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que nosso tempo apresenta é o que confere ao populismo uma vantagem narrativa
que lhe faz ganhar espaço e progredir como um vetor de mudança arcaizante e
autoritária, capaz de mobilizar milhões de pessoas sob slogans neofascistas. E
assim, como aconteceu no período do entre guerras, os liberais estão em xeque e
na defensiva. Retrocedem diante do mal-estar de multidões radicalizadas em sua
rejeição à democracia liberal e os valores que a tornaram possível, como uma
esperança de mudança e progresso para a humanidade.
Os dados parecem confirmar isso. Roger Eatwell e Matthew Goodwin os analisam
em National Populism: The Revolt Against Liberal Democracy (“nacional-populismo,
a revolta contra a democracia liberal”). Em suas páginas se radiografa o pano de
fundo moral de sociedades ocidentais que se sentem declinantes e destruídas.
Vítimas de um futuro cheio de pessimismo e incerteza que faz desejarem grandes
doses de ordem e segurança por todos seus poros geracionais e de classe. Aqui é
onde devemos pôr nosso foco se quisermos detectar as causas da crise do
pensamento liberal e do choque que paralisa seus defensores. Falamos de motivos
que batem sobre o inconsciente coletivo da democracia e que ativam sua psicologia
reptiliana ao propiciar um vetor populista que muda, combinado com o nacionalismo,
para uma ressignificação pós-moderna do fascismo.
Eu a aguentei durante um tempo, até que não pude mais e lhe disse que seu marido
não governava com os votos do povo, e sim com a imposição de uma vitória [militar].
A gorda não gostou nada". A gorda era Carmen Polo, esposa do ditador espanhol
Francisco Franco. A autora da frase é Eva Perón, a totêmica Evita, esposa do
presidente argentino Juan Domingo Perón (1946-55 e 1973-74). O caso, ocorrido
durante uma visita da primeira-dama argentina à Espanha, em 1947, aparece no
livro Del Fascismo al Populismo en la Historia, o ensaio recém-publicado do
historiador argentino Federico Finchelstein, e ilustra uma de sua tese centrais: que o
populismo está na raiz do fascismo, mas o primeiro é intrinsecamente democrático.
"Não há fascismo sem ditadura, nem populismo sem eleições. E isto não é uma
definição teórica, tem a ver com uma experiência de democratização histórica que
surge sobretudo logo depois da Segunda Guerra Mundial e vai chegando a outros
países. Não há ditadores populistas. Quando deixa de haver eleições reais,
deveríamos falar de ditadura, não de populismo", afirma ao EL PAÍS o historiador
Finchelstein (Buenos Aires, 1975), professor da New School for Social Research e
do Eugene Lang College, de Nova York, e autor de várias obras sobre fascismo,
populismo e o Holocausto.
Há o medo de certas palavras. Esse medo vem na maneira com que tentamos, até o
limite, não utilizá-las. Porque seu uso acende alertas vermelhos, nos quebra a
letargia de sentir que, por mais que nossa situação atual seja complicada, a vida
corre. E corre com um correr de quem acaba por acertar seu passo, abaixar os
gritos. Bem, não há palavra que nos leve mais a temer seu uso do que “fascismo”.
No entanto, é ela que se ouve de forma cada vez mais insistente quando se é
questão da situação brasileira atual. Coloquemos então, de maneira direita e
simples, uma questão que vários de nós já colocou a si mesmo: Estaria o Brasil
caminhando para o fascismo?
Esta questão não se ouve apenas no Brasil. Ela se ouve na Itália, na Hungria, na
Polônia, nas Filipinas. Esta confluência de semblantes perplexos a fazer o tour do
mundo não é mero acaso. Ela indica uma fenda global que parece paulatinamente
crescer, fenda por onde passaria a emergência de novas formas de governo com
traços claramente fascistas.
Mas não seriam tais governos simplesmente “populistas”? Não é assim que se diz
hoje, “governos populistas de direita”? Sim, é assim que se diz. Mas e se este uso
extensivo do termo “populismo” fosse, na verdade, uma forma de não chamar de
gato um gato? Pois talvez os chamamos de “populistas” para não dizer o que eles
realmente são: governos nos quais uma certa concepção de ‘estado total’, uma
forma explícita de implosão de qualquer possibilidade de solidariedade social com
grupos historicamente vulneráveis, uma noção paranoica de nação e o culto da
violência são a verdadeira tônica. Mas seria isto exatamente “fascismo”? E por que
não falar em “populismo”, neste caso?
iante de um desejo de recusa forte dos limites de nossa vida institucional, criou-se
essa palavra mágica que faz tudo o que coloca em questão os sistemas de
paralisias e acordos da democracia liberal parlamentar parecer “irracional”,
“emotivo”, “fruto de frustrações”, “convite a regressões atávicas”, ou seja, “populista”.
Ainda de quebra, o termo permitia juntar os extremos, falar de um populismo de
direita e de um populismo de esquerda, anulando com isto os dois polos, fazendo-os
operar em uma balança de equivalências. Como se, no fundo, existisse apenas a
“democracia” que conhecemos e os “populismos”.
Mas era claro que as diferenças entre os polos eram profundas. À direita, via-se uma
crítica à pauperização social que colocava a conta da catástrofe nas costas dos mais
desfavorecidos, a saber, os imigrantes espoliados por relações de trabalhos sub-
humanas, os refugiados vítimas das consequências das intervenções imperialistas
em regiões de conflito perene, como o Oriente Médio. Quando não havia grandes
levas de imigrantes, via-se a mobilização das clivagens originárias de raça e de
gênero, em uma reedição de estratégias cuja ressonância fascista era evidente. À
direita, via-se ainda todo o imaginário a respeito da fronteira, da imunidade do corpo
social, da invasão, do contágio retornar diretamente dos discursos mais inflamados
de Goebbels.
Quando o jurista nazista Carl Schmitt procurou explicar o que era o Estado total
fascista, ele tomou o cuidado de estabelecer uma distinção. Segundo ele, nós
conheceríamos uma forma de Estado total no interior das democracias
parlamentares. Trata-se desse Estado que ouve todos os lados da sociedade, que
está presente em todos os conflitos sociais e que produz estruturas de mediação e
de legislação em todas as esferas da vida social. Ele procura dar conta dos conflitos
trabalhistas, dos problemas de desigualdade, da violência específica contra grupos
vulneráveis, entre outros. O Estado está assim, em todos os lugares. Ele não pode
pairar acima da sociedade e decidir, pois é apenas a emulação dos conflitos sociais.
Contra isto, dirá Schmitt, precisamos de outro Estado total. Mas sua função será
diferente: ele deverá usar toda sua força para despolitizar a sociedade, impedir que
as escolas sejam focos de sedição e formação, impedir que os trabalhadores
pressionem seus patrões através de obrigações legais, usar a força policial para
impedir greves, paralisias, ocupações. Assim, pode-se garantir a única liberdade
real, a saber, a “liberdade de empreender” (que é sempre uma liberdade para
alguns, ou melhor, para os de sempre). Este era o Estado total fascista.
Por outro lado, nesse Estado, um dos poucos princípios liberais que qualquer
democracia real deveria preservar, a saber, a possibilidade de que indivíduos
sempre terão, independente de quem são ou do que fizeram, de se defenderem do
Estado quando julgados, não existia. Pois essa possibilidade exige inviolabilidade do
sistema de defesa (em bom português, meu advogado de defesa não pode ser
grampeado pelo juiz), exige desinteresse da parte dos julgadores (mais uma vez, em
bom português, se sou candidato a presidente, o juiz que julga meu caso não pode
me prender porque tem um projeto pessoal de poder e quer ser ele o próprio
presidente).
Por fim, e esta era uma compreensão precisa de Franz Neumann, o Estado nazista
não governa. Ele é uma associação instável entre grupos que estão em conflito
contínuo. Mas esse conflito é uma forma de perpetuar o “movimento”, já que ele
permite ao governo entrar em conflito contínuo com o Estado, dizer sempre que
nosso grande projeto não está a ser implementado porque forças obscuras estão
agindo dentro do Estado para impedir nossa grande redenção. O estado nazista é
uma crise permanente elevada à condição de governo. A única coisa que tenho a
dizer é: junte os pontos e diga se a cena não lhe parece demasiado familiar.
FASCISMO
NAZISMO
FASCISMO DE NOVO
BBC News Mundo - Isto é, somente quando nos referimos a esta experiência
específica?
Gentile - Sim, para o período histórico entre as duas guerras mundiais, quando
ainda havia a vontade de conquistar e se expandir imperialmente por meio da
guerra. Se estas características ainda estivessem presentes hoje, poderíamos falar
em fascismo. Mas me parece completamente impossível. Mesmo aqueles países
que aspiram a ter um papel hegemônico procuram fazer isso por meio da economia,
e não da conquista armada.
BBC News Mundo - O senhor acha que existe o perigo de um retorno do
fascismo?
Gentile - Não, absolutamente, porque na história nada volta, nem de um jeito
diferente. O que existe hoje é o perigo de uma democracia, em nome da soberania
popular, assumir características racistas, antissemitas e xenófobas. Mas em nome
da vontade popular e da democracia soberana, que é absolutamente o oposto do
fascismo, porque o fascismo nega totalmente a soberania popular. Esses
movimentos, no entanto, se definem como uma expressão da vontade popular, mas
negam que este direito possa ser estendido a todos os cidadãos, sem
discriminações entre os que pertencem à comunidade nacional e aqueles que não.
BBC News Mundo - Donald Trump, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán
e outros líderes políticos foram chamados de fascistas por suas políticas de
imigração ou seu nacionalismo. É correto defini-los assim?
Gentile - Se afirmamos isso, poderíamos dizer então que todos são homens e
brancos. Mas, ao mesmo tempo, não entenderíamos a novidade destes fenômenos.
Não se trata de aplicar o termo "fascista" para todos os contextos, mas de entender
quais são as causas que geraram e fizeram proliferar estes fenômenos. Em todos
esses países, esses movimentos extremistas se afirmaram com base no voto
popular.
BBC News Mundo - O senhor acha então que a palavra "fascismo" está sendo
abusada para definir estes governos?
Gentile - Na minha opinião, é um grande erro, porque não nos permite compreender
a verdadeira novidade destes fenômenos e o perigo que eles representam. E o
perigo é que a democracia possa se tornar uma forma de repressão com o
consentimento popular. A democracia em si não é necessariamente boa. Só é boa
se realiza seu ideal democrático, isto é, a criação de uma sociedade onde não há
discriminação e na qual todos podem desenvolver sua personalidade livremente,
algo que o fascismo nega completamente. Então, o problema hoje não é o retorno
do fascismo, mas quais são os perigos que a democracia pode gerar por si só,
quando a maioria da população - ao menos, a maioria dos que votam - elege
democraticamente líderes nacionalistas, racistas ou antissemitas.
Gentile, extraordinário historiador e um tanto radical nesse campo, acredita que não
há nada de novo a contribuir com o estudo do fascismo e que a banalização do
termo, transformado em objeto de consumo, já é insuperável. O fascismo pode
voltar? “Sim, claro. Como também podem voltar o bonapartismo, o jacobinismo…
Estamos usando um termo de maneira inadequada para explicar fenômenos novos.
E o erro responde principalmente à incapacidade de enfrentar, com olhar crítico
atual, assuntos contemporâneos”, afirma. “A raiz se encontra na falta de uma
etimologia precisa, como têm o comunismo e o liberalismo: fascismo só significa
agrupar. E hoje se transformou num insulto para prepotentes, antissemitas,
autoritários... Mas nenhum populismo atual que invoque o princípio de soberania
popular pode ser fascista. O fascismo negava tudo o que derivava da Revolução
Francesa. E se o que estamos falando é de nos identificarmos com a figura de um
homem forte, de alguém que se dirija diretamente ao povo, então também
poderíamos dizer que [o político italiano] Matteo Renzi é um fascista, não acha?”
inda que tenha entrado em crise após a Segunda Guerra Mundial, o fascismo
continua a ganhar força em contextos de crise, seja ela econômica, política ou
social. Alguns aspectos da ideologia fascista aparecem até hoje em grupos e
partidos políticos, como os na Europa que defendem plataformas políticas baseadas
na aversão a estrangeiros.
Na Finlândia, por exemplo, usar uma camisa estampada com o símbolo nacional – o
leão e a cruz – era comum no passado, mas seu uso hoje está fortemente associado
a grupos xenófobos. Incomodada com o controle da extrema direita sobre o símbolo,
uma agência finlandesa de design chegou a pedir, poucos anos atrás, sugestões
para criar símbolos alternativos, que cidadãos moderados poderiam usar sem ser
confundidos com radicais da direita. "Grupos extremistas sequestraram símbolos
nacionais, fizeram do nacionalismo uma palavra suja e basicamente roubaram o
direito de todos nós nos orgulharmos de nosso país", explicou Karri Knuuttila, um
dos principais membros da iniciativa, à época.
Nos Estados Unidos, o presidente Trump tem sistematicamente tentado se apropriar
da bandeira nacional, alegando (incorretamente) que seus adversários evitavam
usá-la em eventos – e que, portanto, não seriam patriotas.
Na Alemanha, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD)
costuma assegurar que todos os seus manifestantes portem a bandeira alemã e
acusa os demais partidos de sentirem vergonha dos símbolos nacionais. Um vídeo
em que a premiê Angela Merkel tira uma pequena bandeira alemã do palco durante
a celebração da sua vitória nas urnas em 2013 viralizou entre grupos da extrema
direita e é até hoje mencionado por líderes do partido extremista como prova de que
Merkel seria "anti-alemã". O movimento alemão xenófobo e nacionalista chamado
Pegida, aliado ao AfD, adota o slogan "patriotismo não é crime", alegando que as
elites cosmopolitas envergonham-se de qualquer símbolo nacional.
Em resposta, porém, moderados em muitos países caíram na armadilha dos radicais
e cederam o uso dos símbolos nacionais aos extremistas – e, com isso, abriram mão
do debate sobre patriotismo. Durante a última Copa do Mundo de futebol masculino,
a ala jovem do Partido Verde alemão chegou a pedir que os torcedores não
usassem a bandeira alemã durante os jogos – em grande parte uma resposta às
marchas da AfD e do movimento Pegida. Quando milhares de alemães encheram as
ruas de Berlim em 2018 para protestar contra a ascensão da extrema direita, a
organizadora da manifestação, Theresa Hartmann, sugeriu aos participantes usarem
bandeiras com o arco-íris e cartazes com os dizeres "Refugiados são bem-vindos",
mas pediu que os manifestantes não usassem a bandeira alemã, pois ela teria "uma
conotação de direita". Segundo ela, não se tratava de uma manifestação para
demonstrar orgulho nacional. Sem querer, ela deu munição à narrativa dos radicais
de que os progressistas não gostam de usar a bandeira porque não sentem orgulho
do país.
O que Hartmann não entendeu é que não há contradição entre, de um lado,
manifestar-se a favor da tolerância e dar as boas vindas a refugiados (pilares da
Constituição alemã) e, de outro, sentir orgulho nacional. São episódios como esse
que facilitam o trabalho da extrema direita, a qual busca estabelecer uma falsa
dicotomia entre cidadãos "verdadeiros" e aqueles menos comprometidos com a
nação. Na Finlândia, em vez de investir em símbolos alternativos com pouca chance
de ampla aceitação, moderados deveriam buscar resgatar dos grupos xenófobos os
símbolos nacionais.
Não se trata, é claro, de competir com os extremistas sobre quem mais abraça os
símbolos da pátria, como nos EUA, onde a decisão de não usar um pin com a
bandeira americana no paletó levou críticos do então candidato a presidente Barack
Obama a questionarem sua lealdade à nação. Porém, em um momento em que
movimentos nacionalistas surgem com força ao redor do mundo -- em parte devido a
temores sobre o impacto da globalização –, os segmentos moderados da sociedade
não deveriam se afastar dos símbolos da pátria nem se retirar do debate sobre o
papel da identidade nacional e do patriotismo hoje. Tachar qualquer tipo de
patriotismo de ufanismo retrógrado e contrastá-lo com o pensamento moderno e
cosmopolita é contraproducente, pois não reconhece que a onda nacionalista veio
para ficar. Com as turbulências resultantes do confronto comercial entre Washington
e Pequim, o avanço tecnológico que tornará milhões de empregos supérfluos, as
catástrofes ambientais e os fluxos migratórios de dimensões sem precedentes,
apelar ao nacionalismo será uma tentação irresistível para muitos líderes políticos
oportunistas.
Em vez de negar essa realidade e permitir que nacionalistas radicais possam definir
o que é patriotismo ou identidade nacional, é preciso envolver correntes moderadas
nos debates sobre o tema e ajudar a mostrar que um 'patriotismo razoável', para
usar um termo do filósofo William Galston, pode ser positivo e é perfeitamente
compatível com conceitos cosmopolitas, como estar a favor da cooperação
internacional para lidar com desafios globais, apoiar a integração regional, combater
a xenofobia, ser a favor da diversidade e reconhecer e respeitar a pluralidade de
opiniões no processo político.
Ainda que um pouco apreensivo, acabei portando minha camiseta da seleção
brasileira naquele sábado no Parque Ibirapuera.
"A democracia não está em risco por causa de um fascismo que não existe. Hoje, o
perigo é a democracia que se suicida", disse à BBC News Brasil. "O que há de novo,
em todo o mundo, é um novo poder de direita nacionalista e xenófobo. É o que
Orbán (Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, um dos expoentes desse
movimento na Europa) classificou de política nacionalista democrática iliberal."
De acordo com Gentile, há muitos movimentos políticos - na Europa e em outros
lugares do mundo - que se referem à experiência fascista e utilizam seus símbolos,
mas de uma maneira muito "idealizada e imaginária".
O fascismo foi criado por Benito Mussolini - um ex-socialista - há quase cem anos.
Originário da palavra latina "fascio littorio", um conjunto de galhos amarrados a um
machado, símbolo do poder de punição dos magistrados na Roma Antiga, o
experimento nasceu oficialmente em 23 de março de 1919, quando Mussolini fundou
em Milão o grupo "Fasci di Combattimento", que reunia ex-combatentes da Primeira
Guerra Mundial (1914-18).
Ele tem inspiração fascista no que diz respeito à relação do Estado com a economia,
entre o poder civil e militar, política e religião. E com base num conceito de
autoritarismo, acha que pode resolver problemas complexos com receitas fáceis",
diz De Masi.
O sociólogo vê com inquietação a ascensão de governos e políticos com raízes
"claramente fascistas". "Bolsonaro é como Salvini (Matteo Salvini, político de direita
e vice-premiê italiano hoje). Os dois têm uma visão autoritária da sociedade. Brasil e
Itália são sociedades muito distintas, mas vejo os dois muito parecidos", completou.
Salvini, aliado de Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump que já se reuniu
com um dos filhos de Bolsonaro, declarou recentemente no Twitter torcer pela
eleição do ex-capitão no Brasil.
Domenico de Masi ressalta que, enquanto na Europa o que alimenta esse tipo de
discurso é a imigração (e que tem, na Itália, o apoio das classes média e média-
baixa), no Brasil o fenômeno é estimulado pelo ódio ao ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva e ao Partido dos Trabalhadores. "No caso brasileiro, o cidadão pobre
do Nordeste é mais inteligente quanto ao perigo de Bolsonaro do que os ricos de
São Paulo, que apoiam o candidato".
Como o colega Emilio Gentile, o historiador Eugenio di Rienzo, professor de História
Contemporânea da Universidade Sapienza, em Roma, afirma que o fascismo é um
regime que nasceu e morreu no século passado - em 1945, quando Mussolini foi
assassinado em Milão.
"Não se pode fazer uma analogia entre aquele fenômeno e outro. O fascismo não se
reproduz mais, é preciso cuidado com o uso da palavra, pois acaba provocando
desinformação", disse. "Um racista não é sempre um fascista. O governo de (Recep
Tayyip) Erdogan na Turquia é autoritário, mas não fascista."
Fascismo
Criando em 1914, por Benito Mussolini, o fascismo foi fundado na Itália e seu nome
veio da palavra fascio. “O fascio era um instrumento, um machado revestido de
muitas varas de madeira, que era utilizado para punições corporais. Quando
nomearam o movimento de fascismo, pensaram na autoridade e no medo que o
fascio causava”, explica Elza.
Ela conta que criador do Partido Nacional Fascista, Mussolini, era um líder
autoritário. “A Itália passava por uma grave crise política fruto dos problemas de sua
unificação tardia e com as consequências da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Em 1919, foi publicado o primeiro manifesto fascista. O fascismo surgiu, então,
como o regime que iria resolver todos os problemas econômicos pós guerra, era por
base um movimento nacionalista (de maneira exacerbada), imperialista (baseado na
supremacia da nação italiana sobre os outros países), antiliberal e antidemocrático”,
afirma.
Nazismo
O Nazismo despontou na Alemanha sobre o comando de Adolf Hitler e trouxe com
ele algumas bases do movimento fascista italiano. A diferença entre os dois é que,
no Nazismo, foi acrescentada uma conotação de raça baseada no darwinismo social
e na pureza e superioridade da raça ariana. “Em 1920, Hitler fundou o Partido
Nazista e em 1924 escreveu o livro que é a única base teórica para estudar esse
pensamento (Mein Kampf). Nesse livro, ele elege o comunismo como verdadeiro
inimigo a ser combatido”, diz a historiadora.
Ela reforça que tanto o fascismo, quanto o nazismo, são regimes que desprezam a
democracia. “Eles baseiam-se em uma política autoritária de massas com forte
apelo emocional e apesar de fundarem-se no discurso da união para o crescimento
e desenvolvimento das nações, representam pensamentos desagregadores”,
destaca.
Comunismo
Há muitas lendas relacionadas ao comunismo, principalmente durante a Ditadura
Militar brasileira. Muito se temia que comunistas comessem criancinhas ou
instaurassem um regime que cercearia liberdades individuais. Mas não era bem
assim. “No Manifesto Comunista, escrito em 1848, Marx defendia que a história de
todas as sociedades existentes até então era a luta de classes. Para ele, esse era o
motor da história. Essa trajetória de lutas e impasses só teria um fim quando os
trabalhadores criassem consciência de classe, se reconhecessem como geradores
de riquezas, estabelecendo uma luta política para coletivizar os meios de produção,
sejam as máquinas ou as terras”, explica Elza.
Porém, apesar das ideias amplamente difundidas o comunismo nunca foi
implementado em nenhum lugar do mundo. “Nas tentativas que existiram, o
autoritarismo político e o personalismo partidário foram a marca dos que detinham a
liderança das classes trabalhadoras e é preciso que a classe trabalhadora seja sua
própria liderança” assevera.
Socialismo
Existem vários tipos de socialismo e não apenas um, que passa longe de ter ideias
totalitários ou extremistas. De acordo com a historiadora, “O que norteia a ideia de
uma regime socialista é tornar viável a igualdade de oportunidades e de produção.
Neste sentido, o que adquire mais peso para nós hoje, é a social democracia,
adotada por muitos países da Europa”.
Para ela, como a ideia de uma revolução comunista e do fim do capitalismo passa
longe da nossa realidade, a população deve-se preocupar em lutar por justiça social.
“O socialismo como teoria, estudado e ancorado por estudiosos, é um fenômeno
contemporâneo a revolução francesa, podemos considerá-lo um caminho reformista
dentro do comunismo”, completa.
O candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) tem sido caracterizado como
“representante do fascismo” por pesquisadores do tema dentro e fora do país. Hoje,
o advogado estadunidense Mike Godwin, criador da Lei de Godwin, que critica a
banalização das comparações com o nazismo, autorizou pelo Twitter
comparações entre Bolsonaro com Hitler.
Para a antropóloga Adriana Dias, que pesquisa sobre neonazismo há 15 anos, o
discurso de Bolsonaro é similar ao que Hitler pregava em sua campanha, na
Alemanha de 1932.
“A construção do partido nazista foi uma construção voltada para a ideia
anticorrupção de Estado, muito militarista, fundamentalmente pautada na ideia de
que havia uma Alemanha que estava acabando economicamente”, explica Dias.
A antropóloga entende que Bolsonaro é só mais uma manifestação da extrema
direita que tem crescido no mundo todo. Para ela, esse avanço de figuras políticas
fascistas é impulsionado por dois fatores fundamentais: uma forte ideia de
meritocracia, ou seja, “que as pessoas nascem nos mesmos lugares e têm as
mesmas oportunidades”; e a criação de um inimigo responsável por todos os
problemas do país, o que Dias chama de “outro conveniente”.
Esse ódio ao outro, segundo Dias, faz com que se crie uma falsa ideia de “maioria
nacional única”, que é personificada no homem, branco, heterossexual, de classe
média urbana. “Toda vez que a extrema direita ascende há uma ascensão da
masculinidade, um culto à masculinidade, uma negação do feminino, uma ascensão
da cultura do estupro, uma aversão a gays, a minorias”, explica.
Para a antropóloga, o discurso de Bolsonaro não dá voz apenas à insatisfação
política da população, mas também aos ódios internalizados. “Há um ódio de classe
muito grande no Brasil, um ódio de gênero também, eu vejo muita gente com ódio
dos LGBTs. Eu acho que ele [Bolsonaro] consegue congregar vários ódios”, afirma.
Dias pondera, no entanto, que acredita que “metade dos eleitores do Bolsonaro não
tem ideia do que seja o fascismo e outros 25% estão sendo induzidos” a votar no
candidato do PSL, impulsionados, principalmente, pelas notícias falsas
disseminadas nas redes sociais. “Os nazistas também fizeram isso, eles espalharam
muitas mentiras sobre os judeus, os comunistas”, diz a antropóloga.
A partir da análise de Adriana Dias, o Brasil de Fato selecionou frases de autoria de
Bolsonaro que reforçam o sinal de alerta para a ascensão do fascismo nas eleições
2018.
1. Nacionalismo forte
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
O slogan patriota da campanha de Bolsonaro (que é também o nome de sua
coligação) tem inspiração em uma frase bastante conhecida entre os nazistas. Na
Alemanha de Adolf Hitler, um dos lemas mais repetidos era “Deutschland über
alles”, que significa, em português: “Alemanha acima de tudo”.
2. Desrespeito pelos direitos humanos
"Conosco não haverá essa politicagem de direitos humanos. Essa bandidada
vai morrer porque não enviaremos recursos da União para eles".
Em 23 de agosto, durante ato de campanha na cidade de Araçatuba, no interior
paulista, Bolsonaro discursou em cima de um carro de som, condenando
organizações que defendem direitos humanos. Segundo o candidato, esses
movimentos prestam um “desserviço para o Brasil” e, por isso, não merecem
repasse de dinheiro do governo.
3. Identificação de inimigos como causa unificadora
“Vamos unir o Brasil pela vontade de nos afastarmos de vez do socialismo, do
comunismo, nos vermos livres desse fantasma do que acontece na Venezuela”.
Em uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook, no dia 6 de outubro,
véspera do primeiro turno das eleições, Bolsonaro afirma que os partidos da
esquerda brasileira, como PT, PCdoB e PSOL encarnam o “socialismo e o
comunismo” que não deram certo em outros países latino-americanos.
A frequente identificação de inimigos ("esquerdistas, petistas e bandidos") como
merecedores de punição e extermínio também compõe com essa ideia. Prometendo
"defender o país do comunismo e curar lulistas com trabalho", Bolsonaro traz à
memória a triste lembrança do lema do campo de concentração mais letal do
nazismo, Aushcwitz, que trazia em seu portão de entrada os dizeres: Arbeit macht
frei [O trabalho liberta]
4. Supremacia do militarismo
"Caso eu fosse presidente da República, eu convidaria para o MEC (Ministério da
Educação) um general que tivesse comandado um colégio militar pelo Brasil".
Em entrevista à jornalista Mariana Godoy, em julho, Bolsonaro defendeu a
militarização do ensino, citando exemplo de colégios militares, onde as
crianças são “revistadas periodicamente, cantam o hino nacional e têm aula de
educação moral e cívica”. O candidato também defendeu os governos militares da
ditadura, dizendo que “aquela foi uma época maravilhosa”.
5. Alto nível de sexismo
"Jamais iria estuprar você, porque você não merece".
A frase foi dita por Bolsonaro em 2003, direcionada à deputada federal Maria do
Rosário (PT), nos corredores da Câmara dos Deputados. O candidato ainda
empurrou a deputada, ameaçando dar uma “bofetada” nela e chamando-a de
“vagabunda”. Em 2014, Bolsonaro repetiu a ofensa à deputada, dessa vez, em
discurso no plenário da Câmara do Deputados. Pela ofensa, o candidato foi
condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal a pagar indenização de R$
10 mil à Maria do Rosário.
6. Controle dos meios de comunicação
"A imprensa tenta a todo custo comprar a corda que irá enforcá-la"
A frase foi escrita por Bolsonaro no Twitter, em abril de 2016. No Programa Mariana
Godoy Entrevista, em outubro de 2017, Bolsonaro afirmou que a frase se relaciona
“ao trabalho da imprensa como um todo” e que é contrário ao controle da
mídia.
O candidato costuma deslegitimar o trabalho da imprensa e sua campanha é
baseada na disseminação de notícias falsas. No último dia 10, em reunião com
correligionários, Bolsonaro afirmou que é preciso “tomar cuidado com a mídia”,
porque a intenção da imprensa é “atacar” e “desgastar” sua campanha.
7. Obsessão com a ideia de segurança nacional
"Nós não podemos escancarar as portas do Brasil para tudo quanto é tipo de gente.
Isso vai virar a casa da mãe Joana".
Em dezembro de 2016, Bolsonaro criticou o projeto do Estatuto da Migração,
que regulamenta a entrada e permanência de migrantes e visitantes no Brasil. Para
Bolsonaro, os imigrantes são uma ameaça à segurança nacional, porque “o
comportamento e a cultura deles é completamente diferente da nossa”.
Mais tarde, em fevereiro de 2018, em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro defendeu
que policiais militares tenham uma “retaguarda jurídica” para que não sejam
condenados por homicídios. Ele toma como exemplo uma frase de Donald Trump,
que dizia que os policiais norte-americanos são mais fortes que a “bandidagem” da
fronteira com o México.
8. Religião e governos interligados
“Nós somos um país cristão! Deus acima de tudo. Essa historinha de Estado
Laico, não! É Estado cristão! E as minorias que se curvem!”
Em discurso em cima de uma carro de som em Campina Grande, na Paraíba, em
fevereiro de 2017, Bolsonaro afirmou que aqueles que acreditam em Deus são a
minoria da população e, por isso, devem “se curvar” ao Estado cristão. Meses
depois, em entrevista ao jornalista Ronaldo Gomlevsky, Bolsonaro reafirmou essa
opinião, dizendo que o objetivo de um Estado laico é “tirar a cultura judaico-
cristã das escolas” e doutrinar crianças.
9. Poder corporativo protegido
"Hoje em dia é muito difícil ser patrão no nosso país".
Em entrevista no Programa do João Kleber, em agosto de 2016, Bolsonaro criticou
os direitos trabalhistas, que, segundo o candidato, dificultam a contratação de
empregados nas empresas. Bolsonaro falou ainda que o sistema trabalhista
brasileiro “é paternalista demais”.
Empresários de grandes redes lojistas já declararam apoio a Bolsonaro, entre eles o
dono da Havan, Luciano Hang, e o dono da Centauro, Sebastião Bomfim Filho.
10. Direitos trabalhistas atacados
"Um dia o trabalhador vai ter que decidir: menos direitos e emprego ou todos os
direitos e desemprego".
Em entrevista ao Jornal Nacional, em agosto, Bolsonaro afirmou que dá voz à
reivindicação de empregadores e empresários brasileiros, que entendem os direitos
trabalhistas como obstáculos para o crescimento das empresas.
Na Câmara, Bolsonaro votou contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
que regulamenta o trabalho doméstico e a favor da Reforma Trabalhista, que altera
jornada de trabalho, plano de cargos e salários, remuneração (entre outros itens).
Além disso, o candidato propõe a criação de uma “nova carteira de trabalho verde e
amarela”, em que o contrato individual entre patrão e empregado tem mais valor do
que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
11. Desdém por intelectuais e as artes
"Já está feito, já pegou fogo. Quer que eu faça o que?"
Essa foi a frase de Bolsonaro, em coletiva de imprensa, após o incêndio no Museu
Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro. Bolsonaro também criticou a verba
governamental destinada à cultura, dizendo que “não falta dinheiro para
quermesse e negócio de homem nu” [em alusão à performance de Wagner
Schwartz, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), apresentada em
setembro de 2017]. Em outras entrevistas, Bolsonaro já defendeu o rebaixamento do
Ministério da Cultura à secretaria subordinada ao Ministério da Educação.
12. Obsessão por crime e punição
“A violência só cresce no Brasil porque há uma política equivocada de direitos
humanos”.
Em debate na Band, no dia 9 de agosto, Bolsonaro creditou a violência no país à
“política de direitos humanos”, que, segundo o candidato, “desarmou o cidadão de
bem”, enquanto “o bandido continua muito bem armado”. Bolsonaro defende o
armamento da população e um sistema carcerário mais punitivista.
Em seu plano de governo, Bolsonaro liga a criminalidade a um viés ideológico,
afirmando que “coincidentemente, onde participantes do Foro de SP governam, sobe
a criminalidade”. Entre as propostas para acabar com a criminalidade, estão o
“desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa” e o fim
“da progressão de penas e das saídas temporárias”.
13. Nepotismo e corrupção
“Não vem me rotular de corrupto aqui, não”.
Em entrevista ao comentarista da Jovem Pan, Marco Antonio Villa, em maio de
2017, Bolsonaro tenta negar o recebimento de R$ 200 mil em propina do grupo JBS,
afirmando que devolveu o dinheiro para o partido. No entanto, esse mesmo valor foi
depositado novamente em sua conta, vindo do fundo partidário. Pressionado sobre
a origem do dinheiro, Bolsonaro afirma: “o partido recebeu propina, sim! Qual
não recebe?”.
Bolsonaro aparece também na “Lista de Furnas”, acusado de receber R$ 50 mil
em propina. O candidato negou o envolvimento no esquema de caixa-dois, mas a
Polícia Federal comprovou a autenticidade do documento, afirmando “que a lista não
foi montada e que é autêntica”.
Além disso, Bolsonaro é acusado de nepotismo, por ter empregado em seu gabinete
e no de seus filhos, a ex-esposa, Ana Cristina Valle, a ex-cunhada e o ex-sogro.
Perguntado sobre a ilegalidade do vínculo empregatício, por repórter do Jornal
do Piauí, Bolsonaro alega que “na época não era nepotismo”.
Carlos, Flávio e Eduardo, filhos do ex-capitão, entraram na política, ganharam
prestígio e enriqueceram (Eduardo aumentou 432% seu patrimônio em quatro anos)
puxados pela popularidade do pai.
Todo mundo sabe que o termo fascista é hoje pejorativo; um adjetivo
frequentemente utilizado para se descrever qualquer posição política da qual o
orador não goste. Não há ninguém no mundo atual propenso a bater no peito e
dizer "Sou um fascista; considero o fascismo um grande sistema econômico e
social."
Porém, afirmo que, caso fossem honestos, a vasta maioria dos políticos, intelectuais
e ativistas do mundo atual teria de dizer exatamente isto a respeito de si mesmos.
O fascismo é o sistema de governo que opera em conluio com grandes empresas
(as quais são favorecidas economicamente pelo governo), que carteliza o setor
privado, planeja centralizadamente a economia subsidiando grandes empresários
com boas conexões políticas, exalta o poder estatal como sendo a fonte de toda a
ordem, nega direitos e liberdades fundamentais aos indivíduos (como a liberdade de
empreender em qualquer mercado que queira) e torna o poder executivo o senhor
irrestrito da sociedade.
Tente imaginar algum país cujo governo não siga nenhuma destas características
acima. Tal arranjo se tornou tão corriqueiro, tão trivial, que praticamente deixou de
ser notado pelas pessoas. Praticamente ninguém conhece este sistema pelo seu
verdadeiro nome.
É verdade que o fascismo não possui um aparato teórico abrangente. Ele não
possui um teórico famoso e influente como Marx. Mas isso não faz com que ele seja
um sistema político, econômico e social menos nítido e real. O fascismo também
prospera como sendo um estilo diferenciado de controle social e econômico. E ele é
hoje uma ameaça ainda maior para a civilização do que o socialismo completo.
Suas características estão tão arraigadas em nossas vidas — e já é assim há um
bom tempo — que se tornaram praticamente invisíveis para nós.
E se o fascismo é invisível para nós, então ele é um assassino verdadeiramente
silencioso. Assim como um parasita suga seu hospedeiro, o fascismo impõe um
estado tão enorme, pesado e violento sobre o livre mercado, que o capital e a
produtividade da economia são completamente exauridos. O estado fascista é como
um vampiro que suga a vida econômica de toda uma nação, causando a morte lenta
e dolorosa de uma economia que outrora foi vibrante e dinâmica.
As origens do fascismo
A última vez em que as pessoas realmente se preocuparam com o fascismo foi
durante a Segunda Guerra Mundial. Naquela época, dizia-se ser imperativo que
todos lutassem contra este mal. Os governos fascistas foram derrotados pelos
aliados, mas a filosofia de governo que o fascismo representa não foi derrotada.
Imediatamente após aquela guerra mundial, uma outra guerra começou, esta agora
chamada de Guerra Fria, a qual opôs o capitalismo ao comunismo. O socialismo, já
nesta época, passou a ser considerado uma forma mais branda e suave de
comunismo, tolerável e até mesmo louvável, mas desde que recorresse à
democracia, que é justamente o sistema que legaliza e legitima a contínua pilhagem
da população.
Enquanto isso, praticamente todo o mundo havia esquecido que existem várias
outras cores de socialismo, e que nem todas elas são explicitamente de esquerda.
O fascismo é uma dessas cores.
Não há dúvidas quanto às origens do fascismo. Ele está ligado à história da política
italiana pós-Primeira Guerra Mundial. Em 1922, Benito Mussolini venceu uma
eleição democrática e estabeleceu o fascismo como sua filosofia. Mussolini havia
sido membro do Partido Socialista Italiano.
Todos os maiores e mais importantes nomes do movimento fascista vieram dos
socialistas. O fascismo representava uma ameaça aos socialistas simplesmente
porque era uma forma mais atraente e cativante de se aplicar no mundo real as
principais teorias socialistas. Exatamente por isso, os socialistas abandonaram seu
partido, atravessaram o parlamento e se juntaram em massa aos fascistas.
Foi também por isso que o próprio Mussolini usufruiu uma ampla e extremamente
favorável cobertura na imprensa durante mais de dez anos após o início de seu
governo. Ele era recorrentemente celebrado pelo The New York Times, que
publicou inúmeros artigos louvando seu estilo de governo. Ele foi louvado em
coletâneas eruditas como sendo o exemplo de líder de que o mundo necessitava na
era da sociedade planejada. Matérias pomposas sobre o fanfarrão eram
extremamente comuns na imprensa americana desde o final da década de 1920 até
meados da década de 1930.
Qual o principal elo entre o fascismo e o socialismo? Ambos são etapas de um
continuum que visa ao controle econômico total, um continuum que começa com a
intervenção no livre mercado, avança até a arregimentação dos sindicatos e dos
empresários, cria leis e regulamentações cada vez mais rígidas, marcha rumo ao
socialismo à medida que as intervenções econômicas vão se revelando desastrosas
e, no final, termina em ditadura.
O que distingue a variedade fascista de intervencionismo é a sua recorrência à ideia
de estabilidade para justificar a ampliação do poder do estado. Sob o fascismo,
grandes empresários e poderosos sindicatos se aliam entusiasticamente ao estado
para obter proteção e estabilidade contra as flutuações econômicas, isto é, as
expansões e contrações de determinados setores do mercado em decorrência das
constantes alterações de demanda por parte dos consumidores. A crença é a de
que o poder estatal pode suplantar a soberania do consumidor e substituí-la pela
soberania dos produtores e sindicalistas, mantendo ao mesmo tempo a maior
produtividade gerada pela divisão do trabalho.
Os adeptos do fascismo encontraram a perfeita justificativa teórica para suas
políticas na obra de John Maynard Keynes. Keynes alegava que a instabilidade do
capitalismo advinha da liberdade que o sistema garantia ao "espírito animal" dos
investidores. Ora guiados por rompantes de otimismo excessivo e ora derrubados
por arroubos de pessimismo irreversível, os investidores estariam continuamente
alternando entre gastos estimuladores e entesouramentos depressivos, fazendo com
que a economia avançasse de maneira intermitente, apresentando uma sequência
de expansões e contrações.
Keynes propôs eliminar esta instabilidade por meio de um controle estatal mais
rígido sobre a economia, com o estado controlando os dois lados do mercado de
capitais. De um lado, um banco central com o poder de inflacionar a oferta
monetária por meio da expansão do crédito iria determinar a oferta de capital para
financiamento e estipular seu preço, e, do outro, uma ativa política fiscal e
regulatória iria socializar os investimentos deste capital.
Em uma carta aberta ao presidente Franklin Delano Roosevelt, publicado no The
New York Times em 31 de dezembro de 1933, Keynes aconselhava seu plano:
A frase
O facto de que o fascismo é um movimento que tem origem marxista, por exemplo, é
uma das demonstrações feitas nesta saga que poderá parecer polémica.
José Rodrigues dos Santos, entrevista ao DN, 24 de Maio .
O contexto
José Rodrigues dos Santos é jornalista, apresentador do principal telejornal da RTP,
mas deu esta entrevista enquanto romancista. Esta é a primeira advertência que há
a fazer. Enquanto ficcionista, José Rodrigues dos Santos poderia criar a realidade
que mais lhe conviesse – jogando com a verosimilhança e a memória. Mas a frase
deixa subentendida uma “verdade” histórica e não um artifício literário. “Continuo a
escrever livros polémicos. As Flores de Lótus e O Pavilhão Púrpura mostram
realidades, porém politicamente incorrectas. O facto de que o fascismo é um
movimento que tem origem marxista, por exemplo, é uma das demonstrações feitas
nesta saga que poderá parecer polémica.” A palavra “realidades” pode ter sido mal
usada, e o próprio autor reconhece que a afirmação que faz é “polémica”. Mas esta
já não é a primeira vez que Rodrigues dos Santos revela conhecer uma relação de
filiação ideológica entre as duas correntes que marcaram a primeira metade do
século XX. Dias antes de o ter afirmado ao DN, o mesmo Rodrigues dos Santos
usara uma formulação quase idêntica em resposta às perguntas do i: "Uma das
coisas que hoje não se sabe, mas que é verdadeira, é que o fascismo é um
movimento de origem marxista. Pouquíssima gente sabe isto. Em certos aspectos, é
mais ortodoxamente marxista do que o comunismo. Por exemplo, a crença que os
fascistas tinham de que não era possível haver revolução do proletariado sem
capitalismo.”
Aqui é claro o duplo papel do autor – jornalista e escritor – e é o próprio Rodrigues
dos Santos que o confunde ao atestar que é “verdadeiro” aquilo que diz e, por
alguma razão que não acrescenta, “pouquíssima gente sabe”. E é isso que justifica
esta Prova dos Factos, que não verificaria a veracidade de uma opinião do
romancista, nem um facto literário assumidamente criado pela sua imaginação.
Os factos
O marxismo é, de facto, cronologicamente anterior ao fascismo. Mas acaba aqui a
verosimilhança na tese de José Rodrigues dos Santos. Todas as outras hipóteses
que podiam ser apresentadas em sua defesa – de que há uma “origem” marxista
nas ideias fascistas – são circunscritas. De facto, Benito Mussolini foi militante do
Partido Socialista Italiano e editor do jornal marxista Avanti!, antes de ser expulso e
fundar, em 1919, o que viria a ser o embrião do Partido Fascista. Mussolini não é
caso único dessa transição abrupta entre ideologias adversárias, naquela época. Um
dos seus ideólogos, o francês Georges Sorrel, parecia admirar igualmente o
nacionalista Maurras e o comunista Lenine. O mesmo se pode dizer da arte, e das
várias manifestações vanguardistas associadas a estas correntes políticas, que
muitas vezes se aproximaram, sobretudo antes da I Guerra Mundial. Mas
argumentar que essa relação demonstra uma “origem” ideológica comum seria tão
absurdo como considerar que por Mário Soares e Durão Barroso terem sido
marxistas na sua juventude, o PS e o PSD partilham a mesma origem ideológica que
o PCP.
A prova de que não há uma origem comum entre as duas ideologias é avançada
pelo historiador inglês Tony Judt no seu livro Pensar o Século XX: “Quando falamos
de marxistas podemos começar com os conceitos. Os fascistas não tinham, na
realidade, conceitos. Tinham atitudes. Têm respostas distintivas a questões como a
guerra, a depressão e o atraso. Mas não começam com um conjunto de ideias que
depois tentam aplicar ao Mundo.”
Ou seja, o marxismo, antes de ser uma prática política, é uma doutrina. Por isso,
ainda hoje, há quem se reivindique das ideias, renegando a prática. Já no fascismo
é inseparável a sua realidade histórica do seu arsenal teórico. Foram as “atitudes”,
como diz Judt, que moldaram a teoria.
Ao contrário, o que se pode afirmar com alguma certeza é que o fascismo cresceu
como resposta – antagónica – ao marxismo. Diz Tony Judt: “Se virmos país a país,
começando na Itália, vemos que sem a ameaça da revolução comunista teria havido
muito menos espaço para os fascistas se apresentarem como guardiões da ordem
tradicional.” Algumas das principais características atribuídas ao fascismo
(nacionalismo, corporativismo, racismo) são respostas ao internacionalismo, à ideia
da “luta de classes” e ao igualitarismo das ideias socialistas.
O marxismo é uma corrente fácil de classificar. Tem as suas origens (não é preciso
recuar muito mais que à ideia de Rousseau de que os homens nascem livres e em
todo o lado estão agrilhoados), os seus autores, de Marx a Engels, passando pelos
neo-marxistas que ainda hoje assim se assumem, como Zizek e Negri. O fascismo é
bastante menos dado a bibliografias incontestadas. Poderá ter a sua origem no
nacionalismo conservador francês de Maurras, mas as suas várias modalidades (da
Itália ao nazismo alemão, passando pela Roménia, pelo falangismo espanhol e o
integralismo lusitano) ocupam, por exemplo, as 960 páginas do livro Labirintos do
Fascismo, do historiador português João Bernardo (ed. Afrontamento). É de João
Bernardo uma difícil tentativa de explicar, em três palavras, a ideia de fascismo: “A
revolta no interior da coesão.”
Ambos, marxistas e fascistas, defendiam a ideia de “revolução” anti-liberal. No seu
auge, do início do século XX até ao fim da II Guerra Mundial, ambos os movimentos
apresentavam uma resposta – muito diferente – à crise económica e ao desespero
de muitas camadas sociais. Com uma diferença importante: enquanto os marxistas
glorificavam as massas populares como “sujeito da História”, os fascistas, como
Pequito Rebelo, em Portugal, usavam a mobilização popular, mas não deixavam de
desdenhar da “multidão com a sua baixa psicologia e as suas inferiores reacções de
sentimentos” (citado em Os camisas azuis, de António Costa Pinto, ed. Estampa).
É na forma como encaravam a governação dos países “capitalistas” que
encontramos uma derradeira diferença. Os marxistas seguiram com atenção o New
Deal e são conhecidas as ligações de sectores comunistas à administração de F.D.
Roosevelt. Já Hitler fazia uma crítica ao Presidente dos EUA que parece tirada de
um debate do presente: "Aumentou enormemente a dívida do seu país, desvalorizou
o dólar, perturbou a economia... O New Deal deste homem foi o maior erro jamais
cometido por alguém... Num país europeu a carreira deste homem teria terminado
num tribunal por desperdiçar o tesouro público, e dificilmente evitaria uma pena por
gestão criminosa e incompetente."
No Brasil, mais de 50% não sabem ler nem escrever até os 9 anos e 7% não
adquirem o conhecimento necessário em Matemática ao fim do ensino médio.
Infelizmente, no ranking da qualidade da educação 2018, divulgado pelo Fórum
Econômico Mundial, de 137 países avaliados, o Brasil ocupa a triste posição 119.
Portanto, o problema não se restringe a questões jurídicas, já que, obviamente,
crianças não podem ser filmadas sem autorização dos pais, nos termos do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Não é só o desrespeito à Constituição, que desde
1891 proclama o Brasil um Estado laico, sendo inadmissível menoscabar os adeptos
de quaisquer credos ou religiões, assim como os ateus ou agnósticos.
Deus acima de todos pode ser um chamariz de campanha política e uma opção
religiosa individual, mas é ideia que não pode ser imposta aos ateus e agnósticos
nem nortear a política pública da educação, já que aqueles que não creem têm o
mesmo direito à educação que os que creem, mesmo que estes sejam maioria –
numa democracia a vontade da maioria prevalece para a escolha do governante,
que governa para todos.
É preocupante a ideologização da educação – tanto para um viés como para outro.
Todos têm direito a ela, que transforma as pessoas, sendo inadmissível ser utilizada
como instrumento para manipulação política, para formar massa de manobra
eleitoral.
E neste ponto vale refletir sobre a necessidade de reinserção das disciplinas de
Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB) na
grade curricular escolar, que durante algum tempo cheguei a pensar ser algo
razoável e positivo.
Não tenho dúvida da importância de se falar na escola sobre valores éticos,
humanismo, cidadania, Estado e suas funções, direitos e deveres de cada um e
cada uma. Mas tenho sérias dúvidas se a melhor forma é a reintrodução dessas
matérias, porque nos tempos em que elas eram ensinadas os respectivos conteúdos
eram impostos arbitrariamente pelo governo militar, que dava as cartas à época, o
que nos autoriza a imaginar que poderemos correr riscos de ver conteúdos
manipulados transmitidos nas aulas dessas disciplinas, distantes do verdadeiro,
nobre e humanista espírito educativo apartidário.
A carta do ministro da Educação reforça e reaviva a preocupação, não obstante
fazer ele parte de um governo eleito democraticamente. Também o foram Trump nos
Estados Unidos, Putin na Rússia, Erdogan na Turquia, Orbán na Hungria, objeto de
análise dos professores de Ciência Política de Harvard Ziblatt e Levinsky, autores da
festejada obra Como as Democracias Morrem, em que mostram como instituições
democráticas podem ser dinamitadas pelo mau uso das próprias regras do jogo
democrático e por posturas ditatoriais. Por minha conta acrescento o caso Hugo
Chávez na Venezuela.
PATRIOTISMO
A palavra “pátria” tem origem no termo latino patria ou, no grego, patris. De acordo
com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, designa “o país onde nascemos”,
“nosso lugar de origem”. A pessoa que ama a pátria e procura servi-la é patriota, e o
patriotismo é, por sua vez, o sentimento de profunda compreensão e, consequente,
observância dos deveres cívicos, e admiração à própria nação.
NA DOUTRINA
A Igreja Católica ensina que os cristãos, por estarem no mundo, apesar de não
serem do mundo (cf. Jo 17,11.14), não se privam da vida civil, mas, pelo contrário,
se inserem nela como bons cidadãos que são chamados a ser (cf. Mt 22,21).
Contudo, não vivem somente uma certa civilidade, mas encaram a vida na
sociedade como um grande dever, incluído no Quarto Mandamento da Lei de Deus.
Santo Tomás de Aquino, na sua Suma Teológica (STh. II-II q.101), diz que o dever
do cristão em relação à pátria deriva da virtude da piedade filial, do dever de prestar
honra e culto àqueles que o precedem, de forma especial aos pais e à pátria,
aqueles por terem dado a vida natural, esta por ser o lugar em que a pessoa se
desenvolve e encontra seu espaço vital, além de viver a fraternidade com seus
concidadãos.
Também o Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 2239, esclarece que a virtude
do patriotismo faz com que cada cidadão colabore “com os poderes civis Também o
Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 2239, esclarece que a virtude do
patriotismo faz com que cada cidadão colabore “com os poderes civis para o bem da
sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O
amor e o serviço da pátria derivam do dever da gratidão e da ordem da caridade”.
NACIONALISMO
É importante ressaltar que patriotismo é diferente de nacionalismo, que, por sua vez,
é um fenômeno de exaltação e preferência pela própria nação, muitas vezes, em
detrimento de outras. O patriota sabe que existem outras pátrias maiores, com maior
riqueza de criações científicas ou artísticas e, por isso, não se fecha para a
cooperação entre as nações, em vista do seu mútuo desenvolvimento. Já o
nacionalista se baseia na premissa de que a lealdade do indivíduo e devoção ao
estado-nação deve necessariamente estar acima dos outros indivíduos ou grupos de
interesses.
Nesse sentido, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, no artigo 157, ao referir-
se aos direitos e deveres dos povos e nações lembra que “a nação tem um
fundamental direito à existência; à própria língua e cultura” e que, acima de tudo,
deve haver uma livre cooperação em vista do bem comum da humanidade. “A ordem
internacional requer um equilíbrio entre particularidade e universalidade, ao qual são
chamadas todas as nações, para as quais o primeiro dever é o de viver em atitude
de paz, respeito e solidariedade com as outras nações”, afirma o texto.
Albright está nesse período da vida em que a pessoa utiliza palavras fortes com uma
tranquilidade que desarma, como quando diz que Donald Trump é o presidente mais
antidemocrático da história moderna. E quando afirma, em uma frase já famosa, que
há um lugar especial no inferno reservado às mulheres que não apoiam outras
mulheres. Disse isso em um ato da campanha eleitoral de Hillary Clinton e recebeu
uma enxurrada de críticas. “Foi mal interpretado como se fosse preciso votar em
outra mulher porque sim. Mas eu não teria votado em Sarah Palin nem que fosse a
última pessoa sobre a terra”, diz.
Bem sei que no lugar da cultura nacional, o colonialismo alienante que comanda a
vida acadêmica no país – especialmente no jornalismo e na reduzida vida intelectual
– indica as virtudes do cosmopolitismo como caminho racional e seguro pra êxito
profissional e audiência pública. A conduta nacionalista é logo escrachada
impiedosamente enquanto para o “universalismo” se rendem todas as homenagens.
Colonialismo na veia, apresentado como se de fato fosse universalismo virtuoso,
representante do bem da Humanidade.
Alguém, acaso, poderia ser contrário a influencia da “cultura universal” sobre nossas
vidas? Bem, se tal coisa existisse – a cultura universal – definitivamente não
poderíamos nem deveríamos nos opor. Ao contrário, se um belo dia, ao despertar,
nos encontrássemos com a existência da “cultura universal” deveríamos abraçá-la
como patrimônio comum da Humanidade. O que temos, no entanto, é algo
substancialmente diferente. Quando alguém aqui no Brasil reivindica as virtudes do
cosmopolitismo com inusitada frequência pretende, na pratica, tão somente a defesa
da indústria cultural dos Estados Unidos. No rádio, no jornal e na TV. Na editora e na
linguagem corrente. Na novela com grande audiência e na canção de moda. Na
arquitetura estilo shopping e na vestimenta. Em quase tudo. Ligue uma emissora de
rádio qualquer e desfrute da música universal que ali toca: não há – quase nunca há
– música árabe, latino-americana, francesa, espanhola ou catalã. Não toca Vila
Lobos, Yamandú ou Paco de Lucia. A música que ali domina é from esteites, em
geral de péssima qualidade. A boa música gringa – que de fato existe – quase não
chega até nós.
É por esta razão, e não por suposta deformação genética dos latino-americanos,
que a atitude nacionalista ou o programa nacionalista entre nós adquire muito
facilmente um caráter anti-imperialista na defesa da economia, da cultura, do
território, da soberania. O poder dos Estados Unidos é tal sobre nossa vida material
e espiritual que, por mero ato de sobrevivência, deveríamos ser todos, em medida
distinta, nacionalistas. Enfim, deveríamos ser patriotas, tal como Johnson o foi na
sua amada Inglaterra no século XVIII. Melhor ainda seria se adotássemos a
perspectiva de Marx e entendêssemos que o fim das nações seria efetivamente bom
pra todos nós e fatal para os capitalistas. Mas eu sei que seria pedir demasiado.