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INTOXICAÇÃO NATURAL POR Sida carpinifolia EM CAPRINOS NO ESTADO DO


PARANÁ (Sida carpinifolia poisoning in goats in the state of Paraná, Brazil)

Article  in  Archives of Veterinary Science · November 2015

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6 authors, including:

Gustavo Queiroz Priscilla Fajardo Valente Pereira


University of Northern Parana Universidade Estadual de Londrina
24 PUBLICATIONS   51 CITATIONS    17 PUBLICATIONS   25 CITATIONS   

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Karina Keller Marques da Costa Flaiban


Universidade Estadual de Londrina
56 PUBLICATIONS   139 CITATIONS   

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Differential Diagnosis of the neurologic disease of cattle in the Paraná State View project

Ochratoxicosis in birds View project

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Archives of Veterinary Science ISSN 1517-784X
v.20, n.2, p.92-102 2015 www.ser.ufpr.br/veterinary

grande quantidade somada às


INTOXICAÇÃO NATURAL POR Sida evidências de que haviam sido
carpinifolia EM CAPRINOS NO consumidas, os sinais clínicos
ESTADO DO PARANÁ apresentados pelos caprinos e as
(Sida carpinifolia poisoning in lesões histológicas presentes foram as
goats in the state of Paraná, Brazil) principais informações que
determinaram o diagnóstico de
intoxicação por Sida carpinifolia. Essa
Gustavo Rodrigues Queiroz, Priscilla Fajardo planta deve ser incluída na relação das
Valente Pereira, Gabriela de Castro Bregadioli,
Giovana Wingeter Di Santis, Karina Keller
plantas tóxicas que podem causar
Marques da Costa Flaiban, Júlio Augusto Naylor mortalidade de herbívoros no estado
Lisbôa do Paraná.
Palavras-chave: sistema nervoso central;
*Correspondência: síndrome cerebelar; plantas tóxicas; doença
gustavorodriguesqueiroz11@gmail.com do armazenamento lisossomal

RESUMO: A intoxicação por Sida ABSTRACT: Sida carpinifolia poisoning


carpinifolia causa doença degenerativa causes a degenerative disease of the central
do sistema nervoso central, nervous system, mainly characterized by
caracterizada por síndrome cerebelar. cerebellar syndrome. The objective of this
report was to describe the epidemiological,
O objetivo deste trabalho foi descrever clinical and pathological features observed in
os aspectos epidemiológicos, clínicos an outbreak of Sida carpinifolia poisoning in
e patológicos observados em um surto goats, as the first report in the state of Parana,
de intoxicação por Sida carpinifolia em Brazil. During the past ten years, the disease
caprinos, sendo o primeiro relato no occured in a farm located in the northern
pioneer region of the state, causing death of 35
estado do Paraná. Há dez anos a goats of different ages, after an evolution
doença era observada em uma ranging from three days to six months. In the
propriedade na região norte pioneiro latest outbreak, the disease was observed in
do estado, causando a morte de 35 three goats that had access to a shaded area
caprinos, de diferentes idades, com extensively invaded by the plant. Clinical signs
consisted of progressive weight loss, ataxia,
evolução de três dias a seis meses. No intention tremors of the head, nystagmus,
surto mais recente, a enfermidade foi proprioceptive deficits and spontaneous fall.
observada em três caprinos que Histologically, the main lesion was
tinham acesso a uma área, vacuolization in Purkinje cells. Similar changes
sombreada, intensamente invadida were observed in hepatocytes, renal tubular
epithelium and parietal corpuscular cells, and
pela planta. Os sinais clínicos acinar epithelial cells of the pancreatic islets.
consistiam em emagrecimento The presence of the plant in large quantity, the
progressivo, incoordenação motora, evidence that had been consumed, the clinical
tremores de intenção da cabeça, signs and the histological lesions presented by
nistagmo, déficits proprioceptivos e goats were the key information that led to the
diagnosis of Sida carpinifolia poisoning. This
episódios de queda espontânea. A plant should be included on the list of toxic
vacuolização nas células de Purkinje plants that can cause mortality of herbivores in
foi a principal lesão histológica. the state of Parana, Brazil.
Também estava presente em
hepatócitos, epitélios tubular e Key Words: central nervous system;
cerebellar syndrome; toxic plants; lysosomal
corpuscular parietal renal, epitélio storage disease
acinar e células das ilhotas
pancreáticas. A presença da planta em
Recebido em 07/12/2014
Aprovado em 21/08/2015
Intoxicação natural por sida carpinifolia em caprinos no estado do paraná

INTRODUÇÃO cordata na região Nordeste do Brasil e S.


carpinifolia nas regiões Sul e Sudeste
A ingestão de Sida carpinifolia, (Tokarnia et al., 2012; Oliveira Junior et
conhecida popularmente como al., 2013).
guanxuma ou vassourinha, acarreta No Brasil, a intoxicação por Sida
sinais neurológicos em herbívoros carpinifolia foi diagnosticada pela
(Tokarnia et al., 2012). Esta planta ocorre primeira vez em caprinos no Rio Grande
principalmente nas regiões Sul e do Sul (Driemeier et al., 2000). Logo em
Sudeste, sendo invasora de pastagens e seguida, no mesmo estado, foram
lavouras, preferencialmente em locais relatados surtos naturais em pôneis
sombreados (Lorenzi et al., 2000). (Loretti et al., 2003), ovinos (Seitz et al.,
A toxicidade desta espécie de 2005a) e bovinos (Pedroso et al., 2010).
planta deve-se à presença do alcalóide Também houve relatos em bovinos de
indolizidínico 1,2,8-triol, nomeado Santa Catarina (Furlan et al., 2009) e em
swainsonina (Colodel et al., 2002b), o caprinos de São Paulo (Godoy et al.,
qual inibe as enzimas α–manosidase 2005). A doença foi reproduzida
lisossomal e α-manosidase II do experimentalmente em caprinos
complexo de Golgi, induzindo a doença (Driemeier et al., 2000; Colodel et al.,
do armazenamento lisossomal 2002a), ovinos (Seitz et al., 2005b) e
(Moremen, 2002). Os principais sinais bovinos (Furlan et al., 2008).
clínicos relatados nessa intoxicação são O objetivo deste trabalho foi
incoordenação motora, em diferentes descrever os aspectos epidemiológicos,
graus, variando de acordo com o tempo clínicos e patológicos observados em um
de evolução, tremores de cabeça e surto de intoxicação por Sida carpinifolia
quedas frequentes (Driemeier et al., em caprinos, como o primeiro relato da
2000). Não são observadas alterações ocorrência no estado do Paraná.
significativas na necropsia, entretanto, as
lesões típicas da doença do MATERIAL E MÉTODOS
armazenamento lisossomal são Um caprino doente foi
encontradas no exame histopatológico encaminhado ao Hospital Veterinário da
(Driemeier et al., 2000; Colodel et al., Universidade Estadual de Londrina (HV-
2002a; Furlan et al., 2008). Estas se UEL) e examinado, em julho de 2013. Os
caracterizam, principalmente, pela dados epidemiológicos e clínicos
vacuolização nas células de Purkinje do relacionados ao surto foram obtidos e
cerebelo, núcleos do tronco encefálico, complementados com visita à
células foliculares da tireóide, epitélio propriedade, realizada sete dias após.
dos túbulos renais, hepatócitos e Exemplares da planta suspeita foram
macrófagos dos órgãos linfoides colhidos para classificação botânica
(Driemeier et al., 2000; Seitz et al., (Figura 1B). Outros dois caprinos
2005a; Furlan et al., 2008). doentes foram examinados na
As plantas que contêm propriedade.
swainsonina compõem um grupo Amostras de sangue e de líquor
importante de plantas tóxicas. O foram obtidas dos três caprinos
consumo das diferentes plantas que acometidos. As amostras de sangue
contêm esta substância provoca um foram colhidas por punção da veia
quadro de distúrbio neurológico nos jugular com uso de frascos a vácuo sem
herbívoros. Os caprinos são mais anticoagulante, para posterior obtenção
comumente intoxicados por Ipomoea do soro, e de frascos contendo EDTA
carnea subsp. fistulosa, I. riedelli, I. para os exames hematológicos. As
sericophyla, I. verbascoidea e Turbina colheitas de líquor foram realizadas por

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Queiroz et al. (2015)

punção no espaço atlanto-occipital corado pela técnica de Romanowsky


(Mayhew, 2009), utilizando-se agulha (Panótico Rápido® LB; Laborclin). As
40x0,9 mm (BD®). A colheita foi realizada concentrações de proteína e de glicose
por gotejamento espontâneo foram determinadas por método
desprezando-se o volume inicial de 2 mL. colorimétrico com leitura
Todo o material foi mantido refrigerado espectrofotométrica, empregando-se
até a chegada ao laboratório. reagentes comerciais específicos.
Os componentes do eritrograma e O exame necroscópico foi
a contagem total de leucócitos foram realizado apenas no caprino que esteve
determinados em aparelho internado no HV-UEL. Adotou-se o
hematológico, e a contagem diferencial seguinte protocolo para a eutanásia no
de leucócitos em esfregaço sanguíneo dia seguinte após a internação e
corado pela técnica de Romanowsky observação: sedação com xilazina 2%
(Panótico Rápido® LB; Laborclin). A (0,5 mg/kg), indução anestésica com
determinação da concentração de quetamina (10 mg/kg) e indução da
proteína plasmática total (PPT) foi parada cardíaca com 100 mL de solução
realizada por refratometria e a de KCl 20%. Todos os fármacos foram
concentração de fibrinogênio plasmático administrados pela via intravenosa.
foi determinada pelo método da Fragmentos do sistema nervoso central,
precipitação pelo calor seguido de leitura do conjunto de gânglios dos nervos
refratométrica (Kaneko e Smith, 1967). trigêmeo, rete mirabile carotídea e
As atividades séricas das enzimas hipófise, e de diversos órgãos foram
gamaglutamiltransferase (GGT), colhidos para o exame histopatológico.
aspartato aminotransferase (AST), Os fragmentos foram fixados em solução
fosfatase alcalina (FA) e creatina quinase de formalina tamponada a 10%. Os
(CK), e as concentrações de ureia e de fragmentos de tecido fixados foram
creatinina foram mensuradas por técnica submetidos à desidratação em soluções
cinética a 37°C. As mensurações das crescentes de alcoóis, diafanização em
concentrações de proteína total (PT), da xilol e inclusão em parafina. Cortes de 5
albumina e das bilirrubinas total (BT) e µm de espessura foram corados pelo
direta (BD) no soro sanguíneo foram método de hematoxilina-eosina (HE).
realizadas por métodos colorimétricos.
Empregaram-se reagentes comerciais RESULTADOS
específicos (Dialab®) e leitura
espectrofotométrica utilizando aparelho O surto de intoxicação ocorreu em
de bioquímica úmida modelo BS120 uma propriedade rural localizada no
(Mindray Chemistry Analyzer®). A município de Sapopema, região norte
concentração da bilirrubina indireta (BI) pioneiro do estado do Paraná. O
foi calculada por subtração entre os proprietário relatou que há dez anos a
valores de BT e BD, assim como a doença é observada em 35 caprinos, de
concentração da globulina, por subtração diferentes idades, machos e fêmeas,
entre os valores de PT e de albumina. morreram manifestando sinais de
No líquor foram avaliadas as incoordenação motora com agravamento
características físico-químicas e as progressivo. O surto mais recente teve
contagens global e diferencial de células início em julho de 2011. A propriedade
nucleadas e de hemácias. A contagem possuía, na ocasião da visita, um
global de células foi realizada em câmara rebanho de 14 caprinos mestiços, e
de Fuchs-Rosenthal, método vários bovinos, equinos e suínos.
preconizado por Stöber (1993) e a Parte da área onde os animais
contagem diferencial em esfregaço realizavam o pastoreio estava

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Intoxicação natural por sida carpinifolia em caprinos no estado do paraná

intensamente invadida por S. carpinifolia


(Figura 1A e 1B), sobretudo em uma área
sombreada de reflorestamento que
servia como corredor para a
comunicação entre os dois piquetes
principais de pastagem. Todos os
animais da propriedade tinham acesso a
essa área, porém somente os caprinos
realizavam ingestão da planta tóxica. A
ausência de folhas e a presença de talos
cortados (Figura 1C) eram evidências
claras de que a planta era consumida
pelos caprinos. A identidade botânica foi
confirmada, com base em critérios
morfológicos, no herbário da UEL. Figura 1 – Sida carpinifolia em grande
O tempo de evolução até a morte quantidade na área de pastagem dos
variou de três dias, em um animal com caprinos (A). Amostras da S. carpinifolia
um ano de idade, a seis meses em (B). Evidências de que a planta havia
animais adultos. O bode que foi sido consumida pelos caprinos (C).
examinado no presente estudo Caprino 1 demonstrando incoordenação
apresentava evolução excepcionalmente motora e déficit proprioceptivo (D).
longa da doença (12 meses). Nenhuma
das outras espécies que havia na As duas cabras examinadas na
propriedade demonstrou qualquer tipo de propriedade (caprinos 2 e 3) haviam
alteração que sugerisse a intoxicação iniciado os sinais 60 dias antes da visita
por S. carpinifolia. técnica, e no exame físico
O bode encaminhado para o HV- apresentavam: normotermia, taquipneia,
UEL (caprino 1) tinha três anos de idade taquicardia e frequência normal de
e possuía histórico de emagrecimento e movimentos ruminais (Tabela 1). Ambas
incoordenação motora com apresentavam mucosas pálidas,
agravamentos progressivos. incoordenação motora, uma com grau 3
Apresentava-se magro, com mucosas (caprino 2) e a outra com grau 2 (caprino
pálidas e sem alterações nas funções 3) de incoordenação (Borges, 2008),
vitais, exceto hipomotilidade ruminal hipermetria, tremores de intenção da
(Tabela 1). Exibia incoordenação motora cabeça e quedas quando realizado o
de grau 4 (Borges et al., 2000), com teste “head rising” (Pienaar et al., 1976).
hipermetria, mais acentuada nos Os sinais de distúrbio neurológico eram
membros posteriores, tremores de mais acentuados em uma das cabras
intenção da cabeça, nistagmo e (caprino 2), a qual também possuía
episódios de queda espontânea e após o histórico de emagrecimento progressivo.
teste “head rising” (Pienaar et al., 1976), A cabra menos incoordenada estava no
levantando-se, em seguida, com terço médio de prenhez e tinha bom
dificuldade. Apresentava déficit estado nutricional. Todos os três animais
proprioceptivo nos quatro membros e examinados mantinham bom apetite. Os
adotava posturas anormais em estação resultados das funções vitais e dos
(Figura 1D). exames laboratoriais dos caprinos estão
apresentados na Tabela 1.

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Queiroz et al. (2015)

Tabela 1 – Funções vitais e variáveis do Amplo espectro de alterações


hemograma, bioquímica sérica e líquido morfológicas foi verificado nestas
cefalorraquidiano de caprinos células, desde aquelas que se
intoxicados espontaneamente por Sida encontravam dentro dos limites da
carpinifolia. normalidade até as que desapareceram
completamente (Figura 2). Algumas se
apresentavam encolhidas, com
acentuação da eosinofilia citoplasmática
e da basofilia nuclear e outras diminuídas
e arredondadas, mantendo as
características tintoriais normais, além
daquelas vacuolizadas, principalmente
no polo voltado à camada granulosa
(Figura 3). Edema perivascular e
perineuronal foi comum no sistema
nervoso, particularmente na zona
limitante entre as camadas molecular e
granular do cerebelo. No córtex
telencefálico havia satelitose e
neuronofagia discretas. Os neurônios do
tálamo e telencéfalo não se encontravam
vacuolizados, porém tal alteração estava
presente em hepatócitos, epitélios
tubular e corpuscular parietal renal,
epitélio acinar e células das ilhotas
pancreáticas (Figura 4).
Somente o bode foi necropsiado.
Durante a visita à propriedade decidiu-se
não realizar eutanásia da cabra com
incoordenação motora mais acentuada e
aguardar a evolução. A morte ocorreu
dezesseis dias após a visita e o
proprietário não repassou a informação,
contrariando o que havia sido
combinado.
Durante o exame necroscópico
foram observadas as alterações a seguir:
atrofia discreta do tecido adiposo do
pericárdico; hiperplasia discreta da polpa
branca do baço; aumento de volume Figura 2 – Caprino intoxicado por Sida
discreto dos linfonodos mesentéricos; carpinifolia. Células de Purkinje nos
hiperemia difusa moderada da mucosa limites da normalidade (setas longas),
do intestino delgado; quantidade algumas encolhidas e hipereosinofílicas
moderada de Haemonchus contortus no (setas espessas), outras parcialmente
abomaso; e palidez discreta do fígado e encolhidas com eosinofilia mais
dos rins. Não havia alterações aparentes acentuada (cabeças de setas) e área em
no sistema nervoso central. que se nota ausência de células de
Microscopicamente, as principais Purkinje (setas curtas) (Hematoxilina e
lesões concentravam-se no cerebelo, eosina, 200x).
principalmente nas células de Purkinje.

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Intoxicação natural por sida carpinifolia em caprinos no estado do paraná

primeiro relato de intoxicação por esta


planta no estado do Paraná.
Durante visita à propriedade,
foram observadas grandes quantidades
de S. carpinifolia, principalmente nas
áreas de acesso aos pastos. A falta de
pastagem não era o problema, pois havia
pasto em quantidade suficiente para os
animais se alimentarem. Isso difere das
condições relatadas em casos de
intoxicações espontâneas em bovinos
(Pedroso et al., 2010) e pôneis (Loretti et
al., 2003) no Rio Grande do Sul, e em
Figura 3 – Caprino intoxicado por Sida bovinos em Santa Catarina (Furlan et al.,
carpinifolia. Células de Purkinje 2009) e em São Paulo (Godoy et al.,
vacuolizadas, no polo voltado à camada 2005). Nas observações desses autores
granulosa (Hematoxilina e eosina, 400x). a planta tóxica era ingerida,
primariamente, como consequência da
escassez de forragens disponíveis para
os animais.
No presente surto, pode-se
afirmar que os caprinos desenvolveram o
hábito de pastorear a S. carpinifolia,
mesmo havendo a opção de ingerirem as
gramíneas disponíveis nos pastos. Isso é
concordante com os relatos de outros
autores (Driemeier et al., 2000; Colodel
et al., 2002a; Furlan et al., 2008).
Animais que iniciam a ingestão dessa
planta adquirem o hábito de ingeri-la
compulsivamente, independente da sua
Figura 4 - Caprino intoxicado por Sida palatabilidade e induzem outros animais
carpinifolia. Vacuolização do epitélio da mesma espécie, perpetuando esse
acinar (setas longas) e nas células das comportamento (Driemeier et al., 2000;
ilhotas pancreáticas (setas curtas) Pessoa et al., 2013). Outro fato
(Hematoxilina e eosina, 400x). interessante, na propriedade visitada, foi
a ausência da intoxicação nos bovinos e
nos equinos, o que condiz com a
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO observação do proprietário de que esses
animais, ao contrário dos caprinos,
As evidências epidemiológicas, raramente se interessavam pela ingestão
clínicas e patológicas confirmam o da planta. A ocorrência exclusiva da
diagnóstico de intoxicação espontânea intoxicação nos caprinos não pode ser
por S. carpinifolia. Apesar de existirem considerada como indicativo de que os
relatos de intoxicações naturais por S. indivíduos dessa espécie sejam mais
carpinifolia em outros estados (Driemeier susceptíveis, e isso fica claro
et al., 2000; Colodel et al., 2002a; comparando-se os estudos de indução
Pedroso et al., 2007; Furlan et al., 2009; experimental realizados em caprinos
Pedroso et al., 2010; Casagrande et al., (Driemeier et al., 2000; Colodel et al.,
2012; Pedroso et al., 2012) este é o 2002a), ovinos (Seitz et al., 2005b) e

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Queiroz et al. (2015)

bovinos (Furlan et al., 2008; Pedroso et Pedroso et al., 2010), o que confirma que
al., 2010). É, mais provavelmente, o cerebelo é a principal região afetada no
reflexo da diferença de hábitos e sistema nervoso central. O teste “head
comportamentos entre as espécies, rising”, preconizado por Pienaar et al.
tendo, os caprinos, preferência por se (1976), consiste em levantar a cabeça do
alimentarem de leguminosas. animal no sentido crânio caudal por
No surto observado, a evolução alguns segundos e soltá-la rapidamente
de um dos caprinos intoxicados (caprino para avaliar sua atitude. Nos três animais
1) foi de 12 meses. Este animal avaliados, o teste foi considerado
permaneceu tendo contato com a planta positivo, caracterizado pela queda e
por todo o período, o que acabou presença breve de movimentos de
provocando agravamento progressivo, pedalagem.
ainda que lento. Não há relatos sobre As duas cabras examinadas na
evolução natural ou experimental tão propriedade apresentavam taquicardia e
prolongada. Em uma única oportunidade, taquipneia (Tabela 1), mas esses
um caprino foi acompanhado por 24 resultados devem ser interpretados com
meses após a ingestão da planta ter sido cautela. Os dois animais foram contidos
suspensa. Nesse caso houve melhora e examinados no pasto, expostos à luz
clínica inicial e os sinais, leves, solar, pouco antes das 12:00h, em um
mantiveram-se estabilizados pelo resto dia de temperatura moderadamente
do período (Colodel et al., 2002a). O elevada. É mais provável que as
tempo de evolução da doença desde o alterações observadas nas funções vitais
início dos sinais até a morte é variável e, sejam decorrentes da interferência dos
aproximadamente, 20 dias foram fatores ambientais, caracterizando-se
registrados em um ovino intoxicado como falha, inevitável, na técnica
experimentalmente (Seitz et al., 2005b). semiológica.
Tanto em caprinos quanto em ovinos a Dentre as alterações
melhora clínica pode ser esperada se a hematológicas e bioquímicas destacam-
planta não for mais ingerida (Tokarnia et se a anemia, franca no bode e discreta
al., 2012). É importante destacar que, na nas duas cabras, assim como a
propriedade visitada, o tempo de hipoalbuminemia presente nos três
evolução até a morte foi, de fato, muito caprinos (Tabela 1). Essas alterações
variado, e que todos os caprinos que foram, provavelmente, decorrentes de
iniciaram a doença acabaram morrendo hemoncose. Embora o exame
após agravamento progressivo. Deve-se coproparasitológico não tenha sido
supor, portanto, que nenhum dos realizado, o parasitismo foi confirmado
animais intoxicados parou de ingerir S. na necropsia do bode e a prática de
carpinifolia. vermifugações era adotada de forma
Os sinais de distúrbio neurológico irregular na propriedade. O aumento
encontrados neste surto, inclusive a acentuado nas atividades séricas das
reação ao teste “head rising” são enzimas GGT e AST foi observado
idênticos aos observados nas unicamente na cabra 2, indicando a
intoxicações espontâneas e presença de doença hepática nesse
experimentais em caprinos (Driemeier et animal, não acompanhada por colestase
al., 2000; Colodel et al., 2002a), e a julgar pelas concentrações fisiológicas
caracterizam a síndrome cerebelar. das bilirrubinas (Tabela 1). O fígado é um
Sinais clínicos semelhantes a esses dos órgãos nos quais a lesão se
foram descritos também em outras estabelece na intoxicação por S.
espécies (Loretti et al., 2003; Seitz et al., carpinifolia (Driemeier et al., 2000;
2005a; 2005b; Furlan et al., 2008; 2009; Colodel et al., 2002a). Entretanto, a

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Intoxicação natural por sida carpinifolia em caprinos no estado do paraná

doença hepática parece não ter Colodel et al. (2002a), e o padrão


importância, de acordo com os relatos morfológico dos vacúolos foi distinto,
anteriores (Driemeier et al., 2000; sendo únicos, grandes e homogêneos ao
Colodel et al., 2002a; Seitz et al., 2005b; contrário da vacuolização citoplasmática
Pedroso et al., 2010). Na cabra múltipla gerando aspecto mais granular,
examinada, não foi possível realizar a como observado em outros relatos
necropsia, o que impediu a interpretação (Driemeier et al., 2000; Seitz et al.,
mais aprofundada desses resultados. 2005b). Essa diferença pode estar
Por fim, não foram encontradas relacionada com o tempo de evolução
alterações no líquido cefalorraquidiano prolongado do processo, podendo ser o
dos caprinos examinados (Tabela 1), o resultado da coalescência dos vacúolos.
que está de acordo com Scott (2004), A veracidade dessa hipótese tem que ser
pois esta planta causa processo confirmada em observações futuras.
degenerativo do sistema nervoso central, No diagnóstico diferencial devem
sem qualquer grau de inflamação. ser incluídas as intoxicações por outras
A maioria dos autores não relatou plantas que contêm swainsonina:
achados macroscópicos significativos na Ipomoea carnea subsp. fistulosa, I.
intoxicação por S. carpinifolia, o que riedelli, I. sericophyla, I. verbascoidea e
condiz com os resultados no presente Turbina cordata (Oliveira Junior et al.,
relato. O aumento dos linfonodos, 2013). A ingestão da toxina tremorgênica
principalmente mesentéricos, que do fungo Claviceps paspali e das plantas
ocorreu no caprino necropsiado, foi que causam síndrome do tremor como
também descrito por Colodel et al. Ipomoea arasifolia e Phalaris angusta,
(2002a), em caprinos intoxicados além de outras plantas causadoras do
espontaneamente, e por Seitz et al. armazenamento de lipídios nos
(2005b), em ovinos intoxicados neurônios, como Solanun fastigiatum e
experimentalmente. S. paniculatum, também devem ser
As principais alterações incluídas na lista de diagnóstico
histológicas observadas no caprino deste diferencial (Tokarnia et al., 2012). Não há
estudo são condizentes com os achados tratamento específico para esta
observados em caprinos intoxicados intoxicação, e a única maneira de
naturalmente e experimentalmente por diminuir a mortalidade devido à ingestão
essa planta (Driemeier et al. 2000; da S. carpinifolia é remover os animais
Colodel et al. 2002a), assim como em de áreas invadidas pela planta
bovinos, ovinos e pôneis (Loretti et al. (Driemeier et al. 2000; Loretti et al.,
2003; Seitz et al. 2005b; Furlan et al. 2003).
2009; Pedroso et al. 2009). Vacúolos nas A presença da planta em grande
células de Purkinje do cerebelo, quantidade somada às evidências de
presentes no caprino examinado, que haviam sido consumidas, os sinais
também foram descritos por Driemeier et clínicos apresentados pelos caprinos e
al. (2000) e Colodel et al. (2002a) em as lesões histológicas são as principais
caprinos. Estas mesmas alterações informações que determinaram o
foram descritas em ovinos (Furlan et al., diagnóstico de intoxicação por Sida
2002; Seitz et al., 2005a,b) e bovinos carpinifolia. Essa espécie de planta deve
(Furlan et al., 2009; Pedroso et al., 2010) ser incluída na relação das plantas
intoxicados por S. carpinifolia. Contudo, tóxicas que podem causar mortalidade
no caprino examinado não foram de herbívoros no estado do Paraná.
observados vacúolos no telencéfalo e na
medula espinhal, diferente das
descrições de Driemeier et al. (2000) e

Archives of Veterinary Science, v.20, n.2, p.92-102, 2015.


Queiroz et al. (2015)

the dog. California Veterinarian, v.21, n.4, p.21-


24, 1967.
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terrestres, aquáticas, parasitas, tóxicas e
medicinais. Nova Odessa: Plantarum Ltda,
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