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MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia

ISSN 2318-0811
Volume IV, Número 1 (Edição 7) Janeiro-Junho 2016: 83-103

O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate*

Friedrich A. Hayek**

Resumo: Neste segundo artigo sobre o problema do cálculo socialista, o autor analisa
propostas socialistas alternativas que participaram dos debates em torno do assunto.
Em particular, o autor apresenta e discute as propostas de abolir a propriedade
privada e manter a propriedade estatal dos meios de produção, porém preservando
a competição. Conclui-se que preservar a competição em um arcabouço socialista
necessariamente leva ao desperdício e a prejuízos consideráveis na produtividade.

Palavras-Chave: Teoria econômica, História do pensamento econômico, Problema do


cálculo socialista, Sistemas socialistas alternativos, Competição.

Socialist Calculation II: The State of the Debate


Abstract: In this second article on the problem of socialist calculation, the author
analyzes alternative socialist proposals which participated in the discussions on
the subject. Particularly, the author presents and discusses the proposals to abolish
private property and mantain the state ownership of the means of production, while
preserving competition. It is concluded that preserving competition in a socialist
framework necessarily leads to waste and meaningful losses in productivity.

Keywords: Economic theory, History of economic thought, The socialist calculation


problem, Alternative socialist systems, Competition.

Classificação JEL: B53, B14.

*
Reimpresso de: HAYEK, F. A. (Ed.). Collectivist Economic Planning. London: George Routledge & Sons, Ltd.,
1935. A versão traduzida foi retirada de: HAYEK, F. A. Socialist Calculation II: The State of the Debate. In: HAYEK,
F. A. Individualism and Economic Order. Chicago: The University of Chicago Press, 1958. p. 148-180. O último
artigo do autor a respeito do mesmo tema (Socialist Calculation III: The Competitive “Solution”) será publicado na
próxima edição do periódico MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia.
Traduzido do inglês para português por Claudio A. Téllez-Zepeda.

**
Friedrich August von Hayek nasceu em Viena, no dia 8 de maio de 1899, na ocasião, ainda Império Austro-
Húngaro. Recebeu os títulos de doutor em Direito (1921) e Ciência Política (1923) pela Universidade de Viena,
onde também estudou Filosofia, Psicologia e Economia. Com a ajuda de Ludwig von Mises (1881-1973), no final
da década de 1920, fundou e dirigiu o Austrian Institute for Business Cycle Research, antes de ingressar na London
School of Economics em 1931. Tornou-se súdito inglês em 1938 e, em março de 1944, lançou seu famoso livro O
Caminho da Servidão (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). Viveu na Grã-Bretanha até 1950 e depois mudou-
se para os Estados Unidos, onde permaneceu de 1950 a 1962. Em 1974, recebeu o Prêmio Nobel de Economia por
sua Teoria da Moeda e flutuações econômicas. Faleceu em 23 de março de 1992, em Freiburg, na Alemanha, onde
vivia desde a década de 1960.
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I entre aqueles que enxergam o problema,


esta posição ainda não está completamente
A despeito de uma tendência abandonada; entretanto, sua defesa apresenta
natural, por parte dos socialistas, para mais ou menos a natureza de uma ação de
menosprezar sua importância, está claro retaguarda por intermédio da qual tudo o
que as críticas ao socialismo já produziram que se tenta é mostrar que, “em princípio”,
um efeito profundo nos direcionamentos do uma solução é concebível. Há poucas ou
pensamento socialista. A grande maioria dos nenhuma indagação a respeito de se uma
“planejadores” ainda não foi obviamente, tal solução seria praticável. Posteriormente,
afetada por elas; a grande massa de teremos oportunidade para discutir algumas
parasitas de qualquer movimento popular tentativas nesse sentido. Entretanto, a
permanece sempre inconsciente das correntes grande maioria dos esquemas mais recentes
intelectuais que produzem uma mudança tentam contornar as dificuldades mediante a
de direção1. Ademais, a existência na Rússia, construção de sistemas socialistas alternativos
atualmente, de um sistema que se professa que, fundamentalmente, diferem mais ou
como planificado levou muitos daqueles que menos dos tipos tradicionais contra os quais
nada sabem acerca de seu desenvolvimento as críticas se dirigiram em primeiro lugar
a pressupor que os principais problemas e que se supõe serem imunes às objeções às
foram resolvidos; de fato, conforme veremos, quais estes últimos estão sujeitos.
a experiência russa proporciona confirmação Neste ensaio, consideraremos a literatura
abundante das dúvidas já colocadas. No recente em inglês a respeito do assunto e será
entanto, entre os líderes do pensamento feita uma tentativa de avaliar as propostas
socialista, a natureza do problema central não recentes que foram concebidas para superar
somente é cada vez mais reconhecida, mas a as dificuldades agora reconhecidas. Antes de
força das objeções levantadas contra os tipos entrarmos nesta discussão, contudo, pode ser
de socialismo, que no passado costumavam útil proferir umas poucas palavras a respeito
ser considerados como mais praticáveis, da relevância do experimento russo para os
também é crescentemente admitida. Agora, problemas sob discussão.
raramente se nega que, em uma sociedade
que deve preservar a liberdade de escolha do
consumidor e a livre escolha de ocupações, II
o direcionamento central da totalidade das
atividades econômicas consiste em uma tarefa Obviamente, não é nem possível, nem
que não pode ser resolvida racionalmente sob desejável empreender, neste ponto, um
as condições complexas da vida moderna. exame minucioso dos resultados concretos
É verdade, conforme veremos, que mesmo do experimento russo. A este respeito, seria
necessário fazer referência a investigações
especiais detalhadas, em particular aquelas
1
Desafortunadamente, isto também se aplica à maior do professor Boris Brutzkus (1874-1938)2.
parte dos esforços coletivos organizados professamente Neste ponto, estamos preocupados somente
dedicados ao estudo científico do problema do
planejamento. Qualquer um que estude publicações
com a questão mais geral acerca de como os
tais como a Annales de l’économie collective, ou o resultados obtidos por intermédio de um tal
material apresentado no World Social Economic Congress exame das experiências concretas corresponde
[Congresso Econômico Social Mundial] em Amsterdam ao argumento mais teórico e o quanto as
(1931) e publicado pelo International Relations Institute conclusões atingidas pelo raciocínio a priori
[Instituto de Relações Internacionais] sob o título de
World Social Economic Planning (2 vols. The Hague,
1931-1932), procurará em vão por qualquer sinal de que 2
BRUTZKUS, Boris. Economic Planning in Russia.
os principais problemas chegam a ser reconhecidos. London: George Routledge & Sons, Ltd., 1935.
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são confirmadas ou refutadas pela evidência evidência de sucesso, apresenta pouca


empírica. importância no que diz respeito à resposta
Talvez não seja desnecessário recordar para a questão central. Se a nova fábrica
ao leitor, neste ponto, que aquilo que se ques- se mostrará como um elo útil na estrutura
tionava com base em considerações gerais não industrial para o aumento da produção,
era a possibilidade de planejamento enquan- isso depende não somente de considerações
to tal, porém a possibilidade de planejamento tecnológicas, mas ainda mais da situação
bem-sucedido, de atingir os fins para os quais econômica geral. A melhor fábrica de tratores
o planejamento era empreendido. Dessa ma- pode não ser um ativo e o capital nela
neira, devemos ser claros, em primeiro lugar, investido pode representar puro desperdício
a respeito dos critérios que empregaremos caso o trabalho que o trator substitui seja mais
para julgar o sucesso, ou as formas nas quais barato que o custo do material e do trabalho
esperamos que o fracasso se manifeste. Não envolvidos para fabricar um trator, mais os
há razão para esperar que a produção seja pa- juros.
ralisada, ou que as autoridades enfrentarão Entretanto, uma vez que nos libertamos
dificuldades para utilizar, de algum modo, da enganadora fascinação pela existência
todos os recursos disponíveis, ou mesmo que de instrumentos de produção colossais, a
a produção seria permanentemente menor do qual tem propensão a cativar o observador
que teria sido antes do início do planejamento. acrítico, restam somente dois testes legítimos
O que devemos antecipar é que a produção, para o sucesso: os bens que o sistema de fato
na qual a utilização dos recursos disponíveis proporciona ao consumidor e a racionalidade
foi determinada por alguma autoridade cen- ou irracionalidade das decisões da autoridade
tral, seria menor do que se o mecanismo de central. Não pode haver dúvidas de que o
preços de um mercado operasse livremente primeiro teste conduziria a um resultado
sob circunstâncias de outro modo semelhan- negativo, de qualquer modo para o presente,
tes. Isto ocorreria devido ao desenvolvimen- ou caso seja aplicado à população como um
to excessivo de algumas linhas de produção todo e não a um pequeno grupo privilegiado.
à custa de outras, bem como à utilização de Praticamente todos os observadores parecem
métodos inadequados às circunstâncias. Es- concordar que, mesmo em comparação com
peramos encontrar o superdesenvolvimento a Rússia de antes da guerra, a situação das
de alguns setores industriais a um custo que grandes massas se deteriorou. Ainda assim,
não se justifica pela importância do aumen- uma tal comparação ainda faz com que
to de sua produção e verificar que a ambição os resultados pareçam muito favoráveis.
dos engenheiros para aplicar os últimos de- Admite-se que a Rússia czarista não
senvolvimentos realizados em outra parte proporcionava condições muito favoráveis ao
não seja questionada, mesmo sem considerar desenvolvimento industrial capitalista e que,
se seriam desenvolvimentos economicamente sob um regime mais moderno, o capitalismo
apropriados para a situação. Em diversos ca- teria provocado um rápido progresso.
sos, a utilização dos últimos métodos de pro- Também devemos levar em consideração que
dução, que não poderiam ter sido aplicados o sofrimento nos últimos quinze anos, que o
sem planejamento central, seria um sintoma “passar fome para atingir a grandeza”, algo que
do emprego equivocado de recursos, ao invés supostamente seria no interesse do progresso
de uma evidência de seu sucesso. futuro, por agora já deveria ter rendido alguns
Segue-se, portanto, que a excelência, frutos. Teríamos uma base mais adequada
desde um ponto de vista tecnológico, de para a comparação caso assumíssemos que
algumas partes do aparato industrial russo, as mesmas restrições ao consumo, que de fato
que frequentemente impressiona o observador aconteceram, tivessem sido causadas pela
casual e que geralmente se considera como tributação, cujos proventos tivessem sido
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emprestados à indústria competitiva para de resolver as dificuldades sumariamente,


fins de investimento. Dificilmente se pode abandonando os métodos comparativamente
negar que isto teria resultado em um aumento científicos empregados no passado. Em
rápido e gigantesco do padrão de vida geral, seu lugar, recorre-se cada vez mais a
para além de qualquer coisa que, no presente, decisões arbitrárias e não correlacionadas
seria possível mesmo de forma remota. para os problemas específicos tal como são
Resta, portanto, somente a tarefa de sugeridos pelas contingências correntes. No
realmente examinar os princípios sobre os que diz respeito aos problemas políticos ou
quais a autoridade planejadora tem agido. psicológicos, a experiência russa pode ser
Embora seja impossível acompanhar aqui, muito instrutiva. Entretanto, para o estudioso
mesmo que brevemente, o curso variado dos problemas econômicos do socialismo, faz
dessa experiência, tudo o que sabemos a seu pouco mais do que proporcionar ilustrações
respeito, em particular a partir do estudo para conclusões bem-estabelecidas. Não
do professor Brutzkus citado anteriormente, nos ajuda na direção de uma resposta ao
capacita-nos totalmente a dizer que as problema intelectual levantado pelo desejo de
previsões baseadas no raciocínio geral foram uma reconstrução racional da sociedade. Para
confirmadas por completo. O colapso do este propósito, temos de proceder com nossa
“comunismo de guerra” ocorreu exatamente pesquisa sistemática acerca dos diferentes
pelas mesmas razões, a impossibilidade do sistemas concebíveis, que não são menos
cálculo racional e uma economia desprovida importantes por existirem, até agora, somente
de moeda, conforme antecipado pelos como propostas teóricas.
professores Brutzkus e Ludwig von Mises
(1881-1973). Os desenvolvimentos que se
seguiram, com suas repetidas alterações de III
rumos nas políticas, mostraram somente
que os governantes da Rússia precisaram Conforme observado anteriormente3, a
aprender pela experiência a respeito de todos discussão dessas questões na literatura em
os obstáculos que uma análise sistemática inglês começou relativamente tarde e em
do problema teria revelado. Entretanto, não um nível comparativamente elevado. Ainda
levantaram novos problemas importantes e assim, dificilmente se pode dizer que as
menos ainda sugeriram quaisquer soluções. primeiras tentativas realmente deram conta
Oficialmente, a culpa por praticamente de qualquer um dos pontos principais. Dois
todas as dificuldades ainda é atribuída norte-americanos, Fred M. Taylor (1855-1932)
aos indivíduos desafortunados que são e Willet Crosby Roper (1910-1982), foram os
perseguidos por obstruírem o plano ao não pioneiros. Suas análises e, em certa medida,
obedecerem às ordens da autoridade central, também as de Henry Douglas Dickinson
ou por segui-las de forma demasiado literal. (1899–1969) na Inglaterra, tiveram por objetivo
No entanto, embora isto signifique que as mostrar que, pressupondo um conhecimento
autoridades admitem somente a dificuldade completo de todos os dados relevantes,
óbvia de fazer com que as pessoas sigam o
plano com lealdade, não pode haver dúvida 3
HAYEK, Friedrich A. Socialist Calculation I: The
de que as decepções mais sérias se devem, Nature and History of the Problem. In: HAYEK, F.
na realidade, às dificuldades inerentes a A. Individualism and Economic Order. Chicago:
qualquer planejamento central. De fato, a The University of Chicago Press, 1958. p. 119-147.
partir de exposições como a do professor Disponível em português como: HAYEK, Friedrich
Brutzkus, conclui-se que, longe de avançar A. O Cálculo Socialista I: A Natureza e História
do Problema. MISES: Revista Interdisciplinar de
na direção de métodos de planejamento mais Filosofia, Direito e Economia, Vol. 3, No. 2 (Jul-Dez
racionais, a tendência presente é na direção 2015): 367-385.
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os valores e as quantidades das diferentes assumirá o lugar da iniciativa do administra-


mercadorias a serem produzidas poderiam dor da empresa individual, sem ser apenas
ser determinados pela aplicação do aparato uma limitação mais irracional de sua discri-
por meio do qual a economia teórica explica a ção em algum aspecto particular, não será
formação dos preços e os rumos da produção suficiente que tome a forma de um mero di-
em um sistema competitivo4. Agora, devemos recionamento geral. Terá de incluir e ser inti-
admitir que esta não é uma impossibilidade mamente responsável por detalhes descritos
no sentido de ser logicamente contraditória. minuciosamente. É impossível decidir racio-
Entretanto, a alegação de que a determinação nalmente quanto material ou novas maquina-
dos preços por tal procedimento seja rias deveriam ser atribuídas a qualquer em-
logicamente concebível de forma alguma preendimento e a que preço (no sentido con-
invalida a colocação de que não é uma solução tábil) seria racional assim proceder, sem de-
possível mostra somente que a verdadeira cidir também, ao mesmo tempo, se (e como)
natureza do problema não foi percebida. É a maquinaria e as ferramentas que já estão
suficiente tentar visualizar as consequências em uso deveriam continuar a ser usadas ou
da aplicação deste método na prática para eliminadas. São questões deste tipo, detalhes
descartá-lo como humanamente impraticável técnicos, a economia de um material em vez
e impossível. Está claro que qualquer solução de outro, ou qualquer uma das pequenas eco-
dessa sorte precisaria se basear na solução de nomias, que decidem cumulativamente o su-
algum sistema de equações tal como aquele cesso ou o fracasso de uma empresa; ademais,
desenvolvido no artigo de Enrico Barone em qualquer planejamento central que não
(1859-1924)5. No entanto, o que é praticamente seja irremediavelmente perdulário, tais ques-
relevante, aqui, não é a estrutura formal deste tões devem ser levadas em consideração. Para
sistema, mas sim a natureza e quantidade ser capaz de realizar tal tarefa, será necessário
de informação concreta necessária para que tratar cada máquina, ferramenta ou facilidade
se possa tentar uma solução numérica e a não somente como um exemplo de uma clas-
magnitude da tarefa que essa tal solução se de objetos fisicamente semelhantes, mas
numérica deve representar em qualquer sim como um item individual cuja utilidade
comunidade moderna. O problema aqui é determinada por seu estado particular de
não é, obviamente, o quão detalhada esta desgaste, sua localização e assim por diante.
informação teria de ser e o quão exato teria de O mesmo se aplica a cada lote de mercadorias
ser o cálculo para conseguir tornar a solução que se situa em um lugar distinto ou que di-
perfeitamente exata, mas somente o quão longe fere, em qualquer outro aspecto, dos demais
seria necessário ir para tornar o resultado ao lotes. Isto significa que, para atingir o grau
menos comparável com o proporcionado pelo de economia assegurado pelo sistema com-
sistema de livre competição. Aprofundar-nos- petitivo, os cálculos da autoridade central de
emos nisto em breve. planejamento precisariam tratar o corpo exis-
Em primeiro lugar, está claro que se a tente de bens instrumentais como sendo cons-
direção do planejamento central realmente tituído de praticamente tantos tipos diversos
de bens quanto há de unidades individuais.
4
TAYLOR, F. M. The Guidance of Production in a No que diz respeito às mercadorias comuns,
Socialist State. American Economic Review, Vol. XIX isto é, aos bens semiacabados ou acabados, é
(1929); ROPER, W. C. The Problem of Pricing in a claro que haveria muito mais tipos diferentes
Socialist State. Cambridge, Mass.: Harvard University
Press, 1931; DICKINSON, H. D. Price Formation in a de tais mercadorias a considerar do que pode-
Socialist Community. Economic Journal (June 1933). ríamos imaginar caso fossem classificadas so-
mente por suas características técnicas. Dois
5
Ministry of Production in the Collectivist State. In:
Collectivist Economic Planning (London: George
bens tecnicamente semelhantes em lugares
Routledge & Sons, Ltd., 1935). Apêndice. distintos, com embalagens diferentes ou com
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datas de fabricação diversas, possivelmente de fato formulam as equações a serem traba-


não podem ser tratados como iguais em sua lhadas. Dificilmente será necessário enfatizar
utilidade para a maior parte das finalidades, que esta é uma ideia absurda mesmo no que
caso se deseje assegurar um mínimo que seja diz respeito ao conhecimento que pode ser
de utilização eficiente. propriamente considerado como “existen-
Agora, dado que em uma economia de te” em qualquer momento do tempo. Entre-
planejamento central o administrador do pla- tanto, grande parte do conhecimento que na
no individual seria privado da discrição de verdade é utilizado não está de forma algu-
substituir à vontade um tipo de mercadoria ma “existente” nesta forma pronta. Sua maior
por outro, toda esta massa imensa de uni- parte consiste em uma técnica de pensamento
dades diferentes precisaria necessariamente que permite ao engenheiro individual encon-
entrar de maneira separada nos cálculos da trar rapidamente novas soluções assim que
autoridade do planejamento. É óbvio que a é confrontado com uma nova constelação de
mera tarefa estatística de enumeração ultra- circunstâncias. Para assumir a factibilidade
passa qualquer coisa deste tipo que tenha dessas soluções matemáticas, teríamos que
sido empreendida até agora. Entretanto, isto assumir que a concentração de conhecimento
não é tudo. A informação que a autoridade de na autoridade central também incluiria uma
planejamento central precisaria ter também capacidade para descobrir qualquer melhora-
demandaria incluir uma descrição completa mento nos pormenores deste tipo6.
de todas as propriedades técnicas relevantes Há um terceiro conjunto de dados que
de cada um desses bens, inclusive os custos precisam estar disponíveis antes de poder
de transporte para qualquer outro lugar onde realizar a verdadeira operação de descobrir
fosse possível utilizá-los de maneira mais o método de produção adequado e as
vantajosa, os custos de reparos ou alterações quantidades a serem produzidas – dados
eventuais e assim por diante. relativos à importância dos diferentes tipos
No entanto, isto conduz a outro proble- e quantidades de bens de consumo. Em
ma de importância ainda maior. As abstra- uma sociedade na qual o consumidor tem
ções teóricas geralmente empregadas para liberdade para gastar seus rendimentos como
explicar o equilíbrio em um sistema competi- bem entender, tais dados precisariam assumir
tivo incluem o pressuposto de que uma certa a forma de listas completas das diferentes
gama de conhecimento técnico é “dada”. Isto, quantidades de todas as mercadorias que
obviamente, não significa que a totalidade seriam compradas em qualquer combinação
do melhor conhecimento técnico se encontra possível dos preços das diversas mercadorias
concentrada em algum lugar, em uma única que poderiam estar disponíveis. Tais cifras
cabeça, mas que haverá pessoas dotadas com apresentariam, inevitavelmente, a natureza
todos os tipos de conhecimento e que, entre de estimativas para um período futuro com
aqueles que competem por um trabalho em base na experiência passada. Entretanto, a
particular, em termos gerais, aqueles que fa- experiência passada não pode proporcionar a
zem a utilização mais adequada do conheci- gama de conhecimentos necessários e, dado
mento serão os que obterão sucesso. Em uma que os gostos se modificam de um instante
sociedade de planejamento central, a seleção para outro, as listas teriam de ser revisadas
dos métodos mais apropriados dentre os mé- continuamente.
todos técnicos conhecidos será possível so- É provavelmente evidente que a mera
mente se todo esse conhecimento puder ser reunião de tais dados consiste em uma tarefa
utilizado nos cálculos da autoridade central.
Isto significa, na prática, que este conheci- 6
A respeito do problema mais geral da experimentação
mento terá de estar concentrado na cabeça de e utilização de invenções realmente novas, ver a seguir,
um ou, no máximo, das poucas pessoas que a nota 10.
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que ultrapassa a capacidade humana. Ainda tal sistema de equações. Entretanto, esse
assim, para que a sociedade conduzida por um não é o ponto. Não devemos esperar que o
planejamento central funcionasse de maneira equilíbrio seja atingido a menos que todas
tão eficiente quanto a sociedade competitiva, as mudanças externas tenham cessado. A
a qual, por assim dizer, descentraliza a tarefa característica essencial do sistema econômico
de coletá-los, precisariam estar presentes. No atual é que reage, em alguma medida, a
entanto, vamos assumir momentaneamente todas essas pequenas mudanças e diferenças
que esta dificuldade, a “mera dificuldade que precisariam ser deliberadamente
de técnica estatística”, tal como a maior desconsideradas sob o sistema que estamos
parte dos planejadores a chamam com discutindo para que os cálculos possam ser
desdém, já está superada. Este seria apenas manejáveis. Desta maneira, a decisão racional
o primeiro passo para a solução da tarefa seria impossível para todas essas questões de
principal. Assim que o material fosse detalhes que, no agregado, decidem o sucesso
coletado, ainda seria necessário elaborar as do esforço produtivo.
decisões concretas que isso implica. Agora, É improvável que qualquer um que
a magnitude desta operação essencialmente tenha percebido a magnitude da tarefa
matemática dependerá da quantidade envolvida tenha proposto seriamente um
de incógnitas a serem determinadas. A sistema de planejamento baseado em sistemas
quantidade dessas incógnitas será igual ao compreensivos de equações. O que realmente
número de mercadorias a serem produzidas. povoava as mentes daqueles que debateram
Conforme já vimos, precisamos tratar como este tipo de análise era a crença em que, a partir
mercadorias diferentes todos os produtos de uma dada situação, que presumivelmente
finais a serem completados em momentos seria aquela da sociedade capitalista pré-
distintos, cuja produção precisa ser iniciada existente, a adaptação às pequenas mudanças
ou continuada em um dado momento. No que ocorrem cotidianamente poderia ser
presente, dificilmente podemos dizer qual é obtida de forma gradual por um método de
seu número, porém dificilmente será exagero tentativas e erros. Esta sugestão envolve,
pressupor que, em uma sociedade bastante contudo, dois erros fundamentais. Em
avançada, sua ordem de magnitude seria primeiro lugar, tal como já foi observado
pelo menos de centenas de milhares. Isto diversas vezes, é inadmissível assumir que
significa que, em cada momento sucessivo, as mudanças nos valores relativos produzida
cada uma das decisões precisaria se basear pela transição do capitalismo ao socialismo
na solução de uma quantidade igual de seria de ordem menor, permitindo dessa
equações diferenciais simultâneas, uma tarefa forma que os preços do sistema capitalista
que, empregando qualquer um dos meios pré-existente possam ser utilizados como
conhecidos no presente momento (1935), não ponto de partida, possibilitando evitar o
poderia ser levada a cabo no tempo de uma rearranjo completo do sistema de preços.
vida. Ademais, essas decisões não somente Entretanto, mesmo se negarmos esta objeção
precisariam ser feitas continuamente; também bastante séria, não temos a mínima razão para
precisariam ser transmitidas prontamente assumir que a tarefa poderia ser resolvida
àqueles que tivessem de executá-las. desta maneira. Precisamos somente recordar
Provavelmente será dito que um tal as dificuldades experimentadas com a fixação
grau de exatidão não seria necessário, dado de preços, mesmo quando aplicada somente a
que o funcionamento do sistema econômico umas poucas mercadorias e também observar
atual não chega nem perto disso. No entanto, que, em um tal sistema, a fixação de preços
isto não é totalmente verdadeiro. Está claro teria que ser aplicada não a umas poucas,
que nunca nos aproximamos do estado mas a todas as mercadorias, acabadas e não
de equilíbrio descrito pela solução de um acabadas, e teria de provocar mudanças de
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preços tão frequentes e variadas como as que são objetivos incompatíveis. Entretanto,
ocorrem em uma sociedade capitalista todos isto deu a impressão de que a natureza
os dias e todas as horas. Assim, constataríamos imprevisível dos gostos dos consumidores
que esta não é uma maneira para alcançar, é o único ou o principal obstáculo para o
mesmo que de forma aproximada, a solução planejamento bem-sucedido. Maurice Dobb
proporcionada pela competição. Praticamente (1900-1976) recentemente abordou o tema
cada mudança de um único preço tornaria até sua conclusão lógica ao afirmar que
necessário alterar centenas de outros preços e valeria a pena abrir mão da liberdade dos
a maior parte dessas outras modificações não consumidores se tal sacrifício pudesse tornar
seriam, de modo algum, proporcionais, mas o socialismo possível7. Trata-se, sem dúvida,
sim seriam afetadas pelos diferentes graus de de um passo muito corajoso. No passado,
elasticidade da demanda, pelas possibilidades socialistas protestaram de forma consistente
de substituição e por outras mudanças nos contra qualquer sugestão de que a vida sob
métodos de produção. Imaginar que todo o socialismo pudesse ser como uma vida
este ajuste poderia ser proporcionado por em um quartel, sujeita à regulamentação de
meio de ordens sucessivas proferidas pela cada detalhe. O professor Dobb considera
autoridade central assim que a necessidade tais pontos de vista como obsoletos. Se seria
fosse constatada e que então cada preço será capaz de conseguir muitos seguidores caso
fixado e modificado até que algum grau de professasse tais posições às massas socialistas,
equilíbrio seja obtido, certamente é uma essa não é uma questão que deva nos
ideia absurda. Que os preços possam ser preocupar aqui. A questão é se proporcionaria
fixados com base em uma visão abrangente uma solução para nosso problema.
da situação é ao menos concebível, embora O professor Dobb admite abertamente
totalmente impraticável; entretanto, basear a que abandonou a perspectiva, atualmente
fixação de preços autoritária na observação de mantida por Henry D. Dickinson e outros,
uma pequena porção do sistema econômico de que o problema poderia ou deveria ser
é uma tarefa que não pode ser realizada de resolvido por uma espécie de sistema de
maneira racional sob circunstância alguma. precificação sob o qual os preços dos produtos
Qualquer tentativa nesta direção ou teria que finais e os preços dos agentes originais seriam
ser realizada seguindo as linhas da solução determinados em alguma espécie de mercado,
matemática discutida anteriormente, ou então enquanto os preços de todos os demais
precisaria ser abandonada por completo. produtos seriam derivados a partir desses
por intermédio de algum sistema de cálculo.
Entretanto, parece sofrer da ilusão curiosa
IV de que a necessidade de qualquer sistema de
preços se deve somente ao preconceito de que
Diante dessas dificuldades, não causa as preferências dos consumidores deveriam
surpresa que praticamente todos os que ser respeitadas e que, em consequência, as
realmente tentaram pensar o problema do categorias da teoria econômica, assim como
planejamento central tenham se desesperado aparentemente todos os problemas do valor,
com a possibilidade de solucioná-lo em um
mundo no qual cada capricho passageiro 7
Ver o artigo: DOBB, M. Economic Theory and the
do consumidor é capaz de perturbar Problem of a Socialist Economy. Economic Journal
por completo os planos cuidadosamente (December 1933). Mais recentemente (em sua obra
elaborados. Atualmente, é mais ou menos Political Economy of Capitalism (London, 1937),
p. 310), o professor Dobb protestou contra esta
consensual que a livre escolha do consumidor interpretação de suas colocações anteriores, porém
(e, presumivelmente, também a livre escolha ao relê-las ainda considero difícil interpretá-las em
quanto à ocupação) e o planejamento central qualquer outro sentido.
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deixariam de fazer sentido em uma sociedade percepção acerca de seus méritos se poupa
socialista. “Se a igualdade de recompensas do trabalho de descobrir o que as pessoas
prevalecesse, as valorações do mercado realmente preferem e evita a tarefa impossível
perderiam ipso facto sua alegada importância, de combinar as escalas individuais em uma
dado que o custo monetário não teria sentido”. escala acordada comum capaz de expressar
Não se pode negar que a abolição da livre as ideias gerais de justiça. Entretanto, caso
escolha dos consumidores poderia simplificar deseje seguir esta norma com qualquer grau
o problema em alguns aspectos. Uma das de racionalidade ou consistência, se deseja
variáveis imprevisíveis seria eliminada e, concretizar aquilo que considera como os
assim, a frequência dos reajustes necessários objetivos da comunidade, precisará resolver
seria, de certo modo, reduzida. No entanto, todos os problemas que já discutimos. Nem
acreditar, assim como o professor Dobb, que sequer acreditará que seus planos não serão
desta maneira se eliminaria a necessidade de afetados por mudanças imprevistas, dado
algum tipo de precificação, de uma comparação que as mudanças nas preferências não são de
exata entre custos e resultados, certamente forma alguma as únicas e talvez não sejam
indica um desconhecimento completo do nem mesmo as mudanças mais importantes
problema real. Os preços deixariam de ser que não podem ser antecipadas. Mudanças
necessários somente caso se pudesse assumir no clima, alterações nos números ou no
que, no Estado socialista, a produção não teria estado de saúde da população, avarias nas
qualquer objetivo definido – que não seria máquinas, a descoberta ou exaustão repentina
direcionada de acordo com alguma ordem de um depósito de minério e centenas de
bem definida de preferências, por mais que outras mudanças constantes farão com que
sejam fixadas arbitrariamente, mas que em seja necessário reconstruir seus planos a cada
vez disso o Estado simplesmente produziria instante. A distância até aquilo que é realmente
alguma coisa e os consumidores teriam, praticável e os obstáculos à ação racional
então, que ficar com o que fosse produzido. terão sido apenas ligeiramente reduzidos ao
O professor Dobb pergunta o que se perderia sacrifício representado por um ideal que seria
com isso. A resposta é: quase tudo. Sua atitude prontamente abandonado pelos poucos que
seria sustentável somente caso os custos se deram conta do que significava.
determinassem o valor de modo que, enquanto
os recursos disponíveis fossem utilizados
de alguma maneira, o modo no qual fossem V
empregados não afetasse nosso bem-estar,
dado que o mero fato de terem sido usados Nessas circunstâncias, é fácil compreen-
já atribuiria valor aos produtos. No entanto, der que a solução radical do professor Dobb
as questões a respeito de se teremos mais não tenha conseguido muitos seguidores e
ou menos para consumir, de se manteremos que vários dentre os socialistas mais jovens
ou elevaremos nosso padrão de vida, ou tenham buscado soluções na direção total-
de se regrediremos ao estado de selvagens mente oposta. Enquanto o professor Dobb de-
sempre à beira da inanição, dependem seja eliminar os resquícios de liberdade ou de
principalmente de como utilizamos nossos competição ainda pressupostos nos esquemas
recursos. A diferença entre uma distribuição socialistas tradicionais, grande parte das dis-
e combinação dos recursos entre os diferentes cussões mais recentes se volta para uma rein-
setores industriais de maneira econômica trodução completa da competição. Na Alema-
ou não econômica é a diferença entre a nha, tais propostas já foram inclusive publi-
escassez e a abundância. O ditador, aquele cadas e discutidas. Na Inglaterra, contudo, o
que classifica as diferentes necessidades dos pensamento nessas linhas ainda se encontra
membros da sociedade de acordo com sua em estágio embrionário. As sugestões do sr.
92 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate

Dickinson representam um passo singelo nes- nas mãos da competição, o planejamento


sa direção. Entretanto, sabe-se que alguns dos também seria confinado à provisão de uma
economistas mais jovens, que se dedicaram a estrutura permanente dentro da qual a
pensar nesses problemas, avançaram muito ação concreta seria deixada para a iniciativa
mais e estão preparados para seguir em frente individual. Ademais, o tipo de planejamento
e restaurar completamente a competição, pelo ou de organização central da produção que
menos na medida em que sua visão seja com- supostamente conduziria a uma organização
patível com a propriedade estatal de todos os mais racional da atividade humana, em
meios materiais de produção. Embora ainda contraste com a competição “caótica”, estaria
não seja possível fazer referências a trabalhos ausente por completo. Entretanto, o quanto
publicados nessa direção, o que aprendemos isto seria realmente verdadeiro dependeria,
a seu respeito em conversas e discussões é obviamente, da medida na qual a competição
provavelmente suficiente para garantir que a seria reintroduzida – ou seja, da questão
análise de seu conteúdo valha a pena8. crucial (que aqui é crucial em cada aspecto),
Em diversos aspectos, tais projetos são a saber, qual será a unidade independente,
muito interessantes. A ideia central comum aquela que compra e vende nos mercados.
é que deveria haver mercados e competição À primeira vista, dois tipos principais de
entre empreendedores independentes ou tais sistemas parecem ser possíveis. Podemos
gestores das firmas individuais e que, em assumir ou que haverá competição somente
consequência, haveria preços de mercado, tal entre os setores industriais, e que cada setor
como na sociedade atual, para todos os bens, é representado, por assim dizer, por uma
intermediários ou finais. Entretanto, esses empresa, ou que no interior de cada setor
empreendedores não seriam os proprietários industrial há diversas firmas independentes
dos meios de produção, mas sim funcionários que competem entre si. É somente nesta
assalariados do estado, agindo sob direção última forma que esta proposta realmente
estatal e produzindo não para a obtenção de evita a maior parte das objeções contra o
lucros, mas para serem capazes de vender a planejamento central como tal e levanta
preços que apenas compensam os custos. seus próprios problemas. Tais problemas
É inútil perguntar se tal esquema apresentam uma natureza extremamente
ainda recairia sob o que geralmente se interessante. Em sua forma pura, colocam a
considera como socialismo. No geral, parece questão da justificativa para a propriedade
que deveria ser incluído sob essa rubrica. privada em seu aspecto mais geral e
A questão mais séria é se ainda merece o fundamental. A questão, portanto, não é se
rótulo de planejamento. Parece não envolver todos os problemas da produção e distribuição
mais planejamento do que a construção podem ser decididos racionalmente por uma
de um arcabouço jurídico racional para o autoridade central, mas sim se as decisões
capitalismo. Se pudesse ser realizado em uma e a responsabilidades podem ser deixadas,
forma pura, na qual o direcionamento da com sucesso, aos indivíduos engajados na
atividade econômica seria deixado totalmente concorrência e que não são proprietários ou,
de outra forma, que não estão diretamente
interessados nos meios de produção sob sua
8
Para uma discussão a respeito de duas publicações
mais recentes a respeito deste assunto, ver: HAYEK,
responsabilidade. Há alguma razão decisiva
Friedrich A. Socialist Calculation III: The Competitive para que a responsabilidade pela utilização
“Solution”. In: HAYEK, F. A. Individualism and de qualquer parte dos equipamentos
Economic Order. Chicago: The University of Chicago produtivos existentes deva sempre ser
Press, 1958. p. 181-208. [N. do E.: O artigo citado será associada a um interesse pessoal nos lucros
publicado na próxima edição do periódico MISES:
Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e
ou perdas obtidas, ou essa seria, na realidade,
Economia]. somente uma questão a respeito de se os
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 93

gestores individuais – que agem no lugar da citando o trabalho de um grande acadêmico


comunidade no exercício de seus direitos de que foi o principal responsável por seu esta-
propriedade sob o esquema em questão – belecimento:
atenderam aos objetivos comuns com lealdade Foi proposto, como ideal econômico, que
e dando o melhor de si? cada ramo do comércio e da indústria
deveria constituir um sindicato à parte.
Esta imagem tem seus atrativos. Não é, à
primeira vista, moralmente repulsiva; dado
VI que, onde todos são monopolistas, ninguém
será vítima do monopólio. No entanto,
Discutiremos melhor esta questão uma consideração cuidadosa revela um
quando chegar o momento de lidar com os incidente bastante prejudicial à indústria
esquemas em detalhes. Antes que possamos - a instabilidade do valor de todos os itens
fazer isso, entretanto, é necessário mostrar pelos quais a demanda é influenciada pelos
por que, para que a competição funcione preços de outros artigos, uma classe que
satisfatoriamente, será necessário ir até provavelmente é muito extensa.
o fim e não parar em uma reintrodução Entre aqueles que sofreriam com o novo
regime, haveria uma classe que interessa
parcial da competição. Assim, a situação que
em particular aos leitores deste periódico, a
precisamos considerar a seguir é a dos setores saber, os economistas abstratos, que seriam
industriais completamente integrados, sob privados de sua ocupação, a pesquisa das
uma autoridade central, porém competindo condições que determinam o valor. Somente
com os demais setores industriais pelos a escola empírica conseguiria sobreviver,
hábitos dos consumidores e pelos fatores florescendo no caos compatível com sua
de produção. Este caso apresenta alguma mentalidade9.
importância que transcende os problemas do
socialismo que nos preocupam aqui, dado O mero fato de que os economistas
que é por meio da criação de tais monopólios abstratos ficariam desprovidos de sua
para produtos específicos que os defensores ocupação provavelmente seria apenas uma
do planejamento no interior da estrutura do questão de gratificação para a maior parte
capitalismo esperam “racionalizar” o assim dos defensores do planejamento caso a
chamado “caos” da livre concorrência. Isto ordem que estudam não deixasse, ao mesmo
nos coloca diante do problema de se é sempre tempo, de existir. A instabilidade dos valores,
do interesse geral planejar ou racionalizar à qual Francis Edgeworth (1845-1926) se
setores industriais individuais quando isto refere, ou a indeterminação do equilíbrio,
só é possível por meio da criação de um dado que o mesmo fato pode ser descrito
monopólio ou se, pelo contrário, isto levará em termos mais gerais, não é de forma
a um emprego não econômico dos recursos alguma uma possibilidade que perturba
dado que as supostas economias são, na somente os economistas teóricos. Significa,
realidade, deseconomias desde o ponto de vista de fato, que em um tal sistema não haveria
da sociedade. tendência para utilizar os fatores disponíveis
Atualmente, aceita-se bem o argumen- da maneira mais vantajosa, combiná-los
to teórico que mostra que, sob condições de em cada setor industrial de tal maneira que
monopólio generalizado, não há posição de- a contribuição proporcionada por cada fator
terminada de equilíbrio e que, consequente- não seja significativamente menor que aquela
mente, sob tais condições não há razão para que poderia gerar caso fosse utilizado em
assumir que os recursos seriam utilizados de outra parte. A tendência predominante na
modo a proporcionar a maior vantagem. Tal- atualidade seria ajustar o produto de maneira
vez não seja inapropriado abrir a discussão
a respeito do que isto implicaria na prática 9
EDGEWORTH, Francis Y. Collected Papers, I, 138.
94 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate

que não se obtenha o maior retorno de cada adoção de novas máquinas, etc., quando os
tipo de recurso disponível, mas de modo produtores prefeririam continuar utilizando
que a diferença entre o valor dos fatores que as antigas. Entretanto, em ambos os casos,
podem ser utilizados em outra parte e o valor conforme pode ser mostrado facilmente, o
dos produtos seja maximizada. Esta ênfase na planejamento que tem por objetivo evitar
maximização dos lucros de monopólio em vez o que ocorreria sob competição leva ao
de na melhor utilização dos fatores disponíveis desperdício social.
é a consequência necessária de transformar o Uma vez que um equipamento de
próprio direito de produzir um bem em um produção de qualquer tipo já existe, é desejável
“fator de produção escasso”. Em um mundo que seja utilizado enquanto os custos de
de tais monopólios, isto pode não ter o efeito seu uso (os “custos principais”) forem mais
de reduzir a produção por completo, no baixos que o custo total para proporcionar o
sentido em que alguns dos fatores de produção mesmo serviço de maneira alternativa. Se sua
permanecerão sem ser empregados, porém existência evita a introdução de equipamento
certamente terá o efeito de reduzir a produção mais moderno, isto significa que os recursos
por gerar uma distribuição não econômica necessários para produzir o mesmo produto
dos fatores entre os setores industriais. com métodos mais modernos podem ser
Isto permanecerá verdadeiro mesmo que a utilizados com mais vantagens em alguma
instabilidade temida por Edgeworth se mostre outra parte. Se fábricas mais antigas e mais
de ordem menor. No equilíbrio que seria modernas existem lado a lado e as firmas mais
atingido, seria realizada a melhor utilização de modernas são ameaçadas pela “concorrência
apenas um “fator” escasso: a possibilidade de destrutiva” dos trabalhos mais obsoletos, isto
explorar os consumidores. pode significar uma de duas coisas. Ou o novo
método na realidade não é melhor, isto é, sua
introdução se baseou em um erro de cálculo e
VII nunca deveria ter ocorrido; nesse caso, onde
os custos de operação com o novo método
Esta não é a única desvantagem de uma são, na verdade, mais altos que com o método
reorganização geral dos setores industriais antigo, a solução é, obviamente, fechar a
em linhas monopolistas. As assim chamadas fábrica nova, mesmo que em algum sentido
“economias” que, conforme se afirma, seja “tecnicamente” superior. Ou – e este é
resultariam caso os setores industriais fossem o caso mais provável – teremos a seguinte
“reorganizados” em linhas monopolistas situação: embora os custos de operação com
demonstra, após um exame minucioso, que o novo método sejam menores que com o
não passam de desperdício. Em praticamente método antigo, não serão suficientemente
todos os casos nos quais o planejamento de mais baixos a ponto de proporcionar, a um
setores industriais individuais é atualmente preço que cubra os custos de operação da
defendido, o objetivo é lidar com os efeitos do fábrica antiga, margem suficiente para pagar
progresso técnico10. Às vezes, afirma-se que a juros e amortizações da nova fábrica. Neste
introdução desejável de uma inovação técnica caso, também ocorreu erro de cálculo. A nova
se torna impossível por causa da competição. fábrica nunca deveria ter sido construída.
Em outras ocasiões, argumenta-se contra a Entretanto, dado que já existe, a única maneira
competição que gera desperdício ao forçar a para que o público possa obter algum benefício
do capital que foi alocado incorretamente
é permitindo que os preços caiam ao
10
A respeito desses problemas, ver: PIGOU, A. C. patamar competitivo e que parte do valor de
Economics of Welfare (4a Ed., 1932), p. 188, bem como
o artigo do presente autor: HAYEK, F. A. The Trend of
capital das novas firmas seja amortizado. A
Economic Thinking. Economica (May 1933), p. 132. manutenção artificial dos valores de capital
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 95

da fábrica nova fechando compulsoriamente ficar claro que qualquer tentativa nesta dire-
a antiga significa, simplesmente, tributar o ção deve produzir o efeito de que aquilo que
consumidor em benefício do interesse do supostamente devesse eliminar o desperdício
proprietário da fábrica nova sem qualquer seja, de fato, a causa do desperdício. Dada uma
benefício de compensação na forma de capacidade de previsão razoável por parte do
produção maior ou melhor. empreendedor, uma inovação será introduzi-
Tudo isto fica ainda mais claro no da somente caso possibilite proporcionar os
caso não tão raro no qual a fábrica nova é mesmos serviços que estavam disponíveis an-
realmente superior no sentido que, se já teriormente a um dispêndio menor dos recur-
não tivesse sido construída, seria vantajoso sos correntes (isto é, com menos sacrifício dos
construí-la agora; no entanto, onde as firmas outros empregos possíveis desses recursos),
que a utilizam enfrentam dificuldades ou fornecer serviços melhores a um preço que
financeiras por ter sido construída em uma não seja proporcionalmente maior. A queda
época de valores inflacionados, encontram- dos valores de capital dos instrumentos exis-
se consequentemente sobrecarregadas com tentes, que sem dúvida se seguirá, não será
uma dívida excessiva. Exemplos como perda social de forma alguma. Se puderem
este, no qual as firmas tecnicamente mais ser empregados para outros propósitos, uma
eficientes são, ao mesmo tempo, as menos queda de seu valor no uso presente abaixo do
firmes financeiramente não são tão incomuns que alcançariam em outro lugar é uma indi-
em alguns setores industriais ingleses. cação clara de que deveriam ser transferidos.
Aqui, novamente, qualquer tentativa de Se não apresentam outra utilidade além da
preservar os valores de capital suprimindo a atual, o valor anterior interessa somente como
competição das firmas menos modernas gera indicação do quanto o custo de produção pre-
apenas o efeito de possibilitar aos produtores cisa ser diminuído pela inovação antes que se
que mantenham os preços mais elevados do torne racional abandoná-los por completo. As
que seriam de outra forma, unicamente no únicas pessoas que têm interesse na manuten-
interesse dos detentores de títulos. O curso ção do valor do capital já investido são seus
certo, desde o ponto de vista social, seria baixar proprietários. Entretanto, a única forma de fa-
o valor do capital inflado até um patamar zer isso nestas circunstâncias seria impedindo
mais adequado e a concorrência potencial que outros membros da sociedade possam se
dos que são modernos produziria, portanto, o beneficiar da nova invenção.
efeito benéfico de baixar os preços a um nível
apropriado para os custos de produção. Os
capitalistas que realizaram investimentos em VIII
um momento equivocado podem não ficar
satisfeitos com isto, que seria claramente de Pode-se argumentar que essas restrições
interesse social. podem ser verdadeiras com respeito aos
Os efeitos do planejamento para preser- monopólios capitalistas que têm por objetivo
var valores de capital são, talvez, ainda mais a obtenção dos lucros máximos, porém que
prejudiciais quando assumem a forma de re- certamente não valeriam para os setores
tardar a introdução de novas invenções. Se econômicos integrados em um Estado
abstrairmos, como provavelmente temos o di- socialista, cujos gestores teriam a orientação
reito de fazer, do caso no qual há razão para de cobrar preços apenas suficientes para
pressupor que a autoridade planejadora pos- cobrir os custos. É verdade que a seção
sui maior capacidade de previsão e é melhor anterior foi essencialmente uma digressão no
qualificada para julgar a probabilidade de problema do planejamento sob o capitalismo.
ocorrência de progresso técnico em compa- Entretanto, isso nos permitiu não somente
ração com o empreendedor individual, deve examinar algumas das supostas vantagens que
96 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate

geralmente são associadas a qualquer forma de essas mesmas ferramentas serão utilizadas.
planejamento, mas também evidenciar certos Muito do que geralmente se chama “custo de
problemas que necessariamente acompanham produção” não é realmente um elemento de
o planejamento sob o socialismo. Lidaremos custo dado independentemente do preço do
novamente com alguns desses problemas em produto, mas sim um quasi-aluguel ou uma
um momento posterior. Agora, no entanto, cota de depreciação que deve ser permitida
devemos nos concentrar uma vez mais no caso sobre o valor capitalizado dos quasi-alugueis
em que os setores industriais monopolizados esperados e depende, portanto, dos preços
são conduzidos não para obterem os maiores esperados para o futuro.
lucros, mas sim para que atuem como se a Para cada empresa individual em uma
competição existisse. A orientação de ter por indústria competitiva os quasi-alugueis,
objetivo preços que apenas cobrem o custo embora dependentes dos preços, não são
(marginal) realmente proporciona um critério um guia menos confiável e indispensável
claro para a ação? para a determinação do volume apropriado
É com relação a isto que quase parece de produção que o custo verdadeiro. Pelo
como se a preocupação excessiva com as contrário, é somente desta forma que alguns
condições de um estado hipotético de equilíbrio dos fins alternativos que são afetados pela
estacionário tivesse levado os economistas decisão podem ser levados em consideração.
modernos em geral e particularmente aqueles Considere o caso de um instrumento de
que propõem esta solução a atribuírem à produção único, que nunca será substituído,
noção de custos, em geral, uma precisão e que não pode ser utilizado fora do setor
determinação muito maiores do que o que industrial monopolizado e que, portanto, não
se poderia atribuir a qualquer fenômeno de apresenta preço de mercado. Sua utilização
custos na vida real. Sob condições de ampla não envolve quaisquer custos que possam
concorrência, o termo “custo de produção” ser determinados independentemente do
apresenta, de fato, um significado muito preço de seu produto. Ainda assim, se é de
preciso. Entretanto, assim que saímos do todo durável e se pode ser usado mais ou
domínio da competição extensiva e de um menos rapidamente, seu desgaste deve ser
estado estacionário, e consideramos um contabilizado como custo verdadeiro para
mundo onde a maior parte dos meios de que o volume de produção apropriado, em
produção existentes é produto de processos qualquer momento, possa ser determinado
particulares que provavelmente nunca racionalmente. Isto é verdade não somente
serão repetidos; onde, em consequência de porque seus possíveis serviços no futuro
mudanças incessantes, o valor da maior parte precisam ser comparados com os resultados
dos instrumentos de produção mais duráveis de uma utilização mais intensiva no presente,
apresenta pouca ou nenhuma conexão com mas também porque, enquanto existir,
os custos dispendidos em sua produção, mas economiza os serviços de algum outro fator
depende somente dos serviços que se espera que seria necessário para substitui-lo e que
que proporcionem no futuro, a questão de poderia, nesse ínterim, ser utilizado para
quais exatamente são os custos de produção outros propósitos. O valor dos serviços
de um dado produto é extremamente difícil deste instrumento é, aqui, determinado
para ser respondida de maneira definitiva pelos sacrifícios envolvidos na próxima
com base em qualquer processo que ocorra melhor forma de produzir o mesmo produto;
dentro da firma individual ou do setor ademais, esses serviços precisam, portanto,
industrial. É uma questão que não pode ser economizados porque algumas satisfações
ser respondida sem, antes, fazer alguns alternativas dependem deles de maneira
pressupostos com respeito aos preços dos indireta. Entretanto, seu valor pode ser
produtos em cujo processo de manufatura determinado somente caso a competição real
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 97

ou potencial dos outros métodos possíveis instrumento particular e, portanto, o valor de


para produzir o mesmo produto possa seus serviços, que precisa ser contabilizado
influenciar seu preço. como custo, deve ser determinado a partir de
O problema que surge aqui é bem uma consideração dos retornos esperados,
conhecido no campo da regulamentação tendo em conta todas as formas alternativas
dos serviços públicos. O problema acerca de por meio das quais o mesmo resultado
como, na ausência de competição real, seus poderia ser obtido e todas as utilizações
efeitos poderiam ser simulados e poderia se alternativas às quais se poderia destinar.
fazer com que os corpos monopolistas cobrem Todas essas questões de obsolescência devido
preços equivalentes aos preços competitivos ao progresso técnico ou à mudança das
tem sido amplamente discutido. No entanto, necessidades, que foram discutidas na seção
todas as tentativas de solução fracassaram 7, agora entram no problema. É impossível
e, conforme demonstrado recentemente fazer com que um monopolista cobre o preço
por Ronald Frederick Fowler (1910-1997)11, que vigoraria sob competição, ou um preço
estavam destinadas a fracassar porque as que seja igual ao custo necessário, porque o
instalações industriais fixas são utilizadas custo necessário ou competitivo não pode ser
extensivamente e um dos elementos conhecido a menos que haja competição. Isto
mais importantes do custo, os juros e a não significa que o gestor do setor industrial
depreciação sobre essas instalações, podem monopolizado sob o socialismo prosseguirá,
ser determinados somente depois que o preço contrariando suas instruções, para obter
a ser obtido pelo produto se torna conhecido. lucros de monopólio. Significa, contudo,
Novamente, pode-se objetar que esta é que, dado que não há maneira de testar as
uma consideração que pode ser relevante em vantagens econômicas de um método de
uma sociedade capitalista, mas que, dado que produção em comparação com um outro, o
mesmo em uma sociedade capitalista os custos lugar dos lucros de monopólio será ocupado
fixos são desconsiderados na determinação pelos desperdícios não-econômicos.
do volume de produção de curto prazo, Existe ainda a questão adicional de
também poderiam, com muito mais razão, ser se, sob condições dinâmicas, os lucros não
desconsiderados em uma sociedade socialista. atenderiam a uma função necessária e se
Entretanto, não é o que acontece. Caso se não são a maior força equilibradora que
tente uma disposição racional dos recursos, proporciona adaptação a qualquer mudança.
e particularmente se as decisões deste tipo Certamente, onde há competição dentro do
serão deixadas aos gestores do setor industrial setor industrial, a questão de se é aconselhável
individual, certamente será necessário ou não começar uma nova firma pode ser
proporcionar recursos para a substituição decidida somente com base nos lucros
do capital a partir dos rendimentos brutos realizados pelas fábricas já existentes. Ao
desse setor e também será necessário que os menos no caso da competição mais completa,
retornos do capital reinvestido sejam pelo que ainda precisamos discutir, os lucros
menos tão altos quanto seriam em outra como incentivo à mudança não podem ser
parte. Seria tão enganador sob o socialismo dispensados. No entanto, pode-se conceber
quanto é na sociedade capitalista determinar que, onde qualquer produto é fabricado por
o valor do capital que precisa, portanto, uma única preocupação, o volume de sua
ser recuperado com alguma base histórica produção se adaptará à demanda sem variar
tal como o custo passado de produção dos o preço do produto, exceto na medida em que
instrumentos em causa. O valor de qualquer os custos se modifiquem. Então, como decidir
quem obterá os produtos antes que a oferta
FOWLER, R. F. The Depreciation of Capital,
11 seja alcançada por uma demanda crescente?
Analytically Considered (London, 1934), p. 74 ff. Ademais, o que é ainda mais importante,
98 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate

como tomar a decisão de se é justificado instrumento. Entretanto, esses problemas (ou


ou não incorrer no custo inicial de trazer problemas muito semelhantes) terão de ser
fatores adicionais para o local de produção? discutidos com mais detalhes em conexão
Grande parte do custo de movimentação ou com as propostas para readmitir a competição
transferência do trabalho e de outros fatores de uma maneira muito mais completa. O que
apresenta a natureza de um investimento não foi dito aqui, entretanto, parece suficiente
recorrente de capital, o qual só se justifica para mostrar que, caso se deseje preservar
se os juros, à taxa de mercado, puderem ser a competição no Estado socialista com o
obtidos de maneira permanente sobre os propósito de resolver o problema econômico,
montantes envolvidos. Os juros sobre tais na verdade não ajuda em nada, no caminho de
investimentos não-tangíveis relacionados uma solução satisfatória, percorrer apenas a
com o estabelecimento ou expansão de metade do caminho. Somente se a competição
uma fábrica (a “boa vontade”, que não é existir não somente entre, mas também dentro
somente uma questão de popularidade com dos diferentes setores industriais, podemos
os compradores, mas também de contar com esperar que atenda a seu propósito. Devemos
todos os fatores necessários reunidos no nos voltar agora para a discussão de um tal
lugar apropriado) decerto constituem um sistema mais completamente competitivo.
fator bastante essencial nesses cálculos. No
entanto, uma vez que esses investimentos
tiverem sido realizados, tais juros de forma IX
alguma podem ser considerados como custos,
mas sim aparecerão como o lucro que mostra À primeira vista, não é evidente por que
que o investimento original era justificado. um tal sistema socialista com competição no
Essas não são de modo algum todas as interior dos setores industriais, bem como en-
dificuldades que aparecem em conexão com a tre eles, não funcionaria tão bem ou tão mal
ideia de uma organização da produção na linha quanto o capitalismo competitivo. Todas as
de monopólios estatais. Não dissemos nada dificuldades que podemos esperar parecem
a respeito do problema da delimitação das ser somente daquele caráter psicológico ou
indústrias individuais, o problema do status moral a respeito do qual tão poucas coisas
de uma empresa que fornece equipamentos definitivas podem ser ditas. É verdade que
necessários para várias linhas de produção os problemas que surgem em conexão com
distintas ou o problema dos critérios para um tal sistema apresentam uma natureza de
julgar o sucesso ou fracasso de qualquer um algum modo distinta da que surge em um
dos gestores. Um “setor industrial” deveria sistema “planificado”, embora a investigação
incluir todos os processos que conduzem mostre que não são tão diferentes como pode
a um dado produto final qualquer, ou aparecer de início.
deveria compreender todas as fábricas que As questões cruciais, neste caso, são:
produzem o mesmo produto imediato, qual deve ser a unidade de negócios inde-
com quaisquer processos adicionais que pendente? Quem deve ser o administrador?
sejam empregados? Em cada caso, a decisão Que recursos devem a ele ser confiados e
envolverá também uma decisão a respeito como seu sucesso ou fracasso será testa-
dos métodos de produção a serem adotados. do? Conforme veremos, esses não são de
Se cada setor industrial deve produzir suas forma alguma apenas problemas, adminis-
próprias ferramentas ou se deve comprá- trativos menores, questões de pessoal tais
las de algum outro setor industrial que as como aquelas que precisam ser resolvidas
produz em larga escala é uma decisão que por qualquer grande organização nos dias
afetará essencialmente a questão de se será de hoje, mas sim grandes problemas cuja
vantajoso ou não utilizar um determinado solução afetará a estrutura do setor indus-
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 99

trial quase tanto quanto as decisões de uma autoridade central precisaria efetuar uma re-
autoridade planejadora real. organização completa.
Para começar, deve ficar claro que a ne- Agiria com base em quais princípios?
cessidade de alguma autoridade econômica Está claro que, em uma sociedade assim,
central não diminuirá significativamente. Está a mudança será tão frequente quanto sob o ca-
claro, também, que esta autoridade terá de ser pitalismo; também será igualmente imprevisí-
quase tão poderosa quanto em um sistema vel. Toda ação terá de ser baseada na anteci-
planificado. Se a comunidade é a proprietária pação de eventos futuros e as expectativas por
de todos os recursos materiais de produção, parte dos diferentes empreendedores natural-
alguém precisará exercer tal direito em seu mente serão distintas. As decisões a respeito
nome, ao menos no que diz respeito à distri- de a quem confiar uma dada quantidade de
buição e controle da utilização desses recur- recursos terá de ser feita com base nas promes-
sos. Não é possível conceber esta autoridade sas individuais de retornos futuros. Ou, mais
central simplesmente como uma espécie de propriamente, com base na afirmação de que
superbanco que empresta os fundos disponí- um determinado retorno será esperado com
veis aos maiores licitantes. Emprestará a pes- um certo grau de probabilidade. Não haverá,
soas que não detêm propriedade. Assim, ar- obviamente, teste objetivo para a magnitude
cará com todo o risco e não terá direito a uma do risco. Mas então quem decidirá se tal risco
quantia definitiva de dinheiro, tal como um vale a pena? A autoridade central não contará
banco. Terá simplesmente direitos de proprie- com outras bases para decidir além do desem-
dade sobre todos os recursos reais. Tampouco penho anterior do empreendedor. Entretanto,
suas decisões serão limitadas à redistribuição como decidir se os riscos que o empreende-
do capital livre na forma de dinheiro e talvez dor assumiu no passado eram justificados?
de terras. Também precisará decidir se uma Ademais, sua atitude para com o risco será a
fábrica em particular ou uma peça de alguma mesma que teria caso arriscasse o que é de sua
máquina será deixada para o empreendedor propriedade?
que a utilizou no passado, à sua avaliação, ou Considere primeiramente a questão acer-
se deverá ser transferida para algum outro ca de como seu sucesso ou fracasso será tes-
que promete um retorno maior. tado. A primeira questão será se obteve suces-
Ao imaginar um sistema desta sorte, é so em preservar o valor dos recursos que lhe
mais caridoso supor que a distribuição inicial foram confiados. Entretanto, mesmo o melhor
de recursos entre as firmas individuais será empreendedor ocasionalmente obtém perdas
realizada com base na estrutura do setor in- e, às vezes, perdas muito altas. Será culpado
dustrial dada historicamente, e que a seleção se seu capital se tornar obsoleto por causa de
dos gestores será feita com base em algum alguma inovação ou mudança na demanda?
teste de eficiência e na experiência anterior. Como decidir se tinha o direito de assumir
Se a organização existente do setor indus- um certo risco? Aquele que nunca incorre em
trial não for aceita, poderia ser aprimorada perdas porque nunca assume riscos é, neces-
ou modificada racionalmente somente com sariamente, quem age mais de acordo com o
base em um planejamento central bastante interesse da comunidade? Certamente haverá
dispendioso e isto nos deixaria novamente uma tendência a preferir os empreendimentos
com os sistemas que o sistema competitivo seguros sobre os arriscados.
tenta substituir. Entretanto, a aceitação da or- No entanto, os empreendimentos arris-
ganização existente resolveria as dificuldades cados e mesmo aqueles que são puramente es-
apenas momentaneamente. Cada mudança peculativos não são menos importantes aqui
nas circunstâncias levaria à necessidade de al- do que sob o capitalismo. A especialização na
terações nesta organização e, no transcurso de função de assumir riscos por especuladores
um período de tempo relativamente curso, a profissionais em mercadorias será uma forma
100 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate

de divisão de trabalho tão desejável quanto o na, será retirada de suas mãos e entregue ao
é atualmente. Entretanto, como a magnitude outro homem com base meramente em sua
do capital do especulador será determinada e promessa? Este pode ser um caso extremo,
como sua remuneração será fixada? Por quan- porém ilustra somente a mudança constante
to tempo um empreendedor anteriormente de recursos entre empresas que ocorre sob o
bem-sucedido deverá sofrer para prosseguir capitalismo e que seria igualmente vantajosa
incorrendo em perdas? Se a penalidade para em uma sociedade socialista. Em uma socie-
as perdas é o abandono da posição de “em- dade capitalista, as transferências de capital
preendedor”, não será praticamente inevi- dos empreendedores menos eficientes para os
tável que a possibilidade de realizar perdas mais eficientes é produzida pelos primeiros
funcione como um elemento de dissuasão tão incorrendo em perdas e os últimos auferin-
forte a ponto de pesar mais que a chance de do lucros. A questão a respeito de quem terá
auferir os maiores lucros? Sob o capitalismo, o direito de arriscar os recursos e do quanto
a perda de capital pode igualmente significar lhe deve ser confiado é decidida, aqui, pelo
uma perda de status como capitalista. Entre- homem que obteve sucesso em adquiri-los
tanto, contra este elemento de dissuasão, há e mantê-los. No estado socialista, a questão
sempre o atrativo dos ganhos possíveis. Sob o será decidida com base nos mesmos princí-
socialismo, isso não pode existir. Chega a ser pios? O administrador de uma firma será li-
concebível que a relutância geral para entrar vre para reinvestir os lucros onde e quando
em qualquer negócio arriscado pode levar a quer que acredite que vale a pena? No pre-
taxa de juros para perto de zero. Isto seria, sente, irá comparar o risco envolvido em uma
contudo, vantajoso para a sociedade? Caso se expansão adicional do empreendimento atual
devesse apenas ao fato de todos os canais de com o rendimento que obteria caso investisse
investimento absolutamente seguros estarem em outra parte ou caso consumisse seu capi-
saciados, seria obtido ao preço do sacrifício tal. A consideração das vantagens alternativas
de toda experimentação com métodos novos que a sociedade pode obter a partir desse ca-
e ainda não testados. Mesmo se o progresso pital apresenta o mesmo peso neste cômputo
estiver conectado de forma inevitável com do risco e do ganho quanto seu próprio ganho
aquilo a que se costuma chamar de “desperdí- ou sacrifício alternativo?
cio”, não valeria a pena se, no todo, os ganhos A decisão a respeito da quantidade de
excederem as perdas? capital a ser conferida a um empreendedor
Entretanto, para voltar ao problema da individual e a decisão assim envolvida a res-
distribuição e controle dos recursos, perma- peito do tamanho da firma individual sob um
nece a questão bastante séria acerca de como único controle são, efetivamente, decisões
decidir, no curto prazo, se uma dada empresa sobre a combinação mais apropriada dos re-
em operação está realizando a melhor utiliza- cursos12. Corresponderá à autoridade central
ção de seus recursos. Mesmo se estiver reali- decidir se uma fábrica localizada em um dado
zando lucros ou perdas, isso é uma questão lugar deveria ser expandida ao invés de uma
que dependerá da estimativa dos retornos outra situada em alguma outra parte. Tudo
futuros do seu equipamento a serem espera- isto envolve planejamento por parte da auto-
dos. Seus resultados podem ser determina- ridade central, praticamente na mesma escala
dos somente se um valor definido for confe-
rido à sua fábrica existente. Qual deverá ser 12
Para uma discussão mais detalhada a respeito de
a decisão se algum outro empreendedor pro- como o tamanho da firma individual é determinado
meter um retorno mais elevado dessa planta sob a competição e da maneira na qual isto afeta a
(ou mesmo de uma máquina individual) do adequação dos diferentes métodos de produção e
os custos do produto, ver: ROBINSON, E. A. G. The
que aquele no qual o usuário corrente funda- Structure of Competitive Industry (Cambridge
menta sua valoração? Essa fábrica ou máqui- Economic Handbooks, Vol. VII), London, 1931.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 101

que seria caso estivesse de fato conduzindo antigas propostas socialistas de um sistema
o empreendimento. Embora seja provável econômico de planejamento centralizado. É
que o empreendedor individual tenha algum verdade, ainda mais do que no caso do plane-
mandato contratual definido para a gestão da jamento propriamente dito, que todas as difi-
fabrica que lhe foi confiada, todos os novos culdades levantadas se devem “somente” às
investimentos necessariamente serão dirigi- imperfeições da mente humana. No entanto,
dos de forma centralizada. Esta divisão na embora isto torne ilegítimo dizer que tais pro-
disposição dos recursos simplesmente faria postas são “impossíveis” em qualquer senti-
com que nem o empreendedor, nem a auto- do absoluto, permanece como não menos ver-
ridade central estivessem realmente em posi- dadeiro que esses obstáculos bastante sérios à
ção de planejar, impossibilitando a atribuição consecução do fim desejado existem e parece
de responsabilidades pelos erros. Assumir não haver maneira de superá-los.
que é possível criar condições de competição Em vez de prosseguir na discussão das
plena sem fazer com que aqueles que são res- dificuldades detalhadas que essas propostas
ponsáveis pelas decisões paguem por seus er- suscitam, talvez seja mais interessante consi-
ros não passa de pura ilusão. No máximo, po- derar as verdadeiras implicações por tantos
derá ser um sistema de quasi-competição, no dentre os socialistas mais jovens, que estu-
qual a pessoa realmente responsável não será daram seriamente os problemas econômicos
o empreendedor, mas sim o funcionário que associados ao socialismo, terem abandonado
aprova suas decisões. Consequentemente, a crença em um sistema econômico planejado
surgirão todas as dificuldades normalmente de forma central e terem depositado sua fé na
associadas à burocracia com respeito à liber- esperança de que a competição possa ser pre-
dade de iniciativa e atribuição de responsabi- servada mesmo com a abolição da proprie-
lidades13. dade privada. Vamos assumir, momentanea-
mente, que desta forma seja possível chegar
bem perto dos resultados proporcionados por
X um sistema competitivo baseado na proprie-
dade privada. Percebe-se completamente o
Sem pretender qualquer finalidade para quanto das esperanças em geral associadas a
esta discussão sobre a pseudo-competição, um sistema socialista são de imediato aban-
pode-se ao menos afirmar que se mostrou donadas quanto se propõe colocar, no lugar
que sua administração bem-sucedida apre- do sistema de planejamento central (que era
senta obstáculos consideráveis e que levanta considerado superior a qualquer sistema
inúmeras dificuldades que precisam ser su- competitivo), uma imitação mais ou menos
peradas antes que possamos acreditar que bem-sucedida da competição? Quais serão as
seus resultados chegarão mesmo a se aproxi- vantagens que permanecerão para compensar
mar dos resultados da competição baseada na pela perda de eficiência que, se levarmos em
propriedade privada dos meios de produção. consideração nossas objeções anteriores, pa-
Deve ser dito que, no estado atual, mesmo rece ser o efeito inevitável do fato de que, sem
considerando seu caráter bastante provisório propriedade privada, a competição necessa-
e experimental, essas propostas parecem, na riamente ficará de certa forma restrita e, dessa
verdade, ainda mais impraticáveis do que as maneira, algumas das decisões terão que ser
deixadas para a decisão arbitrária de uma au-
toridade central?
13
Para uma discussão adicional bastante esclarecedora As ilusões que terão de ser abandonadas
desses problemas, ver: HAWTREY, R. G. The com a ideia de um sistema de planejamento
Economic Problem (London, 1926); e GERHARDT, J.
Unternehmertum und Wirtschaftsführung (Tübingen,
central são, de fato, bastante consideráveis. A
1930). esperança de uma produtividade amplamen-
102 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate

te superior com um sistema planejado ao in- de contas, o principal objetivo do socialismo.


vés da que se obtém por meio da competição Mas que seja possível melhorar suas posições
“caótica” teve que dar lugar à esperança de relativamente àqueles que eram capitalistas
que o sistema socialista possa praticamente não significa que seus rendimentos absolutos
se igualar ao sistema capitalista na produti- aumentarão ou mesmo que permanecerão tão
vidade. A esperança de que a distribuição de altos quanto antes. O que acontecerá, neste
renda possa ser completamente independen- aspecto, dependerá inteiramente da medida
te do preço dos serviços prestados e se basear na qual a produtividade geral será reduzida.
exclusivamente em considerações de justiça, Novamente, deve ser observado que conside-
preferivelmente no sentido de uma distribui- rações gerais do tipo que podem ser apresen-
ção igualitária, teve de ser substituída pela tadas em um breve ensaio não podem levar
esperança de que será possível utilizar parte a conclusões decisivas. Somente por intermé-
do rendimento dos fatores materiais de pro- dio da aplicação intensiva da análise nessas
dução para suplementar os rendimentos do linhas ao fenômeno do mundo real será pos-
trabalho. A expectativa de que o “sistema sa- sível chegar a estimativas aproximadas da im-
larial” seria abolido, que os administradores portância do fenômeno discutido aqui. Neste
de uma firma ou setor industrial socialista ponto, as opiniões naturalmente serão dife-
agiriam com base em princípios totalmente rentes. Entretanto, mesmo que pudéssemos
diferentes daqueles do capitalista que busca concordar acerca de quais exatamente seriam
o lucro, mostrou-se igualmente equivocada. os efeitos de qualquer um dos sistemas pro-
Embora não tenhamos tido ocasião para dis- postos sobre a renda nacional, permaneceria
cutir este ponto em detalhes, o mesmo deve a questão adicional de se qualquer redução
ser dito acerca da esperança em que um tal dada, seja de sua magnitude absoluta presen-
sistema socialista pudesse ser capaz de evitar te ou de sua taxa de crescimento no futuro,
as crises e o desemprego. Um sistema de pla- não seria um preço muito alto a pagar pela
nejamento central, embora não possa evitar realização do ideal ético da maior igualdade
incorrer em erros ainda mais sérios do tipo de renda. Sobre esta questão, obviamente, o
que levam a crises sob o capitalismo, ao me- argumento científico precisa dar passagem às
nos teria a vantagem de possibilitar a partilha convicções individuais.
das perdas de maneira equitativa entre todos Entretanto, ao menos a decisão não
os seus membros. Seria superior neste aspec- pode ser tomada antes das alternativas serem
to, dado que seria possível reduzir os salários conhecidas, antes que se saiba pelo menos de
por decreto quando isso se mostrasse neces- forma aproximada qual é o preço que terá de
sário para a correção dos erros. Não há, con- ser pago. Que ainda exista tanta confusão nes-
tudo, razão pela qual um sistema competitivo te campo e que as pessoas ainda se recusem a
socialista poderia estar em melhor posição admitir que é impossível ter o melhor dos dois
para evitar crises e desemprego do que o capi- mundos se deve principalmente ao fato de
talismo competitivo. Talvez uma política mo- que a maior parte dos socialistas fazem pouca
netária inteligente possa reduzir a severidade ideia de como realmente seria o sistema que
dessas duas coisas, mas neste aspecto não há defendem, seja planejado ou seja um sistema
possibilidades sob o socialismo competitivo competitivo. Faz parte das táticas eficazes por
que não existam igualmente sob o capitalis- parte dos socialistas contemporâneos deixar
mo. este ponto no escuro e, embora proclamem
Contra tudo isto existe, obviamente, a todos os benefícios que geralmente são asso-
vantagem de que seria impossível melho- ciados ao planejamento central, referem-se à
rar a posição relativa da classe trabalhadora competição quando são questionados acerca
proporcionando-lhes participação nos ren- de como resolverão alguma dificuldade em
dimentos da terra e do capital. Este é, afinal particular. No entanto, ninguém até agora
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 103

conseguiu demonstrar como o planejamento mento mais suave da competição ao invés de


e a competição poderiam ser combinadas ra- obstrui-la por tanto tempo com todas as ten-
cionalmente; e, enquanto isto não tenha sido tativas de planejamento a ponto de fazer com
feito, certamente temos o direito de insistir que quase qualquer alternativa viesse a pare-
que essas duas alternativas devem ser man- cer preferível às condições existentes.
tidas nitidamente separadas e que qualquer Entretanto, se nossas conclusões a res-
um que defenda o socialismo deva decidir peito dos méritos das crenças – que são, sem
por uma ou pela outra, para somente então dúvida, uma das principais forças impulsio-
demonstrar como propõe superar as dificul- nadoras de nossa época – forem essencialmen-
dades inerentes ao sistema escolhido. te negativas, isto certamente não é motivo de
satisfação. Em um mundo empenhado no pla-
nejamento, nada poderia ser mais trágico do
XI que concluir que a persistência nesta direção
deverá conduzir à inevitável decadência eco-
Não se teve a pretensão, aqui, de que as nômica. Mesmo que já exista alguma reação
conclusões atingidas ao examinar as constru- intelectual a caminho, resta pouca dúvida de
ções socialistas alternativas devam necessa- que, durante muitos anos, o movimento con-
riamente ser definitivas. Uma coisa, contudo, tinuará na direção do planejamento. Nada,
parece emergir das discussões dos últimos portanto, poderia fazer mais para aliviar a
anos com força irrefutável: que hoje ainda melancolia absoluta com a qual o economis-
não possuímos o equipamento intelectual ta, hoje, precisa olhar para o futuro do mundo
para melhorar o funcionamento de nosso sis- do que se se pudesse mostrar que existe uma
tema econômico por meio do “planejamento” maneira possível e praticável para superar
ou para resolver o problema da produção so- suas dificuldades. Mesmo para aqueles que
cialista de qualquer outra maneira sem pre- não simpatizam com todos os fins últimos do
judicar a produtividade de forma bastante socialismo há uma forte razão para desejar
considerável. O que falta não é a “experiên- que, agora que o mundo se move nessa dire-
cia”, mas sim a maestria intelectual a respeito ção, possa se provar praticável e uma catás-
de um problema que, até agora, aprendemos trofe seja evitada. No entanto, deve-se admitir
somente a formular, porém não a responder. que atualmente parece, para dizer o mínimo,
Ninguém deseja excluir toda possibilidade de altamente improvável que uma tal solução
que uma solução ainda possa ser encontrada. possa ser encontrada. É de alguma importân-
Entretanto, no estado presente de nosso co- cia que, até agora, as menores contribuições
nhecimento, sérias dúvidas devem permane- para uma tal solução tenham vindo daqueles
cer a respeito de se uma tal solução poderá que defendiam o planejamento. Se algum dia
ser descoberta. Precisamos ao menos encarar uma solução puder ser alcançada, dever-se-á
a possibilidade de que, durante os últimos mais às críticas, que ao menos esclareceram a
cinquenta anos, o pensamento tenha segui- natureza do problema – mesmo que tenham
do por linhas equivocadas, atraído por uma desenganado acerca da possibilidade de en-
noção que, quando examinada de mais perto, contrar uma solução.
mostrou não ser realizável. Se esse foi o caso,
não haveria prova de que teria sido desejável
permanecer onde estávamos antes que esta
tendência fosse fixada, mas somente de que
um desenvolvimento em uma outra direção
teria sido mais vantajoso. Há, de fato, alguma
razão para supor que, por exemplo, poderia
ter sido mais racional buscar um funciona-

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