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ISSN 2318-0811
Volume IV, Número 1 (Edição 7) Janeiro-Junho 2016: 83-103
Friedrich A. Hayek**
Resumo: Neste segundo artigo sobre o problema do cálculo socialista, o autor analisa
propostas socialistas alternativas que participaram dos debates em torno do assunto.
Em particular, o autor apresenta e discute as propostas de abolir a propriedade
privada e manter a propriedade estatal dos meios de produção, porém preservando
a competição. Conclui-se que preservar a competição em um arcabouço socialista
necessariamente leva ao desperdício e a prejuízos consideráveis na produtividade.
*
Reimpresso de: HAYEK, F. A. (Ed.). Collectivist Economic Planning. London: George Routledge & Sons, Ltd.,
1935. A versão traduzida foi retirada de: HAYEK, F. A. Socialist Calculation II: The State of the Debate. In: HAYEK,
F. A. Individualism and Economic Order. Chicago: The University of Chicago Press, 1958. p. 148-180. O último
artigo do autor a respeito do mesmo tema (Socialist Calculation III: The Competitive “Solution”) será publicado na
próxima edição do periódico MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia.
Traduzido do inglês para português por Claudio A. Téllez-Zepeda.
**
Friedrich August von Hayek nasceu em Viena, no dia 8 de maio de 1899, na ocasião, ainda Império Austro-
Húngaro. Recebeu os títulos de doutor em Direito (1921) e Ciência Política (1923) pela Universidade de Viena,
onde também estudou Filosofia, Psicologia e Economia. Com a ajuda de Ludwig von Mises (1881-1973), no final
da década de 1920, fundou e dirigiu o Austrian Institute for Business Cycle Research, antes de ingressar na London
School of Economics em 1931. Tornou-se súdito inglês em 1938 e, em março de 1944, lançou seu famoso livro O
Caminho da Servidão (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010). Viveu na Grã-Bretanha até 1950 e depois mudou-
se para os Estados Unidos, onde permaneceu de 1950 a 1962. Em 1974, recebeu o Prêmio Nobel de Economia por
sua Teoria da Moeda e flutuações econômicas. Faleceu em 23 de março de 1992, em Freiburg, na Alemanha, onde
vivia desde a década de 1960.
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que ultrapassa a capacidade humana. Ainda tal sistema de equações. Entretanto, esse
assim, para que a sociedade conduzida por um não é o ponto. Não devemos esperar que o
planejamento central funcionasse de maneira equilíbrio seja atingido a menos que todas
tão eficiente quanto a sociedade competitiva, as mudanças externas tenham cessado. A
a qual, por assim dizer, descentraliza a tarefa característica essencial do sistema econômico
de coletá-los, precisariam estar presentes. No atual é que reage, em alguma medida, a
entanto, vamos assumir momentaneamente todas essas pequenas mudanças e diferenças
que esta dificuldade, a “mera dificuldade que precisariam ser deliberadamente
de técnica estatística”, tal como a maior desconsideradas sob o sistema que estamos
parte dos planejadores a chamam com discutindo para que os cálculos possam ser
desdém, já está superada. Este seria apenas manejáveis. Desta maneira, a decisão racional
o primeiro passo para a solução da tarefa seria impossível para todas essas questões de
principal. Assim que o material fosse detalhes que, no agregado, decidem o sucesso
coletado, ainda seria necessário elaborar as do esforço produtivo.
decisões concretas que isso implica. Agora, É improvável que qualquer um que
a magnitude desta operação essencialmente tenha percebido a magnitude da tarefa
matemática dependerá da quantidade envolvida tenha proposto seriamente um
de incógnitas a serem determinadas. A sistema de planejamento baseado em sistemas
quantidade dessas incógnitas será igual ao compreensivos de equações. O que realmente
número de mercadorias a serem produzidas. povoava as mentes daqueles que debateram
Conforme já vimos, precisamos tratar como este tipo de análise era a crença em que, a partir
mercadorias diferentes todos os produtos de uma dada situação, que presumivelmente
finais a serem completados em momentos seria aquela da sociedade capitalista pré-
distintos, cuja produção precisa ser iniciada existente, a adaptação às pequenas mudanças
ou continuada em um dado momento. No que ocorrem cotidianamente poderia ser
presente, dificilmente podemos dizer qual é obtida de forma gradual por um método de
seu número, porém dificilmente será exagero tentativas e erros. Esta sugestão envolve,
pressupor que, em uma sociedade bastante contudo, dois erros fundamentais. Em
avançada, sua ordem de magnitude seria primeiro lugar, tal como já foi observado
pelo menos de centenas de milhares. Isto diversas vezes, é inadmissível assumir que
significa que, em cada momento sucessivo, as mudanças nos valores relativos produzida
cada uma das decisões precisaria se basear pela transição do capitalismo ao socialismo
na solução de uma quantidade igual de seria de ordem menor, permitindo dessa
equações diferenciais simultâneas, uma tarefa forma que os preços do sistema capitalista
que, empregando qualquer um dos meios pré-existente possam ser utilizados como
conhecidos no presente momento (1935), não ponto de partida, possibilitando evitar o
poderia ser levada a cabo no tempo de uma rearranjo completo do sistema de preços.
vida. Ademais, essas decisões não somente Entretanto, mesmo se negarmos esta objeção
precisariam ser feitas continuamente; também bastante séria, não temos a mínima razão para
precisariam ser transmitidas prontamente assumir que a tarefa poderia ser resolvida
àqueles que tivessem de executá-las. desta maneira. Precisamos somente recordar
Provavelmente será dito que um tal as dificuldades experimentadas com a fixação
grau de exatidão não seria necessário, dado de preços, mesmo quando aplicada somente a
que o funcionamento do sistema econômico umas poucas mercadorias e também observar
atual não chega nem perto disso. No entanto, que, em um tal sistema, a fixação de preços
isto não é totalmente verdadeiro. Está claro teria que ser aplicada não a umas poucas,
que nunca nos aproximamos do estado mas a todas as mercadorias, acabadas e não
de equilíbrio descrito pela solução de um acabadas, e teria de provocar mudanças de
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preços tão frequentes e variadas como as que são objetivos incompatíveis. Entretanto,
ocorrem em uma sociedade capitalista todos isto deu a impressão de que a natureza
os dias e todas as horas. Assim, constataríamos imprevisível dos gostos dos consumidores
que esta não é uma maneira para alcançar, é o único ou o principal obstáculo para o
mesmo que de forma aproximada, a solução planejamento bem-sucedido. Maurice Dobb
proporcionada pela competição. Praticamente (1900-1976) recentemente abordou o tema
cada mudança de um único preço tornaria até sua conclusão lógica ao afirmar que
necessário alterar centenas de outros preços e valeria a pena abrir mão da liberdade dos
a maior parte dessas outras modificações não consumidores se tal sacrifício pudesse tornar
seriam, de modo algum, proporcionais, mas o socialismo possível7. Trata-se, sem dúvida,
sim seriam afetadas pelos diferentes graus de de um passo muito corajoso. No passado,
elasticidade da demanda, pelas possibilidades socialistas protestaram de forma consistente
de substituição e por outras mudanças nos contra qualquer sugestão de que a vida sob
métodos de produção. Imaginar que todo o socialismo pudesse ser como uma vida
este ajuste poderia ser proporcionado por em um quartel, sujeita à regulamentação de
meio de ordens sucessivas proferidas pela cada detalhe. O professor Dobb considera
autoridade central assim que a necessidade tais pontos de vista como obsoletos. Se seria
fosse constatada e que então cada preço será capaz de conseguir muitos seguidores caso
fixado e modificado até que algum grau de professasse tais posições às massas socialistas,
equilíbrio seja obtido, certamente é uma essa não é uma questão que deva nos
ideia absurda. Que os preços possam ser preocupar aqui. A questão é se proporcionaria
fixados com base em uma visão abrangente uma solução para nosso problema.
da situação é ao menos concebível, embora O professor Dobb admite abertamente
totalmente impraticável; entretanto, basear a que abandonou a perspectiva, atualmente
fixação de preços autoritária na observação de mantida por Henry D. Dickinson e outros,
uma pequena porção do sistema econômico de que o problema poderia ou deveria ser
é uma tarefa que não pode ser realizada de resolvido por uma espécie de sistema de
maneira racional sob circunstância alguma. precificação sob o qual os preços dos produtos
Qualquer tentativa nesta direção ou teria que finais e os preços dos agentes originais seriam
ser realizada seguindo as linhas da solução determinados em alguma espécie de mercado,
matemática discutida anteriormente, ou então enquanto os preços de todos os demais
precisaria ser abandonada por completo. produtos seriam derivados a partir desses
por intermédio de algum sistema de cálculo.
Entretanto, parece sofrer da ilusão curiosa
IV de que a necessidade de qualquer sistema de
preços se deve somente ao preconceito de que
Diante dessas dificuldades, não causa as preferências dos consumidores deveriam
surpresa que praticamente todos os que ser respeitadas e que, em consequência, as
realmente tentaram pensar o problema do categorias da teoria econômica, assim como
planejamento central tenham se desesperado aparentemente todos os problemas do valor,
com a possibilidade de solucioná-lo em um
mundo no qual cada capricho passageiro 7
Ver o artigo: DOBB, M. Economic Theory and the
do consumidor é capaz de perturbar Problem of a Socialist Economy. Economic Journal
por completo os planos cuidadosamente (December 1933). Mais recentemente (em sua obra
elaborados. Atualmente, é mais ou menos Political Economy of Capitalism (London, 1937),
p. 310), o professor Dobb protestou contra esta
consensual que a livre escolha do consumidor interpretação de suas colocações anteriores, porém
(e, presumivelmente, também a livre escolha ao relê-las ainda considero difícil interpretá-las em
quanto à ocupação) e o planejamento central qualquer outro sentido.
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deixariam de fazer sentido em uma sociedade percepção acerca de seus méritos se poupa
socialista. “Se a igualdade de recompensas do trabalho de descobrir o que as pessoas
prevalecesse, as valorações do mercado realmente preferem e evita a tarefa impossível
perderiam ipso facto sua alegada importância, de combinar as escalas individuais em uma
dado que o custo monetário não teria sentido”. escala acordada comum capaz de expressar
Não se pode negar que a abolição da livre as ideias gerais de justiça. Entretanto, caso
escolha dos consumidores poderia simplificar deseje seguir esta norma com qualquer grau
o problema em alguns aspectos. Uma das de racionalidade ou consistência, se deseja
variáveis imprevisíveis seria eliminada e, concretizar aquilo que considera como os
assim, a frequência dos reajustes necessários objetivos da comunidade, precisará resolver
seria, de certo modo, reduzida. No entanto, todos os problemas que já discutimos. Nem
acreditar, assim como o professor Dobb, que sequer acreditará que seus planos não serão
desta maneira se eliminaria a necessidade de afetados por mudanças imprevistas, dado
algum tipo de precificação, de uma comparação que as mudanças nas preferências não são de
exata entre custos e resultados, certamente forma alguma as únicas e talvez não sejam
indica um desconhecimento completo do nem mesmo as mudanças mais importantes
problema real. Os preços deixariam de ser que não podem ser antecipadas. Mudanças
necessários somente caso se pudesse assumir no clima, alterações nos números ou no
que, no Estado socialista, a produção não teria estado de saúde da população, avarias nas
qualquer objetivo definido – que não seria máquinas, a descoberta ou exaustão repentina
direcionada de acordo com alguma ordem de um depósito de minério e centenas de
bem definida de preferências, por mais que outras mudanças constantes farão com que
sejam fixadas arbitrariamente, mas que em seja necessário reconstruir seus planos a cada
vez disso o Estado simplesmente produziria instante. A distância até aquilo que é realmente
alguma coisa e os consumidores teriam, praticável e os obstáculos à ação racional
então, que ficar com o que fosse produzido. terão sido apenas ligeiramente reduzidos ao
O professor Dobb pergunta o que se perderia sacrifício representado por um ideal que seria
com isso. A resposta é: quase tudo. Sua atitude prontamente abandonado pelos poucos que
seria sustentável somente caso os custos se deram conta do que significava.
determinassem o valor de modo que, enquanto
os recursos disponíveis fossem utilizados
de alguma maneira, o modo no qual fossem V
empregados não afetasse nosso bem-estar,
dado que o mero fato de terem sido usados Nessas circunstâncias, é fácil compreen-
já atribuiria valor aos produtos. No entanto, der que a solução radical do professor Dobb
as questões a respeito de se teremos mais não tenha conseguido muitos seguidores e
ou menos para consumir, de se manteremos que vários dentre os socialistas mais jovens
ou elevaremos nosso padrão de vida, ou tenham buscado soluções na direção total-
de se regrediremos ao estado de selvagens mente oposta. Enquanto o professor Dobb de-
sempre à beira da inanição, dependem seja eliminar os resquícios de liberdade ou de
principalmente de como utilizamos nossos competição ainda pressupostos nos esquemas
recursos. A diferença entre uma distribuição socialistas tradicionais, grande parte das dis-
e combinação dos recursos entre os diferentes cussões mais recentes se volta para uma rein-
setores industriais de maneira econômica trodução completa da competição. Na Alema-
ou não econômica é a diferença entre a nha, tais propostas já foram inclusive publi-
escassez e a abundância. O ditador, aquele cadas e discutidas. Na Inglaterra, contudo, o
que classifica as diferentes necessidades dos pensamento nessas linhas ainda se encontra
membros da sociedade de acordo com sua em estágio embrionário. As sugestões do sr.
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que não se obtenha o maior retorno de cada adoção de novas máquinas, etc., quando os
tipo de recurso disponível, mas de modo produtores prefeririam continuar utilizando
que a diferença entre o valor dos fatores que as antigas. Entretanto, em ambos os casos,
podem ser utilizados em outra parte e o valor conforme pode ser mostrado facilmente, o
dos produtos seja maximizada. Esta ênfase na planejamento que tem por objetivo evitar
maximização dos lucros de monopólio em vez o que ocorreria sob competição leva ao
de na melhor utilização dos fatores disponíveis desperdício social.
é a consequência necessária de transformar o Uma vez que um equipamento de
próprio direito de produzir um bem em um produção de qualquer tipo já existe, é desejável
“fator de produção escasso”. Em um mundo que seja utilizado enquanto os custos de
de tais monopólios, isto pode não ter o efeito seu uso (os “custos principais”) forem mais
de reduzir a produção por completo, no baixos que o custo total para proporcionar o
sentido em que alguns dos fatores de produção mesmo serviço de maneira alternativa. Se sua
permanecerão sem ser empregados, porém existência evita a introdução de equipamento
certamente terá o efeito de reduzir a produção mais moderno, isto significa que os recursos
por gerar uma distribuição não econômica necessários para produzir o mesmo produto
dos fatores entre os setores industriais. com métodos mais modernos podem ser
Isto permanecerá verdadeiro mesmo que a utilizados com mais vantagens em alguma
instabilidade temida por Edgeworth se mostre outra parte. Se fábricas mais antigas e mais
de ordem menor. No equilíbrio que seria modernas existem lado a lado e as firmas mais
atingido, seria realizada a melhor utilização de modernas são ameaçadas pela “concorrência
apenas um “fator” escasso: a possibilidade de destrutiva” dos trabalhos mais obsoletos, isto
explorar os consumidores. pode significar uma de duas coisas. Ou o novo
método na realidade não é melhor, isto é, sua
introdução se baseou em um erro de cálculo e
VII nunca deveria ter ocorrido; nesse caso, onde
os custos de operação com o novo método
Esta não é a única desvantagem de uma são, na verdade, mais altos que com o método
reorganização geral dos setores industriais antigo, a solução é, obviamente, fechar a
em linhas monopolistas. As assim chamadas fábrica nova, mesmo que em algum sentido
“economias” que, conforme se afirma, seja “tecnicamente” superior. Ou – e este é
resultariam caso os setores industriais fossem o caso mais provável – teremos a seguinte
“reorganizados” em linhas monopolistas situação: embora os custos de operação com
demonstra, após um exame minucioso, que o novo método sejam menores que com o
não passam de desperdício. Em praticamente método antigo, não serão suficientemente
todos os casos nos quais o planejamento de mais baixos a ponto de proporcionar, a um
setores industriais individuais é atualmente preço que cubra os custos de operação da
defendido, o objetivo é lidar com os efeitos do fábrica antiga, margem suficiente para pagar
progresso técnico10. Às vezes, afirma-se que a juros e amortizações da nova fábrica. Neste
introdução desejável de uma inovação técnica caso, também ocorreu erro de cálculo. A nova
se torna impossível por causa da competição. fábrica nunca deveria ter sido construída.
Em outras ocasiões, argumenta-se contra a Entretanto, dado que já existe, a única maneira
competição que gera desperdício ao forçar a para que o público possa obter algum benefício
do capital que foi alocado incorretamente
é permitindo que os preços caiam ao
10
A respeito desses problemas, ver: PIGOU, A. C. patamar competitivo e que parte do valor de
Economics of Welfare (4a Ed., 1932), p. 188, bem como
o artigo do presente autor: HAYEK, F. A. The Trend of
capital das novas firmas seja amortizado. A
Economic Thinking. Economica (May 1933), p. 132. manutenção artificial dos valores de capital
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da fábrica nova fechando compulsoriamente ficar claro que qualquer tentativa nesta dire-
a antiga significa, simplesmente, tributar o ção deve produzir o efeito de que aquilo que
consumidor em benefício do interesse do supostamente devesse eliminar o desperdício
proprietário da fábrica nova sem qualquer seja, de fato, a causa do desperdício. Dada uma
benefício de compensação na forma de capacidade de previsão razoável por parte do
produção maior ou melhor. empreendedor, uma inovação será introduzi-
Tudo isto fica ainda mais claro no da somente caso possibilite proporcionar os
caso não tão raro no qual a fábrica nova é mesmos serviços que estavam disponíveis an-
realmente superior no sentido que, se já teriormente a um dispêndio menor dos recur-
não tivesse sido construída, seria vantajoso sos correntes (isto é, com menos sacrifício dos
construí-la agora; no entanto, onde as firmas outros empregos possíveis desses recursos),
que a utilizam enfrentam dificuldades ou fornecer serviços melhores a um preço que
financeiras por ter sido construída em uma não seja proporcionalmente maior. A queda
época de valores inflacionados, encontram- dos valores de capital dos instrumentos exis-
se consequentemente sobrecarregadas com tentes, que sem dúvida se seguirá, não será
uma dívida excessiva. Exemplos como perda social de forma alguma. Se puderem
este, no qual as firmas tecnicamente mais ser empregados para outros propósitos, uma
eficientes são, ao mesmo tempo, as menos queda de seu valor no uso presente abaixo do
firmes financeiramente não são tão incomuns que alcançariam em outro lugar é uma indi-
em alguns setores industriais ingleses. cação clara de que deveriam ser transferidos.
Aqui, novamente, qualquer tentativa de Se não apresentam outra utilidade além da
preservar os valores de capital suprimindo a atual, o valor anterior interessa somente como
competição das firmas menos modernas gera indicação do quanto o custo de produção pre-
apenas o efeito de possibilitar aos produtores cisa ser diminuído pela inovação antes que se
que mantenham os preços mais elevados do torne racional abandoná-los por completo. As
que seriam de outra forma, unicamente no únicas pessoas que têm interesse na manuten-
interesse dos detentores de títulos. O curso ção do valor do capital já investido são seus
certo, desde o ponto de vista social, seria baixar proprietários. Entretanto, a única forma de fa-
o valor do capital inflado até um patamar zer isso nestas circunstâncias seria impedindo
mais adequado e a concorrência potencial que outros membros da sociedade possam se
dos que são modernos produziria, portanto, o beneficiar da nova invenção.
efeito benéfico de baixar os preços a um nível
apropriado para os custos de produção. Os
capitalistas que realizaram investimentos em VIII
um momento equivocado podem não ficar
satisfeitos com isto, que seria claramente de Pode-se argumentar que essas restrições
interesse social. podem ser verdadeiras com respeito aos
Os efeitos do planejamento para preser- monopólios capitalistas que têm por objetivo
var valores de capital são, talvez, ainda mais a obtenção dos lucros máximos, porém que
prejudiciais quando assumem a forma de re- certamente não valeriam para os setores
tardar a introdução de novas invenções. Se econômicos integrados em um Estado
abstrairmos, como provavelmente temos o di- socialista, cujos gestores teriam a orientação
reito de fazer, do caso no qual há razão para de cobrar preços apenas suficientes para
pressupor que a autoridade planejadora pos- cobrir os custos. É verdade que a seção
sui maior capacidade de previsão e é melhor anterior foi essencialmente uma digressão no
qualificada para julgar a probabilidade de problema do planejamento sob o capitalismo.
ocorrência de progresso técnico em compa- Entretanto, isso nos permitiu não somente
ração com o empreendedor individual, deve examinar algumas das supostas vantagens que
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geralmente são associadas a qualquer forma de essas mesmas ferramentas serão utilizadas.
planejamento, mas também evidenciar certos Muito do que geralmente se chama “custo de
problemas que necessariamente acompanham produção” não é realmente um elemento de
o planejamento sob o socialismo. Lidaremos custo dado independentemente do preço do
novamente com alguns desses problemas em produto, mas sim um quasi-aluguel ou uma
um momento posterior. Agora, no entanto, cota de depreciação que deve ser permitida
devemos nos concentrar uma vez mais no caso sobre o valor capitalizado dos quasi-alugueis
em que os setores industriais monopolizados esperados e depende, portanto, dos preços
são conduzidos não para obterem os maiores esperados para o futuro.
lucros, mas sim para que atuem como se a Para cada empresa individual em uma
competição existisse. A orientação de ter por indústria competitiva os quasi-alugueis,
objetivo preços que apenas cobrem o custo embora dependentes dos preços, não são
(marginal) realmente proporciona um critério um guia menos confiável e indispensável
claro para a ação? para a determinação do volume apropriado
É com relação a isto que quase parece de produção que o custo verdadeiro. Pelo
como se a preocupação excessiva com as contrário, é somente desta forma que alguns
condições de um estado hipotético de equilíbrio dos fins alternativos que são afetados pela
estacionário tivesse levado os economistas decisão podem ser levados em consideração.
modernos em geral e particularmente aqueles Considere o caso de um instrumento de
que propõem esta solução a atribuírem à produção único, que nunca será substituído,
noção de custos, em geral, uma precisão e que não pode ser utilizado fora do setor
determinação muito maiores do que o que industrial monopolizado e que, portanto, não
se poderia atribuir a qualquer fenômeno de apresenta preço de mercado. Sua utilização
custos na vida real. Sob condições de ampla não envolve quaisquer custos que possam
concorrência, o termo “custo de produção” ser determinados independentemente do
apresenta, de fato, um significado muito preço de seu produto. Ainda assim, se é de
preciso. Entretanto, assim que saímos do todo durável e se pode ser usado mais ou
domínio da competição extensiva e de um menos rapidamente, seu desgaste deve ser
estado estacionário, e consideramos um contabilizado como custo verdadeiro para
mundo onde a maior parte dos meios de que o volume de produção apropriado, em
produção existentes é produto de processos qualquer momento, possa ser determinado
particulares que provavelmente nunca racionalmente. Isto é verdade não somente
serão repetidos; onde, em consequência de porque seus possíveis serviços no futuro
mudanças incessantes, o valor da maior parte precisam ser comparados com os resultados
dos instrumentos de produção mais duráveis de uma utilização mais intensiva no presente,
apresenta pouca ou nenhuma conexão com mas também porque, enquanto existir,
os custos dispendidos em sua produção, mas economiza os serviços de algum outro fator
depende somente dos serviços que se espera que seria necessário para substitui-lo e que
que proporcionem no futuro, a questão de poderia, nesse ínterim, ser utilizado para
quais exatamente são os custos de produção outros propósitos. O valor dos serviços
de um dado produto é extremamente difícil deste instrumento é, aqui, determinado
para ser respondida de maneira definitiva pelos sacrifícios envolvidos na próxima
com base em qualquer processo que ocorra melhor forma de produzir o mesmo produto;
dentro da firma individual ou do setor ademais, esses serviços precisam, portanto,
industrial. É uma questão que não pode ser economizados porque algumas satisfações
ser respondida sem, antes, fazer alguns alternativas dependem deles de maneira
pressupostos com respeito aos preços dos indireta. Entretanto, seu valor pode ser
produtos em cujo processo de manufatura determinado somente caso a competição real
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trial quase tanto quanto as decisões de uma autoridade central precisaria efetuar uma re-
autoridade planejadora real. organização completa.
Para começar, deve ficar claro que a ne- Agiria com base em quais princípios?
cessidade de alguma autoridade econômica Está claro que, em uma sociedade assim,
central não diminuirá significativamente. Está a mudança será tão frequente quanto sob o ca-
claro, também, que esta autoridade terá de ser pitalismo; também será igualmente imprevisí-
quase tão poderosa quanto em um sistema vel. Toda ação terá de ser baseada na anteci-
planificado. Se a comunidade é a proprietária pação de eventos futuros e as expectativas por
de todos os recursos materiais de produção, parte dos diferentes empreendedores natural-
alguém precisará exercer tal direito em seu mente serão distintas. As decisões a respeito
nome, ao menos no que diz respeito à distri- de a quem confiar uma dada quantidade de
buição e controle da utilização desses recur- recursos terá de ser feita com base nas promes-
sos. Não é possível conceber esta autoridade sas individuais de retornos futuros. Ou, mais
central simplesmente como uma espécie de propriamente, com base na afirmação de que
superbanco que empresta os fundos disponí- um determinado retorno será esperado com
veis aos maiores licitantes. Emprestará a pes- um certo grau de probabilidade. Não haverá,
soas que não detêm propriedade. Assim, ar- obviamente, teste objetivo para a magnitude
cará com todo o risco e não terá direito a uma do risco. Mas então quem decidirá se tal risco
quantia definitiva de dinheiro, tal como um vale a pena? A autoridade central não contará
banco. Terá simplesmente direitos de proprie- com outras bases para decidir além do desem-
dade sobre todos os recursos reais. Tampouco penho anterior do empreendedor. Entretanto,
suas decisões serão limitadas à redistribuição como decidir se os riscos que o empreende-
do capital livre na forma de dinheiro e talvez dor assumiu no passado eram justificados?
de terras. Também precisará decidir se uma Ademais, sua atitude para com o risco será a
fábrica em particular ou uma peça de alguma mesma que teria caso arriscasse o que é de sua
máquina será deixada para o empreendedor propriedade?
que a utilizou no passado, à sua avaliação, ou Considere primeiramente a questão acer-
se deverá ser transferida para algum outro ca de como seu sucesso ou fracasso será tes-
que promete um retorno maior. tado. A primeira questão será se obteve suces-
Ao imaginar um sistema desta sorte, é so em preservar o valor dos recursos que lhe
mais caridoso supor que a distribuição inicial foram confiados. Entretanto, mesmo o melhor
de recursos entre as firmas individuais será empreendedor ocasionalmente obtém perdas
realizada com base na estrutura do setor in- e, às vezes, perdas muito altas. Será culpado
dustrial dada historicamente, e que a seleção se seu capital se tornar obsoleto por causa de
dos gestores será feita com base em algum alguma inovação ou mudança na demanda?
teste de eficiência e na experiência anterior. Como decidir se tinha o direito de assumir
Se a organização existente do setor indus- um certo risco? Aquele que nunca incorre em
trial não for aceita, poderia ser aprimorada perdas porque nunca assume riscos é, neces-
ou modificada racionalmente somente com sariamente, quem age mais de acordo com o
base em um planejamento central bastante interesse da comunidade? Certamente haverá
dispendioso e isto nos deixaria novamente uma tendência a preferir os empreendimentos
com os sistemas que o sistema competitivo seguros sobre os arriscados.
tenta substituir. Entretanto, a aceitação da or- No entanto, os empreendimentos arris-
ganização existente resolveria as dificuldades cados e mesmo aqueles que são puramente es-
apenas momentaneamente. Cada mudança peculativos não são menos importantes aqui
nas circunstâncias levaria à necessidade de al- do que sob o capitalismo. A especialização na
terações nesta organização e, no transcurso de função de assumir riscos por especuladores
um período de tempo relativamente curso, a profissionais em mercadorias será uma forma
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de divisão de trabalho tão desejável quanto o na, será retirada de suas mãos e entregue ao
é atualmente. Entretanto, como a magnitude outro homem com base meramente em sua
do capital do especulador será determinada e promessa? Este pode ser um caso extremo,
como sua remuneração será fixada? Por quan- porém ilustra somente a mudança constante
to tempo um empreendedor anteriormente de recursos entre empresas que ocorre sob o
bem-sucedido deverá sofrer para prosseguir capitalismo e que seria igualmente vantajosa
incorrendo em perdas? Se a penalidade para em uma sociedade socialista. Em uma socie-
as perdas é o abandono da posição de “em- dade capitalista, as transferências de capital
preendedor”, não será praticamente inevi- dos empreendedores menos eficientes para os
tável que a possibilidade de realizar perdas mais eficientes é produzida pelos primeiros
funcione como um elemento de dissuasão tão incorrendo em perdas e os últimos auferin-
forte a ponto de pesar mais que a chance de do lucros. A questão a respeito de quem terá
auferir os maiores lucros? Sob o capitalismo, o direito de arriscar os recursos e do quanto
a perda de capital pode igualmente significar lhe deve ser confiado é decidida, aqui, pelo
uma perda de status como capitalista. Entre- homem que obteve sucesso em adquiri-los
tanto, contra este elemento de dissuasão, há e mantê-los. No estado socialista, a questão
sempre o atrativo dos ganhos possíveis. Sob o será decidida com base nos mesmos princí-
socialismo, isso não pode existir. Chega a ser pios? O administrador de uma firma será li-
concebível que a relutância geral para entrar vre para reinvestir os lucros onde e quando
em qualquer negócio arriscado pode levar a quer que acredite que vale a pena? No pre-
taxa de juros para perto de zero. Isto seria, sente, irá comparar o risco envolvido em uma
contudo, vantajoso para a sociedade? Caso se expansão adicional do empreendimento atual
devesse apenas ao fato de todos os canais de com o rendimento que obteria caso investisse
investimento absolutamente seguros estarem em outra parte ou caso consumisse seu capi-
saciados, seria obtido ao preço do sacrifício tal. A consideração das vantagens alternativas
de toda experimentação com métodos novos que a sociedade pode obter a partir desse ca-
e ainda não testados. Mesmo se o progresso pital apresenta o mesmo peso neste cômputo
estiver conectado de forma inevitável com do risco e do ganho quanto seu próprio ganho
aquilo a que se costuma chamar de “desperdí- ou sacrifício alternativo?
cio”, não valeria a pena se, no todo, os ganhos A decisão a respeito da quantidade de
excederem as perdas? capital a ser conferida a um empreendedor
Entretanto, para voltar ao problema da individual e a decisão assim envolvida a res-
distribuição e controle dos recursos, perma- peito do tamanho da firma individual sob um
nece a questão bastante séria acerca de como único controle são, efetivamente, decisões
decidir, no curto prazo, se uma dada empresa sobre a combinação mais apropriada dos re-
em operação está realizando a melhor utiliza- cursos12. Corresponderá à autoridade central
ção de seus recursos. Mesmo se estiver reali- decidir se uma fábrica localizada em um dado
zando lucros ou perdas, isso é uma questão lugar deveria ser expandida ao invés de uma
que dependerá da estimativa dos retornos outra situada em alguma outra parte. Tudo
futuros do seu equipamento a serem espera- isto envolve planejamento por parte da auto-
dos. Seus resultados podem ser determina- ridade central, praticamente na mesma escala
dos somente se um valor definido for confe-
rido à sua fábrica existente. Qual deverá ser 12
Para uma discussão mais detalhada a respeito de
a decisão se algum outro empreendedor pro- como o tamanho da firma individual é determinado
meter um retorno mais elevado dessa planta sob a competição e da maneira na qual isto afeta a
(ou mesmo de uma máquina individual) do adequação dos diferentes métodos de produção e
os custos do produto, ver: ROBINSON, E. A. G. The
que aquele no qual o usuário corrente funda- Structure of Competitive Industry (Cambridge
menta sua valoração? Essa fábrica ou máqui- Economic Handbooks, Vol. VII), London, 1931.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Friedrich A. Hayek 101
que seria caso estivesse de fato conduzindo antigas propostas socialistas de um sistema
o empreendimento. Embora seja provável econômico de planejamento centralizado. É
que o empreendedor individual tenha algum verdade, ainda mais do que no caso do plane-
mandato contratual definido para a gestão da jamento propriamente dito, que todas as difi-
fabrica que lhe foi confiada, todos os novos culdades levantadas se devem “somente” às
investimentos necessariamente serão dirigi- imperfeições da mente humana. No entanto,
dos de forma centralizada. Esta divisão na embora isto torne ilegítimo dizer que tais pro-
disposição dos recursos simplesmente faria postas são “impossíveis” em qualquer senti-
com que nem o empreendedor, nem a auto- do absoluto, permanece como não menos ver-
ridade central estivessem realmente em posi- dadeiro que esses obstáculos bastante sérios à
ção de planejar, impossibilitando a atribuição consecução do fim desejado existem e parece
de responsabilidades pelos erros. Assumir não haver maneira de superá-los.
que é possível criar condições de competição Em vez de prosseguir na discussão das
plena sem fazer com que aqueles que são res- dificuldades detalhadas que essas propostas
ponsáveis pelas decisões paguem por seus er- suscitam, talvez seja mais interessante consi-
ros não passa de pura ilusão. No máximo, po- derar as verdadeiras implicações por tantos
derá ser um sistema de quasi-competição, no dentre os socialistas mais jovens, que estu-
qual a pessoa realmente responsável não será daram seriamente os problemas econômicos
o empreendedor, mas sim o funcionário que associados ao socialismo, terem abandonado
aprova suas decisões. Consequentemente, a crença em um sistema econômico planejado
surgirão todas as dificuldades normalmente de forma central e terem depositado sua fé na
associadas à burocracia com respeito à liber- esperança de que a competição possa ser pre-
dade de iniciativa e atribuição de responsabi- servada mesmo com a abolição da proprie-
lidades13. dade privada. Vamos assumir, momentanea-
mente, que desta forma seja possível chegar
bem perto dos resultados proporcionados por
X um sistema competitivo baseado na proprie-
dade privada. Percebe-se completamente o
Sem pretender qualquer finalidade para quanto das esperanças em geral associadas a
esta discussão sobre a pseudo-competição, um sistema socialista são de imediato aban-
pode-se ao menos afirmar que se mostrou donadas quanto se propõe colocar, no lugar
que sua administração bem-sucedida apre- do sistema de planejamento central (que era
senta obstáculos consideráveis e que levanta considerado superior a qualquer sistema
inúmeras dificuldades que precisam ser su- competitivo), uma imitação mais ou menos
peradas antes que possamos acreditar que bem-sucedida da competição? Quais serão as
seus resultados chegarão mesmo a se aproxi- vantagens que permanecerão para compensar
mar dos resultados da competição baseada na pela perda de eficiência que, se levarmos em
propriedade privada dos meios de produção. consideração nossas objeções anteriores, pa-
Deve ser dito que, no estado atual, mesmo rece ser o efeito inevitável do fato de que, sem
considerando seu caráter bastante provisório propriedade privada, a competição necessa-
e experimental, essas propostas parecem, na riamente ficará de certa forma restrita e, dessa
verdade, ainda mais impraticáveis do que as maneira, algumas das decisões terão que ser
deixadas para a decisão arbitrária de uma au-
toridade central?
13
Para uma discussão adicional bastante esclarecedora As ilusões que terão de ser abandonadas
desses problemas, ver: HAWTREY, R. G. The com a ideia de um sistema de planejamento
Economic Problem (London, 1926); e GERHARDT, J.
Unternehmertum und Wirtschaftsführung (Tübingen,
central são, de fato, bastante consideráveis. A
1930). esperança de uma produtividade amplamen-
102 O Cálculo Socialista II: O Estado do Debate