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RIO DE JANEIRO
2017
Bruno Maia da Silva Santos
Rio de Janeiro
2017
Ogum e o ensino de química: Contextos de atendimento à lei 11645/08 para o
ensino da cultura africana na educação básica
Aprovado por:
____________________________________________________________
Dr. Waldmir Nascimento de Araujo Neto (Orientador)
Instituto de Química - UFRJ
____________________________________________________________
Dr. Ricardo Cunha Michel (Membro da banca)
Instituto de Química - UFRJ
____________________________________________________________
Drª. Alessandra Cristina Moreira de Magalhães (Membro da banca)
Escola SESC de Ensino Médio
Rio de Janeiro
2017
Dedicado à minha avó, e eterna mãe no santo,
Regina Maria Ferreira de Mattos (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
1 INTRODUÇÃO 11
2 OBJETIVOS 14
3 DESENVOLVIMENTO DO TEMA 15
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 47
REFERÊNCIAS 49
1 INTRODUÇÃO
ainda impera uma perspectiva na qual um professor dessa área não necessita
colaborar com as discussões étnico-raciais (PINHEIRO E SILVA, 2010). Tal visão é
extremamente danosa e contribui para manutenção do statu quo. Assim, esse
trabalho objetiva ampliar as discussões sobre a temática da cultura e história
africana e afro-brasileira, apoiando-se na perspectiva da cultura religiosa tradicional
iorubá e seu mito do orixá Ogum, passando ao seu culto em terras brasileiras.
Buscaremos uma maior compreensão da história do desenvolvimento da metalurgia
na áfrica, porque esse Orixá é a divindade do panteão iorubá responsável pelo
patronato do ferro, da forja e da agricultura, sendo, portanto, um excelente ponto de
partida para discussões relativas ao desenvolvimento da manipulação de metais,
bem como discussões sobre tecnologias e seus impactos na vida do homem, sendo
estes os pontos de contato com a química de forma mais direta.
Antes disso, entretanto, é preciso debruçar-se sobre alguns conceitos
importantes para o desenvolvimento do trabalho, como o conceito de cultura, o
entendimento do racismo e do racismo religioso e seus impactos no cotidiano
escolar.
2. OBJETIVOS
3 DESENVOLVIMENTO DO TEMA
podem penetrar em nossa experiência, mas o seu significado não pode ser
percebido pelos sentidos”, ou seja, para compreender-se o significado de
determinado símbolo deve-se estar familiarizado com a cultura que o criou (LARAIA,
2001; NASCIMENTO, 2009).
Definir o que vem a ser cultura também se mostra um desafio ainda sem
conclusão. A primeira definição foi enunciada por Tylor em seu livro Primitive
Culture, de 1871, onde ele diz que “Cultura ou civilização... é este todo complexo
que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”.
Tylor buscava compreender a igualdade existente na humanidade, apoiando-se em
uma interpretação antropológica recorrente do evolucionismo de Darwin, a do
evolucionismo unilinear. Para ele, a diversidade era fruto de estágios diferentes em
uma escala de civilização, como em etapas diferentes de um processo evolutivo
onde a Europa estava no extremo mais evoluído da escala, enquanto tribos
selvagens estavam no outro (VELHO E CASTRO, 1978; LARAIA, 2001).
A principal crítica ao evolucionismo emerge no artigo “The Limitation of the
Comparative Method of Anthropology” de Franz Boas, publicado em 1896 onde ele
desenvolve o conceito de particularismo histórico. Segundo este, a origem de um ou
outro traço cultural estaria marcada pela história daquele povo e, portanto, uma
comparação entre diferentes culturas com panos de fundo históricos diferentes,
numa perspectiva de evolução unilinear, não fazia sentido. Alfred Kroeber, em seu
artigo “O superogânico”, amplia essa noção de cultura enquanto desenvolvimento
histórico e acaba de vez com a noção de determinismo biológico. Para o autor, a
cultura é um processo acumulativo, resultado de uma experiência histórica de
gerações anteriores e passada aos indivíduos de novas gerações, e que determina o
comportamento do homem e suas formas de comunicação, ou seja, ele age de
acordo com seus padrões culturais. Nega, portanto, uma questão genética,
hereditária ou instintiva, dizendo que este instinto (uma característica animal) foi
quase completamente anulado ao longo do processo evolutivo, tendo o homem
tornado-se dependente do aprendizado para superação dos obstáculos. Nesse
ponto, Kroeber define cultura também como meio de adaptação aos diferentes
ambientes ecológicos, pois, ao invés do homem alterar completamente seu aparato
biológico, tornando-se outra espécie, ele depende mais da criação de instrumentos e
técnicas (aparato superogânico) para sobreviver aos diversos ambientes e realizar
17
Entretanto, foi na Europa, mais explicitamente no século XV, que o termo foi
cunhado pela primeira vez relacionando-se, sobretudo, a cor da pele. O objetivo era
classificar os seres humanos de forma hierárquica e, baseando-se nesse discurso
aristotélico, justificar a dominação de povos ditos inferiores. Em 1520, Paracelso
propõe que Ameríndios não eram descendentes de Adão e Eva, não sendo,
portanto, dentro da estrutura fortemente religiosa da Europa na época, humanos. O
primeiro-ministro francês Jules Ferry, por ocasião da conquista de Indochina, disse
que as raças superiores tinham certos direitos sobre as raças inferiores, sendo seu
dever civilizá-las (isto é, dominá-las, aculturá-las, submetê-las aos seus costumes
para facilitar a dominação militar e política, com a consequente exploração dos
recursos das civilizações dominadas). Havia, ainda, segundo o historiador francês
Seignobos, a ideia de que os negros precisavam da tutela de raças superiores. Em
1835, Arthur de Gobineau produziu o Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças
Humanas, na qual dividia a raça humana em branca, amarela e negra, e ainda
subdividia a raça branca em arianos, descendentes nórdicos, verdadeiros brancos e
criadores da civilização; albinos, de origem mongólica; e mediterrâneos, de origem
africana. Seu objetivo era justificar o domínio e certos privilégios da nobreza ariana
sobre os demais brancos (SANT’ANA, 2005).
O conceito de raça, nessa perspectiva, só existe dentro de uma estrutura de
interesse, sendo, portanto, uma construção ideológica e política. Assim, a subdivisão
da espécie humana em raças distintas possui uma intenção bastante clara de
dominação. Biologicamente, não há diferenças genéticas suficientes entre os
diferentes povos para considerarmos uma espécie ou raça distinta. Portanto, alguns
autores vêm abandonando o uso do termo, substituindo-o pelo termo etnia. Existe,
entretanto, uma clara relação de poder e dominação histórica e socialmente
atribuída ao termo raça, e que ainda geram consequências nos dias de hoje: os
diferentes racismos que fazem parte da nossa sociedade. Abandoná-lo, portanto,
poderia implicar uma negação de toda essa história e seus marcantes efeitos, de
forma que o termo raça evoluiu de uma categoria biológica para uma categoria
basicamente instrumental, a serviço da luta contra o racismo (JUNIOR, 2008).
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Van Dijk observa que o racismo moderno abandona a noção biológica, mas,
apesar de reconhecer as diferenças socioculturais e econômicas, nega as diferenças
de poder e, portanto, a dominação da cultura eurocêntrica. Essed define racismo
como um processo, mantido cotidianamente no seio de práticas e noções racistas
que se tornam familiares e repetitivas, através das quais ele se sustenta. (MARTINS,
2005)
No Brasil, não espanta que a questão do preconceito racial seja tão eminente.
A característica mais marcante da cultura brasileira não é outra senão sua riqueza e
diversidade, frutos de um processo de desenvolvimento histórico-social que pôs em
contato o invasor Português, os índios silvícolas e os negros africanos numa mistura
cultural, de onde emergem as nossas culturas (FERNANDES, 2005). O plural é
intencional, marcando que, dada nossa vasta territorialidade e a pluralidade cultural
que compôs nosso povo, seria no mínimo ingênuo supor uma cultura homogênea.
Igualmente ingênuo seria supor que, dadas as relações de dominação presentes no
momento desse entrecruzamento cultural, as diferentes culturas teriam uma relação
horizontal, ou que haveria uma democracia racial. Esse mito, entretanto, vigorou por
muito tempo, baseado numa suposição de miscigenação tolerante. As palavras de
Gilberto Freyre são bastante elucidativas nesse ponto:
“Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não
na alma e no corpo – há muita gente de jenipapo ou mancha mongólica pelo Brasil
– a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. [...] A influência
direta, ou vaga e remota, do africano” (FREYRE, 1990 apud MARTINS, 2005).
as faixas etárias entre 16-60 anos o índice de desemprego entre negros era maior
do que entre brancos em 2012. Além disso, os rendimentos da população negra são
significativamente inferiores ao da população branca, reflexo de posições inferiores
ocupadas em relação aos brancos. O estudo aponta que os negros ganham menos
que 63% do que ganham os brancos, analisando situações envolvendo rendimentos
decorrentes da ocupação e seguridade, excluindo ganhos de capital. Além disso, o
estudo aponta que, mesmo consideradas as dificuldades normais para inserção dos
jovens no mercado de trabalho, que tende a absorver pessoas com experiência
profissional, no espectro da juventude negra isso se amplifica, aliado a uma
escolaridade em geral menor, a uma menor frequência escolar e ao racismo que
ainda permeia diversas instituições. (IPEA, 2014)
Em relação à escolaridade, observa-se também que, em geral, a população
negra brasileira passa menos tempo na escola. Por exemplo, enquanto 22% dos
brancos passam 12 ou mais anos estudando, apenas 9% dos negros conseguem.
Isso significa que, dentre as pessoas com 12 ou mais anos de escolaridade, apenas
29,7% são negras. O gráfico também mostra que a situação se inverte quando
analisamos o estrato da população que passa oito anos ou menos na escola: 58,8%
dos negros se encontram nessa situação, sendo apenas 44,5% dos brancos. Por
exemplo, das pessoas com um ano ou menos de escolaridade concluída, 65,8% são
negras.
35 33.3
31.9
30
26.5
25 22.2
21.5
19.6
20
16.4
Brancos
15 12.7
9.4 Negros
10 6.6
5
0
Até 1 ano De 1 a 4 anos De 5 a 8 anos De 9 a 11 anos 12 ou mais
anos
Gráfico 1: Distribuição da população com mais de 15 anos de acordo com cor ou raça, ao
longo da faixa de anos de estudo concluídos. (Fonte dos dados: IPEA, 2014. Elaboração do autor)
21
90.0 85.1
81.8
80.0
70.0
60.0
Cursando Ensino Básico
50.0
Cursando Ensino Superior
39.9 39.6 38.9
40.0 36.7 35.6
33.4 Ensino Básico Incompleto
30.0 24.0 Ensino Básico Completo
22.4 22.5 20.6
20.0 14.4 16.1 Ensino Superior Completo
10.0 11.1 11.6
9.7
10.0 5.7 6.4 7.2
1.2 2.9 0.0 0.4 1.6 0.0 1.7 1.6 2.9
0.0
Brancos Negros Brancos Negros Brancos Negros
15-17 anos 18-24 anos 25-29 anos
estudos sem concluir o ensino básico, sendo 61,3% dessas pessoas, negras. A
situação se inverte quando analisamos a parcela da população deste estudo com
ensino superior completo, sendo os negros apenas cerca de um quarto do total de
graduados (25,3%). Esses valores podem ser vistos na figura 1.
Figura 1. Informações sobre os níveis de instrução de brancos e negros no Brasil. (Fonte dos dados:
IPEA, 2014. Elaboração do autor)
mais de 500 denúncias de intolerância religiosa pelo canal, sendo 300 delas apenas
no período considerado de 2016. As denúncias de destacam nos estados do Rio de
Janeiro, com cerca de 20% das denúncias; São Paulo, com aproximadamente 27%;
e Bahia, com 9%. Desse total, metade das denúncias estava ligada às religiões de
matriz africana (candomblé e umbanda). Dados relativos ao primeiro semestre de
2016 informam que a maioria das ofensas acontece na rua ou na casa da vítima, e
que a maior parte dos suspeitos se encontra entre os próprios familiares,
desconhecidos e, sobretudo, vizinhos. Um estudo da PUC, conforme artigo sobre o
tema publicado pela BBC Brasil, sugere ainda subnotificação do tema. O mesmo
artigo conta com diversos depoimentos de sacerdotes das religiões que apontam
dois tipos de discriminação: uma mais silenciosa, como a recusa de alguns
comerciantes em vender flores para os seus rituais ou pessoas que se levantam no
ônibus por não quererem sentar-se próximos a integrantes dessas religiões; e as
mais agressivas, como xingamentos, injúrias e invasões a terreiros e barracões com
quebra de imagens e depredação do local, muitas vezes acompanhada de incêndio
(PUFF, 2016; PUFF, 2015; TINOCO, 2014). Como exemplo desses casos
agressivos, ficou bastante famoso o ataque à jovem Kailane Campos, de 11 anos,
que levou uma pedrada após sair de seu culto, vestida de branco, na Vila da Penha.
Os atacantes foram dois homens que, segundo a avó da menina, erguiam bíblias e
gritavam insultos ao grupo em que Kailane estava (G1, 2015).
O cenário discriminatório repete-se no ambiente escolar. O artigo de Oliveira
e Rodrigues (2013) traz diversos exemplos de como a discriminação religiosa contra
religiões de matriz africana se manifestam no espaço escolar (No artigo, tratava-se
de uma escola do município do Rio de Janeiro). Diversos professores manifestam
problemas quando tentam tratar de alguma temática relacionada à África e à
ancestralidade dos negros, recebendo críticas de alunos e pais que por vezes
organizam verdadeiros boicotes a esse tipo de trabalho. Pior que isso, muitas vezes
a gestão da escola torna-se conivente à discriminação, como mostra o relato de uma
professora de dança que propôs, em uma escola privada, um trabalho sobre as
origens do Jongo. Segundo ela, quando entregou a seus alunos um texto sobre as
origens do Jongo:
ano me convocaram para dizer que se eu olhasse bem perceberia quantos alunos
negros eu tinha e que por isso se fazia desnecessário acrescentar às minhas
aulas tal temática e, se eu prometesse cumprir o acordo sugerido, nada mudaria.
Sem acreditar no que ouvia, claro, que disse não!!! Logo, perdi meu emprego.”
(OLIVEIRA E RODRIGUES, 2013)
Iorubás (ou nagôs) – subdivididos em Ijexá, Ketu, Egbá, Ibadan, Ijebu e grupos
menores –, os daomeanos (ou grupo Jêje) – subdivididos em Ewe, Fon e grupos
menores –, os Fanti-Ashanti - vindos da costa do Ouro, são os grupos Mina (Fanti e
Ashanti) – e algumas nações islamizadas como haussas, tapas, peuls, fulas e
mandingas; e (b) os Bantos, das regiões onde hoje se encontram Congo, Angola e
Moçambique, constituídos por inúmeras tribos como os Angolas, Caçanjes,
Bengalas, etc. (SANTOS, 2012; ARAÚJO, 2013)
O candomblé que se desenvolve no Brasil inspira-se, em sua maioria, na
família Iorubá. Os membros são geridos pelo Babalorixá ou Ialorixá, autoridades
supremas no terreiro, e o seu orixá é venerado e homenageado por todos que fazem
parte da família espiritual. As partir de sete anos de iniciada, a mulher é chamada
egbômi, que significa “minha irmã mais velha” em Iorubá, enquanto o recém-iniciado
é chamado Iaô, que significa esposa mais jovem. (Na áfrica, o chefe da família tinha
várias esposas. As mais velhas se chamavam egbomis e as mais novas Iaôs. Aqui
no Brasil, o termo Iaô se aplica tanto para mulheres quanto para homens recém-
iniciados). O conselho de obas do candomblé foi inspirado na posição de
conselheiro do rei de Oyó, bem como as mulheres da corte que eram responsáveis
pela administração e provimento de equipamentos inspiraram as ialodês, e aquelas
que organizavam e cuidavam do culto a Xangô no palácio de Oyó inspiraram as
equédis (ou Ekejis). Em áfrica, acreditava-se que as pessoas descendiam
biologicamente de um determinado orixá. Aqui no Brasil, no candomblé, essa
ascendência perde o caráter estritamente biológico devido a grande miscigenação
de famílias, passando a uma dimensão mais mística, como um pai ou mãe
guardiões espirituais, determinados através do jogo de búzios por uma Ialorixá ou
Babalorixá.(PRANDI, 2004)
Os sudaneses (Iorubás-nagôs) predominaram nas regiões de Bahia e
Pernambuco a partir do século XVII; já os bantos predominaram por quase todo
território, sendo o grupo mais numeroso trazido ao Brasil a partir do século XVI. Em
geral, eles mantiveram seus rituais religiosos trazidos da áfrica, adaptados a
situação de cativeiro que se encontravam, misturando-se, sincretizando-se com
elementos rituais de outros povos: os indígenas e os europeus. As religiões afro-
indígenas constituíram-se do encontro de índios e africanos forçados ao trabalho
escravo, e nas fugas das fazendas para o interior. No contato com o europeu, os
africanos criaram e reinventaram suas práticas e costumes, mantendo suas
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armado para matar seus inimigos, de líder famoso por suas proezas, protetor e que
está constantemente perseguindo os ideais de verdade, igualdade e justiça.
A origem da divindade é incerta, sendo muitas das suas ideias constitutivas
oriundas de uma visão pan-africana já descrita sobre as divindades e a natureza,
que acompanhou a expansão da metalurgia na áfrica subsaariana. Sabe-se que,
para diversas civilizações africanas tradicionais, o ferro é algo sagrado, sendo os
ferreiros membros de elevadíssimo status na sociedade. Suas fundições eram vistas
como santuários (BÂ, 2010). Assim, é bem provável que a deificação de Ogum
tenha sido uma forma dos africanos lidarem com esse algo novo que eram as
propriedades e usos do ferro (BARNES, 1997b). Entretanto, na cidade de Irê, central
no culto a Ogum, não há objetos de ferro ou aço em suas adorações. Em algumas
regiões, a figura do Ogum guerreiro e do Ogum caçador são muito mais
proeminentes na caracterização do orixá do que o Ogum ferreiro. De fato, o
“conceito ogum” está relacionado à ressocialização de um guerreiro após matar
algo, através de um ritual de purificação envolvendo as águas usadas em uma forja.
A etimologia da palavra “Ògún”, Iorubá, pode ser traçada como derivada de “ògwú”,
idioma Idoma, e então a “ògbú”, que no idioma Igbo pode ser entendida como
“matador”. Deve-se deixar claro que “ògwú” e “ògbú” são conceitos relacionados à
caça, à guerra, não um deus propriamente dito. Para eles, a pessoa que mata outra
ou um animal feroz começa a agir como louco, achando-se mais forte que os outros
e por vezes chamando o nome da pessoa que ele matou. Dizem os Idoma que ele
está “enlouquecido por ògwú”. Por isso, é necessária uma cerimônia de purificação,
na qual eles dizem que acalmam o guerreiro louco ao “lavar o ògwú de seu rosto”.
Quem faz esse ritual de purificação é um ferreiro, estando este ritual presente em
outros grupos também, inclusive, nos Iorubás. Dessa forma, o “conceito ogum” está
presente na ideia da matança, e da purificação. A questão é que os conceitos de
caça aparecem desde o período paleolítico, e de guerra no início do neolítico, mas a
metalurgia só surge no final desse período. O “conceito ògún-ògwu-ògbu” está
presente nas raízes linguísticas desses grupos étnicos, sendo, portanto, bem
anteriores à metalurgia. Portanto, as bases do orixá Ogum não podem ser
resumidas ao seu domínio sobre a forja, mas vão bem além, às raízes da caça, da
guerra e da matança (ARMSTRONG, 1997). A transformação do conceito em uma
divindade, a ritualização religiosa, cumpre também um papel mnemônico: mitos,
músicas, lendas, reencenações, orações são formas de propagar uma informação.
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“Um pobre homem peregrinava por toda parte, trabalhando ora numa, ora
noutra plantação. Mas os donos da terra sempre o despediam e se apoderavam
de tudo que ele construía. Um dia esse homem foi a um babalaô, que o mandou
fazer um ebó na mata. Ele juntou o material e foi fazer o despacho, mas acabou
fazendo tal barulho que Ogum, o dono da mata, foi ver o que ocorria. O homem,
então, deu-se conta da presença de Ogum e caiu a seus pés, implorando seu
perdão por invadir a mata. Ofereceu-lhe todas as coisas boas que ali estavam.
Ogum aceitou e satisfez-se com o ebó. Depois, conversou com o peregrino, que
lhe contou por que estava naquele lugar proibido. Falou-lhe de todos os seus
infortúnios. Ogum mandou que ele desfiasse folhas de dendezeiro, mariô, e as
colocasse nas portas das casas de seus amigos, marcando assim a casa a ser
respeitada, pois naquela noite Ogum destruiria a cidade de onde vinha o
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peregrino. Seria tudo destruído até o chão. E assim se fez. Ogum destruiu tudo,
menos as casas protegidas pelo mariô.”(PRANDI, 2001)
frequentemente tratada como uma “ciência recente”, com seu início pelos idos de
1800. Este tipo de pensamento é consequência da colonialidade de uma escola (e
todo seu aporte de materiais didáticos) eurocêntrica, que renega as contribuições
para o desenvolvimento científico de povos não-europeus, sobretudo dos africanos.
Ignora, por exemplo, que os africanos já dominavam técnicas sofisticadas de
fundição há cerca de 2000 anos a.C.
Esse conhecimento técnico que os povos centro-africanos e da áfrica
ocidental possuíam eram fundamentais para produção de armas, utensílios
domésticos, apetrechos de transporte e ferramentas agrícolas, de forma que os
indivíduos que trabalhavam o metal eram alvo de profunda reverência na sociedade.
Dois grupos étnicos eram considerados especialistas em fundições: os Ikulu
(Bakulu) e os Jaba (BÂ, 2010). Outros grupos étnicos em geral compravam os
lingotes de ferro desses grupos. Os anciãos desses grupos contam que os minérios
ricos em ferro eram localizados pelo tipo de areia deixado pela água que escorria, ou
seja, pela resposta do solo à erosão pela água. Os minérios eram então quebrados
usando-se instrumentos de pedra, e em seguida misturados ao carvão, proveniente
de madeiras duras disponíveis, colocados nos fornos e aquecidos, alimentando
esses fornos com ar por baixo. Após o ferro estar fundido, ele era escorrido por um
buraco na parede do forno para um molde, que era um buraco cavado no chão e
após o resfriamento estavam prontos os lingotes que seriam posteriormente forjados
em utensílios e ferramentas (JEMKUR, 2004).
Na Iorubalândia, o ferro e o aço desempenharam papel fundamental em seu
processo sócio-político. Segundo Akinjogbin (2004), entre os séculos IX e X, houve
uma transformação na ordem social vigente, até então baseada em aglomerados de
pequenas vilas, cada uma com seu rei (Oba). Oduduwa conglomera um conjunto e
13 vilas estabelecendo o primeiro reino, Ile-Ifé, onde ele era seu único rei (Ooni). Em
seguida, os filhos e demais associados de Oduduwa partiram conquistando
territórios e aglomerando pequenas vilas em cerca de 20 reinos, segundo contagem
mais recente, embora as antigas tradições falem em sete reinos. A força e o sucesso
desta empreitada estavam relacionados ao ferro e ao aço, pois além de
possibilitarem a forja de instrumentos de guerra também revolucionam a agricultura,
provendo alimentação. Dada a importância desses instrumentos, Ogum tornou-se
patrono de todos os reinos de Ile-Ifé, de forma que dentro do palácio de Oduduwa
havia uma forja, Ogun Laadin, e um pequeno cutelo ou uma espada, símbolos
39
mistura de argila e palha para conferir resistência, ajudava a manter o calor do forno,
de forma que temperaturas maiores podiam ser alcançadas. Esses fornos são hoje
conhecidos como fornos de Lupa. No fundo desses fornos, enterrados, costumavam-
se colocar elementos rituais, sejam oferendas ou mesmo remédios que seriam
preparados espiritualmente durante o processo de fundição (CHILDS, 1991;
SCHMIDT E MAPUNDA, 1997).
Os sítios de fundição eram montados em posições estratégicas, ligeiramente
afastados das vilas, para evitar interferências externas que atrapalhassem todo o
processo espiritual envolvido na metalurgia. Além disso, procurava-se um local
próximo de matérias primas como madeira para fazer carvão, os minérios de ferro,
argila para confecção dos fornos e onde houvesse uma boa corrente de vento, que
eram levadas em consideração no momento da construção dos fornos (SCHMIDT E
MAPUNDA, 1997).
Figura 3. Três tipos de poços utilizados por ferreiros africanos. Da esquerda para direita, um forno
com poço, um forno com uma pequena estrutura acima de um poço e uma estrutura maior, sem poço.
(CHILDS, 1991).
A escolha da árvore da qual seria feito o carvão guiava-se majoritariamente
pela tradição, sendo sempre árvores de madeira maciça, que gerava melhores
carvões. O processo de fabricação do carvão envolvia sua queima lenta, durante
dias. Para que a madeira não se torne completamente cinzas, os responsáveis
cobriam com areia toda a madeira ainda em chamas, de forma que o calor da brasa
fosse mantido e permitisse a desidratação do tronco sem sua queima completa. Um
carvão de qualidade era essencial para manter uma queima intensa e constante por
bastante tempo.
A mineração, assim como todas as etapas do processo de fundição e forja do
ferro, era feita por homens. Às mulheres era permitido lavar as rochas e deixa-las
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secando ao sol, podendo ainda carregá-las para próximo dos fornos, desde que o
processo de fundição não estivesse ocorrendo. Era terminantemente proibida sua
presença durante qualquer atividade de fundição ou forja. As rochas corretas eram
encontradas pela experiência dos mais antigos, que transmitiam aos mais novos
seus conhecimentos.
Durante o processo de forja, um homem alimentava o fogo com ar através
das tubeiras constantemente. O processo de forja poderia demorar várias horas
seguidas, em que o fluxo de ar deveria ser mantido constante. As tubeiras eram
construídas com barro e peles de animais, de acordo com cada cultura. Através de
um orifício, podiam observar a cor do ferro que estava sendo formado dentro do
forno. Segundo Sherby e Wadsworth (2001), era de conhecimento desses ferreiros
que o aquecimento tornava o ferro mais maleável e que, a partir de uma temperatura
chamada temperatura de brilho, identificada por uma reversão brusca de cor que
parecia indicar uma “queda” na temperatura, o ferro adquiria propriedades que o
tornavam mais resistente. Sabe-se hoje que esta temperatura, cerca de 900°C,
provoca uma mudança alotrópica na estrutura do ferro metálico, de forma que ele
passa a uma estrutura cristalina mais compacta.
Quando o processo de fundição estava pronto, um buraco aberto próximo à
base do forno permitia o escoamento escória, uma mistura de impurezas fundidas
durante o aquecimento. O ferro nascente é retirado do forno e martelado, e
reaquecido várias vezes para expulsar resíduos de escória que estejam misturados
a ele. Em seguida, ele era levado até um ferreiro, que o aqueceria e martelaria até
sua forma final desejada, eventualmente incorporando-o a quantidades de carbono
pra formar o aço.
Percebe-se, portanto, a elevada carga de conhecimentos científico-
tecnológicos envolvidos em todo o processo de obtenção do ferro, detidos pelos
diversos povos africanos muito antes desta tecnologia chegar até a Europa: por
exemplo, os povos que viviam na região da atual Tanzânia construíam fornos de
fundição que alcançavam temperaturas muito altas, tecnologia que só foi ser
encontrada no continente europeu na metade do século XIX. (PINHEIRO, 2016)
42
Dessa forma, o material aqui produzido foi pensado também como uma atividade
dividida em dois segmentos: no primeiro, uma apresentação sobre o candomblé e os
orixás, em especial Ogum; e no segundo uma discussão sobre os conhecimentos
científicos e tecnológicos possuídos sobretudo pelos ferreiros africanos.
Essa apresentação se faz necessária pois, em geral, os alunos têm pouco
contato com esse assunto, ou pior, têm absorvido um senso comum ou um
preconceito que causa rejeição ou demonização dessas entidades e dessas
religiões. Assim, ao final do vídeo, o professor pode saber dos alunos o que mudou
em sua concepção de mito, de religiosidade, do candomblé, umbanda e das
religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras, promovendo um debate saudável e
sendo uma oportunidade de esclarecer sobre esses temas. Podem ser levantadas
discussões diversas, inclusive um debate sobre como o preconceito religioso está
estruturado em nossa sociedade e qual a importância disso na manutenção do
processo de racismo e discriminação silencioso com os negros e sua cultura.
No segundo segmento, o vídeo traz questões relacionadas à relação entre
Ogum e a forja e fundição, servindo de modelo para pensarmos não só a cultura
Iorubá, mas todas as culturas africanas tradicionais que têm forte relação com a
metalurgia e também percebem seus ferreiros como indivíduos de elevado valor na
sociedade. Pode-se discutir com os alunos, dentre muitos aspectos da química, os
impactos do desenvolvimento tecnológico na humanidade, a importância das
transformações químicas para a sociedade e as modificações empregadas com o
uso de ferramentas e instrumentos, além de questões mais relacionadas à
transformação química do minério em instrumentos de ferro, como a reação de
oxirredução, aspectos termodinâmicos, maleabilidade, alotropia, etc.
O mito apresentado por Pinheiro aos alunos está contido apenas no segundo
vídeo, pois é neste vídeo que o processo de forja é descrito. Entretanto, o professor
pode, assim como sugerido no trabalho citado, entregar aos alunos uma cópia do
mito escrito ao final da primeira parte do trabalho. O referido mito encontra-se
transcrito a seguir:
“Ogum e seus amigos Alaká e Ajero foram consultar Ifá. Queriam saber
uma forma de se tornarem reis de suas aldeias. Após a consulta foram instruídos a
fazer ebó, e a Ogum foi pedido um cachorro como oferenda. Tempos depois, os
amigos de Ogum tornaram -se reis de suas aldeias, mas a situação de Ogum
45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 REFERÊNCIAS
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(Ed.). Africa's Ogun: Old World and New. EUA: Indiana University Press, 1997.
______. The many faces of Ogun: Instroduction to the first edition. In: BARNES, S. T.
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BEAPLER, P.; REYNOLDS, T. The digital manifesto: engaging student writers with
digital video assignments. Computers and Composition, v. 34, p. 122-136, 2014.
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secretária. Portal Brasil, 08 Mai. 2016. Disponível em:
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Umbanda. HAU: Journal of Ethnographic Theory, v. 6, n. 3, p. 85-106, 2016.
Juca: Bem, falar de Ogum não é muito difícil. Primeiro, nós temos que levar
em consideração algumas coisas do candomblé. Por exemplo, os espíritos do
candomblé são forças da natureza. Na verdade, eles nunca viveram, eles viveram
em um outro plano, de um outro modo, com uma vida diferente da nossa, mas têm
uma ligação muito forte com o ser humano. Muito forte... Ogum, que é o filho do
meio de Iemanjá (Iemanjá tem três filhos, Iemanjá é o Orixá mais antigo que se
conhece. Quando Olorum criou a Terra, criou o mar, ele determinou que um Orixá
tomasse conta do mar, que se chamava Olokun. E Olokun, embora fosse dono do
mar, que uns conhecem como Poseidon, vários nomes, ele queria saber o que se
passava na terra. Então ele pegou a parte feminina dele e criou Iemanjá. Iemanjá na
verdade não mora no mar, ela vai ao mar para prestar contas a Olokun do que se
passa na terra. Ela teve três filhos: Bara, que é o conhecedor de todos os caminhos,
que nós conhecemos como Exu, mas não é o compadre que mora na porta, é o
Orixá, que é o mais velho; teve Ogum, filho do meio de Iemanjá e teve Oxóssi, que é
o filho mais novo. Considere-se ainda que Obaluaê, que é filho de Nanã, ao mexer
na ferramenta de Nanã, que é o Ibiri, contraiu a peste negra. A ferramenta de Nanã,
a arma de Nanã, que é o Ibiri, tinha a peste, mas não tinha a cura. Então Nanã
colocou Obaluaê numa folha de bananeira e foi amassar o barro, que era como ela
raciocinava, quando ela amassava o barro ela raciocinava... Iemanjá passou, pegou
Omulu e levou para o mar, curou-o e, como a peste negra deixa muitas marcas, ela
cobriu ele com a palha. Quando ele ficou bom, sem nenhuma marca, ele mesmo não
quis tirar a palha porque era a maior ligação que ele tinha com Iemanjá.
Bom, Ogum é o Orixá que detém os conhecimentos dos metais, todos os
metais. O ancestral de todos os metais é o ferro e Ogum tem esse conhecimento, e
ele passou isso para o homem. Por que ele passou isso para o homem? O homem,
a 20 mil anos era nômade, ele vivia aqui, se alimentava do que tinha e, quando o
alimento acabava, ele saía e ia para outro lugar. Qual era a ideia de Ogum: Se ele
desse ao homem o segredo do ferro, e o homem conseguisse fazer daquilo as suas
ferramentas ele poderia plantar o que comer e se fixaria, e foi exatamente o que
aconteceu. Ogum deu ao homem o conhecimento do ferro e foi ajudando o homem a
se desenvolver, a desenvolver as ferramentas, a enxada, a pá, o enxó, todas as
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ferramentas que se fazem com ferro partiram de Ogum. Nós, o ser humano,
colocamos a espada na mão de Ogum, na verdade Ogum não carrega espada,
carrega o Mariwô, que é o galho do dendezeiro, desfiado e ele carrega nas costas.
Aquilo é a grande arma de Ogum, ele carrega o Mariwô nas costas, está sempre
com o Mariwô nas costas. Nós é que colocamos a espada na mão de Ogum, até por
uma questão de lógica, já que ele é o criador do ferro, do aço, [por isso] nós
colocamos ali.
Ogum sempre foi aquele que queria conhecer coisas novas. Omulu, Xangô,
Oyá, Iemanjá, os outros Orixás sempre se fixaram. Ogum não. Ogum talvez tenha
sido o orixá que correu toda a Terra. Ele correu por todos os lugares e caminhava
sempre, sempre para frente. Foi um guerreiro, sem dúvida porque ele era estranho,
e numa época em que quando um estranho chegasse em algum lugar, havia sempre
a desconfiança, por conta de uma coisa chamada guerra tribal, que existe até hoje.
Ogum sempre caminhou. Se encontra hoje, os arqueólogos estão procurando, há
coisa de uns setenta oitenta anos mais ou menos, se descobriu na África, que hoje
se sabe ser o berço da civilização, o berço do homem foi a África, se descobriu uma
ferramenta estranha, uma Enxada, mas ela é tão rudimentar que se supõe que
tenha sido o primórdio da enxada, o primórdio daquela ferramenta que serviu ao
homem para cavar a Terra, e para plantar e para colher, para se alimentar e assim
fixar-se em um lugar só. Essa enxada está em um museu, se não me engano na
Inglaterra. E depois outras ferramentas foram encontradas, e o homem, que é um
ser muito inteligente, foi purificando as ferramentas, foi apropriando as ferramentas,
para que ficassem mais práticas, foi criando ferramentas que ele precisava, veio
com a química deles para criar o aço, que vem do ferro, a maior parte do aço é o
ferro, e o aço é mais resistente que o ferro, e criou todas as ferramentas, o serrote, o
martelo, todas elas descendem da criação de Ogum. Ele foi um grande Orixá. É o
maior elemento, depois da Bara, de ligação com o ser humano. Aquele que mais
ajudou o ser humano sem dúvida foi Ogum. O Orixá com mais semelhança com o
ser humano é Bara, que pensa exatamente como o ser humano pensa. O
pensamento de Bara é o pensamento do ser humano. É por isso que nós
costumamos dizer que Bara é o mais humano dos Orixás. Porque ele sente o que
nós sentimos, ri como nós rimos, se alegra como nós nos alegramos e se entristece,
como nós nos entristecemos. Ele é o mais humano dos Orixás. Ogum é
reconhecidamente o mais justo dos Orixás. Ogum é justo ao extremo, ele não gosta
56
de injustiça. Ogum detesta injustiça. Por exemplo Ogum não protege o filho mais do
que deve: se o filho estiver errado ele se encarrega de punir o filho, mas se o filho
estiver certo ele é a maior defesa que o filho pode encontrar é no pai Ogum, que o
defende de todas as maneiras. Diferente, vamos dizer assim, de Xangô, que o filho
pode estar errado, mas ele passa a mão pela cabeça e defende o filho em qualquer
situação. Mas Ogum é também o Orixá que mais permanece com o filho, é
conhecido como o primeiro Orixá, o que mais rápido atende ao filho. Quando um
filho tem um problema e grita “Ai meu pai” ele está do lado. Ele é rápido com os
filhos, ele dá uma proteção aos filhos incrível, e os filhos de Ogum são diferentes
dos outros, a verdade é essa. O filho do Ogum é diferente dos outros, é diferente de
mim, que sou de Oyá... São diferentes. Agora vamos falar da trajetória de Ogum.
O santo na verdade, não tem nada escrito. Tudo foi passado, foi dito. Existem
algumas lendas do santo que são fabulosas, que é a lenda da criação da vida, a
lenda de Xangô que é uma lenda maravilhosa, tem uma lenda também lindíssima, a
de Iansã. Iansã... a mulher não podia caçar. A mulher era proibida à caça, então ela
se vestia de búfalo e caçava vestida de búfalo para alimentar os filhos. Ogum
descobriu. E disse pra Iansã... Iansã pediu a ele “Você não conta isso pra ninguém.”
“Não, eu não conto”.
A bebida dos orixás era um vinho chamado vinho de palma. O vinho de palma
tem uma interferência grande em muita coisa que aconteceu, nós vamos chegar lá.
Num dia que ele tomou uns vinhos de palma a mais, Ogum tinha três mulheres... Ele
contou para as mulheres. E aí foi um problema, deu um problema com Iansã, que
Iansã... Agô minha mãe, mas minha mãe ela é sanguinária. Ela matou as três
mulheres de Ogum. Não matou Ogum porque ela não podia... mas ela foi lutar pra
que Ogum soubesse que ela sabia guerrear. E ela sabia guerrear. Ela não tem
espada, ela tem um florim, que é uma espada com um feitio de um raio. Raio esse
que ela tomou de Xangô. O poder do raio, do trovão, das nuvens, do vento da
chuva. Ela tomou isso de Xangô porque ela morou em Oyó, que era a cidade de
Xangô, no mesmo palácio de Xangô, aonde Ogum era ferreiro. Ogum era ferreiro de
Oyó. Ele fugiu com Iansã
O candomblé é a primeira religião onde você não encontra o que você
encontra em todas as religiões: “O meu Deus é mais forte que o seu Deus”. Você
não encontra isso no candomblé. O Meu Deus é tão bom quanto o seu, tão
poderoso quanto o seu. Não existe um Deus mais poderoso, o Deus mais poderoso
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é o Deus que nós conhecemos chamado Olorum, esse é o Deus mais poderoso.
Não é o Ogum, o Oxóssi, o Xangô... o mais poderoso é Olorum, que é o criador de
tudo, o grande criador. No Candomblé você não encontra isso que você encontra em
outras religiões, o que você encontra no candomblé é que com a criação de Olorum,
a cada Orixá foi determinada alguma coisa, como foi determinado a Oxóssi a caça,
ele caça e alimenta a aldeia, é ele que alimenta a aldeia; como foi dado a Oxum que
é ela que controla as mulheres, a vida das mulheres o nascimento das crianças;
como foi dado a Bara, que é o senhor da fertilidade, pra se povoar o mundo; como
foi dado a Ogum de passar os conhecimentos dele ao ser humano. Eu acho isso a
coisa mais importante de Ogum, ele foi o primeiro Orixá que realmente teve uma
relação com o ser humano. Lá há 20 mil anos antes de Cristo, foi ele quem fixou o
homem na terra. Passando o conhecimento, passando o segredo dos metais para
que o homem criasse as ferramentas, para que o homem plantasse, para que o
homem se sedimentasse na terra. E deixasse de ser nômade. Quem fez isso foi
Ogum. Então a maior relação de todos os Orixás com o ser humano é Ogum.
Mesmo Bara que é a imagem e semelhança do ser humano não tem uma relação
tão forte, não ajudou tanto o progresso do ser humano como Ogum ajudou. Ele foi
realmente um Orixá fantástico. Teve suas aventuras como todo orixá tem.
Ogum era ferreiro, ele sempre lidou com ferro. Toda situação você encontra
Ogum lidando com ferro. Você vai encontrar Ogum como o ferreiro de Oyó, que era
a cidade de Xangô. Certa vez, morava num palácio de Oyó Xangô, Oxum, Oyá e
Obá. Numa outra história Obá foi excluída, Xangô exclui Obá: Oxum gostava muito
de Xangô e Obá perguntou a Oxum o que ela fazia, porque ela fazia um guisado de
carne que era a comida preferida de Xangô, como ela fazia que Xangô gostava
tanto, e ela disse “corto um pedaço da orelha e coloco no guisado”. Obá disse “ora,
mas sua orelha está aí” Oxum disse “ela nasce, cresce”. Então Obá cortou um
pedaço da orelha e colocou na comida. Xangô descobriu, ficou tão irritado que
expulsou Obá, que não tem uma orelha. Obá quando vira cobre logo porque ela não
tem uma orelha. Ficaram Iansã e Oxum, que tinha ciúme de Iansã com Xangô,
porque Iansã era quem guardava a “paramentação” de guerra de Xangô, o raio, o
trovão, o vento essa coisa toda. (O vento ela já tinha).
Um dia Iansã se encantou com Ogum e fugiram de Oyó, mas fugir de Xangô é
uma coisa difícil, ele é muito poderoso. Ele foi atrás. Ele não foi para guerrear, ele
queria a mulher dele de volta! Não foi possível. Quando chegou na mata, Oxóssi,
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que estava na mata, disse para Ogum: “Entre, porque a mata é escura e Xangô não
gosta de escuro”. Xangô não gosta do escuro, do feio... tudo que é de Xangô tem
que ser bonito. Tudo que é de Xangô tem que chamar a atenção. Ele é rei. Oba quer
dizer rei também, em Ioruba. Então, por exemplo, o filá que usam para cobrir o rosto
das Yabás, Xangô gosta de filá, ele disse que ele é rei, acha bonito, ele pode vestir o
que quiser, sendo rei tem o direito de vestir o que quiser. Quando chegou na mata
ele não conseguiu entrar, mas a ira de Xangô é uma coisa séria... jogou raios na
mata queimou a mata toda. Não queimou Ogum, nem Iansã nem Oxóssi, mas
queimou os animais todos. Olorum, que é um ser perfeito, tirou de Oxóssi o direito
de comandar a mata, dizendo que “A mata só vai servir para você caçar e alimentar
sua aldeia” e criou um orixá que seria o dono das folhas, que seria Ossãe, um orixá
que não tem sexo... discutir o sexo de Ossãe é discutir o sexo dos anjos. Então
Ossãe quando diz “Ewe assa” é minhas folhas, ela é a dona das folhas, onde está o
grande mistério do candomblé estão nas folhas. A Oxóssi foi permitido apenas
caçar. (Numa caça dessas que Ossãe encantou Oxóssi, mas é outra história).
Ogum depois de fugir com Iansã abandonou Iansã, largou iansã, porque
Iansã queria se fixar e Ogum queria seguir o caminho dele. Existem marcas de
Ogum, sinais, em várias cidades do mundo onde Ogum passou. Há 20 e poucos
anos passados os Maias, um mistério terrível porque ninguém sabe o que aconteceu
com os Maias, eles simplesmente desapareceram, ninguém sabe o que aconteceu
com os maias, eles pura e simplesmente despareceram, não se encontraram ossos,
nada. Eles construíram cidades belíssimas, moderníssimas tinham uma cultura
fabulosa, o calendário que nos conhecemos hoje eles já conheciam a 400-500 anos
passados. Mas você vai numa escavação Maia eles descobriram uma ferramenta,
uma faca grande, um facão, com um lado mais fino, supõe-se que era o lado de
corte, mas muito rudimentar, com o cabo até de ferro também. Sem dúvida, Ogum
passou por ali, ele veio passando, foi deixando... se você for a China você vai ver
que há 3000 anos o chinês cultivava com as ferramentas de ferro. O chinês é
interessante pois enquanto os outros povos rapidamente conseguiram criar o aço
com a mistura do ferro, o chinês levou muito mais tempo, embora tenha grandes
descobertas, até a pólvora, mas eles custaram a descobrir as outras químicas que
fazem do ferro um metal muito forte, que já foi mais precioso que o ouro.
O destino de Ogum é passar pelo mundo, transmitir ao ser humano o
conhecimento que o ser humano precisa ter. Ele, sem dúvida nenhuma, Ogum foi
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quem sedimentou o homem na terra. Quem colocou o homem parado numa cidade,
criando uma cidade, um estado um país, foi Ogum. Ele dizimou o nômade do
mundo, ele acabou com o nomadismo. O homem nunca se fixou, aliás o homem, até
hoje você encontra nas pessoas de Ogum um certo espírito aventureiro, que sem
dúvida nenhuma descende do Ogum, um santo fabuloso.
Ogum teve envolvido em algumas guerras, e lutou junto com Oxaguiã, que é
o grande guerreiro, junto com Xangô, quando da invasão de Oyó, quando uma outra
tribo invadiu Oyó que é a cidade de Xangô, três orixás foram a razão principal de
Oyó não ter sido invadida: xangô que era o dono da cidade, Ogum que era um
guerreiro fabuloso e o ferreiro da cidade e exu que ficou na porta e não deixou o
inimigo entrar. Na verdade, o grande guerreiro mesmo foi Exu que ficou na porta e o
inimigo não passou. Se diz até, abrindo aspas para fazer um comentário, que xangô
dava uma festa todo final de ano, chamada a festa da colheita, a festa de funfun, a
festa do branco, as águas de oxalá, etc. E Xangô e filho de Oxalá, esperava Oxalá
chegar para começar a festa mas naquele ano o bicho mais bonito ia ser cortado pra
exu, que ficou na porta e não deixou o inimigo entrar, então Exu sabia disso e ficou
esperando, sentando alagodá esperando Oxalá passar, sabia que a festa não
começava sem oxalá. Ficou esperando... Oxalá se preparou para viajar, era um dos
poucos Orixás que tinha cavalo (Xangô tem, Ogum gosta de andar a pé), Oxalá
passou por Lógunède que também foi criado em Oyó, mas que na verdade foi muito
mais criado pelas três feiticeiras que moravam do lado de fora de Oyó, chamadas
Ìyàmì Òsòrònga. A ele, elas passaram muita coisa, até se diz que o orixá mais
feiticeiro que existe é Lógunède, embora seja criança. Oxalá encontrou Lógunède e,
dada a fama de Lógunède, perguntou: “vou viajar amanhã pra Oyó. Amanhã é um
bom dia pra viajar?” Lógunède, que se veste igual a Oxóssi: capanga, chapéu
quebrado, tudo aquilo que Oxóssi usa... filho de Oxóssi... pegou uns paletes, uns
pedacinhos de madeira, jogou e disse: “amanhã não e um bom dia pra viajar.” Isso
não se diz pra Oxalá, que se considera o mais importante dos importantes.
Perguntou por quê? “Amanhã não e um bom dia pra viajar porque toda mentira vai
lhe parecer verdade, e toda verdade vai lhe parecer mentira”. Ele saiu dali e falou
“Ah um menino, com uns pedacinhos de pau? Vou viajar!”. Encontrou Exu sentado
no meio do caminho, doido pra ele chegar em Oyó, pra começar a festa. Perguntou
a Exu qual o melhor caminho pra chegar a Oyó. Exu disse: “Ali por cima!”. Oxalá
saiu e de repente parou e disse “Ah mas Exu vai me ensinar o caminho? Ele nunca
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diz uma verdade pra mim!” Mudou de caminho, caiu na lama, se sujou. Quando
chegou na porta de Oyó, estava imundo. Mas o cavalo dele era bonito, eles
conheciam que era o cavalo de xangô... “Prendam esse vagabundo, que esse
cavalo é roubado!”. Prenderam. O que aconteceu? As colheitas começaram a secar,
não conseguiam fazer as colheitas... os frutos começavam a secar. Oxalá [Na
verdade Xangô] mandou chamar Oxumare, que é o único orixá que detém os
conhecimentos do jogo de ifá , os segredos de ifá, é oxumare. Ele mandou chamar,
e ele foi lá e disse “Oh, você prendeu Oxalá, você prendeu a prosperidade. Oxalá é
a prosperidade! ”. Tem lendas do santo que são muito bonitas. Não é minha lenda
preferida, minha lenda preferida é a lenda da criação da vida, eu acho fantástica.
Quando Olorum criou o mar, criou Olokun pra tomar conta do mar aquela
coisa toda, quis criar a vida, quis criar o ser humano e mandou que obatala
trouxesse cinco coques, sacrificasse cinco coques, e do ejé de cinco coques se
criaria a vida. Disse a obatala: “Use Bara, que é conhecedor dos caminhos, para te
levar aonde deve botar os coquês.” Obatalá era muito vaidoso disse: “Não precisa,
deixe que eu sei o caminho”. Conversa! Encontrou os amigos, bebeu muito vinho de
palma, os coquês fugiram e ele não criou a vida. Então Olorum determinou que
Oduduwa, que também é um orixá que se discute o sexo, ninguém sabe, que
ododuwa criasse a vida, e que Bara ensinasse o caminho e permitiu também que
tanto ododuwa quanto Bara tirassem uma semente do seu baú pra plantar na terra
quando criassem a vida, e assim foi feito. Bara veio, ensinou o caminho a ododuwa,
ododuwa cortou os coquês, fez-se a vida, ododuwa plantou a semente dela, que deu
uma árvore que não cresceu muito... ficou neutra, até que Exu foi do lado, plantou a
semente dele, deu uma árvore enorme. Deu uma sombra na árvore de ododuwa, e
na sombra a árvore cresceu mais. Porque ododuwa plantou o amor, e Bara plantou
a amizade. Nenhum amor cresce, se não for a sombra de uma grande amizade.
Essa é a lenda da criação da vida, que eu acho fantástica, embora o que eu ache
fantástica também seja a lenda do Xangô que tinha um filho chamado Assã, e ele
queria o melhor pro filho dele. Quando o filho dele fez 18 anos, ele deu uma bolsa de
ouro e um cavalo e disse a ele: “Vá correr o mundo para encontrar a mulher de seus
sonhos”, e Assã foi, ficou oito anos e não encontrou a mulher dos sonhos dele.
Voltou. Quando voltou pra Oyó, ele tinha 26 anos, ninguém conhecia mais ele. Ele
veio a cavalo e do lado de fora de Oyó tinha um córrego onde as mulheres lavavam
as roupas. Ele foi atravessar o córrego, o cavalo tropeçou, ele caiu, bateu de
61
cabeça. Ninguém conhecia ele, uma lavadeira pegou e levou ele pra casa. Quando
ele acordou, o primeiro rosto que ele viu foi o dela, ele ficou apaixonado. Levou ela
pra Oyó, casou-se com ela. Porque às vezes, aquilo que você sai pelo mundo
procurando está do seu lado e você não vê.
As lendas do santo são realmente fantásticas, porque elas na verdade
identificam os fatos da nossa vida, elas nos mostram os fatos da nossa vida, o dia-a-
dia. O Orixá é muito inteligente, tem uma inteligência superior à nossa. Quando o
orixá te diz não faça isso, ele te diz para te proteger. O Orixá não precisa de
proteção, nós é que precisamos de proteção. Quando ele te diz não faça isso, isso
não é bom, não faça. O santo tem as coisas que não pode e as coisas que não
deve. O que não deve às vezes você faz, leva um “pisãozinho” aqui, um “pisãosinho”
ali... como se diz na gíria, bata no peito. Agora o que não pode, não pode! Esse não
pode não pode mesmo, é vedado! Como você sabe, as consequências são
inimagináveis.
Os orixás, eu considero Ogum um grande orixá, como considero Obaluaê um
orixá maravilhoso, como sendo Oxóssi um orixá sensacional, porque é aquele que
provê a alimentação. Ele caça para alimentar. A mesa do ser humano é de Oxóssi.
Ele que prove a alimentação do dia-a-dia. Ele é um grande caçador. Existe uma
lenda de Oxóssi maravilhosa... muito mais de Lógunède que de Oxóssi... em Oyó
morava Lógunède e Oxóssi e numa dessas festas de final de ano, festas de funfun,
xangô não convidou as Ìyàmì. Elas eram feias, não convidou... mas contrariar Ìyàmì
era um problema. Elas criaram um pássaro chamado uruque, ficou no meio da
aldeia. Ele era tão grande que ele abria as asas e ficava de noite. Ora, escurecia
não podia ter festa. Xangô disse: “Aquele que matar o pássaro escolhe a virgem
amis bonita pra casar, e tem um quarto da colheita. Se não conseguir matar, está
expulso da aldeia.” Eruqueji, atirador de sete flechas, foi lá, tentou, não matou, foi
expulso da aldeia. Eruquesin, atirador de seis flechas, foi lá, tentou, não matou. E
assim sucessivamente, até chegar ao eruquere, que é Oxóssi o atirador de uma
flecha só. Mas ele foi quem criou Logun, era o pai de Lógunède, e Lógunède não
queria que ele fosse expulso da aldeia. Então foi às Ìyàmì e disse: “Se meu pai
Oxóssi não matar o pássaro, eu vou embora com ele.” E isso as Ìyàmì não queriam,
porque as Ìyàmì praticamente criaram Lógunède. Então, ensinaram um ebó pra
fazer e disse a ele quando o pássaro abrir a boca diga a ele pra atirar na boca do
62
pássaro. E assim foi feito, ele atirou e o pássaro desapareceu. Essa é a lenda de
Lógunède, de Oxóssi. Oxóssi era fantástico.
Ossãe ficou nas matas e não via nada. O que Ossãe via eram as árvores
quando estavam podres, via se tinha um pássaro doente, se tinha um animal doente,
se as folhas estavam boas, se estava tudo normal, mas não tinha ninguém pra falar.
Via Oxóssi entrar, caçar e sair. Falavam de Oxóssi, mas Oxóssi ia embora, o que fez
ele? Fez umas folhas, tirou o sumo das folhas, e deu Oxóssi para beber. E Oxóssi
bebia a agua onde Ossãe ficava sempre, então deu Oxóssi pra beber. Oxóssi não
encontrou a saída da mata. Ficou ali, não saía. Todos esperando Oxóssi e Oxóssi
não saia, falaram com Iemanjá, Iemanjá determinou que Ogum fosse, Ogum foi e
disse: “Encontrei, mas eu não sei porque ele não quis vir”. Mandou que Bara fosse,
Bara foi e disse: “Olha ele está encantado. Está verdadeiramente encantado. Foi
encantado por Ossãe, mas eu não sei como desencantar ele”. Aí procuraram
Lógunède e foram os três para mata. Lógunède pegou umas folhas, fez uma
beberagem, sentaram-se os cinco cada um bebeu um pouco, quando Oxóssi bebeu,
se desencantou. Quem desencantou Oxóssi foi Lógunède.
Obaluaê é considerado médico dos aflitos, médico do candomblé é Obaluaê,
porque ele teve a pior das doenças, que é a peste negra. E foi curado, ele usa
aquela roupa de palha, mas um dia os orixás estavam na mata e tinham que esperar
as folhas de Ossãe, e Iansã (minha mãe era terrível) queria saber como era o rosto
de Obaluaê. Então o que ela faz? Ela deu um vento tão forte que levantou e se viu o
rosto dele, e se viu que não tinha marca nenhuma. Pelo contrário, Obaluaê é
considerado o mais belo dos orixás. Esse vento de minha mãe já fez isso e fez com
Ossãe, porque Ossãe, como era dona das folhas, ela tinha uma vaidade, atendia na
hora que queria, dava as folhas na hora que queria, porque cada orixá tem sua
folha. Um dia, naqueles dias que Iansã vem com o vento mesmo, Ossãe estava com
as folhas todas, ela deu um vento e levantou aquelas folhas todas, e ela disse:
“Cada um que pegue suas folhas”. De lá para cá, ninguém pega a folha de Ossãe.
Pede a Ossãe licença para pegar as folhas, mas Ossãe não distribui mais as folhas.
A lenda do santo, a história do santo, tudo vem disso. Porque realmente o
santo depender de outro orixá pra dar as folhas... não e uma coisa normal, o normal
seria um orixá cuidar das folhas como é, como ela cuida, como ela diz “Ewe assa”,
“as minhas folhas”... Ela cuida das folhas, mas o Orixá vai lá e pega as folhas que
são dele, na verdade são dele.
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perguntador, era falador, eu perguntava tanto que minha mãe de santo acabava
falando, ou minha mãe criadeira, ou aquelas mais antigas no santo que sabiam, eu
enjoava e eles me diziam, me falavam. Eu tenho uma experiência pessoal muito
forte disso... Eu quando fiz santo, não sabia nada, 7 anos, fui aprendendo, fui
aprendendo... vim embora, com 15 anos consegui os meus direitos, um ano depois
porque quando eu tinha 14 anos não quis vir, tinha arrumado uma namorada, aí sofri
o acidente, fui com 15 pra casa. Depois que eu fiz 16, 17 anos comecei a me achar
importante, uma fase que a gente passa no santo mesmo... eu ia na casa do
Akarino, no barracão dele, ele me sentava no cadeirão, as pessoas me tomavam a
benção, eu me julgava o cara mais poderoso do mundo. Sabia nada, mas eu achava
que sabia. Bom, fui a uma festa de Ogum na casa dele, e ele gostava muito de mim,
era uma pessoa fantástica. Ele era de Ogum, tocou a festa de Ogum, vestiu o
Ogum, Ogunjá, mesmo que o meu, vestiu, dançou... dei rum no Ogum... fiquei todo
feliz. Sentei lá no cadeirão, Ogum desvirou, ele trocou a roupa, voltou eu disse “Meu
velho, tá faltando só cantar...” nunca mais me esqueço disso “pra Iemanjá e pra
Oxóssi”. O santo é perfeito, não duvide porque ele vai te mostrar a coisa como ele
quer te mostrar... Ao par disso tudo, eu sempre fui uma pessoa muito respeitadora
do santo, desde o erê que chega e diz “minha mãe mandou dizer” ou “meu pai
falou”, até o exu que fiz boa noite meu patrão”, eu respeito muito. Aí eu disse a ele,
falta cantar pra Iemanjá e pra Oxóssi, aí ele disse “Ah tá, pode dar uma cantiga”. Aí
eu levantei, importante, eu fico lembrando isso dá vontade de rir, eu levantei e dei
uma cantiga pra Oxóssi “Arolê... kikiri lodê...”. Ele tinha uma filha de santo que não
tinha uma água na cabeça, ou seja, uma abiã completa. Não tinha nada, só botava
roupa. Ah, ela rodou e o Oxóssi bolou nos meus pés. Aí eu, muito bobo... “Meu pai,
posso proceder?” Aí ele “pode”, aí eu “Ogã, arranja uma esteira aí”, enrolamos,
fomos nos quatro cantos, rezamos, botamos ela lá dentro aí eu disse “pronto meu
pai, só o senhor fazer”, ele disse “eu? Não! Bolou nos seus pés, você que tem que
fazer”. Provavelmente eu fiquei da cor da sua camisa [branco]. Eu não sabia o que ia
dizer, o que ia falar... Como? Nunca tinha feito santo! Ele perguntou pra mim – ele
era uma pessoa fantástica – “você ficou nervoso?”. Aí eu “fiquei”, ele ”você não sabe
fazer?” Eu disse “sei” “então?” “mas eu nunca fiz” “mas você não sabe?” “Sei”
“Então...” Foi o primeiro santo que eu fiz na minha vida, foi uma das maiores
experiências que eu tive no santo. Porque eu acho, eu não me lembro mais, eu tinha
17 anos, o aço tremia na minha mão ele disse assim “dá a reza bem alto” aí eu
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ficava “não posso esquecer da reza, o oriki da raspagem”, e tudo aquilo, o ejé do
coquê que leva no ori, é a única coisa que se faz, no Ori só se põe o ejé do coquê,
mais nada! É o que faz o santo, é o que criou a vida na terra, foi o ejé do coquê.
Depois que eu fiz ele disse “Está muito bem feito”, eu sentei... foi um alívio. Isso foi
uma demonstração que o santo me deu, que eu dali para cá eu diminuí muito a
minha vaidade. E aí eu fui perdendo hoje eu não tenho vaidade nenhuma graças a
Deus. A minha vaidade é ver um filho de santo meu bem. Ver um filho de santo meu
alegre, feliz, essa é minha vaidade. Pessoal... vaidade pessoal não tenho mais
nenhuma, 77 anos, já vivi mais que o normal, já tive um AVC abdominal de aorta, já
tive um câncer no rim já tirei fora... já passei por tudo, estou esperando iku bater na
minha porta e dizer “oh tá na sua hora”. Já vivi bastante, e vivi bem. Eu agraço ao
santo, tudo que eu consegui na minha vida eu tive ajuda do santo. O santo não fez
por mim ele me mostrou o caminho “é por ali”. Eu também nunca pedi ao santo “oh,
vou fazer isso eu queria passar”. “vou estudar, o senhor me ajuda a esclarecer
minha cabeça pra que eu possa aprender com mais facilidade”... tudo isso.. eu
nunca pedi uma facilidade ao santo. Porque o santo não está aí para dar facilidade
nenhuma. O santo está aí para esclarecer e te mostrar o caminho. É que o ser
humano gosta de facilidade, aí ele pede facilidade. Eu costumo dizer que o exu é
muito bom. Ruim é quem põe o joelho no chão e pede uma coisa ruim a ele. Ele
não, ele taí para fazer... se você pede a ele uma coisa boa, ele faz. Se você pede
uma coisa ruim ele faz, mas pode ter certeza que está na sua conta, não está na
dele não. Está na sua conta.
Os orixás eles são forças da natureza, você não pega o Orixá, você sente o
orixá. Como que se representa o orixá: por um otá, uma pedra que você reza. É o
maior significado que tem, porque a pedra está ali, imóvel e é... como foi criada
pedra? Nós não temos noção. O que acontece de se vestir os orixás, já na África se
fazia assim, embora o candomblé do brasil hoje pouco tem a ver com o candomblé
da África. Te dou um exemplo, não existe santo mais brasileiro que Ogum. Nós
colocamos a espada na mão do ogum, todo mundo tem alguma coisa a ver com
Ogum, eu costumo dizer isso quando eu toco uma festa pra ogum na minha casa, eu
dou umas cantigas em ioruba e depois eu dou umas cantigas em português, e eu
digo que nós todos temos alguma coisa a ver com Ogum. Existem algumas pessoas
que dizem que Ogum é o pai da humanidade. Eu não digo, mas eu digo que ele é o
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criador das cidades. Ele, com o poder dele de sedimentar o homem no lugar ele foi o
criador das cidades.
O Orixá tem as suas vestes. Na verdade, se eu te disser como essas vestes
vieram parar no candomblé, essas vestes vem da África. Eu não posso te dizer se o
orixá um dia disse: “eu me visto assim”. Mas eu tenho a nítida impressão, pelo que
eu já vivi, que o Orixá se veste assim para se diferenciar o ser humano. Quando eu
estou com uma calça branca um chinelo branco e uma blusa branca e o orixá vira...
eu sou um ser humano. Mas quando ele coloca a roupa dele, o capacete dele e dá o
ilá dele, ele não é um ser humano, ele é o orixá. Então eu acredito que essas roupas
sejam exatamente para diferençar o ser humano do orixá, porque nós também
somos uma força. Só de nós termos um corpo... mas nós temos uma alma, um
espírito, um períspirito, nós temos isso tudo, o dia que o espírito abandona, enterra!
E estraga, apodrece. Então essas roupas são para que se diferencie o Orixá do ser
humano. O orixá na verdade não tem vaidade nenhuma, quem tem é o ser humano.
Que bota uma roupa bonita pro orixá, assim assado ... o ser humano que faz isso...
o orixá não tem essa vaidade. O Orixá é simplista, ele quer apenas se diferenciar do
ser humano. Pra dizer assim, ali está o Oxóssi, com aquela roupa, o ofá dele, o arco
e flecha ou ofá, alguns até com o eruexin, que é uma arma de Oyá, mas que Oxóssi
também carrega. Ele veste simplesmente para se diferenciar do ser humano. Não
que ele não queira se parecer com o ser humano, mas ele precisa que quem veja
saiba que ele é o orixá.
Porém... quando os negros vieram da África, e os primeiros negros que
vieram da África foram os angolanos, porque o jeje ficava lá em cima, o Ketu ficava
no meio e no litoral ficava angola e eles vieram e não foram pra Bahia, poucos foram
pra Bahia, a maioria deles foi pra Minas Gerais. O negro ficava na senzala, e ele não
perdeu o hábito de cultuar o santo dele, a fé dele ele não perdeu. Então ele
precisava cultuar... o que ele fazia? Na Bahia, dia de Santo Antônio, o negro dizia
“Nós queremos fazer uma festa para santo Antônio na senzala”, o branco dizia claro,
então o que ele fazia? Botava uma imagem de santo Antônio que o branco dava a
ele, e embaixo botava um otá, que era uma pedra rezada e cantava pra Ogum, era
época de Ogum. E o branco dizia: “Ah lá, tá cantando pra santo Antônio” . O
Sincretismo nasceu exatamente disso. Cada santo tem a sua época, cada orixá,
cada qualidade tem sua época... o meu Ogum por exemplo, a época dele é março,
abril e maio. Mas o xoroquê tá lá pra junho julho. Cada um deles tem sua época. ...
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A imagem... Na verdade não podemos ter uma imagem que não seja imaginativa...
O santo é imaginativo Se você olhar ali tem um Omulu, bem africano por sinal, muito
bem africano. Como vou fazer uma imagem daquela e dizer que aquilo é um Omulu?
Não sei se ele é assim... Ele na verdade não é assim, porque ele é um elemento,
uma força da natureza, não tem feitio, não tem forma... Tem força, tem raciocínio,
tem inteligência, mas não tem forma. Mas essa forma, essas imagens vieram de
onde? Da necessidade do negro. Depois houve uma coisa muito interessante,
porque... de toda religião saem suas raízes. Da católica, lá me 1300 e tal teve a
grande cisão, Martin Lutero queria ser papa, não podia e todo mundo queria ser
papa porque o papa era um cara importante... e aí cindiu a igreja católica para a
chamada igreja protestante, que é a Luterana de Martin Lutero, que depois se dividiu
em várias, muitas, mas eles não tinham a imagem. Eles combatem a imagem,
combatem o santo, porque santo é só cristo. O Luterano não fala em Deus, fala em
Cristo ... Vou explicar o nascimento de uma outra religião chamada umbanda. A
umbanda veio do candomblé. O meu avô, espanhol, assistiu em Neves uma reunião
em que um caboclo chamado caboclo das sete encruzilhadas deu os ditames todos
de como seria a umbanda. A Umbanda tem suas imagens, mas se você for
profundamente, a umbanda não é muito diferente do candomblé. O que é diferente:
é a língua; é o orixá que não fala no candomblé, quem fala é o erê, mas na essência
é o candomblé falando português. Exatamente, sem dúvida nenhuma. Ah o Orixá
fala, no dia que eu fui lá na festa da sua mãe de santo e a Iansã virou, eu fui lá
tomar a benção porque ela é uma enviada da minha santa. Eu não tenho dúvida
nenhuma disso, eu acredito nisso. A umbanda também se dividiu, ela não é
exatamente igual, ela tem as suas diferenças... a umbanda criou o caboclo, criou o
boiadeiro, deu o espaço para o exu trabalhar, deu espaço para o preto velho
trabalhar. Eu considero o Xangô, a Iansã, o Ogum que vira... se manifesta da
umbanda, eu considero que eles são espíritos da natureza também. O preto-velho
para mim é Egun. Ele foi vivo, ele viveu. Viveu, morreu é Egun. Mais evoluído,
menos evoluído, mas Egun. Tudo aquilo que já teve um corpo um dia, é Egun. Mas
eu acho que a Umbanda hoje ainda está criando sua história. O candomblé está se
abrasileirando cada vez mais. Daqui a cinquenta anos, sessenta anos, não sei
quanto tempo, não se vai falar mais nada em ioruba. As cantigas são faladas em
português, a cadeira você não chama mais apoti, você chama cadeira. A coisa vai
mudando, mesmo na África difícil você encontrar alguém que fale ioruba. O
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candomblé na África vem sofrendo uma crise muito forte provocada pelas igrejas
cristãs. Há uns oito anos passados veio um grupo de africanos de Angola, eles
vieram no Brasil, no Opo Afonja que é uma casa de tradição muito antiga, quase 200
anos para ver realmente como se fazia um Oxóssi, porque lá foi uma coisa que se
perdeu. Então eu fico muito triste e tenho muito medo que se perca no Brasil essa
essência do candomblé, que é a essência da vida. No candomblé você não encontra
a perseguição dentro do candomblé. Você não encontra o candomblé perseguindo
ninguém, crucificando ninguém, sacrificando ninguém, o que você encontra na igreja
católica, uma coisa difícil de falar, mas a História tá aí. História com “h” mesmo, não
é estória não. A inquisição foi algo terrível... Essa história o candomblé não tem. O
candomblé é uma coisa que tem de vir de dentro pra fora, não de fora pra dentro.
A maior representação do Orixá e a cor. A cor é uma representação imensa
do Orixá. É o branco do Oxalá, o azul marinho do Ogum, o marrom do Xangô, o
vermelho do Xangô, o vermelho da Iansã, o azul claro da Oxum, as cores estão
muito inseridas nos Orixás. Você não veste o Ogum de preto. Você veste o Ogum de
azul marinho, em alguns casos de verde, alguns casos de vermelho, na Umbanda
você veste ele de vermelho. A cor tem muito a ver com os orixás. O camarada pintou
ali o Omulu, mas a palha tá na cor da palha, onde você encontrar Omulu você
encontra a palha que é o elemento dele. As cores estão diretamente inseridas. Você
não bota vermelho em Oxalá, você bota branco. Porque ele é funfun, ele é branco.
Você não põe dendê pra Oxalá. A comida de Oxalá você cobre de algodão. Você faz
a canjica e cobre de branco. Esses são os elementos do santo. Você pega o Oxóssi
veste ele de azul, de vermelho em alguns casos dependendo da qualidade. As
cores: isso tem tudo a ver com o Orixá. A roupagem dos Orixás, o capacete dos
Orixás tem muita coisa a ver com o Orixá, mas a cor é a coisa mais
predominantemente importante na identificação do orixá. O que é uma coisa
interessante porque nós não sabemos como que a cor chegou na humanidade...
Quando você vê um orixá de preto, é Bara, de vermelho... se for uma Yabás pode
ser Iansã, se for boró pode ser um Ogum, pode ser um xangô, vermelho e branco a
cor é definitiva na identificação do Orixá, é o que liga o orixá ao ser humano. Como
eu disse, é uma coisa que ninguém sabe como nasceu. Quem inventou a cor?
Quem disse aquilo ali é amarelo, isso aqui é azul, isso aqui é vermelho, quem?
Quando se inventou isso? Dizem que na China, há não sei quantos anos, existia as
cores, era o vermelho e o branco que eles conheciam, mais nada. Mas ninguém
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sabe como eles conheceram o vermelho, como eles chegaram ao vermelho. O que
você queria perguntar mais?
Eu: Era isso, em relação a essas representações, os símbolos...
Juca: É, o símbolo é uma questão interessante, né? Quando você vê uma
espada a primeira coisa que você pensa é o que? Ogum! Não é isso? Você vai no
candomblé tem uma espada atravessada ali, você pensa logo: essa espada é de
Ogum. Nós é que colocamos a espada na mão de Ogum, já falei pra você, Ogum
carrega o Mariwô. Mas, nós colocamos a espada na mão de Ogum... Quando você
vê um ofá, um arco e uma flecha, você pensa logo em quê? Um Oxóssi! Essas
ferramentas do santo elas identificam o santo. Dificilmente você vê uma arma pra
dois Orixás, é difícil. No momento aqui não me lembro de nenhuma... Eu disse aqui
que o Oxóssi carrega um ofá em alguns casos carrega um eruexin, que é o rabo de
cavalo que é usado pra espantar o Egun, então alguma qualidade de Oxóssi, que é
o ebila, carrega o Eruexin, mas não são todos... é uma coisa raríssima, porque a
arma a ferramenta é uma coisa própria do Orixá, é um elemento de identificação do
Orixá. Você vai ver um santo virar, mesmo que esteja com uma blusa branca uma
calça branca mas tem uma espada na mão, o que você diz/ Esse é o Ogum,
entendeu? Porque a espada identificou ele. Se você entrar e ver um santo com um
ofá na mão, um arco e flecha, o que você vai dizer? Esse é Oxóssi. Se você ver um
orixá com uma espada que é feito um raio, você vai dizer, essa é Iansã. Você vê um
orixá com um espelho na mão e um pente na outra, você vai dizer assim ou é Oxum
ou é Iemanjá. Porque são as coisas que identificam o orixá. A imagem, eu não sou
contra a imagem. Mas eu não sou a favor da imagem. Porque na verdade a imagem
não identifica diretamente o Orixá. Tem uma imagem aqui que foi feita, que o santo
disse pra pessoa como era. Daí a pessoa foi lá e fez a imagem exatamente como
ele disse que era. É o zé Pilintra que eu tenho dentro daquela primeira porta ali,
quando você sair do eu lado direito. Mas o Ogum vai dizer como ele é? Primeiro que
ele não vai te responder. Se não quando um erê vier ele vai dizer assim: “Meu pai
disse que ele é fumaça”. E aí? Entendeu? É muito difícil você... os elementos que
identificam o santo, o principal; cor. Segundo, as armas do santo. A imagem, com
todo respeito, entendeu? Com todo respeito eu não sou adepto. Como é que você
vai fazer o Ogum? Como é que você imagina o Ogum? Ele não tem cor... ele é um
vento, é um elemento da natureza, não tem cor, não tem altura, não tem largura, não
tem espessura. É imaginativo né? Não é imaginativo? É completamente imaginativo.
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Vinícius: Eu definiria Ogum como o Orixá da união, o Orixá que traz a união.
Ele tem a capacidade de juntar as pessoas... de diferentes cabeças, diferentes
personalidades, ele é o Orixá que... Ogum é pai de todos, como costumeiramente as
pessoas falam. Ogum é pai. Porque Ogum traz essa união de pai né. Apesar de na
nossa religião Oxalá que é pai, Ogum é pai de todos. Ele é esse Orixá desbravador,
que traz a força, traz a luta, traz a vitória. O filho do Ogum ele persevera, ele tem a
liderança como uma das principais características. Ele não desiste, pode estar ali
por um fio, mas ele não vai deixar a peteca cair.
Bruno: Quais seriam os domínios do Ogum? Ogum é um Orixá que ele cuida
do que... além do domínio da forja, Ogum é muito conhecido por ser o Orixá ferreiro,
além desse ele tem algum domínio que seja dele?
Vinícius: Ogum é o orixá da forja, do aço, do ferro... Isso vem de lá de trás... A
terra também faz parte da coisa, o fogo... o fogo também representa Ogum, porque
o fogo é movimento, e Ogum é isso, Ogum é movimento, Ogum é o impacto do aço
e do ferro, um grande impacto... e aí se dá Ogum. Um outro modo de ver, Ogum
está relacionado a essas profissões, na tecnologia, nas construções, no militarismo,
por ter sempre essa característica de liderar. Ogum era um cara muito astuto, muito
inteligente. Lá nos primórdios lá antigamente, ele forjava as próprias armas, as
próprias ferramentas de trabalho, pra poder guerrear. Então ele forjava sua espada,
suas armas seu escudo pra ir guerrear, ele fazia suas ferramentas de trabalho.
Bruno: Como é que impacta Ogum na vida dos africanos? Eu não sei se você
tem esse conhecimento, do que significa Ogum na vida dos africanos e na vida dos
candomblecistas de forma geral, por ele ter esse domínio do ferro?
Vinícius: Tem um itan que diz que Ogum matou muita gente, mas matou a
fome de muita gente. Um desses itans conta que numa dessas guerras que ele
desbravou, ele vinha em busca de mais uma conquista ele viu um senhor de idade e
ele chorava muito. E pra ele achava uma afronta, um cara vivido, e ele indagava: “O
senhor, um cara de idade, vivido e está chorando diante de Ogum?” Daí ele “Oh,
grande Ogum, o Senhor até me desculpe, mas eu não tenho o que dar de comer a
minha família. Porque onde eu vivo, o rei, tudo que nós colhemos do nosso plantio,
nós temos que dar a ele.” Daí isso... ele já não precisava de nenhum motivo pra ir
em busca de novas terras, de guerrear, então ele pegou essa causa. Essa é outra
característica dele, de ajudar as pessoas. Então ele falou pro senhor “Você pode
ficar tranquilo, de hoje em diante eu vou tomar esse reino e vou modificar tudo isso.”
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Esse itan é conhecido que é a cidade de Irê. Então ele se torna o rei de Irê. Depois
dessa conversa com esse senhor, então ele manda um recado pros guerreiros que
faziam a guarda desse rei que ao amanhecer, no dia seguinte, quando o raio do sol
pegasse o rosto dele, estava dado início a batalha. E ele sozinho, contra os homens
do rei. E assim foi feito. Antes de amanhecer ele já dá o sinal, faz umas tochas de
fogo e taca fogo na cidade, uma corria já pra eles saberem com quem eles estavam
lidando. Assim ele foi com suas duas espadas, ele foi estava lá no dia e na hora
combinada, ele foi matando um por um e chegou até o comandante daqueles
guerreiros que faziam a segurança do rei e disse pra ele que ou ele se rendia a
Ogum, ou a morte pra ele. E como ele era um comandante que todo mundo
enaltecia ele, o comandante preferiu morrer, e depois disso os guerreiros se
curvaram diante a Ogum, porque perderam seus comandantes. E o rei também foi
embora, Ogum fala que ele foi embora como um covarde, então ele se torna o rei de
Ir~e. Como ele matou muita gente nessa batalha, muita gente temia a Ogum, mas
ele matou a fome de todas aquelas pessoas que ali habitavam, que já não tinham
esperança, porque tudo era do rei. Ogum chega e acaba com aquilo tudo. Ogum
gosta de fartura, sempre muita fartura, ele ajudava muito as pessoas. As pessoas
têm Ogum como um rei, como um pai. Um pouco desse itan aí. Acho que pros
escravos que sofriam muito, Ogum foi um alento... Sofriam, sofriam... E de repente
tinha um cara que podia dar um afago pra gente, um acalento pro nosso sofrimento.
Então acho que pros escravos ele foi muito importante nessa parte, um povo muito
sofrido, que já se acostumou a sofrer e um cara foi capaz de mudar aquele
sentimento que eles tinham de sofrimento. Acho que Ogum foi esse cara que deu
uma esperança praquele povo sofrido.
Bruno: Por isso talvez que ele tenha sido trazido pra cá e tenha se tornado um
Orixá muito importante né?
Vinícius: Sim... Um outro itan que conta... Ogum tem essa característica de
ser um cara muito brigão. Quando provocam a fúria dele... Até dando continuidade a
esse Itan que eu contei, da cidade de Irê, Ogum tem seus filhos e sua família, daí
ele vai pra uma batalha distante, que seria longa. Então ele diz “Eu estou indo pra
batalha, então nesse dia, no dia de hoje que eu estou partindo eu quero que vocês
façam silêncio. Ninguém conversa com ninguém, só come depois de tal horário.
Silêncio absoluto” E parte. Ele deixa essa ordem com seus filhos e parte. Então
nesse dia era dia de todos estarem com roupas claras, fazer silêncio... não se ouvia
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nada além da natureza. E ele parte pra essa batalha, desbrava, luta, guerreia e volta
depois de sete anos. Passam sete anos, e ele retorna ferido, cansado, ele retorna a
essa cidade. Só que essa cidade, depois de sete anos é outra cidade, outras
pessoas, mas Ogum, como sempre respeitado, enaltecido... Ele chega na cidade,
bate numa porta “Estou vindo de uma guerra, de mais uma batalha, preciso de água,
de comida” e a pessoa calada, muda. Ele estranha, vai pra outra casa, “Eu sou
Ogum estou precisando de água, de comida”. E a pessoa muda. Aquilo vai
aguçando a fúria dele. Ele vai em outra, a mesma coisa. Ele fica furioso. Como
pode, eu sou Ogum, eu que conquistei essa terra, eu que sou o rei daqui. Daí ele
num ataque de fúria mata milhares de pessoas, praticamente todas as pessoas
daquele povoado. Sem pensar, ele cortava cabeça. Nesse ataque de fúria, o filho
dele chega e diz “Pai, o que está acontecendo com o senhor, o que é isso?”.”Essas
pessoas me desrespeitaram, essas pessoas esqueceram que eu sou Ogum,
esqueceram o que eu fiz por elas?”. O filho dele tentava falar e não conseguia, até
que depois de muita tentativa o filho dele conseguiu acalmar ele e fala “Pai, hoje é
aquele dia que o senhor deu a ordem pra nós não falarmos o dia todo, passamos o
dia tranquilo, de roupa clara. Só ao final do dia as pessoas podiam voltar a
conversar, faríamos uma festa pra saudar o Senhor” E aí ele fica em estado de
choque, ele matou todas aquelas pessoas sem motivo... e daí outra característica de
Ogum é que ele reconhece seu erro, então depois desse ato que ele cometeu,
dessa loucura no auge da fúria dele ele crava a espada no chão, se abre um grande
buraco e entra nesse buraco. Daí esse itan que fala que ele vira um Orixá a partir
disso, como ele matou todas aquelas pessoas ele decidiu não viver mais. E aí ele
passa a ser um Orixá.
Vinícius: Como eu estava falando, é comum no candomblé, numa festa pra
Ogum, ele vem com um cesto de pães, esse cesto de pães representa lá atrás a
essas pessoas que ele ajudou, essas pessoas que ele matou a fome. Dizem que
Ogum matou muita gente, mas também matou a fome. Então esse cesto de pães
numa festa de Ogum é muito comum, faz-se um cesto de pães arrumado e ele
passa esse cesto pras pessoas comerem lá no dia do candomblé, esse pão é para
as pessoas comerem mesmo, representando essa história de Ogum que matou a
fome de muita gente.
Bruno: Esses itans são essas histórias que governam hoje o candomblé, o
candomblé se fundamenta nessas histórias?
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pra Exu. Então cada cabeça, e pra isso se consulta o jogo de búzios como eu falei
tem uma qualidade, tem uma especificação, um detalhezinho diferente. Daí Ogum
Meji é um, Ogum Aires, tem Onirê, tem muitos, é vasto. É essa diferença que chega
mais próximo da característica de cada pessoa. Essa especificação, Ah, inicia ele
em Ogum Meji porque ele tem tal característica, então Ogum Meji é da
personalidade dele, então ele reflete isso, ele passa isso. Então cada Orixá, não só
Ogum como Oxóssi, Oxum tem diversas qualidades devido a isso. Aproxima de
cada característica de cada personalidade de cada pessoa.
Bruno: Você é Ogã, é isso? É muito importante essa questão do toque, da
dança, da música...
Vinícius: É fundamental. Eu sou Ogã, fui confirmado. Assim que eu fui
confirmado eu ganhei o cargo de axogum, é o senhor da faca. Esse cargo todos os
preceitos que tem na minha casa, o sacrifício o responsável sou eu, de fazer esse
corte. Quando eu fiz um ano, completei o ciclo, Iansã que é minha mãe, me
suspendeu me deu o cargo de pejigã, que é o cargo máximo que nossa graduação
pode atingir. Hoje, dentro da minha casa de santo, eu sou apto a fazer qualquer
coisa. Em outras palavras, na ausência da minha mãe de santo... é uma hierarquia,
a casa de santo é uma hierarquia, então é como se fosse um quartel, então tem a
mãe de santo, tem a mãe pequena e depois eu. A mãe de santo e a mãe pequena,
as duas recebem o Orixá, então na ausência delas o responsável sou eu. Então eu
estou apto a fazer todas as coisas, desde tocar, ao preceito do corte, ao
assentamento do santo, ao fazer o banho, todas as funções, hoje, eu estou apto a
fazer na casa. O ogã é a engrenagem da máquina, se ele não estiver a máquina não
funciona direito.
Bruno: E tudo funciona em cima desses toques, desses cantos...
Vinícius: É, porque é ali na hora dos toques das cantigas, é a hora que... não
vou dizer que é a saudação maior porque cada santo tem o seu preceito específico,
mas é um momento importante, você está chamando o Orixá pra sala... pras
pessoas assistirem, o Orixá gosta disso. Gosta de estar bem vestido pras pessoas, o
Orixá gosta de dançar, de aplauso, então quando ele está na sala, dançando, que a
gente chama de tomando rum e as pessoas aplaudindo, é a satisfação do Orixá. As
pessoas alegres, felizes porque ele está ali dançando. Ele está ali dançando para
aquelas pessoas que estão ali. E o canto, o toque é aquela chavezinha pro Orixá
“Opa, agora é minha vez”. E gira mesmo em torno desses cantos, desses toques,
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cada Orixá tem seu toque específico, tem a cantiga, que ele dança mais, que faz
mais atos, que você vê que ele está satisfeito.
Bruno: Você pode dizer qual seria o toque de Ogum?
Vinícius: O toque de Ogum chama-se Vassi, é Vassi rápido, toque pra chamar
Ogum, e tem suas cantigas, mas o nome do toque pra chamar Ogum é o Vassi
rápido. Tem até aquele toque mais... mas Ogum é ... que ele vem daquele jeito.
Bruno: Tem alguma cantiga que você lembre?
Vinícius: Tem a cantiga que é a principal do Ogum, quando se vai dar início
ao Xirê, primeiro se pede permissão a Exu, pra Exu tomar conta do portão, junto a
Ogum, pra não deixar nenhuma energia negativa entrar, nada de ruim, pra ocorrer
tudo bem naquela festa. Feito essa saudação a Exu o primeiro Orixá que se saúda é
Ogum. E a primeira cantiga que se canta se fala dessa união “Ogun ajo e Mariwo,
Akóró ajo e Mariwo, Ogun pa lepa lonã, Ogun ajo e Mariwo” Ogum a jo é a união,
Ogum traz a união, daquelas pessoas, naquele momento, pra saudar o Orixá. Todo
candomblé vai girar em torno do orixá, então, digamos festa da minha mãe de santo,
todos os orixás unidos pra saudar a festa da Iansã.
Bruno: Como você percebe o Orixá?
Vinícius: Através da energia mesmo. Ver, poucas vezes nós conseguimos ver.
Eu já vi, mas é mais através de sentir. A primeira coisa que eu sinto é que eu
começo a transpirar. EU sinto a quentura, a energia mesmo. Pode estar frio, mas se
eu estiver fazendo alguma coisa algum preceito eu sinto a quentura e começo a
transpirar mesmo como se estivesse um sol de 40 graus. É mais essa percepção de
energia mesmo. Você sente aquecer, você sente ventar... pelas coisas da natureza
mesmo, Iansã é ligada aos ventos, então quando se está fazendo alguma coisa pra
Iansã é quase certo que o tempo mude, que a folha vente, se tiver que chover vai
chover mesmo. É mais assim. Por exemplo, lá perto de onde eu moro estava um
pouco estranho, de assalto, eu estava andando na rua de cabeça baixa, eu vi uma
pessoa de branco. Apertei o passo, virei a esquina era uma rua de subida com uma
transversal, a rua era longa e não dava tempo de ir pra nenhum lugar, eu cheguei lá
e não tinha ninguém. Isso é meu santo que estava andando junto comigo, pelas
coisas que estavam acontecendo naquele lugar. mas é difícil, é mais pela percepção
mesmo, você treme... eu começo a transpirar, a atmosfera fica diferente mesmo,
você sente a energia. Nós fazemos um preceito que é pra limpar, tirar tudo de ruim
da pessoa. Toda vez... a gente sempre faz de frente pro portão pra limpar a energia
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e sair. Toda vez que a gente faz esse preceito o portão se abre sozinho, no limite
pra passar uma pessoa. É certo. Pode não estar batendo vento nenhum, porque eu ,
pra mim quando eu comecei eu fui tirar essa prova, eu olhie pra árvore que tme
perto pra ver, prestei atenção e falei “hoje não tem vento”. Quando começa o
preceito o portão se abre, como se fosse a coisa estivesse saindo mesmo, tirando
tudo de ruim da pessoa. É nesses detalhes que o santo se mostra pra gente, no
sentimento, na energia mesmo e nesses detalhezinhos.
Eu fui fazer um preceito pra Ogum, Ogum é o senhor da estrada,
principalmente na estrada de ferro, que o ferro está relacionado a ele. O cachorro é
um animal relacionado a Ogum. Fomos lá fazer um preceito rpa uma pessoa na
linha do trem, chegamos, começamos a fazer. Um cachorro estava passando lá em
baixo, ele veio, parou, deitou e ficou assistindo o tempo todo que nós estávamos
fazendo o preceito ele estava li, quietinho, não estava dando nenhum latido. Quando
acabou o preceito, ele levantou e foi embora. Pra gente, da religião, que sabe, Ogum
estava ali mais presente que nunca através do cachorro que estava li. O cachorro
podia ter latido, avançado, ele ficou ali sentado assistindo mesmo, não deitou. Ficou
assistindo. Então essas coisas são uma resposta pra gente. Estamos ali fazendo
uma coisa boa, enaltecendo ele, pedindo ajuda praquela pessoa. E aí, manda uma
resposta, vim receber esse agrado que vocês estão me trazendo.
Bruno: Mas no ritual propriamente dito... por exemplo, na Umbanda quando
queremos representar dentro do ritual usamos uma imagem de santo católico. São
Jorge, por exemplo, representando Ogum. Como acontece no candomblé essa
representação física dele?
Vinícius: Chama de igba. Cada Orixá tem seu igbá. Ogum são realmente
ferros, parafusos grandes, tem uma ferramenta de Ogum que representa ele. Tem
pá, enxada, foice, todas essas ferramentas, tudo que representa ferro vai dentro
desse igbá. Como você colocou a relação da imagem, dentro desse igbá nós temos
realmente Ogum com os ferros, os parafusos, a ferradura do cavalo, outras coisas
de ferro, estão ali representando Ogum. Tem todo um preceito, um procedimento pra
fazer o encanto daqueles ferros pra ele passar a representar Ogum. Cada Orixá tem
seu igbá específico e Ogum é o ferro, tudo relacionado a ferro a gente coloca,
chama de igbá.
Bruno: Então Ogum é representado por isso, través desses elementos?
Vinícius: Isso
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Bruno: E você acha que a espada seria o melhor elemento pra representar, o
melhor símbolo de Ogum, ou você teria outro símboo?
Vinícius: Sim. A espada está relacionada a luta. Isso tanto lá atrás como
trazendo pros dias de hoje, Ogum luta muito. Estamos numa batalha diária, lutamos
todo dia, e acho que a melhor forma de representar Ogum é sim a espada. Está ali
relacionada a luta mesmo, nós lutamos diariamente. A espada e o escudo são duas
coisas que representam sim, de verdade, Ogum.
Bruno: Quanto ao preconceito religioso...
Vinpicius: Eu graças a Deus não passei por isso. Acho que não cabe a
ninguém julgar a religião do próximo. Eu falo da minha pessoalmente, eu, minha
mãe de santo, meus irmãos de santo, nós não vamos na porta de ninguém pra
poder falar, as pessoas que vem até nós. EU também não julgo outras religiões que
vem na porta das pessoas, eu acho que todas as religiões têm um propósito só. O
Deus é um só. Não tem dois Deus. Todas as religiões estão voltadas pra fazer o
bem daquelas pessoas que estão ali na fé, na dedicação, cada um com sua
particularidade. Minha mãe de santo estava no ônibus, entrou um rapaz vendendo
alguma coisa pra ajudar alguma igreja. Só que ela tinha acabado de tomar
obrigação, estava toda de branco, com um fio de conta não como esse, mas um por
dentro do vestido, e aí o rapaz passou por ela, olhou, na volta falou que ali não era o
lugar dela. Ela não falou nada. Ele tornou a falar que o lugar dela não era ali, que ela
era coisa do diabo. Ela disse “Meu Senhor, olha só... pra mim não importa o que
você acha ou falou. Eu não sou coisa do diabo, tanto não sou que estou aqui bem,
com saúde, tenho uma família decente, tenho um trabalho. Você está nessa
situação tendo que pedir coisa pras pessoas no ônibus. Se seu Deus é tão bom e
tão melhor que o meu, por que você está nessa situação? O meu não é melhor que
o seu e o seu também não é melhor que o meu. Estou aqui na minha e você veio me
agredir.” Ele ficou meio assim e tomou o rumo dele. Eu ainda não tive essa
experiência de passar por isso, espero que não passe. Mas eu acho que hoje, com a
cabeça que eu tenho, eu vá ter uma reação tranquila quanto a isso. Uma coisa tão
pequena, no meio de uma coisa tão sagrada quanto, na Igreja, Deus, e pra nós,
nossos Orixás, que não cabe essa picuinha de a sua é melhor que a minha, a dele é
melhor. Eu nem entro nessa discussão porque é uma coisa tão pequena que não
cabe nem discussão.”