei o que você está
sentindo—
Eu a corto com um aceno de mãos e encontro seus olhos. Eu sei que
as chances parecem ruins. Eu sei que tenho parecido frio nos últimos
dias e talvez um pouco maluco, e tenho certeza que a vibração que tenho
passado não nem um pouco melhor desde que tive um sonho com

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UNIDOS SOMOS UM

Setrákus Ra noite passada. Posso dizer pela forma que eles estão me
olhando que estou parecendo meio desequilibrado. Mas mesmo que seja
verdade, eu sei que posso fazer isso. Eu posso sentir o poder percorrendo
por mim.
Uma nave de guerra não é o bastante para me parar.
— Você tem que acreditar em mim - digo a Marina, mantendo meu
tom de mesura, esperando que ela sinta minha certeza, veja em meus
olhos. — Eu sei o que estou fazendo. Tenho tudo sob controle.
— Olha - Seis diz antes que Marina ou Nove possam registrar mais
algum protesto. — Adam e eu vamos nos focar roubar os dispositivos de
camuflagem dos Escumadores desligado sem sermos detectados. Como
no plano original. E John vai se concentrar em segurar os Mogs. Se
acontecer de ele matar alguns milhares, ótimo. Se não, nós recuamos.
Marina solta o ar pelo nariz. — Como vamos saber se vocês estiverem
em apuros?
Ella levanta sua mão. Ela não tinha muito o que dizer desde ontem, e
estou grato por isso. A última vez que nos falamos, foi muito para
aguentar. As centelhas brilhantes em seus olhos estão mais turvas do
que ontem.
— Vou checá-los telepaticamente - Ella diz.
— E se estivermos com problemas, vocês vão me ouvir chamando -
completo.
— Oh - Marina diz, sua cabeça um pouco inclinada. — Você pode fazer
isso agora.
Lexa se inclina contra a porta da cabine, ouvindo tudo o que dissemos
sem nenhum comentário. — Eu tenho um segundo dispositivo de
camuflagem instalado em nossa nave - ela diz. — Poderemos passar pelo
campo de força sem nenhum problema, mas você precisa manter a porta
aberta para nós.
— Isso não será necessário - digo a ela.

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UNIDOS SOMOS UM

Seis bufa. — Vamos deixar uma entrada para você, Lexa - ela me lança
um olhar significativo. — Melhor prevenir do que remediar.
— E traga alguns canadenses com você - Adam completa. Ele olha para
mim. — Você sabe, para o caso de precisarmos.
Checo duas vezes para ver se está tudo seguro no meu colete e se meu
dispositivo está ativo, então dou uma última olhada nos outros. —
Estamos bem?
Quando ninguém responde imediatamente, vou em direção a rampa
de metal, para fora da nave de Lexa direto para o ar enevoado da manhã.
Há um esquadrão de soldados por perto, esperando para ver se vamos
precisar deles para alguma coisa, os demais de sua unidade estão
formando um perímetro furtivo nas árvores. Ainda é estranho para
mim, estar cercado por homens e mulheres armados esperando que eu
os comande. Ou salve-os. Respiro profundamente e inclino minha
cabeça para trás, olhando para o céu cinzento e o topo dos pinheiros.
— Tem certeza do que está fazendo?
É Seis, ao meu lado, sua voz baixa assim os outros não vão ouvir.
Adam vem a alguns metros atrás dela, ainda na rampa.
— Eu tenho que fazer isso - digo a ela, minha voz calma como sempre.
— Preciso saber do que sou capaz.
— Você sabe que isso soa um pouco suicida, certo?
— Estou longe de ser suicida - respondo sombriamente.
— Apenas se lembre, você não está fazendo isso sozinho - Seis
responde, e me dá um tapinha no ombro. — Eu conheço a sensação de
querer se jogar em cima dos inimigos até que eles quebrem ou você
quebre, mas—
Enquanto ela fala, uma memória vem à tona na mente de Seis com
uma força impossível de ignorar. Ainda estou tentando dominar toda
essa coisa de telepatia. A parte mais difícil sobre isso é deixar os
pensamentos dos outros privados. Eles apenas começaram a invadir
minha mente, contra minha vontade, como uma visão de Seis em pé em

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UNIDOS SOMOS UM

frente de um buraco no chão , vento turbilhonando ao redor dela, metais


e detritos de pedra rasgando o ar. Do lado contrário da cratera está
Setrákus Ra, fugindo, empurrando-a com sua própria telecinese. E ao
lado dela...
Ao lado dela está Sarah. Ela puxa o braço de Seis, tentando levá-la do
turbilhão de estilhaços ao redor delas.
México.
Eu vacilo com a memória — toda essa enxurrada para dentro do meu
cérebro em menos de um segundo — e Seis para de falar e olha pra mim
com um olhar engraçado.
— Você está bem?
— Estou bem - respondo, e me fortaleço telepaticamente, fecho
minha mente. Preciso de mais prática com todos esses poderes, mas não
há tempo para isso.
Seis franze a testa para mim, mas não me pressiona. Enfia a mão no
seu bolso e produz o som de um velho celular abrindo, ela olha para a
tela. — O que é isso? - pergunto, desejando saber o assunto.
— A tentativa de Sam mimetizar o dispositivo de camuflagem - Seis
responde, segurando o celular. — Ele quer que eu teste antes que a
bateria do celular acabe.
Eu não havia percebido que Sam tinha feito progresso com isso. O
celular não parece muito, mas Sam nunca me decepcionou ante. Toco o
dispositivo de camuflagem Mogadoriano preso a meu colete. — Não
deveríamos usar esse ao invés disso?
— Uh, não vamos experimentar enquanto não estivermos voando -
Adam diz, se juntando a nós. — Se tudo correr bem, teremos diversas
oportunidades de testar o dispositivo de Sam.
Seis concorda com a cabeça e deixa o celular de lado. Olho para os
dois. — Prontos?
— Pronto - Adam responde.
Seis nos olha. — Como exatamente vamos fazer isso?

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UNIDOS SOMOS UM

Dá um pouco de trabalho nos organizar. Seis está em minhas costas


de cavalinho, suas pernas ao redor da minha cintura. Abraço Adam por
trás, minhas mãos o prendem ao redor de seu peito. Da minhas costa,
Seis é capaz de passar o braço por mim e colocar a mão no ombro de
Adam, caso ela precise assumir o controle e nos tornar invisíveis. Sinto
BK e Areal se contorcer no bolso do meu peito, tentando encontrar
algum conforto. Devemos estar ridículos; posso ver leves sorrisos e
sobrancelhas levantadas nos rostos das operações especiais, e tenho
certeza que ouvi Nove assobiar da nave de Lexa.
O embaraço é apenas temporário pois rapidamente ficamos
invisíveis.
— Você irá fazer isso ou eu? - Seis pergunta.
— Melhor ambos estarmos fazendo isso - digo a ela. — Eu tenho o
Legado faz apenas alguns dias. Eu posso fazer algo de errado.
— Oh, isso é encorajador - Adam diz.
— Não se preocupe - digo a ele. — É apenas o voo que eu ainda estou
um pouco vacilante.
— Mas nós estamos prestes a—
Antes que Adam possa terminar esse pensamento, eu nos lanço para
o ar. Não é a decolagem mais graciosas. É muito mais forçada que o
necessário; mas faz a o truque; e não demora para estarmos acima da
copa das árvores em alta velocidade. Me lembro o que Cinco me ensinou
— basicamente não pensar muito no que estou fazendo e confiar em
meus instintos. Isso significa ir rápido e em frente. Adam agarra meu
antebraço com força, e posso ouvir Seis rindo em meu ouvido enquanto
o vento bate em nossos rostos.
— Isso é estranho - ela diz. — Me sinto como um fantasma.
— Vamos esperar que não seja literalmente - Adam grita de volta.
Definitivamente é estranho: estar invisível, voando pelo céus, como
se fossemos a própria brisa. Queria ter mais tempo, ou talvez a

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UNIDOS SOMOS UM

capacidade, para apreciar isso. Tudo o que posso pensar é no que está
adiante, e breve entrará na visão.
O volume de aço cinza da nave em forma de escaravelho paira sobre
as Cataratas do Niágara, criando uma sombra escura sobre a água
correndo. Esta nave de guerra não é tão grande quanto a Anúbis. Mas
ainda é uma visão assustadora.
— A Loralite - Seis diz. — Aquela, uh, coisa cinza indescritível lá em
baixo.
Olho para um pedaço de mata alinhada ao começo das cataratas. Não
posso pegar a pedra esta altura, mas posso facilmente dispersar a
multidão de Mogadorianos protegendo a área. Posso ver também os três
Escumadores que foram destruídos pela Garde-Humana. Mais das
pequenas naves percorrem o ar ao redor da nave de guerra, patrulhando
o bosque em círculos lentos. Voo para perto da nave de guerra enquanto
olho para baixo.
— John - Adam diz enquanto eu examino as patrulhas Mog. — John!
Olho para cima assim que eu ouço o zumbido do motor de um
Escumador vibrando. Está praticamente acima de nós, a nave de escolta
voltando para a nave de guerra. O piloto não pode nos ver, mas ele voa
perigosamente perto. Eu nos levo para direita e por pouco não somos
cortados por uma das delgadas asas do Escumador.
— Merda! - Seis grita. Suas unhas se enterram em meu pescoço
quando ela perde o aperto.
Fazemos uma derrapada. O giro me desorienta, e por um momento
estamos caindo. Meus dedos escorregam, e Adam desliza umas poucas
polegadas para longe. Eu o agarro com força debaixo das axilas.
Rangendo os dentes, eu nos estabilizo e volto a voar. Todos estão
segurando com um pouco mais de força agora.
— Desculpa - digo.

201
UNIDOS SOMOS UM

— Eu retiro todo o receio que tinha sobre seu plano - Adam diz quase
sem ar. — Se isso significar nunca mais voar com você, eu roubo dúzias
de naves de guerra.
O Escumador que passou por nós está vagarosamente entrando na
baía de decolagem da nave, as portas estão abertas atrás. Apesar do
medo, é o timing perfeito. Ganho velocidade, tenho a intenção de nos
passar por aquelas portas.
Assim que nos aproximamos da nave, o campo de força se torna
visível. Você não pode vê-lo até que você esteja indo em sua direção.
Uma vez que você está a cem metros ou menos o ar ao redor da nave
parece ondas de calor subindo do pavimento num dia quente. Eu posso
perceber uma grade de energia, como uma teia ao redor da nave. Isso me
lembra da aura ao redor da base na montanha de West Virginia, aquele
que me deixou doente por dias depois que corri direto para ele.
— Temos certeza de que esse dispositivo de camuflagem está
funcionando, certo? - pergunto tarde demais, não tenho a habilidade de
voo necessária para parar agora.
— Noventa e nove por cento de certeza - Adam responde.
Nos batemos no campo de força.
E passamos por ele.
Há um ligeiro zumbido em minhas orelhas e uma vibração elétrica em
meus dentes quando atravessamos o campo, tirando isso estamos bem.
Voo para frente, diminuindo a velocidade para não bater quando
entramos no embarcadouro Mogadoriano; e alguns segundos depois
estamos dentro da nave, no momento em que o Escumador que
seguimos aterrissou.
Mantenho-nos flutuando por um momento, assim posso ver o
andamento das coisas. Mesmo tendo andado com Ella pela a Anúbis, eu
nunca estive realmente dentro de uma dessa naves. O embarcadouro é
enorme, uma área de teto alto, com dúzia de Escumadores arrumados
em linhas. Parece que eles têm apenas um quarto da frota procurando

202
UNIDOS SOMOS UM

nas Cataratas do Niágara, e isso é bom para nós pois precisamos


daquelas naves estacionadas se vamos desmonta-las. Além dos
Escumadores, não há muito acontecendo, apenas várias maquinas de
reparo, algumas prateleiras de canhões e alguns tanques de combustível.
E cerca de cinquenta Mogadorianos, trabalhando duro em diversas
atividades, incluindo a pequena equipe do Escumador que seguimos.
Eles descem da nave e começam abastecer.
Devagar, nos desço até o deck. Os tênis de Adam fazem barulho
quando tocam o chão de metal, e ele quase perde o equilibro.
Nenhum dos Mogs percebe.
— Seis, você está com o Adam? - pergunto telepaticamente.
Sinto os braços de Seis tensos em meus ombros quando falo em sua
mente. Ela muda de posição, presumidamente para ter um melhor
aperto com o Mogadoriano, o que não é exatamente fácil, pois ninguém
pode nos ver
— Estou com ele - ela pensa depois de um momento.
Deixo ambos irem e agora mantendo apenas minha invisibilidade.
— Vou limpar a sala.
— Você precisa que ele—? - Seis pensa de volta, mas eu desligo minha
telepatia antes que receba algum pensamento.
Não preciso de ajuda.
Com cuidado, arregaço a manga da minha camisa. Tinha algo que eu
não queria que os outros me vissem usando, com medo das más
recordações que ela possa trazer. Na verdade, estou grato por não me
ver, ainda invisível como estou. Isso talvez faça eu me perguntar no que
eu me tornei.
Libero a lâmina escondida de Cinco. Tiramos dele em Nova Iorque, e
tomei das coisas de Nove essa manhã. É a ferramenta perfeita e letal,
perfeita para um trabalho como esse. No formato de agulha e silenciosa.
Plano pelo hangar, assim não faço nenhum ruído. Há um painel de
um lado da sala com um interfone e algumas telas de vídeo.

203
UNIDOS SOMOS UM

Comunicações. Há dois Mogs sentando ali quando me aproximo,


assistindo imagens dos Escumadores patrulhando as cataratas.
Dirijo a lâmina de Cinco na base de seus crânios, um após o outro, tão
rápidos que nenhum deles percebe o outro se tornando poeira.
Me viro. Nenhum dos mecânicos Mogadorianos ou pilotos notaram.
Não vou deixar nenhum deles me ver. Não vou deixar nenhum deles
pedir ajuda.
Metodicamente, começo a trabalhar da minha maneira pelo hangar.
Pego os retardatários primeiro, aqueles que estão isolados. Posso flutuar
direto para eles, direto para seus rostos hediondos, e a lâmina entra com
facilidade. Nenhum deles sequer grita. Em certo ponto, talvez depois do
décimo ou vigésimo, minha mente está em piloto automático. Começo
a sentir como se eu não estivesse fazendo isso. Estava apenas
acontecendo na minha frente.
Sou um fantasma. Um fantasma vingativo.
É rápido a forma que mato. Misericordioso. Uma morte melhor do
que a que esses bastardos deram ao povo de Nova Iorque ou dos milhões
que eles assassinaram.
Sarah.
Depois de poucos minutos, um dos Mogs grita um aviso. Iria
acontecer eventualmente com toda as cinzas pairando no ar, com seus
números reduzidos pela metade. Eles começam a procurar
freneticamente. Um deles grita algo em Mogadoriano e cai de joelhos,
parecendo histérico. Outros seguem o exemplo. Não estou certo do que
fazer diante disso. A maioria dos outros correm para as prateleiras dos
canhões ou para a matriz de comunicação não tripulada.
Disparos cruzam pelo ar na direção do painel de comunicação.
Disparos de canhões que não posso ver. Parece que Seis e Adam
ajudaram um ao outro, e então voltaram para ter certeza de que os Mogs
estavam mortos. Inteligente.
Acho que eu preciso de uma ajudinha.

204
UNIDOS SOMOS UM

Não demora até o hangar estar limpo. Despreparados e lutando


contra oponentes invisíveis onde eles pensavam estar seguros, os Mogs
não tem chance.
Quando o último Mog é apenas uma camada de cinzas sobre o para-
brisa dos Escumadores, eu fico visível. Seis e Adam logos seguem meu
exemplo ambos agora segurando canhões. Adam me olha, com os olhos
arregalados, talvez um pouco sobrecarregado pelo abate.
— Merda, John - Seis diz, levantando uma sobrancelha para minha
escolha de arma. — Isso foi bem intenso - Seis caminha até as portas
duplas que separam o hangar do resto da nave e checa se não tem
nenhum reforço esperando. Dizimamos os Mogs antes que eles
pudessem soar o alarme, mas alguém passando poderia ter ouvido os
disparos. Ela faz um gesto com os dedões para cima.
— Tudo certo.
Pego os olhos de Adam olhando para onde o Mog caiu de joelhos. —
Aquele que estava em pânico. O que estava dizendo?
Adam engole em seco. — Ele diz que Setrákus Ra realmente os
abandonou. A crença deles está acabando agora que o Adorado Líder
está morto.
— Alguns deles acreditam de verdade nisso - Seis diz.
— Oh sim - Adam responde. — Especialmente quando John começou
a ir com toda a 'ira de deus'.
— Eles não viram nada ainda - respondo.
Abro o bolso do meu colete e finalmente deixo Bernie Kosar e Areal
soltos.
Eles se transformam nas suas formas de beagle e lobo e parecem
gratos de estar fora de seu cativeiro. Areal começa a farejar o chão,
eventualmente fazendo seu caminho para saída com Seis. BK senta no
chão ao meu lado e lambe a ponta dos meus dedos. Se um cão pudesse
parecer preocupado, ele está. Ignoro ele.

205
UNIDOS SOMOS UM

— Okay, quão longe antes que eles percebam que nós tomamos toda
sua divisão de macacos de graxa? - Seis pergunta, andado pra mais perto
agora que Areal está vigiando as portas.
Adam dá de ombros. — Depende da distância que patrulha deve sair.
— Não se preocupe - digo, caminhando na direção das portas duplas.
— Foque em despachar aqueles dispositivos de camuflagem. Vou olhar
o resto da nave.
— Tenha cuidado - Seis diz.
E então passo pelas portas, BK e Areal em meus calcanhares. O
pequeno corredor fora do hangar está vazio, então tenho um momento
para me agachar e conversar com as Chimaerae.
Vigiem minha retaguarda, digo a eles. Posso fazer isso enquanto nenhum
deles me pegar pelas costas, me pegar de surpresa. E não queremos nenhum
deles indo na direção de Adam e Seis.
Enquanto falo, ambas Chimærae se transformam em criaturas mais
imponentes. Ambos são parecidos com cães, mas são musculosos e com
garras de navalha, com duráveis, pele de couro e presas de aparência
terrível. A única forma de diferenciá-los é pelo raio de pelos cinzas que
corre pela espinha de Areal.
— Boa aparência, rapazes - digo, e me levanto e começo a me
aprofundar na nave.
Há uma fechadura na próxima porta que requer alguma força para
virar. Através dela um corredor se abre, de vermelho brilhante e austero,
com portas ramificando de ambos os lados. Há um par de Mogadorianos
andando na minha direção, os dois estudando um mapa digital das
Cataratas do Niágara.
Voo para frente, apunhalo o primeiro no olho e agarro o segundo ao
redor da garganta.
— Para que lado é a ponte? - pergunto a ele.
Ele aponta diretamente para frente. Quebro seu pescoço.

206
UNIDOS SOMOS UM

Não quero nenhum desses bastardos atrás de mim, então confiro sala
por sala. Vou conferir a ponte por último.
A primeira área que vou conferir parece com quartéis. As paredes em
forma de colmeia, com camas estreitas. Os nascidos artificialmente
basicamente dormem no topo de cada uma. Há centenas de Mogs aqui
agora, em repouso, muitos deles conectados à linhas intravenosas com
a gosma preta que Setrákus Ra tanto ama, aumentando a si mesmos
enquanto cochilam. Suponho que eles dormem em turnos, descansando
para o próximo ataque
Hoje, o despertador é uma bola de fogo.
Eu estendo minhas mãos e deixo o máximo de fogo sair pelos meus
dedos que eu posso controlar. Eu solto até minhas roupas realmente
começarem a esfumaçar. Logo, há uma parede de fogo crepitante fora de
mim, rugindo para a sala. Sinto o cheiro de plástico queimado e um
cheiro podre de torrefação que eu sei é que gosma negra ebulição.
O fogo começa a se espalhar além do meu controle. Me ocorre que eu
não quero fazer quaisquer danos irreparáveis à nave. Assim que esse
pensamento passa pela minha cabeça, as sensações em minhas mãos
alteram. Eu mudo de despejar fogo na sala para pulverizar o espaço
carbonizado com cristais de gelo e geada.
Um dos Legados de Marina. Nem tinha percebido que eu escolhi esse.
Ele funciona de modo semelhante ao meu Lúmen, é como por um carro
em marcha à ré.
Os Mogs que conseguiram escapar de seus beliches e evitar serem
incendiados logo são apanhados por um saraivada de estalactites. A
agitação pelo quartel atrai a atenção deles. Enquanto eu saio, um
pequeno esquadrão de guerreiros corre pelo corredor em minha direção.
BK e Areal os despacha rapidamente, atacando por fora de quartos
adjacentes assim que os Mogs se aproximam.
Os Mogs não estão preparados para isso, eu percebo. Eles não estão
preparados para nada.

207
UNIDOS SOMOS UM

Agora eles sabem qual é a sensação.


Eu fico invisível antes de ir até o próximo conjunto de portas.
Imediatamente, eu sou cumprimentado por uma voz robótica alternada
entre Inglês e Mogadoriano. — Renda-se ou morra - diz a voz. — Coloque
para baixo suas armas. Amado Líder.
É um curso de língua, eu percebo. Os Mogs estão aprofundando seus
conhecimentos de inglês. E isso não é tudo...
Mais adentro da sala, vejo um campo de tiro. Pessoas em forma de
alvo gritam e correm em constante mudança entre cenário de cidades da
Terra famosas: Nova Iorque, Paris, Londres. Há uma leitura digital
para a pontuação do atirador, que atualmente se encontra em zero por
causa do programa que está sendo abandonado.
Os Mogs que estão treinando aqui - eles me ouviram chegando. Eles
pararam suas tarefas e formaram dois grupos em ambos os lados da
entrada, canhões prontos. Se eu tivesse entrado aqui, eles teriam me
matado.
Que pena. Eu sou um tipo diferente de alvo.
Eu calmamente entro no meio da sala e me torno visível. Os Mogs
gritam – surpresos - e abrem fogo. Rapidamente, eu fico invisível
novamente e voar para cima, longe do tiroteio. Eles acabam matando
uns aos outros em meio ao tiro cruzado.
Eu termino com os sobreviventes enquanto flutuo sobre eles.
Esfaqueio para baixo com a lâmina de Cinco, explodindo-os com fogo e
gelo a curta distância, transformando os outros a pedra com um olhar.
Alguns deles tentar fugir para fora da sala. BK e Areal esperar por lá,
cumprimentando-os com garras e ranger de dentes. Em algum
momento, enquanto eu estou limpando a sala de treinamento, um
alarme estridente começa a tocar. Isto ecoa por todo a nave e é
acompanhado por um piscar rítmico da iluminação vermelha maçante
que atravessa as paredes e tetos.

208
UNIDOS SOMOS UM

Não tenho mais o elemento surpresa. Agora eles sabem que eu estou
vindo.
Quando eu começar a ir em direção à ponte, a passagem está
visivelmente vazia de inimigos. Rondando alguns passos atrás de mim,
tanto BK quanto Areal soltam grunhidos de advertência. Os Mogs quase
certamente têm caído para trás em uma posição defensiva, um ponto de
estrangulamento, onde se pode jogar toda o seu poder de fogo contra
mim.
Bem, vamos ver o que eles têm.
Duas altas portas duplas ficam na minha frente. Além delas, está a
ponte. O alarme continua a retumbar; as luzes continuarem a piscar.
Quando eu chego a vinte metro deles, as portas se abrem com um
whoosh hidráulico.
Através das portas há uma grande escadaria que leva para cima.
Acima da escada, posso apenas vislumbrar as janelas abobadadas de área
de navegação da ponte, o céu azul do Canadá visível. A nave está
sendo controlada a partir daqui. Certamente, o comandante nascido
naturalmente está lá em cima em algum lugar.
Nas escadas, entre mim e meu objetivo, estão cerca de duas centenas
de Mogadorianos. A primeira fila está de joelhos, a próxima linha está
deitada, a segunda; de joelhos, a terceira de pé, a linha atrás deles a
primeira etapa, e assim por diante, enchendo toda a escada. Cada um
deles possui um canhão apontado na minha direção.
Certa vez, isso teria me aterrorizava.
— Vamos lá! - eu grito para eles.
O corredor explode com a energia de centenas de canhões sendo
disparados ao mesmo tempo.

209
UNIDOS SOMOS UM

210
UNIDOS SOMOS UM

— você acha que ele está bem? – adam pergunta.


Eu tiro meus olhos da porta que conduz para fora do hangar por
um momento para olhar para Adam. Ele não percebe por conta de
seu rosto estar enterrado em um emaranhado de fios e cabos. Ele
está deitado por baixo do painel aberto de um Escumador. Suas
mãos trabalham rapidamente para desconectar o dispositivo de
camuflagem.
— John ainda está vivo, se é isso que você quer dizer - eu
respondo. Até agora, uma nova cicatriz não queimou em meu
tornozelo.
Adam se senta. Eu fico por perto, agachada, com a cabine deste
último Escumador aberta. Eu estou segurando um canhão
Mogadoriano e tenho o meu alvo nivelado na porta, apenas para o
caso de qualquer Mogadoriano querer conseguir chegar ao John e
interromper o que estamos fazendo. Até agora, tem sido tranquilo.
— Isso não é o que quero dizer, e você sabe disso - Adam
responde.
— Você quer dizer psicologicamente - eu digo.
— Sim.
Nós saímos deste Escumador e passamos para o próximo. Eu
coloco o dispositivo de camuflagem dentro de uma caixa de
ferramentas que nós esvaziamos, que estão empilhadas ao lado das
outras que já estão preenchidas.
— Eu acho que ele está se saindo tão bem quanto qualquer um de
nós - eu digo. — Quero dizer, o que você espera?
— Eu não sei - Adam admite. — Mas ele me assusta um pouco.
Eu não respondo a isso. Eu estaria mentindo se eu dissesse que as
mudanças que vêm ocorrendo com John ultimamente não são um
pouco assustadoras. Ele ainda é o mesmo cara que eu conheço,

211
UNIDOS SOMOS UM

confiável, amado — apenas, com uma mudança. Com poder. E uma


fome de vingança.
Talvez isso é exatamente o que precisamos agora.
Um alarme começa a soar, e as luzes no deck de observação
piscam. Adam desencaixe outro dispositivo de camuflagem antes de
olhar para mim com as sobrancelhas levantadas.
— Acho que isso é um mau sinal - eu digo.
Adam dá de ombros. — É o sinal de alerta. Para intrusos ou
ataques.
— Então, eles sabem que estamos aqui.
— Em algum momento eles iriam descobrir de qualquer jeito,
certo? Se John estiver no mesmo ritmo que ele estava aqui em baixo,
esse alarme está cerca de vinte minutos atrasado para fazer qualquer
resultado bom para eles.
Nós nos movemos para o próximo Escumador, agora colocando
um pouco mais de firmeza no canhão. Antes de subir a bordo, algo
me chama a atenção. Um zumbido que vem da matriz da
comunicação do deck de observação. Eu toco Adam no ombro.
— O que é isso?
Ele inclina a cabeça para ouvir, mas não consegue por causa do
alarme. Nós corremos até o painel de controle a tempo de ouvir uma
voz brusca latindo em Mogadoriano. Adam imediatamente olha para
a entrada escancarada do deck de observação, aquela pela qual
viemos, o céu azul e o ar fresco lá fora.
— Os Escumadores em patrulha detectaram o alarme; eles estão
pedindo confirmação.
Enquanto Adam diz isso, um par de pequenas naves de
reconhecimento entram em vista, deslizando para a zona de pouso.
— Ótimo - eu digo. — Prepare-se para uma luta.
— Não necessariamente - Adam responde. Seus dedos pairam,
pousados sobre um botão vermelho no painel de controle.

212
UNIDOS SOMOS UM

As duas naves chegam mais perto. Eu coloquei minha mão na


parte de trás do pescoço de Adam, pronta para nos tornar invisível
a qualquer momento. Mas, logo que os Escumadores estão prestes
a chegar à estação de ancoragem, Adam aperta o botão. Duas portas
de segurança pesadas fecham rapidamente como mandíbulas de
aço bem na frente dos Escumadores, selando a zona de
aterrissagem. Os Escumadores nunca teriam a chance de mudar de
rumo. Há um choque de ambas as naves quando batem no lado da
nave maior. Adam e eu pulamos para trás por causa da força. Eu
posso ouvir as naves explodirem com o impacto, e uma pequena
língua fina de fogo consegue deslizar entre a porta.
— Isso deve mantê-los fora por um tempo - diz Adam. Ele aperta
mais alguns interruptores no painel de controle para bloquear as
portas de segurança no lugar.
— Muito bem feito - eu digo. — Agora só temos que nos
preocupar com os milhares de Mogadorianos que estão presos aqui
conosco.
Como se fosse uma sugestão, a porta do outro lado nave para a
ancoragem se abre. Eu imediatamente me viro nessa direção, meu
dedo meio pressionando no gatilho.
— Calmem, sou eu - diz John.
Ele caminha para dentro da cabine, BK e Areal logo atrás em seus
calcanhares parecendo monstros. Os dois Chimærae ficam de
guarda na porta, os dentes à mostra, prontos para o caso de
qualquer Mogadoriano ter seguido John através da nave. John está
respirando muito forte, e ele está literalmente esfumaçando. Sua
camisa pegou fogo em vários lugares, e há são queimaduras de
canhão em seus ombros, braços, peito e pernas. Ele nem sequer
pareceu notar.
Adam e eu trocamos um olhar.

213
UNIDOS SOMOS UM

— John, você está—? - eu balanço minha cabeça, sentindo-me


retórica se fosse perguntar se ele estava bem. — Você está ferido.
John faz uma pausa na frente da estante de armamento
Mogadoriano. Ele olha para si mesmo, como se ele nem tivesse
notado.
— Ah, sim - diz ele. Ele começa a correr as mãos sobre as feridas
que ele pode ver em seus braços, usando seu Legado de cura para
curá-las, em seguida, faz uma pausa. Ele aperta os olhos por um
momento, e as lesões em todo o corpo tudo ao mesmo tempo
começam a fechar.
— Uau, isso é novo - eu digo.
— Sim - responde John, parecendo um pouco surpreso. Há uma
distância em seus olhos, como se ele ainda estivesse se livrando da
adrenalina da batalha. — Tudo parece... mais fácil desde que
comecei realmente a usar o meu Ximic.

Adam se arrasta até a porta para verificar o corredor. Ele faz questão
de coçar atrás das orelhas de Areal, o que faz um barulho de lixa
graças a forma bestial do Chimaera. A cauda enorme de Areal
bate no chão de metal.
— Devagar - Adam repete, observando a condição de John. —
Você... você já matou todos eles?
John se agacha na frente da estante de armas. Ele empurra para o
lado canhões e baterias, procurando por algo.
— Não. Há um monte deles - ele diz simplesmente. — Estou
reagrupamento. Eles também estão. Eles não vão sobreviver por
outra rodada.
— O que você está procurando? - pergunto.

214
UNIDOS SOMOS UM

— Granadas ou qualquer coisa explosiva - diz ele. — Algo que eu


posso jogar neles.
— Há algumas latas de combustível lá - eu indico.
John olha para os tanques utilizados para encher os Escumadores.
Ele ergue um com sua telecinese. — Perfeito. Eu acho - ele olha para
Adam. — A nave pode sustentar um desses explodindo, certo? -
Adam franze os lábios. — Provavelmente. Eu não gostaria de
jogá-lo no espaço sideral, mas deve aguentar a atmosfera requintada
da Terra.
— Ótimo - John responde. Ele olha para a caixa cheia de
dispositivos de camuflagem. — Vocês estão indo bem?
— Quase terminado - eu digo.
Então Areal solta um grunhido baixo, e Adam se abaixa para fora
da porta. BK arqueia as costas e fica abaixado, pronto para atacar.
De onde eu estou, eu posso ouvir a porta de compressão de ar abrir.
— Tem alguns vindo - sussurra Adam.
— Eles acham que estou ferido - John diz, e revira os olhos. —
Imaginei que eles enviariam alguns deles atrás de mim.
John caminha direto para a porta e, um segundo depois, quando
ele abre, libera um feixe de energia prata ondulante de seus olhos.
Eu corro para o lado dele a tempo de ver uma dúzia de Mogs com
canhões, todos eles agora transformados em pedra, aglomerados no
corredor fora da porta. John levanta a mão, e o ar fica frio. Uma
barragem de estalactites de gelo voa a partir da palma de sua mão,
desintegrando os Mogadorianos empedrados.
— Você aprendeu esse também, huh?
— Alguns Legados estão sendo mais fáceis do que outros.
Com o Mogs despachados, John se vira para mim. É como se ele
apenas tivesse matado uma mosca.
— Estou prestes a tomar a ponte - diz ele. — Eu poderia usar a sua
ajuda.

215
UNIDOS SOMOS UM

Momentos depois, estamos seguindo John pelos corredores


segmentados do navio de guerra. Parece uma zona de guerra aqui.
Eu tenho que cobrir a boca e o nariz com a dobra do meu braço no
relato de como muito cinzas Mogadoriano está no ar, para não
mencionar a fumaça preta acre que derrama de uma seção onde
parece que um inferno entrou em erupção.
— Você fez tudo isso? - pergunto. John concorda. Ele trouxe um
dos tanques de combustível com ele, usando sua telecinese.
— Para que você precisa disso? - eu pergunto, apontando pro
tanque. — Parece que o seu Lúmen estava funcionando muito bem.
Ele flexiona as mãos em resposta. Noto que sua pele está rosa
brilhante, como se ele tivesse acabado de mergulhar as mãos em
água fervente. Aparentemente, isso não foi curado com o resto de
seus ferimentos.
— Talvez eu possa ter exagerado com o fogo - John diz, pensativo.
— Fritei algumas terminações nervosas ou algo do tipo.
— Então eu acho que você ainda tem alguns limites.
— Aparentemente - John franze a testa com o pensamento. — De
qualquer forma, há um monte deles barricados em frente a Ponte. É
um gargalo. Eu lutei de igual para igual com eles pelo máximo de
tempo que eu pude. Decidi que precisava ser criativo.
— Matar com mais esperteza, e não força - eu digo secamente.
É só uma pequena caminhada através de mais detritos e
carnificina ao corredor que leva à ponte. John nos impede com uma
mão levantada, não nos deixando virar o corredor.
— Imagino que eles estão atirando em tudo que se move nesse
ponto - diz John.
— Estratégia lógica - Adam responde.
John vira seu olhar para o tanque de combustível e o ar na
passagem fica frio. Lentamente, uma concha do gelo começa a se
formar em torno do barril metálico até que o recipiente não seja mais

216
UNIDOS SOMOS UM

visível. Quando a bola de demolição congelada está completa, John


faz estalactites nítidas em toda a sua superfície. Alguns destes
racham e quebram, e John tem que refazer o trabalho.
— Eu não dominei esse por completo ainda - diz ele, enquanto
Adam e eu olhamos.
— Você está indo bem - eu respondo. — Merda. Melhor do que
bem.
Depois de alguns minutos de trabalho, John tem uma pedra
cravada de gelo com um núcleo de combustível.
— Você vai jogar isso neles - eu observo.
John concorda. — Você quer me ajudar? Eu poderia usar a força
telecinético extra. Assim que eu assinto, John volta-se para Adam e
para os Chimærae. — Isto provavelmente não vai matar todos, mas
deve acertar bastante. Quando vocês ouvirem a explosão, vêm com
tudo.
— É isso aí - Adam responde, armando um canhão que ele pegou
no deck de observação.
John pega a minha mão, então flutua o tanque de combustível
coberto de gelo na frente de nós para que possamos colocar a mão
nele. Nós ficamos invisíveis, fazendo com que o tanque desapareça
junto com a gente. Minha mão começa a ficar dormente, mas a
temperatura não parece incomodar John.
Há queimaduras de tiro de canhões em todas as paredes da
batalha anterior de John com este grupo de Mogs. No final do
corredor, mais de uma centena nascidos artificialmente estão
lotados em uma pequena escadaria. O ar entre nós e eles é nebuloso
com partículas. Seus canhões estão levantados, prontos para serem
disparados, mas tudo o que eles vêm é um corredor vazio.
Isso muda quando John e eu enviamos a bola de gelo em alta
velocidade em direção a eles. Ela se torna visível logo que deixa o
nosso toque, e deve parecer como uma pedra que aparece do nada.

217
UNIDOS SOMOS UM

Nós a atiramos nos Mogs, esmagando os primeiros deles. Em


seguida, nós a jogamos de um lado para o outro, espetando um
outro grupo com as estalactites.
Os Mogs se recuperaram da surpresa rapidamente e começam a
disparar contra a nossa arma gelada. Eles explodem as estalactites e
começam a destruí-la. Alguns deles parecem estar confiantes.
Mas, em seguida, um deles atira no centro e detona o tanque de
combustível.
A explosão resultante me tira do chão. John cai para o lado,
batendo o ombro contra a parede, mas mantém o equilíbrio. Meus
ouvidos zunem. O corredor está cheio de uma fumaça preta
sufocante, por enquanto, até que eu conjuro um vento e sopro o ar
em direção à ponte Mogadoriana. Enquanto Adam me ajuda
a levantar, eu vejo BK e Areal seguirem com tudo para o final do
corredor, saltando sobre os poucos retardatários que sobreviveram
à explosão.
— Isso funcionou melhor do que o esperado - diz Adam.
— Ow. Sem brincadeira - eu respondo.
A partir da ponte, podemos ouvir gritos em Mogadoriano. Estes
não são gritos de guerra. Estes são gritos de desespero, e eles estão
sendo respondidos por uma voz feminina fria que eu reconheceria
em qualquer lugar.
Phiri Dun-Ra. Alguém, provavelmente o capitão da nave, está
com Phiri Dun-Ra no comunicador.
— O que eles estão dizendo? - John pergunta ao Adam enquanto
nos reunimos e seguimos na direção da ponte.
Adam para e começa a ouvir. Pequenos incêndios, pilhas de
cinzas e pedaços de gelo derretendo rapidamente marcam a
escadaria. Subimos com cautela.

218
UNIDOS SOMOS UM

— O comandante, ele está relatando que sua nave está sob


ataque. Ele está implorando por reforços. Ele quer falar com o
Amado Líder - Adam traduz.
— Os reforços estão vindo? - John pergunta.
Adam balança a cabeça. — Ela está culpando o comandante.
Dizendo que ele não deveria ter deixado seu posto em Chicago. Diz
que esta é a punição por sua falta de fé, que ele não é digno de
comando.
Eu bufo. — Nos dê um pouco de crédito, Phiri. Vamos logo.
Nós caminhar sobre a ponte como nós já possuíssemos esta nave
de guerra, porque, francamente, é o que fizemos. Há um teto
abobado de vidro que desce até o chão, para que possamos ter uma
ampla vista das Cataratas do Niágara. Existem uma dúzia de
pequenas estações com cadeiras, cada uma delas ocupada por um
Mogadoriano encarregado de pilotar a nave de guerra ao invés de
lutar. O comandante, vestido com um uniforme preto e vermelho e
que está coberto de ornamentos mais do que qualquer outra pessoa,
está na frente de uma tela holográfica que está atualmente
transmitindo uma imagem da cara feia de Phiri Dun-Ra. Ela
realmente nos vê entrar na sala antes de qualquer um dos outros
Mogs e, sem dizer uma palavra ao comandante, corta seu sinal.
— Acho que ela não queria conversar - eu digo.
A maior parte dos Mogs imediatamente salta para longe de suas
estações e levantam os canhões sobre nós. Eu arranco as armas para
fora das suas mãos com a minha telecinese, e John espeta cada um
deles com uma lança de gelo. Estes são Mogs nascidos
naturalmente, e não os nascidos artificialmente, e por isso eles não
se desintegram tão rapidamente quanto os outros. Na verdade,
alguns deles só derreter parcialmente, deixando para trás corpos
semi-formados.
O comandante, de olhos arregalados, em um gesto que ele deve

219
UNIDOS SOMOS UM

saber que é inútil, puxa uma espada como o pai de Adam costumava
carregar e grita para nós.
— Vocês nunca vão tomar a minha nave—!
Antes que ele possa até mesmo terminar a frase, um tiro de
canhão Mogadoriano decapita o comandante. Todos nós viramos na
direção de um jovem Mogadoriano segurando um canhão, seu rosto
com uma mistura de alívio e pedido dissidência. John levanta a mão
para despachar este último sobrevivente nascido naturalmente com
uma estalactite de gelo.
— Não! - Adam grita, e pisa no chão. Uma onda sísmica faz com
que toda a nave de guerra balance, e o chão onde Adam bateu o pé
amassa como papel alumínio. John é realmente sai do chão, mas
apenas por um momento. Ele usa seu Legado de voo para flutuar na
posição vertical, parecendo confuso, enquanto ele olha para Adam.
— Não-não o mate - diz Adam.
O Mog em questão, provavelmente da nossa idade e bem
construído, com o cabelo escuro cortado bem curto, joga de lado
seu canhão e cai de joelhos em frente de nós.
— Meu nome é Rexicus Saturnus - o Mog diz, embora eu tenha a
sensação de que Adam já sabe disso. — E eu estou à sua mercê.

220
UNIDOS SOMOS UM

221
UNIDOS SOMOS UM

o apelido do cara é rex.


Parece que esta é a segunda vez que Adam salvou a vida dele. A
primeira vez foi depois de uma explosão na Base de Dulce. Adam cuidou
de Rex; e depois disso, os dois viajaram juntos por um tempo. Rex
acabou ajudando Adam a ter acesso à Ilha da Ameixa dos Mogs, que é
onde eles estavam fazendo experiências com os nossos Chimærae. Ele
até ajudou Adam a fugir depois que os Chimærae foram libertados. Rex
considerou isto como pagamento de sua dívida com Adam, ao invés de
trair seus companheiros Mogs, apesar de ter sido os dois.
— Você acha que podemos confiar nele? - Nove pergunta.
— Adam confia - respondo. — Eles passaram semanas juntos. Adam
cuidou dele.
— É, mas... - Nove abaixa a voz. — Goste ou não, ele é um deles.
Estamos na ponte da nave de guerra, agora limpa, com exceção do
nosso povo. Estamos voando na nave de guerra lentamente até o rio
Niágara, à procura de um lugar seguro para pousar e podermos pegar o
Esquadrão de Operações Especiais Canadense. Lexa voou com Nove e os
outros até aqui em cima, já que o céu estava livre de Escumadores
inimigos e as tropas Mogadorianas foram eliminadas em terra. A nave
de guerra cuidou de todos eles sem sequer descarregar todo o poder de
seus canhões de energia. Adam e Rex ficaram com as armas, trabalhando
juntos.
—Ele matou seu Comandante Oficial - digo a Nove. — Ele nos ajudou
a acabar com os Mogs fora da nave de guerra.
— Desespero cara - responde Nove. — Ele faria qualquer coisa para
salvar sua própria pele. Você sabe, aqueles nascidos naturalmente não
dariam a mínima para os nascidos artificialmente. Provavelmente ele
iria explodir um milhão deles, se isso significasse que ele continuaria
vivo.
—Talvez - digo.

222
UNIDOS SOMOS UM

Nove e eu ficamos na cabine do comandante, com vista para várias


estações abaixo. Daqui podemos ver Adam e Rex conversarem entre eles
sem serem ouvidos. Seis e Marina estão logo abaixo com os dois Mogs,
olhando por cima dos controles e conversando com Adam.
— Você não acha que eles são capazes de mudar? - pergunto a Nove
— Adam mudou.
— É, mas eu sempre pensei que era porque ele transou com a Número
Um ou algo assim.
Dou-lhe um olhar cansado.
— O quê? - diz Nove.
Eu balanço a cabeça. — De qualquer forma, Rex é só um. Mesmo se
quisesse nos trair, o que você acha que ele poderia realmente fazer?
Acabo não dizendo agora, mas a verdade é que eu matei toda a
tripulação de uma nave de guerra Mogadoriana. Só um deixado vivo não
vai parar os meus planos. Quanto à minha pergunta sobre os
Mogadorianos aprenderem a mudar quem são, eu não tenho certeza se
quero saber a resposta. É mais fácil imaginá-los como inimigos viciosos
que nunca verão a razão, que são incapazes de conhecer a justiça ou a
misericórdia. Mas quanto mais eu conheço Adam e agora o Rex, mais eu
vejo quantos Mogadorianos morreram pensando que seu “deus”
Setrákus Ra os abandonou, me pergunto se isso foi lavagem cerebral ou
se como povo, todos simplesmente são assim. Será que com o tempo,
eles poderiam mudar? Eu não vou parar de lutar e começar a conversar
gentilmente com os invasores, perguntando se eles gostariam de ser
reabilitados. É tarde demais para isso. Mas me pergunto o que vai
acontecer em sua sociedade distorcida quando eu matar Setrákus Ra.
Pretendo descobrir isso em breve.
— Ele não tem más intenções.
Nove salta visivelmente, e meus ombros se encolhem quando Ella
chega até nós. Ela sorri um pouco, e por um momento me pergunto se

223
UNIDOS SOMOS UM

ela está se divertindo como essa forma assustadora dela ultimamente.


Seus olhos brilham a energia Lorica quando ela analisa nós dois.
— Ah, meu Deus, Ella - Nove diz, recuperando o fôlego. — Você leu a
mente do Rex?
— Sim - ela responde. — Ele tinha dúvidas sobre a moralidade do seu
povo, desde que ele conheceu Adam. Ele tinha muito medo de agir, até
que você deu a ele uma oportunidade, John.
— Bem, isso me faria dormir mais tranquilo se eu planejasse dormir
nessa nave enorme - Nove diz, já perdendo o interesse. — Talvez
devêssemos usar o Adam para falar com todos os Mogs, hein? Ele
poderia ser o assistente social deles.
Ignorando Nove, me viro para Ella. — A pedra de Loralite perto das
quedas d’agua foram desativada. Você pode reativá-la?
— Sim - ela responde.
— Então vamos.
— Ok, tchau - Nove diz, franzindo a testa quando saímos.
Eu levo Ella pelos corredores vazios da nave de guerra. Os vestígios
da minha batalha com a tripulação da nave estão em toda a parte:
queimaduras, detritos, painéis danificados. Nós dois não dizemos nada
até que chegamos na estação de ancoragem. Ella finalmente quebra o
silêncio.
— Você está bravo comigo.
Passo a mão em meu cabelo, e vejo que está pegajoso, emaranhado e
suado. — Eu.. Não. Sim. Sei lá, eu não sei.
— Você acha que eu devia ter avisado Sarah. Ou avisado você.
Eu balanço a cabeça. — Não importa agora, não é? - diminuo a
velocidade dos meus passos e me viro pra ela. — Em suas visões...
— Eu te disse que não estou mais olhando o futuro.
— Quando você olhava, então. Você me viu assim? Você viu o que eu
me tornaria?
— O que você se tornou, John? - Ella pergunta, inclinando a cabeça.

224
UNIDOS SOMOS UM

Eu mordo o interior da minha bochecha antes de responder. Me


lembro dos olhares de Seis e Adam durante o ataque a essa nave de
guerra.
— Algo que meus amigos temem.
Timidamente, Ella estende a mão e seus dedos tocam na minha. —
Eles não têm medo de você, John. Eles têm medo por você.
Eu balanço a cabeça. O que quer que isso signifique. Já perdi muito
tempo aqui. Ainda há muito a ser feito.
É claro que, estou fazendo meu melhor para não demonstrar, mas
estou me sentindo tão cansado como nunca antes me senti. Vai além da
exaustão. É como se cada átomo de meu corpo estivesse se quebrando,
como se eu tivesse explodido, e meu corpo não sabe ainda. Concentrar
tanto poder em meu corpo, usar tantos legados diferentes, isso tem um
preço. Eu estava na pura adrenalina até que acabou a batalha aqui.
Mas eu ainda estou de pé. Isso significa que ainda estou lutando.
Entramos na estação de ancoragem. Lexa está ao lado de sua nave, a
nave lorica tem o formato de um polegar, principalmente perto de
tantos Escumadores Mogadorianos.
— Precisa de uma carona para ir lá em baixo? - Lexa pergunta,
parecendo ansiosa para sair da nave de guerra Mogadoriana.
— Tá tudo bem. Eu faço isso.
Eu pego Ella em torno da Cintra, e nós voamos através das portas de
ancoragem para o céu azul. Meu corpo dói por causa do esforço, mas não
vou perder tempo esperando Lexa ligar a nave dela.
É uma curta viagem de volta até as quedas e a pedra de Loralite que
permanece dormindo. Lá em baixo, eu vislumbro destroços de
Escumadores, estamos transformando partes deles em armas pra usar
contra eles mesmos. Também posso ver parte dos nossos amigos
canadenses, agora garantindo um perímetro seguro ao redor da pedra
de Loralite.
— Você está ficando bom nisso - Ella diz assim que pousamos no chão.

225
UNIDOS SOMOS UM

— Sim, obrigado.
Os soldados ao redor abrem a boca. Ainda não estão acostumados a
ver pessoas voando por aqui, eu acho. Á medida que caminhamos em
direção à pedra de Loralite, Ella vira para mim.
— Você vai derrotar Setrákus Ra em breve, né?
— Você vai precisar do meu Dreynen - diz ela.
— Eu sei.
— Honestamente, estou surpresa que você não tenha tentado
aprender isso antes.
Eu olho para nossa nave de guerra pairando acima. — Eu precisava
de outros legados primeiro. Precisava ter certeza de que poderia passar
por todos os guardas de Setrákus Ra e chegar até ele. Dreynen só tem
uma utilidade. Como todos os legados que já observei, acho que posso
sentir o Dreynen escondido dentro de mim. A negatividade, um vácuo,
um vazio frio. Na verdade, eu não queria usá-lo. Parece errado.
Como se estivesse lendo minha mente. Ella me dá um olhar sombrio.
— Quando fui prisioneira na Anúbis, Setrákus Ra me fez praticar no
cinco. Não foi divertido.
— Praticar no cinco. Eu deveria ter pensado nisso - eu digo, apenas
para brincar um pouco.
— Setrákus Ra pode usar o Dreynen apenas com o pensamento. Eu
não cheguei a esse nível ainda. Ainda preciso carregar objetos com ele.
Talvez você aprenda mais rápido do que eu...
— Está indo no caminho - eu digo. — Já eu nem tentei ainda.
Ella franze os lábios. — Na verdade, pode ser até melhor assim. Usar
uma arma carregada com o Dreynen, assim como Pittacus Lore fez.
Dessa forma, mesmo se ele tirar seus legados primeiro, você ainda
poderá tirar os dele também.
— Boa ideia - eu respondo, inconscientemente tocando a lâmina de
Cinco, que está revestida e escondida em meu antebraço. — Obrigado.

226
UNIDOS SOMOS UM

De nossa esquerda, um dos soldados de alta patente se aproxima


timidamente segurando um telefone por satélite. Faço uma pausa para
reconhecê-lo, e Ella se vira, dirigindo-se a pedra de Loralite.
— Seu comandante está na linha - o soldado diz, segurando o telefone.
— Eu não tenho um comandante - eu respondo. O soldado dá de
ombros, tentando mostrar que é apenas o mensageiro.
Eu pego o telefone dele, mesmo sabendo que é o Lawson esperando
um relatório sobre nosso progresso.
Antes de falar com ele, observo Ella abraçar a pedra de Loralite. A
pedra vai de um cinzento maciço, a um comum azul brilhante em
questão de segundos. Alguns dos soldados que assistem se
impressionam. Ella descansa a bochecha contra a pedra, deixando seu
pulso de energia lorica se estabilizar.
— Aqui é o John - eu digo ao telefone.
— O que é que é isso que eu ouvi dizer, que você dominou uma nave
de guerra Mogadoriana? - Lawson late no telefone.
— Achei uma, e como eu já estava lá em cima... - eu respondo.
Lawson suspira em meu ouvido. — Bem, acho que é menos uma nave
desses bastardos para derrubar. Por outro lado, provavelmente isso só
deixou Setrákus Ra com mais raiva. Acho que esse cessar fogo não vai
durar mais muito tempo, você está tomando as naves deles.
— Ele não vai ter que fazer isso - eu digo. — Temos o que você queria.
Você deve coordenar os outros exércitos. Diga-lhes para ir para os locais
Loralite que eu te mostrei, meus amigos vão entregar os dispositivos de
camuflagem a todos.
— Espero que seja o suficiente - Lawson resmunga hesitando. — Ficar
parado aqui não está funcionando. Então novamente, se tudo o que
preciso é de você para derrubar essas naves de guerra... que inferno, você
sabe que algumas estão pairando sobre Washington e Los Angeles ainda
né? Sem mencionar a gigante em West Virginia.

227
UNIDOS SOMOS UM

Espio para o céu enquanto Lawson fala. Será que consigo fazer
novamente? Assumir outra nave de guerra mesmo do jeito como estou
me sentindo? Eu flexiono as mãos, sentindo a sensação de ardor nos
meus dedos que não tenho conseguido diminuir. Pedi a Marina para
tentar curar isso, mas ela disse que não sentiu nada de errado. A única
explicação é que forcei meus poderes além do limite, e meu corpo está
mostrando isso agora. Assim como não podemos curar a exaustão, não
podemos curar o dano causado pelo uso tão excessivo de legados.
Quanto mais posso lutar até que eu precise seriamente descansar?
Descansar. Isso é engraçado. Como se houvesse tempo para isso, com
naves de guerra pairando sobre vinte e tantas cidades, simplesmente
esperando Setrákus Ra terminar seus experimentos doentes, ficando
mais forte, e só então podermos atacá-lo. Não posso descansar.
Portanto, a questão é: até onde eu posso me esforçar e quanto dano
posso suportar até que eu entre em algum tipo de colapso?
Acho que vou descobrir.
— Verei o que posso fazer. Enquanto isso, certifique-se de que os seus
amigos estão prontos para iniciar o ataque o mais rápido possível.
Antes de Lawson responder, eu desligo.
Ao terminar de reativar a pedra de Loralite, Ella caminha de volta até
mim. Eu jogo o telefone via satélite, e ela pega com as duas mãos.
— Diga aos outros que coordenem com Lawson os locais para entregar
os dispositivos de camuflagem - eu digo. — Nos encontraremos em
West Virginia. Tragam a nave de guerra. Vamos derrubar a Anúbis e
acabar com Setrákus Ra.
— Huum, bem - Ella diz, e levanta uma sobrancelha. — O que você
vai fazer?
Olho na direção da nossa nave roubada, ainda visível no horizonte.
— Eu vou repetir o que já fiz.
Os olhos de Ella aumentam. — Outra nave de guerra?
— Estou apenas me aquecendo.

228
UNIDOS SOMOS UM

— Espere, John...
Antes de Ella poder tentar me convencer o contrário, saio voando,
como um raio me distancio das Cataratas do Niágara. É assim que tem
que ser. Eu preciso continuar. Não importa o quanto eu me sinta
cansado, preciso continuar lutando.
O sol já está ficando baixo no céu. Levou o dia inteiro para chegar até
aqui, assumir o controle da nave, e organizar todos. Muito devagar.
Forço para voar mais rápido, e sinto algo estranho como se eu
mergulhasse em uma piscina, então decido que vou pra Washington.
Não sou um GPS, não sei exatamente onde estou indo, mas acho que se
continuar rumo ao sudeste verei monumentos e cidades que
reconhecerei, e finalmente, verei meu alvo.
Diga a mim mesmo que será mais rápido assim, mais eficiente, e que
assim será mais seguro para os outros. Mesmo assim, eu acho que, pelo
menos deveria trazer Bernie Kosar comigo. Ele e Areal são parceiros de
luta inestimáveis, e ele poderia ficar em meu bolso do colete até que eu
precisasse dele.
Oh, droga. Meu colete.
Eu olho para mim mesmo e encolho. Eu sou um idiota. Levei algumas
rajadas de tiro de canhão durante meu ataque à nave de guerra. O
dispositivo que eu tinha amarrado junto ao meu peito junto com a
bateria que fornecia energia para ele estão completamente fritos. Estou
voando por aí com duas peças inúteis de plástico amarradas ao meu
corpo.
Com o tremor de desgosto da minha cabeça, solto o colete e deixo cair
abaixo.
Não posso voltar para as Cataratas do Niágara. Ella definitivamente
já deve ter contado aos outros, e eles tentariam me convencer a não sair
sozinho. Parte de mim sabe que essa ideia é louca, que Seis e Marina
jogariam isso na minha cara. Não, não posso voltar para lá.

229
UNIDOS SOMOS UM

Vou ter que fazer uma parada em Patience Creek. Tenho maiores
chances de não enfrentar conversas por lá.
Felizmente, não estou muito longe do lago Erie, e uma vez que eu
estiver perto dele é só refazer o caminho de voo que Lexa fez hoje cedo.
Depois de em alguns momentos voar na direção errada em um trecho e
me encontrar voando em nuvens que me deixaram incapaz de enxergar,
eu vejo na superfície o disfarce da base Patience Creek, que mais parece
um pequeno hotel abandonado, na margem do lago. Mesmo com as
voltas erradas, a viagem foi mais rápida do que se fosse na nave. E estou
apenas começando a usar esse legado de voo.
Meu plano é voar pela caverna alguns metros ao sul do complexo pelo
túnel, e entrar direto na garagem subterrânea, onde eu sei que estão os
dispositivos de disfarce. Entrar e sair. Exceto que quando pouso perto
da entrada principal, algo não parece certo.
O sol está começando a desaparecer, fazendo com que as árvores
lancem longas sombras sobre o chão. Eu sei que Lawson tinha alguns
soldados escondidos aqui, como sentinelas. Talvez a iluminação
estranha esteja mexendo com a minha visão, mas eu juro que não estou
vendo eles.
Eu voo mais baixo e vejo outra coisa. Há um SUV preto estacionado
na entrada de cascalho bem na frente da casa. Isso é incomum. Este
lugar tem sido mantido em segredo exatamente porque usamos a
entrada da caverna como garagem. Nenhum dos homens de Lawson
seria burro o suficiente para estacionar um veículo do governo tão
visivelmente ainda mais em frente a esse local super secreto.
Mas então eu me lembro, eu emprestei um desses carros para outra
pessoa. Por uma questão pessoal.
Mark James.
Eu aterrisso a alguns metros da varanda da velha casa que esconde a
base Patience Creek. Á minha esquerda, o balanço de pneu amarrado a
uma árvore balança suavemente para frente e para trás. Tudo parece

230
UNIDOS SOMOS UM

calmo e normal, mas estou tendo um sentimento estranho como se


estivesse sendo vigiado.
Vejo Mark imediatamente. Ele fica na porta da Patience Creek, de
costas para mim. A última vez que o vi, ele estava perturbado e me deu
um soco no rosto. Agora ele está duro, a cabeça inclinada de um jeito
estranho.
— Mark - eu digo cautelosamente. — Você voltou.
Ele se vira para mim, seus movimentos como se ele tivesse espasmos.
Vejo imediatamente como sua pele está pálida, as veias escuras fazem
uma teia de aranha em seu rosto. Os olhos de Mark estão largos. Ele está
chorando, mas seu rosto está completamente desprovido de emoção.
Noto que seus dedos estão fechados, como se ele estivesse paralisado.
— Por favor, me perdoe, John - ele consegue balbuciar.
— Mark...
— Eles m-me-me fizeram...
Eu quase consigo girar a tempo. Três tentáculos de gosma negra se
lançam em minha direção, a ponta de cada uma afiada como uma broca.
Um perfura a parte de trás do meu ombro, os outros perfuram meu
quadril e o terceiro penetra minha axila quando eu levanto a mão para
me defender. É como se eu tivesse sido esfaqueado por algo vivo, algo
que se move. Eu sinto os tentáculos cavando mais fundo em mim. Meu
legado de cura entra em ação, tenta combatê-los. Quando isso acontece,
meus músculos são tomados por algo ácido que queima cada terminação
nervosa. Eu grito e caio de joelhos.
— Nós fizemos ele fazer isso - diz uma voz feminina alegre. — Mas
nós não temos que tornar isso mais difícil.
Eu a reconheço do comunicador mogadoriano e também do que os
outros me contaram. A Mogadoriana nascida naturalmente em pé em
cima de mim é Phiri Dun-Ra.
Eu me viro de lado pela grama para olhar para ela. Todo o braço
esquerdo de Phiri Dun-Ra está faltando, substituído por uma massa de

231
UNIDOS SOMOS UM

gosma negra de Setrákus Ra, é espessa e oleosa, tem a forma de uma


árvore morta. Os três tentáculos me sugam, e emanam tudo para ela. Eu
tento arrancá-los do meu corpo, mas a gosma endurece quando eu toco,
torna-se nítida, e eu só consigo cortar as palmas das minhas mãos.
Eu tento jogá-la para longe com minha Telecinese. Não funciona.
Nada funciona.
Quando tento, vejo faíscas de energia lorica pulsando para fora de
mim, viajando pelo tentáculo até Phiri Dun-Ra e entrando pra dentro
dela. Seus olhos se viram para trás por um momento. Em seguida, ela
estende o braço normal, a palma para cima.
A mão de Phiri Dun-Ra brilha. Uma bola de fogo se levanta da sua
palma, as chamas tingidas de roxo.
— Ohh, isso é bom, John Smith - diz ela. — Eu poderia me acostumar
com isso.
Mais mogs começam a emergir das árvores ao redor de Patience Creek.
Eu não sei como não os vi, há tantos. Mas então eu vejo um deles sair da
sombra, onde não havia exatamente nada, então percebo que ele se
teletransportou de alguma forma.
Setrákus Ra foi bem-sucedido. Alguns destes Mogs, assim como Phiri
Dun-Ra, têm Legados. Não, eu não vou chamá-los assim. Eles são
doentes.
Que palavra Setrákus Ra usa? ”Melhoramentos”. Isso é o que esses
poderes distorcidos são.
Um nascido naturalmente mais velho, careca e incrivelmente fino,
fica ao lado de Phiri Dun-Ra. Seus olhos estão completamente pretos.
Ele me ignora, olhando para Mark. Ele move o dedo na direção de Mark,
e vagamente consciente ouço o que parece gafanhotos se movendo em
meio ás folhas.
A gosma negra sob a pele de Mark se mexe, e ele é forçado a se mover.
Ele tropeça e depois de alguns passos olha para baixo, as mãos retirando

232
UNIDOS SOMOS UM

algo de dentro do casaco, cada movimento parecendo dolorosamente


forçado.
— Ouvimos histórias sobre esses legados lóricos que você herdou de
seus pais mortos ou quem quer que seja - Phiri Dun-Ra diz puxando
conversa, sorrindo. — Uma pequena lembrança de seu planeta morto.
Aqui está um segredo, John... O Amado Líder também herdou algumas
coisas. Lembranças. Troféus para ajudá-lo a se lembrar de sua primeira
grande conquista.
Mark segura em suas mãos algo parecido a uma corda, exceto que é
profundamente roxa e brilhante. Algo que não é encontrado neste
mundo.
Eu reconheço. É claro que eu reconheço. De uma visão do passado.
É o laço de Pittacus Lore, que já esteve em volta do pescoço de
Setrákus Ra. Que fez sua única cicatriz. Lembro-me da visão de Ella que
o material é chamado Voron, crescia em Lorien e meu legado de cura não
pode curar ferimentos causados por ele.
Mark se ajoelha e passa o laço em meu pescoço.
Phiri Dun-Ra sorri para mim. — O Amado Líder pensou que você iria
apreciar essa ironia.

233
UNIDOS SOMOS UM

— ele fez o quê? – marina exclama.


Ella encolhe os ombros e olha para baixo. — Ele...

234
UNIDOS SOMOS UM

— Ela ouviu você - digo Ella, meus lábios franzidos. — Ela


simplesmente não consegue acreditar que John faria algo tão
completamente estúpido.
Ao meu lado, Nove se aproxima e chuta um grande tufo de sujeira
do chão. — Que diabos, Seis? Agora somos da equipe reserva ou
algo do tipo? Isso é uma merda.
Nós quatro estamos em uma clareira cerca de um quilômetro rio
acima das Cataratas do Niágara. Nossa nave de guerra roubada está
estacionada a poucas centenas de metros de distância, superando
as árvores esparsas nas proximidades, a sua rampa de saída
estendida. Eu continuo vislumbrando a nave monstruosa com o
canto do meu olho, e cada vez, eu tenho que resistir ao impulso de
correr para me esconder. Difícil de acreditar que é nossa agora.
Marina corre as duas mãos pelos cabelos. — Eu falei com ele
sobre isso, sobre como controlar sua raiva...
Nove solta um riso irônico. — Isso foi antes ou depois que você
tentou esfaquear Cinco na cara com um pingente de gelo? De novo?
— Depois, na verdade - Marina responde com firmeza. — Eu
pensei que ele estava administrando seu pesar, pelo menos. Mas
voar sozinho para fazer a batalha com outra nave de guerra. Meu
Deus, Seis, é suicídio.
— Eu não sei - eu respondo. — Você não o viu lá em cima. Ele foi
praticamente imparável.
— Ele não está pensando - Marina diz, sacudindo a cabeça
enfaticamente.
— Uma parte dele realmente acredita que ele pode fazer isso
mesmo - Ella intervem. — E uma outra parte dele não
quer ver ninguém se machucar. Ele está convencido de que será
melhor para todos se ele fizer isso sozinho.
Nós todos caímos em silêncio por um momento, considerando as
palavras de Ella. É bastante óbvio para mim, pelo menos, que

235
UNIDOS SOMOS UM

arrancou esses sentimentos direto do cérebro de John. De jeito


nenhum ele iria contar isso para ela.
— Ah, paa o inferno com essa merda de nobreza - diz Nove. —
Esta é a nossa guerra também. Eu vou chutar o traseiro dele quando
ele voltar.
— Você percebe que ele nos deixou com uma responsabilidade
muito grande, também, certo? - eu pergunto, olhando em volta para
os outros. Eu não mais falar sobre John. — Levar estes dispositivos
de camuflagem vai salvar muitas vidas potencialmente. É a chave
para a humanidade ser capaz de ganhar a guerra.
Nove zomba e se afasta. Marina suspira e cruza os braços sobre o
peito, virando-se para observar o rio. Ella fica parada, ainda
segurando o telefone via satélite que John deu a ela. Eu olho para o
meu próprio telefone, o que Sam me deu e que está
esperançosamente emulando o frequência de camuflagem do
dispositivo.
Dezessete por cento de bateria. Quando ela descarregar, de
acordo com Sam, este velho celular de baixa qualidade vai esquecer
as instruções que ele deu. É melhor se apressar com este teste.
Mal posso começar a se preocupar que estamos correndo contra
o tempo quando eu ouço o ronco de um motor. Um jipe dirige à
vista, saltando sobre o terreno acidentado da clareira, com Lexa ao
volante.
Lexa puxa para na minha frente e sai, o motor em marcha lenta.
— Bom tempo - eu digo a ela.
— Os canadenses disseram que preferiam se não quebrarmos –
Lexa diz com um encolher de ombros. — Eles foram realmente
educados.
— Tudo vai bem, o carro vai ficar bem - eu respondo.
Percebo Adam aparecr no topo da rampa do nave de guerra. Rex
está atrás dele – tá mais para se escondendo atrás dele - parecendo

236
UNIDOS SOMOS UM

tão tímido como um rato. Eu dou alguns passos em direção à nave


de guerra e aceno para eles.
Enquanto isso, Nove corre para o meu lado.
— Está pronto? - eu grito, colocando minhas mãos em volta da
minha boca.
— Está! - Adam grita de volta. — O campo de força é totalmente
funcional!
Eu observo a nave de guerra com os olhos semicerrados. Eu não
posso realmente ver o campo de força a esta distância. Como antes,
quando estávamos voando em direção a ela, você não podia
realmente ver a energia azul maçante até que você estivesse quase
bem em cima dela. Eu chego mais perto da nave. Nove coloca uma
mão protetora no meu braço.
— Que diabos você está fazendo? - ele pergunta.
Eu olho para a mão dele. — Pergunto o mesmo.
— Você vai querer ficar muito perto dessa merda - diz Nove. —
Eu tive que cuidar do Johnny depois que ele se jogou de cabeça em
um desses campos de força.
— Eu sei o que estou fazendo - eu respondo e dou de ombros.
Eu me aproximo o máximo que posso da nave de guerra, até o
campo de força se tornar visível. Em seguida, usando meu calcanhar,
eu cavo uma linha na grama.
— Essa é a nossa meta - eu digo enquanto corro de volta para os
outros. — Nós empurraramos o jipe com dispositivo de camuflagem
de Sam conectado, sabemos que funciona.
— Por que se incomodar com o carro? Por que não apenas flutuar
dispositivo de Sam através do campo com a nossa telecinese? -
Marina pergunta.
— Queremos saber se os dispositivos de camuflagem do Mogs
cobrem todo o veículo - diz Lexa. — Nós não sabemos se o do Sam
tem a mesma qualidade.

237
UNIDOS SOMOS UM

— Assumindo que ele funciona certinho - Nove acrescenta.


Eu levo o telefone e o anexo no painel do jipe. Então eu volto e
olha ao redor.
— Isso é tudo que você precisa fazer? - Marina pergunta com uma
sobrancelha levantada.
— Eu acho - eu respondo. — Sam disse que está constantemente
enviando a frequência de camuflagem ou os pacotes de dados ou
qualquer que seja o inferno.
— Pacote de dados - Nove geme. — Isso é chato. Sabe, eu estou
realmente esperando que o jipe exploda; assim podemos ver alguma
ação.
— Muito maneiro, Nove - diz Marina.
Eu o interrompo. — Pronto para empurrar essa coisa?
Lexa coloca as mãos na parte de trás do jipe, que continua no
ponto morto. — Pronto - diz ela.
Todos nós olhar para ela. Finalmente, Nove ri.
— Ah, moça, nós não vamos empurrar assim - diz ele.
Lexa se afasta e nós quatro, eu, Nove, Marina e Ella – todos se
concentram no jipe. Nós o empurramos para a frente com a nossa
telecinese. Ele chuta para cima terra e grama, as rodas girando,
movendo-se rapidamente.
— Devagar - eu avisar os outros. — Nós não queremos que ele
exploda se atingir o campo de força.
— Um verdadeiro voto de confiança para o trabalho do seu
namorado - Nove murmura.
Eu franzo a testa. Isso vai funcionar e — mesmo se não funcionar
— pelo menos Sam está tentando, e não apenas reclamando
sobre a falta de matança como Nove. Abro a boca para responder
bruscamente, mas Marina chega faz primeiro.
— Você acha que isso é apenas uma coincidência, Nove, que um
de nossos aliados mais próximos devem manifestar exatamente

238
UNIDOS SOMOS UM

o Legado que precisamos para lutar contra a invasão Mogadoriana?


- Marina balança a cabeça calmamente. — Isto é por causa da
vontade da própria Lorien, que recebemos este presente.
Com isso, eu sinto Marina aumentar o seu impulso telecinético no
jipe, acelerando-o num ritmo maior para o campo de força. Nove cala
a boca e observa com o resto de nós. Escondido dos outros, eu cruzo
meus dedos.
O jipe cruza a linha que eu fiz na grama.
Sua extremidade dianteira salta para cima como se ele tivesse
colidido contra alguma coisa. O pára-brisa e todas as suas janelas
quebram para dentro. Há um zumbido magnético ressonante do
campo de força que eu posso sentir nos meus dentes. Mas
atravessa. A maior parte intacta.
Marina e Ella soltou gritos simultâneos de triunfo. Viro-me para
Nove e sorrio. Ele dá de ombros para mim. — Medalhas para o Sam
- diz ele.
Adam desce a rampa da nave de guerra para examinar o jipe. A
partir do outro lado do campo de força ainda ativo, ele grita para nós:
— Foi um pouco duro, mas funcionou!
Adam chega no jipe e puxa o telefone celular desligado no painel
de instrumentos. Ele tenta segurá-la entre dois dedos, mas acaba por
deixá-lo cair, e mesmo daqui, eu posso dizer que a coisa está latente.
Uma mecha de fumaça sobe a partir de onde o telefone queima na
grama.
— Eu acho que é um de cada vez - Adam conclui.
— Melhor do que nada - diz Nove.
Animado, eu pegar o telefone via satélite a partir de Ella e disque
o número para o telefone de Sam.
— Sam! - exclamo assim que ouço a sua voz.
— Hey! - ele responde, parecendo aliviado. — Nós acabamos de
ouvir. Será que vocês realmente roubaram uma nave de guerra?

239
UNIDOS SOMOS UM

— Isso não importa - eu respondo. — Mas sim. Ouça – a sua coisa,


o telefone celular, funcionou! Ele explodiu logo depois e talvez não
foi o passeio mais suave através de um campo de força, mas
funcionou.
Eu ouço um grito abafado de Sam. Ele provavelmente está
cobrindo o receptor com a mão. — Funcionou! Meu Legado
funcionou! - eu o ouço gritar para quem mais estiver na sala com ele.
Há um imediato clamor de vozes.
— Isso é incrível - diz Sam, falando para mim agora. — Eu fiz mais
uma vez esta manhã, apenas para o caso de precisarmos. Os outros
caras aqui acham que, agora que temos tecnologia terráquea
imitando a frequência, que talvez seja mais fácil de replicar. Sabe,
sem o uso de uma superpotência.
— Você é um herói, Sam - eu digo com um sorriso. Ao meu lado,
Nove revira os olhos, mas ele está sorrindo também. — Nós vamos
começar a oferecer dispositivos de camuflagem em breve. Arrume
suas coisas logo para que possamos pegá-las.
— Eu vou - ele responde. — Eu—
Um estrondo em sua extremidade do telefone corta Sam da linha.
No fundo, eu ouço Malcolm dizer: — O diabos na Terra foi isso?
— Sam? - chamo, meu tom de voz com preocupação.
— Ei, desculpe - diz ele. — Alguma coisa simplesmente explodiu.
Provavelmente, as novas crianças em treinamento.
Antes que eu possa responder, eu ouço um som de um estalo
inconfundível do lado de Sam. O barulho soa como fogos de artifício
aa distância, mas eu aprendi há muito tempo o que som realmente
significa.
Isso são tiros.
Agora, as vozes em torno de Sam estão abafadas. Todos estão
escutando. Meu aperto aumenta no telefone. Eu sinto um aperto na
boca do estômago.

240
UNIDOS SOMOS UM

— Sam, fale comigo.


Ao ouvir a tensão na minha voz, os outros ao meu redor param o
que estão fazendo e se aproximam. O sorrisos de nossa experiência
bem sucedida com a nave de guerra desaparecer lentamente.
— Seis... - a voz de Sam é lançada um pouco acima de um
sussurro. — Seis, acho que estamos sob ataque.

241
UNIDOS SOMOS UM

eles deixam o laço de voron folgado apenas o


suficiente para que não corte minha cabeça fora instantaneamente. Ao
invés de me matarem, eles fazem Mark segurar a corda como uma
coleira. Á medida que eu rastejo sobre as tábuas do chão de Patience
Creek em direção ao elevador escondido que os Mogs demoraram o total
de dois minutos para encontrar, eu consigo sentir o colar afiado como
navalha contra a minha garganta sempre que eu caio um pouco para
trás.
Pior que esses cortes são a dor que sinto dos três tentáculos oleosos
que me conectam a Phiri Dun-Ra. A lateral do meu abdômen chia como
se alguma coisa fervente e caustica estivesse derretendo sob minha pele
e se espalhando pelo meu corpo inteiro. Phiri Dun-Ra anda ao meu lado
enquanto sou arrastado atrás de Mark. Ela brinca com uma pequena
bola de fogo roxo que flutua em sua mão. Eu posso sentir que ela está
me drenando. Sinto como se pontos estivessem sendo costurados e
soltos dentro de mim. Ela está drenando meus Legados. A pior dor, no
entanto, é saber o que está por vir. Morte. Destruição. Fracasso.
— Mark... - eu sufoco com uma pontada de dor. — Me ajude... pare
eles.
Ele nem se quer vira a cabeça para me ouvir. Eu consigo ver veias de
gosma preta pulsando em seu pescoço, e posso sentir o Mog Esguio,
aquele que tem algum tipo de controle da mente afetando o Mark,
próximo dele.
Phiri Dun-Ra ri quando me escuta suplicar.
— É uma grande honra ter o Amado Líder visitando seus sonhos - diz
enquanto apaga a bola de fogo que estava em sua mão para acariciar o
cabelo de Mark. — Esse pequeno humano provou que tem uma mente
bem aberta. Ele queria uma coisa - uma coisa que você não estava
disposto a dá-lo. Ele queria que o Amado Líder restaurasse a pequena
amiga dele...
Sarah.

242
UNIDOS SOMOS UM

Não estava disposto a dá-lo. Deus, eu teria trazido a Sarah de volta a


vida em um piscar de olhos se estivesse ao meu alcance. Será que o Mark
acha que Setrákus Ra é capaz disso? Será que eles o convenceram?
Ele entregou para eles o corpo da Sarah?
Eu consigo agarrar a parte longa da corda com uma mão. Puxo
tentando conseguir a atenção de Mark.
— Você não fez isso, Mark - eu rosno. — Me diga... me diga que você
não fez isso.
Phiri Dun-Ra ri mais uma vez.
— Como se o Amado Líder iria desperdiçar tal dádiva com um mero
humano. Não, seu amigo tinha segundas intenções. Mas já era muito
tarde. Nós sabíamos onde o encontrar. Nós fomos forçados a
interromper seu luto.
Paradise. Eles rastrearam Mark até Paradise. Setrákus Ra invadiu
seus sonhos e o manipulou, do mesmo modo que tentou fazer com
Marina e Cinco, então o capturou quando Mark voltou à consciência. Eu
admito que pensei em todos que Setrákus Ra poderia ter alcançado
através dos sonhos, mas esqueci completamente de Mark.
— Não foi difícil conseguirmos sua localização através dele - Phiri
continua. — Nosso pequeno humano faz qualquer coisa que pedimos.
Eu vejo a mão de Mark tremer segurando a corda. Seus punhos são
um branco vívido. Seus músculos estão rígidos. Ele está lutando para
retomar o controle de seu próprio corpo, mas sem sucesso.
— Nós vamos deixá-lo igual a ele logo, logo - Phiri me diz, e percebo
que o Mog Esguio lambe seu lábio de empolgação. — Mas primeiro eu o
quero todo para mim.
Um dos tentáculos de Phiri se torce dentro de mim, a dor se espalha e
eu caio para o lado. Eles me deixam no chão por um momento,
engasgando para respirar. Com a visão turva, eu tento contar quantos
deles tem aqui. O espaço da frente de Patience Creek está lotado de
nascidos artificialmente. Em um canto, eles empilharam os corpos dos

243
UNIDOS SOMOS UM

soldados que estavam guardando a área da superfície. Pelo o que posso


ver, eles morreram rápido e brutalmente.
Fora Phiri Dun-Ra, eu conto outros três nascidos naturalmente
aprimorados.
Temos o Mog Esguio, que está controlando Mark. Ele fica por perto,
observando-o atentamente, suas mãos que lembram pernas de aranha
de tão finas estão cruzadas em suas costas. Se eu quiser salvar Mark,
terei que me livrar dele.
Então temos o Mog das Sombras. Ele é mais novo, talvez um pouco
mais velho que Adam. Enquanto observo, ele sai de uma sombra como
se ela fosse uma poça de água, levantando através do chão. Ele traz
consigo alguns guerreiros Mogs. É graças a ele que conseguiram chegar
sem serem vistos.
— Junte o grupo na entrada da caverna. Ninguém sai vivo - Phiri
ordena, e o Mog das Sombras desaparece através do chão novamente.
O fato de ela estar falando em inglês não passa batido. Phiri Dun-Ra
quer que eu saiba que não tem nenhum outro esquadrão posicionado na
entrada de veículos de Patience Creek. Ela quer que eu saiba que todos lá
embaixo estão encurralados. Ela quer que eu saiba o quão desesperador
é isso.
Por fim, parado em frente ao elevador está o Mog-Píken. Os outros
três Aprimorados que eu vi pelo menos ainda pareciam com
Mogadorianos. Esse é bizarro, com a parte de baixo do corpo de
tamanho normal, enquanto o seu torso é completamente
desproporcional. Ele tem uns dois metros de altura, mesmo sendo
corcunda, sua pele é um cinza semelhante à de um Píken e tem os
músculos enormes para combinar. Seus dedos são compridos, finos e
com garras afiadas. Sua cabeça, enterrada no seu pescoço de músculos,
tem o tamanho normal com exceção da sua mandíbula inferior, que
cresceu para fora do seu rosto. A parte mais perturbadora de tudo isso é

244
UNIDOS SOMOS UM

que é possível ver as costuras onde sua pele pálida de mogadoriano foi
rasgada e esticada sob seu novo corpo.
Parece que ele sente dor, e parece que está furioso com isso. Ele
grunhe e se desloca de pé em pé, esperando uma ordem. Phiri Dun-Ra
nota uma das câmeras de segurança, ela não parece preocupada.
— Certamente eles já sabem que estamos aqui - ela diz, então se vira
para o Mog-Píken. — Vá lá embaixo e diga um oi.
O Mog-Píken responde com um grunhido, então abre as portas do
elevador com as mãos e pula no vão.
Logo depois, através do chão, eu escuto tiros e gritos.
Com um sorriso, Phiri Dun-Ra se vira para mim.
— Quantos Garde estão lá, hmm? - Me pergunta. — Quantos amigos
seus eu vou ter que erradicar hoje?
— Eu não... eu não vou te contar merda nenhuma.
Phiri revira os olhos e puxa um canhão de seu quadril. Ela o aponta
para a parte de trás da cabeça do Mark.
— Vai me contar agora? - me pergunta, batendo na base do crânio de
Mark com a arma.
Quando sente a batida em sua cabeça, Mark de alguma forma
consegue se afastar. Alguma coisa dentro dele, um instinto de
sobrevivência, o permite lutar contra o controle do Mog Esguio. Ele solta
a corda, flexiona os dedos como se finalmente tivesse sentindo suas
mãos de novo, e se vira para Phiri Dun-Ra. Ele dá passos hesitantes em
direção a ela. É tudo que ele consegue fazer. Saliva escorre por seus
lábios e ele grunhe; o resultado de lutar contra o controle da mente
mogadoriano é evidente. Phiri nem se quer recua.
Ela olha para o Mog Esguio:
— Ele está lutando contra você - diz ela.
— Ele vai conseguir um aneurisma nesse cérebro frágil antes de
conseguir superar o meu controle - responde ele simplesmente.

245
UNIDOS SOMOS UM

Os olhos do Mog Esguio se estreitam, e todos os músculos de Mark


ficam rígidos, como se ele tivesse sido eletrocutado. Ele fica na ponta
dos pés, anormalmente tenso, juntas estalando e dentes cerrados. Ele
deixa escapar um grito estrangulado.
— Viu? - o Mog diz.
Phiri Dun-Ra embainha seu canhão e se inclina sobre mim.
— A verdade é a seguinte, não importa quantos amigos seus tem lá
embaixo. Vamos matar todos eles de qualquer forma. Eu só gosto de ver
você sofrendo.
De perto, o aglomerado de gosma que substituiu o braço de Phiri
cheira a carne podre. Se ela chegasse um pouco mais perto, só mais um
pouco...
— Sabe, John, nossos caminhos se cruzaram antes uma vez - ela
continua. — Eu estava no comando das operações em West Virginia
quando você ajudou o Número Nove a escapar. Sabia disso? Aquele...
acidente inoportuno me fez ser enviada ao México como punição.
Forçada a trabalhar no problema impossível do Santuário. No final, tudo
que eu precisava fazer era esperar vocês Lóricos idiotas aparecerem.
Ela se endireita e cruza os braços, os tentáculos presos em mim se
contorcendo e puxando. Agradeço a dor; faz ficar mais fácil esconder
meu desapontamento. Eu quase tive uma chance de acabar com ela.
Eu tenho uma jogada desesperada. Literalmente um truque na
manga. Os Mogs estavam muito confiantes com seu controle para
checar se eu tinha armas. Eu ainda tenho a lâmina de Cinco escondida
no meu antebraço.
Só preciso de uma oportunidade para atacar.
— O que é mesmo que os humanos amam dizer? ‘’Tudo acontece por
um motivo” - Phiri ri, continuando. — Olhe só o quão longe nós
chegamos, John. De certo modo, é tudo graças a você.
Eu cerro meus dentes e encontro seus olhos.
— Você... você não vai vencer.

246
UNIDOS SOMOS UM

— Mm-Hmm, Sr. Grande Herói. Você vai achar um jeito de salvar


todos eles, não vai? - Phiri olha para Mark, que ainda está congelado
naquela posição estranha, ainda tremendo levemente enquanto tenta
lutar contra o controle do Mog. — Veremos.
O tentáculo preso em minha axila se solta. É um alívio passageiro da
dor. Eu observo enquanto o membro contorcido de Phiri estala no ar,
ficando com a ponta afiada como uma adaga.
Não tem nada que eu possa fazer. Acontece muito rápido.
Phiri finca seu tentáculo na mandíbula inferior de Mark, que
atravessa até o topo de sua cabeça. Ele estremece brutalmente, seus
olhos arregalados, mas que não enxergam nada. Ela o segura por um
momento, perfurado por seu tentáculo, para que eu consiga ver. Depois
ela o solta e deixa o cadáver de Mark cair no chão próximo de mim.
Eu grito. De raiva, de dor, de pavor.
— Um a zero para mim - Phiri diz.
Eu permaneço com a boca fechada. Não consigo tirar meus olhos do
cadáver de Mark, seus olhos mortos me encarando. Isso foi minha culpa.
Pro inferno com isso. Se eu vou morrer, vai ser pelos meus termos.
Com uma explosão de velocidade, eu tiro a lâmina de Cinco da bainha
em meu braço e corto os dois tentáculos que ainda estão presos em mim.
Ela grita e recua. A gosma que eram os tentáculos chia ao cair no chão.
Instantaneamente, poucos segundos depois de eu os cortar, eles
começam a regenerar.
Eu torço para que meus Legados voltem rapidamente para mim. Não
é isso que acontece. Ainda tem vestígios do que Phiri Dun-Ra fez
comigo. Eu consigo sentir meu Legado de cura agir, tentando lutar
contra isso. Eu me apoio em meu joelho e tento criar uma bola de fogo
ou usar minha visão petrificante. Esses poderes não respondem. Eles
exigem muito esforço do meu corpo, que ainda está fraco demais devido
ao ataque.

247
UNIDOS SOMOS UM

Um nascido artificialmente me dá uma coronhada com seu canhão.


Estou caindo de volta no chão. O tempo parece estar mais devagar.
Minha telepatia. Pelo menos esse eu posso usar. Ainda que meu corpo
esteja enfraquecido, minha mente está sã e salva.
Assim que abro minha mente, eu estremeço. Tem tanta dor, tanto
medo radiando pela estrutura de Patience Creek que invadem minha
mente quando uso minha telepatia. Eu me preparo, me foco, e encontro
uma mente que fico aliviado de ainda estar lá.
— Sam! - grito telepaticamente.
Posso sentir onde ele está. Correndo por um pátio, Malcolm ao seu
lado, e vários soldados e cientistas próximos a eles. Sam carrega uma
mochila pesada — cheia de eletrônicos aleatórios, a maioria celulares.
Seus experimentos com seu Legado tecnológico. Deve ter funcionado.
E agora pode ter sido em vão...
— John? Eu estou alucinando? - Sam pensa de volta.
— Não, estou aqui em cima.
— Ah, Graças a Deus.
— Eles me pegaram - Conto — Mark os trouxe aqui. Não por escolha. Eles
têm Legados-Aprimoramentos.
— Puta Merda – Mark - eles nos encurralaram aqui embaixo - os
pensamentos de Sam vêm em uma velocidade atrapalhada. Sinto ele
derrapar em uma parada súbita, Malcolm o segurando pelo braço. — Eu
estou indo te ajudar, John! Eu estou indo!
— Não! - penso de volta, avaliando as chances que Sam teria contra os
Mogs, somado a importância da mochila que ele carrega, a importância
de preservar seu Legado. Pode ser a última esperança da humanidade.
— Você precisa escapar! Tem uma multidão deles na saída subterrânea, mas
eu acho que a maioria dos que tem poderes estão comigo. Encontre um jeito
de atravessar e—
Eu não consigo finalizar esse pensamento. Uma nova dor se espalha
em mim, os tentáculos da Phiri fazendo três buracos novos em minhas

248
UNIDOS SOMOS UM

costas. Apenas um segundo se passou. Novamente, meus Legados estão


fora do alcance. Um grupo de nascidos artificialmente me prendem ao
chão e tiram de mim a lâmina de Cinco.
— Bela tentativa - Phiri diz com um sorriso maldoso. Ela segura o fim
da corda largada por Mark, e eu me preparo para o que está por vir. Ela
parece saber exatamente o que eu espero, já que seu sorriso se alarga. —
Ah não, John. Você não vai morrer ainda.
Ela me arrasta para a frente. Eu rastejo atrás dela já que a outra
alternativa é uma garganta rasgada.
O elevador está esperando aberto. Tem uma poça de sangue fresco no
chão e amassados na parede. Quem quer que estivesse defendendo o
elevador lá embaixo, deve ter virado presa do Mog-Píken.
— Vamos lá, vamos dar um oi para seus amigos - Phiri diz.
Phiri, Mog Esguio e o esquadrão de nascidos artificialmente me
escoltam ao elevador. Nós descemos alguns andares. Eu tento ver onde
exatamente estamos mas não consigo. Todos os pátios aqui parecem
iguais. Onde estão Lawson e Walker? A Garde Humana? Sam e Malcolm?
Eu torço para que eles estejam em outro andar. Torço para que
consigam achar uma saída.
Os nascidos artificialmente saem na frente, com Phiri e o Mog Esguio
atrás deles, e eu sendo forçado a me arrastar ao lado de Phiri. Eles não
encontram nenhuma resistência fora do elevador. Nós passamos por
alguns corpos —soldados— que foram praticamente dilacerados
membro por membro.
— Espero que tenha sobrado alguns para nós - o Mog Esguio diz
secamente.
Os primeiros tiros são disparados quando viramos o corredor. Um
punhado de soldados estão parados como um só. Veias negras se
espalharam sob suas peles e rostos. Eles se mexem da mesma forma que
Mark, como fantoches, seus olhos completamente aterrorizados
enquanto seus corpos se movem no controle do Mog Esguio.

249
UNIDOS SOMOS UM

Agora, o esquadrão de fuzileiros lidera o caminho para os


Mogadorianos.
Logo, nós encontramos outro grupo de soldados tentando fechar o
corredor. Eles hesitam, vendo seus companheiros marchando na direção
deles.
— Matem-nos - diz o Mog Esguio.
Sem hesitar, os fuzileiros controlados mentalmente abrem fogo em
seus companheiros, atirando indiscriminadamente. Os Mogs nascidos
artificialmente assistem com satisfação. O saguão é preenchido com
fumaça de todo aquele tiroteio. Phiri Dun-Ra ri por me ver virando o
rosto.
— Não é divertido? - ela pergunta.
De repente, todas as armas dos fuzileiros são arrancadas de suas
mãos por uma força invisível. Os nascidos artificialmente levantam
seus canhões e logo são desarmados novamente.
Telecinese.
Exatamente como Nove os ensinou. Desarmar seus oponentes.
— Diabos - escuto a voz de Nigel. — Cuidado, Ran, esses são aliados!
Um momento depois, quando o corredor explode, eu sei que a garota
japonesa não deu ouvidos.
Ran deve ter jogado um de seus projéteis carregados, por que os
corpos voam por todo lado. Alguns deles são soldados controlados e
outros são nascidos artificialmente, muitos destes últimos desintegram
pela força da explosão. Sou atirado para trás também, consigo sentir o
laço cortando meu pescoço como resultado, sangue quente escorrendo
pelo meu ombro. Só estou vivo por que o impacto fez Phiri Dun-Ra
soltar a coleira.
Meus ouvidos estão zumbindo. O saguão está mais esfumaçado do
que antes. Eu vejo o Mog Esguio e alguns nascidos artificialmente
desarmados se refugiando em um cômodo vazio. Eu tento rastejar pra

250
UNIDOS SOMOS UM

longe, mas os tentáculos de Phiri ainda estão me perfurando. A perdi de


vista, mas ainda estou preso a ela de alguma forma.
Pelo menos eu consigo me livrar dessa coleira. Eu a levanto para
poder tirar.
Espera.
Eu perdi eu mesmo de vista. Não consigo ver minhas mãos, meus
braços, meus...
Estamos invisíveis.
Phiri Dun-Ra está usando meu Legado. Ela está nos deixando
invisíveis.
A invisibilidade oscila por um momento e ficamos visíveis
novamente. O controle de Phiri é fraco. Mas ela me vê segurando o laço,
e imediatamente contorce os tentáculos dentro de mim. Minhas mãos
se soltam do meu pescoço e agarram meu abdômen.
E então estamos invisíveis de novo.
À medida que a fumaça abaixa, eu vejo Ran e Nigel avançando
lentamente pelo salão. Fleur e Bertrand estão com eles também. Todos
eles estão armados com metralhadoras exceto Ran; ela segura um livro
velho que brilha, carregado com seu Legado explosivo. Eles já têm vários
arranhões e cortes, e todos eles parecem bastante assustados.
Eles estão vindo direto em minha direção, o que significa que estão
indo direto na direção de Phiri Dun-Ra.
— Cuidado! - eu grito. — Voltem!
Todos pulam para trás ao mesmo tempo ao ouvir minha voz, mas eles
não conseguem me ver.
E agora é muito tarde.
Phiri Dun-Ra aparece a partir do nada. Eu também, e quando eles me
veem—encoleirado, empalado, de quatro—é exatamente a distração
que a Mog precisava. Todos os quatro Garde-humanos olham para mim
em choque e terror. Ran até deixa o brilho de seu projétil apagar.
— Jo-John?! - Nigel gagueja, de olhos arregalados.

251
UNIDOS SOMOS UM

— Corram! - eu grito em resposta, mesmo sabendo que já é tarde


demais.
Antes que eles possam agir, Phiri Dun-Ra ataca.
Primeiro, ela estende sua mão em direção a Fleur. Seis projéteis de
gelo, grosseiros e afiados, feitos com uma água congelada que não é
limpa como quando Marina ou eu usamos esse Legado, mas tingido com
uma cor feia e desbotada, perfuram o peito de Fleur. A garota engasga
com um suspiro que é encharcado de sangue.
— Não! Fleur! - Bertrand grita. Ele tenta fazer algo heroico. Ele se
abaixa e segura Fleur pelos ombros, tentando arrastá-la para longe do
perigo.
Phiri Dun-Ra envolve ambos em uma bola de fogo, as chamas tingidas
de roxo e cheirando a pneu queimado.
Essas são versões bastardas e imundas do meu Legado, que ela está
usando para matar Garde-humanos que eu fui estúpido o suficiente para
convidar para vir para cá. Aqueles que eu jurei treinar e proteger. Eu
quero fechar meus olhos e parar de ver.
— Sua vadia! - Nigel grita, seus olhos encharcados de lágrimas. Ele
empunha sua arma, mas Phiri Dun-Ra contorce o barril com telecinese.
Quando ele puxa o gatilho, a arma atira nele mesmo. Nigel chora. Não
tenho certeza onde ele foi atingido nem se foi grave—não importa no
momento.
Porque Ran ainda está de pé. Por sorte, Nigel tropeça para trás em
sua direção. Ela o segura pela gola e o puxa para um corredor adjacente.
Com um olhar de despedida para mim, Ran faz o que mandei. Ela corre,
empurrando Nigel com ela, logo adiante de outra bola de fogo de Phiri
Dun-Ra.
Ela corre atrás deles, mas eu uso meu peso para impedir. Seus
tentáculos se cravam mais fundo em meu corpo, e eu consigo sentir o
gosto de sangue em minha boca. Eu a desacelero, e sabendo que ela

252
UNIDOS SOMOS UM

precisa estar ligada a mim para manter meus Legados roubados, ela não
continua a perseguição.
— Você só está atrasando o inevitável, John - diz ela. Phiri olha para
os dois corpos no chão — Bertrand e Fleur, quase irreconhecíveis, suas
peles carbonizadas — e um novo tentáculo surge do seu braço de gosma,
sondando os dois. Ela suspira. — A faísca lórica nesses dois mal tinha
começado, hmm?
— Você os pegou antes de ficarem maduros - diz o Mog Esguio
enquanto ele e outro nascido artificialmente emergem do cômodo onde
eles se abrigaram. O nascido artificialmente se abaixa para pegar seus
canhões.
Phiri Dun-Ra segura minha coleira. —Nunca consegui a tirar da
minha cabeça— e dá de ombros ao Mog Esguio. Ela olha para mim.
— Eu me pergunto, foi assim que você se sentiu quando invadiu nossa
nave de guerra? - ela faz um som que chega perto de um ronronar. —
Você apreciou aquilo tanto quanto eu estou apreciando isso?
Ela dá um puxão na coleira, e começamos a andar novamente.
Enquanto ela me arrasta por Bertrand e Fleur, eu alcanço os dois. Eu sei
que é fútil—Estou sem Legados enquanto Phiri estiver me
controlando— Mas eu me abrigo em uma esperança desesperada que de
alguma forma eu vou conseguir usar meu Legado de cura neles. Meus
dedos encostam no ombro de Fleur; nada acontece, e eu sou forçado a
seguir adiante.
Viramos o corredor por onde Nigel e Ran fugiram, com os nascidos
artificialmente novamente liderando o caminho. A esse ponto, a única
coisa que eu posso fazer é atrasar o avanço dos mogadorianos.
Ignorando os cortes do laço de Voron, eu sigo Phiri o mais devagar que
consigo.
Não é exatamente uma estratégia defensiva, percebo que minha visão
começa a escurecer. Estou perdendo muito sangue. Em um momento,
eu caio apoiado em meus cotovelos e escuto meu ombro estalar. A dor é

253
UNIDOS SOMOS UM

tão forte e estou tão desorientado, que nem tenho mais certeza de onde
estamos em Patience Creek.
Não acredito em como isso vai acabar.
O som de luta ecoa por toda a base militar. Ao longe, escuto tiros e
gritos. Sons de batalhas perdidas ao longe. Continuamos nos corredores
quietos, caçando retardatários.
— Ali! - o Mog Esguio grita.
Olho para cima imediatamente, espiando por entre as pernas de Phiri
Dun-Ra. Os nascidos artificialmente imediatamente miram e abrem
fogo.
— Merda! - Sam grita enquanto se joga no chão para se refugiar em
um canto.
Ah não. O Sam não. Por favor, o Sam não. Eu não quero ver isso.
Ele não correu como eu mandei. Ele não fugiu. Ele está sozinho agora.
Não sei o que aconteceu com Malcolm e os outros cientistas, nem com
as Chimærae que estavam com eles, mas eu não consigo evitar imaginar
o pior. Antes de ele sumir de vista, percebi que Sam não está carregando
aquela mochila pesada. Talvez ele a tenha escondido em algum lugar, ou
talvez a tenha perdido durante a luta.
Os nascidos artificialmente avançam em direção a ele. Eles precisam
pular para trás quando Sam usa um canhão para atirar sem sair do canto.
— John?! - ele grita. — É você?
— Sam... - eu suspiro fracamente. — Sam, sai daqui.
— Eu vou te salvar, John! - grita ele de volta.
Phiri Dun-Ra dá uma risadinha.
— Awn, que tocante. Peguem-no e o tragam para mim. Eu quero fazer
isso devagar.
Como ordenado, os guerreiros marcham até a esquina do corredor.
Phiri, o Mog Esguio, alguns nascidos artificialmente e eu seguimos atrás,
seguros de qualquer tiro perdido. Consigo ouvir os passos de Sam pelo
corredor, correndo de seus agressores.

254
UNIDOS SOMOS UM

— Apagar luzes! - grita ele sem fôlego. — Apagar luzes!


As lâmpadas do teto apagam ao comando de Sam. Agora só os
canhões dos Mogs iluminam o caminho. Phiri grunhe impacientemente.
Eu consigo sentir que Sam está nos levando para algum lugar. Olho
para os lados, tentando descobrir onde estamos. É difícil no escuro, e
com os flashes de luz dos tiros dos canhões, tudo que consigo identificar
são várias portas fechadas idênticas.
Sobrepondo o som de gritos e tiros Mogadorianos, eu escuto um
barulho metálico, como se parafusos pesados estivessem sendo
arrancados. Mais à frente, uma porta range e abre. Sam acabou de se
trancar em algum lugar? Ele conseguiu chegar a um lugar seguro?
De repente, os corredores escuros ficam um pouco mais silenciosos.
Os tiros cessam. Ouço um gemido de dor, seguido por um barulho
parecido como uma respiração rápida sendo exalada.
É o som que um nascido artificialmente faz ao virar cinzas.
Phiri Dun-Ra e o Mog Esguio trocam um olhar. Nós paramos quando
o grupo da frente fica quieto.
Da escuridão, eu escuto metal batendo contra metal. Rítmico e
ecoante.
Tum. Tum. Tum. Tum. Tum.
Parecem palmas.
Com Phiri Dun-Ra distraída, eu consigo ficar de joelhos. Agora me
dou conta de onde estamos. Essas salas idênticas ao meu lado são celas.
Sam não estava trancando a porta.
Ele estava destrancando uma cela.
— Você parece ser muito boa em matar, hein, senhora - uma voz
familiar rosna da escuridão.
Phiri Dun-Ra estende sua mão a frente e cria uma bola de fogo que
ilumina todo o saguão. Então dá um passo involuntário para trás.
Cinco está parado no meio do saguão a uns 20 metros de distância.
Ele não veste nada além de sua cueca de algodão e um roupão. Em uma

255
UNIDOS SOMOS UM

mão segura um canhão mogadoriano, que bate contra o lado de sua


cabeça, criando aquele som metálico de antes. Cada centímetro da sua
pele assumiu o mesmo brilho metálico do canhão de metal cinza. Na
outra mão segura um guerreiro Mog pela garganta. Com um aperto,
Cinco quebra sua nuca, o Mog se transforma em cinzas, que Cinco
espalha em seu peito. A chama da bola de fogo de Phiri Dun-Ra reflete
em seu olho restante, que está arregalado a encarando.
Quando ele fala, é com um sorriso insanamente largo.
— Vamos ver qual de nós é melhor.

256
UNIDOS SOMOS UM

aperto minhas mãos nas costas da cadeira de lexa


e me inclino sobre seu ombro. Através do para-brisa da nave, vejo a
copa das árvores passarem rapidamente, as estradas em baixo são
um borrão. Aqui dentro, o som do vento passa através do casco da
nave, um rugido constante.
— Essa coisa não pode ir mais rápido? – pergunto com os dentes
cerrados.
Lexa deixa seus controles e dá uma volta para me encarar, como,
“sério que está me perguntando isso?”
Há um pequeno triângulo vermelho piscando nos controles de
Lexa. Sua velocidade é altíssima. Poderá queimar os motores se
continuar nesse ritmo.
Não me importa. Precisamos voltar à Patience Creek.
No assento do copiloto, BK está parado com suas patas dianteiras
no painel de controle. Seu corpo peludo apontando para frente,
costas arqueadas, dentes à mostra. Como uma flecha apontando
para Patience Creek. Sabe que nossos amigos estão com problemas,
talvez ele tenha algum instinto animal que o avise sobre a gravidade
da situação.
Perdemos nosso contanto com Sam logo após nos dizer que
Patience Creek estava sob ataque. Antes de a ligação cair, pude
escutar o som dos disparos e gritos, todos humanos.
Os Mogs realmente não gritam, eu acho.
Uma vez que perdemos a conexão com Sam, não conseguimos
tê-lo de volta ao telefone. E o pior, não pudemos contatar ninguém
em nenhum dos telefones que temos de Patience Creek. Tampouco
puderam os canadenses quando lhes pedimos ajuda.
E isso nos traz aqui, voando nessa maldita nave até outra tragédia.
Eu olho atrás de mim, para o compartimento dos passageiros.
Nove anda de um lado para o outro. Continuamente erguendo os
punhos como se fosse golpear algo, e com um gesto de raiva os

257
UNIDOS SOMOS UM

abaixa. Ele não parou quieto desde que subimos a bordo. Eu gritaria
para que ficasse quieto se não estivesse me sentindo da mesma
forma. Completamente inútil.
Marina e Ella estão sentadas de frente uma para outra. Ella está
com os olhos fechados, tentando usar algum tipo de magia
telepática. Está com o rosto franzido e há um ponto de sangue sob
seu nariz. Marina capta meu olhar e balança ligeiramente a cabeça.
— Ela já não é tão forte como era antes – Marina diz suavemente.
Tenho notado que o brilho de energia Lórica que rodeava Ella
depois que ela se jogou na fonte de energia da Entidade
desvaneceu-se gradualmente durante os últimos dias. Está
especialmente mais apagada depois que ela reativou a pedra de
Loralite nas Cataratas do Niágara. Na reunião com Lawson ela foi
capaz de espiar Setrákus Ra telepaticamente estando à milhas de
distância. Agora, tentar alcançar Patience Creek com sua mente
parece demandar muito esforço.
— Que timing perfeito – digo.
Marina estende o braço e aperta minha mão.
— Sam vai ficar bem – diz ela.
Belisco a ponta do meu nariz. — Sim, claro. Você não sabe disso.
— É o destino Seis. Lorien não lhe daria esses Legados – a ele ou
a nenhum dos outros humanos que se uniram a nossa guerra – se
eles não estivessem destinados a um papel importante na batalha
final.
— Você tem muito mais fé do que eu - digo a Marina
amargamente. — Tudo isso é aleatório, se quer saber. Quero dizer,
se ter Legados é obra do destino, como você me explica um pedaço
de merda como o Cinco? Ou Setrákus Ra?
— Eu... – Marina sacode a cabeça sem saber como responder.
Ella abre os olhos, respira profundamente e limpa o sangue do
nariz. Em seguida olha para mim e balança a cabeça.

258
UNIDOS SOMOS UM

— Ainda estamos muito longe – diz. — Não posso alcançar


ninguém. Não sei o que está acontecendo.
— E John? – pergunto. — Pode localizá-lo?
— Eu tentei – Ella responde. — Ele também se encontra fora de
alcance.
Mordo os lábios para conter os gritos de frustração. Hora horrível
para John sair correndo por conta própria. Não é como se ele
pudesse ter sabido que os Mogs, de alguma forma, nos seguiram até
Patience Creek, mas maldição, precisamos dele conosco agora.
— Você pode fazer algo tipo... – gesticulo para Ella. — Aumentar
seu poder? Puxá-lo para um sonho como fez antes?
— Isso não é... – Ella franze a testa e olha para longe de mim. —
Minha ligação com Legado, o poder que obtive, acho que foi apenas
temporário. Estou voltando ao normal e a energia está voltando para
onde ela pertence.
Passo os dedos no cabelo e massageio o couro cabeludo.
— Então, isso é um não.
Um sinal sonoro agudo vindo da cabine do piloto chama minha
atenção.
— Está é nossa nave de guerra – Lexa me chama de volta. — Eles
estão tentando abrir um canal de comunicação.
Deixamos Adam, Areal e Rex em nas Cataratas do Niágara,
operando a nave do melhor jeito que podem com uma tripulação de
duas pessoas. Eles estão nos seguindo, mas em termos de
velocidade, a gigantesca nave não é capaz de se igualar à pequena
nave de Lexa.
Pulo de volta na cabine em tempo de ver Lexa pressionar um
botão que projeta uma imagem holográfica de Adam numa parte do
para-brisa. Ele está parado na plataforma da cabine de comando, e
com nada mais do que o vazio atrás dele. Parece pequeno e fora de
lugar. Estou esperando que ele pergunte sobre o chamado que

259
UNIDOS SOMOS UM

tivemos de Patience Creek. Todavia, assim que Adam me vê,


começa a apertar botões no console à sua frente.
— Pessoal, vou enviar para vocês uma transmissão – diz Adam
gravemente, e com pressa. – Isto está sendo transmitido ao vivo
agora mesmo.
— Do que é que você está falando? – pergunto confusa.
A ideia de que pode estar acontecendo alguma coisa mais
urgente do que a qual estamos correndo para chegar não me anima
nem um pouco.
— Toda nave de guerra da frota está recebendo isso - Adam diz
— e pelo que posso dizer, ele burlou todos os satélites que ainda
estão ativos para transmitir para os canais de notícias restantes
também.
— Quem?
Antes de terminar minha pergunta, Adam vai para um dos lados
da tela. A nova imagem corta minha respiração, e eu tenho que me
sentar num dos braços da cadeira de Lexa.
É Setrákus Ra. Vivo e completamente bem.
— Acaso não tenho sido paciente? – pergunta, seus olhos escuros
olhando diretamente para a câmera.
Setrákus Ra é mostrado do peito para cima. Está sentado em um
assento ornamentado que pode ser mais descrito como um trono.
Atrás dele, posso ver as paredes de pedra de uma caverna. Ele veste
uma camisa de seda vermelho-sangue, com os botões abertos até a
metade de seu esterno. É um estilo ridículo, mas é também uma
mensagem.
Uma mensagem para mim.
Não há nenhuma cicatriz em seu peito. Nenhuma marca. Nada.
— Minhas naves de guerra estão sobre as suas cidades mais
importantes. Já deveria estar claro que seu planeta está acabado. E,
no entanto, vocês continuam a resistir...

260
UNIDOS SOMOS UM

O tom de Setrákus Ra é uniforme e condescendente. Marina,


Nove e Ella se agrupam atrás de mim enquanto ele continua.
— Ele fez uma cirurgia plástica ou algo assim? – Nove pergunta.
— O que aconteceu com a cara dele?
Eu examino mais de perto. Os traços de Setrákus Ra continuam
marcados como sempre, sua cabeça ainda é raspada, a cicatriz roxa
em seu pescoço continua inchada. Pele pálida, olhos escuros, e
ainda assim... ele parece menos abatido que da última vez que eu o
vi.
Já não parece tão velho e nem de perto tão monstruoso. Está
muito mais parecido com a versão mais jovem de Setrákus Ra que
todos vimos na visão de Ella.
— Ele pode mudar de forma, não é? – Marina pergunta.
— Não – Ella responde. — O cetro que ele usava para fazer isso
foi quebrado em Nova Iorque. Isso... é outra coisa.
— Lorien – digo. — Tem que ser por causa da energia lórica que
ele roubou.
— Eu dei um ultimato à humanidade – Setrákus Ra continua. —
Rendição incondicional e me entregar os seres humanos infectados
com Legados. Apenas os líderes sábios da Rússia viram sabedorias
em minhas palavras. Só eles entenderam que esses Legados que
agora afligem a humanidade, são uma doença, algo transmitido de
uma espécie alienígena à beira da extinção por sua própria
ignorância. Eles são uma doença, que só eu posso curar.
— Eu não sou um fodido alienígena extinto – rosna Nove.
Setrákus Ra coloca a mão sobre o peito, como se sentisse alguma
emoção. — Eu entendo como mudanças de paradigmas podem ser
difíceis. Entendo que reconhecer a submissão da humanidade é
problemático para os ignorantes. Eu não sou um monstro. Não
desejo ver suas cidades destruídas, derramar sangue
desnecessariamente, e portando, deixei que o prazo estabelecido

261
UNIDOS SOMOS UM

expirasse. Dei tempo para a humanidade voltar à razão. Mostrei


misericórdia.
Setrákus Ra se inclina para a câmera, e eu instintivamente me
afasto da tela.
— Não mais – ele diz, seu tom de repente gélido. — Essa
transmissão está sendo transmitida simultaneamente a todos os
capitães da minha frota. Meus leais seguidores, a humanidade
recusou aceitar o Progresso Mogadoriano. Devemos ensinar-lhes o
caminho. Guiá-los para a luz através do fogo e do sangue.
Marina cobre a boca com ambas as mãos. Ella encara a tela com
um olhar perfurante. Lexa se foca em pilotar, levando os motores da
nave além dos limites. Nove cerra os punhos, com os nós estralando.
Eu olho fixamente para o ponto onde feri Setrákus Ra no peito, onde
quase o matei. Não foi o suficiente. Nada foi bom o suficiente.
Setrákus Ra respira profundamente e grita. — TODAS AS
NAVES! ABRAM FOGO!

262
UNIDOS SOMOS UM

263
UNIDOS SOMOS UM

cinco voa adiante a toda velocidade. ele mantém o


desintegrador com ele, sem se preocupar em dispará-lo. Em vez disso,
ele empunha a arma como um taco. Ele atinge a linha de guerreiros
Mogadorianos como um torvelinho, derrubando seus crânios com o
punho de sua arma. À medida que desintegra um Mogadoriano, ele
agarra um segundo desintegrador da mão do Mog já desintegrado.
Quando um dos guerreiros tenta pular em suas costas, Cinco lhe dá uma
cotovelada feroz, sua carapaça de metal, causando um sonoro “crunch”.
Ele empurra um soldado para trás com telecinese, lançando-o contra a
parede, e com uma cabeçada, ele cai no chão.
Eu nunca estive tão feliz em ver Cinco.
— TRAIDOR! O Amado Líder te deu tudo! – Phiri Dun-Ra grita para
Cinco. Ela joga uma bola de fogo em sua direção. Cinco se joga para o
lado – seu roupão pegando fogo – mas o calor não danifica sua pele
metálica.
— ELE NÃO ME DEU NADA! – Cinco grita de volta e dispara uma de
suas armas de uma extremidade à outra de Phiri. Ele a acerta bem entre
seus olhos e a deixa nocauteada a seus pés. Sangue escuro escorre pelo
rosto dela, seu nariz quebrado.
Se eu fosse Phiri Dun-Ra, teria agarrado a arma com minha
telecinese, sem nenhum problema. Me dou conta, de que só porque ela
consegue roubar meus Legados, não quer dizer que ela saiba como usá-
los. Ela está atacando com um Legado por vez, tentando fazer o maior
dano sem fazer nada para defender-se.
Isto me dá uma abertura.
Com Phiri atordoada, envolvo minhas mãos ao redor dos nós que me
prendem, atirando-os para fora de alcance. Eu o puxo pela cabeça, antes
que qualquer um de seus companheiros possa me parar. A maioria está
muito distraída com Cinco de qualquer maneira.
Agora só falta tirar os tentáculos que perfuram minhas costas.

264
UNIDOS SOMOS UM

Phiri se coloca sobre os cotovelos, sacudindo a cabeça pelo golpe de


Cinco. Me lanço para frente e dirijo meu braço a sua garganta, tentando
cravar em sua traqueia.
Ela gorjeia uma vez e em seguida reage. Sinto a sensação das minhas
costas se rasgando quando ela me leva para longe. Me vira e me lança
para cima, de cara contra o teto e de volta ao chão.
Estou atordoado, sem fôlego, sinto um dente solto em minha boca.
Ainda estou enroscado à Phiri Dun-Ra. Posso escutá-la tossindo, assim
como o som surdo de Cinco golpeando para abrir caminho através de
um esquadrão dos nascidos artificialmente.
Quando meus olhos finalmente entram em foco, vejo que um
Mogadoriano magricela se afasta da batalha. Ele coloca suas mãos em
forma de concha na frente de sua a boca e solta outra nuvem de esporos
que utilizou para controlar a mente de Mark e dos soldados. Na
escuridão do cômodo, a única coisa que brilha é o corpo de Cinco
ardendo, os esporos parecem uma nuvem de aranhas.
— Cinco! – eu consigo gritar, saboreando algo em meu sangue. —
Cuidado! Não respire aquilo!
Cinco derruba um dos últimos nascidos artificialmente justamente
quando termino minha advertência. Ele gira a cabeça confuso, e vê os
esporos indo até ele. Seu peito incha para conter a respiração, mas os
esporos estão sobre seu nariz e boca. Se movem como se tivessem mente
próprias, forçando seu caminho até seu nariz e por seus lábios.
Não. Se ele controlar a mente de Cinco tudo estará perdido. Ninguém
vai sobreviver neste lugar.
Tento alcançar o Mog magricela, mas os tentáculos de Phiri ainda
estão cravados nas minhas costas. Estou muito fraco para algo.
As veias negras já estão se espalhando pelo rosto de Cinco. Ele
afrouxa seu agarre na pistola, sua pele volta ao normal.
— Sim... – o Mogadoriano magricela manda. — Não lute contra ele.

265
UNIDOS SOMOS UM

Cinco dá um olhar assassino ao Mog. Ele está congelado em seu lugar,


todavia, seus músculos estão tremendo. Ele está perdendo o controle.
— Opa!
O Mog magricela vira-se pelo som da voz. Sam, depois de ter saído de
uma das celas próximas, aperta o gatilho de um canhão Mogadoriano a
queima roupa. O disparo leva com ele a cabeça do Mog magricela. O ar
do cômodo de repente fica cheio de esporos, como quando se estoura
um balão de doces em festas de aniversário. É como se a cabeça do Mog
magricela estivesse cheia de um crescente bolor, e as coisas agora estão
flutuando inofensivamente pelo chão, onde murcham e viram cinzas.
Confuso, Cinco espirra e cospe, se sacudindo não mais no controle do
Mog magricela.
— John, - Sam começa a dizer, mas logo seus olhos se arregalam, e ele
mergulha de volta para dentro da cela, justo quando à sua frente cai um
pedaço de gelo azul escuro.
Phiri Dun-Ra está de novo em pé. Ela me sacode ainda usando seus
tentáculos. Com a maior parte dos seus reforços mortos, seus olhos
ficam de repente selvagens e desesperados.
— Extração! – ela grita no fone – Preciso de uma extração!
Cinco avança sobre ela, agarrando-a pelo pescoço com as duas mãos.
Sua pele está manchada de preto e branco do piso do cômodo. Phiri deixa
escapar uma gota de fogo na cara de Cinco, mas só chamusca sua
armadura e o deixa com mais nojo. Suas mãos se apertam ao redor do
pescoço.
É um alívio quando um dos tentáculos de Phiri se solta das minhas
costas. Essa sensação não dura muito tempo.
Com seu acessório oleoso, Phiri açoita e se enrosca no pescoço de
Cinco e o levanta de modo que seus pés não toquem o piso. Sua pele
perde o revestimento endurecido - agora é de volta ao normal - e Phiri é
capaz de espremer sua garganta fechada ao tentáculo.
Agora é Cinco quem respira com dificuldade.

266
UNIDOS SOMOS UM

- Vamos ver o que tem para mim, garoto – Phiri diz. E o extremo da
cauda afiada esbofeteia Cinco, buscando o espaço vazio de seu olho. Ela
se unirá ao Cinco assim como fez comigo.
É quando vejo a lamina de Cinco abandonada no chão. Um dos Mogs
que se converteu em cinzas deve tê-la levado junto.
— Cinco! – grito, chamando sua atenção já que ele começa a ficar azul.
Estico minha perna o máximo que consigo e chuto a lâmina até ele.
Espero que possa escutá-la deslizando no piso.
Antes que Phiri possa se conectar à Cinco , ele utiliza sua telecinese
para pegar sua espada e atá-la a seu braço. É tão natural, me dá a
sensação que não é a primeira vez que Cinco faz esse movimento. E o
que vem depois... bem, se é que Cinco tem experiência nessa área...
Com uma alegria maníaca, Cinco apunhala Phiri Dun-Ra. Ele corta o
tentáculo que estava em volta de seu pescoço até que não seja mais que
uma pasta e que seja capaz de deixá-lo cair no chão. Sua pele adquire a
textura endurecida novamente, e bem a tempo de absorver uma chuva
de fogo desesperada de Phiri. Sem se deter, Cinco vai direto a massa de
lodo no ombro dela, mutilando até que os tentáculos caiam e se
transformem em cinzas. Phiri grita de frustração, assim que sua adição
doentia volta a crescer. Cada vez que o faz, Cinco parece mais feliz em
ter a oportunidade a reduzir a pó o que vê. Quase tinha me esquecido do
quão sádico ele é.
— Só mate ela de uma vez por todas, Cinco! – grito caindo de volta ao
chão e faço uma careta ao ver o tamanho do rastro de sangue que ficou
para trás.
—Não me apresse! – grunhe.
Um Mog surge das sombras atrás de Phiri Dun-Ra. Esta deve ser a
extração que estava pedindo a gritos há alguns segundos. Ele envolve os
braços na cintura de Phiri Dun-Ra e dá um pulo para trás, as sombras os
envolvendo como líquido, ao redor deles, tragando-os.

267
UNIDOS SOMOS UM

Exceto que Cinco não à solta. Enterra sua espada no ombro de Phiri e
agora se lança nas sombras atrás deles. O tele transporte foi extremante
silencioso. Em um segundo estão aqui e no seguinte o cômodo está
completamente quieto. Aonde quer que o Mog Sombra levou Phiri,
levou o Cinco com eles.
— John!
Sam cai de joelhos no chão junto a mim. Posso dizer olhando em seu
rosto que estou um desastre. Há feridas pulsantes nas minhas coxas e
nas costas, ossos quebrados em meu braço e feridas profundas em torno
do meu pescoço. Tudo está pegajoso por causa do meu sangue.
— Estou... estou bem. – digo.
— Más que merda, não, definitivamente não está – ele responde —
Você pode se curar?
— Estou me curando – digo.
Sam me olha de cima a baixo. — Não. Está sangrando.
— Isto... vai demorar.
Agora que estou separado de Phiri Dun-Ra, sinto meus Legados
voltando pouco a pouco. Com um pouco de esforço, levanto meu braço
e examino a ferida pulsante abaixo dele. A lama negra está sendo filtrada
e expelida para fora do meu corpo. Uma vez que tudo isto estiver fora de
meu sistema, espero que meus poderes voltem com força. A única
questão será, se eu terei força para usa-los.
Sam corta um pedaço de sua camiseta e o coloca em meu pescoço.
— Este corte não se fecha nem um pouco – diz.
— Não, - eu digo. Debilmente sustento a corda. — Usaram aquele
Legado Voron em mim. Assim como Pittacus Lore fez a Setrákus Ra.
— Ah cara, vai ficar uma cicatriz – murmura Sam, movendo a cabeça.
Há movimento no teto. Vejo o Mog Sombra em tempo. Ele cai da
escuridão com um pé para frente, e nos aponta um canhão. Veio acabar
conosco.

268
UNIDOS SOMOS UM

Empurro Sam para longe mim e giro sobre as costas. A explosão


queima a parede entre nós. Sam age rapidamente, conseguindo sua
arma de volta e começa a devolver os tiros. O Mogadoriano cai
rapidamente para o chão, em outra mancha de sombras no piso, e
desaparece através dele.
— Mantenha a cabeça protegida! – eu o aviso enquanto me sento,
agarrando a corda.
O Mog Sombra sai de uma das celas escuras atrás de mim. Não me
viro a tempo, mas Sam usa sua telecinese para empurrar a arma do Mog
para o lado. Seu último disparo ricocheteia no chão bem perto de mim.
Com um grunhido frustrado, nosso inimigo mergulha novamente para
a escuridão.
Arremesso a corda nele.
Não é minha ideia mais brilhante. Sem minha telecinese, não tem
como acertar esse tiro. Por sorte, Sam parece se dar conta e usa sua
própria telecinese para direcionar meu laço improvisado. Conseguimos
passar a corda ao redor da cabeça do Mog Sombra antes que ele
desaparecesse, e o puxo para trás com todas as forças que tenho.
Estava esperando arrancar sua cabeça fora num corte limpo, mas não
tive sorte. O Mog Sombra para no meio do tele transporte, imerge até a
cintura e agarra a corda. É um cabo de guerra e ele está ganhando. A
corda, manchada de sangue, começa a deslizar através dos meus dedos.
— Atrás de você! – Sam grita.
Me viro para olhar por cima dos ombros. As pernas do Mog Sombra
estão a alguns metros no chão, emergindo de outra mancha de sombras.
Ele continua a manter o tele transporte através da escuridão. A corda se
solta mais um pouco das minhas mãos.
— Luzes! – Sam grita.
Ao mesmo tempo, todas as luzes do cômodo se acendem mais
brilhantes que nunca. Não há mais sombras.

269
UNIDOS SOMOS UM

O Mogadoriano deixa escapar um suspiro. Seu torso tomba no chão e


suas pernas caem para trás. Ele foi cortado em linha reta a partir da
cintura. Tiro a corda de seu pescoço – sem muita resistência – e ele
começa a desintegrar-se.
— Bom trabalho – digo a Sam enquanto ele se aproxima para ficar ao
meu lado.
— Esse cara estava realmente me enchendo – Sam murmura, outra
vez preocupando-se com o corte no meu pescoço. — Amigo, você vai
precisar de pontos.
Levanto as mãos enquanto ele aplica pressão na ferida. — Sam, onde
está seu pai...?
— Ele está bem! Pelo menos na última vez que o vi. Não havia saída,
já que ele e os outros se esconderam em uma biblioteca. As Chimaerae
os manterão seguros. Ele tem meu dispositivo de camuflagem caseiro.
Escapei e... ah... para soltar nossa arma secreta psicopata antes que meu
pai pudesse me parar. – Sam respira e olha ao redor. — Cadê o Mark?
Comprimo os lábios e sacudo a cabeça. Sam vira o olhar.
— Malditos – ele diz silenciosamente. — Maldita toda essa merda!
Ficamos ambos em silêncio até escutarmos tiros no cômodo
adjacente. Os tiros são cortados por um rugido animal e gritos
desesperados depois. Essa coisa deve ser gigante, como o aprimorado
deformado que vi lá em cima, o Píken-Mog. Está próximo.
Sam me olha. — Consegue lutar?
Faço um aceno e me preparo para criar uma fraca bola de bolo com
meu Lúmen. Logo que a faço, meu legado de cura deixa de funcionar e
meu peito é pura dor. Extingo a chama e concentro em me curar,
sacudindo a cabeça para Sam.
— Acho que não – digo.
— Então é melhor nos movemos – responde. — A menos que queira
tentar o truque da corda de novo.

270
UNIDOS SOMOS UM

— Não, obrigado – digo. — Isso não se teletransporta. Derruba


paredes.
Sam coloca os braços debaixo dos meus e suavemente me ajuda a ficar
de pé. Ponho meu braço bom em seus ombros e com o outro aperto meu
estômago e avançamos rapidamente pelo corredor. Sam tem um braço
ao redor da minha cintura, e com o outra segura uma pistola apontando-
a em linha reta. Atrás de nós, os passos pesados do Píken-Mog fazem
eco, os escutando cada vez mais distantes.
— Sabe o que pensei no primeiro dia que te conheci na escola? – Sam
me pergunta, em voz baixa, respirando com dificuldade.
Ergo uma sobrancelha ante a pergunta. — Oh... não. O quê?
— Pensei, “aqui está um cara que vai me fazer levá-lo metade do
caminho através da cidade de Nova Iorque, e posteriormente através de
uma base militar ultrassecreta enquanto sangra por todo lugar. Espero
que possamos ser melhores amigos.
Realmente rio disso, mesmo com a dor em minhas costas perfuradas.
— Você se tornou muito bom nisso – eu digo.
— Sim, obrigado – Sam diz com um sorriso sério.
Contornamos a quina da parede do corredor e um tirou ressoa. Sinto
que a bala passou rente a minha bochecha.
— Parem de atirar! – grita a gente Walker. — Maldito seja, são dos
nossos!
A agente Walker está em pé com um fuzil de assalto pronto para
atirar, com o rosto manchado de cinza, com uma queimadura de arma
de aspecto repugnante em uma de suas pernas. Na frente dela, dentre
eles ainda há quem aponta a arma em nossa direção, são os gêmeos,
Caleb e Christian. Ele que tinha os olhos opacos, foi o único que não
disparou. Caleb lhe deu soco no braço até que abaixasse a arma.
— Sinto muito – Caleb disse, apontando com a cabeça a pistola de
Sam. — Vimos a pistola e virando a quina e....

271
UNIDOS SOMOS UM

— Não se preocupe – disse Sam. — Tenho recebido tiros por um longo


tempo.
— Meu Deus! Se você está aqui, como estamos perdendo?
Esse comentário dirigido para mim foi do General Lawson. Este está
alojado entre Walker e Caleb, como se fossem seus guarda-costas.
Abandonou por completo sua atuação de vovô imperturbável. Lawson
se vê como merda. Seu uniforme está rasgado e manchado de sangue,
tem uma ferida aberta em sua sobrancelha, e ele parece uns dez anos
mais velho do que eu lembro.
— Conseguiram me derrubar - ele diz rangendo. — Estou fora de
combate no momento, conseguiram derrubar todos nós - Walker diz
olhando em direção a Lawson. Ela caminha até mim e ajuda Sam a
manter o meu peso. — Você... você vai se curar, certo?
— Em grande parte - contesto as perfurações recentes estão
começando a fechar, resíduos de lama negra caem delas.
— Tem algum lugar seguro? – pergunta Sam.
— Temos tentado romper suas fileiras na garagem, - Lawson diz, com
uma expressão sombria. — Sofreram grandes perdas, enquanto não
paravam de trazer reforços. Eles têm um teletransportador.
— Não mais - diz Sam.
— Vocês sabiam disso? – Lawson pergunta, me olhando. — Que eles
têm Legados?
— Esses não são Legados. São copias doentias. Melhoramentos - digo.
— Mas não, eles são algo novo.
— Eles roubaram isso de você - diz Lawson, somando dois com dois.
— Era sobre isto que falava na reunião outro dia.
— Devemos seguir em frente - diz Walker.
Lawson nega com a cabeça, sem desviar os olhos de mim. — Não
estava plenamente informado de quão fodidos estávamos.
— Estávamos dobrando a segurança nos elevadores - Walker diz,
retomando o assunto. — Esperávamos que houvesse menos resistência.

272
UNIDOS SOMOS UM

— Pode ser - digo. — Cinco só acabou com o esquadrão que veio atrás
de mim. Não estou certo de quantos ainda tem, mas...
Todos podemos escutar ao mesmo tempo. Fortes passos que vibram
pelo corredor. Muito perto.
— Há algo grande - eu lhes digo. — Está caçando. Está...
— Despedaçando todos - diz Lawson. — Nos vimos os corpos.
Sam encara Christian. — Provavelmente ouviu seu disparo.
Seguimos em frente, nos apressando através do corredor,
ziguezagueando por outro. Porém, o Píken-Mog tem o nosso cheiro.
Posso ouvi-lo atrás de nós, cada vez mais perto gemendo com
entusiasmo.
Me dou conta que sou o único que nos atrasa. Olho por cima do
ombro e vejo sua sombra gigantesca movendo-se pelo corredor que
acabamos de passar.
— Vão - digo aos outros. — Cheguem ao elevador. Irei atrasá-lo.
Não nem ideia de como vou fazer isso, mas eles não têm que saber.
— John, não seja estúpido - diz Sam, e me arrasta pelo caminho, e me
sinto impotente em não poder detê-lo.
— E um garoto corajoso - Lawson resmunga. — Mas você e o nosso
maior ativo. Se vamos sair disso, vamos precisar de você.
O Píken-Mog aparece aproximadamente quarenta e cinco metros no
corredor. Ruge, emocionado porque finalmente nos tem na mira. A
coisa, apenas mais que um animal, bate seus punhos grossos contra a
carne que tem cicatrizes de seus volumosos peitorais.
Lawson se vira para Caleb e Christian. — Fiquem alerta.
Os gêmeos assentem ao mesmo tempo. Christian imediatamente da
meia volta e começa a caminhar até o Píken-Mog.
— Pare! – eu grito e então me viro para Lawson. — Está louco? Não
pode simplesmente enviá-lo para morrer.
A princípio, o Píken-Mog parece confuso com tudo isso, algum resto
de seu celebro natural registra que este solitário humano deve está

273
UNIDOS SOMOS UM

louco. Mas então, com uma linha de baba escorrendo pela sua
mandíbula, o Píken-Mog investe dirigindo-se até Christian.
— Está tudo bem - interrompe Caleb. — Veja.
É claro que vejo. Não conseguiria afastar os olhos nem se eu quisesse,
incluindo ainda voltando pelo corredor. Christian descarrega sua pistola
no Píken-Mog, mas as balas são absorvidas ou desviadas por sua grossa
pele.
Lawson faz uma careta. — Esperava que as balas fizessem o trabalho.
— É esse o seu plano? – grita Sam, com os olhos assustados.
O Mogadoriano do tamanho de um gorila alcança o Christian em
segundos e com sua mão esmaga a cabeça do rapaz. O levanta e o esmaga
primeiro contra a parede e depois contra o chão. Christian não faz
nenhum ruído. E ele sege arremessando. E logo depois de um golpe
particularmente asqueroso contra o chão, Christian evapora em um
estampido de energia azul. O Píken-Mog fica confuso.
— O quê...? – Sam exclama.
Ao meu lado, Caleb começa a brilhar. Todo o seu corpo começa a
vibrar, ficando fora de foco, partindo-se.
Um segundo depois, há mais dois dele. Duas novas versões de Caleb.
Eles piscam os olhos, para se orientarem, e logo olham o original. Caleb
mostra o Píken-Mog com a cabeça, e eles se jogam nessa batalha sem
esperança.
Ele nunca teve um irmão gêmeo. É um Legado. Ele pode se duplicar.
— Dois de uma vez - diz Lawson. — Está cada vez melhor, filho.
— Obrigado. – Caleb responde já que nos retiramos. Ele parece um
pouco tonto. Atrás de nós, eu escuto a surra que o Píken-Mog dá nestes
novos gêmeos. Uma olhada sobre o ombro revela que estão lutando
melhor que Christian, copiando e correndo para distrair a besta. Eles
não vão durar muito tempo, mas ao menos eles devem detê-lo por um
tempo.
— Tenho umas perguntas para você - eu digo a Caleb.

274
UNIDOS SOMOS UM

— Imaginei que teria - ele diz, sem me olhar nos olhos.


— Mas todas elas podem esperar, exceto uma – contínuo. — Quantas
cópias pode criar?
— Não o suficiente – ele responde, engolindo saliva. — É difícil. Eu
estou... só estou aprendendo.
— Está besta está recebendo as balas como se fossem mosquitos -
acrescenta Sam. — Temos que despistar essa coisa até que um de nós...
hum... até que um de nós com todos os Legados possa derrubá-lo.
Me pego olhando a mim mesmo, vendo as minhas feridas. Mais perto
agora. Posso sentir meu poder regressar novamente. Também me sinto
tonto por tanta perda de sangue.
Nosso grupo segue algumas curvas pelos corredores subterrâneos
sinuosos. Eu penso que voltamos neste ponto. Passamos por corpos,
lugares aonde aconteceram batalhas, há ninguém vivo. Há uma grande
probabilidade de que sejamos os únicos que sobraram.
Logo, ouvimos os passos retumbantes de novo. Os grunhidos,
arrastando-se.
— O bastardo não se rende – Lawson diz.
Tento acender meu Lúmen, mas outra vez meu corpo se dobra em
agonia. Cada centímetro de mim tem que se focar na cura neste
momento.
Viramos outra esquina...
— Merda!
Outra fileira de nascidos artificialmente com seus canhões apontados
em nossa direção bloqueando todo o corredor. Walker, que ainda segura
um dos meus braços, me empurra com forca para o lado, e aponta seu
rifle. Enquanto eu caio no chão, levando Sam comigo, agente pulveriza
toda linha de Mog. Pedaços deles ricocheteiam no chão.
Os Mogs estão petrificados.
— Que diabos? – diz Walker.
— Realmente salvou nossas vidas, - diz Sam.

275
UNIDOS SOMOS UM

— Cala a boca, Goode.


Olho ao redor. — Daniela estava aqui, se...
Um rugido atrás de nos. O Píken-Mog está à vista novamente.
— Por aqui! - Caleb grita, já ajudando Lawson a colocar em pé dois
Mogadorianos de pedra. — Estes, ao menos reduzir sua velocidade.
Não estou tão seguro disso. O Píken-Mog está pisando com força,
seus ombros abaixados... Ele vai passar através de nós e dos
Mogadorianos de pedra. E agora ou nunca. Ao diabo com a dor. Começo
a formar uma bola de fogo em minhas mãos, ainda que fazê-lo faz com
que todo meu corpo agonize.
— Abaixem-se! – alguém grita.
Abaixo a cabeça justamente quando um raio de prata de energia sai
de trás das estatuas Mogadorianos e acerta o Píken-Mog. Estende-se
através do corpo de forma massiva, lentamente envolvendo-o em um
investimento de pedra. Ele congela a uns nove metros de nós, os punhos
erguidos no ar, com a boca aberta em um grito sedento de sangue.
Depois de usar seu olhar petrificante, ela esfrega as têmporas como
se tivesse uma dor de cabeça. Vendo a mim e Sam, coloca a mão na
cintura e levanta uma sobrancelha.
— Este é, como, meu papel oficial com vocês? Converter os monstros
em pedra e salvar seus traseiros? Por que... – Daniela se acalma depois
de ver o meu estado. — Maldição cara.
— Sim, obrigado pela ajuda - digo, apertando seu ombro enquanto eu
escalo através de sua parede de estatua. Daniela está arranhada como
todos, mas eu geral está melhor forma. Há mogs de pedra por todas as
partes neste corredor. Ela estava usando seu legado.
— Ei, você fez isso - diz Nigel. Ele e Ran estão encolhidos entres
algumas das estatuas de mogs, utilizando-os como um esconderijo. O
garoto britânico está pálido, as feridas que sofreu contra Phiri Dun-Ra
ainda sangram.

276
UNIDOS SOMOS UM

Assinto com a cabeça, sentindo-me culpado, porque os coloquei para


baixo. Muita morte aqui. Muita destruição.
— Vamos - digo. — Vamos sair desse inferno.
Patience Creek está em silêncio. Sem nada nos perseguindo ou
disparando contra nós, nosso grupo pega o elevador se nenhum
problema ainda funciona, mas ainda teremos que gastar um tempo
limpando um par de corpos. Há um montão deles. E não há
sobreviventes suficientes.
Nos dirigimos ao nível mais baixo primeiro e nos encontramos com
Malcolm, junto com outros cientistas, o Agente Noto e as cinco
Chimaerae. Todas as Chimaerae conseguiam passar pela batalha com
nada menos que uma pele chamuscada e, e no caso do Bandit uma unha
quebrada. Todo mundo, humanos e Chimaerae, nós vemos francamente
exaustos. Depois disso, começamos a procurar sobreviventes nos outros
andares. Não encontramos nada mais que morte, até chegar ao nível
mais alto, aquele em que Lawson até então mantinha seu centro de
controle. Lá, o som de televisores sintonizados nos atrai ao que parece
ser uma dúzia de noticiários aterrorizados.
Cinco se encontra no escritório de Lawson, de costa para a porta,
vendo as notícias na parede de telas. Ele estende sua espada quando nos
ouve chegar, mas rapidamente a embainha uma vez que se dá conta de
que não somos Mogs.
— Ela escapou – Cinco diz simplesmente, soando frustrado. — Eles
tinham uma área alguns quilômetros ao sul daqui em um bosque. Se
foram quando se deram conta de que a maré estava mudando. Se como
operam. Eles voltaram logo com reforços.
Sam e eu entramos na sala com cautela enquanto Cinco fala, o resto
de nosso grupo espera do lado de fora. Cinco feste um conjunto de
roupas que encontrou por aí em Patience Creek o despojo de um soldado
morto. Suponho que o ultimo e o mais provável tendo em conta os
salpicos de sangue na camuflagem.

277
UNIDOS SOMOS UM

— Vai tentar me prender de novo? – Cinco pergunta, olhando-me por


cima do ombro.
— Não – eu respondo.
— Bom.
Sam e eu paramos ao lado de Cinco, os três olhando os monitores. O
bombardeio Mogadoriano começou. Estamos vendo imagens de pelo
menos dez cidades diferentes, todas elas sendo limpas lentamente pelo
fogo das naves de guerra. Meus olhos saltam de catástrofe em
catástrofe, finalmente vejo o Arco do Triunfo que se desmorona pelo
meio, seus pilares que se rompem e caem um contra o outro.
— Este planeta virou torrada - diz Cinco.
Sam o ignora e olha para mim. — E agora, John?
— Lançamos tudo o que temos contra eles - digo imediatamente,
olhando em direção ao Cinco. — Tudo. E terminamos esta guerra ou
morremos tentando.

278
UNIDOS SOMOS UM

não temos tempo para chorar os mortos, nossos


amigos e aos que tivemos a oportunidade de conhecer. Não temos
tempo para lidar com quantas vidas se perderam e a
responsabilidade que temos por elas.
É provavelmente o melhor.
No momento em que Lexa aterrissa a nave do lado de fora de
Patience Creek o massacre terminou. Chegamos a tempo de ajudar
os sobreviventes a escapar. Não queremos estar aqui quando os
Mogs mandarem reforços. Há outros campos de batalha que
necessitam da nossa atenção.
Voamos na noite, deixando estranho bunker e seus túneis
secretos para trás.
As notícias correm por todas as partes do mundo. Algumas
cidades já caíram como resultado das naves de guerra que abriram
fogo, outras se mantiveram forte lutando um prolongado jogo de
gato e rato contra as tropas terrestres dos Mogs, mantendo-se um
passo à frente dos bombardeios das naves de guerra. Alguns
exércitos se retiraram a espera de poder lançar um contra-ataque.
Estão esperando a nossa ajuda.
— Um assalto coordenado utilizando a tecnologia de camuflagem
que vocês nos proporcionaram, - disse Lawson, uma vez mais
repassando os detalhes. Seu telefone via satélite está tocando sem
parar desde que o recolhemos e aos outros. — Todos os nossos
aliados (Inglaterra, China, Alemanha, Índia e todos os países com
alguma capacidade militar) se contatarão ao mesmo tempo, antes
que os extraterrestres hostis se deem conta de que atravessamos os
escudos. Lançaremos tudo que temos contra eles, assim teremos o
elemento surpresa.

279
UNIDOS SOMOS UM

— Enquanto isso acontece, nós chegamos a West Virginia. – John


diz. — Onde acabamos com Setrákus Ra e destruímos o que quer
que seja que ele construiu ali.
John está terrível. As feridas que sofreu nas mãos de Phiri-Dun Rá
estão sarando, com exceção dos cortes em seu pescoço, mas sua
palidez ainda é preocupante, as bolsas embaixo dos olhos agora
estão numa cor cinza escuro. Com todos nós amontoados nesta
pequena nave, John é a única das poucas pessoas que se senta.
Parece que ele precisa. Enquanto ele fala com Lawson sobre o plano,
Marina fecha o mais profundo dos cortes no seu pescoço. Ele
estremece algumas vezes. Nós não pensamos em trazer um dos
médicos do exército sobrevivente a bordo conosco. Já faz um tempo
desde que não somos capazes de simplesmente curar uma lesão.
— Bem... já sabe... – Lawson diz pensativo olhando para Sam. —
Se este jovem pode falar com as máquinas, deve ser capaz de
comunicar-se com as naves de guerra do inimigo. Poderíamos
utilizá-lo para derrubar os escudos.
Os olhos de Sam se arregalam por uma fração de segundo. — Eu
teria que estar muito perto. - disse tentando ser útil. — E eu não
estou seguro de quanto tempo dura exatamente...
— Nem fodendo ele vai fazer isso! - Eu digo interrompendo. —
Sam é o único que tem sido capaz de copiar o sinal e você está
falando de mandá-lo voar dentro de 20 diferentes zonas de guerra
para que possa gritar com as naves? Ele já não fez o suficiente?
Lawson me olha como uma sobrancelha levantada. — Isso é só
uma ideia. É o certo é que o risco parece maior que a recompensa.
— Nos apegaremos com plano original, Lawson. - John diz. Sam
me dá um olhar de alívio e eu sigo olhando Lawson.
— Se isso não funcionar... - começa Lawson.
— Funcionará - John insiste.

280
UNIDOS SOMOS UM

— Se não funcionar, não posso falar por todos os países do


mundo, mas a posição dos Estados Unidos é que, se o inimigo é
invencível nos centraremos em salvar vidas.
— Está falando de rendição - eu digo.
Os lábios de Lawson formam uma linha apertada. — Já não haverá
mais perdas - ele responde. — Viveremos para lutar outro dia.
Conservar o maior número de vidas possíveis.
Eu e John trocamos um olhar rápido. Se o nosso contra-ataque
falhar, é provável que não estaremos vivos para ver o que se segue
de todos os modos. Assim o que Lawson fará nesse futuro sombrio
não importará muito.
— Faça o que tenha que fazer - disse John.
Deixamos Lawson em campo aberto fora de Pittsburgh. Há um
comboio militar esperando. Remanescentes dos esquadrões que
morreram em Patience Creek. Os faróis dos jipes são a única
iluminação que temos por aqui. Uma brisa fresca sopara através do
campo movimentando as folhagens. Nosso grupo (lorienos, Garde
humana, amigos e sobreviventes) saem da nave de Lexa. Pouco a
pouco os humanos começam a se dirigir até o comboio. Cientistas e
um punhado de soldados sobreviventes, mancando. Aonde quer
que vão, seguramente estarão mais seguros do que ficar conosco.
— Tenho equipes do esperando junto às coordenadas que me
deu. Protegendo essas suas rochas exóticas - disse Lawson. — Estão
esperando por você. Uma vez que estejam prontos iniciaremos
nosso ataque.
— Estamos nisso - John responde.
— Como planeja exatamente que os exércitos da terra acabem
com essas naves de guerra? – pergunto, a curiosidade consegue ser
maior que eu.
— Cada país é um pouco diferente - Lawson responde. — Pelo
que tenho ouvido China e alguns outros estão planejando atacar

281
UNIDOS SOMOS UM

com energia nuclear, a maioria da União Soviética não quero correr


o risco das consequências, por isso estão planejando um
bombardeio com mísseis. A esperança é que seus grandes cascos
não possam absorver muito os danos, uma vez que caíram os
campos de força.
— E os Estados Unidos? - John pergunta.
Lawson sorri. — Na minha opinião, estamos formando uma
página do seu livro, John. Voaremos com maior pessoal que termos,
direto nas suas gargantas. Abordaremos as naves e mataremos à
bala cada maldito extraterrestre que vemos.
— Hum... gostei - eu digo.
Lawson coloca os polegares na fivela do seu cento e nos olha.
Logo assente para mim é como se estivesse se convencendo de que
somos sua melhor oportunidade. Resignou-se de que somos o único
trunfo que tem. É difícil de decidir.
— Suponho que isso é tudo – diz o General. — Nos vemos no
outro lado.
Dito isso ele caminha através do campo até o comboio. Caleb,
cujo irmão gêmeo aparentemente nunca existiu realmente, começa
a segui-lo.
— Caleb, espere! – diz John.
Com o olhar nervoso a Lawson, Caleb se detêm na metade do
caminho e volta para o resto de nós. Ele se encontra junto com o
Nigel e Ran. A garota japonesa é ilegível como de costume. Nigel já
parece agitado, toda a bravura de antes se foi. Sua rasgada camiseta
do Misfits ainda tem as manchas de sangue de Patience Creek,
apesar de que Marina curou suas feridas, esse último combate
deixou algo mais que marcas físicas no britânico. Daniela se
encontra conosco olhando para eles por cima, não estou totalmente
segura do que ocorreu em Patience Creek, mas parece que a brava

282
UNIDOS SOMOS UM

garota da cidade desenvolveu certo sentimento de proteção são


sobre os outros Garde humanos.
— Os Anciãos do nosso planeta nos enviaram a Terra para nos
manter a salvo, pois queriam que um dia estivéssemos prontos para
lutar e vingar o nosso planeta. – diz John em frente aos humanos. —
Hoje é este o dia. Para onde nos dirigimos, não é uma batalha para
qual estejam prontos. Temos treinando nossa vida toda para isso.
Todavia vocês só começaram. O dia de vocês chegará.
Daniela abre a boca para protestar. Encontro seu olhar e
sutilmente movo a cabeça, mostrando com o olhar Nigel e Ran. Ela
entende a mensagem e fica em silencio.
— Ganhando ou perdendo, amanhã mundo será um lugar
diferente e vão precisar de protetores. Eventualmente serão vocês.
– John olha para Sam que se encontra perto e sorrir. — Por agora,
sem demora, creio que os futuros protetores precisam de proteção.
Todos nós tínhamos um feitiço gravado em Fogo nos nossos
tornozelos, que nos mantinha a salvo ao menos por um tempo. Não
podemos fazer isso com vocês, mas nós podemos lhe dar algo
mais...
Não estou segura do que John está falando até que Regal, nossa
Chimaera em forma de Falcão, pousa no ombro de Caleb. O garoto
toma um susto, acalmando-se só quando fica claro que as garras da
árvore não o vão atravessar. Regal estende as asas e bagunça o
cabelo de Caleb.
Bandit, o guaxinim, arranha perna de Nigel com suas patas negras
até que o britânico se vê obrigado a levantá-lo. Gamera, rodando
pela grama em forma de tartaruga, termina olhando Ran. Ela se
agacha para acariciar com o dedo a testa escamosa e pela primeira
vez eu a vejo sorrir.
— Seu nome é Gamera - Malcolm diz a Ran. — Eu coloquei esse
nome em honra ao meu velho monstro favorito.

283
UNIDOS SOMOS UM

Ela fica me olhando inexpressivamente para Malcolm.


— Ele lutou contra Godzilla – explica.
Pelo menos deve entender “Godzilla”, porque Ran vira os olhos e
volta acariciar a tartaruga.
A Chimaera em forma de golden retrivier, Biscuit, que Sarah era
especialmente aficionada, fica ao lado de Daniela, se movendo
alegremente, quando Daniela começa a acariciar atrás das suas
orelhas. Dou-me conta de um brilho no rosto de John; é difícil de
dizer na escuridão, mas ele parece feliz.
E por último, com uma impossível agilidade para um felino da sua
circunferência, Stanley salta nos braços de Sam. Ele ri, e com esse
som, a pressão em meu peito alivia. Havia ficado tão aterrorizada de
que algo horrível pudesse acontecer quando Sam estava em
Patience Creek, e que íamos ficar separados, como John e Sara. Só
agora que eu finalmente sou capaz de relaxar um pouco.
— Muito bom, Stanley, tudo bem. – diz Sam, carregando o gato
ronronando em seus braços. — Agora podemos fazê-lo oficial.
Nove franze o cenho. — Você precisa mudar o nome desse gato
estúpido.
— Estas Chimaerae serão suas protetoras até que compreendem
plenamente seus Legados – John continua olhando a Bernie Kosar,
que em sua forma de Beagle, senta-se tranquilamente em seus pés.
— E depois serão seus aliados mais valiosos. Um dia, com sorte,
vamos ser capazes de ajudá-los mais, de treiná-los como nossos
Cêpans nos treinaram.
Cinco de longe ri tenebrosamente disto. Todo mundo olha em
sua direção, e o olhar de Marina é particularmente frio, e ele se
distancia mais em resposta.
— Mas, até este dia... - John continua então se cala. Ele não sabe
mais o que dizer. Ou talvez não crê que esse dia chegue.

284
UNIDOS SOMOS UM

— E arrebentem alguns traseiros e façam a Terra se sentir


orgulhosa. - Nove termina.
Depois disso, Caleb, Nigel e Ran dizem adeus e se dirigem ao
comboio de Lawson. Daniela fica um pouco mais. Ela me dá um
grande abraço, logo se vira para John e Sam.
— Você sabe que sou suficientemente durona para ajudar vocês
em sua missão - Ela diz sacudindo seu polegar por cima do ombro
até os outros humanos. — Mas alguém tem que vigiá-los.
John assente sorrindo de maneira cansada. — Tenha cuidado,
Daniela.
— E não morra, - ela responde, em seguida, se une aos outros.
Sam acaricia a cabeça de Stanley, uma sobrancelha levantada para
John.
— Vocês não estão esperando que eu vá com eles.
— Não - John responde com movimento de cabeça. — Você está
preso com a gente.
Malcolm cruza os braços olhando para Sam. — E eu também fico.
Sua mãe me mataria se eu te deixar se enfrentar o fim do mundo sem
algum tem algum tipo de supervisão.
Deslizo meu braço ao redor da cintura de Sam e descanso minha
cabeça no seu ombro. — Sério, - eu digo de cara feia. — Ligue para
sua mãe.
A agente Walker é a única a última chegar no comboio. Ela se fica
em frente do nosso grupo sem jeito, olhando de mim para John e
logo para Nove. Por último, suspira.
— Só quero dizer... - ela vacila. — Só quero dizer obrigada. Por
me dar a oportunidade de reparar um pouco o dano que causei.
Por... - ela nega com a cabeça e agita as suas mãos. — Obrigada.
— Nem fale. – Nove diz.

285
UNIDOS SOMOS UM

— Cuida dos garotos, Walker. - John responde. —Eles precisam


de alguém que fique atento a eles. Alguém que não só queira utilizar
os seus poderes. Essa poderia ser você.
Walker assente, se volta e se dirige até os faróis do comboio. Logo
os faróis se convertem em luzes distantes. E então ficamos sós no
campo escuro.
Sam e eu. Malcolm e Lexa. John e Bernie Kosar. Nove. Marina e
Ella. Cinco. Sou a única que rompe o silêncio.
— Vamos ganhar essa guerra.

Uma vez mais Lexa nos leva ao norte das Cataratas do Niágara. A
viagem é tranquila e sombria, todo mundo está muito cansado ou
pensando muito, para dizer algo. John dorme pelo que deve ser a
primeira vez em vários dias. Marina está junto a ele, com seus olhos
atraídos pela ferida em seu pescoço que desafia a sua capacidade de
cura. Cinco decidiu não ir na nave, e só voar junto a ela. Uma decisão
que eu creio que todo mundo ficou agradecido.
Sam e Malcolm utilizam o tempo para ligar para mãe de Sam. É
uma conversa entre lágrimas, uma que eu trato de não escutar às
escondidas. Do outro lado da nave, de frente para mim, Nove chama
minha atenção.
— Deve ser agradável ter pessoas para dizer adeus – diz em voz
baixa.
Franzo a testa. — Nada de dizer adeus a ninguém, Nove.
—Vamos Seis. De verdade acredita que isso é certo?
Quando chegamos às Cataratas do Niágara, Adam e Rex já
terminaram de preparar as nossas encomendas. Os dois mogs
empacotaram nas mochilas de alta resistência (cortesia dos

286
UNIDOS SOMOS UM

canadenses) dispositivos de camuflagem recolhidos corretamente


dos Escumadores da nossa nave de guerra roubada. Nas mochilas
dividimos os telefones celulares e os aparelhos que Sam falou que
podem copiar o sinal do dispositivo de camuflagem.
Nove olha Rex. — Se eu verificar novamente estas mochilas, eu
vou descobrir que você, tipo, sabotou uma parte da mercadoria?
Rex passa as mãos nos cabelos pretos curtos, inseguro de como
responder. Adam dá um passo à frente.
—Já chega Nove, - diz. — Rex é solido. Podemos confiar nele.
—Tudo isso, sinto que é como lançar pedras em um deus, - Rex
diz em voz baixa, observando as mochilas. - Só espero que seja
suficiente para fazer o Amado Líder cair. Isso... isso seria algo digno
de se ver.
— Ao menos você é otimista - Nove diz secamente.
No total cada mochila tem aproximadamente 30 dispositivos de
camuflagem. Uma mochila para cada Zona de Guerra.
— Será suficiente? - pergunta Marina.
— Tem que ser - John responde.
Ella nos organiza em círculos. Pois ela sabe exatamente as
localizações das Pedras de Loralite, e dos novos afloramentos que
surgiram viram na terra desde que despertamos a entidade.
Segundo Lawson, deveria haver gente esperando em cada ponto
para receber nossas entregas. A partir daí, é questão deles decidir
como utilizar o dispositivo de camuflagem. Espero que tenha planos
sólidos.
— Só tem que imaginar o lugar para onde vão, - Ella explica
enquanto estamos em um semicírculo ao redor da pedra na
Cataratas do Niágara, o opaco resplendor que a pedra emite é a
única luz do lugar. — Se tiverem problemas, eu posso ajudar...
colocando uma imagem em sua mente. Quando me uni a Legado, vi
todas as pedras de forma simultânea, então eu sei como é ao redor.

287
UNIDOS SOMOS UM

— Isso é bom, - diz Sam, olhando a lista de lugares. — Cabeça de


Leão é um lugar e não uma, uh, uma Cabeça de Leão de verdade?
Ella o olha. — Eu te ajudarei Sam, não se preocupe.
Nove levanta a mão. — Se nos imaginarmos na cabeça de um leão
real...
— Não -Ella termina seu pensamento. Não vai se tele transportar
para dentro de um leão.
Permito-me um frágil sorriso. Eles estão brincando; com tudo que
está se passando, eles ainda podem fazer isso.
— Vamos acabar com isso - John responde energicamente.
Nos dividimos em grupos de dois para fazer as entregas. Nove e
Marina. Sam e eu. Mas ninguém quer fazer par com Cinco e
ninguém quer ficar para atrás com ele. John aceita ir com ele. O resto
do nosso grupo fica para trás. Adam e Rex sobem com Malcolm na
nave de guerra para mostrar-lhe alguns dos controles, na esperança
de que ele possa ajudar a pilotar, por via das dúvidas com nosso
ataque massivo a West Virginia.
— Pronta? – Sam me pergunta.
— Pronta! - eu respondo de mãos dadas, com a mochila do
dispositivo de camuflagem carregadas no ombro de Sam, tocamos a
pedra de Loralite e focamos uma imagem mental que Ella nos envia
telepaticamente.
É fraco esplendor de energia paira sobre nós, um segundo mais
tarde estamos protegendo nossos olhos. É de madrugada na África
do Sul e estamos em pé em cima da montanha Cabeça de Leão. Ha
pedras que se cruzam em jardins bem cuidados (um lugar para os
turistas tirarem fotografias). A pedra de Loralite se sobressai por
baixo delas, rachando as pedras e movendo as plantas. A vista daqui
é impressionante e vertiginosa. Estamos no nível das nuvens. Se eu
viro para esquerda vejo o oceano azul cristalino, o sol pintado de

288
UNIDOS SOMOS UM

ouro entre as ondas. Se eu olho para direita vejo os grandes edifícios


brancos da Cidade do Cabo.
A cena seria pacífica, se não fosse pelo helicóptero rasante que
está a poucos metros de distância, seus motores fazendo um
constante rup rup rup, acabando com a tranquilidade da manhã. Ha
um grupo de soldados camuflados em pé nos olhando de perto.
Quando aparecemos do nada, alguns deles pularam de susto, e dois
deles estão apontando seus rifles de assalto na nossa direção. A
maioria deles parecem completamente imperturbáveis. Suponho
que estão acostumados com as coisas loucas que se sucedem
durante uma invasão extraterrestre.
Dois dos soldados avançam lentamente até nós e agarram a
mochila de Sam. Não nos dizem nada e não dizemos nada a eles.
Logo todos eles se amontoaram no helicóptero e se vão para
derrubar a nave de guerra que está perto mais perto. Está em
Johanesburgo, eu creio.
— Bom, até agora tudo saiu bem - Sam se queixa.
Eu dou de ombros e me volto para desfrutar a vista. É suficiente
bonita para me fazer esquecer, por cinco segundos completos, o
que estamos fazendo aqui, e as desalentadoras probabilidades que
nós enfrentamos.
— Sabe, sempre quis ver o mundo – digo.
—Se refere a vê-lo sem estar correndo pela sua vida e lutando
contra um senhor da guerra extraterrestre?
— Sim, - eu digo com um sorriso malicioso. — Creio que vocês
terráqueos chamam de férias.
Sam se aproxima furtivamente ao meu lado e juntos,
contemplamos o oceano.
— Talvez quando... - ele começa a dizer algo, e se cala.
Eu o olho. — Talvez quando...

289
UNIDOS SOMOS UM

Sam olha seus sapatos esportivos. — Eu ia dizer que é melhor


quando tudo isso terminar, poderíamos tirar férias. Não deveria falar
disso. Fazendo planos. Quer dizer, com tudo que aconteceu. Oito,
Sarah, Mark... - Sam sacode a cabeça. — Todavia não posso
acreditar, sabe. Nem sequer faço ideia do que passou. Essas pessoas
que eu vi crescer, que eu conheci a minha vida toda. Por Deus, por
todo mundo. Tudo está de cabeça para baixo. Provavelmente
estamos há poucas horas de morre. E eu estou pensando em férias.
Isso é errado.
Passo uma mão pela nuca de Sam e enrosco os meus dedos em
seu cabelo e dou um puxão. — Ninguém vai morrer Sam.
— Ai. Todo mundo está morrendo, Seis. Quero dizer... em todos
os lados.
— Vamos conseguir. - eu digo, mais perto do seu rosto. — E se
pensa que está a ponto de morrer, Sam, quero que recorde este
momento. Recorda que estamos lutando por isso, pelo futuro.
Nosso futuro.
Sam respirar profundamente. — Bem. Bem, tem razão - ele olha
por cima do seu ombro para a brilhante pedra de Loralite que está
esperando para nos levar de volta às Cataratas do Niágara e logo
para nossa próxima entrega. — Deveríamos andar logo.
Inclino minha cabeça para trás e respiro profundamente (o ar é
fresco e frio esta altura, com um pouco do cheiro de mar).
— Um minuto, - eu digo meus dedos entrelaçados com os seus. -
Um minuto para olhar o mundo.
E assim nós ficamos ali durante um minuto. Apreciando tudo.
Fizemos o mesmo quando nos tele transportando para as areias
ondulantes do Saara, o ar seco e que causa bolhas, a pedra de
Loralite é igual a um Oasis resplandecente.
E outra vez quando chegamos ao Monte Zion no Japão, a pedra
de Loralite dali está ao lado de um lago de caráter vulcânico e que

290
UNIDOS SOMOS UM

inclusive brilha mais que a pedra. A neve soprava sobre nossos


rostos e começamos a rir. Os soldados japoneses recolhem o
equipamento e nos olham como se estivéssemos loucos, como se
estivéssemos perdendo tempo.
Podemos pegar uns minutos.
Nos detivemos em Portugal. Nos detivemos no interior da
Austrália. Um minuto extra em cada lugar, um minuto que não tem
outro propósito a não senão para ver tudo. São férias de cinco
minutos.
O nosso pouco tempo acabou. As entregas foram feitas. Estamos
de volta às Cataratas do Niágara, no meio da noite e só temos um
último destino. West Virginia.
Sam eu compartilhamos um último sorriso e logo estamos de volta
as nossas posições. Nos alistamos para fazer o que precisa ser feito.
Ao amanhecer, de uma maneira ou outra, tudo isso terá terminado.

291
UNIDOS SOMOS UM

nossa nave de guerra paira sobre West virginia. A


noite passa através das amplas janelas da ponte da nave Mogadorianos.
Luzes piscam sem parar como estrelas, lá embaixo postes e casas
estão iluminados, esta parte do Nordeste dos Estados Unidos
permanece intacta, ainda intocada pelos Mogadorianos. Será que
alguém lá embaixo olha para cima e vê a nossa Maciça Nave flutuante,
que mais se parece um escaravelho, ou será que mais parecemos apenas
uma nuvem escura atravessando o céu da noite?
Eu ligo meu Lúmen. É bom ter todos os meus Legados de volta depois
do que Phiri Dun-Ra fez comigo.
É bom também poder enxergar as cores novamente. Eu ainda sinto
em meu peito uma dor intensa dentro de mim por causa do uso
excessivo dos meus Legados, sem mencionar a sensação de queimação
por dentro de minhas mãos. Eu tento ignorar tudo isso, e ignorar
também uma dor mais aguda da ferida no meu pescoço, recentemente
costurada por Marina mesmo sem experiência nenhuma em ter que
costurar ferimentos.
Posiciono minha mão como uma lamina e faço um pequeno jato de
jogo concentrado fora dos meus dedos. Aumento a temperatura até que
o fogo fique quase branco de tão quente, agora tenho meu próprio
maçarico. Então começo a trabalhar.
Estou sozinho no Deck de observação, que fica sobre a ponte, parece
uma pequena varanda projetada para ser confortável, pelo menos para
os padrões Mogadorianos. Lá em baixo, quase todos estão trabalhando,
preparando nosso ataque. Nós já temos um destino. E felizmente,
sozinho Rex consegue manter nossa altitude e continuamos voando em
linha reta rumo ao nosso destino. Lexa olha por cima do ombro,

292
UNIDOS SOMOS UM

tentando aprender o máximo possível, no caso de ela precisar ajudar o


piloto, ou ser o piloto, mais tarde.
Existem quatro depósitos de armas, um para cada quadrante da Nave
de guerra, e cada depósito possui uma estação com uma série de botões
que comandam armas diferentes exibidas no vídeo holográfico usado
para mirar no alvo. Há também uma quinta estação, que opera o canhão
de energia principal da Nave, é uma versão menor do canhão de energia
usado pela Anúbis que pode sumir rapidamente com quarteirões inteiros
de uma só vez. De acordo com Adam, é necessário ter equipes de
engenheiros trabalhando com as células de energia lá embaixo para
evitar o superaquecimento das armas.
Mas eu matei todos eles, então vamos ter que esperar que nada
exploda ou fique sem energia.
Malcolm senta-se em uma das estações de armas com Cinco,
recebendo um curso intensivo de como operar as armas da Nave.
Surpreendentemente, Cinco é muito paciente com ele. Lembro-me de
Chicago, quando os dois se juntaram ao resto de nós, Malcolm foi muito
bondoso com Cinco. Ele realmente tem sido bom com todos nós. Dirijo
a minha audição aguçada em sua direção e ouço Cinco explicar os como
os ventos abaixo da Nave afetam a mira das armas.
— Posso te perguntar como você sabe de tudo isso? Malcolm pergunta
a Cinco.
Cinco passa a mão na cabeça. — Era para eu comandar uma delas - é
só o que ele diz. — Pelo menos, foi isso o que ele me prometeu.
— Entendo - diz Malcolm. Há um silêncio constrangedor. — Você
poderia me mostrar mais uma vez como controlar o mecanismo
principal?
— Com certeza.
Atrás de Malcolm e Cinco, estão Sam e Adam, na estação do
Comandante da Nave. Adam está descrevendo detalhadamente
diferentes funções da Nave de guerra. Ele descreve os sistemas que

293
UNIDOS SOMOS UM

controlam os escudos da Nave, os motores e a energia. Ele dá a Sam uma


ideia de quais sistemas são absolutamente necessários e que não podem
parar de funcionar nem por um segundo. Esperamos que Sam seja capaz
de usar seu Legado para se comunicar com a Nave de guerra, dando
verbalmente à nave os comandos que substituiriam as funções de
dezenas de membros da tripulação que nós não temos. Seis fica por
perto, observando-os e dando uma risada confusa. Eu escuto.
— Você sabe né - Seis diz, — a última vez que ele se comunicou com
uma nave, ela quase se espatifou.
— Ei! - Sam responde. — Isso não é justo.
Adam franze a testa para Sam. — Talvez eu devesse deixar por escrito
como descer.
Sabemos que a Anúbis nos espera em West Virginia. Anúbis, a Nave
Líder da frota Mogadorianos é a única coisa entre nós e Setrákus Ra.
Precisamos derrubá-la com esta equipe reduzida, e inexperiente. Ambas
as Naves de Guerra estão protegidas, mas a Anúbis tem armas maiores.
De acordo com Adam, nossos escudos serão destruídos mais rápido do
que os escudos da Anúbis.
Ainda bem que estamos levando muito mais do que apenas as armas
deles.
Eu olho para longe, quando ouço o som da chama escaldante em
minhas mãos. Minha chama incandescente está funcionando.
Tenho em minhas mãos o laço Voron que fez a cicatriz em Setrákus
Ra e fez também em mim. Confiro mais uma vez se ela não está ao redor
do meu pescoço, o material do laço Voron parece um Cipó grosso que
você encontraria em qualquer selva, exceto que este tem uma textura de
plástico endurecido. Cada aresta é lisa e nítida, estou derretendo de cima
para baixo, tomo cuidado para as gotas não cortarem meus dedos. O
material, encontrado apenas em Lorien, brilha um roxo profundo e
quando eu o aqueço ele começa a assumir uma consistência parecida à
cera de vela. Eu não deixo que o gotejamento do material em alta

294
UNIDOS SOMOS UM

temperatura caia no chão. Eu o pego com minha telecinese e começo a


remodelá-lo.
Quando eu termino, o laço agora parece mais com um punhal. Fica
sobre o meu antebraço, sobre uma alça improvisada que permite que a
Voron fique guardada. A lamina em si quase tem o formato de um
diamante comprido. Coloco em minha mão e começo a testar
empunhando-a para frente e para trás.
Isto é o que eu vou usar caso ele consiga tirar meus Legados de novo.
Vou atravessar isso direto no coração de Setrákus Ra.
— Muito foda - Nove diz entrando na área de observação.
Eu estava tão concentrado que nem sequer ouvi ele chegando. Ele
sorri para mim, olhando para a lâmina. Eu a flutuo até ele com minha
Telecinese, ele a pega no ar, girando-a em torno da mão.
— Não é ruim - ele conclui, flutuando a lamina de volta para mim. —
Sinto falta do meu cajado, cara. Não posso acreditar que aquela merda
quebrou.
— Sim, eu sinto falta do meu escudo também - eu respondo,
inclinando a cabeça na direção de Nove. — Mas então, como você está?
— Eu... - Nove vem mais para dentro da sala de observação e se inclina
contra o corrimão na borda da plataforma. Ele abaixa a voz. — Eu,
uhmmm... eu queria pedir desculpas por aquele tempo que eu só ficava
tentando vencer você em Chicago.
Eu quase chego a bufar de surpresa com isso. — O que você está
dizendo Nove?
— E também em Nova Iorque, quando eu estraguei a nossa
abordagem furtiva batendo palmas com aquelas luvas de trovão
estúpidas. Desculpe-me por isso também.
— Tudo bem - eu digo, e levanto minhas mãos. — O que você está
tentando dizer?
— Praticamente qualquer momento em que eu disse ou fiz algo que
te deixou chateado ou te fez quase ser morto. Sinto muito por tudo isso.

295
UNIDOS SOMOS UM

— Olha Nove, se você está dizendo tudo isso porque acha que vamos
morrer lá em baixo, não é necessário.
— Não cara, não há nada certo sobre mim - Nove diz, travando os
olhos em mim. — Eu definitivamente quero sobreviver à essa merda.
Você por outro lado, você tem todo esse voar longe sozinho e não preciso
de amigos e tal... você está com tanta raiva por dentro que parece que vai
se explodir. Como se não se importasse com você mesmo.
Eu começo a protestar, mas Nove levanta a mão. — Não cara, isso é
legal. Porque os outros parecem não ter percebido, mas eu sim. Deixe
todo esse ódio para trás John. Faça o que tiver que fazer cara. Mas eu
não quero que você morra, e deixe toda essa merda na minha
consciência.
— Ok, Nove - eu respondo, balançando a cabeça. — Você está
perdoado.
— E também - continua ele, — você deve saber que eu prefiro que
você e eu possamos sair dessa vivos. Você é meu irmão cara, será ótimo
se conseguirmos.
Antes que eu possa pará-lo, Nove me dá um forte abraço de urso. Não
dura muito tempo, e termina com ele batendo nas minhas costas com
força suficiente para me fazer tossir.
— Você é o melhor ajudante que um cara poderia ter - diz ele.
— Vá se ferrar, Nove - eu respondo.
Ele sorri para mim. — Vejo você lá fora, Johnny.
Nove me deixa sozinho no Deck de Observação. Eu pego o meu
punhal Voron e o prendo em meu antebraço. Estamos chegando perto
da Caverna em West Virginia agora. Eu deveria descer e me aprontar.
Em vez disso, eu fico aqui, pensando no que ele disse. Ele está certo?
Será que eu não quero sobreviver? Tento imaginar como seria um
mundo onde derrotamos Setrákus Ra e eu ainda vivendo. Eu costumava
ter devaneios imaginando algo assim.
Agora, não consigo imaginar isso.

296
UNIDOS SOMOS UM

Não há medo em mim. Eu acho que o medo é sofrer por antecipação.


Preocupar-se com coisas que podem não sair da maneira como você
planejou, coisas que podem doer, temendo a tristeza que está por vir.
Mas esse sentimento vai embora quando você simplesmente aceita o
que pode acontecer.
Não é tão ruim sabe, imaginar que pode não haver um futuro. É até
libertador.
Ao descer da plataforma de observação, eu topo com Marina. Ela está
na escada, de braços cruzados, olhando para a maneira como os nossos
amigos se familiarizam com a Nave de guerra. Eu sei exatamente onde
ela está olhando.
Cinco. Seus ombros estão curvados, ele está sentado em um dos
Consoles de Armas, executando um diagnóstico enquanto Sam e
Malcolm olham. Ele deve ter percebido que ela olha para ele, mas ele
escolhe disfarçar e continuar o que está fazendo. Quando eu chego mais
perto, noto que o ar em torno de Marina está um pouco mais frio.
Marina olha para mim, seus lábios formam uma expressão
carrancuda.
— Eu já sei o que você vai dizer - eu digo a ela. — Nós não podemos
confiar nele. Ele é perigoso. Saiba que eu concordo com tudo isso.
— E eu já sei o que você vai dizer para mim - ela responde, imitando
meu tom. — Ele é um mal necessário. O inimigo do meu inimigo é meu
amigo. Épocas desesperadas pedem medidas desesperadas.
— Me diz que eu não uso todas essas frases clichês - ela franze a testa
para mim. Esfrego minhas mãos para aquecê-las. — Ele salvou vidas na
Base em Patience Creek, Marina. Ele salvou minha vida.
— Sim, eu ouvi falar sobre a... performance dele - ela responde, uma
nota de desagrado em sua voz. — Sam me contou como ele apreciou ter
feito isso, como ele poderia ter simplesmente matado Phiri Dun-Ra, mas
apenas a deixou ferida. Se nós nos tornássemos tão cruéis e brutais
como ele, será que venceríamos?

297
UNIDOS SOMOS UM

Eu penso em quantos Mogs matei em meu ataque a esta Nave de


guerra. Me lembro como Cinco me olhou quando falei com ele pela
primeira vez na Base de Patience Creek. Ele disse que eu era parecido com
ele agora.
Uma sombra passa em frente ao meu rosto, o braço de Marina toca
meu ombro.
— Sinto muito sobre essa conversa - diz ela. — Eu só quero que todos
lembrem de onde ele veio, como ele foi criado por eles, matar um
inimigo em comum não faz dele nosso aliado. Usar ele como uma arma
não quer dizer que ele está disposto a salvar vidas John.
— Normalmente, eu concordo com você Marina. Mas não esta noite.
Marina balança a cabeça lentamente. Rejeitando o fato de que ela
estará lutando ao lado do Cinco hoje. — E depois disso tudo John? Será
que ele finalmente vai pagar por tudo o que ele fez?
Essa palavra novamente. “Depois”. Eu olho para longe.
— O depois será por sua conta - digo a ela.
Ela começa a me fazer outra pergunta, mas estou apressado, quando
Adam me chama assim que eu chego ao Centro da Nave.
— Estamos quase lá - diz ele. — Eu não quero chegar muito perto, em
caso de eles terem batedores nos arredores da caverna.
— Tudo bem - eu respondo, e olho para Ella. Ela se senta em uma das
estações de controle abandonadas massageando as têmporas. — Você
conseguiu criar esse mapa?
Ela balança a cabeça. — Eu a escaneei. Malcolm me ajudou com o
tamanho e a escala.
— Vamos dar uma olhada agora - diz Adam.
Uma grande parte da janela que vai do chão ao teto fica opaca, e um
segundo depois um mapa tridimensional da base Mogadorianos na
montanha aparece na tela. Não tem exatamente toda a qualidade de um
projeto, até porque Ella e Malcolm o fizeram apenas com a mão, e as
memórias. Mas foi necessário. Essas memórias foram tiradas de mim,

298
UNIDOS SOMOS UM

do Nove, da Seis e do Adam. Todos nós já estivemos dentro da base na


montanha antes; todos nós já vimos seu interior, embora essas
memórias fossem cobertas de pânico, caos e tortura. Ella sentou-se com
cada um de nós por alguns minutos, copiou as memórias e as
transformou em algo muito útil.
— Tudo bem, uma vez que você tirar a Anúbis do nosso caminho
vamos atacar aqui. Eu indico a entrada da caverna na montanha. A
entrada fica no nível do solo do lado de fora. Mas os Mogs escavaram a
montanha acima e por baixo da entrada, por isso a entrada fico quase
no meio do mapa. — Temos um dispositivo de camuflagem ainda ligado
à nave de Lexa. Ela vai nos levar através do campo de força da base, e em
seguida voltar e ficar à uma distância segura até que precisemos de
extração. Vai ser Eu, Seis, Marina, Nove, Adam e Cinco lá embaixo.
Sam franze a testa, como eu esperava. — Espere. E o que o resto de
nós irá fazer enquanto isso?
— Ella irá coordenar os grupos telepaticamente. Se Setrákus Ra tirar
nossos Legados, eu quero que uma equipe de apoio leve Ella para que ela
possa usar seu Dreynen nele.
Ella acena, parecendo desconfortável com a hipótese de ter que
enfrentar seu bisavô mais uma vez. — Então, o resto de vocês ficará aqui
na Nave de guerra e irão destruir qualquer coisa que sair dessa
montanha a não ser um de nós. Com o seu Legado Sam, você vai fazer
muito mais aqui.
Nove estala os dedos para o Rex, e recebe a atenção do nosso novo
amigo Mogadoriano de olhos arregalados. — E não tente qualquer
besteira. Senão, meu amigo Sam Goode aqui vai te matar.
Sam suspira e olha para Rex se desculpando. — Eu não vou matar
você - Sam diz, embora ele reconsidere essa afirmação imediatamente.
— Quero dizer, eu vou te matar se você tentar alguma cosa, mas você
parece ser um cara legal que não vai tentar nada.

299
UNIDOS SOMOS UM

Adam dá um tapinha no ombro de Rex. O Mog balança a cabeça e se


concentra nos esquemas à sua frente.
— É provável que enfrentaremos forte resistência e defesa entre o
campo de força e a entrada - eu continuo. — Nós todos usaremos força
bruta para limpar nosso caminho.
Cinco e Nove sorriem quando digo isso.
— Exceto o Cinco - eu continuo, e seu rosto se entristece.
— O que? - ele pergunta.
Me viro para ele. — Você vai voar levando a Seis e o Adam, os três
invisíveis, até a entrada.
Seis olha na direção de Cinco. — Você está são por enquanto né?
— Sim - Cinco responde bruscamente. Ele mantém o olho pregado no
mapa e respira fundo. — É uma boa estratégia.
— Ninguém te perguntou - diz Marina.
Eu continuo antes que o clima esquente ainda mais.
—Uma vez que estiverem dentro da base, Seis e Adam vão tentar
desativar os escudos de defesa. Eu aponto para uma seção elevada cima
da entrada da caverna. — Não temos certeza de onde estão os controles,
mas Adam acredita que eles estejam por aqui. Enquanto eles procuram,
Cinco vai acabando com os Mogs que estarão atrás deles do lado de fora
da caverna.
Sam levanta a mão. — E o que o resto de nós vai ficar fazendo aqui
na Nave?
— Quando os escudos forem desativados, precisamos que estejam
preparados para nos dar apoio aéreo. Deverão manter o canhão de
energia principal pronto para disparar.
— Temos uma montanha para destruir - Seis acrescenta.
— Exatamente. Nós vamos enterrar Setrákus Rá. Mas primeiro temos
que nos certificar que os experimentos dele estejam destruídos - eu
aponto para os corredores mais profundos da montanha, lá embaixo
onde vi aqueles corredores com pontes estreitas feitas de pedra. Me

300
UNIDOS SOMOS UM

lembro dos sons que vinham desses corredores na última vez que visitei
a Base, gritos de animais sendo torturados e outros que não consigo
imaginar o que eram. — Acho que se ele está nessa montanha, é lá
embaixo que vamos encontrá-lo. É onde são criados os nascidos
artificialmente. É onde ele vai estar trabalhando em seus experimentos.
— Você acha que ele não vai vir até a porta dizer “olá” quando
batermos? - diz Nove.
— Você está certo - eu digo. — Ele também poderá sair para lutar. De
qualquer maneira, ele e tudo o que ele tocou será destruído. Assim que
o sol nascer, ele será apenas poeira e cinzas numa porra de cratera
gigante.
— Você faz tudo parecer tão fácil - Cinco murmura.
— Oh, não vai ser fácil de jeito nenhum - eu respondo. — Mas
podemos fazer isso. Nós temos que conseguir fazer isso.
— Bom, isso é tudo - Seis acrescenta. — Isso é tudo.
Percebo alguns dos meus amigos me olhando com expectativa. Tento
pensar no tipo de discurso que eu daria alguns dias atrás, quando Sarah
ainda estava viva.
— Olha pessoal, não há mais nada que eu possa dizer. Nós viemos até
aqui juntos, e vamos passar por isso juntos. Não vamos mais correr, não
vamos mais nos esconder, sem mais palavras. Lutaremos até vencer.
Aceno com a cabeça para todos. Olho para cada rosto bem nos olhos,
estou espantado com a calma que estou sentindo. Eu olho por cima do
mapa para a montanha, para a noite. As estrelas brilham lá fora.
Está na hora.
— Estou indo para a Anúbis - eu digo. — Eu vou dizer quando estiver
limpo e puderem se aproximar.
— Se cuide - Marina diz, suas palavras ecoam como se todos
dissessem o mesmo.
— Adam, pode me ajudar abrir a Comporta? - eu pergunto. O
Mogadoriano levanta uma sobrancelha para mim, surpreso com meu

301
UNIDOS SOMOS UM

pedido para ajudar a fazer algo que ele sabe que eu poderia fazer
sozinho. Ele não faz nada. Apenas balança a cabeça e me segue pro
corredor.
Juntos, nós andamos pelos corredores vazios da Nave de guerra. Os
vestígios do nosso ataque anterior ainda permanecem, cinzas
Mogadorianos estalam debaixo de nossos pés. Adam não diz nada. Ele
espera que eu fale alguma coisa.
— Ouça - eu começo, quando estamos longe o suficiente para ter
certeza que nem mesmo os que tem Audição Aguçada poderão ouvir. —
Assim que você desativar o campo de força, eu preciso que você volte
para Nave aqui.
— Ok... - diz Adam.
— Há uma chance de as coisas não acontecerem como planejamos lá
em baixo - eu continuo. — Se esse for o caso, eu vou te avisar
telepaticamente. Quando eu o fizer, não importa o que, não importa
quem tentar impedir você, preciso que você dispare o canhão de energia
da Nave. Destrua a montanha inteira. Tudo. Não importa se ainda
estivermos lá dentro. Setrákus Rá e seus experimentos malignos não
podem continuar a existir.
Adam para no meio do caminho e segura meu braço. — Você tá
falando sério?
— Você sabe que estou.
A mão dele aperta meu braço, em seguida ele me solta. Mas mantém
um tom de medo. — Por que você está me pedindo para fazer isso,
John? Só porque eu sou Mogadoriano acha que eu tenho o coração de
pedra? Acha que não me importo com o que acontece com vocês?
— Não - eu digo, segurando-o pelos ombros. — Eu sei que você se
importa, Adam. Eu sei que provavelmente vai morrer se fizer isso. Mas
você sabe que estou certo. É o único jeito. Parar Setrákus Ra é mais
importante do que... do que qualquer outra coisa. Se o pior acontecer,
você vai ter que puxar o gatilho e acabar com isso.

302
UNIDOS SOMOS UM

Adam me olha nos olhos por alguns segundos, em seguida, olha para
o lado. Ele dá um passo para trás e minhas mãos caem de seus ombros.
— Ok, John - ele só diz isso.
— Ok.
Eu realmente não preciso dele para me ajudar a abrir a saída.
Sozinho, eu passo através do Ancoradouro da nave de guerra que
devastamos quando a invadimos, abro a saída e saio voando no céu
noturno. O deserto passa por baixo de mim, parece tão pacifico,
intocado. O vento enche minhas roupas, acho isso bom por causa do
suor em minhas costas.
A montanha escura num tom roxo toma forma diante de mim. Me
esperando.
Então eu fico invisível.
A Anúbis paira sobre a montanha, parece um inseto gigante. Seu casco
metálico reflete a luz do luar. Holofotes na barriga da Anúbis iluminam
tudo ao redor da montanha, incluindo o espaço em torno da entrada e
parte dos bosques que ficam perto da entrada. Eles estão nos esperando.
A Anúbis gira lentamente em torno do pico da montanha, assim como
fez em Nova Iorque.
Desta vez, porém, eu não estou fugindo.
Do meu bolso de trás, pego meu telefone por satélite. Disco o número
do General Lawson e digo duas palavras simples.
— Abrir fogo!
Não preciso ouvir a resposta. Eu sei o que vai acontecer em seguida.
Logo, no mundo inteiro, começarão a contra-atacar.
Eu deixo cair o telefone. Que se esmaga na floresta algumas centenas
de metros abaixo. Não vou mais precisar dele. Sem mais conversa, nada
mais de política.
Alcanço a Seis telepaticamente.
“A Anúbis está sobre a montanha. Preparem-se”.

303
UNIDOS SOMOS UM

Olho para trás na direção em que eu vim. Nossa Nave de guerra está
muito longe para conseguir ver, mas as nuvens de tempestade não.
Grossas e escuras, elas vão apagando as estrelas, arruinando o que era
um céu perfeitamente iluminado e claro. Relâmpagos e o vento forte me
fazem arrepiar, posso ouvir granizo caindo em algum lugar. Eles passam
por mim, seu alvo é a Anúbis.
Vai ser uma tempestade como os Mogadorianos nunca viram antes.
Estamos chegando.

304
UNIDOS SOMOS UM

— ganhe mais altitude com a nave, rex – diz adam.


— Quero atacar eles de cima para baixo. Tá bom assim para você,
Seis?
— Sim - eu respondo, meio distraída. — Vamos por cima.
Eu estou bem na frente das enormes janelas de observação de
nossa Nave de Guerra, com as mãos levantadas no ar, os dedos se
movendo. Posso ver reflexos dos meus amigos no vidro, mas estou
focada no que está lá fora.
Estou controlando elementos atmosféricos que só eu posso sentir
e trazendo para a minha criação. Se não fosse pela folha grossa de
vidro na minha frente, eu poderia tocar nas nuvens turvas que estou
criando.
Uma tempestade. A maior tempestade que já consegui criar. Nos
últimos anos, eu uso a queda de raios, ventos fortes e ondas
repentinas que resolveram rapidamente meus problemas. Ninguém
pode ficar de pé contra a mãe natureza por muito tempo. Nunca
precisei criar e manter uma gigantesca tempestade como essa antes.
Bem, Katarina costumava dizer que se surpreender causa
desespero.
— A visibilidade é muito ruim - Rex diz para o Adam.
— Está tudo bem - Adam responde. Ella está do lado dele, seus
olhos virados para dentro, vendo tudo o que John vê. — Nós
sabemos para onde estamos indo, e é bem difícil perder de vista
nosso alvo. Mantenha a altitude.
Cerquei nossa nave de guerra com nuvens de tempestade e
nevoeiro. Relâmpagos estalam bem na nossa frente quase nos
cegando com seu brilho. Nossa Nave é grande, mas a parte dianteira
da minha tempestade é bem maior, e mais alta, se estende a quase
dois quilômetros para cima, como uma onda monstruosa que rasteja
através do céu. Adam instalou um dispositivo que confunde o radar

305
UNIDOS SOMOS UM

deles, além disso a estática dos relâmpagos deve causar um


tremendo estrago nos sensores da Anúbis. Eles definitivamente
sabem que estamos chegando, mas não sabem onde exatamente
estamos dentro dessa tempestade. Não saberão onde estamos até
que seja tarde demais.
Marina está ao meu lado. Ela está pronta para turbinar minha
tempestade com grandes pedaços de gelo caindo. Por enquanto, ela
enxuga o suor em minha testa.
— Você está indo muito bem, Seis - diz ela.
Quando eu tento sorrir para ela é que eu ouço meus dentes
baterem um no outro e percebo que estou tremendo.
Vamos lá. Vou aumentar ainda mais a tempestade. Cada vez
maior.
Os ventos uivam do lado de fora, daqui consigo ouvir. Trovões
estrondam o céu.
— Imaginem os olhares nos rostos deles - Cinco comenta de seu
lugar em um dos painéis de armas. — Eles provavelmente estão
cagando nas calças.
— Cale a boca - Nove responde automaticamente.
A borda da minha tempestade atinge a Anúbis. Inicialmente, as
nuvens quebram e são repelidas pelo campo de força, mantendo os
cem metros de ar dentro do campo de força até a Anúbis intacto e
completamente calmo.
— Será que sua tempestade não consegue atravessar os escudos?
- Sam pede.
— Vamos descobrir - diz Adam. — Despeje raios neles, Seis.
Em minha mente, crio um relâmpago. E o projeto contra o campo
de força da Anúbis. Os raios de energia elétrica se espalham ao seu
redor, repelidos pela Tecnologia Mogadorianos.
— Parece que não penetrou - Rex relata, parecendo ansioso.
— Não, isso não importa - eu respondo com os dentes cerrados.

306
UNIDOS SOMOS UM

— Estamos perto o suficiente agora. Eu não preciso quebrar o


campo de força. Eu posso criar uma tempestade dentro dele.
Eu deixo as nuvens escuras e o vento forte em torno da Anúbis, nos
escondendo, cegando-os e nos deixando fora de seu alcance. Então,
começo novamente. Minha mão esquerda gira acima de mim,
girando o vento, criando pressão, aumentando. Mas desta vez, a
tempestade está dentro do campo de força.
— O vento... – eu digo. — Eu controlo o vento onde ele estiver.
O vento do lado de fora da Anúbis parece gritar, a pressão cai.
Então o vento começa a rodar criando um vórtice, aumento sua
velocidade ao máximo que posso, agora está rápido o suficiente para
arrancar árvores e até destruir e arrancar suas armas, está tão veloz
que estou começando a ficar um pouco tonta. O vórtice se divide,
em seguida se divide novamente. Três tornados sobre o casco de
Metal da Nave deles, arrancando sua armadura, forçando-a a cair.
Faço chover, e ao meu lado Marina pressiona as mãos contra o vidro.
Ela congela os pingos de chuva os transformando em grandes
pedaços de gelo. Está caindo na Anúbis, ficando mais pesada,
espero que estejamos comprometendo funções importantes
daquela merda.
— Ela está se retirando! - Rex grita. — A Anúbis está recuando!
— Isso não é uma coisa boa - Adam responde. — Seis precisa estar
perto dela para conseguir manipular o clipe dentro do perímetro do
campo de força para destruir seus sistemas.
— Mantenha-me.... ahn... mantenha-me perto - eu resmungo.
Quanto mais a Anúbis se distancia de nós, é mais difícil para mim
manter o controle sobre a tempestade em torno dela. A tensão é
imensa, em resultado preciso me esforçar cada vez mais. Para
manter a nossa camuflagem, e manter o ataque dentro da Anúbis,
preciso que estejamos a poucas centenas de metros dela.

307
UNIDOS SOMOS UM

Do canto do meu olho vejo algo vermelho explodir como fogos


de artifício do lado de fora da nossa Nave. Um segundo depois
acontece novamente. Como fogos de artifício nos atingindo.
— Eles estão atirando em nós! - Sam grita.
— Eles estão tirando às cegas - Adam responde calmamente. —
Eles ainda não podem nos ver.
Uma explosão faz toda a nossa nave vibrar. Fomos atingidos. Por
um momento tudo o que vejo está colorido de vermelho. É o escudo
da nossa Nave respondendo ao ser atingido pelo tiro de energia da
Anúbis, o impacto ilumina o campo de força do lado de fora. E isso
com certeza revela nossa localização para os Mogadorianos.
— Eles estão nos vendo agora! - grita Rex. — Escudos ativados.
— Preparem-se todos! - Adam grita.
O próximo impacto é pior. É um disparo continuo de energia que
balança nossa nave. Eu esbarro em Marina, e nós duas caímos no
chão. Os outros se seguram em suas estações de controle. Uma
sirene estridente começa a soar no interior da Nave de Guerra, a
mesma sirene que soou antes, quando éramos nós que a estávamos
atacando.
— Os escudos estão em quarenta e oito por cento! - diz Rex.
— Quarenta e o quê? - Sam exclama. — Eu pensei que esses
campos de força eram impenetráveis!
— Impenetráveis para as suas armas - Adam explica ao operar
apressadamente o console de comando. — Eles estão recarregando
o canhão principal. Eu não sei se vamos sobreviver a mais um
disparo.
Nove se levanta e ajuda Marina e eu a nos levantar. Minha cabeça
dói, e percebo que há um pequeno corte na minha testa. Por um
momento perdi minha concentração, é exatamente isso que não
podia acontecer. Minhas tempestades começam a se dissipar. Pior

308
UNIDOS SOMOS UM

ainda, abaixo de nós a Anúbis está recuando ficando fora do alcance


dos meus Legados.
— Se apresse e use chuva de granizo naqueles idiotas! - Nove
grita comigo.
Eu pressiono minhas mãos contra o vidro. — Preciso estar mais
perto!
— Me ajude, Rex - diz Adam. — Vamos desviar a energia de todos
os sistemas desnecessários e usá-la para alimentar os escudos.
Vamos nos aproximar para termos uma chance para disparar o nosso
canhão.
Rex salta de sua cadeira saindo deixando o controle de
navegação, e Lexa se senta onde ele estava. Ela aperta alguns
botões, nos mantém flutuando acima da Anúbis, nos levando para
perto.
— Lá vem eles – Cinco rosna.
De onde estou, vejo uma saída se abrir na Anúbis, e o que parece
um enxame de moscas sai pela abertura. São Escumadores. As
pequenas naves decolam da Anúbis e atravessam o céu noturno em
nossa direção. Com seus dispositivos de camuflagem ainda
funcionando eles vão passar pelo nosso campo de força e atirar
direto na nossa Nave.
— Armas prontas! - Adam grita para Malcolm e Cinco, que
imediatamente se concentram em suas estações de controle de
armas. — Não se importem em disparar o quanto for preciso até
destruir o escudo da Anúbis.
— Como vamos saber? - Malcolm começa a perguntar, um anel
de suor visível em volta do pescoço.
— Agora! - Adam grita.
A nave de guerra chacoalha quando Malcolm e Cinco começam a
disparar as armas auxiliares. É como se uns cinquenta canhões de
energia desintegradores dos Mogs atirassem ao mesmo tempo.

309
UNIDOS SOMOS UM

Cinco atira descontroladamente, animado, sua respiração curta,


enquanto Malcolm atira com mais cuidado, rastreando e escolhendo
metodicamente seus alvos. Dá um tiro e derruba um Escumador,
mas há muito mais para derrubar.
Percebo que alguns Escumadores se inclinam e de repente caem,
sem ser atingidos. Há um brilho prata que atinge os Escumadores, e
em seguida, eles caem como uma rocha... porque é uma rocha. John
está voando lá fora, invisível, usando sua visão-pedra para nos
defender.
— Mais perto! - eu grito por cima do ombro, controlando os
ventos novamente.
— Agora sim - Adam responde. — Rex, como estão os escudos?
Rex digita ás pressas em um teclado. Quando ele responde
parece aterrorizado. — Eu sinto muito, não consigo redirecionar
energia. Sou um navegador, não sou especialista nessa área.
— Você nos sabotou, perdedor? - Nove rosna.
— Não! - responde Rex. — Eu juro, só preciso de mais um minuto
ou dois.
— Deixa eu tentar! - Sam diz, enxugando o suor da testa. —
Redirecionar toda a energia para os escudos!
A Sirene estridente da nossa nave para.
As armas param de disparar.
E começamos a cair do céu.
— Me diz que você não acabou de desligar outra nave! - grita
Lexa.
— Uhmm, eu... - Sam começa a responder.
— Toda a energia para os escudos - Rex repete, depois mais alto.
Estamos condenados. — Toda a energia para os escudos significa
que não podemos voar!
— Eu posso consertar - diz Sam. Ele olha para Adam.

310
UNIDOS SOMOS UM

— Restaure a energia dos motores - Adam diz com uma calma


forçada. — Tente isso, Sam.
— Restaurar a energia dos motores! - Sam grita.
Nada muda. Sam repete, mas a nave não está ouvindo ou o legado
de Sam não está funcionando. Atrás de mim, posso ouvir Rex
mexendo furiosamente nos controles.
Nós estamos caindo.
Meus pés se elevam do chão. Marina me segura, e Nove segura
ela. Graças ao Legado de Antigravidade, os pés dele nunca saem do
chão. Eu continuo produzindo a tempestade, mesmo enquanto
estamos mergulhando de nariz em cima da Anúbis.
— Vamos lá, pedaço de lixo Mogadoriano! - Sam grita. — Ligar
motores! Por favor!
— Espere - Adam diz, olhando para a mesma janela que eu. —
Está bem. Estamos bem.
O raio de energia vermelho ganha vida saindo do canhão principal
da Anúbis. Nossos escudos se incendeiam, e desta vez posso sentir
um pouco do calor no sangramento em minha cabeça. A janela à
minha frente, grossa como um tijolo, começa a rachar.
— Escudos funcionando! - Relata Rex. — Poderia ser pior!
— Eu acho que você salvou nossas bundas, Sammy - diz Nove. —
Por alguns minutos, eu acho.
— Nós ainda estamos caindo, seus idiotas - acrescenta Cinco.
— Bom - diz Adam. — Nós vamos derrubá-los. Seis?
— Sim?
— Eu preciso que dê tudo o que você tem. Vamos derrubá-los.
Nós despencamos rumo à Anúbis. Eu me concentro. Um
Escumador colide com nosso casco, explode, e um pequeno
incêndio ganha vida em um canto da nossa Nave. Posso sentir o
vento assobiando através das rachaduras no vidro em minha frente
à medida que ganhamos velocidade.

311
UNIDOS SOMOS UM

Esse é o vento que eu estou manipulando.


Estamos cada vez mais perto. Vamos colidir.
Eu levanto as minhas mãos de novo, agitando-as no ar vazio. Faço
um tornado, depois outro. Marina começa a congelar a chuva
transformando as gotas em pedaços gigantes de gelo. E eu empurro
tudo isso em cima da Anúbis, todo o peso do céu em cima dela
agora, arrancando painéis de metal e quebrando seus canhões.
Vejo a energia no canhão principal. O brilho vermelho parece um
olho gigante. Eu mando um relâmpago nele, tão fino como uma
agulha. Então há um brilho de energia, e o canhão explode. Quando
o canhão principal explode, ele destrói uma boa parte da Nave com
ele. Pequenas explosões ganham vida em toda a Anúbis.
A Anúbis começa a balançar.
— Continue! - grita Rex. — Você pode destruir todos os sistemas
deles!
Eu envio relâmpagos para a Cabine do piloto, vejo à direita da
janela da plataforma da Anúbis o local onde eu estaria se estivesse à
bordo dela.
Empurro minha tempestade para lá, por dentro, começo a destrui-
la de dentro para fora. Vejo corpos de Mogs voando céu abaixo,
engolidos pelo meu Tornado.
Nós vamos colidir. Campo de força contra campo de força. Não
sei o que Diabos vai acontecer então.
Nove mantém uma mão em minha cintura, e outra mão em torno
de Marina. Ele nos mantém firmes, com seus pés no chão.
— Você sabe né Seis, que poderia haver posições bem piores para
morrer...
Eu gostaria de poder esbofeteá-lo. Mas toda a minha raiva, anos
e anos de sofrimento e medo, despejo tudo isso nesta tempestade.
O Tornado é forte o suficiente para que as árvores da montanha se

312
UNIDOS SOMOS UM

rasguem e saiam voando colidindo contra o campo de força da


Anúbis.
— Os escudos deles caíram! - grita Rex.
— Você deve ter explodido os mecanismos do escudo na Nave -
Adam grita para mim. — Continue! Preparem-se!
Nós colidimos contra a Anúbis. O nosso campo de força
desmorona quando colide contra o casco da Nave fazendo um som
de metal rangendo que faz meus ossos vibrarem. Mais incêndios
aparecem na plataforma da nossa Nave, faíscas piscando saindo dos
controles, que começam a explodir, Marina solta Nove para apagar
os incêndios jogando gelo neles.
A Anúbis continua sacudindo.
Está descendo.
Uma torre de fogo laranja sobe quando a Anúbis se choca com o
campo de força em torno da base da montanha, rebate e é jogada no
chão. Ela se joga através da floresta, cortando e quebrando tudo,
deixando uma enorme vala na terra por onde fez esse pouso
forçado.
— Os propulsores! - Adam grita. — Sam, precisamos ligar os
propulsores.
— Nave! Ativar propulsores! - Nada acontece. — Droga!
— Ella, estou tentando imaginar como é o mecanismo que ativa os
propulsores.
— É isso aí. Vamos fazer o mesmo truque que fizemos nas
Cataratas do Niágara.
— Pronto - Ella diz rapidamente. — Mandando para você, Sam.
— Ahh... agora sim. Propulsores! Nave, ativar os propulsores!
E funciona. A Nave realmente obedece.
Então estabilizamos no ar. Não caímos. O frio no meu estômago
se acalma.

313
UNIDOS SOMOS UM

E a tempestade lá fora continua intacta, nos escondendo, vejo


destroços flamejantes lá embaixo.
Todos aplaudem e sorriem. Marina me abraça. Nove faz o mesmo
e eu dou uma cotovelada no estômago dele.
Ainda não acabou.
Eu me viro para olhar para fora através da nossa janela quebrada.
Estamos pairando sobre a montanha, agora, estamos a poucas
centenas de metros do campo de força. Toda a área está iluminada
por trilhas de fogo deixadas pela Anúbis em seu pouso forçado.
Estou vendo eles revirando os destroços fora da entrada da caverna.
Uma legião de Mogadorianos, com seus canhões de energia
apontando para a nossa Nave.
Talvez seja minha imaginação, mas eu acho que esses babacas
estão morrendo de medo.

314
UNIDOS SOMOS UM

eu tento não olhar muito para o longo rastro de


destruição que a queda da Anúbis criou. Ainda há trabalho a ser feito,
mas a visão da Nave de guerra caindo aos pedaços na encosta da
montanha me dá uma emoção inegável.
Ainda invisível, voo por debaixo de um dos Escumadores que
sobreviveram à colisão entre as duas naves. Rapidamente crio uma onda
de gelo que congela os motores. A pequena nave cai como uma pedra, à
direita em relação a multidão de Mogs Nascidos artificialmente se
reunindo do lado de fora da entrada da base.
Por um momento, o céu se ilumina. Tenho que cuidar dos
Escumadores que não foram destruídos pela nossa nave.
Há uma explosão à minha direita. Os mogs lá embaixo não estão
felizes. Eles estão atirando com seus canhões de energia, e outros estão
usando o que parecem bazucas. Mas nada penetra o escudo de energia
da nossa nave.
Eles não estavam preparados para um ataque assim. Porque
estariam? O campo de força de sua base, sem mencionar suas armas de
energia potentes, são suficientes para repelir qualquer coisa que os
humanos poderiam tentar fazer contra eles.
O excesso de confiança pode causar sua morte.
Eu voo para trás do campo de força da nossa nave e pouso a bordo
novamente. Os outros estão me esperando na baía de pouso.
Estou encharcado da chuva e meu pescoço está sangrando. Os pontos
da Marina já se foram, enquanto eu usava minha visão-pedra para
derrubar Escumadores, voando ao redor dos projéteis de energia da dos
canhões da Anúbis e sendo empurrado pelas rajadas de vento criadas
pela Seis.

315
UNIDOS SOMOS UM

Seis parece quase tão acabada quanto eu. Seu cabelo está uma
bagunça, emaranhado em seu rosto como se ela tivesse saído de dentro
de um vendaval, e toda suada.
— Por enquanto está tudo bem - diz ela.
— A tempestade mais bonita que eu já vi - eu digo a ela.
Lexa já está sentada no assento do piloto da nossa Nave, Marina
segura uma espingarda. Adam senta-se na parte de trás, com um canhão
Mogadoriano em seu colo. Ele evita fazer contato visual comigo. Eu noto
um barulho vindo de sua roupa, e percebo que ele está com o Areal
transformado em um rato cinzento até que chegue a hora da luta.
Nove está de pé quase em frente de Adam, e Bernie Kosar vem
trotando atrás dele. Cinco segue Nove, mas para em frente a mim e Seis,
seu único olho olhando animado pro show de luzes lá fora.
— Vocês sabem que eles vão atirar em nós assim que voarmos para
fora daqui né - diz ele.
— Não se nós dermos algo mais para eles atirarem - eu digo.
Seis e eu empurramos Cinco pra fora da Nave, e fechamos a porta
imediatamente.
— Pronta? - eu pergunto a Lexa.
— Dê a ordem - ela responde.
Sam e Rex, estão manobrando nossa Nave de Guerra, que fica
posicionada de modo que as portas do compartimento de carga ficam
bem acima da horda de Mogs reunidos lá em baixo. Eles lotaram a área
em frente da entrada da montanha e continuam atirando, também não
podemos atirar enquanto o escudo estiver ativado. Eles já perceberam
que nosso escudo continua intacto, mesmo assim continuam tentando.
Acho que eles ficaram loucos por termos destruído a nave mãe deles.
— Tudo bem, todos que tem telecinese, empurrem esses
Escumadores pra saída do compartimento de carga - eu digo, indicando

316
UNIDOS SOMOS UM

as dezenas de Escumadores que desmontamos pra tirar peças. — Vamos


despejar tudo neles. Lexa—
— Usar a queda das naves como cobertura - ela termina minha frase.
— Entendi, John. Mas a queda não vai demorar mais de dez segundos.
Nove estrala os dedos ao fechar as mãos. — Estamos prontos.
Todos juntos, usamos a Telecinese para empurrar os Escumadores
desmontados portas a fora. Os Mogs lá embaixo talvez estejam
pensando que estão sendo bombardeados pelas suas próprias naves. Se
não fosse a noite, senão fosse todo esse caos que nós criamos, talvez os
Mogs conseguiriam distinguir a nave de Lexa da Nave de guerra deles.
Em vez disso, eles atiram em tudo, a escuridão brilha a cada projétil de
energia que eles atiram com seus canhões.
Mas dentro da Nave, tudo continua estranhamente em silêncio.
Por um momento estamos em queda livre. Todos nós seguramos em
algo ou encostamos perto do painel de controle.
Nossa Nave é atingida por alguns tiros de canhão, mas nada que
danifique a nave ou nos faça cair.
O primeiro dos Escumadores colide contra o campo de força da
montanha e explode logo acima dos Mogs. A explosão não atravessa, é
claro. Mas isso não impede que os mais estúpidos saiam correndo para
se esconder ou se abaixem. O campo de força parece ter sido incendiado,
é por esse calor que o atravessamos.
— Aqui vamos nós - diz Lexa.
Bem no último momento, nossa queda livre freia bruscamente a nível
do solo. Ela pousa nossa nave bem em cima de algumas dezenas de
Mogs, esmagando-os no chão. Agora que somos a única nave indefesa,
eles concentram seus tiros em nós. Nove chuta a rampa de saída,
abrindo-a.
— Vamos! - ele grita ao mesmo tempo em que atira com um canhão
de energia mogadoriano.

317
UNIDOS SOMOS UM

Cinco sai voando levando Seis e Adam, um em cada braço, para fora
da saída da nave. Eles ficam invisíveis antes de sair da Nave. Cinco
parece um inseto voador. Eu tenho que confira que ele vai levá-los ilesos
sobre essa massa de Mogs até a entrada da base.
Então, eu, Nove, Marina e BK lideramos o ataque de frente.
Nenhum de nós diz nada ao avançar em direção ao caos, á direita
centenas de Mogs estão prontos para nos matar. Não precisamos mais
discutir estratégia. Já fizemos isso antes.
Assim que descemos da rampa, Lexa decola com a Nave. Ela não voa
reto para cima. Em vez disso, ela vai decolando como um avião pela
horizontal derrubando a primeira onda de Mogs. Sou grato por isso.
Fogo dos canhões Mogadorianos queimam o ar que nos rodeia. Com
o caos criado pela partida de Lexa, pelas explosões aéreas e o fato de que
estão todos amontoados em frente á entrada da caverna, os Mogs
começam a tropeçar uns nos outros em confusão assim que correm
direto para nós. Mesmo assim, Nove e Marina não perdem tempo e
imediatamente os desarmam jogando suas armas pra longe. Logo,
começa a chover canhões, pois eles trazem os canhões de volta, e eles
acertam os Mogs pela cabeça.
Eu uso minha visão-pedra, pintando a linha de Mogs mais próxima
de nós. Assim que faço isso, Marina estilhaça as estátuas de Mogs
petrificados com colunas de gelo nascendo do chão. Seus corpos
quebram em cacos quando Nove usa sua telecinese para jogá-los uns nos
outros. Estamos cercados por uma chuva de meteoros formados pelos
Mogs petrificados que Nove quebrou e jogou pra cima. Os detritos nos
dão cobertura, desviando a atenção deles e seus tiros de canhão
também.
Alguns Píkens estão espalhados na multidão de Mogs. As grandes
bestas parecem estar confusas e acabam pisoteando alguns Nascidos
artificialmente. Imponentes com seus corpos musculosos, eles parecem
uma mistura de um gorila e um boi, com presas, garras, e pele cinza com

318
UNIDOS SOMOS UM

pelo espetado, lembro-me de quando esses monstros costumavam me


aterrorizar. Lembro de Paradise, quando apenas um Píken furioso
destruiu nossa escola e quase nos matou.
Agora, não me aterrorizam mais, eu defendo o meu espaço.
Estendo ambas as mãos e um jato de fogo atinge o Píken mais
próximo. Ele começa a cozinhar, todo o seu corpo enorme envolto em
chamas, ele grita. Eu o pego com minha telecinese e o lanço na Multidão
de Mogs, esmagando alguns antes que a besta se desintegre totalmente.
Bernie Kosar pega o segundo Píken. Meu velho amigo está em uma de
suas formas preferidas: Asas poderosas, o corpo de um leão, uma cabeça
de águia, um grifo da mitologia grega. Com a ponta de suas asas, ele fica
sobre o Píken, então seu bico esmaga a coluna vertebral do Píken.
Outro Píken ataca Marina. Nove corre entre eles e dá vários socos no
focinho do Píken. Ele agarra a parte inferior da mandíbula da fera,
arrancando a cabeça antes de jogá-lo para o lado. No braço esculpido de
Nove aparecem alguns arranhões, mas Marina rapidamente o cura.
Eu lanço bolas de fogo nos Mogs. Quando os tiros de canhões ficam
intensos, eu crio novas estátuas com minha visão-pedra. Seguimos em
frente, ganhando terreno. Os Mogs começam a recuar em direção à
entrada da caverna.
Mas não dura muito tempo. Cinco aparece atrás deles, seu corpo
completamente de aço, segurando um canhão em uma mão e brandindo
uma espada na outra. Ele acerta um Mog por trás antes de levantar voo.
Com uma alegria de causar pânico, Cinco parece uma bala de canhão na
direção dos Mogs, esmagando vários debaixo de seus pés, esfaqueando
outros ao redor dele, e em seguida voa novamente para repetir o
processo.
— John - uma voz calma em minha mente, que me tranquiliza de toda
essa loucura ao meu redor. É Ella. — Seis disse que os escudos estão
desativados.

319
UNIDOS SOMOS UM

Eu olho em volta. Já reduzimos pela metade o número de Mogs aqui


fora, mas ainda há muito para ser feito. Eu tenho queimaduras de
canhão em meus braços e no peito que curo rapidamente. Nove e Marina
também param rapidamente às vezes para se curar. Cinco é a única
pessoa que acho que ficaria feliz por destruir Mogadorianos pelo resto
da noite. Mas não há tempo para isso.
— Marina - eu a alcanço telepaticamente. Faça um iglu.
Marina reage imediatamente. Ela cria uma cúpula de gelo sobre ela e
Nove, espessa e resistente. Assim que ele é criado, eu acerto a estrutura
com minha visão-pedra, transformando-o de gelo para granito maciço.
Então eu corro e me junto a eles debaixo do iglu. BK também vem. Cinco
vê o que estamos fazendo e sorri. Em vez de vir para cá, ele
simplesmente voa graciosamente no calor da batalha. Mogs correm em
nossa direção, mas Marina e eu rapidamente fechamos a entrada.
— Um bunker de sorvete - Nove comenta no escuro.
— Abrir fogo - eu digo a Ella.
Nós quatro cambaleamos dentro do iglu de pedra quando a nossa
Nave começa a bombardear os Mogs que nos rodeiam. O chão treme, o
ar fica quente o suficiente para que Marina comece a gerar um campo de
frio para nos impedir de ferver aqui dentro. Rachaduras se formam em
nosso Bunker improvisado, pedaços caem em nossa cabeça, mas
rapidamente a fecho com minha visão-pedra.
Leva apenas cerca de trinta segundos.
Quando o tiroteio para, nove abre a porta do iglu de pedra com sua
telecinese. Lá fora, o chão está completamente queimado, nuvens
grossas de poeira no ar, e pedaços retorcidos de canhões Mogadorianos
derretidos no chão.
A entrada para a base da montanha está livre.
Cinco pigarreia alegoricamente acima de nós. — Não ficaram muitos
deles lá dentro - diz ele com um sorriso enlouquecido.

320
UNIDOS SOMOS UM

— Eles entraram em pânico quando derrubamos a Anúbis e correram


para fora para defender seu Amado Líder.
— Você o viu? - pergunto. — Algum sinal de Setrákus Ra?
Ele balança a cabeça. — Provavelmente escondido nos túneis mais
profundos.
Enfim temos um momento para recuperar o fôlego, em seguida
avançamos para dentro do complexo mogadoriano. O lugar está do jeito
que me lembro. As paredes de pedra cinza polidas, com um condutor de
energia ou lâmpadas de halogêneo a cada vinte metros. O ar aqui está
frio, o sistema de ventilação está no máximo. À nossa esquerda, há uma
escadaria esculpida na rocha que leva até onde ficam as salas de
experimentos.
Ele está esperando por nós lá. Eu sei disso.
Um punhado de Nascidos artificialmente correm em nossa direção do
lado de fora. Retardatários que perderam a luta real. Eu lanço uma bola
de fogo, e eles parecem ter sido imaginação minha.
Não há nenhum sinal de Seis e Adam ainda.
— O que estamos esperando? - Cinco resmunga. Ele e nove correm
na frente, em direção ao túnel, competindo quem chega primeiro.
Marina e BK ficam ao meu lado.
— Seis disse para esperar um minuto - a voz de Ella em minha mente.
— Há algum problema? - eu pergunto a Ella. Estou prestes a alcançar
Seis telepaticamente eu mesmo, para descobrir o que está atrasando-a,
quando um grito estridente e aflito chama minha atenção na entrada do
túnel.
— É o Nove - Marina diz, alarmada.
Corremos para a frente e descemos pelo túnel, BK nos segue, o túnel
vai se estreitando. Nove e Cinco tão ansiosos por mais combate e para
mostrar quem é melhor, se afastaram muito de nós. Á medida que
avançamos, o ar fica úmido e sufocante, cheiro de carne podre e de
gasolina.

321
UNIDOS SOMOS UM

Depois de passarmos a toda a velocidade pelo átrio, Marina e eu


chegamos ao centro da caverna. Aqui, as paredes rochosas em espiral
ascendem ao longo dos túneis, passando por dezenas deles, pontes de
pedra arqueadas permitem atravessar de um túnel para outro. Duas
enormes colunas sobem do chão ao teto. Da última vez que estive aqui,
me lembro como esse lugar era cheio de Mogadorianos, a estrutura me
fez lembrar uma colmeia cheia de Mogs. Agora, o lugar é tudo menos
vazio.
O túnel termina a setecentos metros, e de lá é possível ver o grande
lago cheio do liquido Mogadoriano escuro. Lembro-me que o liquido era
verde a última vez que estive aqui, mas isso foi antes de Setrákus Ra
chegar na Terra e realmente colocar seus experimentos para funcionar.
Há máquinas lá agora, que se parecem com torres de petróleo,
trabalhando no liquido preto. Mesmo daqui de cima, ocasionalmente
vejo faíscas azuis de energia Lórica dentro das bolhas, mas rapidamente,
elas desaparecem.
— Não - Marina grita, agarrando meu braço.
Nove está caído na ponte abaixo da nossa, com as mãos no rosto.
Marina me abraço e voamos até ele.
— A coisa saiu do nada - ele rosna. Um lado do rosto está queimado e
rachado, como se tivesse sido banhado com produtos químicos, as
mechas de cabelo do lado do rosto que está queimado ficaram brancas.
Rapidamente, Marina pressiona a mão contra a bochecha de Nove e
começa a curá-lo.
— Onde?
Nem preciso terminar minha pergunta. Vejo eles, flutuando no ar
bem abaixo da ponte em que estamos. Cinco voa e esquiva-se como uma
mosca, tentando se livrar de um Mogadoriano nascido naturalmente,
definitivamente um dos melhorados, que também pode voar. Parece um
fantasma, sua forma indefinida, com tufos do que parecem ser sombras
arrastando-se ao redor se seu corpo.

322
UNIDOS SOMOS UM

Eu pulo para fora da ponte e voo para baixo para ajudar Cinco. BK me
segue, de volta a sua forma de Grifo. Eu rapidamente olho pelo meu
ombro e vejo Nove, curado, correndo, usando seu legado antigravidade
para correr pelas paredes. Marina se agarra a ele pelas costas.
Quando chego mais perto, dou uma olhada nesse melhorado Toda a
sua parte inferior do corpo está faltando. Da cintura para baixo, não há
nada, ele parece ser feito de algo semi-sólido. Seus membros balançam
e o impulsionam no ar. Sua mandíbula e boa parte do tórax também
estão faltando. Parece que ele não consegue parar de gritar, um spray
verde ácido espuma pela sua boca. Deve ter sido isso que queimou Nove,
é o que está atormentando o Cinco, o spray de ácido atravessou até
mesmo sua pele revestida de metal.
O melhorado não me vê chegando. Ele está prestes a dar mais um
passo na direção de Cinco quando eu bato nele a toda velocidade com os
dois pés nas costas dele. Eu o acerto e jogo duzentos metros abaixo,
sobre uma ponte, onde ele se esmaga e faz um som de algo molhado
sendo quebrado, e para de se mover.
Cinco aterrissa perto de mim, e sem compaixão, enfia a lâmina na
parte de trás da cabeça do melhorado já morto. Para ter certeza, eu acho.
Ele olha para mim; e, pela primeira vez, eu acho que vejo Cinco
assustado.
— Você viu aquilo? - ele me pergunta.
— Vi sim.
— Porque...? - ele balança a cabeça. — Ele prometeu aos Mogs, ele
me prometeu, novos Legados. Mas quem iria querer algo assim?
Balanço a cabeça e me aproximo de Cinco, toco seus braços e ombros
para curá-los. Ele se afasta de mim por um momento, mas então se
acalma e me deixa curá-lo.
— Ele é um louco, Cinco - eu digo. — Você foi criado por um louco.
— Ele tem que morrer - ele diz.

323
UNIDOS SOMOS UM

— Finalmente, concordamos em alguma coisa - Nove diz, saltando da


parede para o chão. Marina desce de suas costas e observa o melhorado
que matamos.
— É uma abominação - ela diz. — Ele transformou a energia de
Lorien em algo...alguma coisa... - Marina cobre a boca com as costas da
mão e vai embora. Ela se aproxima do túnel mais próximo, onde ela para
imediatamente. — Ah... Meu Deus.
Nós todos corremos para perto dela.
É o cheiro que nos alcança primeiro. O odor podre, o cheiro de algo
abominável, fez até o calor infernal daqui de baixo parecer melhor,
estamos perto do tanque com o liquido preto.
Os corpos estão empilhados neste túnel. Alguns deles têm o cabelo
escuro e a pele pálida Mogadoriana, deformados, seus membros frágeis
se deterioraram, e o que restou está empoeirado. Outros são
inconfundivelmente humanos. Parecem ter sido drenados, sua pele está
cinza e enrugada, veias negras secas visíveis debaixo da pele. Parece que
a vitalidade deles foi sugada para fora. Uma olhada mais de perto revela
que, apesar de suas aparências encolhidas, os corpos humanos são
exclusivamente adolescentes.
Lembro-me de Lawson e contando como os Russos estavam
entregando suspeitos Garde-Humanos aos Mogadorianos, então eu
percebo. Estes eram dos nossos. Os Garde-Humanos que foram
rastreados e entregues pelo povo de seu país. Ele arrancou a faísca Lórica
para fora deles.
Olhando para isso, inconscientemente, meu punhal Voron brilha.
Uma energia vermelha intensa agora. Ao vê-lo em minha mão, Nove dá
um passo pra trás.
— Cuidado com essa coisa, Johnny - diz ele. Seus olhos estão cheios
de lágrimas ao ver os corpos. Marina cobre o rosto. Cinco simplesmente
olha.

324
UNIDOS SOMOS UM

Eu carreguei o punhal com Dreynen, sem perceber. Quando falei com


Ella, fiquei preocupado de não conseguir usar bem meu Ximic para
copiar esse poder pois ele parece tão desnatural. Mas não, eu nunca seria
capaz de tirar os Legados de alguém a menos que seja tão mal quanto
Setrákus Ra.
Então vou para a beira da ponte e grito.
— SETRÁKUS RA!
Há um estrondo muito forte. Pó cai do teto. Parece que a própria terra
se moveu. Não sei se foi eu com meu grito ou alguma outra coisa que fez
isso.
Mas não me importo. Porque vejo movimento lá embaixo. No meio
do lago de liquido Mogadoriano.
Setrákus Ra emerge da lama oleosa, levantando-se das profundezas.
Os vermes que nadavam ali deslizam em sua pele procurando abrigo. Ele
veste a armadura Mogadoriana preta e vermelha, que eu já vi antes, toda
enfeitada e vistosa, com uma capa preta pregada em seus ombros. Sua
cabeça inchada, pálida, revestida com cerdas grossas de cabelo escuro.
Isso é novo. Ele não parece tão jovem, mas também não está tão velho.
Parece que até a cicatriz roxa em torno de seu pescoço começou a
desaparecer. Ele está mais jovem, na forma mais saudável que já o vi. Ele
flutua com as mãos abertas parecendo um líder de torcida.
Ele estica o pescoço para olhar para nós e sorri. — Sejam bem-vindos
- ele diz. Percebendo que vimos o que tinha no túnel, ele baixa os olhos
e franze a testa, um tom irônico em sua face. — Por favor, não se
ofendam por causa daqueles fracassados. Eles não estavam aptos para
receber meus presentes. Assim como vocês, eles não estavam prontos
para o Progresso Mogadoriano.
Chega de malditas palavras.
Eu lanço uma bola de fogo nele. Não esperava que fosse atingi-lo; só
esperava que servisse de distração. Então eu voo para frente, tão rápido
quanto posso. Atrás de mim sinto os outros avançando também. É isso.

325
UNIDOS SOMOS UM

Matar ou morrer.
Setrákus Ra levanta a mão, e uma nuvem de liquido em forma de
escudo se estende em frente sua mão. Minha bola de fogo é absorvida.
Não importa.
Com ele distraído, eu arremesso meu punhal nele. E uso minha
telecinese para aumentar a velocidade.
A lâmina se enterra em seu ombro, perfurando direto através de sua
armadura. Uma ferida que ele não conseguirá curar graças ao Voron, que
estava carregada com meu Dreynen.
Mas, pareceu muito fácil. Quase como se ele quisesse que eu o
acertasse.
— Muito bem, John - Setrákus Ra diz presunçosamente. — Você já
domina o Dreynen.
Nada acontece. Ele ainda flutua. Ele ainda sorri.
— Você tirou minha conexão com Lorien. Não serei capaz de tirar
seus Legados - Setrákus Ra diz. — Não importa.
Setrákus Ra arranca a Adaga Voron de seu ombro e a joga de volta
para mim. Eu voo para o lado, e atrás de mim, Nove segura a Adaga com
sua telecinese.
— Sou superior agora. Estou além de míseros Legados. Seus poderes
vêm de um ser primitivo, aleatoriamente, sem razão nenhuma. Meus
experimentos me permitem escolher, sem ser limitado pela vontade de
uma entidade externa, posso usar minha imaginação. Que, aqui entre
nós, é impressionante.
A ferida no ombro não cicatriza. Em vez disso, ela se enche de liquido
preto.
Eu mal acabo de processar isso, e enfurecido me impulsiono para a
frente. Se o Dreynen não funcionou, há outro jeito.
Força bruta.
Eu acerto Setrákus Ra com meu ombro. Ele mal se move, rapidamente
aciono meu Lúmen, meus punhos jorram chamas incandescentes, dou

326
UNIDOS SOMOS UM

um soco, dois socos, três socos. Mas ele move apenas a cabeça para o
lado para desviar, com uma velocidade impossível.
Ele segura meu próximo soco. Sinto o cheiro de carne queimada
quando a mão dele cobre a minha. Ele parece nem ter notado.
— Depois de todos estes anos - Setrákus Ra diz, estamos cara a cara
agora. — Você ainda não entendeu?
Cinco chega rapidamente por trás de Setrákus Ra e começa esfaqueá-
lo nas costas. Ele atravessa sua lâmina afiada através da garganta de
Setrákus Ra, e vai rasgando-a até a bochecha.
Cada ferida é rapidamente preenchida pelo liquido preto.
O braço livre de Setrákus Ra gira em 180 graus. Sua mão vira como se
ele fosse completamente articulado, e sem se afastar de mim, agarra o
Cinco pela garganta. Agora ele está segurando a nós dois.
— Você nunca poderia me vencer - Setrákus Ra termina seu
pensamento. — Vocês todos só foram enviados aqui para morrer.
Então ele esmaga minha mão. Sinto cada músculo, cada junta ficar
compactada. A dor é insuportável. Ele me joga para longe dele com tanta
força que perco o controle do meu voo. Felizmente, Nove salta no ar e
me pega pela cintura. Marina se posiciona e cria um bloco de gelo sobre
o lago de liquido negro onde eu e Nove pousamos em segurança.
Nove olha para mim, com os olhos arregalados. — John, o quê... O
que diabos são esses poderes?
Eu engulo seco, tentando curar rapidamente minha mão, faço uma
careta quando os ossos esmagados voltam ao lugar. — Eu não sei.
Enquanto isso, Setrákus Ra balança o braço, que volta a posição
normal, ainda segurando cinco pelo pescoço. Cinco parou de esfaqueá-
lo e está tentando desesperadamente abrir os dedos de Setrákus Ra.
— Você - diz Setrákus Ra. — Uma das minhas maiores decepções. O
poder que eu poderia ter dado a você, rapaz...

327
UNIDOS SOMOS UM

Setrákus Ra levanta a mão. As pontas de seus dedos brilham, em cada


um aparece uma garra afiada. Ele quer que vejamos isso. Ele está
brincando com a gente.
Eu puxo Cinco com minha Telecinese. Sinto Marina e Nove fazendo
o mesmo. Mas não somos fortes o suficiente para libertá-lo da mão de
Setrákus Ra.
Há um som de metal sendo arranhado, e em seguida Cinco começa a
gritar. Setrákus Ra arrasta os dedos com as garras no rosto de Cinco,
cortando a pele de aço como se fosse manteiga. Então ele descasca, como
se tirasse uma máscara, e joga o pedaço de metal do rosto dele no chão.
Cinco não grita mais. Não sei se ele está inconsciente ou se está vivo.
— Vou te mostrar o que você perdeu, traidor - diz Setrákus Ra.
O braço de Setrákus Ra se estica como se fosse de borracha, e ele joga
Cinco no lago com o liquido Mogadoriano escuro. Agora Cinco se debate,
sua pele muda a consistência, assumindo a qualidade oleosa do liquido.
Enquanto observo, pedaços de energia azul claro são sugados para fora
de Cinco e arrastados para dentro do liquido.
Leva alguns segundos e ele para de se mover. Setrákus Ra deixa ele
afundar. Eu toco meu tornozelo, mas não há nenhuma nova cicatriz. Ou
Cinco ainda está vivo, ou quando Setrákus Ra arrancou aquela energia
que concedia seus Legados, o encanto não o reconhece mais.
Uma única bolha aparece na superfície do lago, mas ele permanece
preto. Não tem como alguém sobreviver isso.
Setrákus Ra se vira para nós. Então sorri.
— Vocês, crianças nunca deveriam ter durado tanto tempo - diz ele.
— Vou resolver essa discrepância.

328
UNIDOS SOMOS UM

329
UNIDOS SOMOS UM

quando conseguimos chegar na sala de controle da


na Montanha, encontramos apenas seis Mogs, deixados sozinhos
em um espaço que poderia caber cinco vezes mais deles. Eles
permanecem colados a um grupo de monitores instalados na parede
da sala, olham atentamente para as telas que mostrar o exterior da
base. Nessas telas, nossos amigos lá fora estão detonando os muitos
nascidos artificialmente que protegem a entrada para a montanha.
Adam e eu permanecemos invisíveis. Os seis mogs aqui não nos
ouviram entrar. Eu aperto o braço de Adam, para saber se ele está
pronto para acabar com esse grupo de mogs. Ele dá um tapinha leve
na minha mão duas vezes. Pedindo para mim esperar.
Olhando mais de perto, percebo que esses seis Mogs são
nascidos naturalmente. Cada um tem um canhão no colo, mas eles
não parecem estar olhando tudo ansiosos para entrar na briga.

330
UNIDOS SOMOS UM

Um nascido naturalmente de cabelo moicano idiota diz algo em


Mogadoriano a uma nascida naturalmente com longas tranças. Ela
se vira para ele. Eles começam a discutir. Os outros se juntam a eles.
De repente, o Moicano aponta seu canhão paro rosto da Mog de
tranças. Ela faz o mesmo. Rapidamente, estão todos apontando
armas uns pros outros, ainda gritando palavras ásperas em
mogadoriano.
É uma situação tensa, que estou feliz de presenciar.
Com a minha telecinese, eu pressiono o gatilho de um dos
canhões, depois de outro. Os outros quatro fazem isso sozinhos,
gritando de raiva e atirando uns nos outros. Em questão de
segundos, todos estão mortos. Alguns começam a se desintegrar
parcialmente.
Eu solto o braço de Adam, e ficamos visíveis. Ele incha as
bochechas num suspiro, olhando pros nascidos naturalmente
mortos, como se estivesse decepcionado, e em seguida, começa a
procurar no painel os controles que operam o campo de força da
montanha.
— Porque eles estavam brigando? - pergunto. Assim como
aqueles Mogs que se mataram, meus olhos são atraídos pro calor da
batalha que aparece nas telas.
— Aquele Mog de moicano queria saber como isso poderia
acontecer. Ele queria saber porque seu Amado Líder permitiria que
a Anúbis caísse, porque ele deixou a Garde chegar até aqui - Adam
explica. — A mulher, ela disse que Setrákus Ra ficou louco, que seus
experimentos o deixaram perturbado. Os outros chamaram isso de
blasfêmia e... - Adam acena com a mão no ar, indicando que eu já
sei o resto da história.
— Huum - eu respondo, olhando para a mulher Mog. Ao contrário
dos outros, ela não se desintegrou parcialmente. Eu toco nela com
meu dedo do pé, e sua cabeça vira pro lado. É estranho para mim

331
UNIDOS SOMOS UM

quando eles deixam corpos. Me faz sentir algo quase como se fosse
culpa. — Talvez devêssemos ter ajudado ela.
Adam balança a cabeça. — Ela tentaria nos matar - ele responde.
— Rex não fez isso.
— Se houver outros Mogadorianos simpáticos como o Rex, não
vamos encontrá-los no calor da batalha - Adam responde.
Adam encontra a inteface à direita e começa a apertar alguns
botões. Um símbolo pisca em sua tela exibindo um aviso no idioma
Mog. Ele faz um barulho irritante como se fosse um chaveiro.
— Eu tenho que passar por um protocolo de segurança - diz ele.
— Veja se há um cartão chave em um desses corpos.
Rapidamente eu revisto os uniformes Mogadorianos. Eu encontro
um chip de plástico no bolso da frente da primeira nascidos
naturalmente que verifico, assopro um pouco de pó e entrego o chip
a Adam.
— Ótimo - ele diz. Ele insere o chip, puxa uma alavanca, e
segundos depois há um som elétrico alto. Adam vira para mim, —
Escudos desativados.
— Impressionante - eu respondo. Sinto cócegas em minha mente,
como se por um momento alguém estivesse ocupando espaço em
meu cérebro. É Ella nos observando. Ela provavelmente já relatou
nosso progresso pro John. Eu bato palmas. — Vamos acabar com
isso.
— Espere - Adam diz hesitante. — Há algo que eu preciso te dizer
antes, antes que seja tarde demais.
Eu coço a cabeça. — Agora?
Adam balança a cabeça, os lábios se apertam. — John me pediu
para voltar à nossa Nave e destruir essa montanha. Se vocês não
conseguirem derrotar Setrákus Ra ele quer que eu destrua tudo,
mesmo se vocês não conseguirem sair a tempo.
Penso nisso por um momento. — Tudo bem. O que mais?

332
UNIDOS SOMOS UM

— O que mais? - ele responde, incrédulo.


— Sim, e daí? Se não matarmos Setrákus Ra, então nós
morreremos de qualquer jeito, certo? - balanço os ombros. — Faça
o que o John te disse.
— Que tal viver para lutar mais uma vez?
— Eu acho que não haverá outro dia, não acha? É hora de acabar
com isso, de uma forma ou de outra.
Antes que Adam tenha mais protestos a fazer, somos
interrompidos por um flash de luz nos monitores. Nós dois nos
viramos para ver como a nossa Nave de guerra abre fogo em cima
dos mogs lá fora, John e os outros estão escondidos em segurança
no que parece ser uma concha de tartaruga feita de pedra.
— Eles vão chegar aqui logo - eu digo. — Vamos lá recebê-los.
Minha sentença termina com uma tosse úmida. Olho para mim,
intrigada com uma dor súbita no peito.
Há um tentáculo afiado com liquido mogadoriano saindo de
debaixo do meu peito esquerdo. Foi nas costas, entre as omoplatas.
Eu posso sentir algo, uma coceira queimando dentro de mim. Perdi
um pulmão, provavelmente. Minha respiração foge de mim, sangue
em meus lábios.
— Oohh - é tudo o que consigo dizer.
— Seis! - Adam grita.
— Ah, como eu esperava que fosse vocês dois - diz uma voz
familiar atrás de mim.
Eu viro a cabeça, porque não consigo mover o resto do meu
corpo, empalado por um tentáculo. Phiri Dun-Ra está na entrada da
sala de controle. O experimento nela é como John descreveu: Há
uma maça doentia se contorcendo no que parece ser uma gosma
negra que está ligada em seu ombro, onde seu braço deveria estar.
Ela me matou. Não acredito nisso.

333
UNIDOS SOMOS UM

Areal age rápido. Ele corre para longe de Adam, sua forma de
lobo se completa, o pelo cinza eriçado, costas musculosas, dentes
rangendo. Ele acerta Phiri Dun-Ra com suas patas dianteiras
enormes, e pula. Seus dentes quase se fecham no rosto de Phiri
Dun-Ra, mas ela consegue inclinar a cabeça para trás, apenas o
suficiente para escapar da morte um de seus tentáculos se enrola em
Areal, e o amordaça. Os outros tentáculos começam a penetrar o
corpo de Areal. Ainda assim, a Chimaera luta, arranhando-a e
pressionando seu peso em cima dela.
Logo que Areal a ataca, o tentáculo da Phiri sai de mim. Eu
provavelmente cairia se Adam não me pegasse. Ele aperta a mão
contra minha ferida, me ajudando a encostar na parede. Meu sangue
forma bolhas em sua mão, e eu posso dizer pelo pânico nos olhos
dele que eu não pareço nada bem.
— Seis, precisamos ir até Marina ou John—
Adam é interrompido por um grito, e, em seguida, um peso
pesado se choca contra nós dois. É Areal, foi jogado longe por
aquela doente Phiri Dun-Ra. A pele dele está encharcada de sangue,
os buracos feitos pelos tentáculos de Phiri diminuem quando ele
diminui sua forma. Ele tenta ficar de pé, mas nem consegue mexer
as pernas. Os olhos escuros de Areal se fixam em Adam quando ele
se ajoelha ao seu lado, choraminga uma vez, e em seguida seus
olhos param.
Adam grita.
Phiri Dun-Ra está de pé, o rosto e o peito coberto de marcas das
garras de Areal. Adam pega seu canhão e atira. Ele acerta ela uma
vez no peito, mas os próximos dois tiros são absorvidos por seus
tentáculos. Ela se abaixa e corre para trás alcançando a porta,
correndo para se esconder.
“Seis!” - é a voz de Ella na minha mente. “Estou enviando os outros
para ajudar você!”

334
UNIDOS SOMOS UM

“Não!” - eu penso de volta, forçando-me a ficar de pé. “Eu estou


bem. Diga a eles para se concentrarem no ataque a Setrákus Ra.”
“Mas...”
Imagino Phiri Dun-Ra tomando o controle dos meus Legados, ou
dos de Adam, usando-os para atacar os nossos amigos, ou até matá-
los. Eu penso nas ordens secretas de John pro Adam, como ele
deveria destruir a montanha se algo der errado. Eu penso em
quando Ella saltou dentro de uma coluna de energia lorica porque
ela sabia que isso nos ajudaria a derrotar Setrákus Ra.
Prioridades. Sacrifícios.
Vamos acabar com Phiri Dun-Ra aqui e agora. Não quero que os
outros tenham alguma surpresa pegando-os desprevenidos.
Eu cambaleio em meus pés, mesmo não sendo fácil. Quanto tento
tomar uma respiração profunda, a resposta do meu corpo é encher
meu peito com uma dor aguda. Parece que tenho algo no meu lado
esquerdo me dizendo para parar. Mas ainda posso lutar, mesmo
desse jeito.
Eu tenho que lutar.
Cubro minha ferida com uma das mãos o melhor que posso e
cambaleio atrás de Adam. Ele já foi pro corredor, furioso,
perseguindo Phiri Dun-Ra. Ele aperta o gatilho do canhão umas duas
vezes. Ela salta, seu tentáculo a envolve e protege do ataque de
Adam. Então ela salta na direção de Adam.
Phiri Dun-Ra chuta o desintegrador da mão de Adam. Antes que
ela possa perfurá-lo com seus tentáculos, eu a empurro com minha
telecinese e a jogo na parede. Mantenho ela presa lá, um peso
telecinético contra o peito. Os músculos de seu pescoço
aparecendo, ela tenta se soltar, mas não deixo.
— Seis, você... - Adam parece surpreso ao me ver de pé, como se
ele estivesse prestes a me repreender por voltar à batalha. Eu tento
engolir minha respiração, mantendo meu aperto telecinético em

335
UNIDOS SOMOS UM

Phiri e sinto que estou a ponto de vomitar. Me inclino contra a porta


da sala de controle.
— Eu estou bem - digo bem baixo. — Acabe com ela.
Adam se aproxima de Phiri, e claro, ela começa a falar.
— Não te incomoda estar do lado perdedor Sutekh? - Phiri
pergunta, um desespero agudo em sua voz.
— Então isto é o que significa vencer para você, Phiri? - Adam
responde secamente, pegando seu canhão.
Phiri continua, com medo. — Quanto estas batalhas forem
adicionadas ao Grande Livro, você vai ser um conto pervertido, algo
a evitar, vai ser uma nota de rodapé, seu traidor...
— Cale-se já! - eu digo.
Ela se esforça contra minha Telecinese, sem sucesso, nem mesmo
seus tentáculos conseguem libertá-la, inutilmente se contorcendo,
mas apenas contra a parede. Ao contrário do que aconteceu lá no
México, Marina não está por perto para nos impedir de matar essa
cadela. Depois do que ela fez com John, Areal, com todos em
Patience Creek, eu não acho que Marina tentaria nos impedir
mesmo que estivesse aqui.
Ouço o som de um canhão disparar, interrompendo os apelos de
Phiri Dun-Ra.
Minhas costas queimam.
Phiri Dun-Ra ri descaradamente.
Adam olha para trás, seus olhos arregalados.
Eu olho para trás de mim. Vejo a mulher nascida naturalmente
com tranças, a que eu achei que estava morta, sentada no chão.
Ela me deu um tiro nas costas.
Adam atira na cabeça dela, dessa vez ela já era.
Mas a dor surpreendente que senti foi o suficiente. Por um breve
momento, perdi meu controle sobre Phiri Dun-Ra.

336
UNIDOS SOMOS UM

Seus tentáculos atacam. Dois deles mergulham direto no a


abdômen de Adam, e ele imediatamente se dobra. O outro tateia por
mim, mas eu me jogo para trás, para a sala de controle, evitando-a.
Mesmo com toda a dor que estou sentindo, tento agarrar Phiri Dun-
Ra com minha telecinese.
Ela pisa no chão e um tremor sísmico me joga para trás, e bato
com força contra o metal de um dos computadores.
Ouço um gemido perto de nós, vejo o que parecem pedras
antigas se aproximando umas das outras. Eu tusso e sangue voa pro
chão.
Phiri Dun-Ra está alegre. — Surpreendente! Eu não tinha certeza
se você também possuía a faísca lorica dentro de você Adamus.
Pensei que você fosse simplesmente um experimento, logo, um
experimento fracassado. Phiri prova os lábios, como se tentasse
descobrir o que é que ela está degustando. — Mas você é realmente
como eles! Será que saber que era especial vai fazer você morrer
feliz? Sabendo que é o pior de dois mundos?
Adam pende nos tentáculos de Phiri. Eu posso ver faíscas de
energia lorica piscando através da massa oleosa de seu membro
mortal, ela tirou isso de Adam com aquele maldito tentáculo. Tento
me esforçar, mas meus braços não se mexem.
Lentamente, Adam levanta a cabeça, jogando o cabelo escuro
que estavam em frente aos seus olhos. Ele olha para Phiri Dun-Ra.
— Eu sou como eles - diz ele com os dentes cerrados. — Mas eu
também sou como você!
Adam mergulha as mãos na gosma preta dos tentáculos. Ambos
suspiram, ela em choque, ele em dor, a gosma se funde em suas
mãos. Ele puxa para trás, e o tentáculo começa a rasgar-se para fora
do ombro dela, rasgando a conexão dela com Adam. O liquido deve
reconhecer sua genética Mogadoriana. A substância doente está

337
UNIDOS SOMOS UM

emaranhada entre os dois. O fluxo de energia lorica que ia de Adam


a Phiri se interrompe.
— O que...? - ela começa a dizer, os olhos arregalados.
Adam pisa no chão. Um tremor forte se espalha a partir dele.
O estrondo resultante é ensurdecedor. O chão da caverna se
abre. Pedras caem do teto. Um abismo se abre entre os dois
Mogadorianos. Phiri Dun-Ra tenta recuar, tenta apalpar a borda com
os braços, seus tentáculos. Mas Adam está controlando-os.
Os dois caem na escuridão.
— Adam! - eu grito. Apesar da forte dor em meu peito quase me
cegar, eu me aproximo da borda da cratera recém-criada. Estendo a
mão com minha telecinese.
Muito tarde. Não há nada mais do que sombras lá em baixo.
Ele se foi.
— Adam... - eu digo, minhas mãos penduradas pro abismo,
pingando sangue nas rochas na beirada.

338
UNIDOS SOMOS UM

tudo.
Tudo o que eu tenho, eu jogo nele.
Primeiro, meu Lúmen. Meu filho mais velho, o Legado mais confiável.
Eu voo para fora do bloco de gelo que Marina fez, deixo Nove lá atrás e
lanço duas torrentes de fogo em Setrákus Ra. Sua capa estúpida infama,
sua armadura aquece a vermelho vibrante. Eu vejo bolhas em sua pele
pálida, que descasca, mas num piscar de olhos, é quase curada pelas
artérias de logo negro que circula em seu corpo.
Ele nem sequer parece incomodado pelo meu ataque. É como se ele
não sentisse dor. Ele simplesmente flutua cima de seu lago de lama
negra, olhando para baixo, um sorriso irritante em seu rosto.
— Isso é o melhor que você pode fazer? - ele pergunta.
Setrákus Ra voa em minha direção a uma velocidade que eu não
poderia duplicar e me dá um soco direto no esterno. Há pontas afiadas
que crescem para fora de seus dedos, que não estavam lá um segundo
atrás, e eu ouço minhas costelas quebrarem. Fui jogado para trás sobre
um bloco rochoso, derrapando até parar em meus cotovelos.
Imediatamente, eu começo a curar minhas costelas quebradas.

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UNIDOS SOMOS UM

Vejo a necessidade de manter minha cura tão rápida quanto os


ataques dele, e espero que eu possa descobrir uma maneira de sobreviver
a ele.
Com um rugido, Bernie Kosar voa para Setrákus Ra. Em sua forma de
grifo, ele é um oponente formidável, mesmo que Setrákus Ra se mova
em sua super velocidade. Talvez uma boa mordida faça a diferença.
BK nem chega perto dele.
Setrákus Ra levanta a mão, e o lodo do lago sobe em torno de BK. Ele
forma uma gaiola sobre ele, como se ele tivesse fugido do zoológico, as
barras feitas de puro lodo negro. Mesmo mordendo, BK não consegue
se libertar. Lentamente, a gaiola começa a se contrair em torno dele,
forçando-o a se transformar em algo menor para não ser esmagado.
— Eu nunca pude terminar meu trabalho com os Chimerae - diz
Setrákus Ra, observando enquanto o lodo engole BK. — Obrigado por
me trazer um.
A gaiola para de se contrair quando BK se transforma num Beagle. BK
tenta ficar menor para passar entre as barras, mas a coisa toda se sela
instantaneamente como um casulo. Não consigo mais vê-lo. BK flutua
dentro de uma bolha sólida acima do lago de lodo negro.
Pelo menos, consigo ouvir ele, Setrákus Ra não vai matá-lo por
enquanto.
Não se pode dizer o mesmo sobre o resto de nós.
Quando me levanto, Setrákus Ra aterrissa a alguns metros de
distância. Ele estende as mãos e as une como um santo em uma janela
de vitral. Meus lábios tremem de ódio.
— Como insetos diante de um gigante - ele diz. — Assim estão vocês,
crianças diante de um deus.
— Você não é Deus - eu respondo, jogando uma bola de fogo que ele
simplesmente absorve.
Ele bufa. — Vocês Lorienos, tão piedosos, até o fim. A coisa que vocês
adoram, a entidade que agora se esconde debaixo da Terra, é nada mais

340
UNIDOS SOMOS UM

que um recurso. Como o minério, como a água. Você ora para um rio
enquanto eu crio barragens. Você conta com os caprichos da natureza,
enquanto meu intelecto é capaz de moldar galáxias. Você não vê agora
que o meu trabalho, o meu progresso, tem o poder de criar?
— Eu vejo um velho solitário e idiota se escondendo em uma porra de
caverna! - grita Nove, com a lança em sua mão.
Nove tenta dar um soco que Setrákus Ra esquiva facilmente. Nove
tropeça e perde o equilíbrio, então Setrákus Ra o agarra pelo cabelo e
puxa-o para trás. A mão de Setrákus Ra fica plana, a borda se torna
reluzente como a lâmina de uma espada. Ele move a mão em direção ao
pescoço de Nove.
Eu arranco Nove com minha Telecinese antes que Setrákus Ra
cortasse fora a cabeça dele. Mas ele ainda arrancou um punhado de
cabelo de Nove, um punhado que agora está faltando no lado direito de
sua cabeça.
A velocidade. A invulnerabilidade. Alterar a forma de seu corpo, esse
doente está além do que posso imaginar. É uma loucura pensar que já
fiquei intimidado por Setrákus Ra, quando ele apenas podia mudar de
tamanho e anular nosso Legados.
Mas esse monstro diante de mim é muito pior do que isso.
— Alguma ideia? - Nove me diz.
— Vamos distraí-lo - eu respondo, vamos nos espalhar.
Nove ainda está com o punhal Voron. — Posso?
— Seja minha carta na manga.
Estamos tentando mostrar que estamos confiantes, mas posso dizer
que Nove ficou mexido depois da exibição de poder de Setrákus Ra.
Estamos em apuros.
Com um sorriso de lobo, Setrákus Ra começa a avançar sobre nós.
Antes que ele chegue muito perto, ele é salpicado por uma saraivada de
gelo caindo do céu. Ele parece uma almofada de alfinetes, os fragmentos
de gelo esfaqueando suas costas de cima para baixo.

341
UNIDOS SOMOS UM

— Tudo o que você fez é causar dor e sofrimento! - Marina grita para
ele. — Todos esses corpos no caminho! Por que? Só para você ter esses
poderes hediondos?
Setrákus Ra sorri. — Ah, não minha cara. Lorien é mesquinho com
seus dons. As minúculas faíscas de poder que se escondem dentro de
todos vocês são meras gotas em um balde. Eu tinha que ter acesso direto
na fonte para criar o que vocês estão vendo aqui agora - ele passa a mão
em seu próprio rosto. — Aqueles outros foram apenas testes, serviram
para aperfeiçoar meus experimentos. Eles morreram em serviço do
glorioso progresso.
— Você é louco! - Marina grita furiosa. — Nem mesmo você com toda
a sua suposta genialidade, nunca iria criar nada tão bonito como Lorien
fez um dia!
Uma súbita onda de calor irradia de Setrákus Ra, e o gelo derrete fora
dele. Em seguida, ele se vira para enfrentar Maria, ele muda de
aparência. Sua pele escurece a uma cor de caramelo, e de sua cabeça
brota um tufo de cabelo escuro encaracolado.
— Não estou no céu? - ele pergunta. Seu rosto, sua voz, mudou, ele
tomou a forma de oito.
Marina recua com horror quando ele começa a flutuar até ela.
— Eu não prometi que iria juntar você e seu amor? - Setrákus Ra
pergunta, seus olhos cheios de uma malícia que Oito nunca teve na vida.
— Você ainda pode ter isso, querida Marina...
Usando minha visão-pedra, eu transformo sua metade inferior em
granito maciço e ligo isso ao chão da caverna, de modo que Setrákus Ra
agora parece uma Estalagmite, levantando-se das rochas. Ele olha para
si mesmo e abandona a aparência de Oito, seu Eu mais jovem retorna e
ele faz uma careta.
— Primitivo - ele rosna.
Primitivo ou não, ele ficou surpreso. Nove aproveita, e corre
rapidamente com meu punhal Voron e dá um soco na cara dele. Preso

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UNIDOS SOMOS UM

no lugar, Setrákus Ra não pode evitar, e Nove corta um pedaço enorme


de seu rosto com o punhal. Por um momento eu vejo sangue. Mas, em
seguida, a lama Mogadoriana preenche a ferida, suaviza-a, e seu rosto
volta ao normal.
Ainda assim, ele foi ferido. Podemos encontrar maneiras de machucá-
lo. Nove se afasta, então eu uso minha Telecinese. Eu coloco pressão
sobre a armadura que Setrákus Ra usa, esmagando-o, tentando
compactá-lo, na esperança de apertá-lo em suas próprias entranhas.
Sinto Marina adicionar sua força á minha, e logo estamos compactando
a armadura como uma lata de sardinha.
Gritando, Setrákus Ra rasga a armadura e a joga no chão. Ele está sem
camisa agora. Direto sobre o coração, no local onde Seis o empalou, há
uma massa pulsante da gosma negra, como uma aranha no centro de
sua teia.
O material não está tão concentrado assim em nenhuma outra parte
de seu corpo. Esse deve ser o lugar de onde ele está derivando todo esse
poder dele.
— Nove! - em vez de falar, dessa vez uso minha telepatia. Eu não
quero que Setrákus Ra descubra. — Ataque o coração!
— Ok! - ele pensa de volta.
Setrákus Ra dá pontapés nas rochas que eu construí em torno de suas
pernas como se fossem uma moita de capim. Assim que está livre, eu
ativo minha visão-pedra e o derrubo novamente. Ao mesmo tempo,
Marina o ataca com outra barreira de gelo afiada. Ele esmaga os punhais
de gelo, rosnando, distraído.
— Isto está ficando cansativo - ele diz.
E então Nove aparece sobre ele, com o punhal Voron, empurrando-o
para frente com toda a força.
Ele esfaqueia Setrákus Ra direto no coração.
Nove enterra a lâmina até o cabo. Sua ponta pisca para fora pelas
costas de Setrákus Ra.

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UNIDOS SOMOS UM

Setrákus Ra olha para a arma.


Ele sorri.
— Vocês acham que isso é uma história infantil? - ele pergunta,
soando divertido. — Eu passei séculos aperfeiçoando o meu trabalho. E
vocês acham... o que? Acham que existe um ponto fraco?
Ele toma uma respiração profunda, e a lâmina, juntamente com a
mão de Nove ainda no cabo, é sugado completamente pela massa negra
em seu peito. Setrákus Ra olha para a Marina.
— Eis uma demonstração.
Nove grita. Seu braço primeiro fica azul, como se a circulação fosse
cortada, e em seguida, fica cinza e seco, e finalmente, tão negro como o
lodo. Os músculos derretem, sua pele cede fora de seus ossos. É como
ver um vídeo da decomposição de um braço em câmera acelerada.
Setrákus Ra novamente pisa fora da pedra que eu criei em seus pés, livre,
então chuta Nove no peito. Nove cai longe.
Seu braço fica com Setrákus Ra. Ele permanece parado em seu peito
por um momento, então é como se o lodo preto estivesse digerindo o
membro, quebrando-o, puxando o para dentro de Setrákus Ra. Quando
o processo termina, o braço foi completamente absorvido. Nove se deita
no chão, apertando o espaço vazio onde o braço costumava estar.
Marina corre para perto dele, de olhos arregalados.
— Oh meu Deus, Oh meu Deus - ela murmura, tateando no local onde
deveria estar o braço dele. Não há sangue, a carne está seca e morta.
Ainda assim, ela ativa seu legado de cura e tenta... tenta alguma coisa.
Setrákus Ra avança sobre eles, molhando os lábios.
Eu lanço minha visão pedra em sua direção, lanço gelo, e também uma
rajada de fogo para tentar atrasá-lo.
Mas eu não sou forte o suficiente.
Ele agarra a minha cabeça, bate com o dorso da mão e me joga no chão
de pedra.
— Você vai ser o último, Pittacus - ele diz.

344
UNIDOS SOMOS UM

O sangue flui em meus olhos. Tonto, eu me esforço para firmar meus


joelhos e vejo Setrákus Ra avançando em direção de meus amigos.
Não vamos conseguir vencer essa.
Marina levanta as mãos, e uma parede de gelo sólido separa ela e
Nove de Setrákus Ra. O mogadoriano irritado suspira, e soca a parede
na frente dele.
Enquanto isso, uso minha telepatia. Procuro a mente de Adam. No
calor da batalha, não me ocorreu até agora que a Seis nunca apareceu
aqui. Talvez ela tenha voltado com Adam para a Nave, por algum
motivo, me permito ter esperança um pouco.
Não encontro. Não consigo achar a mente de Adam.
Ou a mente de Seis.
Apenas alguns segundos se passam enquanto os procuro
telepaticamente, mas parece uma eternidade. Finalmente consigo fazer
contato com Ella, que está flutuando acima da montanha em nossa Nave
de guerra. Sinto a ansiedade em sua mente assim que nos conectamos.
Ela antecipa minhas perguntas.
— Adam... Adam caiu em um abismo com Phiri Dun-Ra - Ella me diz.
E Seis, ela está muito ferida. Acho que ela está inconsciente.
Que droga.
Saio da mente de Ella e vou para mente de Sam. Consigo senti-lo lá
em cima, andando em círculos, observando a entrada escurecida da base
Mogadoriana através das janelas da nave.
— Sam - faço um esforço para manter meus pensamentos calmos e
serenos. Como se meus amigos não estivessem morrendo. Como se eu
não estivesse perdendo esta guerra.
— Eu preciso que você faça algo para mim.
— John? - sua mente praticamente salta em direção à minha. Toda a
nossa conversa acontece durante os passos nervosos de Sam, dando
voltas sobre o chão da ponte. — O que está acontecendo? Ella não quer
me contar.

345
UNIDOS SOMOS UM

— Eu preciso que você faça algo para mim.


— Qualquer coisa!
— Use o seu Legado. Ordene que a Nave destrua a montanha.
— O que...?
Vejo um flash de imagens na mente de Sam. Eu e ele andando pelos
corredores da nossa Escola em Paradise. Nove se libertando de uma cela
na prisão Mogadoriana. E uma bem evidente; é ele e Seis de pé sobre
uma montanha de tirar o fôlego em algum lugar, olhando pro mar
cristalino no horizonte.
— É a única maneira de pará-lo, Sam. Ele é muito forte, mas nós
podemos acabar com ele aqui em baixo!
— Não! Eu não vou! Não enquanto vocês ainda estão aí dentro!
Toda nossa conversa acontece enquanto dou alguns passos, Setrákus
Ra atravessa a barreira até Marina e Nove. Estou atrasado, ele está lá, eu
preciso agir.
— Levante-se Nove, vamos lá! - Marina pede, deixando Sam ver o que
eu vejo, voo para Setrákus Ra, na esperança de dar a Marina mais tempo.
Ele se antecipa e me acerta com as costas da mão com uma força que
racha minha mandíbula e me joga no chão da caverna, caio deslizando
entre os cacos de gelo de Marina.
Nove ainda está no chão, gemendo e tremendo, provavelmente está
em estado de choque. Marina pressiona ambas as mãos em seu ombro.
Mas nossos Legados não são capazes de regenerar membros. Não há
nada que possamos fazer.
Setrákus Ra agarra Marina pelo cabelo e puxa-a do chão. Ela se
debate, passando a mão em seu rosto. Ela atinge o local exato em que
Nove o cortou com a lâmina Voron apenas alguns minutos atrás.
Setrákus Ra a solta, recua e agarra sua bochecha.
Essa parte de seu rosto escorrega, se desprendendo, então o lodo
negro o segura junto do rosto dele o pedaço que se soltava.
Marina e eu fazemos contato visual.

346
UNIDOS SOMOS UM

— O que você fez? - meu pensamento atinge sua mente rapidamente.


— Cura! - ela responde. — Eu ainda estava usando minha cura!
Lembro-me de Nova York, logo antes da invasão. O Secretário de
Defesa Sanderson e o lodo negro que corria em suas veias. Levou alguns
minutos e foi bem cansativo, mas consegui limpar aquele lamaçal para
fora do corpo dele, usando minha cura.
Podemos matar Setrákus Ra. Temos que fazê-lo Lorieno de novo.
Temos de expulsar esses experimentos nele e destruir o que restar de
Lorieno.
Marina já pensou no mesmo. Enquanto Setrákus Ra se recupera,
Marina anda até ele e rapidamente o agarra.
Setrákus Ra cambaleia. Ele a segura pelo cotovelo e desloca seu ombro
para se livrar do abraço dela. Então ele corta o rosto dela com suas
garras, abrindo quatro arranhões profundos na diagonal do rosto dela.
Enquanto isso, seu rosto doente se restaura pelo lodo negro.
Eu voo até Setrákus Ra antes que ele continue a machucar Marina.
Coloco minhas pernas em volta de seu peito e o agarro em ambos os
lados de sua cabeça, bombeando o máximo da minha energia de cura
para ele, o máximo que eu posso. Ao mesmo tempo, eu reúno força para
nos afastar do lago, sei que isso vai enfraquecê-lo ainda mais. Eu posso
sentir algo vivo dentro dele, se contorcendo no óleo em cada parte de
seu corpo. Há mais experimentos nele do que há de Lorieno. É como se
eu estivesse tentando derrotar um maremoto.
Ainda assim, tenho que tentar. Esta é a única maneira de terminar
isso. Setrákus Ra grita quando eu forço a cura nele. Mas, rapidamente,
ele luta para voltar até o lago. Ele morde meu ombro, com a boca
enorme, dentes afiados, ele arranca um pedaço de carne.
— John! - Marina grita. Seu braço pendurado mole do lado dela,
escorrendo sangue pelo rosto, ela corre para perto para me ajudar.
Partes do lodo mogadoriano sai do corpo de Setrákus Ra. Parecem
braços que se agarram a mim, minha perna, meu ombro, e do meu lado.

347
UNIDOS SOMOS UM

Eu nem tenho certeza se ele está controlando isso ou se é uma reação


provocada pela minha cura, como se o lodo tentasse escapar dele. De
qualquer forma, agora estamos presos uns ao outro. Outro pedaço do
lodo tenta alcançar Marina, mas ela derrapa e para a poucos passos de
distância.
Eu redireciono parte da minha cura para minhas feridas. Tentando
fechá-las tão rápido quanto Setrákus Ra pode me ferir, enquanto ando
em volta dele tentando arrancar a coisa negra que se espalhou por quase
todo o corpo dele.
Como meu legado de cura atinge o corpo de Setrákus Ra, o lodo se
aglutina em torno de nós de forma que Marina não consegue se
aproximar.
— Vá! - eu grito para ela. — Pegue o Nove e saia daqui!
— Eu não vou abandonar você!
— Seis está nas cavernas lá em cima, ela precisa de cura - eu digo a ela,
rangendo os dentes contra a dor. — Por favor, aahh.. por favor, Marina,
vai!
Marina olha para mim, com lágrimas nos olhos. Eu mal posso vê-la
por causa do lodo que se forma ao meu redor. Vejo-a olhar por cima
enquanto se aproxima da escada em espiral que leva à superfície, em
seguida, olha pro Nove.
Com um gemido, Nove toca a perna de Marina. Ele estremece.
— Faça, do jeito que paraticamos - diz ele delirando, transferindo seus
Legados para ela.
Eu me lembro disso, a brincadeira de rouba a bandeira, em Chicago.
A equipe de Nove ganhou porque ele deu a Marina seu Legado
antigravidade.
Marina pega Nove em seu braço. Ela está com a força dele também.
Com um último olhar para mim, ela corre para cima pela parede,
saltando entre as bordas até a superfície.

348
UNIDOS SOMOS UM

Com minha Telepatia, fiz Sam testemunhar tudo isso. Ele sente o que
estou sentindo. O fluxo e o refluxo da dor, rasgando meu corpo.
— Sam. Os outros estão saindo, você pode fazer isso agora, Sam?
— John.. - sua tristeza flui em mim, é pior do que a dor.
Ele vai fazer. Eu sei que ele vai.
Eu desligo a minha telepatia. Concentro-me apenas na cura. Deixo
toda a energia Lórica armazenada dentro de mim irradiar para fora
como uma cachoeira.
Espero que seja o suficiente.
Estou cara a cara com Setrákus Ra. Nós dois presos juntos. Minha
cura continua a derramar-se nele, a cada segundo, o rosto jovem dele se
derrete, o óleo tenta preencher. Sua pele pálida retorna, sua cabeça
branca, as bochechas afundadas, a cicatriz roxa vívida. Ele rosna para
mim. E cospe na minha cara. E bate a cabeça dele na minha.
Em seus olhos negros, pela primeira vez, vejo dúvida.
— Eu vou matar você - ele rosna, seu hálito quente miserável contra
o meu rosto.
Eu sei que isso é verdade. Vou morrer aqui. Entrelaçado com o meu
pior inimigo. Curando-o, enquanto ele me dilacera.
— Você... - sangue escorre quando tento falar. — Você vai morrer
primeiro.
Uma mecha se seu lodo, gelada e afiada como uma navalha, penetra
meu abdômen. Me perfura.
Eu empurro calor, energia de cura para ele. Vejo como seu rosto fica
cinza e enrugado. Um homem com séculos de idade.
O lodo se aglutina em volta das minhas pernas. Tenta esmagá-las,
meus ossos estalam como galhos.
Mais poder de cura. Uso um pouco no meu corpo apenas para me
manter, e o resto direciono para ele. Um pedaço de lodo endurecido cai
longe dele e se transforma em poeira no chão da caverna. Setrákus Ra

349
UNIDOS SOMOS UM

suspira de dor. Ele rasga minha caixa toráxica. Suas garras cavam minha
carne, até o osso. Ele está tentando acertar meu coração.
Seja forte, John.
Eu deixo ele continuar tentando. Concentro meu Lúmen num brilho
quente onde ele me cava com as garras. Eu poderia derreter com tanto
calor.
— Você... você realmente acha que pode matar? - ele zomba. Uma veia
negra explode em sua testa.
— Eu já fiz isso por muitos anos, acha que não posso suportar alguns
minutos?
— Você sempre foi um tolo, Pittacus.
— Eu não sou Pittacus Lore - eu digo entre os dentes. — Eu sou o
Número Quatro. Eu sou aquele que pode te matar.
Um tremor. Todo o complexo da caverna treme. Com o canto do meu
olho, vejo um flash de luz vermelha vívida.
O bombardeio começou.
Obrigado, Sam.
Agora é só eu manter ele aqui. Enterrá-lo aqui, com todas as suas
experiências horríveis. O rosto murcho, medonho, na minha frente ri
histericamente.
Eu fecho os meus olhos.
Imagino Sarah. Ela segura uma câmera, tira uma fotografia e sorri
para mim.
Deixo meus Legados fluírem totalmente para fora de mim. Todos
eles.
Até que não haja mais nada.

350
UNIDOS SOMOS UM

minha consciência começa a voltar lentamente. o


chão da caverna vibra em minha bochecha, um barulho mais alto do
que um trovão preenche todo o complexo. Me aproximo
perigosamente da beirada do abismo em que Adam e Phiri caíram.
Com um gemido, eu me afasto da abertura, e tento me sentar.
— Uhg...
Em minha boca um gosto de sangue. A cada respiração é como se
eu inspirasse vidro quebrado. A montanha sacode de novo, e pó cai
das pedras do teto. Eu fecho meus olhos para evitar as picadas dos
detritos caindo. Talvez, eu penso, irei mantê-los fechados um pouco
mais.
— “Seis! Você tem que ficar acordada! Se levante Seis!”
Ella, sua voz parece vir de um megafone direto pro meu cérebro,
tão alto que faz minha cabeça doer.

351
UNIDOS SOMOS UM

— Eu, eu estou bem - eu respondo em voz alta, me esforço para


continuar sentada. Dói ficar assim, e me esforço para segurar um
grito. — O que está acontecendo?
— “Nós vamos destruir a montanha” - Ella responde. — “Sam já
preparou tudo, mas não disparamos ainda esperando que você saia
daí”.
— Acho que é melhor eu ir então - eu sussurro, e luto para ficar de
pé.
Então, Sam foi forçado a desempenhar o papel de Adam, se tudo
desse errado, era para explodir a montanha. Adam... Eu
simplesmente não consegui chegar até ele a tempo. Me espreito por
cima da beira da cratera escura, mas não vejo nada além de pedras e
sombras. Algo do outro lado da beirada me chama atenção. Um
rastro de sangue espesso que não estava lá antes se estende da sala
de controle para dentro da cratera.
O corpo de Areal não está mais lá. Será que a Chimaera ainda está
viva? Será que ele desceu na cratera atrás do Adam?
Eu faço um megafone com as mãos na boca e grito para dentro do
abismo. — Areal? Adam?
Nenhuma resposta. Gritar faz a dor estalar em meus pulmões.
Seguro minhas duas mãos sobre o buraco em meu peito e cambaleio
para trás, me apoiando na parede mais próxima.
— “Marina e Nove estão chegando até você“ - Ella me guia, —
“Eles vão te encontrar na entrada principal”.
— Acho que consigo ir tão longe... eu acho.
Lentamente, começo a tropeçar pelos corredores da caverna.
Tenho que fazer uma pausa para recuperar o fôlego algumas vezes,
e cada vez me sufoco com um pouco de sangue. Eu olho por cima
do ombro e percebo que estou deixando um rastro com meu próprio
sangue. Olhando para trás, me sinto um pouco tonta, minha visão se
escurece brevemente.

352
UNIDOS SOMOS UM

Continue. Siga em frente. Estou quase lá.


— Seis!
Tropeço na entrada principal enquanto Marina emerge a partir da
passagem estreita que leva à parte mais funda do complexo. Nove
está sobre os ombros dela parecendo um saco de batatas. Eu não
sabia que Marina estava tão sarada, mas Nove deve ter transferido
seus Legados para ela antes de apagar. Eu tremo quando vejo a
condição inconsciente de Nove, o rosto pálido, faltando um braço.
Marina tenta me ajudar com o braço livre, mas o ombro dela está
deslocado, então ela acaba desajeitadamente empurrando seu
ombro em minha direção.
— Onde estão John e Cinco? - eu pergunto a ela.
— Cinco... ninguém merecia morrer daquela maneira, Seis, nem
mesmo ele. Marina sacode a cabeça em desgosto, enquanto ela fala,
evita meus olhos. — John ainda está lá embaixo, segurando Setrákus
Ra até podermos sair daqui e desabar tudo em cima dele.
Como se pontuasse as palavras de Marina, outro tremor toma
conta da montanha. Talvez seja Sam demolindo aos poucos esse
covil mogadoriano.
Marina olha para o buraco em meu peito, sua boca se abre
quando ela vê que apesar disso ainda estou de pé. — Você pode
esperar até sairmos daqui? Vou curá-la assim que conseguirmos sair.
— Não - eu digo a ela. — Me cure agora.
Ela olha para o teto. — Mas...
— Ella, se você estiver ouvindo, diga para o Sam não disparar essa
merda!
— Você não viu no que Setrákus Ra se tornou Seis - Marina diz,
com os olhos arregalados. — Seis, esta pode ser a única maneira de
parar ele.

353
UNIDOS SOMOS UM

Quando Adam me contou sobre destruir a montanha, eu apoiei.


Mas isso é para ser o último recurso, quando nenhum de nós
restasse para lutar contra Setrákus Ra.
Bem, eu ainda estou de pé.
— Foda-se - eu respondo a Marina. — Eu não vou deixar o John
morrer como um Mártire. Eu vou lá em baixo. Quando eu estiver lá,
vocês podem ir em frente e destruir o que tiver restado de Setrákus
Ra.
Eu destaco as últimas palavras para Ella, que tenho certeza que
está escutando telepaticamente. Quero que Ella retransmita isso
para Sam.
— Mantenham este lugar de pé. Me dê uma chance.
Marina olha nos meus olhos, e eu posso dizer que ela está
tentando decidir se vai tentar me impedir ou não. Em seguida, ela
cuidadosamente deita Nove no chão, o grandalhão delira e geme,
então ela coloca a mão boa em meu peito. Quando sua energia
fresca de cura flui em mim, eu tomo a respiração mais profunda que
fui capaz desde a minha luta contra Phiri Dun-Ra.
— Eu deveria ir com você... - diz Marina. O olhar dela se vira para
Nove.
— Não, ele não parece estar bem - eu respondo. — Fique com
Nove, tenha certeza que ele não morrerá. Ninguém mais morre hoje,
ok?
Marina termina de me curar. Pega em minha mão.
— Tenha cuidado, Seis - diz ela.
Me sentindo rejuvenescida, corro na direção em que Marina veio.
Me lembro bem deste lugar pois não faz muito tempo que escapei
daqui. Nunca pensei num dia em que eu estaria correndo de volta
para essas profundezas, quando explodi-lo deveria ser a alternativa
mais viável.

354
UNIDOS SOMOS UM

Eu não vou deixar o John morrer aqui. Ele acha que pode vencer
isso sem o resto de nós, acha que precisa se sacrificar para
compensar o que aconteceu com Sarah.
Ele não precisa carregar esse fardo sozinho.
Então eu corro. Meus pés batem com força contra o piso irregular.
Logo, estou correndo para baixo pela borda em espiral, indo cada
vez mais fundo. Eu posso ver o reservatório nojento de gosma negra
lá em baixo. Eu sei que é onde eles estarão. Vejo um obstáculo à
minha frente, então eu salto da borda em que estou logo abaixo para
economizar tempo. A descida é estonteante, e meu coração bate
forte.
Perto do fundo, eu desacelero e fico invisível. Assim que eu
chego à beira do lago, que parece vazar, eu paro.
Uma passa de gosma negra se espalha pelo chão de pedra aqui,
quase como se um balão cheio com a gosma tivesse explodido.
Alguns tentáculos do liquido parecem ter saído para fora, como um
peixe fora da água. Apesar disso, maior parte do material está seco
e endurecido.
John está bem no meio dessa bagunça. Parece que foi colocado
em um moedor de carne. Não há um centímetro em seu corpo que
não esteja encharcado de sangue. Sua pele está rasgada, mutilado,
ossos apontando em alguns lugares. Eu acho que as pernas e os
braços estão quebrados. Eu observo o peito por alguns segundos,
na esperança de vê-lo subir e descer.
Ele não se move.
Me lembro de como ele era quando nos encontramos em
Paradise. Bonito e valentão, tão ingênuo. Pronto para arriscar a
própria vida. Lembro-me de segurar essa mão que agora está com
os dedos todos quebrados, me lembro do calor, do conforto que ele
me deu quando eu precisava.
Ele morreu aqui sozinho.

355
UNIDOS SOMOS UM

Eu deveria gritar. Mas depois de todos estes anos, todas essas


mortes, eu não sinto raiva e tristeza como eu gostaria de sentir. Eu
me sinto friamente determinada.
Vou acabar com isso.
Eu engulo em seco e volto minha atenção para a outra forma
jogada no chão da caverna. Frágil e murcho, um homem velho, pele
cinza e manchada em vários pontos, e em outros, um lodo preto
endurecido escorre e se espalha pelo chão. Enquanto eu observo,
essas partes escuras de seu corpo se desintegram, explodem como
as cinzas na extremidade de um cigarro. O velho deixa um rastro da
substância misturada com cinzas enquanto ele se arrasta pelas
rochas do chão, avançando em direção ao lado de lodo, com a mão
retorcida mas estendida na direção do lago.
A cicatriz roxa em torno de seu pescoço é inconfundível.
Setrákus Ra. Ainda está vivo. Maldito.
Milímetro por milímetro, ele se arrasta para o lago.
Eu sigo em sua direção. Com os olhos fixos em Setrákus Ra, eu
não percebo o punhal Voron que John fez, até que meu pé se
esbarra nele. A lâmina faz um som estridente ao ser chutada algumas
pedras adiante.
Eu pego o punhal. Quando olho para trás, Setrákus Ra se virou de
lado. Seus olhos escuros acelerados, procurando a fonte do barulho
que ouviu. Seu nariz não existe mais, apenas um buraco no
esqueleto na frente do rosto, e sua boca está vazia de dentes.
Ele está com medo.
Me torno visível e encontro os olhos dele.
— Olá, meu velho.
Ele deixa escapar um gemido baixo, volta a cair com a barriga no
chão e a rastejar em seu ritmo acelerado rumo ao lago de lodo negro.
Eu o ultrapasso facilmente, chuto sua lateral e o viro para cima. Meu
pé realmente perfura um buraco em seu corpo, como se eu tivesse

356
UNIDOS SOMOS UM

chutado uma colmeia. Seu peito esquelético, côncavo, com um


espaço escurecido onde seu coração deveria estar. Ele tenta levantar
a mão para me golpear mas as garras se desintegra. Eu esmago a
mão dele cavando meu joelho em sua barriga.
— Em poucos minutos, este lugar vai ser destruído em cima do
que tiver sobrado de você - digo a Setrákus Ra, mantendo minha voz
fria e estável. — Eu quero que você saiba, que depois disso, eu vou
encontrar cada cópia do seu Livro estúpido e queimá-lo. Todo o seu
trabalho, tudo o que você fez está para ser desfeito.
Ele tenta dizer algo, mas não pode. Eu torço meu joelho em cima
dele.
— Olhe para mim - eu digo. — Isto é o que o progresso é, seu
vadio.
Empunho o punhal Voron ao lado de seu pescoço até a cicatriz.
Setrákus Ra gorgoleja. Então eu corto novamente.
Deixo cair a adaga e me levanto.
Eu seguro a cabeça de Setrákus Ra em minhas mãos.
Leva apenas alguns segundos antes de ele começar a se
desintegrar. Eu espero até que tudo desapareça, todas as peças
imundas do senhor da guerra mogadoriano, o destruidor do meu
mundo, o assassino do meu povo, dos meus amigos, a cabeça vibra
através dos meus dedos em minha mão.
Só resta cinzas em minhas mãos.
Há um ruído molhado atrás de mim. Eu giro para ver uma bolha
de gosma negra que pairava sobre o lago se abrir e cair. Bernie Kosar
sai livre, sacudindo os pelos, e imediatamente salta para o chão. BK
olha para mim e anda, um lamento melancólico baixo.
Nós vamos para perto de John. Ele está uma bagunça, quase
irreconhecível. BK se deita de bruços ao lado dele e fuça a mão dele.
Eu toco a testa de John, alisando uma mecha errante de cabelo loiro
que está pegajosa de sangue.

357
UNIDOS SOMOS UM

— Seu idiota estúpido - eu sussurro. — Acabou, e você nem sabe,


seu maldito idiota.
John suspira.
Eu salto para trás, assustada, as lágrimas ardem em meus olhos. É
um ruído agudo, ele meche o corpo. Alguns espasmos, então tosse,
e treme em meus braços. Eu o seguro bem apertado. Quando eu
olho para baixo, vejo que seus ferimentos estão começando a se
curar. Está devagar, quase imperceptível em comparação com a
velocidade impressionante da cura em situações normais, mas está
acontecendo.
Seus olhos estão inchados. Uma de suas mãos agarra meu braço
fracamente.
— Sarah...? - ele sussurra.
Eu o beijo. Apenas um beijo rápido nos lábios, as lágrimas
escorrendo pelo meu rosto. Tenho certeza de que Sam não vai se
importar. Considerando as circunstâncias, eu aposto que ele ia
querer beijar o John também.
John sorri um pouco, então fica inconsciente novamente, a
respiração irregular, mas constante.
BK se transforma em um grifo, e com muito cuidado, eu coloco
John sobre suas costas. Eu subo também logo atrás dele. Nós
voamos para cima, em direção à saída da caverna, deixando o cheiro
e o escuro do mundo mogadoriano para trás.
— Ella, pessoal - eu digo para o ar, esperando que alguém esteja
escutando telepaticamente. — Nós estamos saindo.
Lá fora, o amanhecer está apenas começando a aparecer.

358
UNIDOS SOMOS UM

— já, já em “a invasão: uma retrospectiva”,


nós entrevistamos — zzt— os corajosos membros da Décima Primeira
Brigada Real Australiana—zzt — que fizeram uma ousada incursão em
um navio de guerra Mogadoriano no Dia da Vitória da Humanidade.
Mas primeiro — zzt — Os Lorienos. Deuses? Heróis? Imigrantes ilegais?
Nosso — zzt — Painel discute —
Eu desligo a televisão. Tem um sinal horrível aqui de qualquer forma.
Com o barulho de fundo acabado, consigo me focar no meu esfregar.
Minhas mãos estão um pouco doloridas segurando a escova,
empurrando-a para trás e para frente em toda a parede de pedra. Seria
mais fácil usar minha telecinese, mas eu gosto do trabalho. É bom usar
minhas mãos, cuidar dessas manchas de tintas antigas até que sumam,
ou até meus braços estarem cansados demais para continuar.
Costumava existir aqui nessa parede uma pintura de Oito sendo
atravessado por uma espada. Agora se foi completamente. Me livrei
daquela primeiro. A única profecia que resta é a da terra dividida ao

359
UNIDOS SOMOS UM

meio, com uma parte viva e a outra morta, e duas naves se aproximando
do planeta de lados opostos. É essa que estou esfregando agora.
Na verdade eu meio que gosto dessa pintura, por isso a deixei por
último. Minha interpretação é que o pintor não sabia quem iria vencer
a guerra pela Terra. Por isso ele a deixou tão vaga. Ela ainda tem que
sumir. Estou tentando não me debruçar sobre o passado muito mais.
Eu quero que esse lugar seja sobre o futuro.
Então continuo esfregando.
— Acho que já está limpo, John.
A voz de Ella me tira do transe. Não sei ao certo quanto tempo faz
que estou limpando as paredes. Horas, talvez. Os músculos de meus
braços estão dormentes. Provavelmente eu estou polindo as paredes de
pedra já faz um bom tempo, as pinturas completamente apagadas.
— Viajei por um momento - eu digo timidamente.
— É, estou sentada aqui já faz uns dez minutos - ela responde.
Ella me rastreou até aqui alguns meses atrás e está por perto desde
então. Não tenho certeza de como ela conseguiu isso. Acho que ser uma
telepata provavelmente ajudou.
No Himalaia, achei que encontraria um bom lugar para me esconder
um pouco, para arrumar minha cabeça. Ouvi sobre essa caverna de
Marina e Seis. Quando estavam fugindo pela Índia, essa câmara de
profecias sofreu um aterramento durante o ataque mogadoriano.
Cheguei pretendendo escavar e ver se alguma coisa podia ser
recuperada, mas os Nacionalistas do Oito Vishnu me impediram.
Aparentemente, a caverna é um lugar reverenciado por eles. Eles já
haviam começado a escavar e deixaram eu me juntar ao grupo sem fazer
perguntas. Hoje em dia, eles protegem a área, mantém alpinistas
aleatórios longe e geralmente me deixam em paz. Eu acho que algum
deles pode ter vazado minha localização para Ella, mas eu meio que
duvido.

360
UNIDOS SOMOS UM

Olhando para ela, acho que ainda existe alguma coisa transcendental
sobre Ella. Aquele brilho maluco que tinha em seus olhos sumiu, mas
agora, banhada com a luz azul-cobalto da caverna, vejo um pouco de
Lorien restante em suas pupilas. Talvez ela tenha visto eu e meus
projeto em uma de suas visões e decidiu vir ajudar.
Não me incomodo com a companhia.
Ella cresceu bastante nos últimos doze meses, entrou naquela
adolescência desajeitada que eu não sinto nem um pouco a falta. Seu
rosto está bronzeado por ser de fora, seu cabelo trançado como o dos
locais. Ela vai para a escola no vilarejo no pé da montanha, e as outras
sete crianças de sua classe fingem que ela não é diferente de jeito
nenhum.
Ela está sentada de pernas cruzadas em uma grande mesa que instalei
no centro da caverna - meu projeto - puxando um pedaço da lona que
usei para cobrir.
— Então, as paredes estão limpas - Ella diz.
— É.
— Agora você não tem mais motivo para procrastinar.
Desvio o olhar dela. Ela está me enchendo praticamente todos os dias
para sair e encontrar os outros. Eu sempre tive essa intenção — o
trabalho que estou fazendo aqui, não é só para mim. Entretanto, acho
que uma parte de mim veio para apreciar a solidão e o sentimento
enraizado do Himalaia. Quando foi a última vez que eu consegui ficar
em um lugar sem constantemente olhar por cima do meu ombro?
Além do mais, estou um pouco nervoso de localizar todo mundo.
Muita coisa mudou em um ano.
De suas costas, Ella tira uma caixa de cigarros de madeira onde eu
tenho guardado outras peças do meu projeto. Ela o estende para mim.
— Tomei a liberdade de pegar isso para você - ela diz. — Pode sair
agora mesmo.
Franzo meus olhos para ela.

361
UNIDOS SOMOS UM

— Eu queria que você não mexesse nas minhas coisas.


— Qual é, John. Somos telepatas. Você sabe que fronteiras são
difíceis.
Pego a caixa dela.
— Você só quer ver Nove de novo.
Os olhos de Ella se arregalam.
— Ei! Quem está espiando agora?
Porém ela está certa. Chegou a hora. Chega de enrolar.
Fora da caverna, tem um pouco de neve nas montanhas. Eu corro
pelo caminho rochoso no dia ensolarado, sentindo a temperatura
aumentar à medida que desço. O ar é fresco e limpo, e eu respiro fundo,
querendo saborear isso, ou talvez querendo parar. Paro um pouco antes
de chegar ao pequeno acampamento que é a moradia dos Nacionalistas
do Oito Vishnu. Um deles me vê e acena. Eu aceno de volta.
Respiro fundo. Vou sentir falta da minha solidão.
Então eu salto no ar.
Faz um tempo que não voo. Mesmo estando um pouco enferrujado,
ainda estou melhor agora do que estava um ano atrás. Enquanto voo
pelas nuvens, sua umidade fria em minha pele, tenho que resistir a
vontade de soltar um grito de felicidade. É bom estar aqui; É bom
exercitar meus Legados de uma forma que não faço há muito tempo.
É bom voar em direção de uma situação que não vai ser mortal.
Bem, pelo menos eu espero que não.
Claro, assim que tenho esse pensamento, duas patas gigantes me
acertam bem entre as omoplatas e me atiram em direção a terra.
Eu grito enquanto tento me endireitar. Assim que consigo flutuar em
segurança, o grifo ataca novamente. Eu esquivo por entre as nuvens,
desviando do seu bico, suas garras — rindo o tempo todo.
— Sinto muito não ter me despedido de você! - Grito para BK. — Você
estava se bronzeando em algum lugar, seu vira-lata preguiçoso!

362
UNIDOS SOMOS UM

A Chimæra parece aceitar minhas desculpas, porque ao invés de me


atacar de novo, ele começa a voar ao meu lado. Me seguro nas asas
gigantes cobertas de penas de meu velho amigo e o deixo me empurrar
para a frente por um momento, rindo e acariciando seu pelo. Antes de
deixarmos o espaço aéreo da Índia, BK se balança para me soltar, dá um
rugido amigável e se vira.
— Eu voltarei logo, BK! - eu grito para o vento.
Eu prendo meus braços ao meu corpo, fecho minhas pernas, aperto o
queixo em meu peito. É minha postura mais aerodinâmica. Fico invisível
e relaxo, esvazio minha mente como quando estava esfregando as
paredes da caverna. Acho que virei o tipo de cara me medita.
Vai ser um voo longo.

Estão construindo a Academia em um trecho de floresta do outro lado


da baía de São Francisco. Enquanto pouso, consigo ver a Ponte Golden
Gate e a cidade além dela. Abaixo de mim, dormitórios recém-
construídos e salas de aula se erguem da vegetação. Guindastes e
caminhões de cimento estacionados nas proximidades onde o trabalho
ainda não está terminado. É como uma escola particular comum, se
ignorar o que se esconde atrás do perímetro da floresta: uma cerca
eletrificada, arame farpado, soldados fortemente armados patrulhando
a única saída da Academia.
Ostensivamente, tudo isso é para manter a Garde humana segura. Eu
me pergunto, porém, o que poderia acontecer se um dos Garde humanos
decidisse que já tinha escolaridade suficiente e quisesse passear fora do
campus. Os soldados defendendo os portões permitiriam?
Não reflito sobre a pergunta muito tempo. Não é para isso que estou
aqui.

363
UNIDOS SOMOS UM

Mesmo com toda sua segurança, a Academia não está preparada para
um homem voador invisível. Pouso no campus sem ser detectado.
Esse lugar foi construído como parte da Declaração Governamental
da Garde, um conjunto de regras aderidas pelas Nações Unidas depois
do Dia da Vitória da Humanidade. Adolescentes de todo o mundo serão
enviados para cá com o intuito de aprender a controlar seus poderes e,
eventualmente, trabalhar para o bem da humanidade. Existem outras
regras, também— Coisas sobre os Lorienos e Mogadorianos, regras
sobre quando Legados podem ser usados, esse tipo de coisa.
Para ser sincero, eu não li nenhuma delas.
O campus está completamente deserto agora. Pelo o que ouvi, os
únicos estudantes treinando aqui são os que não têm nenhum outro
lugar para ir. Aqueles que perderam suas famílias durante a invasão. O
resto vai aparecer daqui alguns meses quando o lugar abrir de verdade.
Na entrada, há um cartaz de uma imagem que circulou todos os
lugares durante o esforço de limpeza que se seguiu à invasão. Nele, a
filha do presidente está para em uma pilha de escombros em Nova York,
usando sua super-força para levantar uma pilha de destroços para que
uma mãe segurando seus dois filhos pequenos possa escapar com
segurança por baixo. No fundo, uma glamorosa bandeira esfarrapada
americana balança. Os noticiários afirmaram que a família estava presa
lá por uma semana, mas eu sempre pensei que a coisa toda pareceu
encenada. Inspiradora, sim, mas encenada.
Na parte inferior do cartaz, o slogan diz: GARDES HUMANOS
DEFENSORES DA PAZ — VOCÊS SÃO O ADMIRÁVEL NOVO
MUNDO.
Ainda invisível, eu caminho pelos corredores da Academia. Não
demora muito para que eu comece a ouvir os sons de treinamento. Sigo
na direção deles, sabendo que é lá que ele vai estar.
Estou em um ginásio descomunal, um punhado de crianças pratica
sua telecinese uma com a outra. Pares deles atiram bolas de futebol para

364
UNIDOS SOMOS UM

frente e para trás sem usar as mãos, e cada vez que um apito soa,
acrescentam outra bola à mistura. Quando um grupo deixa uma das
bolas cair, eles soltam um gemido coletivo e começam a dar voltas pela
quadra.
Nove observa tudo isso de uma passarela acima. Ele está vestido
como um treinador de futebol — moletom e capuz. Uma de suas mangas
é costurada devido seu braço que falta.
Seu cabelo preto está amarrado em um rabo-de-cavalo. Achei que o
governo iria obriga-lo a cortar, mas não tive essa sorte.
— Professor Nove, quanto tempo nós vamos ter que fazer isso? - uma
das crianças reclama, e eu tenho que conter minhas risadas.
— Até eu me cansar de te ver estragando tudo, McCarthy - Nove
responde.
Eu voo até a passarela e pouso devagar ao lado de Nove. Ele sente o
movimento e vira a cabeça assim que fico visível.
— Olha só para esse vendido, trabalhando para o gove - oof!
Nove quase me derruba da passarela com seu abraço de um braço só.
Quando ele termina de apertar a vida para fora de mim, ele me segura
na distância de um braço, me estudando assim como eu estou estudando
ele.
— Johnny Hero, puta merda - Nove balança a cabeça. — Você está
aqui.
— Estou aqui.
Percebendo a falta de movimentação das crianças, Nove olha para
baixo. Seu grupo de Garde órfãos parou de treinar para nos observar. Me
observar em particular.
— Mas que diabos? - ele grita. — De volta ao trabalho, seus vermes!
Relutantemente, as crianças fazem o que ele manda. Não consigo
evitar sorrir para o controle de Nove sobre eles. Ele se vira para mim e
aperta minhas bochechas, e percebo que tenho uma barba irregular
crescendo. Deve fazer alguns meses que não me barbeio.

365
UNIDOS SOMOS UM

— Essa penugem é para supostamente te deixar incógnito? - Nove


pergunta. — Não está funcionando.
— Professor Nove, hein? - eu respondo, sorrindo.
— É isso aí - ele diz inflando o peito.
— Você nunca nem terminou o ensino médio, cara.
— É um titulo honorário - ele responde com um sorriso diabólico. —
Olhe só para você, todo homem da montanha recluso e essas besteiras.
Onde você esteve? Sabe, não foi legal ter fugido depois do aleijado aqui
ter passado uma semana cuidando de você.
Torço o nariz para isso.
— Você não estava cuidando de mim. Você foi colocado na cama ao
lado.
— É, fornecendo um importante apoio emocional.
Sei que Nove está brincando, mas tem um pouco de verdade no que
ele diz. Depois de West Virginia, assim que estava me sentindo
suficientemente bem, eu realmente fugi dos outros. Coço minha nunca.
— Me sinto mal sobre isso. Precisava organizar os pensamentos
depois de...
— Ah, cala a boca - Nove diz, dando tapinhas amigáveis me meu
ombro. — Você está de volta agora.
Ele acena com a cabeça para as crianças lá embaixo, alguns deles ainda
estão furtivamente nos observando, estragando os arremessos com
telecinese, e depois correndo algumas voltas.
— Quer dizer algumas palavras para a nova geração? Eles iriam
engolir esse tipo de merda. Esses são meus favoritos. Os atrapalhados.
Eles me lembram da gente.
Dou um passo atrás do corrimão da passarela e balanço minha
cabeça.
— Não estou pronto para nada desse tipo - digo a ele.
Das minhas costas, puxo a pequena caixa de madeira que estou
carregando comigo desde o Himalaia.

366
UNIDOS SOMOS UM

— Na verdade vim aqui para te dar uma coisa. Para Lexa também, se
ela estiver por perto...
Nove levanta uma sobrancelha para mim.
— É, vamos lá dar um oi. Tem uma coisa que quero te mostrar.
Nove libera sua turma e me guia até um escritório no terceiro andar.
Tem vista para todo o campus, ou vai ter quando as janelas forem
colocadas. — Por enquanto há um monte de lonas azuis cobrindo os
espaços abertos nas paredes. Lexa está sentada em sua mesa, olhando
para um equipamento de computador múltiplo. Assim como Nove, ela
está vestida casualmente e parece à vontade aqui. Seu sorriso se alarga
quando me reconhece, e imediatamente abandona sua tela para me dar
um abraço.
— Então, você é professora também? - pergunto a ela.
Lexa zomba de mim.
— Não, Nove me ultrapassou. Estou de volta ao meu trabalho
favorito: Hacker benevolente - ela me conduz até o monitor. — Dê uma
olhada.
De relance, é difícil absorver toda a informação que passa nas telas
do computador de Lexa. Tem mapas-múndi com pequenos pontos azuis,
múltiplos bots de procura vasculhando a internet, fóruns da deep web e
janelas de data criptografada trabalhando rápido no processo que eu não
entendo.
— Certo, para o que estou olhando?
— Estou mantendo o controle sob a Garde - Ela explica. —
Escondendo suas informações se ficarem públicas. Mantendo suas
famílias confidenciais. Mesmo eles estando sob a proteção da Academia,
não faz mal ser cuidadoso. Sem mencionar que alguns governantes
ainda não são tão entusiastas sobre toda essa nova iniciativa.
— Isso é necessário?
— Melhor prevenir do que remediar. - ela responde. — Lawson e os
outros Garde-Humanos foram legais conosco, mas...

367
UNIDOS SOMOS UM

— Mas aí tem merdas como essa que fazem você ficar na dúvida -
Nove interrompe me entregando uma papelaria que parece ser do
governo. Dou uma lida rápida.

Eu, com meu juramento, declaro que sou um ser humano naturalmente
nascido na Terra e um cidadão cumpridor de leis de uma nação da Terra
Garde. Com minha assinatura, declaro lealdade a uma divisão de
manutenção da paz plenamente sancionada pelas Nações Unidas e
administrada pelos Estados Unidos. Juro solenemente que irei defender
o planeta e os melhores interesses da minha nação e seus aliados contra
todos os inimigos, terrestre e extraterrestre; que irei ter verdadeira fé e
lealdade a Garde da Terra; que só irei usar meus Legados em serviço
para o meu planeta; E que irei obedecer às ordens do conjuntamente
nomeado Alto Comando dos Garde da Terra de acordo com o
regulamento e o Código Uniforme da Justiça Militar.

Olho para Nove, me sentindo um pouco confuso.


— Isso é legalizado?
— Não sei, John. Sou um professor, não um advogado.
— Lawson nos assegurou que é apenas uma formalidade - Lexa
interrompe. — Mas estamos de olhos abertos, por precaução.
— Bem, se alguma hora parecer que eles não estão nos conformes... -
começo a dizer, então mostro a eles o que trouxe comigo.

Em Nova Iorque, a reconstrução está em andamento. Um ano depois


eles ainda estão retirando os detritos do bombardeio Mogadoriano. Nos
lugares que eles terminaram de limpar, equipes de construção estão se
preparando para colocar os arranha-céus da cidade de pé novamente.
Um processo similar está acontecendo na maioria das cidades do

368
UNIDOS SOMOS UM

mundo. O Dia da Vitória da Humanidade não aconteceu sem danos ou


casualidades.
Eu flutuo acima de um canteiro de obras, sorrindo para um flash
familiar de energia prata. Em um poço que será um dia se tornar um
arranha-céu, Daniela usa sua pedra-visão para escorar uma seção
rachada da fundação.
— Merda - queixa-se um sujeito em um capacete de segurança. — Se
você continuar assim, eu vou perder o emprego, querida.
— Eu não sou sua querida, velhote - Daniela responde, e abre seu
caminho através de uma multidão de trabalhadores da construção. Pela
forma como a vejo se afastar, sorrindo e trocando olhares, eu acho esta
pode ser uma cena bastante comum.
Daniela sobe para fora do local de construção e vai para a calçada,
onde ela é abordada por uma mulher de meia-idade que anda com um
bastão. A senhora para e abraça Daniela, e Daniela inclina-se para
acariciar o golden retriever que amulher tem na coleira. A mulher parece
familiar, e isso me leva a minuto para descobrir o porquê.
— Você esqueceu seu almoço, anjinho - diz a mulher.
— Obrigado, mãe - responde Daniela.

Não é toda cena que eu encontro durante a minha viagem ao redor do


mundo é um doce. Alguns finais não são tão felizes.
É noite em Montreal, quando eu encontro Karen Walker. Ela anda
através de um estacionamento quase deserto de um aeroporto, um
casaco elaborado para protegê-la do ar frio da noite, um jornal dobrado
sob seu braço, seus saltos clicando.
Há apenas uma outra pessoa no estacionamento - um homem pálido,
de meia-idade com um terrível corte de cabelo e que arrasta uma mala
de rodinhas atrás dele.

369
UNIDOS SOMOS UM

Um dos postes de iluminação do parque de estacionamento está


desligado, deixando uma pequena fila de carros banhados nas sombras.
Quando o homem chega a esse ponto, Walker grita para ele.
— Com licença! - ela chama, acenando com o jornal. — Excusez-moi!
Você deixou cair o seu jornal!
O homem se vira, intrigado. — Hã? Isso não é—
Fft-FFT.
Dois tiros silenciados a partir da pistola escondida dentro do seu
jornal, uma no peito e uma na cabeça. O homem nunca iria ver isso
acontecer. Ele cai, e Walker vai até ele imediatamente. Ela começa
arrastar seu corpo para o espaço de sombra entre dois carros. Eu a ajudo
com a minha telecinese, aparecendo alguns mestros de distância. Ela
pula, aponta a arma para mim, em seguida, rapidamente a abaixa e finge
que não ficou surpreso em primeiro lugar.
— John.
— Karen - eu respondo. — Eu espero que você tenha uma boa razão
para isso.
— Eu tenho - ela responde. Walker descompacta a mala do homem
morto e joga para o lado uma pilha de suas roupas. Ela escava ao redor
até que ela encontra uma cópia da Bíblia. Ela abre o livro, revelando que
ele está oco.
Dentro, há três frascos de óleo negro. Minha pele se arrepia ao ver.
— Quanto disso está espalhado pelo mundo? - eu pergunto a ela.
— Eu não sei - diz Walker. — Qualquer número acima de nenhum é o
suficiente para mim.
Walker tira um frasco de dentro de seu casaco. Pelo cheiro de ovo
podre, eu acho que é ácido sulfúrico. Cuidadosamente, ela coloca um
pouco em cada um dos frascos Mogadorianos, destruindo o conteúdo.
— Quem era esse homem? - eu pergunto a ela.

370
UNIDOS SOMOS UM

— Apenas um nome em uma lista - ela responde, olhando-me nos


olhos. — Uma lista muito longa. Sabe, eu poderia usar alguma ajuda a
trabalhar com isso.
Eu tiro a minha caixa de charutos e a abro. — Podemos falar sobre
isso em breve.

Vendo aquele líquido me leva de volta para a nossa última batalha com
Setrákus Ra. Tudo depois que eu fiquei trancado com Setrákus Ra é
como um sonho. Me lembro de como quebrado e destruído meu corpo
estava, e eu lembro de uma visão de Sarah, uma alucinação inclinando-
se para me beijar, para me fazer continuar.
Lembro-me de voar. Para cima, para baixo, deixando aquele calor para
trás, fugindo do cheiro da morte. Eu lembro do casaco de Bernie Kosar
suave contra o meu rosto.
Lembro-me do som de alguém chorando, e eu me lembro de nós
parando, ainda dentro do montanha. Lembro-me de ser capaz de abrir
os olhos apenas o suficiente para ver uma criatura lobo cinzento peludo
mas com as pernas de aranha, coberto de sangue seco, imóvel. Um
Chimaera congelado em sua última forma.
E eu me lembro Adam embalando esse Chimaera, Areal, e chorando
na pele de seu pescoço.
— Ele me puxou para fora... ele me salvou... - lembro-me de Adam
dizendo para Seis, delirante, perto da morte.
Fechei os olhos para o bem depois disso. Eu não podia ver mais nada.
Eu saberia o que aconteceu depois. Como Areal mergulhou atrás de
Adam, assumiu uma forma que o deixaria sair do abismo e arrastou
Adam tanto quanto ele poderia para longe das cavernas. Ele teve que
morder Adam para levá-lo em segurança, e, depois que ele morreu, uma
das presas de Areal ainda estava incorporado no ombro de Adam.

371
UNIDOS SOMOS UM

Adam usa essa presa em volta do pescoço, agora, ligado a uma cinta
de couro lisa. É um dos poucos privilegios que lhe é permitido aqui no
Alasca.
Quando eu o encontro, Adam está de pé na frente de uma pequena
fogueira, suas mãos enfiadas em um puído casaco de inverno. Está
congelando aqui fora. O cabelo escuro de Adam, cresceu mais do que
antes, está para fora de debaixo de um chapéu de lã. Mesmo agasalhado,
ele treme. Está no meio da tarde, e não há nenhuma luz solar. Esta parte
do Alasca - cinquenta milhas ao norte da cidade - não mais próximo
obter um pouco de luz nesta época do ano.
Este campo de prisioneiros especialmente construído para a ocasião
é onde a ONU mantém os Mogadorianos que se renderam. Os que foram
capturados. O nascidos artificalmente que lutaram até o último
momento; eles não sabiam nada melhor. Os nascidos naturalmente, no
entanto, se auto preservaram, especialmente quando Setrákus Ra
morrue.
Uma dúzia de malocas com aquecimento irregular, comida e nada
mais. Uma aldeia de Mogadorianos no meio do nada — e com um
perímetro de soldados da ONU que superam o sobreviventes
Mogadorians em vinte-para-um — em todos os momentos. Há mísseis
voltados aqui perpetuamente. Drones projetado para suportar os
elementos voam em cima.
Falou-se sobre a opção de execução de todos eles. Ainda se fala. Por
enquanto, os Mogadorianoss capturados ficam aqui e esperaran.
— Eu renuncio os ensinamentos do Grande Mentiroso! - grita um
Mog com cicatrizes em toda a sua cabeça calva de onde ele esculpiu fora
suas tatuagens. Ele joga uma cópia do Grande Livro na fogueira, e um
pequeno amontoado de Mogs, Adam e Rex estão entre eles, vir para a
frente para abraçá-lo e parabenizá-lo.
Talvez haja esperança para a reabilitação.
Outro contingente maior de Mogs assistem os queimadores de livros.

372
UNIDOS SOMOS UM

Não há nada além da malícia em seus olhos. Um deles, em particular,


destaca-se a mim. Ela é uma garota de cabelos escuros, alguns anos mais
jovem do que Adam com os mesmos recursos afiados. Esta menina e seu
grupo parece que não querem nada mais do que assassinar seguidores
de Adam, e, a julgar pelos arranhões e hematomas nos rostos de alguns
dos amigos nascidos naturalmente de Adam, tem havido tentativas.
Adam olha de volta para os descontentes nascidos naturalmente que os
observam, o queixo levantado em desafio.
Uma sirene dispara. Um aviso de que o Mogs precisam dispersar.
Uma das regras aqui é que eles não podem se reunirem grandes
números.
Enquanto os Mogs castigados voltam para seus beliches carentes, eu
flutuo para baixo ao lado de Adam.
— Provavelmente não seria uma boa ideia para mim para ser visto
aqui, hein? - eu sussurro para ele sem estar visível. A sirene é alta o
suficiente para mascarar a minha voz.
Todo o corpo de Adam fica tenso, ele cerra os punhos, e por um
momento eu acho que ele está prestes a me dar um soco. Ele está
esgotado.
— Pega leve - eu digo. — Sou eu.
Adam rapidamente recupera a compostura. Ele se ajoelha na neve e
finge amarrar a bota.
Os outros Mogs de seu grupo seguem de mau humor para a maloca,
nos dando espaço.
— John - Adam diz em voz baixa, o fantasma de um sorriso no rosto.
— É bom para ver... ah, é bom ouvir sua voz. Coloco a mão no ombro de
Adam transformando-o em invisível também. Eu deixo meu Lúmen
desencadear um pouco, irradiando algum calor.
— Você vai me entregar - diz ele com um suspiro.
— Eu poderia te tirar daqui agora - eu digo. — Ninguém saberia.

373
UNIDOS SOMOS UM

— Meu povo notaria quando não houver ninguém aqui para defendê
los dos demais - ele responde com tristeza. — E, além disso,
tecnicamente, eu posso sair a qualquer momento.
Isso é verdade. Devido ao seu papel na luta contra a invasão
Mogadoriana, Adam recebeu perdão através do próprio Geral Lawson.
Ele optou por não usá-lo. Quando os nascidos naturalmente começaram
a ser enviados para o Alasca, Adam estava aqui esperando por eles.
— Eu vi uma menina no meio da multidão que se parecia com você -
eu digo timidamente, não sabendo o quanto posso falar sem em
intrometer demais.
— Minha irmã - Adam responde melancolicamente. — Ela amava o
nosso pai. Eu acho que ela me odeia agora, mas talvez um dia...
— E sua mãe? - pergunto
Adam balança a cabeça. — Ela desapareceu. Talvez ela tenha morrido
lutando na invasão, ou talvez ela esteja se escondendo. Uma parte de
mim espera que ela vai aparecer aqui um dia, e uma parte de mim espera
que ela não vai.
— Você não quer que ela tenha que viver aqui - eu digo.
— Estou mais preocupado de que lado ela estaria – diz Adam. — É
desolador, John, mas este é a meu dever agora. Eu estou fazendo mais
bem do aqui do que eu poderia fazer em qualquer outro lugar.
Eu marco isos. Eu odeio ver meu amigo aqui em cima, afastado em
conjunto com o resto deles, então eu não quero vir e concordar. Mas ele
poderia estar certo.
Eu pego a mão de Adam e pressiono um objeto da minha caixa de
madeira para ele. Ele olha para baixo, assustado com o brilho azul-
cobalto que irradia de sua palma. Rapidamente, ele esconde o que eu dei
a ele debaixo de sua camisa.
— Para quando você estiver pronto.

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UNIDOS SOMOS UM

Eu já extrapolei minhas visitas indo ao Alasca antes do meu próximo


destino. É a minha última parada na América do Norte.
Eu não estive de volta a Paradise desde que Sam e eu voltamos à
cidade para procurar o bunker escondido de seu pai. Eu quase me matei
naquela noite, mas eu só tinha tentado ver Sarah.
Eu sinto um suor frio assim que a pequena cidade vem à vista. Meus
olhos são atraídos para o casa James. O telhado cedeu, os lados ainda
estão pretos e carbonizados. Eles nunca a reconstruíram após o fogo que
aconteceu lá durante a festa de Mark, aquela em que eu fui pego pulando
fora de sua janela.
Eu nunca se dei bem com Mark. Nós nunca gostamos um do outro.
Mesmo assim, ele fez o seu melhor para nos ajudar. Ele foi bom, e
morreu de forma horrível que ele não merecia. Em todas as
retrospectivas que estão passando na televisão, nenhuma menciona
Mark James.
Algum dia, eu acho que talvez eu gostaria de encontrar seu pai. Eu fiz
uma investigação rápida na internet, mas só consegui descobrir que ele
se demitiu do trabalho de xerife e deixou Paradise. Eu gostaria de dizer
a ele o que aconteceu com Mark e o que ele fez por nós antes de morrer,
mesmo que ele não queira ouvir isso.
Há algumas coisas que eu ainda não estou pronto. Isso é uma delas.
A outra é aqui também. Eu pouso no quintal da família Goode, feliz por
encontrar Malcolm trabalhando no jardim. Me leva um minuto
observando-o para perceber porque o pedaço de terra que ele está
trabalhando parece tão estranho — é onde o seu bunker estava
escondido. Parece que Malcolm e Sra. Goode decidiu nivelar o velho
poço que costumava levar para a câmara secreta de Malcolm. No solo
fresco, eles plantaram flores de todas as cores imagináveis. Eu presumo
que o corpo de Pittacus Lore ainda está enterrado lá, e, em caso
afirmativo, imagino ele estaria satisfeito com este lugar de descanso.
Malcolm me abraça por um longo tempo quando eu o supreendo.

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UNIDOS SOMOS UM

Meus olhos se enchem de lágriamas. É esse o lugar. Eu não posso


deixar de pensar em tudo o que aconteceu aqui. Eu não posso deixar de
imaginar, por apenas um segundo, que Malcolm é Henri.
Depois de eu lhe dar o mesmo presente que eu dei a todos os outros,
Malcolm tenta fazer com que eu fique para o jantar.
— Eu não posso - digo a ele. — Tenho muito o que fazer.
Ele balança a cabeça tristemente. — Ainda salvando o mundo, não é?
— Nada tão sério - eu respondo. — Eu estou indo visitar Sam agora.
— Diga a ele para ligar para sua mãe! - Malcolm diz com um aceno de
cabeça. — E diga a ele que ele precisa voltar para casa e, eventualmente,
terminar o ensino médio ou ele nunca vai entrar em uma boa faculdade.
Há um limite para o quanto de férias um jovem podem ter, não importa
quantos planetas ele ajudou a salvar.
Rindo, eu prometo dizer tudo para Sam. Então eu voo para fora do
quintal de Malcolm, fico invisível novamente e pouso em uma casa logo
depois.
A casa de Sarah Hart.
Eu estou na frente, ainda invisível, sem me mover. É como eu me
lembro. Eu imagino me movimentando para cima da calçada e tocando
a campainha, o quão animado eu estaria para vê-la, meu coração
acelerado. Ela me convidaria para entrar, e a sua casa teria aquele cheiro
incrível como sempre teve, e nós—
Não há nenhum movimento nas janelas. A casa está escura. Há uma
placa “À VENDA” plantada no jardim da frente.
Eu imaginei isso centenas de vezes ao longo do último ano. Como eu
iria vir aqui e tocar a campainha como nos velhos tempos. Como eu
poderia ver os pais de Sarah e dizer-lhes o quanto eu amava a filha deles,
o quanto ela significava para mim, o quanto ela significava para o
mundo, mesmo que muitas pessoas não sabem e quão culpado eu sinto
por ter arrastado ela para tudo o que aconteceu. Eu diria a eles que eu
sinto falta dela todos os dias. E então eu iria me jogar na misericórdia

376
UNIDOS SOMOS UM

deles.
Eu imaginei isso tantas vezes, mas não posso fazê-lo. Eu não posso
dar esses passos.
Estou com muito medo. Eu não quero ver o olhar em seus olhos. Eu
não quero lidar com a dor que eu tenho lhes causou.
Talvez um dia eu vou estar pronto.
Hoje não.

Em sua turnê pela Europa, Seis e Sam já passaram por Montenegro ao


tempo que eu os alcanço. Eles estão acampando em uma parte isolada
do Jaz Beach. Mesmo à noite, a água brilha como o cristal, as flores roxas
das colinas próximas têm um contraste impressionante. Estou feliz por
eles — a forma como eles viajaram, o quanto eles já viram em um ano e
— ao mesmo tempo, meu coração dói porque não é comigo.
Na praia, eu encontro a sua fogueira e sua tenda, mas eu não encontro
Seis ou Sam. Não, para isso eu preciso seguir a trilha de roupas no
sentido da borda da água. Eu lá eu os vejo, silhuetas no luar,
entrelaçados na água.
Eu rio baixinho e desvio o olhar.
Eu não vou segurar vela aqui, mesmo sentindo muita falta deles dois.
Eu também não falei com Seis desde que — bem, desde que ela salvou a
minha vida. A vida que eu estava mais do que pronto para jogar fora.
Como com a família de Sarah, eu não sei o que eu vou dizer para ela. Por
enquanto, é melhor não dizer nada.
De dentro da minha caixa de madeira, retiro dois pingentes. Eles
estão esculpidos em pedra de Loralite que eu lasquei da pedra principal
no Himalaia. Desenhado em ambos hpa o símbolo lórico para União. Eu
amarroo eles em seus sacos de dormir e encontro um pedaço de papel
para escrever-lhes uma nota curta. Eu quero que eles saibam como os

377
UNIDOS SOMOS UM

pingentes funcionam, que eles só precisam de visualizar o Himalaia e os


pingentes irão levá-los para a câmara que eu criei, o que eu limpei com
as coisas do passado e preparei para o futuro.
Eu escrevo que eu espero vê-los em breve, de verdade.

Marina é a mais difícil de encontrar. Se não fosse por seus telefonemas


esporádicos para Ella ao longo dos últimos meses, poderia ter me levado
semanas para localizá-la. Quando eu ia perguntar a ela sobre Marina,
Ella sempre ficar quieta. Ela disse que Marina não parecia ser ela mesma.
Que ela parecia paranóica. Irritada.
Eu a encontro a navegando numa lancha entre as ilhas desertas no
sul do Pacífico. Seu rosto está queimado pelo sol, seu cabelo ondulado
encrespado em linha reta por causa da água salgada, e há olheiras
profundas sob os olhos. Eu tenho sensação de que ela está sozinha há
um tempo — eu reconheço os sinais — eu os vi em mim mesmo. Seus
lábios se movem quando ela não está falando, as mãos tremem, os olhos
nem sempre mantêm o foco.
Fomos criados em uma guerra, e agora — agora estamos livres. Todo
mundo está lidando com isso de forma diferente.
Quando eu apareço pela primeira vez para ela, ela não assustou tanto
quanto os outros.
— Você está realmente aí, ou eu realmente ficquei louca? - ela me
pergunta.
— Eu estou aqui, Marina.
Ela sorri aquele sorriso suave e paciente. Eu estou contente de vê-lo.
— Graças a Deus - diz ela. — Você apareceu numa boa hora.
Eu não pergunto para onde estamos indo. Ela dirige o barco
intencionalmente, como se ela já tivesse feito esta viagem antes. Eu me
inclino para trás e sento o sol batendo no meu pescoço e nos ombros.

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UNIDOS SOMOS UM

Eventualmente, Marina me entrega um telefone celular. Nossos


dedos se encontram, e noto que ela está gelada.
— Eu vi isso na internet, e eu - eu não podia deixá-lo ir - diz ela.
Ela reproduz um vídeo que ela baixou do YouTube. Claro que
reconheço a cena. É a montanha em West Virginia, ou o que sobrou dela.
Realmente, é uma cratera cheia de entulho queimado, o resultado final
do nosso bombardeio daquele lugar infernal. O vídeo foi filmado uma
semana depois de nossa última batalha lá, quando várias agências
governamentais começaram a recolher os restos mortais.
Enquanto uma equipe afasta algumas rochas, algo os joga para trás.
Uma forma sobe para cima dos escombros como um míssil e desaparece
no céu. A câmara tenta segui-lo, mas não é suficientemente rápida.
— Nós nunca tivemos uma quarta cicatriz, John - Marina diz, com a
voz um pouco instável.
— Talvez o feitiço foi quebrado - eu digo.
— Eu pensei nisso por um tempo. Tentei me convencer... - ela balança
a cabeça. — Eu sei os tipos de lugares que ele gosta. Lembro-me de... de
quanto ele nos disse sobre si mesmo. Quente e tropical. Isolado.
— E?
— Eu encontrei ele na semana passada - diz Marina.
Marina desliga o motor do barco e nos aproximamos de uma pequena
ilha. Provavelmente iria levar menos de uma hora para caminhar por
todo o seu perímetro. Apenas areia branca e um pequeno bosque de
palmeiras. Nós flutuamos para mais perto, as ondas nos puxando para
lá.
O cara que está na praia com uma vara de pesca de madeira em suas
mãos parece assustadoramente magro. De onde estamos, eu posso ver
o contorno de suas costelas e coluna vertebral. Há abas soltas de pele em
seu braços e barriga de onde as gorduras sumiram muito rápido. Mais
desconcertante são as manchas escuras da pele, como tumores, como
endurecidos de obsidiana, que fazem uma colcha de retalhos de sua pele.

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UNIDOS SOMOS UM

Talvez isso é resultado de ser afogado no lago de lodo de Setrákus Ra.


Outra desfiguração permanente para se juntar à falta olho.
Mais que definitivamente é Cinco parado lá. Não há nenhuma chance
de que ele não nos vê. Não há outros barcos até onde os olhos podem
ver. Ele provavelmente nos ouviu quilômetros atrás.
— Quando o vi morrer, John, tudo que eu conseguia pensar era como
era horrível. Ser morto daquela forma... - Marina começa hesitante,
olhando Cinco através das águas rasas. — Mas eu também senti — eu
não estou orgulhosa em admitir isso, eu também senti que havia justiça.
Que ele tinha finalmente conseguido o que ele merecia.
Marina abraça a si mesma. Mesmo sob o sol, forma-se uma geada de
luz em sua pele.
— Eu tenho orado, John. Eu - eu tentei superar isso, como muitos dos
outros já fizeram. Mas as mortes me assombram. Não apenas Oito, mas
Sarah e Mark, Adelina e Crayton, todas aquelas pessoas que vimos na
montanha, os milhões que morreram no bombardeio. E eu acho - como
alguém pode apenas seguir em frente? Como? Quando ainda existem
pessoas como ele no mundo? Quando não há justiça?
Eu engulo em seco. — Eu não sei, Marina.
— Tenho vindo aqui por uma semana. Sentada aqui fora.
Observando-o. Ele sabe que estamos aqui, obviamente, mesmo ele não
dizendo nada. É como - é como se ele estivesse me desafiando. Ou como
se estivesse pedindo. Ele quer que eu o tire de sua miséria.
Olhando através da água, Cinco parece estar em uma forma áspera.
Deixado aos seus próprios dispositivos, eu não tenho certeza de quanto
tempo ele vai durar aqui.
— Você me disse, John, que eu seria responsável pelo destino dele.
Depois, você disse. Mas eu não quero essa responsabilidade. Eu não
quero continuar carregando isso comigo - a guerra, tudo isso. É muito
para suportar sozinho.

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UNIDOS SOMOS UM

Coloquei meus braços ao redor de Marina. Ela é fria ao toque, então


eu ligo o Lúmen, contrariando seu frio. Ela chora, um soluço áspero, e,
em seguida, bate uma mão sobre sua boca. Ela silencia a si mesma,
sabendo que Cinco provavelmente vai ouvir.
— Vamos sair daqui - eu digo, pegando o último dos meus pingentes.
— Deixe-me levá-la em algum lugar onde podemos descobrir o que está
acontecerá agora. Juntos.
Marina hesita, olhando para Cinco. — E ele?
— Ele é um fantasma - eu respondo. — Nós não somos.

Marina volta para o Himalaia comigo. Quando ela vê o que eu fiz com a
caverna, com a caverna de Oito, ela passa as mãos sobre os lugares onde
as profecias costumavam estar gravadas, sentindo a suavidade da nova
pedra, a possibilidade de uma tela em branco. Ela se deixa chorar,
finalmente.
Depois disso, Marina fica bem na minha frente. Ela estende os braços
e segura meu rosto com as mãos.
— Obrigado, John - diz ela calmamente. As lágrimas não secaram nas
bochechas.
Ela me beija. Eu não sei o que significa.
Talvez nada.
Marina cora, sorri para mim e lentamente se afasta. Eu sorrio de
volta. Esta caverna do Himalaia fica de repente muito mais quente.
Talvez algo.
No centro da caverna, eu puxo a lona para mostrar a Marina no que
eu trabalhei durante o ultmo ano. Esculpida a partir de árvores que
cortei da montanha, há uma mesa que usa a pedra Loralite como base. É
enorme e circular, modelada com minhas memórias da mesa no centro

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UNIDOS SOMOS UM

Câmara dos Anciãos em Lorien. Como nos pingentes, eu usei meu


Lúmen para queimar o símbolo Lórico de União na madeira.
Eventualmente, os outros virão. Alguns deles apenas para uma visita,
alguns deles para uma longa estadia. Um dia, espero, isso vai se tornar
um lugar onde grandes ideias seráo trocadas. Um lugar mantido a salvo
da corrupção e mesquinhez dos governos. Onde a segurança da Terra e
da alegria do seu povo estão asseguradas.
Ainda há ameaças que este planeta enfrenta - umas que necessitam
de uma frente Lórica, ds seres humanos e até mesmo Mogs. Vamos nos
reunir aqui para resolver esses problemas — nós, a Garde, nossos velhos
aliados e aqueles que ainda nem conheci.
Nesse meio tempo, temos bastante coisas para descobrir, juntos e
separados. Encontrar o nosso lugares neste novo mundo, fazendo as
pazes com aqueles que ferimos, vivendo de acordo com o nosso
potencial — estes são as coisas realmente assustadoras.
Há uma diferença entre a mesa que eu construí aqui e a mesa usada
pelos Anciãos. Eu não esculpi nove espaços específicos na madeira. Não
há lugar para Lóridas ou Setrákus ou Pittacus. Lá nem sequer há nove
cadeiras. Há tantas quanto nós precisarmos, mais do que suficiente. E
se ficar muito lotado, podemos espremer até caber.
Estou farto de números.

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