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Agosto 2019
RESUMO: Esta pesquisa tem por objetivo realizar uma tradução comentada do romance Il
avait plut tout le dimanche (2000), do autor francês Philippe Delerm. Num primeiro
momento, realizaremos uma análise e uma interpretação do texto, que servirá como apoio
para a tradução. Num segundo momento, realizaremos a tradução propriamente dita. O
comentário crítico com a acompanhará terá como objetivo “desvendar” o processo do ato
tradutório e, ao mesmo tempo, buscar definir certos princípios de tradução do texto em
questão e da obra do autor como um todo, que poderão servir de apoio ao aperfeiçoamento da
tradução.
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
jogos olímpicos de Pequim na televisão francesa —, não teve início de carreira fácil. Filho de
professores, seguiu a profissão dos pais no ensino de letras. Começou a tentar publicar obras
em 1975, mas foi só em 1983 que conseguiu a publicação do romance La Cinquième Saison,
seu primeiro livro. Ainda instável, só foi obter sucesso em 1997 com La première gorgée de
professor para se dedicar à escrita em tempo integral. São mais de 50 títulos lançados,
reunindo os mais diversos gêneros literários como romances, poesias, ensaios etc.
influência de Marcel Proust: trata-se de uma referência ao primeiro gole da xícara de chá
(1913). Ao tratar dos pequenos prazeres do dia-a-dia, Delerm se vale das descrições
psicológicas do consagrado romancista. Mas cremos que talvez Delerm o tenha levado além
em certo sentido. Proust se demorava nas descrições das memórias e das lembranças. Delerm,
“instantâneo literário”.
Tal estilo é descrito também por minimalismo positivo, minimalismo por se tratar das
pequenas coisas diárias, positivo, porque rejeita o trágico, a morte, o triste, enfim, a
verdadeiro prazer sensual – não no sentido sexual – em sua escrita. Tomemos por exemplo
seus textos “Un banana-split” e “Un couteau dans la poche”, retirados do livro La première
gorgée de bière. No primeiro, narra o literato: “Des milliers de gens sur terre meurent de
faim. Cette pensée est recevable à la rigueur devant un pavé au chocolate amer. Mais
comment l’affronter face au banana-split?” (p. 42)1. No segundo, confessa para si mesmo :“Ça
ne servira pas, on le sent bien. Le plaisir n’est pas là. Plaisir absolu d’égoïsme” (p. 9)2.
Mas seria tão supérflua a literatura de Delerm? À primeira vista, o autor pode parecer
bem hedonista, no entanto podemos encontrar algo a mais. Nascido depois da década de 50,
Delerm nascia numa França tentando se recuperar da guerra. Parte considerável da literatura
dessa época era marcada por um pessimismo feroz. Talvez o que melhor tenha descrito esse
momento tenha sido Samuel Beckett, irlandês que também escreveu em francês.
maneira eficaz a fragmentação do ser humano daquele momento histórico. Dois personagens
esperam um tal de Godot que ninguém sabe quem é, também não conhecemos nada desses
dois personagens. O diálogo entre eles não chega a nenhuma questão fundamental. Trata-se da
Enxergamos a atitude de Delerm como uma reação a esse movimento anterior. O autor
do minimalismo positivo tenta reestabelecer a ordem interior humana a partir das pequenas
coisas quotidianas. E, cabe acrescentar ainda que, no fundo, talvez Delerm não seja tão
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Milhares de pessoas sobre a terra morrem de fome. Este pensamento é recebido com pesar diante de um pavê
de chocolate amargo. Mas como afrontá-lo na presença de uma banana split?
Todas as traduções dos excertos em francês são de nossa autoria, salvo indicação em contrário.
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Isso não servirá para nada, sabe-se bem. O prazer não está ali. Prazer absoluto de egoísmo.
egoísta. Talvez sua obra tenha sido mais social que o movimento literário anterior. A
literatura do século XX parece ser, no geral, bastante intimista e individualista, isso desde já
os românticos, passando pelos simbolistas e chegando até mesmo aos existencialistas. São
“Le tour de France” em que o autor descreve uma experiência nacional. Seguem alguns
trechos: “On ne regarde pas le Tour de France. On regarde Les Tours de France. Oui, dans
chaque image du peloton lancé sur les routes d’Auvergne ou de Bigorre s’inscrivent en
filigrane tous les pelotons du passé” (p. 39)3. E ainda adiante: “Il y a toujours quequ’un pour
dire:—Moi, ce que j’aime dans le Tour, c’est les paysages!” (p. 40)4, e prossegue: “De fait, on
traverse une France surchaufée, festive, dont le peuple s’égrène au fil des plaines, des villes et
des cols” (p. 40)5. O aparente egoísmo logo se revela uma vivência compartilhada por toda
uma comunidade!
movimento literário anterior, pensamos haver também uma reação ao subjetivismo exagerado
dos autores anteriores. Delerm escreve sempre seus textos a partir da perspectiva de um
enigmático pronome “on” que pode significar tanto o nosso “nós” quanto um sujeito
indeterminado. Alguns veem nisso uma certa visão intimista em que o eu está incluído, ou
seja, entendem como “nós”. Mas o interpretamos de modo diverso, entendemos o “on” como
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Não se olha o Tour de France. Olha-se os Tours de France. Sim, em cada imagem do pelotão lançado sobre as
estradas de Auvergne ou de Bigorre se inscrevem em filigrana todos os pelotões do passado.
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Há sempre alguém para dizer: Quanto a mim, o que eu amo no Tour, são as paisagens
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De fato, atravessa-se uma França sobreaquecida, festiva, cujo povo se debulha ao longo das planícies, das
cidades e dos desfiladeiros.
La première gorgé de bière de Philippe Delerm já foi traduzido para o português de
Portugal na editora Gradiva (1998) e para o português brasileiro pela editora Rocco (2000),
sem contar a tradução que recebeu em dezenas de outros idiomas. Decidimos, então, para
expandir o repertório de Delerm, operar a tradução de um livro que ainda não foi traduzido
para o português: Il avait plu tout le dimanche, romance de 1998 que conta a história de
Esse romance também foi escolhido por ter uma tradução em espanhol e em italiano,
disso.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Partimos de Antoine Berman como o fio condutor de nossa pesquisa. Num primeiro
Guerini. O autor elabora um projeto de tradução que visa uma reviravolta em relação à
abordagem clássica. Em vez de focar na tradução do sentido, visa antes de tudo a tradução da
“literalidade carnal” do texto. Essa literalidade não se confunde com a “tradução letra por
letra”, mas visa tentar reproduzir a estranheza do original, manifestando as suas experiências
em vez de simplesmente comunicar o seu sentido. Isso implica, para dar um exemplo, tentar
Nessa obra, Berman estuda alguns casos de traduções que considera exemplares e cita
algumas noções das quais nos valeremos em nosso trabalho. Uma delas é a de língua
Lost Paradise de John Milton, épico religioso. Tal língua mediadora seria o latim, pois em
muitos momentos o literato romântico teve que traduzir passagens bíblicas e usou a Vulgata
Em outro momento, Berman ainda cita o caso da tradução da Eneida por Pierre
Klossowski, mas também pela nação alemã ter trabalhado muito com traduções latinas e
Em nosso projeto de mestrado, também nós refaremos a tradução tendo em vista uma
terceira língua, ou melhor, terceiras línguas. No caso, usaremos a tradução espanhola Llóvio
todo el domingo lançada em 2002 pela editora Tusquets. Também nos valeremos da tradução
italiana Aveva piovuto tutta la domenica lançada em 2002 pela editora Frassinelli. A terceira
Ainda acrescenta o filósofo francês “Para nós; isto significa: a tradução literal é
há forças que “desviam” a tradução de seu verdadeiro objetivo. Já que se trata de um mal a ser
extirpado, o autor, à freudiana, comenta que não basta só a consciência dessas forças na
tradução, mas é preciso uma verdadeira análise delas para que sejam neutralizadas e que
possamos fazer uma boa tradução segundo sua concepção. A sistemática da deformação será
estudada sobretudo na tradução literária, segundo o próprio Berman, pois é sua área de
grande prosa abarcar toda a língua, ou seja, reúne vários dizeres, desde o culto até o popular, o
que alguns críticos tendem a ver como escrever mal e sem forma. Devido à extensão da prosa,
também há a tendência que algo escape ao autor. Berman ainda acrescenta que somente as
desprezadas.
A analítica do autor mostra as tendências que deformam a letra do original tendo por
finalidade uma suposta manutenção do sentido. Segundo o autor, são treze tendências: a
dos ritmos, a destruição das redes significantes subjacentes, a destruição dos sistematismos
textuais, a destruição (ou a exotização) das redes de linguagens vernaculares, a destruição das
45-62).
A primeira delas, a racionalização, atua na sintaxe e altera a “arborescência” do texto,
ou seja: repetições, proliferação em cascata das relativas e dos particípios, incisos, longas
frases, frases sem verbo etc. Ao apagar esses elementos, segundo o francês, a racionalização
faz com que se perca o elemento prosaico do original levando a uma sensação de menor
A clarificação nada mais é do que tornar claro o que era obscuro no original.
este decorre dos dois anteriores e seria um aumento de extensão do texto desnecessário.
às custas do original. O avesso a essa prática seria o costume de tentar tornar o texto popular
as variações de significantes para um mesmo significado. Por exemplo, às vezes temos várias
palavras usadas na língua de partida para representar tanto rosto como cara, face, semblante,
etc. Contudo, o tradutor escolhe apenas uma palavra para traduzir essa riqueza abundante.
Logo após, Berman fala da homogeneização que não é apresentada muito claramente.
Apenas diz que a prosa possui uma heterogeneidade que tende a sumir na tradução.
nos lembra que a prosa também é rítmica e que cada autor possui suas marcas próprias.
destruição das redes significantes subjacentes. Cada obra constrói uma rede de significantes
tratar também de uma rede, é causado antes por repetições sintáticas do que por escolhas
lexicais.
vernaculares. Como mencionado acima a prosa lida com o vulgo e com o popular.
Frequentemente na tradução, segundo Berman, suprime-se essa rede ou tenta-se fazer uma má
imitação.
dos provérbios. Como traduzi-los? Berman recomenda que se tente traduzir sua letra e não
que se busque o que seria seu “equivalente dinâmico”, o que pode gerar absurdos em certos
Ao fim dessas tendências Berman afirma que a letra são todas as dimensões que o
sistema de deformação atinge e comenta que as teorias da tradução até aqui foram uma
sentido mais puro. Pretendemos aplicar essa analítica às traduções já feitas de Il avai plut tout
segundo o filósofo francês, toda grande tradução se distingue pela sua riqueza neológica.
Sendo assim, afirma Berman: “A literalidade não consiste somente em violentar a sintaxe
francesa [no nosso caso, a portuguesa] ou em neologizá-la: ela também mantém, no texto da
tradução, a obscuridade inerente ao original” (p. 101, 2007), destacando assim que a
literalidade não consiste apenas em romper com a sintaxe do idioma de chegada, mas também
em manter o claro-escuro do texto de partida. Para o autor, o neologismo tem esse poder de
trazer a estranheza própria do original, ou seja, trazer o outro até nós. É importante enfatizar
renovador da língua.
tradução que consiste na acolhida do estrangeiro em sua estranheza, critério que usaremos
3. METODOLOGIA
Sem ter estabelecido um método em sua obra já mencionada, Berman o faz em sua
obra póstuma lançada em 1995 Pour une critique de traductions: John Donne. O autor esboça
um método para nalisar traduções, o qual é descrito em seis etapas etapas: 1ª) Leitura da
tradução, 2ª) Leitura do original, 3ª) Estudo da visão de mundo do tradutor e de suas
traduções anteriores, 4ª) Confronto da tradução com o original, 5ª) Estudo da recepção da
nosso propósito é diferente. Berman em seu livro se propõe a analisar Going to bed de John
Donne e algumas traduções desse poema, fazendo uma crítica no intento de estimular futuras
traduções do poeta inglês. Quanto ao nosso trabalho, o crítico e o tradutor são os mesmos, ou
seja, temos um projeto de tradução e não apenas de análise. Além do mais, ainda temos um
Para tanto, faremos, então, algumas alterações nos procedimentos listados a seguir:
1ª) Leitura do original detectando marcas estilísticas de Delerm, 2ª) Primeira tradução do
texto, 3ª) Comparação com a tradução italiana do mesmo livro, 4ª) Confronto das traduções
com o original, 5ª) Identificação de princípios de tradução, 6ª) Estabelecimento de princípios
Cabe destacar ainda o modo de confrontação proposto por Berman na quarta etapa do
de zonas significativas entre o original e a tradução, 2ª) Confrontação das zonas problemáticas
da tradução com seus respectivos trechos no original, 3ª) Confrontação da tradução com
tradução. Seu projeto trata justamente dessa convergência, devemos ler a tradução a partir da
crítica literária, e a tradução, por sua vez, de certa forma, pressupõe um projeto crítico. Por
O tradutor deve ter uma proposta estética para encontrar soluções tradutórias. Podemos ainda
unir a ideia apresentada em O Albergue do Longínquo com a proposta de Pour une critique
des traductions. Essa proposta estética deve acolher o estrangeiro em sua estranheza. Vale
também destacar a visão de crítica literária de Berman. Para o tradutólogo não se trata de
crítica em sentido negativo, destrutivo. A crítica literária tem um propósito positivo. Um deles
essa função trazendo à tona potencialidades presentes no original, mas que podem se perder
com o tempo.
4. OBJETIVOS
Os textos literários não são apenas um ato de comunicação; afirmar o contrário seria
enquanto arte. Como afirma Walter Benjamin (2011, p.102), um poema, assim como qualquer
obra, não “diz” nada, ou diz muito pouco, a quem o compreende, pois o que ele possui de
essencial não é a comunicação. Da mesma forma, uma tradução literária que se preocupa
apenas em comunicar, ou seja, em transmitir uma suposta mensagem, transmitirá apenas algo
de inessencial. Nesse sentido, e Berman (1985, p.89) aponta como a finalidade principal da
vívida” (p. 89) da linguagem, que inclui o acolhimento da “originalidade” própria da obra e
da “estranheza” do outro, já que a tradução aponta para o desejo de trazer originalmente para
seu espaço linguístico o estrangeiro enquanto estrangeiro. Assim, ela se inscreve, para nós, no
objetivo ético do respeito a essa “estranheza” e a essa “originalidade”. Para que se possa fazer
uma tradução eticamente responsável pelo trabalho da “literalidade carnal” da obra, Berman
(1995) aponta como necessárias, em primeiro lugar, múltiplas leituras de outras obras do
autor e sobre o autor, em segundo lugar, trata-se de fazer uma análise textual que apresente a
sistematicidade própria da obra e que seja um apoio à tradução. A partir disso, este trabalho
tem como objetivo geral fazer uma tradução comentada do romance Il avait plu tout le
dimanche de 1998.
I – Fazer uma análise da obra em questão, buscando sistematizar os componentes formais que
regem os, textos, tendo em vista o trabalho sobre a letra (BERMAN, 1985, p.36). Além disso,
III – Traduzir o livro escolhido, ou seja, Il avait plu tout le dimanche para o português
brasileiro.
(1995) descrita em Pour une critique des traductions: John Donne (1995), visando a uma
crítica produtiva, ou seja, que procure articular certos princípios da tradução e, ao mesmo
5. CRONOGRAMA
redação da dissertação.
No que concerne à primeira etapa, algumas leituras teóricas sobre o autor já foram
explicando sua estética; 2) traduções de obras de Delerm; 3) ortuna crítica sobre a obra de
Philippe Delerm como ensaios, artigos, entrevistas, resenhas, etc.; e 4) livros teóricos sobre
questões de tradução.
segunda etapa, que se iniciará com a realização de um primeiro esboço de tradução e a análise
tradução e suas respectivas soluções escolhidas pela tradução espanhola e italiana. Essa
análise poderá ser feita a partir de comentários, apresentados sob a forma de blocos temáticos,
tais como: expressões idiomáticas, sintaxe, semântica, ritmo, intertextualidade, etc. A redação
dessas notas e comentários possibilitará o retorno ao texto fonte com um novo olhar, a partir
6. REFERÊNCIAS
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minimalisme: l’expérience partagée. Carnets, Première Série – 3, 2011, 161-173. Disponível
em < https://journals.openedition.org/carnets/6137>. Acesso em 11 ago. 2019.
______. O tradutor “invisível” por ele mesmo: Paulo Henriques Britto entre a humildade e a
onipotência. Trabalhos em Linguística Aplicada, n. 36, 2000, p. 159-176.
BENJAMIN, W. A tarefa do tradutor. In: ______. Escritos sobre mito e linguagem. São
Paulo/Duas Cidades: Editora 34, 2011.
BERMAN, A. Pour une critique des traductions: John Donne. Paris: Gallimard, 1995.
______. A prova do estrangeiro. Tradução de Maria Emília Chanut. Bauru: EDUSC, 2002.
_____. La traduction et la lettre ou l’auberge du lointain. In: GRANEL, G. et al. (Org). Les
tours de Babel. Mauvezin: T.E.R.,1985.
______. Prefácios e notas: dizer, agir, sentir. Tradução em Revista, v. 7, p. 1-13, 2009.