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Polícia Legislativa do Senado Federal

Atribuições investigativas e de polícia judiciária em face


da Constituição de 1988

Éder Maurício Pezzi López

Sumário
1. Introdução. 2. A criação da Polícia do
Senado Federal, independência de Poderes e os
conceitos de “polícia”. 3. Análise da constitucio-
nalidade das atribuições da Polícia do Senado
Federal. 4. Conclusões.

1. Introdução
A Constituição de 1988, na senda das
anteriores, previu a possibilidade de que
cada Casa Legislativa da União e dos Es-
tados criasse sua polícia, sem, no entanto,
especificar que espécie de polícia e que
espectro de atribuições lhe poderiam ser
outorgadas. Diante disso, as Casas do Con-
gresso Nacional concretizaram a norma,
cada uma estabelecendo uma disciplina
própria para a questão.
Ocorre que, não obstante a previsão
constitucional referida, tem-se visto deci-
sões judiciais que negam legitimidade às
Polícias Legislativas, especialmente no que
tange à possibilidade de realizar atividades
investigativas e presidir inquéritos poli-
ciais. Ante tal situação, a Mesa do Senado
Federal ajuizou a ADC no 24, de modo a fir-
mar a constitucionalidade da Resolução-SF
no 59/02, a qual criou a Polícia Legislativa
Éder Maurício Pezzi López é Bacharel em Di- dessa Casa.
reito pela Universidade Federal do Rio Grande Nesse contexto, o presente estudo
do Sul. Especialista em Direito Civil e Processo tem por objeto analisar os pontos mais
Civil. Ex-Advogado do Senado Federal. Advo- relevantes a respeito do tema, fazendo
gado da União em Rio Grande-RS. uma leitura do quadro de separação de
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Poderes instituído pela Constituição de termo “polícia”, sem delimitar ou especi-
1988, especialmente no que concerne à ficar que tipo de atribuições – ou mesmo
independência e harmonia entre eles, de que “espécie” de polícia – seria exercido
modo a estabelecer-se o conceito de “Casa pelos órgãos a serem criados pelo Poder
Legislativa” e suas implicações. Igualmen- Legislativo.
te, explicitam-se as diversas espécies que o No tocante à Constituição de 1988,
gênero “polícia” encerra, para então exami- verifica-se que essa situação se manteve,
nar especificamente a constitucionalidade prevendo ela em seu art. 52, XIII, a compe-
de cada uma das atribuições conferidas à tência do Senado Federal para simplesmen-
Polícia Legislativa do Senado Federal, com te dispor sobre sua “polícia”, nos seguintes
foco nos seus fundamentos e limites. termos:
Ressalta-se que os entendimentos ex- “Art. 52. Compete privativamente ao
postos neste trabalho, embora relacionados Senado Federal:
ao Senado Federal, podem ser aplicados (...)
mutatis mutandis às polícias da Câmara XIII – dispor sobre sua organização,
dos Deputados, das Casas Legislativas dos funcionamento, polícia, criação, trans-
Estados e do Distrito Federal, cujas normas formação ou extinção dos cargos,
o reduzido escopo deste trabalho não per- empregos e funções de seus serviços,
mitiu analisar. e a iniciativa de lei para fixação da
respectiva remuneração, observados
2. A criação da Polícia do Senado os parâmetros estabelecidos na lei de
Federal, independência de Poderes diretrizes orçamentárias; (Redação
dada pela Emenda Constitucional no
e os conceitos de “polícia”
19, de 1998)”.
Dessa forma, talvez pela falta de maior
2.1. A criação da Polícia Legislativa
especificação dos textos constitucionais,
do Senado Federal
não houve uma considerável produção
Todas as constituições brasileiras, sem legislativa a respeito do tema, limitando-se
exceção, ao tratar do Poder Legislativo, as Casas Legislativas a disporem a respeito
previram expressamente a possibilidade de de sua polícia com foco mais na função de
as Casas Legislativas disporem a respeito manutenção da ordem e segurança do que
de sua polícia1. A respeito disso, é de se ver em outras funções envolvendo matérias de
que em todas elas há apenas referência ao polícia judiciária ou investigativa.
No entanto, diante da necessidade de
1
1824: “Do: Ramos do Poder Legislativo, e suas
attribuições: Art. 21. A nomeação dos respectivos Pre-
dar efetividade ao texto constitucional, o
sidentes, Vice Presidentes, e Secretarios das Camaras, Senado Federal ampliou tal espectro de
verificação dos poderes dos seus Membros, Juramento, atribuições, aprovando a Resolução no 59
e sua policia interior, se executará na fórma dos seus de 2002, a qual dispõe sobre as atribuições
Regimentos.”; 1891: Art 18. (...). Parágrafo único – A
cada uma das Câmaras compete: (...) – regular o ser- e o funcionamento da Polícia dessa Casa Le-
viço de sua polícia interna; 1934: Art 91 – Compete ao gislativa2. A referida resolução tem em sua
Senado Federal: (...) VI – eleger a sua Mesa, regular a redação originária os seguintes termos:
sua própria polícia, organizar o seu Regimento Interno
e a sua Secretaria, propondo ao Poder Legislativo
a criação ou supressão de cargos e os vencimentos em Regimento Interno, sobre sua organização, polícia,
respectivos; 1937: Art 41 – A cada uma das Câmaras criação e provimento de cargos.
compete: (...) – regular o serviço de sua polícia interna; 2
No tocante à Câmara dos Deputados, no seu
1946: Art 40 – A cada uma das Câmaras compete Regimento Interno (Res. no 17, de 1989) foi tratada
dispor, em Regimento interno, sobre sua organização, de forma mais abrangente a questão atinente ao fun-
polícia, criação e provimento de cargos; 1967/69: Art cionamento e atribuições da Polícia Legislativa dessa
32/30 – A cada uma das Câmaras compete dispor, Casa, especialmente nos arts. 267 e ss.

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“Art. 1o A Mesa fará manter a ordem desde que lotados e em efetivo exer-
e a disciplina nas dependências sob a cício na Subsecretaria de Segurança
responsabilidade do Senado Federal. Legislativa.
Art. 2o A Subsecretaria de Segurança (...)
Legislativa3, unidade subordinada à Art. 4o Na hipótese de ocorrência
Diretoria-Geral, é o órgão de Polícia de infração penal nas dependências
do Senado Federal. sob a responsabilidade do Senado
§ 1o São consideradas atividades típi- Federal, instaurar-se-á o competente
cas de Polícia do Senado Federal: inquérito policial presidido por ser-
I – a segurança do Presidente do Se- vidor no exercício de atividade típica
nado Federal, em qualquer localidade de polícia, bacharel em Direito.
do território nacional e no exterior; § 1o Serão observados, no inquérito, o
II – a segurança dos Senadores e auto- Código de Processo Penal e os regula-
ridades brasileiras e estrangeiras, nas mentos policiais do Distrito Federal,
dependências sob a responsabilidade no que lhe forem aplicáveis.
do Senado Federal; § 2o O Senado Federal poderá soli-
III – a segurança dos Senadores e de citar a cooperação técnica de órgãos
servidores em qualquer localidade policiais especializados ou requisitar
do território nacional e no exterior, servidores de seus quadros para auxi-
quando determinado pelo Presidente liar na realização do inquérito.
do Senado Federal; § 3o O inquérito será enviado, após a
IV – o policiamento nas dependências sua conclusão, à autoridade judiciária
do Senado Federal; competente.”
V – o apoio à Corregedoria do Senado Como se pode verificar, foram con-
Federal4; feridas à Polícia Legislativa dessa Casa
VI – as de revista, busca e apreen- funções gerais de segurança, tanto de Par-
são; lamentares, em casos nela previstos, como
VII – as de inteligência; de todo o complexo que se inclui em suas
VIII – as de registro e de administra- dependências, servindo ela de apoio à Cor-
ção inerentes à Polícia; regedoria e às comissões parlamentares de
IX – as de investigação e de inqué- inquérito. Ademais, atribuíram-se à Polícia
rito. do Senado funções tipicamente de polícia
§ 2o As atividades típicas de Polícia judiciária, envolvendo cumprimento de
do Senado Federal serão exercidas medidas de revista, busca e apreensão,
exclusivamente por Analistas Legis- além de atividades de inteligência, de re-
lativos, Área de Polícia e Segurança, gistro e outras tipicamente investigativas,
e por Técnicos Legislativos, Área inclusive com a prerrogativa de presidir
de Polícia, Segurança e Transporte5, inquéritos policiais.
3
De acordo com o Ato da Comissão Diretora do Regulamentando a norma em questão
Senado Federal no 15/2006, Art. 1o, “a Secretaria de no âmbito interno, o Presidente do Senado
Segurança Legislativa passa a denominar-se Secretaria Federal, por meio do Ato no 50, de 2006, pre-
de Polícia do Senado Federal”. viu a criação de diversos órgãos integrantes
4
De acordo com o Ato da Comissão Diretora
do Senado Federal no 14/2005, Art. 8o, “a Polícia do da Polícia do Senado Federal, entre eles
Senado Federal, subordinada ao Órgão Central de a Subsecretaria de Polícia Judiciária, que
Coordenação e Execução, é órgão de apoio técnico à
Corregedoria Parlamentar e às Comissões Parlamen- de Técnico Legislativo, Área de Polícia, Segurança e
tares de Inquérito”. Transporte, Especialidade Segurança passam a ser de-
5
De acordo com o Ato da Comissão Diretora do nominados Técnico Legislativo, Área de Polícia Legis-
Senado Federal no 15/2006, Art. 8o, “Os cargos efetivos lativa, Especialidade Policial Legislativo Federal”.

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reúne tanto atribuições de polícia judiciá- executivas e judiciais. Embora tal funda-
ria stricto sensu, quanto funções de polícia mento estivesse presente, não se fez uma
investigativa6. sistematização completa a respeito de cada
Diante desse quadro normativo, antes órgão, o que veio bem mais tarde a ser feito
de se analisar a conformidade constitucio- por John Locke (1998), quando escreveu
nal das atribuições outorgadas à Polícia seus “Dois Tratados sobre o Governo”.
Legislativa, faz-se necessário abordar a Para Locke, a essência da separação das
questão da separação de Poderes e dos funções de poder era a de criar limitações ao
conceitos que o termo “polícia” abrange. poder, enfatizando em sua obra a dicotomia
existente entre a função de criação da lei e
2.2. O Poder Legislativo no contexto do de sua execução. Dessa forma, embora fosse
modelo de divisão das funções de poder enfatizada a preponderância da função
estabelecido pela Constituição de 1988 legislativa – a supremacia da rule of law –,
frisou-se a vedação ao Legislativo para que
2.2.1. Antecedentes históricos da executasse as leis que criava.
separação de poderes Posteriormente, Montesquieu (2004)
Embora se tenha consagrado a expres- ampliou o tema, melhor delimitando as
são “separação” de poderes, a doutrina funções de cada órgão de poder, bem como
tem ressalvado que o Poder estatal é uno, a independência de que deveria gozar cada
insuscetível de separação. Em realidade, um deles no exercício delas. Na obra “O
o que pode ser dividido são as diferentes Espírito das Leis”, esse autor refere que,
funções estatais, atribuindo-as a órgãos “para que não se possa abusar do poder, é
diversos, como mecanismo de controle e necessário que, pela disposição das coisas, o
limite (Bonavides, 2008). poder detenha o poder”7. Em outros termos,
Embora paire certa controvérsia a res- pode-se dizer que a ideia central da obra de
peito de quem teria sido o precursor da Montesquieu é a criação de princípios de
ideia de separação de poderes, verifica-se divisão das funções estatais, mas que, ao
que ela foi referida por Aristóteles em sua mesmo tempo, permitam mecanismos de
obra “A política”, na qual se traça um esbo- equilíbrio e controle recíprocos, de modo
ço de segregação das funções deliberativas, a não engessar a máquina do Estado.
A partir dessas ideias, a separação das
6
Art. 3o – À Subsecretaria de Polícia Judiciária funções de poder foi constitucionalmente
compete desenvolver todos os atos inerentes à ins- positivada pela primeira vez na Carta da
trução dos inquéritos policiais e dos termos circuns- Virgínia (1776), sendo igualmente expressa
tanciados instaurados na Secretaria de Polícia do na Constituição americana, em 1787. Na
Senado Federal quando da prática de infrações penais
nas dependências sob responsabilidade do Senado Europa, igualmente, foi ela escrita de forma
Federal; revisar as peças de inquérito policial e de solene pelo artigo 168 da Declaração dos Di-
termo circunstanciado antes do seu envio ao Poder reitos do Homem e do Cidadão, que alçou
Judiciário; acompanhar o cumprimento dos mandados a separação de poderes como pressuposto
de prisão, de busca e apreensão, as conduções coerciti-
vas, escolta de presos e de depoentes das Comissões;
da própria ideia de constituição.
elaborar pareceres e estudos jurídicos, bem como se
manifestar, quando solicitado, em processos afetos 7
No original: “Pour qu’on ne puisse abuser du
às competências da Secretaria de Polícia do Senado pouvoir, il faut, que, par la disposition des choses, le
Federal; realizar pesquisas e prestar o apoio técnico pouvoir arrête le pouvoir” (Montesquieu, 2004).
necessário ao desenvolvimento dos trabalhos de as- 8
Artigo 16: “Toda sociedade na qual não há ga-
sessoramento jurídico da Secretaria e de seus órgãos rantia dos direitos nem é determinada a separação de
subordinados; coordenar os trabalhos dos serviços poderes não possui constituição”. No original: “Toute
diretamente subordinados; dar cumprimento às deter- société dans laquelle la garantie des droits n’est pas
minações do Diretor da Secretaria de Polícia do Senado assurée ni la séparation des pouvoirs déterminée n’a
Federal e executar outras tarefas correlatas. pas de constitution”.

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No Brasil, em que pese a Constituição oportunidade de ação, sem interfe-
Imperial de 1824 ter trazido algumas ex- rência ou imposição de outro poder,
pressões do princípio da separação das fun- com o limite ditado tão-somente pela
ções de poder, só foi ele definitivamente po- Constituição).”
sitivado de forma expressa na Constituição Conforme a referida autora, buscou-se
Republicana de 18919. Tal princípio, desde consubstanciar a independência de cada
então, assim tem sido sistematicamente órgão de poder com base nas chamadas
reproduzido nas constituições posteriores, cláusulas de indelegabilidade e de inacu-
estando veiculado no texto de 1988 de for- mulabilidade. Em outras palavras, o órgão
ma explícita nos artigos 2o e 60, § 4o 10. detentor das funções de poder específicas
A partir disso, impõe-se analisar qual o não poderia delegá-las inteiramente a
alcance e o conteúdo do princípio da sepa- outro, sob pena de subverter a repartição
ração das funções de poder na Constituição constitucionalmente formulada, desesta-
de 1988, de modo a bem posicionar o objeto bilizando o sistema. Igualmente, do outro
do presente estudo. lado da moeda, a cláusula de inacumulabi-
lidade veda a concentração de mais de uma
2.2.2. A separação das funções de
função típica em um mesmo poder.
poder na Constituição de 1988
No entanto, é de se ver que tal separação
A Constituição de 1988 consagrou a das funções de poder não é absoluta, e nem
independência entre os Poderes como mesmo Montesquieu assim a idealizou
princípio fundamental da República, in- em sua obra, visto que isso implicaria um
suscetível de ser derrogado por emenda, engessamento que, em vez de depurar
visto que constitui cláusula pétrea. Sobre o exercício do poder, prejudicar-lhe-ia a
tal aspecto, relevante é a lição de Anna efetividade. Se assim fosse, ter-se-ia uma
Cândida da Cunha Ferraz (1994, p. 19), que paralisação do exercício do poder, tornando
assim descreve tal fenômeno: a constituição um “monstro ingovernável”,
“A independência entre os poderes como se referiu o próprio Montesquieu à
concretiza-se por intermédio de uma Carta francesa de 1791 (Cf. FERRAZ, 1994,
formação independente (cada ramo p. 18). Daí a própria Constituição consignar
de poder se estabelece sem interfe- que os poderes não são apenas indepen-
rência do outro ramo, por exemplo, dentes, mas também “harmônicos”, que
mediante eleições próprias e indepen- interagem e se relacionam no desenrolar
dentes), de uma organização e estru- da atividade estatal. Nesse sentido, inte-
turação interna básica independente, ressante é a constatação de Fabrício Juliano
de um mínimo de competências Mendes Medeiros (2008, p. 202), que assim
próprias e exclusivas ou privativas, escreve:
de condições que permitam atuação “(...) a Constituição de 1988 insti-
e funcionamento independentes ou tucionalizou um marcante sistema
autônomos, e de discricionariedade de controle recíproco, a significar,
no uso de suas faculdades próprias portanto, que a separação de Poderes,
(escolha de meios e definição de no Brasil, apresenta um arranjo entre
poderes permeado de contundentes
9
Art 15 – São órgãos da soberania nacional o Poder
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e mecanismos de mútua fiscalização”.
independentes entre si. Por essa razão, pode-se encontrar no tex-
10
Art. 2o São Poderes da União, independentes to constitucional uma série de “exceções” à
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
separação das funções de poder, que têm
Judiciário. Art. 60, § 4o – Não será objeto de delibera-
ção a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III – a justamente a função de instrumentalizar o
separação dos Poderes. controle recíproco e sistema de checks and

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balances. Isso se pode ver na possibilidade contrapesos’ admissíveis na estrutu-
de o Poder Executivo adotar medidas pro- ração das unidades federadas, sobre
visórias com força de lei (art. 62), na pos- constituírem matéria constitucional
sibilidade de o Legislativo exercer funções local, só se legitimam na medida em
de investigação próprias das autoridades que guardem estreita similaridade
judiciais, por intermédio das CPIs (art. 58, com os previstos na Constituição da
§ 3o) e na atribuição que tem o Judiciário República: precedentes. Conseqüente
de controlar a constitucionalidade das leis plausibilidade da alegação de ofensa
e mesmo de editar súmulas vinculantes. do princípio fundamental por dispo-
Além dessas situações, podem ainda ser sitivos da Lei estadual 11.075/98-RS
elencadas a hipótese de serem julgados os (inc. IX do art. 2o e arts. 33 e 34), que
membros do Legislativo pelo Judiciário, confiam a organismos burocráticos
a possibilidade de que o Executivo possa de segundo e terceiro graus do Poder
interferir na atividade legislativa, por meio Executivo a função de ditar parâme-
do veto, ou mesmo a faculdade da edição de tros e avaliações do funcionamento
legislação que afete diretamente a atividade da Justiça (...).”
jurisdicional. Diante desse quadro, resta delimitar as
No entanto, é de se ver que eventuais peculiaridades e prerrogativas do Poder
exceções a esse sistema de independência Legislativo no exercício de sua atividade
e harmonia só poderão ser veiculadas pela típica.
própria Constituição, não se podendo por
qualquer outro meio alterar tal conforma- 2.2.3. Prerrogativas no exercício do
ção constitucional, sob pena de afronta ao Poder Legislativo: a incolumidade da
princípio em comento. A respeito disso, Casa congressual
por diversas vezes já foram consideradas A atividade legislativa teve, por parte
inconstitucionais leis que criavam ingerên- da teoria da separação de poderes, peculiar
cias de um poder sobre outro sem previsão atenção, especialmente no que toca a sua
constitucional11. segregação da atividade executiva, uma
Sobre o tema, veja-se importante pre- vez que o abuso e o arbítrio muitas vezes
cedente do Supremo Tribunal Federal, no eram propiciados pela concentração de tais
qual se consideraram inconstitucionais atividades num só órgão. Além disso, como
exceções à separação de poderes constantes adverte Ackerman (2009, p. 66), quanto
de constituição estadual que não tinham mais os representantes eleitos se dedica-
lastro na Constituição da República12: rem à implementação das leis, menos se
“Separação e independência dos dedicarão à função legislativa, única que
Poderes: freios e contrapesos: parâ- pode legitimamente “decodificar os valores
metros federais impostos ao Estado- básicos de uma sociedade”.
Membro. Os mecanismos de controle Assim, a par da vedação que lhe foi
recíproco entre os Poderes, os ‘freios e oposta em relação à execução de suas leis,
as Constituições modernas têm conferido
11
Veja-se, por exemplo, a inconstitucionalidade uma série de prerrogativas à atividade
da previsão da Lei de Responsabilidade Fiscal que
permitia ao Poder Executivo limitar os valores finan-
legislativa, de modo a evitar indevidas in-
ceiros dos demais Poderes, em caso de dissonância gerências de outros Poderes que lhe retirem
com a LDO (ADI 2238 MC, Relator Min. ILMAR a independência. Como exemplo disso,
GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 9/08/2007, têm-se as prerrogativas que possuem os
DJe-172 DIVULG 11-09-2008 PUBLIC 12-09-2008
EMENT VOL-02332-01 P. 24).
parlamentares no exercício de seu mandato,
12
ADI 1.905-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, consubstanciadas pelas denominadas imu-
julgamento em 19-11-98, Plenário, DJ de 5-11-04. nidades formais e materiais, que preveem

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regras quanto à prisão, competência para exterior. Tal realidade, diga-se, consta não
julgamento e impossibilidade jurídica de só de normas expressas, mas decorre de
imputação penal por crimes de opinião no uma interpretação sistemática do texto
exercício do mandato. constitucional, considerando a sua unidade
Sobre as imunidades parlamentares, teleológica.
relevante é a lição de Carlos Maximiliano O primeiro aspecto que denota essa
(apud ALEIXO, 1961, p. 25), que assim circunstância é o fato de que, para aferir-se
escreve: a incidência ou não da imunidade material
“A imunidade não é privilégio in- de que gozam os parlamentares, a Juris-
compatível com o regime igualitário prudência do Supremo Tribunal Federal
em vigor, nem direito subjetivo ou assentou uma espécie de presunção ab-
pessoal; é prerrogativa universal- soluta para os atos proferidos no interior
mente aceita por motivos de ordem da Casa, presumindo-se jure et de jure que
superior, ligados intimamente às todos eles sejam correlacionados com o
exigências primordiais do sistema exercício do mandato. Assim, somente no
representativo e ao jogo normal das caso dos atos proferidos fora dela é que
instituições nos governos constitu- caberia analisar se eles seriam conexos ou
cionais; relaciona-se com a própria não com a atividade parlamentar. Como
economia da divisão dos poderes, exemplo, confira-se a ementa do seguinte
assegurando a liberdade e a inde- julgado14, com os grifos que se fazem:
pendência do Legislativo; sanciona o “A palavra ‘inviolabilidade’ significa
direito impreterível que tem a nação intocabilidade, intangibilidade do
de manifestar a própria vontade pelo parlamentar quanto ao cometimento
órgão dos seus mandatários, não de crime ou contravenção. Tal in-
deixando estes à mercê de agentes do violabilidade é de natureza material
Judiciário que às vezes não passam de e decorre da função parlamentar,
instrumentos do Executivo”. porque em jogo a representatividade
Em relação a tal aspecto, é de se ver que do povo. O art. 53 da Constituição
as prerrogativas parlamentares estão inti- Federal, com a redação da Emenda
mamente ligadas ao conceito de “Casa Le- no 35, não reeditou a ressalva quanto
gislativa”, ou seja, ao local onde a atividade aos crimes contra a honra, prevista no
legislativa é solenemente desempenhada. art. 32 da Emenda Constitucional no
Tal fenômeno tem antigas raízes, como se 1, de 1969. Assim, é de se distinguir
pode ver no Bill of Rights, de 1689, o qual as situações em que as supostas ofen-
previu que “a liberdade dos discursos e sas são proferidas dentro e fora do
debates ou procedimentos no Parlamento Parlamento. Somente nessas últimas
não devem ser impedidos ou questionados ofensas irrogadas fora do Parlamento
em nenhuma Corte ou lugar que não seja o é de se perquirir da chamada ‘cone-
próprio Parlamento”13. xão como exercício do mandato ou
Nesse particular, é de se ver que o com a condição parlamentar’ (INQ
sistema da Constituição de 1988 albergou 390 e 1.710). Para os pronunciamentos
tal “sacralidade” do locus legislativo, ao feitos no interior das Casas Legislativas
fazer uma nítida distinção entre o espaço não cabe indagar sobre o conteúdo das
intra muros do Congresso Nacional e o seu
14
Inq 1958, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO,
No original: “the freedom of speech and de-
13 Relator(a) p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO, Tri-
bates or proceedings in Parliament ought not to be bunal Pleno, julgado em 29/10/2003, DJ 18-02-2005
impeached or questioned in any court or place out PP-00006 EMENT VOL-02180-01 PP-00068 RTJ VOL-
of Parliament”. 00194-01 PP-00056.

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ofensas ou a conexão com o mandato, conceitos do termo “polícia”, de modo a
dado que acobertadas com o manto da poder-se analisar seu exercício por parte
inviolabilidade. (...)” da Polícia Legislativa.
Igualmente, outras expressões que
denotam a especialidade da Casa do Par- 2.3. Os conceitos de polícia judiciária, polícia
lamento são aquelas atinentes ao estado administrativa e polícia investigativa
de sítio, demonstrando a preocupação do A palavra “polícia” está longe de ser
legislador constituinte com os momentos um termo inequívoco, uma vez que perfaz
de crise institucional, nos quais, em diver- um gênero do qual podem ser extraídas
sas oportunidades da história recente do diversas acepções. Assim, para identificar a
Brasil, o Congresso Nacional foi sumaria- que atividades ou atribuições ela se refere, é
mente fechado. Veja-se, como exemplo, a quase que indispensável acrescer-lhe algum
norma constante do parágrafo único do adjetivo que a especifique, fazendo-se re-
art. 139, que prevê que eventuais restrições ferência à polícia “administrativa”, polícia
às comunicações não se aplicam aos pro- “judiciária”, polícia “investigativa” etc.
nunciamentos de parlamentares feitos no No tocante à polícia administrativa,
interior de suas Casas Legislativas15. Além Maria Sylvia di Pietro (2004, p. 112),
disso, tem-se a norma que prevê que as seguindo o entendimento de Álvaro La-
imunidades parlamentares, no estado de zzarini, distingue-a da polícia judiciária,
sítio, só poderão ser suspensas em relação referindo que “a linha de diferenciação
a atos praticados “fora do recinto do Con- está na ocorrência ou não de ilícito penal”.
gresso Nacional”, como prevê o parágrafo “Com efeito”, continua a autora, “quando
oitavo do art. 53, incluído pela Emenda atua na área do ilícito puramente adminis-
Constitucional no 35, de 200116. trativo (preventiva ou repressivamente), a
Por fim, outro aspecto relevante em re- polícia é administrativa. Quando o ilícito
lação ao espaço do Poder Legislativo pode penal é praticado, é a polícia judiciária
ser vislumbrado na competência exclusiva que age”. Além disso, costuma-se referir
que tem o Congresso Nacional para “mu- que, enquanto a polícia administrativa
dar temporariamente sua sede”, conforme atua sobre bens, direitos ou atividades, a
previsão do art. 49, VI, da Constituição da polícia judiciária atua sobre pessoas, ou
República. seja, aqueles que podem ser sujeitos ativos
Estabelecida a relevância do espaço de ilícito penal (Cf. CARVALHO FILHO,
atinente à “Casa Legislativa”, impõe-se, 2008, p. 75).
no próximo tópico, delimitar os diversos Outro aspecto relevante para a dife-
renciação, igualmente, é que a polícia ju-
15
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado diciária é ordinariamente titularizada por
com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas órgãos específicos, como as polícias civis
contra as pessoas as seguintes medidas: (...) III – restri-
ções relativas à inviolabilidade da correspondência, ao
dos estados e do DF, a Polícia Federal, as
sigilo das comunicações, à prestação de informações e polícias legislativas. A polícia adminis-
à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na trativa, de outra parte, é desempenhada
forma da lei; (...) Parágrafo único. Não se inclui nas por diversos órgãos da Administração, de
restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos
de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas,
maneira difusa.
desde que liberada pela respectiva Mesa. Feita essa diferenciação, torna-se claro
16
Art. 53, § 8o As imunidades de Deputados ou que o conceito de polícia administrativa
Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só não se confunde com a polícia judiciária,
podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços
dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos pra-
visto que possuem objetos e fundamentos
ticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam distintos que lastreiam a sua atuação. No
incompatíveis com a execução da medida. entanto, embora a distinção feita restrinja

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o conceito de polícia judiciária, é de se ver tinção com a redação do parágrafo quarto
que ainda assim ele não pode ser consi- do artigo acima transcrito, o qual assim
derado unívoco, uma vez que não existe dispõe que “às polícias civis, dirigidas por
consenso a respeito do que ele efetivamente delegados de polícia de carreira, incum-
signifique. bem, ressalvada a competência da União, as
Isso se torna especialmente evidente funções de polícia judiciária e a apuração de
quando se confronta o conceito de polícia infrações penais, exceto as militares”.
judiciária com o de “polícia investigativa”. Ora, se o texto constitucional elenca
Isso porque o art. 4o do Código de Processo duas atribuições diversas, separadas pela
Penal, ao empregar o termo “polícia judi- conjunção “e”, não há como entender-se
ciária”, descreve funções típicas da polícia que o conceito de polícia judiciária envol-
investigativa, nos seguintes termos: veria, naturalmente, a função investigativa.
“Art. 4o A polícia judiciária será exer- Atento a tal particularidade, Denílson
cida pelas autoridades policiais no Feitoza Pacheco (2009, p. 200-201) faz as
território de suas respectivas circuns- seguintes observações:
crições e terá por fim a apuração das “A Constituição Federal utilizou a
infrações penais e da sua autoria”. expressão polícia judiciária no senti-
Ocorre que tal acepção deve ser cote- do original com o qual ingressou em
jada com o que dispõe a Constituição da nosso idioma há mais de cem anos, ou
República, que assim trata da matéria, ao seja, como o órgão que tem o dever
dispor a respeito das atribuições da polícia de auxiliar o Poder Judiciário, cum-
federal: prindo as ordens judiciárias relativas
“Art. 144. (...) à execução de mandado de prisão
§ 1o A polícia federal, instituída por lei ou mandado de busca e apreensão,
como órgão permanente, organizado à condução de presos para oitiva
e mantido pela União e estruturado pelo juiz, à condução coercitiva de
em carreira, destina-se a: (Redação testemunhas etc.
dada pela Emenda Constitucional no Isso fica bastante claro com o § 4o
19, de 1998) do art. 144 da Constituição Federal,
I – apurar infrações penais contra a que diz incumbir às polícias civis,
ordem política e social ou em detri- dirigidas por delegados de polícia de
mento de bens, serviços e interesses carreira, ressalvada a competência da
da União ou de suas entidades au- União, as funções de polícia judiciária
tárquicas e empresas públicas, assim e a apuração de infrações penais, ex-
como outras infrações cuja prática ceto as militares. Portanto, as funções
tenha repercussão interestadual ou de polícia judiciária não se confundem
internacional e exija repressão unifor- com as funções de apuração de infrações
me, segundo se dispuser em lei; penais. Para a Constituição Federal, cujo
(...) texto passou pela revisão gramatical de
IV – exercer, com exclusividade, as fun- um dos maiores especialistas brasileiros
ções de polícia judiciária da União”. de todos os tempos, as duas funções são
Analisando a norma em questão, distintas. Assim (...) podemos distinguir
verifica-se que a Constituição faz uma ní- polícia judiciária, de um lado, e polícia
tida distinção entre a função de apuração investigativa, investigante ou investiga-
de infrações penais e a função de “polícia dora, de outro”.
judiciária”, disciplinando-as em incisos Feita a devida separação conceitual das
distintos do parágrafo primeiro do art. 144. diversas espécies de “polícia”, passa-se
Além disso, torna-se mais evidente a dis- a verificar a constitucionalidade de seu

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desempenho por parte da Polícia Legisla- igualmente entre suas funções precípuas a
tiva, estabelecendo sua abrangência e seus defesa “da lei e da ordem” (art. 142), nem
limites. estão elencadas as polícias legislativas, refe-
ridas expressamente em relação ao Senado
3. Análise da constitucionalidade das (art. 52, XIII), à Câmara de Deputados (art.
51, IV), às Assembleias Legislativas dos
atribuições da Polícia do Senado Federal
Estados (art. 27, § 3o) e à Câmara Legislativa
do DF (art. 32, § 3o).
3.1. Atividades de policiamento, Ademais, é de se ver que a segurança
segurança e inteligência pública é “dever do Estado” e “responsa-
Como se pode ver da referida resolução bilidade de todos”, não havendo qualquer
do Senado Federal, a sua Polícia tem como inconstitucionalidade na criação de outros
atribuições específicas realizar a segurança órgãos estatais destinados a essa finalidade,
do Presidente da Casa, de autoridades bra- desde consentâneos com as demais normas
sileiras e estrangeiras que se encontrem nas constitucionais atinentes.
dependências do Senado e de Senadores Relativamente às atividades de inteli-
em qualquer local do território nacional, gência, é importante referir que elas são
quando determinado pelo Presidente da relacionadas exclusivamente ao âmbito
Casa. Além disso, tem em suas atribuições policial e criminal18, não se relacionando
realizar o policiamento em todo o espaço com aquelas outras que têm como escopo
compreendido nas dependências do Sena- a tomada de decisões governamentais19. A
do, tendo poderes para efetuar revistas, respeito disso, assim escreve Joanisval Brito
praticar atos de inteligência, de registro e Gonçalves (2009, p. 31):
de administração “inerentes à Polícia”. “Portanto, a inteligência tem por
Em realidade, todos esses atos desti- escopo, basicamente, a produção de
nam-se não só à preservação da segurança provas de materialidade e autoria de
pública lato sensu nas dependências da Casa crimes, ou seja, por meio de análise
Legislativa, mas também à preservação da sistemática de informações dispo-
integridade individual do seu Presidente níveis, busca-se a identificação dos
e eventualmente de Senadores, fora dela. criminosos e os aspectos essenciais
Como tais atividades são compreendidas
no gênero “segurança pública”, poder-se- 18
O Manual de Inteligência Policial do Departa-
mento de Polícia Federal define tal atividade como o
ia perquirir se tais atividades poderiam
“conjunto de ações de inteligência policial que em-
ser desempenhadas pela Polícia Judiciária, pregam técnicas especiais de investigação, visando a
uma vez que ela não consta do rol de órgãos confirmar evidências, indícios e obter conhecimentos
elencado no art. 14417 da Constituição. sobre a atuação criminosa dissimulada e complexa,
bem como a identificação de redes e organizações
Tal circunstância, em realidade, de for-
que atuam no crime, de forma a proporcionar um
ma alguma lhe retira a legitimidade para perfeito entendimento sobre seu “modus operandi”,
tais atribuições, dado que o rol do art. 144 ramificações, tendências e alcance de suas condutas
não é exaustivo. Prova disso é que dele criminosas”.
19
Nesse sentido, as atividades de inteligência
não constam as Forças Armadas, que têm
da Polícia Legislativa não se incluem no conceito
trazido pela Lei 9.883/99, que refere no art. 2o, § 2o,
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado,
17
que “entende-se como inteligência a atividade que
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhe-
preservação da ordem pública e da incolumidade das cimentos dentro e fora do território nacional sobre
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: fatos e situações de imediata ou potencial influência
I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III sobre o processo decisório e a ação governamental
– polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – po- e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e
lícias militares e corpos de bombeiros militares. do Estado”.

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da consumação do delito. Há que que “as normas constitucionais devem ser
se considerar, ainda, seu caráter vistas não como normas isoladas, mas como
consultivo, ‘quando contribui para preceitos integrados num sistema unitário
elaboração e adoção de medidas ou de regras e princípios, que é instituído na e
políticas de prevenção e combate à pela própria Constituição”. Em realidade,
criminalidade’”. no momento em que é prevista a polícia
Tal atribuição, no entanto, relaciona-se legislativa, expressamente, não há como
apenas com a elucidação e prevenção de cri- entender-se que não lhe sejam também con-
mes ocorridos no âmbito da Casa Legislati- feridas atribuições de polícia judiciária, nos
va, não podendo extrapolar seus limites, sob limites da atuação legislativa que justifica
pena de usurpação da atribuição da Polícia a sua existência.
Federal e dos demais órgãos que realizam Isso porque, como já exposto, o espaço
atos de inteligência no âmbito da União20. físico que constitui a Casa Legislativa é
especialmente resguardado pela Consti-
3.2. Atividades típicas de polícia judiciária tuição, não se podendo considerá-lo como
Feita a distinção entre polícia judiciá- suscetível de quaisquer ingerências que
ria e polícia investigativa, pode-se dizer comprometam e constituam ofensa à in-
que a polícia judiciária tem como objeto dependência inerente a cada poder. Nesse
a realização de todos os atos que sejam sentido, a previsão da existência da Polícia
relacionados à prestação jurisdicional, Legislativa tem justamente como escopo
ressalvados aqueles tipicamente investi- garantir tal prerrogativa, impedindo que
gativos, como já exposto. Dessa forma, o outras polícias, vinculadas a outros Pode-
cumprimento de mandados, a realização res, possam irrestritamente adentrar no
de medidas de prisão, busca e apreensão, espaço do Poder Legislativo.
condução, bem como outras correlatas são Em outras palavras, não se quer dizer
providências que guardam tipicidade de que o espaço das dependências do Poder
polícia judiciária, cabendo perquirir-se a Legislativo goze de uma espécie de imuni-
constitucionalidade de seu desempenho dade à atuação de outros Poderes, especial-
por parte da Polícia Legislativa, bem como mente o Judiciário, como se não se pudes-
os seus limites e condições de atuação. sem nele cumprir ordens judiciais. O que se
A respeito da segurança pública no quer ressaltar é que as ordens judiciais só
âmbito da União, a Constituição prevê podem ser cumpridas nas dependências do
que a Polícia Federal destina-se a “exercer, Senado Federal pela Polícia Legislativa, de
com exclusividade, as funções de polícia forma privativa. Diz-se privativa, mas não
judiciária” (art. 144, § 1o, IV). Diante disso, exclusiva, uma vez que é possível o acesso
poder-se-ia, numa leitura apressada, ser de outros órgãos policiais mediante requi-
considerada inconstitucional qualquer atu- sição ou prévia autorização da presidência
ação da Polícia Legislativa nesse sentido. da Casa, de forma excepcional.
Ocorre que tal norma não pode ser in- Ressalte-se, contudo, que essa prer-
terpretada de maneira pontual e estreita, rogativa não significa a adoção de uma
desconsiderando todo o conjunto norma- separação absoluta das funções de poder,
tivo que é instituído pela Constituição. a significar que a independência entre os
O princípio hermenêutico da unidade da Poderes pressuporia uma total impossibi-
Constituição, conforme ressalta Inocêncio lidade de atuação de um sobre o outro. Em
Coelho (MENDES, 2008, p. 114), apregoa verdade, como já visto, o “sistema de freios
e contrapesos” traz saudáveis exceções à in-
Observe-se o rol constante do art. 4o do Decreto
20 dependência dos poderes, que possibilitam
Federal 4.376/02. uma melhor governabilidade e o exercício

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mais racional do poder estatal. Contudo, as ral, e atribuiu a ele a criação de sua polícia,
situações de exceção à independência dos é inerente a esse poder que a ele sejam
poderes devem obrigatoriamente estar em outorgados os fins exclusivos de constituir
consonância com o ordenamento constitu- polícia judiciária, a instrumentalizar even-
cional, que estabelece o molde institucional tuais ordens judiciais no âmbito do Poder
que baliza o funcionamento do Estado. Legislativo.
Dito isso, e tendo em mente as prerro- A par disso, voltando os olhos para os
gativas de independência do Poder Legis- outros Poderes da União, é de se ver que o
lativo, não parece que a Constituição as Regimento Interno do Supremo Tribunal
tenha excepcionado, permitindo que outros Federal traz disposição que segue a mesma
poderes possam livremente adentrar no finalidade, nos seguintes termos:
espaço reservado à Casa Legislativa, ainda “Art. 42. O Presidente responde pela
que para o cumprimento da lei em sentido polícia do Tribunal. No exercício
amplo. Em realidade, se a Constituição dessa atribuição pode requisitar o
atribuiu ao Poder Legislativo, em caráter auxílio de outras autoridades, quan-
exclusivo, a criação de sua polícia, é implí- do necessário”.
cito que ela terá funções condizentes com Analisando a norma referida, observa-se
a garantia da independência dos poderes. que ela implicitamente estabelece vedação
Do contrário, ter-se-ia a Polícia Legislativa a que outras autoridades diversas da Polí-
como mero serviço de segurança, o qual, cia do STF exerçam atividades no âmbito
diga-se, prescinde inclusive de ser desem- dessa Corte. Isso porque, se o Presidente
penhado por agentes estatais, podendo ser responde pela polícia da Casa, podendo
objeto de contratos administrativos com requisitar o auxílio de outras autoridades,
particulares, o que não parece ter sido o isso significa que tais autoridades não po-
espírito do legislador constituinte. deriam, em regra, agir de ofício, sem o seu
Vale aqui, a respeito do tema, relembrar consentimento.
a teoria dos poderes implícitos, expressa de No âmbito internacional, embora a
forma célebre pelo Chief Justice Marshall no comparação constitucional não possa ser
caso McCulloch vs. Maryland, no qual se considerada exatamente como um método
reconheceu que, se a Constituição atribui os hermenêutico (Cf. MENDES, 2008, p. 109), é
poderes, os meios para seu exercício lhe são interessante vislumbrar que essa prerroga-
inerentes. Nas palavras do julgador, “se os tiva de independência do espaço físico da
fins são legítimos, se estão de acordo com Casa Legislativa é referido expressamente
o escopo da constituição, e todos os meios pela Lei Fundamental alemã, de 1949. Em-
são apropriados e adaptados a esse fim, bora seja ela silente a respeito do Bundesrat
não sendo proibidos, mas condizentes com (órgão semelhante ao Senado Federal), há
a letra e o espírito da constituição, são eles expressa previsão de que o Presidente do
constitucionais”21 (FISHER, 2007, p. 318). Bundestag (análogo à Câmara dos Depu-
Assim, se a Constituição estabeleceu tados) “exerce os poderes de gestão e de
como primado a independência do Poder polícia” em seu edifício, sendo, sem sua
Legislativo, que engloba a incolumidade autorização, “vedada qualquer investiga-
das dependências da Casa do Senado Fede- ção, prisão ou busca e apreensão” no seu
espaço22.
21
No original: “Let the end be legitimate, let it be
within the scope of the constitution, and all means 22
Art. 40 (…) (2) O Presidente exerce os poderes de
which are appropriate, which are plainly adapted to gestão e de polícia no edifício do Bundestag. Sem sua
that end, which are not prohibited, but consist with autorização, é vedada qualquer investigação, prisão
the letter and spirit of the constitution, are constitu- ou busca e apreensão no espaço do Bundestag. No
tional”. original: “(2) Der Präsident übt das Hausrecht und

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Como se pode verificar, o ordenamento do acusado e a realização do inqué-
constitucional alemão é claro em vedar rito”.
qualquer ingerência alheia no espaço físico O fato em questão foi o homicídio pra-
da Casa Legislativa, sem o consentimento ticado pelo então Senador Arnon de Mello
do seu presidente. Em realidade, embora (pai do atual Senador Fernando Collor de
a Constituição de 1988 não traga regra Mello) contra o Senador José Kairala, no
expressa semelhante, a ratio que inspira próprio plenário, em 5/12/1963. O alvo era
ambos os textos nesse particular é a mesma. o Senador Silvestre Péricles, seu desafeto
Ainda que se possam considerar diferenças político em Alagoas, o qual igualmente
no sistema de divisão de poderes dos dois sacou uma arma e tentou disparar contra
países, especialmente no que tange ao o Senador Arnon de Mello.
sistema de governo, a preocupação com a No relatório do HC 4038223, o Relator,
independência e intangibilidade da ativi- Min. VICTOR NUNES, assim escreve a
dade legislativa possui o mesmo caráter, respeito dos fatos, segundo os depoimentos
permitindo a mesma leitura da Constitui- testemunhais:
ção brasileira de 1988. “(...) que o Senador Arnon de Mello,
ao iniciar o seu discurso, em resposta
3.3. Atividades de investigação e a outro que há meses fizera o Senador
inquérito policial Silvestre Péricles, pediu licença ao
Assentado que não há qualquer restri- Presidente para falar voltado para
ção a que a Polícia Legislativa desempenhe o seu adversário, e não para a Mesa,
funções de polícia judiciária, resta verificar porque ele ameaçara matá-lo naquela
se o seu desempenho de funções de polícia oportunidade. O Senador Silvestre
investigativa guarda consonância com a Péricles levantou-se, encaminhou-
Constituição, fazendo-se antes uma breve se para o orador de dedo em riste
análise de importante leading case do STF a e proferiu insulto: ‘Crápula!’. O
respeito do tema. Senador Arnon de Mello, imediata-
mente, sacou a arma e a disparou
3.3.1. O enunciado da Súmula no 397 por mais de uma vez. O Senador
e o leading case do Supremo Tribunal Silvestre Péricles protegeu-se entre as
Federal a respeito do poder de polícia cadeiras, deslizou para um local mais
no âmbito do Legislativo favorável e apontou seu revólver na
O enunciado n o 397 da Súmula do direção do Senador Arnon de Mello.
Supremo Tribunal Federal trata especifi- Foi então desarmado pelo Senador
camente do poder de polícia das Casas do João Agripino, que teve o dedo ferido
Congresso Nacional, tendo sido redigido pelo percussor do revólver, quando
nos seguintes termos, a partir de julga- procurava arrebatá-lo.”
mentos envolvendo crime ocorrido nas Nesse habeas corpus, bem como nos de
dependências do Senado Federal: número 40398 e 40400, todos impetrados
“O poder de polícia da Câmara dos em favor do Senador Silvestre Péricles,
Deputados e do Senado Federal, em sustenta-se que teria havido nulidade da
caso de crime cometido nas suas de- lavratura de auto em flagrante, bem como
pendências, compreende, consoante das diligências investigativas tomadas pelo
o regimento, a prisão em flagrante Senado Federal a respeito do caso, por não
terem as Casas do Congresso atribuição
die Polizeigewalt im Gebäude des Bundestages aus. para tanto.
Ohne seine Genehmigung darf in den Räumen des
Bundestages keine Durchsuchung oder Beschlag- 23
Tribunal pleno, julgado em 11/12/1963, DJ
nahme stattfinden.” 13-08-1964.

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No entanto, tais argumentos foram re- (...)
jeitados, por entender-se que as Casas do Não podia, realmente, o poder de polícia
Congresso, no momento em que gozavam das Casas do Congresso ficar adstrito ao
da prerrogativa de disporem sobre sua po- exercício, propriamente, da função par-
lícia, teriam também poderes para instaurar lamentar. Esta é uma prerrogativa que
inquéritos e efetuar diligências semelhantes resguarda o poder legislativo, de qualquer
àquelas da polícia judiciária, nos limites de atentado, em nome de sua independência,
suas dependências. Nesse sentido, merece garantida pela Constituição Federal.
transcrição o voto do Ministro Victor Nu- Segundo essa tradição, o regimento
nes, proferido no HC 4039824, o qual assim interno do Senado e o da Câmara dos
expôs a questão: Deputados, em nosso país, disciplina
“O que então alegou o impetrante, o modo de proceder da Mesa em tais
como hoje repetiu, foi que, ordinaria- circunstâncias.”
mente, só a autoridade policial pode Nos mesmos autos, interessante obser-
fazer o inquérito, segundo o art. 304, vação foi feita no parecer do Ministério Pú-
combinado como art. 4o, do Código blico, o qual ressaltou que seria descabido
de Processo Penal. A autoridade ad- que fosse chamada autoridade policial para
ministrativa só terá essa faculdade, decidir a respeito de flagrante de crime ha-
quando deferida por lei, como dispõe vido dentro de uma das Casas do Congresso
o citado art. 4o, parágrafo único. Nacional, referindo não ser o inquérito leva-
Entretanto, o regimento interno das do a cabo pela autoridade policial o único
câmaras legislativas, no que toca à instrumento de instrução criminal:
sua própria polícia, tem força de lei, “(...) seria insólito que se chamasse
pois essa prerrogativa lhes foi atribu- uma autoridade policial para decidir,
ída com caráter de exclusividade pelo no recinto do Senado, numa das Ca-
art. 40 da Constituição. Do mesmo sas de representação nacional, sobre
modo, as resoluções das câmaras o modo de proceder relativamente à
sobre o regime do seu funcionalismo lavratura de flagrantes de senadores.
têm força de lei, e contra elas não se Não se pode recusar à nossa Diretoria
pode opor uma lei geral, por ser ina- do Senado ou da Câmara dos Srs.
tingível, pelo legislador ordinário a Deputados este direito, este dever
prerrogativa que a Constituição con- de lavrar flagrantes, mesmo porque
cedeu a cada uma das Câmaras, isola- o inquérito policial não é o único ins-
damente. Por igual razão, no tocante trumento de instrução criminal.”
ao policiamento interno das Casas do Em que pese a discussão em questão se
Congresso, o regimento tem força de ter travado há mais de 40 anos, o conteúdo
lei formal, porque assim o quis o pró- do enunciado da súmula é plenamente
prio legislador constituinte, zeloso da consentâneo com o ordenamento constitu-
independência dos poderes. cional vigente, não havendo qualquer im-
O ilustre impetrante sustentou, no pedimento a que o Poder Legislativo realize
processo anterior, que o poder de atividades de investigação criminal.
polícia das Casas do Congresso so-
mente alcança os parlamentares no 3.3.2. Da ausência de exclusividade da
que respeita ao desempenho de suas Polícia Federal no exercício da polícia
funções legislativas. investigativa no âmbito da União
24
Relator Min. PEDRO CHAVES, TRIBUNAL
Como já referido, não há na Constituição
PLENO, julgado em 18/03/1964, DJ 02-07-1964 PP- qualquer exclusividade de um órgão no
02133 EMENT VOL-00583-02, p. 816. exercício de atividades investigativas, uma

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vez que as funções de polícia investigativa “Art. 4 o A polícia judiciária será
não se confundem com as de polícia judici- exercida pelas autoridades policiais
ária. Assim, no âmbito da União, a previsão no território de suas respectivas cir-
de “exclusividade” da Polícia Federal se cunscrições e terá por fim a apuração
refere tão somente às atividades de polícia das infrações penais e da sua autoria.
judiciária (art. 144, § 1o, IV), já esmiuçadas. (Redação dada pela Lei no 9.043, de
A respeito disso, interessante trans- 9.5.1995).
crever novamente o posicionamento de Parágrafo único. A competência definida
Denílson Feitoza Pacheco (2009, p. 200-201), neste artigo não excluirá a de autorida-
o qual assim expõe a matéria: des administrativas, a quem por lei seja
“Nessa linha, o inciso IV do § 1o do cometida a mesma função.”
art. 144 da Constituição Federal é de Tal ausência de exclusividade para o
fácil entendimento. A exclusividade exercício de atividades investigativas se
da Polícia Federal é quanto às funções de mostra evidente também na possibilidade
polícia judiciária da União, e não quanto que tem o Ministério Público de fazê-lo,
à apuração de infrações penais, a qual se considerando-se que, se tem ele a atribuição
trata de ente distinto daquelas funções, constitucional de titularizar a ação penal
nos exatos termos constitucionais. Por pública, igualmente são-lhe permitidos os
isso é que as atribuições para apura- meios investigativos. Tal discussão inclu-
ção de infrações penais encontram-se sive já foi objeto de apreciação por parte
nos incisos I e II do mesmo artigo, do Supremo Tribunal Federal, tendo a 2a
sem qualificação de qualquer exclu- Turma asseverado a possibilidade de o
sividade para elas. Aliás, no inciso I, Ministério Público dispensar o inquérito
as funções de apuração podem ser policial e oferecer denúncia com base em
mais reduzidas ainda, pois devem elementos de prova por ele colhidos25:
ser feitas segundo se dispuser em lei, “5. É perfeitamente possível que o
e, no inciso II, ao tratar da prevenção órgão do Ministério Público promova
e da repressão ao tráfico ilícito de a colheita de determinados elementos
entorpecentes e drogas afins, ao con- de prova que demonstrem a existên-
trabando e ao descaminho, frisa-se cia da autoria e da materialidade de
que isso deve ser feito sem prejuízo determinado delito. Tal conclusão
da ação fazendária e de outros órgãos não significa retirar da Polícia Judici-
públicos nas respectivas áreas de ária as atribuições previstas constitu-
competência”. cionalmente, mas apenas harmonizar
Corroborando tal aspecto, é de se ver as normas constitucionais (arts. 129 e
que o parágrafo único do art. 4o do Código 144) de modo a compatibilizá-las para
de Processo Penal é expresso em asseverar permitir não apenas a correta e regu-
que a atribuição de “apuração das infrações lar apuração dos fatos supostamente
penais e da sua autoria”, afeta, segundo a delituosos, mas também a formação
norma, à “polícia judiciária”, não exclui o da opinio delicti.
seu desempenho por outras autoridades, 6. O art. 129, inciso I, da Constituição
desde que haja previsão legal. Em que pese Federal, atribui ao parquet a privati-
a confusão já apontada que o referido artigo vidade na promoção da ação penal
faz entre polícia judiciária e investigativa,
pode-se inferir que a norma deixa claro que 25
HC 91661, Relatora: Min. ELLEN GRACIE,
Segunda Turma, julgado em 10/03/2009, DJe-064
a ausência de exclusividade se refere às DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT
atividades de investigação, nos seguintes VOL-02355-02 PP-00279 RMDPPP v. 5, n. 29, 2009,
termos: p. 103-109.

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pública. Do seu turno, o Código de referido Regimento Interno do Supremo
Processo Penal estabelece que o in- Tribunal Federal, o qual prevê a instauração
quérito policial é dispensável, já que de inquérito, pelo Presidente, para o caso de
o Ministério Público pode embasar infrações penais cometidas nas dependên-
seu pedido em peças de informação cias do Tribunal, nos seguintes termos:
que concretizem justa causa para a “Art. 43. Ocorrendo infração à lei
denúncia. penal na sede ou dependência do
7. Ora, é princípio basilar da herme- Tribunal, o Presidente instaurará
nêutica constitucional o dos ‘poderes inquérito, se envolver autoridade
implícitos’, segundo o qual, quando ou pessoa sujeita à sua jurisdição,
a Constituição Federal concede os ou delegará esta atribuição a outro
fins, dá os meios. Se a atividade fim Ministro.
– promoção da ação penal pública – § 1o Nos demais casos, o Presidente
foi outorgada ao parquet em foro de poderá proceder na forma deste
privatividade, não se concebe como artigo ou requisitar a instauração de
não lhe oportunizar a colheita de pro- inquérito à autoridade competente.
va para tanto, já que o CPP autoriza § 2o O Ministro incumbido do in-
que ‘peças de informação’ embasem quérito designará escrivão dentre os
a denúncia. servidores do Tribunal.”
(...)” Observe-se que a norma transcrita per-
Assim, o que se pode ver é que o exer- mite a abertura de inquérito para qualquer
cício de atividades investigativas é prerro- fato havido nas dependências da Corte, não
gativa que sobressai da Constituição não só nos casos em que eventual infração penal
só para órgãos policiais típicos, vinculados tenha sido cometida por pessoa sujeita à
ao Poder Executivo, mas também a outros competência criminal do STF. Há, apenas,
órgãos, como decorrência da teoria dos a faculdade de que o Presidente requisite
poderes implícitos, já referida. Mais uma à autoridade competente a instauração
vez se ressalta que, se a Constituição prevê de inquérito. Em qualquer caso, contudo,
a Polícia Legislativa, não há como entender- resta evidente que não se poderá alijar a
se que ela seja completamente alijada de possibilidade de que a própria Corte leve
atividades investigativas, nos limites dos a cabo investigações criminais.
fundamentos que legitimam a sua existên- Igualmente, é de se observar que o regi-
cia, como adiante melhor se exporá. mento interno da Câmara dos Deputados
Em realidade, a possibilidade de cada (Res. 17/89), ao tratar da Polícia Legislativa,
Poder ter atribuição de realizar atos inves- prevê a sua possibilidade de instauração
tigatórios, inclusive no âmbito criminal, de inquéritos, disciplinando a questão nos
decorre da estrutura de independência e seguintes termos:
autonomia prevista no sistema de divisão “Art. 269. Quando, nos edifícios da
das funções de poder. Não fosse assim, os Câmara, for cometido algum delito,
poderes Legislativo e Judiciário ficariam instaurar-se-á inquérito a ser presidi-
subordinados, nesse ponto, à atividade do pelo diretor de serviços de segu-
investigativa do Executivo, que seria o rança ou, se o indiciado ou o preso for
único legitimado à realização de atos in- membro da Casa, pelo Corregedor ou
vestigativos. Esse, sem dúvida, não parece Corregedor substituto.
ser o norte indicado pela Constituição da § 1o Serão observados, no inquérito, o
República. Código de Processo Penal e os regula-
Decorrência do que se afirma, nesse mentos policiais do Distrito Federal,
sentido, pode ser vista mais uma vez no já no que lhe forem aplicáveis.

348 Revista de Informação Legislativa

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§ 2o A Câmara poderá solicitar a co- de informações a respeito daquilo sobre o
operação técnica de órgãos policiais que recairá a norma a ser produzida. Nesse
especializados ou requisitar servido- sentido, em célebre decisão, a Suprema
res de seus quadros para auxiliar na Corte americana já decidiu que um corpo
realização do inquérito. legislativo “não pode legislar sábia ou
§ 3o Servirá de escrivão funcionário efetivamente sem informação a respeito
estável da Câmara, designado pela dos elementos que a legislação é voltada a
autoridade que presidir o inquérito. afetar ou modificar”26. Interessante notar
§ 4o O inquérito será enviado, após a que essa Corte inclusive já reconheceu a
sua conclusão, à autoridade judiciária existência de poderes não só investigativos
competente. do Parlamento, mas também punitivos, por
§ 5o Em caso de flagrante de crime atos atentatórios a tal exercício, no chamado
inafiançável, realizar-se-á a prisão do atempt of court27.
agente da infração, que será entregue No âmbito nacional, embora não se
com o auto respectivo à autoridade tenha albergado o poder punitivo nos
judicial competente, ou, no caso de termos preconizados pela Suprema Corte
parlamentar, ao Presidente da Câma- americana, a possibilidade de investigação
ra, atendendo-se, nesta hipótese, ao por parte do Poder Legislativo é uma reali-
prescrito nos arts. 250 e 251”. dade que remonta à constituição imperial,
Vista a possibilidade do exercício de que previa caber exclusivamente ao Senado
atividade investigativa por parte da Polícia investigar a respeito de crimes cometidos
Legislativa, impõe-se diferenciá-la daquela por membros da família real, Ministros de
realizada por comissões parlamentares de Estado e outras autoridades28.
inquérito, de modo a bem delimitar o seu No entanto, foi na Constituição de
objeto. 1934 que tais poderes investigativos foram
ampliados, com a criação das comissões
3.3.3. Diferença entre investigação parlamentares de inquérito, que poderiam
levada a cabo pela Polícia Legislativa e aplicar normas constantes do código de
por Comissão Parlamentar de Inquérito processo penal a serem indicadas no regi-
Para bem situar a questão dos poderes mento interno das Casas29. Embora a Cons-
investigativos da Polícia Legislativa, faz-se tituição de 1937 tenha sido omissa a respeito
necessário estabelecer a sua diferença com do tema, a possibilidade de instauração de
aqueles desempenhados pelos membros CPI foi novamente prevista na Carta de
do Parlamento, por meio das Comissões 1946, sendo reproduzida nas seguintes.
Parlamentares de Inquérito. Como se verá,
uma coisa é a investigação de cunho poli- 26
McGrain v. Daugherty, 273 U.S. 135, 175 (1927).
cial, interna, com finalidade de instrução No original: a legislative body “cannot legislate wisely
or effectively in the absence of information respecting
criminal; outra é aquela desempenhada no the conditions which the legislation is intended do
exercício parlamentar, com aspectos políti- affect or change” (FISHER, 2007, p. 224).
cos e voltada à atividade legislativa. 27
Anderson v. Dunn, 19 U.S. 204 (1821), disponível em:
Em relação à investigação parlamentar, <http://oyez.org/cases/1792-1850/1821/1821_2>.
Acesso em: 21 jun. 2009.
a consideração da existência de poderes 28
Art. 47. É da attribuição exclusiva do Senado: I.
investigativos do Poder Legislativo tem Conhecer dos delictos individuaes, commettidos pelos
origem no direito constitucional inglês, Membros da Familia Imperial, Ministros de Estado,
tendo sido igualmente desenvolvida pela Conselheiros de Estado, e Senadores; e dos delictos
dos Deputados, durante o periodo da Legislatura.
prática republicana norte-americana, na II. Conhecer da responsabilidade dos Secretarios, e
qual se assentou a ideia de que é indispen- Conselheiros de Estado. (...).
sável à atividade legislativa o conhecimento 29
Artigos 36 e 92, § 1o, VI.

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Em relação a tal ponto, a Constituição No tocante ao seu objeto, é de se ver que
de 1988 ampliou os poderes das comissões as Comissões Parlamentares de Inquérito só
parlamentares de inquérito, reforçando podem ser criadas para a apuração de fato
a efetividade do sistema de freios e con- determinado e por prazo certo, devendo
trapesos, ao permitir que o Legislativo igualmente guardar pertinência com a
exerça “poderes de investigação próprios competência legislativa do órgão que a
das autoridades judiciais”. A previsão instaurar. Assim, as CPIs conduzidas pela
constitucional consta do art. 58, § 3o, nos Câmara ou pelo Senado só poderão tratar
seguintes termos: de questões relativas à esfera federal, de
“§ 3o – As comissões parlamentares competência do Congresso Nacional, ao
de inquérito, que terão poderes de in- passo que as CPIs estaduais e municipais
vestigação próprios das autoridades deverão igualmente ater-se aos limites de
judiciais, além de outros previstos suas competências legislativas.
nos regimentos das respectivas Ca- A respeito dessa questão, elucidativo
sas, serão criadas pela Câmara dos foi o voto do Min. Paulo Brossard no julga-
Deputados e pelo Senado Federal, mento do HC 71.03934, o qual assim expôs
em conjunto ou separadamente, me- a matéria:
diante requerimento de um terço de “A possibilidade de criação de CPI se
seus membros, para a apuração de não duvida, nem discute; é tranqüila;
fato determinado e por prazo certo, sobre todo e qualquer assunto? Evi-
sendo suas conclusões, se for o caso, dentemente, não; mas sobre todos os
encaminhadas ao Ministério Público, assuntos de competência da Assem-
para que promova a responsabilidade bléia; assim, Câmara e Senado podem
civil ou criminal dos infratores”. investigar questões relacionadas com
Nesse contexto, o Supremo Tribunal a esfera federal de governo; tudo
Federal já reconheceu às CPIs poderes de quanto o Congresso pode regular,
quebra de sigilo de comunicações telefô- cabe-lhe investigar; segundo Bernard
nicas30, de dados bancários, telemáticos e Schwartz, o poder investigatório do
fiscais31, bem como a possibilidade de me- Congresso se estende a toda a gama
didas de busca e apreensão, ressalvadas as dos interesses nacionais a respeito
questões abrangidas pela chamada “reserva dos quais ele pode legislar, ‘it may
de jurisdição”. Assim, estariam submetidas be employed over the whole range
exclusivamente ao Poder Judiciário ques- of the national interests concerning
tões atinentes à possibilidade de busca e which the Congress may legislate or
apreensão domiciliar e de interceptação decide’ (A Commentary on the Cons-
telefônica32, bem como a decretação de titution of the United States, 1963, I,
indisponibilidade de bens, sendo que esta no 42, p. 126).
última medida já foi inclusive considerada O mesmo vale dizer em relação às
estranha aos poderes investigativos que são CPIs estaduais; seu raio de ação é
próprios das CPIs33. circunscrito aos interesses do estado;
da mesma forma quanto às comissões
30
MS 27.483-REF-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, municipais, que hão de limitar-se às
julgamento em 14-8-08, DJE de 10-10-08.
31
ACO 730, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento
questões de competência do muni-
em 22-9-04, DJ de 11-11-05, MS 24.749, Rel. Min. Marco cípio.”
Aurélio, julgamento em 29-9-04, DJ de 5-11-04.
32
MS 23.652, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 22-11-00, DJ de 16-2-01. 34
Relator Min. PAULO BROSSARD, Tribunal
33
MS 23.480, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julga- Pleno, julgado em 07/04/1994, DJ 06-12-1996 PP-48708
mento em 4-5-00, DJ de 15-9-00. EMENT VOL-01853-02 PP-00278.

350 Revista de Informação Legislativa

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Postos os elementos que constituem atividade profissional, considerando a in-
a essência da investigação parlamentar terpretação do art. 5o, XI, consolidada pela
realizada pelas CPIs, faz-se necessário Jurisprudência do STF35.
demonstrar que ela não se confunde com Sob o ponto de vista formal, diferencia-
a atribuição investigativa que é cometida se a investigação policial daquela parla-
às Polícias Legislativas. mentar no tocante aos requisitos para a
A investigação levada a cabo pela Po- sua instauração, não havendo qualquer
lícia Legislativa não guarda relação direta necessidade de subscrição de parlamen-
com a atividade parlamentar stricto sensu, tares no caso de inquérito realizado pela
destinando-se tão somente à finalidade de Polícia Legislativa. Da mesma forma, há
apurar infrações penais havidas nas depen- diferenças quanto à duração, uma vez que,
dências da Casa Legislativa. Nesse sentido, enquanto na CPI o seu prazo de conclusão
pode-se ver que os fatos investigados pela deve ser previamente fixado, só podendo
Polícia Legislativa não necessitam, de for- ser prorrogado durante a mesma legisla-
ma alguma, guardar relação temática com a tura, o inquérito policial tem prazo fixado
atividade legiferante da Casa da qual fazem por lei para a sua conclusão, na forma das
parte, ao contrário do que ocorre com as disposições do CPP e das normas constan-
CPIs. Como melhor se referirá adiante, a tes de leis especiais36.
investigação policial em questão poderá
inclusive apurar fatos cujo julgamento seja 3.3.4. Limites e âmbito de atribuições
de competência estadual ou distrital, não das investigações levadas a cabo
obstante inserida em Poder da União. pela Polícia Legislativa – questão da
Além disso, do ponto de vista espacial, presidência do inquérito
a Polícia Legislativa não possui atribuição Como já aduzido, a ratio que inspira e
para a investigação de fatos que tenham fundamenta a existência das Polícias Legis-
lugar fora dos limites da Casa Legislativa, lativas, no tocante às funções investigativas,
situação que não ocorre no caso das CPIs, não é propriamente determinada pela
que ficam tão somente limitadas por ques- exclusividade nessa atribuição, mas tão
tões relacionadas à competência legislativa somente pela garantia de independência
do órgão, como visto. e autonomia do Poder Legislativo no de-
No tocante aos poderes específicos sempenho de suas atribuições. Para tanto,
atinentes ao desempenho da função inves- o limite que se deve ter presente, nesse
tigativa, a Polícia Legislativa não goza de particular, é aquele demarcado pelo espaço
quaisquer prerrogativas semelhantes às das físico ocupado por esse Poder37, o qual é
CPIs, uma vez que a ela não se estendem
os poderes “próprios das autoridades judi- 35
HC 93050, Relator: Min. CELSO DE MELLO,
ciais”. Por tal razão, quaisquer atos que se Segunda Turma, julgado em 10/06/2008, DJe-142
DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT
relacionem com medida de quebra de sigilo
VOL-02326-04 PP-700.
bancário, fiscal, telefônico ou telemático 36
Art. 10 do CPP (10 dias, se o investigado estiver
deverão, necessariamente, ser previamente preso/30, se solto), art. 51 da Lei 11.343/06 (30/90
autorizados pela autoridade judiciária com- dias); art. 10, § 1o, da Lei 1.521/51 (10 dias em ambos
os casos) e, na justiça federal, art. 66 da Lei 5.010/66
petente, situação que é dispensada no caso
(15 dias, prorrogáveis por mais 15).
das comissões parlamentares. O mesmo 37
No tocante ao Senado Federal, tais limites são
ocorre, com mais razão, para medidas de definidos pelo Art. 1o do Ato 30/2002 da Comissão
interceptação telefônica e busca e apreen- Diretora da Casa: Art. 1o – O Complexo Arquitetônico
do Senado Federal compreende: I – os espaços físicos
são, inclusive domiciliares, aqui incluídos
localizados na Praça dos Três Poderes e adjacências,
no conceito de “casa” os espaços privados destinados ao funcionamento da Casa; II – os imóveis
não abertos ao público, onde alguém exerce transferidos para a União por força da Lei no 9.506, de

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especialmente tutelado pela Constituição sentido, embora esteja ela inserida no âm-
da República, tema que já foi devidamente bito da União, não existe qualquer impe-
abordado. dimento a que ela promova investigações
Diante disso, pode-se constatar que não que tenham como objeto eventuais ilícitos
há exclusividade da Polícia Legislativa na cujo processo seja de competência estadual
condução de atos investigativos atinentes ou distrital, compreendida aí a atribuição
a fatos havidos no interior do Senado Fe- para investigar, inclusive, por hipótese,
deral. Nada impede que outras polícias infrações penais militares, falimentares,
– o Departamento de Polícia Federal ou ambientais etc.
a Polícia Civil, por exemplo – instaurem Isso porque as outras polícias não
inquéritos policiais relativos a tais fatos, poderão, livremente, adentrar nas depen-
podendo inquirir testemunhas, realizar dências do Senado Federal para realizar
perícias e todos os atos que sejam neces- atos investigativos, impondo-se, nesse
sários, desde que o façam extra muros, sob caso, a atribuição de tais medidas à Polícia
pena de invasão da esfera de incolumidade Legislativa, que remeterá peças de inqué-
do espaço legislativo. Ressalva-se que tais rito e formulará requerimentos à justiça
autoridades só poderão adentrar para in- competente para o julgamento do ilícito
vestigar no interior da Casa Legislativa em que se apura.
casos excepcionais, por requisição ou com Quanto à prerrogativa para a instau-
autorização de sua Presidência. ração de inquérito, e sua presidência, é
Em outras palavras, a atribuição da Po- relevante analisar o posicionamento do
lícia Legislativa, quanto aos fatos havidos Ministério Público Federal exarado nos
no interior da Casa Congressual, é privativa autos do Inquérito no 2006.34.00.007627-8
– e não exclusiva. Isso porque ela poderá (12 a Vara Federal do DF), da lavra do
ser excepcionada, desde que a Presidência Procurador da República José Robalinho
da Casa, ou qualquer órgão que lhe seja Cavalcanti, o qual assim se pronunciou a
superior, faça-o específica e expressamente, respeito da Resolução no 59/02 do Senado
delegando a outras autoridades policiais a Federal:
realização de investigações nesse espaço. “Os servidores que compõem a Polí-
Ressalva-se, desde logo, que o presente ra- cia do Senado – em particular os que,
ciocínio não se aplica nos casos de eventuais como bacharéis em direito, estariam
investigados que gozam de prerrogativa de já em condições de ‘presidir’ um
foro, como adiante melhor se exporá. ‘inquérito policial’ – podem até ser
Além disso, é de se ressaltar que não altamente qualificados e treinados
existe em relação à Polícia Legislativa uma na atividade policial. Não duvida o
atribuição ratione loci ou ratione materiae, Parquet.
podendo ela levar a cabo qualquer tipo Mas é certo que não há qualquer pa-
de investigação criminal, contanto que râmetro legal que permita aquilatar
se relacione a fatos ocorridos dentro das essa exigência, ou conhecer o treina-
dependências do Senado Federal. Nesse mento específico por que passou este
servidor. Até onde pode saber o Juí-
30 de outubro de 1997, e da Resolução do Congresso zo, trata-se de um, e de qualquer um,
Nacional no 1, de 1997; III – outras áreas no Distrito
Federal destinadas ao uso do Senado Federal pela ‘analista legislativo, área de Polícia e
União; IV – os imóveis residenciais da União no Segurança, bacharel em direito’.
Distrito Federal que constituem a reserva técnica do Exatamente o oposto ocorre com os
Senado Federal; V – a residência oficial do Senado
DPF’s, selecionados em difícil, espe-
Federal no Lago Sul; e VI – os imóveis residenciais
reservados para o uso privativo dos senadores na SQS cífico e conhecido concurso público e
309, Blocos “C”, “D” e “G”. submetidos a treinamento necessário

352 Revista de Informação Legislativa

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– e regulado em lei – na Academia à Polícia Legislativa é de ordem constitucio-
Nacional de Polícia. nal, e decorre do princípio da independên-
Com a devida vênia – e sempre afir- cia dos Poderes, não se podendo interpretar
mando que os servidores da Polícia a Constituição à luz do ordenamento legal.
do Sendo podem até, circunstancial- Nesse sentido, eventual falta de lei jamais
mente, ter qualificação mais do que poderia alterar as atribuições que foram
suficiente para o exercício de funções outorgadas pela Constituição ao Senado
policiais –, considera o Ministério Federal, do mesmo modo que a falta de le-
Público Federal temerário, para o gislação estadual não poderia, por exemplo,
processo penal e para os jurisdiciona- implicar o desempenho de atribuições de
dos, que um inquérito seja presidido polícia civil à Polícia Federal. Alem disso,
por funcionário que passou por tão é de se ver que não há na Constituição
magras e inespecíficas exigências. qualquer referência expressa à questão dos
Isso, por si só, já seria, e é, suficiente, requisitos para a presidência de inquérito
quer firmemente crer o titular consti- policial, não se podendo partir de uma lei-
tucional da ação penal – e também do tura excessivamente restritiva que o texto
controle externo da atividade policial não o fez.
–, para justificar a interferência aqui Acrescente-se a isso o fato de que, no
requerida do Juízo. âmbito da Polícia Federal, não se encontram
O inquérito policial, não despiciendo nem no Decreto-Lei no 2.251/85, nem na
recordar, é procedimento regulado Lei no 9.266/96, especificações detalhadas
no Código de Processo Penal, e prevê a respeito das atribuições e dos requisitos
a Lei inúmeras e sérias atribuições es- do cargo de Delegado38, não havendo subs-
pecíficas à autoridade que o preside, tanciais diferenças do ponto de vista legis-
não se coadunando com a teleologia lativo com a Resolução no 59/02 do Senado
do ordenamento penal na espécie – Federal que justifiquem a sua invalidade.
em desfavor do interesse público e Essa Resolução, vale repetir, é equivalente
dos direitos dos investigados – que à lei, visto que atinente a competência pri-
tal exercício se dê por profissional vativa do Senado Federal, na forma do art.
que não sofra exigências e controles 52 da Carta.
legais pertinentes e proporcionais à A esse respeito, observe-se que a re-
responsabilidade.” ferida Resolução é clara ao prever que os
A leitura dos argumentos transcritos inquéritos policiais serão presididos por
permite concluir que o cerne da questão servidor apto ao exercício de tal atividade,
suscitada pelo Parquet é o fato de que não impondo como requisito a graduação em
há “qualquer parâmetro legal” que per- Direito, nos seguintes termos:
mita ao juiz certificar-se da existência dos “Art. 4o Na hipótese de ocorrência
requisitos necessários para a presidência de de infração penal nas dependências
inquéritos, nem “conhecer o treinamento sob a responsabilidade do Senado
específico” por que passaram servidores Federal, instaurar-se-á o competente
do Senado Federal que desempenham tal inquérito policial presidido por ser-
atribuição.
Tais argumentos, em que pesem, não 38
Ressalva-se, contudo, a existência da tramitação
impedem que os inquéritos em questão de projeto de lei, no âmbito do Poder Executivo, que
sejam presididos por servidor do Senado pretende constituir a lei orgânica da polícia federal.
Deixa-se de analisar o seu texto neste momento, em
Federal que reúna os requisitos para tanto. razão de não haver ainda projeto definitivo, não tendo
Veja-se que o fundamento mais relevante sido ainda definitivamente submetido ao Congresso
para a atribuição de funções investigativas Nacional.

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vidor no exercício de atividade típica Outro aspecto que se impõe ressaltar é
de polícia, bacharel em Direito”. que, ao se estabelecer a atribuição investiga-
Nesse sentido, não há motivo para não tiva da Polícia Legislativa, isso jamais elidi-
se reconhecer a legitimidade de servidor in- rá a sujeição que tem ela ao controle externo
tegrante dos quadros da Polícia Legislativa por parte do Ministério Público, uma vez
do Senado Federal para presidir inquéritos que tal controle decorre expressamente da
policiais, visto que os requisitos para tanto Constituição (art. 129, VII), sendo aplicável
são idênticos àqueles da carreira de Dele- não só às polícias vinculadas ao Executivo,
gado de Polícia. mas também àquelas vinculadas aos outros
Ademais, não se justifica o argumento Poderes. Nesse sentido, é de se ver que a Re-
de que a investigação realizada por parte da solução no 20/2007 do Conselho Nacional
Polícia Legislativa, ao contrário daquela re- do Ministério Público, regulamentando o
alizada pela Polícia Federal, estaria sujeita art. 9o da LC no 75/93, foi expresso ao dispor
a interferências e ingerências políticas, tão que as Polícias Legislativas estão sujeitas ao
só pelo fato de ser órgão inserido na es- controle externo do Ministério Público, cor-
trutura administrativa do Senado Federal. roborando a legitimidade delas no exercício
Tal crítica, em realidade, é rigorosamente de atividades típicas de polícia.
a mesma que se pode fazer à estrutura da Contudo, é de se ressaltar que tudo
Polícia Federal, uma vez que esse órgão é o que até agora se expôs a respeito dos
vinculado ao Ministério da Justiça, sendo inquéritos policiais conduzidos no âmbi-
o Ministro de Estado dessa pasta quem to da Polícia Legislativa não se aplica no
nomeia o seu Diretor 39. Além disso, o caso de serem investigadas pessoas que
cargo de Delegado de Polícia não goza de gozam de prerrogativa de foro. Isso por-
qualquer prerrogativa especial em relação que a competência para o julgamento do
a outros servidores públicos estatutários, processo atrai, também, a atribuição para
não tendo, por exemplo, qualquer garantia a condução do inquérito. Nesse sentido, o
de inamovibilidade40. A respeito disso, é de Supremo Tribunal Federal já assentou que,
se ressaltar que o STF considerou inconsti- embora não seja expressa no texto consti-
tucional a prerrogativa de foro estabelecida tucional a atribuição para a condução de
em constituição estadual para tais agentes inquéritos, a existência de prerrogativa de
públicos, por ausência de simetria41. foro a engloba, não sendo cabível que seja
ela conduzida por autoridades policiais e
39
O projeto de lei orgânica da Polícia Federal, juízos de primeiro grau.
segundo noticia a Associação Nacional dos Delegados
de Polícia Federal, prevê que a nomeação seja feita pelo
Veja-se, a respeito disso, transcrição
Presidente da República, a partir de lista tríplice, tendo de parte da ementa do seguinte aresto, no
o Diretor mandato fixo de dois anos. Disponível em: qual prevaleceu o voto do Min. Gilmar
<http://www.adpf.org.br/modules/news/article. Mendes42:
php?storyid=45131>. Acesso em: 19 ago. 2009.
40
Refira-se, sem entrar no mérito do ato adminis-
“A prerrogativa de foro é uma ga-
trativo, a possibilidade de ter havido o afastamento do rantia voltada não exatamente para
Delegado e de Agentes da Polícia Federal que realizam os interesses de titulares de cargos
a investigação e a prisão em flagrante em “rinha de relevantes, mas, sobretudo, para a
galo” do publicitário Duda Mendonça e do vereador
Jorge Babu no Rio de Janeiro. Disponível em : <http://
própria regularidade das instituições
jbonline.terra.com.br/jb/papel/cidade/2005/01/04/ em razão das atividades funcionais
jorcid20050104006.html>. Acesso em: 19 ago. 2009.
41
ADI 2587, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, 42
Pet 3825 QO, Relator: Min. SEPÚLVEDA
Relator p/ Acórdão: Min. CARLOS BRITTO, Tribunal PERTENCE, Relator p/ Acórdão: Min. GILMAR
Pleno, julgado em 01/12/2004, DJ 06-11-2006 PP-00029 MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/2007,
EMENT VOL-02254-01 PP-00085 RTJ VOL-00200-02 DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008
PP-00671. EMENT VOL-02313-02 PP-00332.

354 Revista de Informação Legislativa

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por eles desempenhadas. Se a Cons- 4. Conclusões
tituição estabelece que os agentes
políticos respondem, por crime Diante de tudo o que se expôs, podem
comum, perante o STF (CF, art. 102, ser sintetizadas as seguintes conclusões:
I, “b”), não há razão constitucional a) O princípio da independência dos
plausível para que as atividades di- Poderes (arts. 2o e 60, § 4o, III, da CR/88)
retamente relacionadas à supervisão preconiza que cada um deles possa desem-
judicial (abertura de procedimento penhar suas atribuições sem ingerências,
investigatório) sejam retiradas do interferências ou imposições dos demais,
controle judicial do STF. A iniciativa ressalvados os casos constitucionalmente
do procedimento investigatório deve previstos, no contexto do sistema de freios
ser confiada ao MPF contando com e contrapesos.
a supervisão do Ministro-Relator b) A Constituição de 1988 resguarda
do STF. especialmente o espaço relativo à “Casa
A Polícia Federal não está autorizada Legislativa”, locus onde se desenvolvem
a abrir de ofício inquérito policial as atividades preponderantes do exercício
para apurar a conduta de parlamen- parlamentar, o que se pode ver, por exem-
tares federais ou do próprio Presi- plo, no caso das imunidades parlamentares
dente da República (no caso do STF). materiais e nas disposições relativas ao
No exercício de competência penal estado de sítio.
originária do STF (CF, art. 102, I, “b” c) A Constituição atual faz uma nítida
c/c Lei no 8.038/1990, art. 2o e RI/ distinção entre atribuições de polícia inves-
STF, arts. 230 a 234), a atividade de tigativa e judiciária (art. 144, § 1o, I e IV, e §
supervisão judicial deve ser constitu- 4o), tendo cada uma delas conceito próprio
cionalmente desempenhada durante e objeto material diverso.
toda a tramitação das investigações d) A previsão constitucional de exclusi-
desde a abertura dos procedimentos vidade da Polícia Federal para o desempe-
investigatórios até o eventual ofere- nho de polícia judiciária (art. 144, § 1o, IV)
cimento, ou não, de denúncia pelo não elide o seu desempenho pela Polícia
dominus litis”. Legislativa (art. 52, XIII), nos estritos limites
No julgado, foi considerada inconstitu- de sua Casa respectiva, conclusão que de-
cional a abertura e condução de inquérito corre de uma exegese fundada no princípio
policial por parte da Polícia Federal contra da unidade da Constituição.
parlamentares federais, tendo-se ressalva- e) A Constituição de 1988 não estabelece
do a competência exclusiva do Procurador- qualquer exclusividade para o exercício de
Geral da República para a instauração de polícia investigativa, não havendo qualquer
tais inquéritos, cabendo exclusivamente ao óbice a que a Polícia Legislativa investigue
STF a sua condução. fatos havidos no interior de sua Casa Legis-
No caso da Polícia Legislativa, pode-se lativa, sendo ainda hoje plenamente aplicá-
aplicar o mesmo raciocínio, sobrepondo-se vel o enunciado no 397 da Súmula do STF.
a prerrogativa constitucional de foro sobre f) Não há impedimento a que outras au-
a atribuição de que goza esse órgão. Assim, toridades instaurem investigação a respeito
não poderá ela instaurar inquérito policial de fatos havidos no interior da Casa Legis-
ex officio quando recair investigação sobre lativa, mas os atos a serem desempenhados
eventuais ilícitos penais praticados por no seu interior só poderão ser realizados,
autoridades que gozam de foro especial, de forma privativa, pela Polícia Legislativa,
descabendo, igualmente, que ela conduza ressalvados os casos de requisição ou auto-
tais inquéritos. rização da Presidência da Casa.

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g) A investigação levada a cabo pela DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. 17.
Polícia Legislativa não se confunde com ed. São Paulo: Atlas, 2004.
aquela realizada por Comissões Parlamen- FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre
tares de Inquérito, havendo profundas di- poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
ferenças em relação aos requisitos formais, FISHER, Louis. American constitutional law. 7. ed. Dur-
ao objeto, aos prazos e aos limites de cada ham, NC: Carolina Academic Press, 2007.
uma delas. GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligência
h) A Constituição vigente não atribui e legislação correlata. Niterói: Impetus, 2009.
qualquer exclusividade a Delegados de
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Tradução
Polícia para o exercício da presidência de de Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
inquéritos policiais, não havendo qualquer
MEDEIROS, Fabrício Juliano Mendes. Separação de
óbice a que servidores da Polícia do Sena- poderes: de doutrina liberal a princípio constitucional.
do, desde que preenchidos os requisitos Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 178, abr./
suficientes, desempenhem-na. jun. 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Cons-
titucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Referências MONTESQUIEU. O espírito das leis: as formas de go-
verno, a federação, a divisão dos poderes. Tradução
ACKERMAN, Bruce. A nova separação dos poderes. Tra- de Pedro Vieira Mota. São Paulo : Saraiva, 2004.
dução de Isabelle Maria Campos Vasconcellos e Eliana
Valadares Santos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. ______. Œuvres. Paris: ed. Nourse, 1767. t. 1. Dispo-
nível em: <http://fr.wikiquote.org/wiki/Montes-
ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Belo Hori- quieu>. Acesso em: 3 ago. 2009.
zonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1961.
PACHECO, Denílson Feitoza. Direito Processual Penal.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. Niterói: Editora Impetus, 2009.
São Paulo: Malheiros, 2008.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 20. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.

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